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6.
OS PRIMEIROS PASSOS DA CIBERDEMOCRACIA. COMUNIDADES ENGENHOSAS E
CIDADES DIGITAIS
A democracia possui um fundamento local. Se de resto ela foi inventada nas cidades e não nos
impérios, é porque a comunidade de vizinhança é, de alguma maneira, a escala natural a partir
da qual compreendemos que certos assuntos que dizem respeito ao conjunto da Comunidade
devem ser regulados e decididos coletivamente. Nas sociedades tradicionais, os vizinhos (ou
os próximos) são pessoas com as quais estamos pessoalmente em contato e conhecemos os
familiares. Estes são “pessoas como nós", com quem podemos falar cotidianamente e que têm,
frequentemente, preocupações e problemas semelhantes aos nossos. Eles vivem sobre a
mesma terra e se submetem ao mesmo clima. Os vizinhos constatam que eles são
interdependentes e isso os leva a harmonizar, se possível, seus direitos e seus deveres. Na
origem, a ideia de democracia é bastante simples: ela supõe que as pessoas que se falam no
mercado, nos cruzamentos, nos adros dos templos, e cujas crianças poderão talvez se casar
entre elas, decidem em conjunto as regras e as grandes orientações que dizem respeito a
todos, em vez de deixar essas decisões a uma minoria que seria tentada a perseguir um
interesse particular em detrimento do interesse geral.
Certamente não podemos reduzir a democracia a uma simples autogestão de um grupo de
vizinhos. Hoje nós a consideramos como um regime político onde o direito que se aplica a
todos da mesma maneira — prima sobre a força e as fidelidades pessoais. As mudanças de
governo se operam de maneira regulada, pacífica, seguindo a expressão da maioria do povo.
Insistimos, portanto, sobre o aspecto local da democracia porque não somente ela se exerce
evidentemente na escala da cidade, das regiões e dos bairros, mas, além disso, o
desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte após dois séculos diminui
consideravelmente o espaço praticado a tal ponto que o planeta começa a se parecer com uma
comunidade local.
O alfabeto permitiu a invenção da democracia, autorizando a cada um a participação na
administração dos negócios complexos e a refletir sobre o direito. Isso supõe a manutenção e a
consulta de arquivos, como a leitura das leis e regulamentos pelo cidadão. Mais tarde, a
imprensa deu à democracia a capacidade de se expandir em grandes territórios sobre os quais
as pessoas falavam, às vezes (nem sempre), a mesma língua e praticavam (nem sempre) a
mesma religião. Bem ou mal, uma nação podia se expressar através de jornais, de partidos, de
representantes. O Estadonação é filho da imprensa. Ora, nós nos falamos, hoje, no mercado
mundial, nos templos, nas igrejas e mesquitas, nos espaços públicos das metrópoles
cosmopolitas, no ciberespaço. E mesmo se não nos falamos, quer seja pela impossibilidade
prática ou voluntária, nossas decisões e atitudes têm efeitos quase imediatos sobre a vida de
todos os outros habitantes do planeta. Por exemplo, as poluições da atmosfera ou dos
oceanos, quer elas sejam cometidas aqui ou acolá, afetam o mar comum e o ar comum. Temos
então interesse em nos falar! A comunicação e as migrações não limitam mais as ideias e as
culturas a zonas geográficas. Cada nação, cada reagrupamento geopolítico ou transnacional
pode desempenhar um papel importante na aventura que vai constituir, nos próximos anos, a
construção de uma democracia em escala planetária que corresponde à civilização do
ciberespaço, como a democracia corresponde atualmente à civilização da imprensa. Tratase
do encolhimento do espaço praticado que faz da Terra a nova vizinhança de todos.
Mas, antes de abordar esse ponto essencial, devemos examinar cuidadosamente um dos
fundamentos da democracia, a comunidade local, e a maneira segundo a qual ela se
transforma sobre o efeito da sua inserção nas redes telemáticas planetárias.
AS COLETIVIDADES ENGENHOSAS
As comunidades e redes sociais locais e desterritorializadas, | Como vimos, reunindo membros
habitando a mesma zona geográfica ou não, são convocadas a um brilhante futuro. Podemos
apontar alguns desafios ligados às comunidades territoriais: democracia local, vida associativa
e comunitária, ajuda mútua, educação, desenvolvimento econômico, preservação do meio
ambiente, cultura, lazer, esportes, vitalização do laço social em geral. Apresentamos nesse
capítulo algumas das iniciativas mais significativas em um domínio em rápido desenvolvimento.
Nosso horizonte começa pela Fundação de vocação mundial baseada na Califórnia, a World
Foundation for Smart Communities. O conselho dessa fundação compreende eminentes
representantes das comunidades virtuais territoriais provenientes da Europa e da Ásia. Seu
presidente, John M. Eger, ensina políticas públicas de telecomunicação na Universidade do
Estado de San Diego. A Fundação é mantida por um grande número de empresas da economia
da informação (tais como IBM, Oracle, Gualcom, AT&T, Pacific Bell, Siemens etc.), assim como
pelo Supercorredor Multimídia da Malásia e pela Iniciativa Canadense Pelas Coletividades
Engenhosas. A World Foundation for Smart Communities é uma organização.
sem fins lucrativos que tem por vocação promover as comunidades
virtuais de base local e realizar ações educativas em escala planetária.
Ela organiza colóquios e seminários e oferece online um guia para o estabelecimento de
outras comunidades de mesmo tipo. Ao ler a exposição de suas finalidades, vêse claramente
que a Fundação pretende ser um centro mundial da revolução da cibercultura a partir do ângulo
de sua encarnação regional. Visto a amplitude de seus objetivos, as qualidades dos parceiros e
a influência potencial dessa Fundação, nos parece importante discutir suas ideias.
Como muitos governos e administrações públicas contemporâneas, a Fundação tem
paradoxalmente uma visão industrialista da sociedade pósindustrial. Quando ela pretende em
seu sítio que “as tecnologias de informação são os novos meios de criação e de riqueza . para
a comunidade", ela tem perfeitamente razão, mas deixa escapar o essencial: as tecnologias de
informação nelas mesmas (como de resto o dinheiro ou a informação) não podem nada. O fator
principai da criação de riqueza é a inteligência coletiva da população, uma inteligência coletiva
que as tecnologias de informação convenientemente utilizadas podem reforçar, multiplicar e
transformar. Não é, certamente, equivalente visar à produção de informação (perspectiva
industrialista) como a inteligência coletiva (perspectiva da civilização em construção). No
primeiro caso, a informação é ainda um produto exterior. No outro, a subjetividade coletiva — e
os componentes pessoais nos quais ela se refrata e encarna cultivase e aperfeiçoase. Esse
processo de aprendizagem (ou de evolução) leva as comunidades que a ele se consagram em
direção a uma liberdade mais afirmada e a um crescimento da potência individual e coletiva de
seus membros. Nessa perspectiva, a informação representa fluxos de acontecimento que
conectam subjetividades e as fazem entrar na dança de uma inteligência coletiva.
Reconheçamos, contudo, que a World Foundation for Smart Communities por pouco não
assume a noção de inteligência coletiva, já que sublinha que a produção de riqueza devese a
dois fatoreschave:
1. Às nossas capacidades coletivas em produzir, gravar, utilizar
e transferir informação;
2. A nossa consciência de interdependência. (A consciência da interdependência se chamava
tradicionalmente "religião", mas podemos preferir falar de ética, de honestidade, de respeito
aos engajamentos ou do espírito de cooperação e de serviço. Tratase, de todas as maneiras,
de um esforço sério e constante para "compreender o outro", quer escrevamos "outro" com
maiúscula em uma abordagem religiosa, ou sem maiúscula no cenário de um pensamento
ético)
A capacidade em produzir e gerar informação define a inteligência mecânica. Quanto à
consciência da interdependência, ela adiciona à inteligência dimensões subjetivas, éticas e
coletivas, sem as quais ela se reduz à sua própria caricatura. É claro que o crescimento
contemporâneo do ciberespaço, aumentando a visibilidade e a transparência dos atores sociais
e multiplicando as ocasiões e as práticas de cooperação, é um fator importante para a melhoria
geral da consciência da interdependência". Mas essa melhoria é, evidentemente, mais rápida e
melhor alcançada lá onde ela é explicitamente visada. Esse é o projeto da consciência coletiva.
Encontramos no sítio http://www.smartCommunities.org/ uma comparação de cidades
contemporâneas construídas em torno de caminhos de ferro, de vias aquáticas e de
autoestradas, como a cidade do amanhã, construída em torno das "autopistas" da informação.
Essa comparação ganha todo o sentido no contexto americano, já que os habitantes do novo
mundo têm ainda nas suas lembranças a fundação de cidades ao longo das vias de
comunicação, que os europeus ou os asiáticos cujas cidades datam, em alguns casos, de
vários milênios esqueceram há muito tempo. A construção ou a reconstrução de cidades em
torno das “autopistas da informação" tornase então o prolongamento natural de um gesto já
realizado em um passado próspero. É exato que as cidades se constroem em torno de
cruzamentos ou de espaços de comunicação. Mas a analogia entre estradas e autopistas da
informação peca pela simplicidade. Para dizer em uma palavra, ela tende a ocultar uma
distinção que não é sem consequência: as estradas clássicas transportam corpos e as
informações, enquanto as autopistas da informação só transportam informação.
Durante muito tempo, a comunicação das mensagens de longa distância devia utilizar
exatamente as mesmas vias utilizadas pelos corpos e pelos objetos físicos. As vias romanas
transportavam mercadorias, legiões, peregrinos, correio imperial e notícias. Ao longo da
história, com exceção do “tamtam" e dos sinais de fumaça, as mensagens circulavam sobre os
mesmos canais que as pessoas. Correio, jornais e livros utilizavam, como os homens e os
malotes de mercadorias, as vias rodoviárias, férreas, marítimas e aéreas. Ora, desde o
telégrafo e o telefone, a comunicação das informações é progressivamente desacoplada da
circulação das coisas. Isso não quer dizer que uma substituiu a outra, pois a densificação das
telecomunicações — paralelo à melhoria dos transportes físicos foi acompanhada de um
crescimento das viagens e do comércio. Dito de outra maneira, isso significa que se constitui
progressivamente e cada vez mais rápido depois do crescimento do ciberespaço uma esfera
unificada da linguagem da comunicação na qual as distâncias espaciais não estão mais em
curso, enquanto os tempos de conexão e acesso às informações tornamse negligenciáveis.
As cidades sempre tiveram três grandes funções complementares: a acumulação, a
interconexão e o governo. Os prédios, lojas, museus, tesouros, estoques, arquivos, bibliotecas,
definem a dimensão de acumulação ou de memória das cidades. Certamente, a memória
contemporânea não abandona os lugares físicos, porque as bibliotecas e os museus continuam
a florescer sobre o território real. Mas observamos que o ciberespaço constitui um novo
“centro" de acumulação de informação — um centro estranho que se encontra, de agora em
diante, em todos os lugares, na rede.
Na cidade clássica, a praça pública, as ruas, o mercado, o templo, a igreja, a escola, a
universidade permitiam a troca de bens materiais e de informações. A cidade é um sistema de
comunicação. Antes do crescimento da Internet, a densidade das comunicações telefônicas era
máxima no seio das mesmas zonas urbanas, o que demonstra o paralelismo entre encontros
físicos e comunicação dentro dessa máquina de interconectar a diversidade e a mobilidade que
constituem as cidades. O ciberespaço prolonga e intensifica a função de interconexão do
urbano. As mídias reconfiguram os espaços urbanos, os subúrbios, os centros, dinamizam o
transporte público e tornam mais complexo esse organismorede que são as cidades.
Mobilidade e cidade são indissociáveis. Essa relação é uma constante, mas novas dimensões
emergem com as tecnologias digitais e as redes telemáticas.
A evolução das cidades ocorreu pela constituição de diversas formas de mobilidade por redes
materiais e espirituais, como definiu Saint Simon no século XIX (Musso, 1997, 2003). Tratase
de mobilidade por redes de transporte (de matéria e corpos em movimento), por redes de
comunicação (difundindo para lá e para cá informações sobre os mais diversos formatos:
cartas, telégrafo, telefone, televisão, rádio), mobilidade dos fluxos financeiros (vistos por Saint
Simon como uma "seiva" que alimentaria o organismorede das cidades). As cidades e os
processos midiáticos que lhe são correlatos e estruturantes, como o jornalismo e depois as
mídias audiovisuais, são desde sempre fluxo, troca, deslocamento, desenraizamento e
desterritorializações (das relações sociais, das informações e dos territórios). A cidade
constituise, historicamente, como lugar de mobilidade e fixação, e isso desde as primeiras
organizações sociais que se formaram como lugar de culto aos mortos, as necrópoles”
(Mumford, 1998).
As cidades se desenvolvem como “sociedades em rede" (física, simbólica, cultural, política,
imaginária, econômica). A. particularidade contemporânea é a hegemonia de um conjunto de
redes, as redes telemáticas, que passam a integrar e mesmo a comandar (cibernética), as
diversas redes que constituem o espaço urbano e as diversas formas de vínculo social que daí
emergêm. O processo de complexificação do organismorede continua com as metrópoles
contemporâneas, as cibercidades (Lemos 2004, 2005, 2007). Estas podem ser definidas como
cidades onde as infraestruturas de comunicação e informação já são uma realidade, e onde as
práticas daí advindas formam um novo tecido urbano, a ciberurbe.
Devemos, no atual estágio da cibercultura e da ciberdemocracia, reconhecer a instauração de
uma dinâmica sociopolítica que faz com que o espaço e as práticas sociais reconfiguremse
com a emergência dos novos formatos comunicacionais. As atuais cibercidades podem ser
pensadas como formas emergentes do urbano na era da informação. O desafio é criar
maneiras efetivas de comunicação e de reapropriação do espaço físico, de reaquecimento do
espaço público, de favorecimento da apropriação social das tecnologias de comunicação e
informação e fortalecer a ciberdemocracia planetária em gestação. Mais ainda, com as
tecnologias sem fio e a ampliação da mobilidade informacional, vernos a constituição de
relações híbridas e complexas entre o espaço urbano e o ciberespaço. As metrópoles
contemporâneas passam a ser "unwired cities" (Towsend, 2003), entrando na era da
computação ubíqua, pervasive, a partir de dispositivos e redes como os celulares 3G, GPS,
palms, etiquetas RFID, e as redes WiFi, WiMax, Bluetooth. Essas metrópoles tornamse
cidades “desplugadas", ambientes urbanos de conexão à informação e às redes sociais. Assim,
nas cidades contemporâneas, os tradicionais espaços de lugar estão, pouco a pouco, se
transformando em ambiente generalizado de acesso e de controle da informação, territórios
informacionais criando zonas de conexão no espaço urbano (Lemos, 2007). Nada de
desmaterialização das cidades e das relações pelo ciberespaço virtual. Vemos efetivamente
atualização e materialização de relações com a cidade e com o outro na intersecção do físico e
do eletrônico.
