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de Solidariedade
Deberes fundamentales de solidaridad
Fundamental Duties of Solidarity
Revista de Derecho (UCUDAL). 2da época. Año 14. N° 18 (dic. 2018). ISSN 1510-3714. ISSN on line 2393-6193
Suzana Ma. Fernandes Mendonça, Deveres Fundamentais de Solidariedade, 91-116
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I.
DEVERES FUNDAMENTAIS
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A história convive com a presença dos deveres nas mais variadas sociedades e em
diversos períodos. Na Grécia Antiga, por exemplo, haviam os deveres associados aos direitos
políticos na polis. Já na Roma Antiga, eram recorrentes os deveres conexos às numerosas
relações entre privados, especialmente o dever de respeito à bona fides7. Ou mesmo na Idade
Média, com aqueles deveres do vassalo para com seu suserano.
Os deveres, aliás, são tema recorrente na Filosofia. Cícero, por exemplo, discorreu
sobre os deveres nos mais variados graus de sociedade, do considerado como gênero huma-
no ao grupo de pessoas que falam a mesma língua. Os indivíduos, nesse sentido, deveriam
manter suas relações em harmonia, de modo a criar um senso de amizade, já que é mais fácil
e simples a prestação para com aqueles mais próximos8.
Santo Agostinho, por sua vez, trata sobre os deveres do homem para com Deus. O in-
verso, em seu pensamento, não seria possível, já que tudo é dado aos homem de maneira gra-
tuita. Ao indivíduo é atribuída responsabilidade por tudo que recebeu, como consequência,
a existência de determinados deveres9 associados à prática do bem. Outros grandes filósofos
também dedicaram-se ao tópico, como John Locke e Thomas Hobbes.
A ideia de deveres, portanto, surgiu inicialmente nos campos ético, filosófico e re-
ligioso. Apenas veio a tomar contornos mais próximos ao conteúdo atual de deveres fun-
damentais a partir da Constituição de Massachussets, no ano de 1780, momento que um
dispositivo referente aos deveres constou de um documento constitucional. Era prescrito
que cada cidadão estaria obrigado a contribuir mediante serviços pessoais ou mediante um
equivalente para a organização da proteção comunitária.
Posteriormente, em 1789, os deveres constaram da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, sendo três: o dever de obediência, o dever de pagar impostos e o
dever de suportar a privação da propriedade em caso de expropriação para fins de utilidade
7
Flávio Rubinstein, “A Bona Fides como Origem da Boa Fé Objetiva no Direito Brasileiro”, Revista da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, (2004): 580.
8
Marco Túlio Cícero, Dos Deveres, (Lisboa: Edições 70, 2017), 46-47.
9
Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, (São Paulo: Paulus, 1995), 202-203.
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pública. Desde o início desse período, os deveres passam então a constar, seja em maior ou
em menor escala, dos documentos constitucionais do estado liberal10.
O panorama somente é alterado a partir do momento em que os deveres deixaram de
repercutir em uma determinada proporção em virtude da queda dos regimes totalitários11.
Deveres de ordens diversas estruturavam a substância emanada pelo totalitarismo, que se
utilizava de ideologia para obter o apoio do brutal vigor das massas como forma de dura-
doura manutenção no poder12. Era oportuna e necessária, portanto, a instituição de sistemas
constitucionais consideravelmente sólidos na proteção e promoção de direitos fundamentais,
até como forma de rompimento com os ideais passados. A tentativa era precisamente o esta-
belecimento de um completo antagonismo em relação aos regimes totalitários anteriormente
vigentes.
Os direitos fundamentais, após o fim da fase totalitária, passam a ser alargados e prio-
rizados, o que acarretou na construção de expressões constitucionais protetoras dos direitos
da pessoa, bem como no modelo de Estado de Direito ou Estado de direitos fundamentais13.
Logo, o papel dos deveres padeceu de uma redução na intensidade de influência quando em
comparação com os demais valores emitidos pelas constituições que sucederam tal período.
2. CONCEITO
10
Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 44-45.
11
Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, Vol. I, (Coimbra: Almedina, 2016), 537.
12
Hannah, Arendt. Origens do Totalitarismo, (São Paulo: Companhia de Bolso, 2012), 278.
13
Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, 537.
14
José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, (Coimbra:
Almedina, 2004), 160.
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3. CLASSIFICAÇÃO
15
Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, 539.
16
Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, 537.
17
Miranda, Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais, 110.
18
Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 64.
19
Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 772.
20
Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 160.
21
J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, (Coimbra: Almedina, 1993), 549.
22
Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 114.
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23
Miranda, Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais, 218.
24
Gregório Martínez Peces-Barba, “Los Deberes Fundamentales”, Novissimo Diggesto, (1987): 333-334.
25
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 548.
26
Santiago Varela Diaz, “La Idea de Deber Constitucional”, Revista Española de Derecho Constitucional, ano 2, n.
4, (1982): 70-71.
27
Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 169.
28
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 548.
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II.
SOLIDARIEDADE E VALOR COMUNITÁRIO
29
Jean Duvignaud, La Solidarité: Liens de Sang et Liens de Raison, (Paris: Fayard, 1986), 120.
30
Francisco Fernández Segado, “La Solidaridad como Principio Constitucional”, Revista Teoría y Realidad
Constitucional, n. 30, (2012): 142-144.
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31
Luís Roberto Barroso, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo, (Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2014), 62.
32
Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, (São Paulo: Malheiros, 2015), 354.
33
Jorge Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana, Dignidade e Direitos Fundamentais, Vol. I, (Coimbra:
Almedina, 2016), 62.
34
Martha Nussbaum, Political Emotions, Why Love Matters for Justice, (Cambridge: The Belknap Press of Harvard
Press, 2013), 119-120.
35
Barroso, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo, 76-77.
36
Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana, Dignidade e Direitos Fundamentais, 58-59.
37
Matthias Mahlmann, “The Good Sense of Dignity: Six Antidotes to Dignity Fatigue in Ethics and Law”, Oxford
University Press, (2013): 597-598.
38
Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988,
(Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011), 277.
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Por outro lado, tal essência implica não apenas no reconhecimento de sua própria
dignidade, mas também na de cada pessoa39, uma vez constatada a condição de semelhan-
ça. Assim, a dignidade apresenta uma força valorativa de tal forma que além de vincular o
Estado no sentido de garantir sua proteção e promoção, subordina também os indivíduos no
âmbito das relações particulares40, o que se expressa através do respeito mútuo.
Determinados ideais, assim, conduzem atualmente a forma de vivência social, tais
como a tolerância, o respeito, o pluralismo e a inclusividade, todos fundados na igual digni-
dade e liberdade de cada indivíduo. A participação de cada pessoa em condições de liberdade e
igualdade na construção da vontade democrática, impõe aos membros da sociedade requisitos
de convivência comunitária e integração social, de modo a ser respeitado o interesse geral41.
Não é possível descartar, entretanto, a pluralidade humana, que compreende a igual-