A sede dos governos, quer seja dos governos de entidades políticas, econômicas ou
religiosas, sempre se estabeleceu no centro das cidades. Por suas funções de memória e de
interconexão, a cidade constitui a "cabeça" e abriga, por consequência, o governo” da
sociedade. Desse ponto de vista, o ciberespaço prolonga e supera a cidade, criando uma nova
dimensão do urbano. A presente reflexão sobre a ciberdemocracia constitui precisamente um
esforço para pensar a dimensão política ou governamental das cidades na cibercultura. Não se
trata da substituição da rede de asfalto por uma rede de fibra óptica como sistema estruturador
da cidade. Podemos dizer que na cidade contemporânea vemos a transferência de certas
funções da cidade real ao ciberespaço, e viceversa, em um novo hibridismo entre o espaço
fisico e o eletrônico. Se pensarmos que o transporte aéreo, os trens rápidos, as autopistas
colocaram qualquer ponto densamente povoado do planeta a menos de quarenta horas de
distância de qualquer outro, podemos dizer que as novas redes de comunicação transformaram
a terra dos homens em uma só grande zona regional centrada sobre a metrópole ciberespacial.
Um dos problemas das localidades territoriais é justamente encontrar seu lugar na nova
metrópole planetária.
Do ponto de vista do internauta, a coletividade regional geográfica à qual ele pertence é uma
comunidade virtual potencial (ou já plenamente desenvolvida em certas aglomerações). Essa
comunidade virtual local tem vocação para abrigar numerosos processos de inteligência
coletiva que não poderiam acontecer em estruturas desterritorializadas. Citemos notadamente
as trocas de informação e de conhecimentos de recursos locais, as relações interpessoais
implicando contatos reais frequentes, os serviços de proximidade, o comércio e as parcerias
econômicas locais, a transparência do mercado local de trabalho e de competências, a
educação para os jovens, a coordenação no uso coletivo de recursos territoriais, a deliberação
democrática ligada às instituições políticas municipais ou regionais, a via associativa e cultural
local, as solidariedades sociais regionais, a consciência e a gestão dos desafios ambientais
regionais etc. Mais os processos de inteligência coletiva são fecundos e criativos, mais cresce a
prosperidade e a qualidade de vida da comunidade territorial.
As zonas urbanas ou regionais clássicas estão em competição no seio de uma comunidade
humana global em via de unificação rápida, que está sendo interconectada no ciberespaço.
Essa competição se coloca na busca de melhores formas de cooperação, não apenas no
interior das “coletividades engenhosas", mas igualmente na rede indefinida de clientes e de
parceiros a que a coletividade territorial e seus atores serão chamados a se aliarem. Em um
contexto de mobilidade crescente da população, a emergência do ciberespaço contribui a
definir novas condições da competição entre as regiões do globo, mas também oferece novas
ferramentas para cooperação. Todo o desafio das “coletividades engenhosas" situase entre
essas duas posições.
Se devemos encontrar uma metáfora do ciberespaço no sistema de transporte, não
falaríamos de autopistas da informação, mas do papel que desempenhou o Mediterrâneo no
Império Romano. O ciberespaço no qual navegam os internautas, constitui o mar interior em
torno do qual estão, de agora em diante, instaladas nossas cidades. As instalações portuárias
(as redes) e a frota (a disposição material e logística de navegação) são indispensáveis, mas o
essencial continua, entretanto, a ser o espírito de empreendimento dos comerciantes, a coesão
das equipes e a habilidade em cartografar em tempo real os fluxos de informação. Vemos, por
exemplo, diversas formas de cartografia do ciberespaço e diversos procedimentos de
mapeamento e de produção de conteúdo de base comunitária (bairros, empresas,
universidades, ONGs etc.) com os novos dispositivos móveis digitais, sensores e redes (celular,
Bluetooth, GPS, Internet...).
Mas fujamos das metáforas. Talvez devamos olhar não em direção aos barcos, trens ou carros,
mas para esse invisível que faz a essência do humano: a linguagem. As conexões entre as
casas, as escolas, as bibliotecas, os hospitais, as prefeituras, os serviços e o comércio das
cidades virtualizadas, de que nos falam os documentos da World Foundation for Smart
Communities, não são essencialmente conexões físicas entre entidades materiais distintas.
São relações informacionais que implicam um grau de transparência que coloca profundamente
em causa o funcionamento tradicional das instituições concernidas. As empresas e as
instituições locais, metamorfoseadas pela sua integração nas coletividades engenhosas, como
por seus prolongamentos nas redes (móveis e fixas) do ciberespaço, serão cada vez mais
abertas e entrelaçadas. Essa nova transparência transpõe, no plano técnico, o motor do diálogo
(esse privilégio da humanidade), a essência do processo comunicativo: se abrir ao Outro.
As instituições europeias marcaram há muito tempo seus interesses pelas aplicações urbanas
das autopistas da informação. O relatório Bangemann previa no seu capítulo quatro (“The
Building Blocks of the Information Society'), uma aplicação denominada “city information
highuays”. Sabemos, por outro lado, que numerosas cidades digitais europeias foram
encorajadas por instituições europeias. Em compensação, o mais recente projeto para a
sociedade da informação na Europa (eEuropa), se menciona o egovernment na lista das dez
iniciativas lançadas em 1999, não sublinha particularmente o tema das regiões ou das cidades
digitais. Vejamos o que significa uma cidade digital.
O termo “cidade digital" (ou “cibercidade") abrange quatro tipos de experiências que relacionam
cidades e novas tecnologias de comunicação. Em primeiro lugar, e parece ter sido essa a
origem do termo, entendese por cidade digital projetos governamentais, privados e/ou da
sociedade civil, que visam criar uma representação na veb de um determinado lugar. Cidade
digital é aqui um portal com informações gerais e serviços, comunidades virtuais e
representação política sobre determinada área urbana. Um dos projetos pioneiros foi "De
Digitale Stad", da cidade de Amsterdã, criado em 1994 por uma organização civil e hoje
transformada em entidade de utilidade pública. Entendese, em segundo lugar, por cidade
digital, a criação de infraestrutura, serviços e acesso público em determinada área urbana para
o uso das novas tecnologias e redes telemáticas. O objetivo é criar interfaces entre o espaço
eletrônico e o espaço físico através de oferecimento de teleportos, telecentros, quiosques
multimídia e áreas de acesso e serviços. Há inúmeras iniciativas no Brasil. O Ministério das
Comunicações elaborou um Plano Nacional de Cidades Digitais para levar banda larga a todo o
país. O objetivo é articular ações de inclusão digital levando acesso à Internet para toda a
população em cinco anos.
Um terceiro tipo de cidade digital referese a modelagens 3D a partir de Sistemas de
Informação Espacial (SIS, spacial information system, e GIS, geographic information system)
para criação de simulação de espaços urbanos. Esses modelos são chamados de "CyberCity
SIS" e são sistemas informatizados utilizados para visualizar e processar dados espaciais de
cidades. As simulações ajudam no planejamento e na gestão do espaço, servindo como
instrumento estratégico para o urbanismo contemporáneo.
A quarta categoria, que podemos chamar de “metafórica", formada por projetos que não
representam um espaço urbano real Esses projetos são chamados por Augiri e Graham (1998)
de “non grounded cybercities", cidades não enraizadas em espaços urbano reais. Essas
cidades digitais são sites que criam comunidades virtuai (fóruns, chats, neus etc.) utilizando a
metáfora de uma cidade para a organização do acesso e da navegação pelas informações.
Nesse caso, não há uma cidade real, como, por exemplo, “Twin Worlds" *VChat”, “DigitalEE”
ou o popular “Second Life”.
Atualmente, as tecnologias e redes sem fio imprimem novas transformações sociais (redes
de sociabilidade por SMS, microbiogging), novas práticas culturais (acesso e consumo da
informação em mobilidade) e novos desenhos no espaço urbano (zonas de acesso para WiFi e
celular, navegação por GPS, mapeamento, geolocalização). As cidades entram na era da
computação ubíqua, embarcada, móvel. Exemplos dessa nova estrutura de conexão podem
ser encontrados em várias cidades. Vejamos a situação europeia, depois a americana e, por
fim, a brasileira.
É conveniente notar que o tema da democracia local e da rede (e ainda mais o tema da
inteligência coletiva) é raramente abordado enquanto tal na literatura oficial europeia.
Entretanto, a encarnação regional ou municipal da sociedade da informação entra lentamente,
mas irreversivelmente, nos hábitos europeus. Algumas realizações são mais avançadas do que
outras: falaremos em prioridades. As informações que se seguem não têm nenhuma pretensão
à exaustão, elas pretendem apenas dar alguns exemplos históricos representativos de sucesso
de uma tendência geral e indicar algumas pistas documentais. Todas as cidades francesas,
tendo tomado iniciativas ligadas à Internet, são recenseadas em um mesmo sítio, o
VillesInternet, e acessíveis em um clique. Um júri classificou essas cidades por ordem de
excelência. A classificação funciona um pouco como as estrelas de hotéis ou os garfos do guia
Michelin, com a diferença que aqui se trata de arrobas. As categorias vão então de uma arroba
(2) a cinco arrobas (@@@@@) e são afixadas em um quadro na entrada das cidades reais.
Isso vai das experiências mais desenvolvidas, como a de Parthenay e de IssylesMoulineaux,
até os simples sítios veb de prefeituras, como aquele de Brest. Dados de 2008 mostram que
203 municípios ganharam arrobas, sendo que 14 alcançaram o nível 5 (2G2G2(2G).
O sítio da cidade IssylesMoulineaux (2GGG no primeiro concurso das cidadesInternet, além
de vários outros prêmios e “Iop 7 Inteligent Community of 2009”, segundo seu sítio) é um dos
mais vivos: cibercreche permite que os pais possam vigiar seus filhos pela Internet, incubadora
de empresas da nova economia, WebTV local etc. O prefeito da época, André Santini, não
hesitou em intervir nos fóruns, contrariamente a muitos homens políticos franceses que não se
imiscuem em discussões na Internet. Encontramos nesse sítio um acesso ao conselho
municipal interativo, que representa uma verdadeira inovação em matéria de prática
democrática. Um estudo de Eric Maigret e Laurence Monnoyer (laboratório Comunicação e
política do CNRS) tira um balanço interessante dessa experiência. Vemos no texto que os
conselhos municipais são mais pedagógicos e de melhor tratamento intelectual depois de
serem transmitidos ao vivo pela televisão local, que as relações são mais educadas entre a
maioria e que os cidadãos apreciam geralmente esse ganho de transparência. A dimensão de
interatividade (que toma frequentemente a forma técnica clássica de questões por telefone)
parece menos inovadora nos fatos em que a dimensão de visibilidade cresce, que modifica o
comportamento dos eleitos e dá aos cidadãos um melhor conhecimento dos problemas ligados
à gestão de sua cidade. No entanto, a possibilidade de intervir, mesmo se ela tem poucos
efeitos, parece ser considerada como um ganho positi. vo. No total, a cidade de
IssylesMoulineaux conseguiu criar uma verdadeira "comunidade virtual" local. 蓋 Sob o
impulso de seu prefeito Michel Hervé, a província rural de Parthenay (@{2GG em 2008) foi a
primeira na França a se lançar na aventura da renovação da democracia local por uma politica
voluntarista de interconexão dos cidadãos em larga escala. Ela implantou uma política de
acesso a todos por um sistema de aluguel. e venda de computadores a baixos preços. Seu sítio
abriga uma verdadeira comunidade virtual com oferecimento de correio eletrônico, espaço para
sítios veb pessoais, fóruns de discussão vivos, expressão livre da vida associativa, implicação
dos atores econômicos locais e acesso a grande número de serviços. A cidade tornouse
fornecedora de acesso à Internet gratuito para os cidadãos e criou. uma infraestrutura de
intranet “intoun" que liga os hospitais, os atores econômicos (notadamente agrícolas) etc. Um
verdadeiro caso de escola para as comunidades engenhosas.
Em seu artigo sobre a experiência de Parthenayo Christophe Assens e Dominique Phanuel
sublinham, entretanto, que menos de um terço dos habitantes participavam ativamente da
comunidade virtual local. Os notáveis tradicionais (incluindo aí os sindicatos) resistem
surdamente, por causa do estilo de relação igualitária e transparente que tende a se
estabelecer no ciberespaço e que ameaça seus poderes. Esses autores detectam aqui a
aparição de um novo tipo de democracia que eles batizam de "democracia em rede", menos
autoritária e hierárquica que a democracia representativa clássica e menos tentada pelo puro e
simples marketing que reflete, Segundo eles, a democracia participativa.
Se comparamos a maioria dos sítios municipais (como aquele de Bresto um dos mais
remarcáveis sítios veb de cidade na França e cuja equipe municipal realizou numerosos
esforços para favorecer o acesso da grande maioria) ao de IssylesMoulineaux e de
Parthenay, a diferença salta aos olhos: esses abrigam comunidades virtuais, aqueles
organizam informações. Brest dá uma lista de membros do conselho municipal,
IssylesMoulinaux e Parthenay tentam reinventar a democracia local graças às novas técnicas
de comunicação. Essa nova democracia local não se limita a tornar transparente o conselho
municipal. Ela implica, sobretudo, a renovação e o enriquecimento da rede de sociabilidade, o
dinamismo da vida comunitária, associativa, Cultural, pedagógica e econômica. É de fato toda a
comunidade local que se torna progressivamente mais transparente a ela mesma.
O sítio da cidade de Bologna, capital da ÉmilieRomagne, pode ser explorado através de um
mapa interativo, tipo de cidade virtual composta de ícones representando as principais funções
da S cidade prefeitura, butiques, museu, teatro, polícia, justiça, escola, aeroporto etc. É notável
que, sob o plano virtual, cada função seja representada por um único ícone, enquanto as
instituições “reais" correspondentes (os museus, as escolas etc.) são dispersas, ao mesmo
tempo, fisicamente e juridicamente. O mapa interativo é assim muito mais que um artifício
engenhoso de navegação, tratase da tradução visual de uma vontade política de interconectar
todos os esforços, trabalhando em uma mesma direção. E essa política se desenvolve também
tanto em nível da comunidade local como além. Para ilustrar essa ideia, peguemos dois
exemplos, o das escolas e das empresas.
Não apenas as escolas de Bolonha são organizadas em rede, mas a parte do sítio consagrado
aos jovens recenseia os links exteriores à comunidade de Bolonha que poderiam ser
pertinentes para a navegação de estudantes e de professores (por exemplo, a comunidade
virtual das escolas italianas). Recursos didáticos e fóruns permitem à comunidade escolar de
Bolonha encontrar tudo o que ela poderia ter necessidade e um louvável esforço para iniciar os
internautas debutantes nos recursos da rede. O sítio contém uma verdadeira enciclopédia da
Internet para os jovens. É evidente que a preocupação dos dirigentes de Bolonha, lutando
contra a famosa fratur digital (digital divide), como todas as autoridades políticas responsáveis,
é de não deixar nenhuma parte da juventude fora da Rede, Esse esforço pedagógico é
intensamente desenvolvido também na direção das empresas, particularmente das Pequenas e
Médi Empresas (PME). Não se trata de simplesmente utilizar a rede pela comunidade para
mostrar publicidade na veb. Textos detalhados e bem explicados preveem a constituição de um
distrito econômico comercial e financeiro virtual, fundado na cooperação estreita entre
pequenas e médias empresas da região. A municipalidade se propõe a constituir essa
inteligência coletiva econômica por meio da harmonização dos instrumentos de comunicação e
de transação pela prefeitura. Assim, o “distrito econômico virtual" não enfrentaria, de forma
dispersa, nem a concorrência internacional, nem as oportu: nidades de cooperação em escala
europeia. Tratase, de fato, de criar uma comunidade virtual de empresas locais em que o
mercado de informações, de bens e de serviços seria o mais transparente possível, a
municipalidade enquadrando esse processo de transparência e trabalhando para fornecer às
empresas as informações e os serviços administrativos, incluindo os “virtuais" de que elas têm
necessidade, Pensamos em uma espécie de MITI regional explorando as possibilidades do
ciberespaço e fundado sobre uma densa rede de PME caracterizando a tradição econômica da
Itália do Norte.
Percorrendo os sítios de regiões e cidades que se transformam progressivamente em
comunidades virtuais, compreendemos que uma forte vontade política de construir uma
comunidade inteligente, na condição que ela seja encampada pela população, pode constituir a
principal vantagem de uma região. O impressionante sítio de Bolonha deixa transparecer essa
vontade de manter o maior número na participação à inteligência coletiva.
A rede de cidades virtuais da região de Valência, na Espanha,o é um dos exemplos mais
remarcáveis de participação popular em uma comunidade virtual de base local. É importante
citar todas as cidades europeias, cada vez mais numerosas, que estão engajadas nessa ia.
Apontamos, entretanto, a Digital Stad de Amsterdã como a primeira das cidades digitais da
Europa e do mundo. Em coerência com a tradição dessa cidade, o meio alternativo foi um dos
motores da criação inteiramente original desde janeiro de 1994.
Contrariamente à maior parte dos sítios europeus centrados na prefeitura, as comunidades
engenhosas americanas resultam frequentemente de iniciativas privadas, quer sejam elas
comunitárias ou, cada vez mais, comerciais. Nesse sentido, a Inglaterra se situa tanto
geograficamente como culturalmente, entre os dois continentes, como podemos ver no duplo
sítio de Bournemouth. A rede inglesa associativa “communities online” e seu projeto de
renovação das comunidades de vizinhança (neighbourhood renewal) é particularmente vivo. A
Europa abriga, entretanto, uma aliança para implantação em rede de comunidades
(communities networking) e agrupando iniciativas cidadãs de base (tradição inglesa grassroots
independentes dos poderes municipais. Em escala planetária, as rede comunitárias locais são
igualmente reagrupadas. O sítio das Freenet Community Network, o como aquele da
Organisation for Communities Networks, o contém imensas listas de endereços de
comunidades virtuais locais que não são nem comerciais nem controladas por um poder
público. A finalidade de todas essas comunidades é, essencialmente, criar sociabilidade, redes
de conversação e de ajuda mútua a fim de revitalizar tanto as vizinhanças locais quanto os
processos democráticos. O objetivo é permitir às pessoas mais desfavorecidas a participação
na construção da sociedade da informação A diferença entre as smart communities americanas
e os sítio: municipais europeus, e particularmente os franceses, salta aos olhos. Primeiramente,
o papel das autoridades políticas é frequentemente secundário. Na maioria das cidades virtuais
americanas, o governo é apenas uma das rubricas, contentandose em enviar ao sítio distinto a
autoridade política municipal ou regional. A municipalidade, a região ou o Estado se
concentrarão no egovernment; isto é, nas melhorias dos serviços que podem oferecer aos
cidadãos. No entanto, eles organizam raramente a comunidade virtual local. e não será
geralmente iniciativa de uma “digital city". Nos Estados Unidos, o divertimento (entertainment) e
o serviço ao cliente estão na posição de comando. As cidades digitais americanas (como
muitas das comunidades virtuais americanas) tendem a ser organizadas por especialistas da
animação online, a fim de atrair o maior número possível de clientes. O saberfazer comercial
das grande empresas da nova economia, como AOL, é aqui utilizado para colocar as pessoas
em relação. Assim, numerosas funções anteriormente ocupadas pelo rádio ou o jornal local
estão migrando para os portais das cidades e para os sistemas sociais da Web 2.0. No entanto
passando da mídia à hipermídia ganhase em interatividade. As pessoas são incitadas a dar
suas opiniões e a discutir sobre tudo. Por exemplo, votações são organizadas sobre os lugares
mais apreciado da cidade e seus entornos (de restaurantes às igrejas, passando pelos lagos
onde se banhar). Os sítios e fóruns são um pouco mais vivos nos Estados Unidos. Nesse caso,
a inteligência coletiva parece mais atrativa quando organizada por profissionais do divertimento
que pelas autoridades políticas.
Em terceiro lugar, o saber fazer técnico é colocado ao serviço da facilidade de navegação.
As comunidades virtuais comerciais fornecem acesso à Internet com todos os instrumentos
associados endereço de correio, possibilidade de desenvolver seu próprio sítio pessoal etc.
Imitando às vezes a interface dos grandes motores de busca comerciais, os sítios das
comunidades virtuais locais se apresentam como verdadeiros motores de busca da cidade e
incluem, além disso, uma lista de rubrica de classificados: notícias, meteorologia, clubes de
encontro, filmes, saídas, comércio clássico, vendas o varejo, mercado das pulgas, mercado de
trabalho, pequenos anúncios, escolas etc. Todos esses recursos da comunidade local são
facilmente acessíveis em um mesmo local.
Em quarto lugar, as comunidades virtuais locais americanas têm atendência à padronização. As
redes de cidades digitais propõem ao internauta uma interface idêntica para todas as cidades
para que o viajante (virtual ou real) possa se encontrar imediatamente em qualquer cidade da
rede. Podemos assinalar a esse respeito que o software Real City permite a qualquer
comunidade virtual local se organizar. Encontramos, por exemplo, funções préprogramadas de
calendário com os acontecimentos da comunidade, os sítios ueb associados a esses
acontecimentos, os mapas para poder chegar até eles etc. As funções de galeria de sítios ueb,
com ajuda online para a redação de sítios e integração de funções de grupos de discussão
online, são igualmente préprogramadas, tais como mercado de emprego, mercado imobiliário
etc. Encontramos essa tendência à padronização no governo eletrônico das comunidades
locais.
i. Em quinto lugar, o mercado e o templo são muito mais aparentes nas comunidades virtuais
americanas. O village mall (centro comercial virtual) compreende geralmente todo o comércio
presente em um lugar. Mas o papel do mercado é ainda mais profundo, pois ele estrutura a
concepção mesma da comunidade virtual: todo mundo expõe o que tem a oferecer e cada um
pode ver o que os outros têm a propor. De outra parte, a presença das comunidades religiosas
(Cristãs, judias, muçulmanas, budistas etc.) é muito mais forte que nos sítios europeus laicos e
municipais, que têm sobre esse assunto uma espécie de pudor.
Uma das mais antigas e mais vivas das comunidades virtuais locais dos EstadosUnidos é a
Blacksburg Electronic Village (BEV), o à qual numerosos estudos foram consagrados. Essa
comunidade é caracterizada por sua forte proporção de seniores. A universidade regional,
Virginia Tech, teve um papel motor na sua constituição. Outro caso interessante, o da cidade de
Seattle,o que conta a menos com três comunidades virtuais locais. Uma delas, a mai
desenvolvida, foi criada pela iniciativa da prefeitura sob o model europeu e mistura as funções
de governo eletrônico e de comunidad virtual. Uma outra se pretende unicamente “comunitária.
Encontramos, por fim, uma terceira, com finalidade unicamente comer cial, pertencendo à rede
de digital cities da AOL. Podemos muito bem imaginar uma concorrência entre comunidades
virtuais locai como o modelo de concorrência da imprensa local. No Brasil, o Ministério das
Comunicações elaborou um Plano Nacional de Cidades Digitais para levar banda larga a todo o
país. Projetos estão em andamento e em testes. Por exemplo, estão sendo implementados
projetos de redes sem fio em Almerín (PA), Belo Horizonte (MG), Ouro Preto (MG), Parintins
(AM), Piraí (RJ) Sud Menucci (SP), entre outras. Podemos dizer que o Brasil tem acompanhado
a tendência mundial, já que encontramos experiências que não têm necessariamente o nome
de cidades digitai mas que cumprem essas funções.° O Plano Nacional de Cidades Digitais do
Ministério das Comunicações articula diversas ações de inclusão digital, e tem como objetivo
levar acesso banda larg à Internet para todo o país. O Ministério anunciou a aquisição d 8 mil
pontos de presença do Gesac Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão, que
dá acesso à Internet em áreas de baixa renda, via satélite. O sistema consta hoje com 13.330
pontos. em 2,1 mil cidades. Segue abaixo uma listagem de alguns projetos em cidades em
teste elou em implantação: Almerin (PA), Almenara (MG) fase de teste, Alterosa (MG),
Barbacena (MG), Belo Horizonte (MG), Cacique Doble (RS) fase de teste, Camburi em 2008,
Casa Branca (SP), Conservatória (RJ) fase de teste, Garanhuns (PE) fase de teste,
Goiás(GO) fase de teste, Ipatinga (MG), Juquehy em 2008, Lavrinhas (SP) – fase de teste,
Mangaratiba (RJ), Maresias em 2008, Ouro Preto (MG), Parati (RJ), ’arintins (AM), Pindorama
(TO) fase de teste, Piraí (RJ), Porto Alegre (RS), Quissamã (RJ), Rio das Flores (RJ), São
Sebastião SP), Sud Menucci (SP), Tiradentes (MG), Valença (RJ) fase de este, Visconde de
Mauá (RJ) e Volta Redonda (RJ). Várias são as idades e estados brasileiros que têm criado
portais na Internet, passando a figurar no espaço web e adaptandose ao novo paradigma
digital da Sociedade da Informação.
CAP 7
Em 24 de junho de 2000, o então presidente americano Bill Clinton dirigiuse aos americanos
por intermédio da Internet para anunciar que o governo americano teria, desse momento em
diante, um guichê único no ciberespaço e que, num futuro próximo, todas as demandas de
informação poderiam ser satisfeitas pela Internet a partir desse guichê. Além disso, o
presidente anunciava que a maioria das transações entre cidadãos e governo
poderiam igualmente empregar esse canal. First Gov é o nome do sítio, um serviço organizado
segundo o princípio de uma máquina e busca comparável às maquinas de busca do Yahoo,
do Altavista e do Google baseado em uma grande base de dados dando acesso a todos os
documentos da máquina política americana, compreen
dendo os formulários e procedimentos administrativos, judiciários, legais e outros. Um grande
número de entradas e de classificação diferentes permitem navegar no sítio, inclusive entre os
três poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo. Aqueles que já conhecem o endereço
eletrônico preciso dos documentos procurados podem acessálos por uma via mais rápida que
aquela da máquina de busca. A administração Bush perseguiu acertadamente os esforços da
administração precedente para a promoção de um governo eletrônico a serviço dos cidadãos
americanos, e a sua expansão está em marcha com o governo Obama (que utilizou fortemente
a Internet durante a companha eleitoral, inclusive utilizando o Twitter para informar seus
simpatizantes de todos os seus movimentos).
Paralelamente às iniciativas políticas, dirigentes de grandes empresas e do mundo
político uniram suas forças para incitar as administrações, tanto em escala federal
quanto estadual e municipal, a inovar no domínio do governo eletrônico. O objetivo é
apoiarse sobre as novas ferramentas de comunicação interativas. para reformar um
setor público na maioria das vezes pouco eficaz, Concursos de inovação são lançados
permitindo estimular as administrações e tornar públicas as realizações mais
remarcáveis. Os estados americanos tomam consciência da importância de colocar em
fase os modos de governo com a evolução do resto da sociedade.
O caso dos Estados Unidos não é isolado. Na maioria dos países: avançados as iniciativas
se multiplicam para simplificar os procedimentos administrativos, tornar os "processos de
produção da lei". mais transparentes e aproximar o governo do cidadão por meio da Internet. A
maioria das câmaras legislativas no mundo oferece agora serviços online com o objetivo de
tornar seu funcionamento: acessível. Como sublinhado em todos os relatórios sobre conteúdos
convergentes redigidos à demanda dos governantes, a mutação. vem da sociedade,
notadamente do mercado e das empresas. Uma vez que estamos habituados à eficácia, à
simplicidade e à transparência no universo em crescimento da economia da informação, a
opacidade, o fechamento e a ineficácia das administrações públicas tornamse chocantes. Mais
ainda, a palavra competitividade retorna frequentemente nos relatórios oficiais sobre o governo
eletrônico: os governos estão de agora em diante em concorrência uns com os outros.
Empresas, não somente multinacionais mas igualmente pequenas e médias, cada vez mais
digitalizadas, escolhem o lugar de instalação de sua sede social. Os indivíduos emigram mais
facilmente graças à permeabilidade das fronteiras e à transparência mundial aguda. Os
indivíduos e as empresas poderão cada vez mais escolher a administração da qual eles
dependerão, o que coloca governantes em concorrência para atrair os “melhores". Ora, a cácia
do serviço oferecido aos cidadãos e às empresas constituem um fator importante de dinamismo
e de atração de um país, de um Estado, de uma província, de uma região ou de uma cidade. O
uso udicioso da Internet tornase um dos instrumentos principais dessa concorrência entre os
governantes para oferecer o melhor serviço ao
3. A doutrina inglesa do egovernment tem o mérito de ser clara. Tratase simplesmente de
aplicar ao serviço público os métodos do
a. Isso implica um processo de reengenharia e, notadamente, uma : redução de níveis
hierárquicos, exatamente como nas empresas. Em cada serviço da administração pública
inglesa haverá um "informaion age government champion" encarregado de impulsionar a
implementação de uma política voluntarista de passagem ao egou. Um documento oficial assim
define os quatro princípios fundamentais do governo eletrônico: ...
Construir serviços em torno das escolhas dos cidadãos (e não em torno dos fechamentos e
privilégios da administração), Tornar o governo e seus serviços mais acessíveis (notadamente
pela Internet); incluir as populações desfavorecidas pelas formas tradiciomais de goverro
(serviços para as minorias linguísticas, os deficientes, os expatriados, os estrangeiros); Melhor
utilizar a informação (em particular com a conexão
de sistemas de informações hoje separados).
Em suma, o governo deve estar centrado no cidadão, assim como o ebusiness está
centrado no cliente, não em teoria, como uma inscrição gravada no mármore dos edifícios
públicos, mas no cotidiano da administração lutando contra as filas para os guichês os
formulários incompreensíveis, os funcionários arrogantes o corruptos, os escritórios incapazes
de comunicar. O desafio mais profundo da governança eletrônica poderia bem ser esse: os
governos estão passando de uma relação de autoridade sobre os sujeitos uma relação de
serviço aos cidadãos, aos quais eles têm cada vez mais contas a prestar.
Esse movimento de transformações do mercado e das empresas acarreta um progresso da
democracia. O movimento que havia começado na época da imprensa no momento da criação
das grandes democracias modernas e da rejeição das monarquias absolutas prossegue. O
governo eletrônico pode e deve contribuir para a diminuição da arbitrariedade do Estado.
Apresentandose de agora em diante como uma máquina útil e não como uma autoridade
transcendente, o Estado deve demonstrar àqueles que o mantêm que ele os serve de maneira
flexível e prática. De fato, todo o maquinário administrativo e governamental é alimentado pelo
imposto, isto. é, pelas contribuições dos cidadãos. Estes podem então querer legitimamente,
que se faça o uso mais racional e eficiente do seu dinheiro a fim de lhes oferecer o melhor
serviço. A adoção de ferramentas de governo eletrônico que se desenvolve atualmente em
todos os lugares do mundo (cada governo tem a pretensão de tornarse o mais eletrônico, o
mais interligado, o mais eficaz) faz passar a concorrência entre os Estados pela qualidade dos
serviços oferecidos por suas administrações.
Al Gore, exvice presidente e candidato derrotado por Bush, propunha lançar, se fosse eleito,
um sítio nomeado (a partir do modelo da eba)gbay. O governo americano usaria esse sítio
para vender em leilões todos os equipamentos que não utilizam mais e para colocar em
competição as empresas para o mercado público. Além disso, o mercado governamental
(chamado B2G, business to gov) representa um desafio considerável para o comércio
eletrônico. Como veremos, o governo brasileiro utiliza de forma muito eficiente esse tipo de
serviço com informações sobre compras, licitações e fornecedores dos governos estadual e
federal. Ainda nesse tópico, É certas empresas se especializam no mercado do governo
eletrônico propondo às diferentes administrações subcontratar os serviços que podem ser
efetuados online, em particular aqueles concernentes à estão dos mercados públicos e aos
pagamentos de impostos, taxas e contravenções. Assim, fortalecido por sua experiência no
ebusiness, tais competentes nesse domínio, mais flexíveis e próativas que as administrações
públicas, empresas propõem soluções de egov já
As abordagens comercias do egov são interpeladas a um futuro articularmente brilhante para
as administrações das comunidades ocais. Estas não dispõem geralmente de meios temporais,
financeios e pessoais que dispõem as regiões, as províncias e os estados. Por que reinventar
tudo do zero se soluções de baixo custo já existem no mercado? Examinemos, por exemplo, o
caso americano do Govt. ...com. Esta empresa oferece um softuare integrado (Our Iaun) que
ermite tratar todos os casos possíveis de comunicação e transação intre os cidadãos e sua
prefeitura. Podemos sinalizar um buraco em uma via de serviço das estradas, demandar um
alvará de construção, eguir todo histórico da discussão e da contestação do zoneamento,
lançar uma petição, informarse sobre as formas de instalação de empresas, consultar os
calendários dos eventos e pagar seus impos.tos locais, vinte e quatro horas por dia pela
Internet. Um dos objetivos fixados é de aproximar o governo local do cidadão. O softuare se
apresenta como um sistema de gestão de serviços municipais nas mãos (e a serviço) do
cidadão. A evolução é sensivelmente a mesma em todos os países europeus.
. A transformação dos governos locais e nacionais em direção a uma maior transparência,
eficiência e proximidade do cidadão está apenas começando. Ela prosseguirá rapidamente nos
próximos anos, incentivada pelo movimento da sociedade por uma oferta comercial de
conselhos e de soluções de egov cada vez mais agressiva e, sem dúvida, graças ao
desenvolvimento de comunidades. virtuais governamentais e intergovernamentais. Isso
significa que o tempo da estabilidade acabou. Mais do que se crispar sobre os seus poderes,
os governos deverão desempenhar o seu papel um papel cada vez mais improvisado e
cooperativo no crescimento local, regional, nacional e internacional da inteligência coletiva.
Para dar um exemplo, na campanha americana para a presidência em 2008, o ciberespaço foi
usado como uma excelente fonte de informação,
de debate e de mobilização política. De acordo com um estudo do Peay Research Center fồr
the People ở the Prero e do Peuy Internet ở American Life Project, cerca de um quarto dos
americanos (24%). disse que regularmente lê alguma coisa sobre as campanhas na Internet,
quase o dobro do número apresentado nas campanhas de 2004 (13%).
O governo eletrônico se desenvolve no Brasil.° No que se refere: ao poder executivo, temos
o importante Portal da Transparência.7 O Portal da Transparência, criado pela
ControladoriaGeral da União, tem o objetivo de dar mais transparência à administração pública
e permitir que qualquer pessoa possa acompanhar a execução dos programas e das ações do
Governo Federal. Lançado em novembro de 2004, o Portal nasceu como o mais abrangente
banco de informações aberto à população sobre o uso que o Governo Federal faz do dinheiro
que arrecada em impostos. A iniciativa é : inédita no governo brasileiro e permite que cada
cidadão passe a ser um fiscal da correta aplicação dos recursos públicos, sobretudo no que diz
respeito às ações destinadas à sua comunidade. Os dados divulgados no Portal são de
responsabilidade dos ministérios, por serem eles os órgãos executores dos programas de
governo. A CGU, por sua vez, reúne e disponibiliza as informações sobre a aplicação desses
recursos federais no Portal. Pode ser feita consulta a gastos públicos através de:
1. Aplicações diretas: gastos diretos do governo federal com contratação de obras e compras
governamentais, entre outros. A consulta pode ser refinada por tipo de despesa, por órgão, por
favorecidos (governo e empresas privadas), diárias pagas e cartões de pagamento do governo
federal.
2. Transferência de recursos: repasses dos recursos públicos federais para estados,
municípios, Distrito Federal e direitos ao cidadão. A consulta pode ser refinada por
transferências por estado, por ação de governo e favorecidos (pessoa física e jurídica).
Há convênios firmados pelo Governo Federal com uma base de dados vigente a partir de 1°
de janeiro de 1996. Pode ser realizada a consulta em quatro modalidades:
Convènios por Estado: todos os convémios celebrados Com
os municípios em cada umidade da federação. Convênios por órgão concedente: todos os
convênios relacionados pela unidade do governo federal que liberou os
3CUSOS. Últimas liberações da semana: relação dos recursos libera
dos por meio de convênios na última semana. Últimas liberações do mês: relação dos
recursos liberados
por meio de convênios no último mês.
Também é possível cadastrarse na mala direta para receber informações sobre novas
liberações de recursos a um município por meio de convênios. Há outras informações
interessantes com links sobre os assuntos públicos, notícias publicadas por ordem cronológica,
informações sobre como o cidadão pode se tornar mais ativo no controle social, conselhos
municipais, orçamento participativo, órgãos de fiscalização ou sobre como denunciar
irregularidades. Os mais importantes órgãos da administração do poder executivo federal
possuem a página no Portal. Embora haja muito trabalho a ser feito para combater a corrupção
e a ineficiência estatal, o ciberespaço já oferece aos brasileiros ferramentas inéditas de
transparência e de controle.
O Portal do Governo Eletrônico brasileiro mostra essa evolução. Criado em 2000, ele é
coordenado pelo Ministério da Casa Civil da Presidência da República tendo como objetivo
possibilitar a transformação das relações do governo com os cidadãos, empresas e também
com órgãos do próprio governo. Através de fóruns, temas como integração da prestação de
serviços públicos por meios eletrô nicos, ePING, Padrões de Interoperabilidade de Governo
Eletrônico, Plano Plurianual PPA, Lei de Responsabilidade Fiscal LRFS Lei de Diretrizes
Orçamentárias LDO e Lei Orçamentária Anual LOA, entre outros, são debatidos com a
comunidade. Há também possibilidades de consulta pública a fim de promover a participação
da sociedade no processo de tomada de decisão nas ações governamentais. Uma biblioteca
está disponível com documentos que municiam os concernidos com mais informações para a
discussão: dos projetos. Para ter acesso a todos esses serviços e informações é necessário se
cadastrar gratuitamente no site.
Outro sítio importante é o EGov,o portal de serviços de governança eletrônica do Brasil que
disponibiliza informações e serviços : sobre todos os ministérios. Nesse portal, é possível
conhecer os indicadores do país, os concursos e seleções em andamento, acessar os
pagamentos efetuados ao governo, realizar denúncias sobre irregularidades na gestão pública,
entrar em contato com todos os governos estaduais, entre outros. Serviços como pesquisas
escolares, processos na justiça, normas e legislação, número de CEP ouvidoria, dicas,
oportunidades de trabalho e divisão dos recursos públicos por 3 cada estado também estão
disponíveis. Não é necessário ter cadastro para utilizar os serviços e informações. Mas a
tradução do país no ciberespaço pode ser vista no Portal do Governo Brasileiro,o portal . oficial
do Brasil que oferece informações divididas em seções sobre o país, o Governo Federal,
serviços, transparência, participação social e notícias. Cada uma delas é dividida em tópicos.
1. País: Informações sobre o Brasil, indicadores, Brasil em temas, história, estrutura da união,
símbolos e hinos, cédulas e moedas, língua portuguesa e curiosidades.
2. Governo Federal: Dados sobre estrutura e as autoridades que integram o governo,
legislação, histórico, programas e projetos.
3. Serviços: informações para efetuar serviços. É dividido em serviços para cidadãos (notícias
na Saúde, educação, transporte, entre outros), serviços para empresas (registros de empresas,
exportações, apoio financeiro, entre outros) e serviços para sua vida (registro de nascimento,
alistamento militar, aposentadoria e faiecimentos).
4. Transparência: Disponibiliza informações sobre a administração pública, buscando
prevenção e controle dos gastos públicos. Dessa forma, o cidadão pode acompanhar a
aplicação dos recursos e, de forma organizada, interferir no processo decisório. É dividida em
orçamento (as prioridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, e como investem os recursos
públicos. Acompanhamento dos investimentos feitos pelos programas federais), fiscalização e
controle (fiscaliza e acompanha a administração dos recursos públicos federais), prevenção e
combate à Corrupção, prestação de contas (acompanha a execução orçamentária e financeira
do Governo Federal e os relatórios de gestão de órgãos e entidades da administração pública)
e denúncia,
5. Participação social: Apresenta dados sobre espaços de participação, consuitas públicas,
fóruns de debates e plano plurianual.
O presidente também está no ciberespaço através do Sítio da Presidência da República,o
casa oficial do presidente na ciberdemocracia brasileira. Esse portal apresenta informações
sobre a agenda do presidente, do vicepresidente, dos Palácios, a legislação (códigos,
constituição, decretos não numerados, projetos de lei, medidas provisórias, resenha diária etc.),
dados históricos (galeria dos presidentes), principais programas de governo e notícias.
No que tange ao poder legislativo, podemos destacar os sítio do Senado Federal, o que
oferecem aos cidadãos informações sob seus membros e suas atividades parlamentares
(presença nas se sões plenárias, comissões, pronunciamentos, conselhos e órgão) legislação
(constituição federal), notícias, biblioteca, publicações orçamento, licitações e contratos
(contratos e compras, avisos de licitações). Há também uma central de relacionamento por
emai e por telefone. O sítio da Câmara dos Deputadoso apresenta dado sobre o
funcionamento do legislativo, a agenda da câmara (com projetos e emendas em votação), os
deputados, projetos de lei proposições, comissões, plenário, interação legislativa, legislação,
ainda disponibiliza serviços como bibliotecas e arquivos, licitaçõe e contratos, concursos e
estágios, participação popular (bate papo fóruns de debates e fale com o deputado), orçamento
Brasil, fale conosco e ouvidoria. Além de portais de ONGs e entidades civis como o excelente
Transparência Brasil,o ferramenta que permite ao usuário ter acesso a informações sobre o
histórico dos parlamentare brasileiros, sua atuação parlamentar, o uso de verbas de gabinet e
outros gastos, emendas feitas ao orçamento, bens declarados ao imposto de renda e as
receitas e despesas da última eleição. É possível também verificar quem tem problemas com a
justiça ou com o tribunal de contas (e qual seria a ocorrência) e quem falta mais às seções
plenárias e comissões. Há outras possibilidades de “controle" e vigilância dos poderes públicos,
como os links às claras" (podese consultar informações sobre o volume e a origem dos
recursos arrecadados para as campanhas eleitorais, seja individualmente para cada candidato
e cada doador, seja comparandose valores médios de arrecadação por estado, partido ou tipo
de cargo), "Deu no jornal" (um banco de dados de reportagens relacionadas à corrupção e seu
combate, publicadas em jornais e revistas de todos os estados), "Multibusca" (mecanismo de
busca centralizado que permite ncontrar informações sobre pessoas e empresas em mais de
200 bases de dados públicas da Federação e dos estados), um “Assistente de licitações"
(permite que o usuário verifique se determinado edital de licitação obedece à lei).
As iniciativas de governo eletrônico no Brasil devem levar em conta o número de usuários da
rede no país e, de agora em diante, também o número de usuários de telefones celulares. O
governo iš deve começar a pensar em iniciativas mais consistentes de mgov, ou governo
eletrônico para as novas plataformas móveis. Há hoje no Brasil mais usuários de telefone
celular do que de Internet, e isso deve ser levado em conta. Vejamos alguns dados.
Segundo pesquisa recente do Ibope/NetRatings, o total de pessoas com acesso à Internet no
Brasil, considerando qualquer ambiente (casa, trabalho e locais públicos gratuitos e pagos), era
de 36,9 milhões em setembro de 2007, equivalendo a um aumento de 11,5% sobre os 33,1
milhões de maio de 2007. Seis milhões de brasileiros acessam a Internet exclusivamente de
locais públicos pagos ou gratuitos, segundo o Ibope/NetRatings, Desse total, 4,4 milhões o
fazem a partir de locais públicos pagos, como cibercafés e lan houses, pelo menos duas vezes
por semana. Acessam a Internet de locais gratuitos apenas 1,6 milhão de pessoas. Em relação
às classes sociais, temos que na classe DE somente 10% das pessoas usam a Internet (61%
em locais públicos pagos), enquanto na classe C os percentuais são respectivamente de 22% e
47%. O perfil é completamente diferente nas classes A e B respectivamente, 79% e 52%
acessam a Internet; 13% e 29% utilizam locais públicos pagos; e 5% e 9%, locais públicos
gratuitos. A pesquisa identificou ainda que Fortaleza é a cidade que apresenta o maior
percentual de usuários que acessam a internet em locais públicos pagos e o menor índice dos
que acessam no domicílio. Em relação ao número de usuários de telefone celular, são mais de
150 milhões. Dados divulgados pela Anatel indicam que o Brasil terminou 2008 com 150,6
milhões de celulares e uma densidade estimada de 79,17 cel/100 hab. As adições líquidas de
dezembro (3,6 milhões) foram 23% menores que as de dezembro/07 (4,7 milhões).
Entretanto, as adições líquidas acumuladas no ano somaram 29,6 milhões de celulares, a
maior da história. Um crescimento de quase 41% nas adições de 2007. De acordo com a
Anatel, em outubro de 2007 o número de assinantes na telefonia móvel era de quase 114,6
milhões, com predominância absoluta do serviço prépago: 80,35% do total, cerca de 92,1
milhões. Quase 82% dos celulares. são de serviços prépagos, indicando pouca capacidade de
investimento pessoal em serviço de banda larga 3G para acesso a Internet, por exemplo. A
densidade do Distrito Federal mostra que há mais telefones do que pessoas (137,7%). A menor
é do Piauí, com 35%; De forma geral, a distribuição de acesso à Internet e a densidade de
telefones celulares obedece, no Brasil, ao seu desequilíbrio geopolítico, ou seja, as regiões Sul
e Sudeste lideram e a região Norte e Nordeste sofrem com os maiores problemas.
Os portais brasileiros revelam a preocupação em demarcar um território no ciberespaço, em
se fazer presente de alguma maneira e em construir um projeto de governo eletrônico.
Podemos dizer que, no conjunto, muita coisa já foi feita, e que hoje o cidadão brasileiro
conectado pode encontrar muitas informações antes difíceis de ser acessadas. Resta, no
entanto, o desafio de oferecimento de mais informações, de serviços online mais consistentes,
de fomentar o debate e deliberação política e, principalmente, aumentar o acesso da população
aos computadores e à Internet, Sem dúvida, os portais dos estados e das capitais brasileiros
trazem um acervo de informações significativo e também oferecem alguns serviços online,
enquetes, chats temáticos e canais de interação com os representantes. No entanto, de forma
geral, o usuário não tem como se manifestar através do portal. Mais uma vez, os melhores
portais estão nas regiões Sul e Sudeste do país (Lemos, 2007). Um outro aspecto a ser
ressaltado é que os portais estão todos concentrados no site oficial Brasil.gov, mas não se
comunicam entre si. Seria inteessante que o portal do Estado ou da capital fosse interligado
com os portais dos municípios.
Supõese que o voto pela Internet melhore a participação eleitoral dos indiferentes e permita
um voto mais fácil aos deficientes físicos, a pessoas distantes dos lugares de escrutínios, em
viagem ou expatriados. Ele constitui o componente logicamente complemenStar de uma
renovação global da democracia cujas cidades digitais, o egoverno e as ágoras virtuais são as
peças principais. A luz do ciberespaço tornará o Estado mais transparente e os serviços
admiinistrativos tornarseáo online. O debate político se realizará cada vez mais em
comunidades virtuais bem informadas e habituadas às sondagens eletrônicas sobre todos os
assuntos. A vida urbana e a democracia local empregarão de maneira crescente o canal da
InterÉ net. Não existirá nenhuma razão para não votar online para eleger
os representantes nas instâncias legislativas, executivas e judiciárias dos governos.
Podemos, por outro lado, imagina que, na futura federação democrática planetária,
grupos de cidadãos organizados em comunidades virtuais poderão propor referendos
dos quais cada um poderá participar pela Internet.
A prefeitura de Brest, na França, já experimentou o voto eletrônico quando do referendo de
setembro de 2000. No ano 2000, as eleições primárias democratas no Arizona foram feitas pela
Internet: é o primeiro voto dessa natureza em grande escala na história políti. ca. Principal
aprendizagem desse escrutínio: o aumento da participação eleitoral foi espetacular,
especialmente entre as minorias desfavorecidas. No mesmo ano, eleitores do Alasca foram
autorizados a votar pela Internet com um efeito direto na participação. Outros países, como o
Brasil, já se engajaram seriamente nessa via. Aqui, o voto é eletrônico, mas as pessoas devem
participar do ritual coletivo de ir votar em um lugar o ritual de suspensão do quotidiano é
mantido, o que reforça a dimensão política e não apenas técnica do voto. A União Europeia e
inúmeros países europeus estudam projetos de voto eletrônico, inclusive pelo celular (há
experiências na Suíça, na Estônia e mesmo no Brasil, onde urnas para essa plataforma estão
sendo desenvolvidas em Santa Catarina).o Mesmo que essa perspectiva pareça fortemente
promissora, não somente as ferramentas e redes devem estar largamente disponíveis, mas
antes, e sobretudo, os problemas de confiança, segurança e de controle de fraudes devem ser
resolvidos sem ambiguidade. Por mais interessante que seja o voto eletrônico, é provavelmente
um aspecto menor da ciberdemocracia, pois o que conta são as formas emergentes de
conversação, de circulação da opinião e de debate. O voto deve ser a consequência dessa
dinâmica.
A LUTA CONTRA A FRATURA DIGITAL E A INTERNET A SERVIÇO DO
DESENVOLVIMENTO
A luta contra a fratura digital (digital device) não concerne aqui tanto à "política social", mas à
governança democrática. Enquanto o "fosso digital" não esteja resolvido, a ideia de
ciberdemocracia continuará uma letra morta. Em compensação, uma população conectada a
95% permitiria vislumbrar graus de autoorganização, de aprendizagem coletiva, de democracia
participativa e de consciência cidadã . bem superiores àqueles de hoje. Podemos nos inspirar
no exemplo da Coreia do Sul, cuja política voluntarista lhe permitiu, em alguns anos, superar as
taxas de conexão dos grandes países europeus. As medidas para lutar contra o fosso digital
foram experimentadas com sucesso por diversos governos e podem ser assim resumidas:
limpiantação de centros de acesso à Internet nos serviços
públicos,
Empréstimos a baixos juros para equipamentos públicos nas
regiões pobres;
Baixa de preço de material (supressão de taxas, subvenções) e empréstimo a juros baixos
para as famílias de pequena renda, como o programa "computadores para todos", do governo
brasileiro; — Campanhas públicas para recuperar e distribuir a estudam
tes pobres e às famílias computadores reciclados; Organização de sessões de formação
gratuita em software
e navegação ma Interret; Multiplicação dos pontos de acesso à Internet nas escolas;
Oferta de endereços internet gratuitos a todas as crianças
das escolas; Encorajamento à concorrência no domínio das telecomuni
cações a fim de estimular a diminuição das tarifas; Desencorajamento dos sistemas de
tarifação das telecomunicações que são pagas por tempo de conexão local. Em todos os
países que conhecem um grande conhecimento das taxas de Conexão, não se taxa a conexão
à lnternet pelo tempo: ela é compreendida em forma de pacotes de aSSinatura; Ampliação de
hot spots (pontos de acesso) gratuitos a Internet sem fio (WiFi, WiMax) mas municipalidades,
como vem sendo feito em inúmeras cidades americanas, europeias, do sudeste asiático e do
Brasil.o
De forma geral, para a civilização da inteligência coletiva no ciberespaço que se anuncia, a
educação, o desenvolvimento humano e a luta contra a pobreza tornamse não somente
imperativos morais, mas, igualmente, prérequisitos à competitividade internacional e de
condições para o desenvolvimento da ciberdemocracia. Não é questão aqui de tratar in extenso
da Internet ao serviço do desenvolvimento; vasto assunto que mereceria uma obra inteira.
Assinalamos, simplesmente, que as iniciativas se multiplicam a fim de beneficiar as populações
dos países pobres das vantagens trazidas pela conexão à Internet, em particular nos domínios
da saúde, da educação, do desenvolvimento econômico e da participação democrática.
O governo brasileiro pretende, entre outras coisas, diminuir exclusão digital existente no
país.” A grande questão reside em como lidar com a exclusão digital em um país como o Brasil,
que conta com altos índices de pobreza e analfabetismo e uma enorme desigualdade
econômica e social em suas regiões. É certo que a pobreza e o analfabetismo se constituem
como problemas que precisam ser sanados com urgência. Mas não há como pensar exclusão
digital em segundo plano, visto que o desenvolvimento das tecnologias se dá cada vez mais
rapidamente, e o abismo existente entre incluídos e excluídos tende a aumentar. Devese
estimular além de aquisições básicas de máquinas, software e acesso às redes, a apropriação
criativa, a capacitação educacional e o estímulo à produção de conteúdo inovador. O desafio
não para no acesso material, mas deve ser perseguido no aprendizado crítico e Criativo com o
objetivo de melhorar as condições materiais e simbólicas de vida da população brasileira.
Nesse sentido, o governo federal criou a “Casa Brasil" (telecentros e rádios comunitárias) e o
projeto “Computador para Todos". Dezenas de milhões de usuários já foram beneficiados com
projetos de inclusão digital por todo o Brasil. Dados mostram que há crescimento, mas de
forma desigual pelas regiões do país. A maioria beneficiada é do Sul ou Sudeste. A divulgação
da construção do Modelo Brasileiro de Inclusão Digital e das metas governamentais do Plano
Plurianual revela que o governo federal está preocupado. Dados revelados em março de 2007
mostram que o Brasil está em posição bastante inferior em relação aos países da América
Latina, mostrando que ainda há muito a fazer para diminuir o fosso digital e fazer da sociedade
da informação uma oportunidade de inclusão social no país. Uma das principais ações criadas
pelo governo para combater a exclusão e promover a democratização foi o FUST F undo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações, O através da lei de número 9.998 do dia 17 de
agosto de 2000. O programa tem por finalidade proporcionar recursos destinados a
obrir a universalização de serviços de telecomunicações..o
A inclusão deve ser pensada de forma complexa para abranger is capitais social, cultural,
técnico e intelectual o Esses capitais medem a inteligência coletiva de um indivíduo ou grupo. A
inclusão digital não deve ser apenas um modelo de ensino técnico onde alunos aprendem
determinados sofiuvares e como navegar na Internet. O modelo de inclusão deve compreender
e estimular diversas formas de emissão de informação, criando mecanismos para uma maior
inserção social e cultura do indivíduo. Podemos definir exclusão digital como a falta de
capacidade técnica, social, cultural, intelectual e econômica de acesso às novas tecnologias e
aos desafios da sociedade da informação. Essa incapacidade não deve ser vista de forma
meramente técnica ou econômica, mas também cognitiva, e social.
A perspectiva meramente tecnocrática deve ser abandonada em prol de uma visão mais
complexa do processo de inclusão. O capital técnico é importante, mas não o único. Nossa
visão parte da premissa de que o processo de inclusão deve ser visto sob os indicadores
econômico (ter condições financeiras de acesso às novas tecnologias), Cognitivo (estar dotado
de uma visão crítica e de capacidade independente de uso e apropriação dos novos meios
digitais), social (ser um fator de reforço comunitário e político), intelectual (aumentar o
conhecimento e a potência de entendimento da realidade) e técnico (possuir conhecimentos
operacionais de programas e de acesso à Internet). Nesse sentido, incluir é um processo amplo
que deve contar com ações nos quatro capitais. Incluir não deve ser apenas uma simples ação
de formação técnica dos aplicativos, como acontece na maioria dos projetos, mas um trabalho
de desenvolvimento das habilidades cognitivas, transformando informação em conhecimento,
transformando utilização em apropriação. Pesquisa realizada mostra que os projetos de
inclusão \ digital no Brasil, em geral, priorizam unicamente o capital técnico limitandose a
oferecer acesso a computadores e conexão à Internet Muito ainda está para ser feito no Brasil.
Vejamos abaixo um quadro síntese dessa questão.
Quadro 1 Matriz de análise de projetos de inclusão digital
INCLUSÃO DIGITAL
Espontánea
Formas de acesso e uso das TICs em que os cidadãos estão imersos com a entrada da Sociedade na era da
informação, tendo ou não formação para tal uso. A simples vivência em metrópoles coloca o indivíduo em meio a
novos processos e produtos em que ele terá de desenvolver capacidades de uso das TICs. Como exemplo,
podemos citar: uso de caixas eletrônicos de bancos, cartões de crédito com chips, Smart cards, telefones celulares
etc.
Induzida
Projetos induzidos de indusão às t nologias eletrônicas e às redes de com putadores executados por empresa
privadas, instituições governamentai e/ou não governamentais. Três categorias de Inclusão Digi induzida: Técnica
Destreza no manuseio do computado, dos principais software e do acesso à Internet. Estímulo do capital técnico.
Cognitiva autonomia e independén cia no uso complexo das TICs. Visão crítica dos meios, estímulo dos capitai
Cultural, Social e intelectual. Prátika Social transformadora e Consciente Capacidade de compreender os desa fios
da Sociedade contemporânea. Econômica capacidade financeira em adquirir e manter computadores custeio para
acesso à rede e software básicos. Reforço dos quatro capitai (técnico, social, cultural, intelectual).
Como conclusão, podemos dizer que se descortina um debate global acerca da emergência do
espaço digital no cenário das cidaes e a necessidade de não permanecer indiferente a esse
desafio. Devemse realizar projetos coerentes que sustentem as práticas sociais da
comunidade, que informe os cidadãos e ofereça serviços nline que facilitem o dia a dia. O
objetivo é também fomentar o engajamento e o debate público. A surpreendente
disponibilidade e informações de toda a natureza concernente à vida política, omo a frequência
a fóruns de discussão civilizados e bem organizaidos, fazem o debate político cada vez mais
transparente e preparam uma nova era do diálogo político, levando a democracia para um
estágio superior: a ciberdemocracia.
CAP 8
GLOBALIZAÇÃO E CIBERDEMOCRACIA PLANETÁRIA
globalização da política não está somente ligada à Internet. Ela vinculase ao conjunto do
sistema midiático contemporâneo, compreendendo as mídias de funções massiva e
pósmassiva. Nesse sentido, a disponibilidade de transmissores portáteis de satélites para os
jornalistas e repórteres em campo desde o começo dos anos 1990 desempenhou um papel
capital, permitindo 签 colocálos em contato com o resto do mundo, imediatamente e em fluxo
contínuo, em qualquer parte do globo onde se desenrola um acontecimento importante. Hoje,
dispositivos móveis (smartphones, GPS e palms) e redes sem fio (WiFi, WiMax, 3G,
Bluetooth, redes de satélites no sistema GPS ou o europeu Galileu em construção) ampliam
ainda mais as formas de produção e circulação jornalística da informação em mobilidade. As
cadeias de televisão especializadas em informação contínua, com a possibilidade de assistir
pelo cabo ou por satélite centenas de canais transmitidos de vários lugares do mundo, criam
uma espécie de câmara de eco planetária. Os menores acontecimentos são filmados,
retransmitidos para todos os continentes, comentados por experts e políticos de todas as
nacionalidades. Mais ainda, com a potência do ciberespaço e das tecnologias móveis e
portáteis, os cidadãos podem também produzir e distribuir Lestemunhos em primeira mão com
a ajuda dos disposivitos portáteis e móveis. Essas são as novas formas do “mobile journalism”
e do "citizen journalism".
A opinião pública (e com ela os lugares comuns, os preconceit e os achismos de todas as
sortes) tornase cada vez mais global. Co os telefones celulares multifuncionais (câmera,
email, SMS) a cap cidade de produção de informação de qualquer lugar (e por qual quer
pessoa) torna essa visibilidade planetária ainda mais aguda. Os acontecimentos dos atentados
em Madri e em Londres, assim como as diversas manifestações em Burma, na China ou o
assassinato de Saddam Hussein, mostraram a potência dos novos dispositiv móveis para
informar para além dos veículos oficiais.
Isso não significa evidentemente a existência de um consenso planetário, muito pelo
contrário. A opinião pública é por definição dividida entre “prós” e “contras", partidários e
opositores, e é a dinâmica conflituosa que faz uma opinião pública viva. Não são nem as ideias,
nem as posições políticas que unificam a opinião pública mundial, mas seus objetos de
atenção: os mesmos atentados terroristas, as mesmas guerras, os mesmos motins, as mesmas
formes, as mesmas ilegalidades escandalosas, as mesmas catástrofes naturais ou ecológicas,
as mesmas eleições ou mudanças de regimes em certos paíseschaves, as mesmas
manifestações esportivas, como os jogos olímpicos ou a Copa do mundo de futebol. Alguns
líderes políticos, alguns esportistas, cantores (cantoras) ou atores (atrizes), como, de resto,
certas marcas comerciais, são célebres quase em todos os lugares do planeta,
Nessa globalização da visibilidade, devemos chamar a atenção também para novos
sistemas que podem ser usados para monitoramento, controle e vigilância dos indivíduos e,
consequentemente, da opinião pública mundial. Qualquer movimento de pessoas, coisas ou
informações deixam marcas e podem ser monitorados eletronicamente para fins
mercadológicos, políticos ou policiais. Uma discussão sobre esse tema necessitaria da
dedicação de uma obra completa, mas devemos destacar que o aumento global da visibilidade
traz questões importantes e ameaças de mesmo calibre. A vigilância tornase mais difusa e
invisível, disseminada em câmeras de vigilância, em perfis de usuários, em logs de navegação
na rede, Sem tags eletrônicas como etiquetas de radiofrequência. O desafio a ciberdemocracia
na globalização é também o de garantir transparência com respeito às liberdades individuais e
à vida privada. ão se trata apenas do controle disciplinar e de confinamento do panoptico
foucaultiano, mas de controles sutis dos movimentos na nova sociedade do controle (Deleuze,
1992).
A ciberdemocracia vai crescer nessa perspectiva global. Assistimos, então, como havia
anunciado Marshall McLuhan nos anos 1960, ao desenvolvimento progressivo de uma
consciência política global (mesmo se, ainda uma vez, essa consciência encontrase
conflituosa e dividida). Esta é principalmente fruto das mídias elétricas Šče do aumento de
todas as formas de interconexão: circulação dos homens, das mercadorias, do dinheiro, das
técnicas, de informação, da era das mídias eletrônicas. A novidade que a Internet aporta na
Satual fase da globalização da política reside, principalmente, na possibilidade de circulação
multimídia e imediata de vozes. Emergem, assim, globalmente é devisibilidade imediata,
movimentos de oposição globais à globalização, com possibilidades de organização e
coordenação em tempo real.
Certamente, os movimentos anarquistas, socialistas, comunisitas, fascistas, liberais,
cristãos, ecologistas e outros, não esperaram a Internet para constituir as “internacionais". A
verdadeira inovação consiste na flexibilidade e facilidade dos processos de coordenação,
tornandose ainda mais móvel hoje com os dispositivos de conexão sem fio à Internet e com a
força testemunhal dos mesmos. A necessidade de organizarse pesadamente,
burocraticamente, hierarquicamente, está superada: formamse e desfazemse
instantaneamente comitês de coordenação que organizam de forma eficaz manifestações
pontuais utilizando todos os recursos da rede; organizamse, sem coordenação central,
mobilizações com dispositivos móveis, como aconteceu nas Filipinas, em Madri, na China, na
Rússia ou em Paris. As manifestações organizadas em Seattle, Washington, Millau, Praga,
Quebec e Gênova contra os dirigentes dos países ricos, a organização Mundial do Comércio, o
Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, símbolos da globaliz ção "selvagem
neoliberal" são exemplos marcantes do nascimento de uma nova forma de ação política
planetária. Estas são manifes: tações agrupando pessoas de todos os continentes, organizadas
pel medium planetário por excelência que é a Internet.
Manifestações de “oposição planetária" favorecem, portanto, emergência de um
protogoverno planetário. Sabemos perfeitamente que não existe, no momento atual, governo
planetário. Falamos de protogoverno planetário não somente porque a globalização política
indica em destaque o conflito entre um governo mundial e sua oposição, mas também porque,
cada vez mais, organismós, internacionais deixam vislumbrar tal virtualidade. A Organização
Mundial do Comércio figura de certa maneira como o “protom nistério do comércio” de um
governo mundial. É de resto seu funcionamento opaco e não democrático (ainda que ele seja
controlado por representantes de governos eleitos de forma democrática) que coloca problema,
não a sua existência em si. O Banco Mundiale o Fundo Monetário Internacional indicam
algumas das funções de um futuro Ministério das Finanças. O G8 e o G20, reunindo os
representantes dos países mais poderosos, prefiguram uma espécie de secretariado executivo
de um futuro senado mundial. A Organização Mundial da Saúde representa evidentemente um
embrião do Ministério Mundial da Saúde. A secretaria internacional do trabalho aponta na
direção de um Ministério Mundial das assistências sociais. A Unesco dá uma ideia do que
poderia ser um Ministério Mundial da Educação e da Cultura. A Corte Internacional de Justiça
de Haya deixa vislumbrar uma corte superior planetária, Quanto ao secretariado geral da ONU,
principalmente preocupado pela redução das violências e conflitos em grande escala e único
organismo internacional a dispor de uma força armada, poderia representar um embrião de um
Ministério do Governo Mundial. (um “interior" de agora em diante sem negócios externos),
cuidando da execução das leis internacionais e da manutenção da justiça. Os terríveis
acontecimentos do 11 de setembro de 2001 levaram a um reforço dos poderes da ONU em
matéria de luta contra o crime político", de agora em diante planetário ele também que é o
terrorismo.
...Certamente, o governo de uma futura federação mundial remaejaria profundamente as
instituições internacionais já existentes. Ele daria, sobretudo, um fundamento democrático
(transparência, obrigação de prestar contas, eleições livres, deliberação e controle em escala
planetária) bem superior àqueles de hoje. Esperando um verdadeiro enquadramento
democrático para os debates políticos planetários, a discussão não tem espaço hoje. 3. Em
termos de poder, o campo político planetário se polariza entre dois campos principais. De uma
parte os “democráticos", tendo do seu lado a potência tecnológica, econômica, militar, a força
cultural das grandes mídias culturais e, sobretudo, o apetite de prosperidade, de Consumo e de
comunicação da imensa massa da população mundial. No outro, encontramse os governos e
os movimentos políticos pouco ou nada democráticos. Por vezes, os mais extremistas dos
opositores à corrente democrática dominante são os adeptos de uma sociedade fechada,
intolerante ao pluralismo das ideias, das religiões e dos modos de vida. Desse lado, os
proSgressos da sociedade aberta são vividos como violências, e alegase a existência de um
"império globalizado e liberal. Imaginemos a esse propósito o que teria sido de uma
globalização que não fosse feita pela liberdade democrática do comércio e da comunicação.
Uma É globalização sobre uma dominação nazista ou soviética, comunista
i chinesa ou fundamentalista muçulmana, por exemplo. De outra parte, os movimentos de base
antiglobalização podem ser fortemente potentes nos países onde os governos são globais e
democráticos, isto é, na Europa, no sudeste asiático e nos Estados Unidos. Uma importante
parte das elites Culturais desses países é aderente às teses de “oposição à globalização.
Sobre o plano das ideias, os democratas favorecem o progresso técnico e notadamente da
Internet, a abertura do mercado e os direitos do homem. Os antidemocratas, ideologicamente
menos homogêneos, militam frequentemente pela defesa das identidades nacionais, não
gostam do capitalismo e são favoráveis à manuten ção de um papel importante do Estado na
economia e no controle das ilegalidades sociais. Podese dizer que os democratas insistem
sobre os valores da liberdade e da universalidade, enquanto os anti democratas insistem sobre
os valores da igualdade e da diversidade A priori, esses dois conjuntos de valores são mais
complementare que antagônicos. A luta, frequentemente violenta entre os dois par tidos, é
apenas aparente, local, parcial e momentânea e não se colo ca como busca de um equilibrio
dinâmico se aceitarmos fazer um esforço para perceber a evolução da situação em uma
escala maior. Mais ainda, os prós e os contras pertencem, frequentemente, à : mesma classe
social, à dos trabalhadores intelectuais planetarizados Assim, funcionários do FMI podem ler o
Le Monde Diplomatique, e os participantes das lutas antiglobalização, o Financial Times:
Aqueles e aquelas que não se colocam questões e não tentam compreender o ponto de vista
do outro não penetraram ainda no novo espaço da política planetária. :
Devese então tomar cuidado para não endurecer nem subs tancializar desmesuradamente
as oposições. Peguemos o caso dos ; militantes ecologistas e ambientalistas. Opondose às
ações de certas multinacionais do agroalimento ou do petróleo, eles são anti globalização. Mas
o objeto de seu combate, a atmosfera terrestre, os oceanos, a biosfera, é por natureza
planetária, global e demanda. uma consciência, uma ação e, consequentemente, uma lei
planetá ria. Além disso, uma mudança recente do militantismo ecológico consiste em utilizar os
mecanismos próprios da globalização e do capitalismo (e notadamente o poder das
assembleias acionárias e de conselhos de administração de grandes sociedades) a fim de
influenciar a política ambiental das multinacionais. Por exemplo, o Greenpeace investiu parte
de seu dinheiro na Shello Da mesma forma, os militantes preocupados com as ilegalidades
econômicas e sociais insistem nas suas causas internacionais, o que os leva logicamente a
colocar suas ações em escala global. Ora, essas ações contribuem para criar uma consciência
política planetária transcendendo os negócios políticos nacionais. O processo
políticoeconômico contemporâneo já extrapolou irreversivelmente o enquadramento fechado
dos Estadosnação. A atual crise financeira mundial desendeada em 2008 mostra essa
dimensão global e a complexidade da questão. Liberais não podem mais reivindicar uma
ausência total do Estado, assim como opositores do livre comércio não podem pregar
fechamento e protecionismo sob o risco de um agravamento dramático e global da crise.
3. Mobilizações políticas reúnem grupos geográfica, social e ideologicamente distintos ao
serviço de uma ação que encontra, momentaneamente, os interesses de cada um. Mas esses
agrupamentos são efêmeros, ad hoc. Eles não visam, de forma nenhuma, constituir estruturas
de poder permanentes. As coalizões políticas tornamse cada vez mais heteróclitas, mas
também cada vez mais flexíveis e eficazes, em face das alianças e parcerias da nova economia
e das organizações fluidas e pouco hierárquicas da nova administração. Mais do que
organizações, são as mídias online ou as comunidades virtuais em rede, com toda as suas
diversidades que se desenvolvem do lado da oposição planetária contra as hierarquias de
poder clássicas de partidos e sindicatos à moda antiga. Essa evolução favorece a passagem de
um estilo de jogo político onde os papéis variam segundo as transformações da configuração
no tabuleiro. Finalmente, nos dirigimos para jogos políticos onde a identidade fundamental não
E é mais definida. Vimos recentemente na esfera da Internet “inimi| gos" se entenderem sobre
objetivos comuns, como, por exemplo, o suporte às ágoras virtuais multipartidárias nos EUA ou
as alianças O heteróclitas em torno de diversas formas de luta contra a ditadura chinesa. A
manutenção da dinâmica criativa e do equilíbrio é mais importante do que a vitória de um
campo ou de outro.
Na nova política hipertextual, diferentemente da política tradicional, os opositores fazem
parte do jogo. A ciberdemocracia deverá conhecer cada vez menos uma exterioridade absoluta.
Salvo, evidentemente, os hábitos políticos ligados a civilizações anteriores: aquelas da escrita
ideográfica dos primeiros Estados antigos, com na China; a nostalgia do alfabeto manuscrito,
como em cert regimes islâmicos; da imprensa, o culto, em breve em desuso, d Estadonação
inventado na Europa. Uma das palavras de ordem da ciberdemocracia planetária é a luta
contra a exclusão, a fratura, o divide, que é cada vez mais entendido como digital divide. Cada
um dos atores da ciberdemocracia participa de um imenso jogo mai transparente, no qual
podemos verificar se cada um faz realmente aquilo que diz. Os adversários desempenham
seus papéis em um cena política fractal, em expansão, cada vez mais transparente, onde a
simulação e a realidade se distinguem cada vez menos.
A GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA
A causa parece ampla: o capitalismo só busca ganhar sempre mais em uma corrida sem fim
onde a moeda, a informação e a mercadoria, hoje quase indissociáveis, se engendram
reciprocamente sem finalidade humana, cavando sempre mais profundamente o fosso entre os
ricos e os excluídos. Esse processo cego estaria limitado apenas pelas relações de força
impostas por movimentos sociais ou por leis limitadoras editadas por governos sob a pressão
dos povos. De um lado, a “lei do lucro", insensível, unicamente preocupada com frio cálculo
econômico. De outro lado, a demo cracia, a lei da cidade, fazendo prevalecer o interesse geral,
a vida concreta das comunidades e os valores humanos. Aqui, a pretensa “liberdade” neoliberal
se transforma em “ditadura dos mercados”, em poder do dinheiro, em opressão e em
exploração dos mais fracos. Do bom lado se encontra a preocupação com a solidariedade, a
fraternidade e a igualdade.
Nesta perspectiva simplista, a globalização econômica e financeira parece representar o
triunfo do mercado sobre a democracia. Supõese que o desenvolvimento das formas do
comércio e da transação financeira em um ciberespaço desterritorializado finalize essa
pretensa vitória, e isso ainda mais quando as leis (forçosamente nacionais) parecem não mais
poder ser aplicadas. Mas esse esquema muito grosseiro. A denúncia e a crítica dos excessos e
abusos das grandes multinacionais são úteis e necessárias. Impor limites ao ogo financeiro
sem freio, também, visto a crise atual da economia global. Quando atos são orientados para o
lucro material em detrimento de forças produtivas ou dos direitos das pessoas, é justo que les
sejam destacados, regulados e previstos pelas leis. A liberdade de expressão e a facilidade de
informação permitidas pela Internet vão precisamente nessa (boa) direção.
Três argumentos reforçam essa tese. O primeiro faz valer o desenvolvimento de uma nova
esfera pública na Internet e o aumento correlato das possibilidades de informação, de
expressão livre, de discussão cidadã e de coordenação autônoma dos movimentos políticos e
sociais. Com o aporte das tecnologias digitais, as cidades podem aperfeiçoar a democracia
local. As ágoras virtuais podem renovar as formas da deliberação e do debate político. O
governo eletrônico pode tornar as administrações públicas mais transparentes para os
cidadãos. Se as ditaduras temem tanto a Internet, é simplesmente porque ela representa um
vetor de transparência, de liberdade e de democracia que as ameaça diretamente. É Esse tema
foi abundantemente desenvolvido e ilustrado nas páginas
precedentes. . O segundo argumento concerne à perspectiva de um governo democrático
planetário cuja globalização constitui, precisamente, sua força motora. A unidade ecológica,
científica, técnica, midiática, comercial e financeira da Terra tornase tão palpável que
terminaremos, segundo modalidades e prazos difíceis de prever, por instaurar uma lei
democrática mundial a fim de regular e equilibrar processos eles mesmos planetários. Uma
visão global desafia, por sua escala mundial, as leis locais, fragmentadas, diversas, e por isso
parcialmente impotentes dos múltiplos Estadosnação surgidos da civilização da imprensa.
Esse desafio cria o caminho à cidade universal da civilização do ciberespaço que, longe de se
opor, chama por uma lei planetária, uma ciberdemocracia altamente participativa ligada ao
novo espaço público da web.
O terceiro argumento consiste em mostrar que finalidades c cas ou políticas podem se
exercer livremente nas trocas, incluind mercado. O ciberespaço cria uma esfera cada vez mais
transparen onde as escolhas podem se operar em um leque de possibilidad cada vez mais
largas. Essas escolhas podem se dividir em três domí nios interdependentes: aquele do
consumo, do investimento e d trabalho.
No que concerne ao consumo, podemos agora, e poderemos de forma cada vez melhor no
futuro, conhecer não somente as condi: ções biológicas, ecológicas, políticas e sociais sobre as
quais foram produzidos os bens propostos ao nosso consumo, mas ainda avaliar o impacto que
as nossas escolhas terão sobre o conjunto do circuito ecológico, econômico, político e social.
Comprar tal produto em vez de um outro nos permitirá orientar a máquina econômica. Desde já,
numerosos sítios ueb são especializados em um consumo consciente do ambiente ou
respeitoso dos direitos das crianças, das categorias sexuais, dos sindicatos ou dos povos do
terceiro mund A abstenção opera tão bem quanto o ato de compra. Por exemplo, as
campanhas de boicote a certos produtos originários de companhias que destroem o ambiente,
sustentam ditaduras, exploram de maneira desumana seu pessoal ou exploram o trabalho
infantil podem ser fortemente eficazes. Podese recusar a compra de produtos de empresas
que fabricam (também) armas. Cada ato de consumo contribui para o direcionamento da
economia. Resta a nós favorecer tal ou tal evolução. Devemos considerar o mercado, e
particularmente o mercado online, como um instrumento de pilotagem, um vasto sistema
eleitoral permanente no seio do qual cada ato de compra representa um voto. Quanto mais
consideramos o mercado e, singularmente, o cibermercado, mais transparente que o mercado
clássico , mais ele se tornará um instrumento de pilotagem da economia para fins cívicos ou
ecológicos.
Essa conversão do olhar é difícil, tendo em vista que, com nossa liberdade, criase também
mais responsabilidade. É muito mais fácil acusar os outros do que se informar, se ater a
decisões difíceis e dar o exemplo. O ciberespaço permite que nos tornemos consumidores
avisados, conscientes e responsáveis, não apenas melhorando relação qualidadepreço de
nossas compras graças a uma melhor comparação de ofertas, como também fazendo intervir
critérios ropriamente políticos nas nossas escolhas. Essa responsabilidade política se estende
até a navegação em tal ou tal sítio, mesmo que sse sítio seja gratuito e que não haja compra
propriamente dita, pois é o número de “hit” que determina o montante dos recursos publicitários
que irrigará a equipe responsável do sítio. Os nichos também passam a ter muita importância
na nova geografia munial da informação. Ao navegar aqui ou lá, faremos crescer certo tipo de
informação no lugar de um outro. Todas as nossas escolhas, compreendendo aquelas de
leitura, de visualização e de escuta contribuem para orientar a evolução política e cultural
global.
* É difícil dispor de estatísticas relativas ao Consumo consciente e socialmente responsável,
mas é certo que esse tipo de atitude se espalha rapidamente. Numerosos são os sítios de
comércio eletrônico que se colocam a serviço dessa tendência. Colóquios são realizados para
a educação de crianças ao consumo responsável. Prateleiras de produtos orgânicos se
multiplicam nos supermercados reais e nline. Entretanto, o consumo politicamente consciente
pode não er suficiente para controlar o conjunto do processo econômico. As decisões de
investimento a longo prazo, com a inércia que elas implicam, as políticas de distribuição e de
marketing que limitam e orientam a decisão dos consumidores, o estilo de gestão das grandes
multinacionais e particularmente a sua hierarquia de valores — têm uma influência
determinante sobre o mundo em que vivemos. Isso porque o investimento socialmente
responsável deve completar o consumo socialmente responsável.
Da mesma forma que o consumo consciente, o investimento
consciente conhece um desenvolvimento remarcável a partir dos anos 1990. Hoje, ao redor do
planeta, há um crescimento considerável dos investimentos de longo ou médio prazos
obedecendo a critérios de responsabilidade social (ambiente, produção de armas ou
substâncias tóxicas, política em relação aos sindicatos, às mulheres, às minorias sexuais etc.).
Esse tipo de investimento se apoia em firmas especializadas na classificação ética ou sobre
programas de investimentos responsáveis propostos por bancos ou instituições financeiras
clássicas. Os fundos de pensão gerenciados pelos sindicatos, as classificações de grupos
religiosos ou políticos podem também obedecer a esse tipo de critério. Devese notar que, em
condições iguais, os investimentos socialmente responsáveis têm um rendimento comparável
ou superior aos investimentos : indiferentes aos impactos ecológicos e sociais. Isso não tem
nada de surpreendente. Em um mundo cada vez mais interconectado, deteriorar o ambiente
natural e humano não constitui um comportamento inteligente ou saudável. Se olharmos a
longo prazo segundo uma perspectiva suficientemente vasta, os raciocínios ecológicos, éticos e
econômicos devem se aproximar. Uma companhia atenta às consequências de suas decisões
sobre seu ambiente natural e humano deveria, a priori, obter melhores performances
“duráveis". É isso o que constatamos na média. O investimento socialmente responsável se
contenta em encurtar o ciclo de feedback, de prever e, em uma palavra, de governar: é inútil
esperar catástrofes naturais, sociais ou políticas para desencorajar as piores decisões e
encorajar as melhores. Nessa ordem de ideias, certos grupos de acionistas dirigidos por
finalidades éticas, políticas ou ecológicas podem ascender aos conselhos de administração de
grande companhias e desempenhar um papel fortemente ativo na determinação de suas
políticas. É o movimento do “shareholder activism".
O investimento socialmente responsável só adquire sentido se ligado a duas outras
tendências: ao crescimento do acionariato de massa e às fusões. Há também uma tendência
global de crescimento do acionariato popular. Devese notar que este é formado por jovens e,
mais particularmente, jovens conectados à Internet. Comprar e vender ações tornase cada vez
mais, por meio da internet, uma decisão pessoal e informada por uma navegação judiciosa e
discussóes em fóruns online. O investimento é cada vez menos delegado a intermediários
financeiros, exatamente como as escolhas de leitura não são mais delegadas aos editores.
Chegaremos, provavelmente em alguns anos, a uma situação onde 80% (ou mais!) da
população dos países desenvolvidos possuirão partes das companhias cotadas em bolsa, e
isso em um espaço público onde a informação detalhada sobre a vida econômica e política
será cada vez mais acessível. O fato de possuir ações de companhias multinacionais obrigará
cada vez mais as pessoas a se interessarem pelos negócios do mundo, e isso de um ponto de
vista mais pragmático que ideológico. Cada um estará mais pessoalmente implicado nas
repercussões econômicas dos grandes acontecimentos que afetam o planeta. Não se trata
somente da participação emocional, provocada pelo espetáculo da televisão, mas pelo
sentimento de responsabilidade e de implicação do proprietário.
Certamente, haverá sempre desigualdades. Alguns serão mais ricos que outros, mas podese
prever que a maioria possuirá partes de grandes empresas. Consequentemente, o poder de
governo da multidão dos pequenos será cada vez mais determinante para a elaboração da
política das multinacionais, e isso em um contexto em que a cada dia a informação e a
discussão online se aperfeiço3 arão. O movimento de fusão em curso há alguns anos
continuará até que não haja três ou quatro grandes companhias em cada setor: automóvel,
agroalimentar, química, banco, comunicação etc. (a concentração não deveria, entretanto,
impedir o surgimento contínuo de pequenas sociedades inovadoras). Essa redução do número
das grandes sociedades induzirá a uma simplificação da governança ... pelo acionariato
popular. Quando uma companhia tomar uma decisão julgada negativa, venderseão ações
dessa companhia e comprarseão ações da companhia concorrente. Assim, poderá se
desenvolver, se os cidadãos do mundo desejam, se eles decidirem adotar um comportamento
social e ecologicamente responsável, uma governança econômica que não seria unicamente
determinada por critérios de ganho financeiro a curto prazo.
Finalmente, após o consumo e o investimento, podemos governar a economia pela escolha
de nosso trabalho e as decisões que tomaremos, quer esse trabalho seja autônomo,
empreendedor, assalariado ou outro. Tenderemos em direção a uma situação onde a maioria
das pessoas terão realizado estudos Superiores o que, de passagem, transforma do começo
ao fim a função da universidad A permeabilidade crescente das fronteiras e a dinâmica das
neces: sidades e competências fabricam um mercado de trabalho cada vez mais fluido e
mundial. Na nova economia, o trabalho mudou de natureza. Ele incorpora uma parte crescente
de criação, de coorde: nação, de relação, de aprendizagem e de transferência de conheci
mento. Os proletários que tinham apenas seus braços deram lugar aos trabalhadores
intelectuais, especializados, que decidirão onde trabalhar, em que país, em que companhia e
em quais condições. Que decisões tomaremos em conjunto nas reuniões de coorde
nação que fazemos online? Quais são os grupos de discussão e as comunidades virtuais onde
discutiremos sobre política ou música? O cidadão do mundo e o profissional praticando a
inteligência coletiva online são a mesma pessoa. A resolução dos grandes problemas: guerras,
miséria, desastres ecológicos, pode se coordenar e se realizar também no exercício de
responsabilidades profissionais e não somente pelas eleições. Com a Internet, a política
tornase um negócio doméstico. Estamos “entre nós", em uma sociedade mundial transparente
cujos atores são cada vez mais estreitamente entrelaçados. Devemos pensar em conjunto,
numa mesma rede: inteligência coletiva.
Em suma, o mercado dos bens de consumo, o mercado dos investimentos e o mercado do
trabalho abrem campos de possibilidades que nos dizem respeito e chamam a nossa
responsabilidade. Devemos pensar de forma global, durável e consciente. Ora, todo mercado
se dobra em um mercado de informação sobre os preços, as qualidades dos produtos, os
serviços, as tendências e as eventuais consequências de nossas escolhas. O ciberespaço
tornase esse mercado de informação que comanda todos os outros mercados, e no qual os
atores sociais podem se estabelecer como “automídias", se agrupar em comunidades virtuais
entrelaçadas e se colocar no jogo sem fim das conversações online. Mais os mercados são
transparentes isto é, mais eles se tornam virtuais , mais podemos ganhar poder. Tal é o novo
espaço da palavra humana, da praça pública e do mercado misturados. Aqui, a utopia marxista
e a utopia liberal juntamse nesse ponto de fuga da conversação das comunidades animando a
sociedade informacional. O acionariato de massa, cúmulo do capitalismo, juntase à
propriedade coletiva dos meios de produção, finalidade clássica do comunismo.
A grande ferramenta ciberespacial permite pilotar, pelo consumo, o investimento e o trabalho
cooperativo e construir uma vida econômica pautada sob o signo da inteligência coletiva. A
política e a economia não estão mais separadas. Cada ato tornase, ao mesmo tempo, político,
econômico e conversacional. Tudo o que fazemos
envia uma mensagem. Tudo o que dizemos constrói o ambiente de sentido da cidade virtual.
No comunismo da inteligência e no livre mercado das coisas, tecemos juntos a teia única e
infinitamente variada da linguagem humana.
A PERSPECTIVA DE UMA E MUNDIA
Uma das grandes mutações e uma das maiores esperanças da ciberdemocracia reside na
perspectiva de uma lei, de uma justiça e de um governo planetários capazes de regular a
economia mundial, 3 de preservar o ecossistema terrestre e de garantir a liberdade,
trabalhando para reduzir as misérias e as injustiças. Essa perspectiva, que não conforta
nenhum poder já existente, só é defendida abertamente por raros atores. Ela seria, entretanto,
o desenrolar natural do movimento antiglobalização e também aquele do liberalismo. : No plano
dos princípios, parecese esquecer que a liberdade de expressão, a propriedade privada e a
possibilidade de se engajar em atividades econômicas de livre escolha são reconhecidas como
direitos do homem em todas as grandes declarações (a francesa, a americana e aquela da
ONU) e que os regimes políticos que atacaram de maneira autoritária a propriedade privada
geralmente aboliram a propriedade privada em geral aboliram todas as outras liberdades. Sob o
plano dos fatos, um estudo atento da situação do planeta mostraria que a economia de
mercado é geralmente mais exuberante em países de democracia e de liberdade política do
que nas ditaduras (ou nas culturas fechadas), e isso ainda mais quando a tradição democrática
é antiga e bem assegurada, Uma lei cívica vigorosa um Estado de direito incontestado é a
condição sine qua non do desenvolvimento dos mercados: respeito dos contratos, proteção da
propriedade, luta contra a criminalida: de. Ao contrário, a corrupção, a ditadura, o poder das
máfias desen : corajam o desenvolvimento econômico. Lá onde a potência pública só funciona
para o lucro de uma burocracia, de uma casta militar, de um clã ou de qualquer outro feudo,
quando o governo não tem nenhuma conta a prestar sobre a sua gestão ou sua ação legislativa
e judiciária, os investidores e os cérebros fogem. Em compensação, a . liberdade política
(necessariamente garantida pela lei) e a abertura . cultural criam confiança. Elas encorajam o
espírito de iniciativa e a . circulação de informação necessária à vida econômica. No começo do
século XXI, um Estado de direito forte e democrático não se opõe de nenhuma forma ao
capitalismo ou à economia de mercado, eles devem ser aliados um do outro, * . O oxímoro
“ditadura do mercado" parece ser pronunciado por pessoas que nunca viveram em uma
verdadeira ditadura, aqueles . que prendem por delito de opinião, fuzilam sem processo e
fazem reinar o terror na população. Aqueles que a pronunciam com . tamanha leveza não
parecem ser incomodados pela “ditadura" em questão. Eles se exprimem, ao contrário,
confortavelmente por todos os meios de comunicação, manifestam o contrário do que eles
anunciam pelo fato mesmo de dizer. Estando atento a isso, é evidentemente indispensável que
as críticas em nome da preocupação com os mais pobres, as culturas oprimidas ou a defesa
dos ecossistemas ameaçados possam se exprimir o mais livremente possível, o que se faz,
portanto, com um maior conforto nos países da União Europeia ou nos Estados Unidos do que
na Coreia do Norte, na Birmânia ou na Tanzânia.
O sentido mais profundo e rico do movimento contemporâneo da globalização deve ser o da
reunificação humana. O extraordinário crescimento técnico, econômico e demográfico que
conhecemos impulsiona o grande grito afirmativo, o “sim” planetário da humanidade. Nem a
ciência, nem a técnica, nem as mídias, nem o mercado conhecem, de agora em diante,
fronteiras. O “sim” criador, pensante, comunicante, produtor e comerciante conquistou a sua
potência mundial. O grande "não" complementar ao "sim" é aquele da lei: interdição do
assassinato, do roubo, da falácia e da opressão. . O "não" é de alguma forma o grito da justiça.
A lei protege do arbitrário das relações de força, da escravidão, do desprezo aos direitos, A lei
não limita a liberdade, ela a garante, ela a funda. Ora, esse “não” libertador é ainda travado e
dividido por barreiras artificiais dos velhos Estadosnação territoriais. Não existe um grande
“não” planetário (apenas uma multidão desigual cada vez mais impotente de pequenos “nãos")
para equilibrar o grande "sim" científico, técnico, econömico e ciberinidiåtico.
Ainda que os processos econômicos se desenvolvam em um i. planeta cada vez mais
unificado, ainda que o comércio, a finança, a ciência, a técnica e a comunicação sejam
mundiais, a lei que deveria regular, proteger e encorajar essas atividades continua ainda
fragmentada entre as diferentes legislações nacionais. O Estadonação, nascido da civilização
da imprensa, não é mais o enquadramento adequado da lei para civilização planetária do
ciberespaço. Hoje tudo se parece e se concentra, salvo as justiças nacionais que continuam
divergentes e dispersas. Ora, quando várias justiças estão em conflito, ou se ignoram, é a
justiça que de fato é abolida. A multiplicidade de leis é hoje a principal proteção dos ditadores,
dos criminosos e dos terroristas. Já que os grandes problemas da humanidade a guerra, a
miséria, a opressão e as destruições ecoló gicas — reclamam soluções mundiais, é a
fragmentação das leis que consiste em um dos principais obstáculos à sua solução. Os
processos tecnológicos, econômicos, sociais e ecológicos em escala planetária só podem ser
equilibrados por uma lei e uma justiça de mesma escala, Isso implica uma lei universal que
favoreça o desenvolvimento científico, técnico, econômico e cibermidiático mundial, que
garanta a todos os seres humanos a condição mais livre e mais justa possível e que se esforce
para fazer respeitar os equilíbrios ecológicos, o “sim” e o “não”, a criação e a justiça, o mercado
e a cidade, a competição e a cooperação, a diversidade e a seleção. O múltiplo e o único não
devem se opor, mas se implicar reciprocamente para se realizarem plenamente.
Se quisermos efetivamente regular e harmonizar o comércio mundial e favorecer os modos
de produção os mais respeitosos dos direitos humanos e dos equilíbrios ecológicos por lei
democráticas, devese, necessariamente, criar leis mundiais, o que supõe um nível de
governança planetária muito mais potente do que ele é hoje. A perspectiva de uma lei
planetária constituiria em uma perspectiva política muito mais sensata que os fetichismos das
barreiras aduaneiras ou a catástrofe econômica e cultural. Certamente existem poderes
econômicos abusivos e desonestos que devem ser denunciados com a maior liberdade. Esse
olhar não contradiz, de forma alguma, o caráter heterogêneo, fluido, inventivo e molecular" das
novas formas de ação política. Não se trata de unificar artificialmente a resistência e o
desenvolvimento mútuo de singularidades identitárias ou culturais, nem de canalizar os
múltiplos conflitos que opõem os interesses, os pontos de vista e os regimes de legitimidade
em qualquer programa comum, mas de constituir, de pleno direito, o terreno do jogo universal e
desterritorializado sobre o qual a conversação mundial se desenvolve. O principal desafio
político e social consiste, de agora em diante, em passar da guerra do “não fechado” contra o
sim aberto" a uma dialética do “não universal" e do “sim mundial". É suficiente que o “não” se
erga em lei planetária para a garantia de todas as liberdades, para que o sim e o não da
humanidade trabalhem, enfim, cada um a serviço do outro, em vez de um contra o outro. Tal é
a perspectiva da inteligência coletiva.
A futura lei planetária deverá ser determinada de maneira democrática e transparente, o que
é de agora em diante possível graças ao espaço público universal aberto pelo ciberespaço.
Uma das tarefas principais do futuro governo planetário será garantir os direitos e as liberdades
das diferentes religiões, culturas e línguas, e de favorecer o florescimento da diversidade em
todos os domínios da criação (econômico, científico, artístico etc.). A unidade não deve ser
confundida com a uniformidade. Esse governo mundial será o último estágio de um sistema de
governo que deverá comportar, dentre outros, os níveis regional, nacional e continental. Cada
nível deverá se ocupar daquilo que não pode ser absolutamente tratado nos níveis inferiores. O
estágio regional pode ser assimilado a uma governança metropolitana", pois as regiões reais se
confundem cada vez mais com as zonas de influência às quais as grandes metrópoles
oferecem seus serviços. O nível correspondente ao antigos Estadosnação soberanos deverá
manter certas prerrogativas legislativas e simbólicas para conservar zonas relativamente
independentes de experimentação jurídica ou de desenvolvimento cultural original, e por
respeitar o sentimento nacional de comunidades ligadas às suas instituições políticas por
longas tradições históricas. No caso de pequenas nações, esse nível se confunde de fato com
o estágio regional. O nível continental é hoje um dos principais terrenos de experimentação do
que pode ser um governo supranacional que não seja um império, mas um polo de atração de
uma zona de paz e de prosperidade. É evidentemente a União Europeia que, nesse domínio,
mostra a via a outros agrupamentos se desenhando sobre o continente americano e na Ásia.
Mesmo a África, com todos os problemas políticos que a caracterizam, parece querer se
engajar nessa direção. "
O futuro governo mundial poderá se constituir como uma federação de agrupamentos
continentais a partir de um reforço progressivo dos poderes da ONU, ou a partir de uma
combinação dos dois processos ao mesmo tempo. De uma forma ou de outra, ele deverá
agregar voluntariamente e livremente partes, tendo fortemente estabelecido o estado de direito,
a liberdade de expressão, as eleições livres e o pluripartidarismo. É claro que as principais
condições de instauração de um governo universal não estão satisfeitas hoje. Em primeiro
lugar, o espaço público transnacional do ciberespaço (condição de uma verdadeira democracia
mundial) não está ainda acessível à maioria dos humanos. Em segundo lugar, numerosas
zonas do planeta são ainda reféns das desordens e das violências de guerras civis sob a
dominação de ditaduras corrompidas ou de governos fortemente ligados a sua soberania
absoluta, presos na armadilha semântica de uma cultura fechada. Entretanto, parece útil
colocar explicitamente a perspectiva da lei mundial porque o movimento das ideias tem por
vocação abrir os caminhos às grandes mudanças culturais e políticas.
Podem argumentar que a ideia de uma lei mundial é irrealizável, pois ela supõe uma
realidade humana onde os apetites de poder e as relações de força estejam ausentes. Mas
podese pensar que o apetite de dominação humano possui outras maneiras de se exprimir, ou
de se sublimar, que não o de investir imaginariamente nos Estadosnação soberanos em
competição uns contra os outros. A lei dos Estadosnação limita a violência sem fim que
prevalece em numerosas sociedades tradicionais antes da invenção do tribunal (e que só se
mantém nos ambientes do crime). Por que a mesma coisa não seria possível entre as nações;
resolver os conflitos por meio de uma arbitragem apoiandose em uma lei em vez da guerra?
Teríamos dito aos inventores do tribunal que sua ideia era utópica e ainda mais contrária à
honra? Entretanto, vivemos sob leis que felizmente impedem de responder a morte pela morte.
O que em outro momento representava a honra é considerado hoje como maneiras de
bandidos! Nos colocaram na cabeça que o objetivo maior da inteligência crítica seria de
suspeitar e de encontrar em todos os lugares a mão do poder. Mas quando a obsessão por
este consegue sobredeterminar todo o pensamento, mesmo o mais especulativo (você não
pode dizer isso, isso seria negar a sua existência"), daí então ele vence de forma absoluta. A
mania de suspeitar do poder tornouse um impedimento ao pensamento e, singularmente, a um
pensamento que se proporia a uma perspectiva de emancipação. Imaginar o mundo onde ele
não seria tudo é o primeiro ato de resistência a sua pretensão totalitária. É desertandoo, em
vez de o combatendo, que o fazemos recuar. Não se deve confundilo com a autoridade ou a
potência, essas duas últimas forças sendo dignas de respeito. A potência cria. O poder, ao
contrário, se faz temer obscurecendo o brilhantismo da autoridade e limitando a capacidade
criadora da potência. Muitas das pretensas lutas contra ele são, em realidade, manifestações
dele mesmo, isto é, do ressentimento contra a autoridade de alguns ou da potência criadora de
outros. O próprio da lei, ao limitar todos os poderes particulares (compreendendo também o do
governo), é produzir as condições da potência coletiva.
A utopia da ciberdemocracia não ignora relações de força e faz Como se todos os seres
humanos fossem animados pelas melhores intenções. Essa é precisamente a tela de fundo
sobre a qual se desenrola a reflexão filosófica ou política. O próprio da filosofia, como de toda
abordagem emancipadora em geral, é de chamar o que está além das relações de força. Não é
porque invocamos um direito (isto é, uma ideia) que ignoramos as relações de força. Ao
contrário, o direito só tem sentido perante a força diante da qual ele se compõe. Ora, todos os
direitos efetivos começaram por ser direitos a vir, direitos imaginados, direitos pensados, ideias.
A qualquer um que tivesse declarado na época do império romano que um dia a escravidão
seria abolida sobre toda a Terra, que a humanidade a teria abandonado no seu direito,
poderíamos responder que a natureza humana sendo o que ela é, as relações de força, em
todos os lugares visíveis, tornam essa perspectiva utópica e mesmo perigosa. Olhe o que
acontece em Spartacus...". Mas porque os hebreus inventaram um deus libertador da
escravidão, porque os gregos dedicaram uma paixão intelectual e política à liberdade, porque
os estoicos e os cristãos fizeram lentamente passar na cultura a ideia de que todos os
humanos são iguais em uma dimensão invisível e porque pessoas corajosas defenderam
politicamente a causa abolicionista, finalmente, no decorrer do século XIX, depois de uma longa
preparação histórica e cultural, a escravidão terminou por ser proibida pelo direito na maioria
dos países do mundo. Mas, para que ele fosse abolido nos fatos, foi necessário que ele fosse
abolido em um outro mundo, no pensamento, perante Deus, na utopia, chame isso como você
quiser. Talvez seja o mesmo para o estado universal e transparente, guardião da paz e espelho
da inteligência coletiva da espécie humana: devese, antes de tudo, pensálo para que ele
possa se realizar um dia.
Conciliando a unidade da espécie humana e seus direitos com a diversidade criativa de sua
expressão cultural, o objetivo mais fundamental de uma lei e de uma justiça na escala da
humanidade é a paz. A evolução cultural é levada a colocar a escravidão fora da lei, a
proclamar os direitos do homem, a tornar irreversível a extensão do sufrágio universal. Ela
começa a realizar a grande ideia da igualdade dos sexos. Podemos, se quisermos, se tivermos
a coragem da nossa liberdade, enviar a guerra para a préhistória da humanidade. Em vez de
criar a lista dos obstáculos que nos impedem de alcançar esse objetivo, considerar como
ilusões os conceitos e as razões que nos fazem imaginar como impossível um futuro de paz. A
guerra se faz sempre por fantasmas convencionais, por signos, por ideias, enquanto as ideias
deveriam ser consideradas como uma inesgotável fonte de jogo. Só um soberano universal
(exprimindo a totalidade da espécie), representado por um governo mundial garantindo uma lei
democraticamente elaborada pela inteligência coletiva da humanidade, pode abolir a guerra,
que é o principal mal da humanidade. Nesse domínio político, estamos ainda em face dos
ídolos, isto é, das soberanias parciais efetichizadas. Resta descobrir o monoteísmo em política:
um governo universal garantindo que nenhum governo tornarseá um ídolo exigindo sacrifícios
humanos. A guerra de hoje em diante é um atraso cultural.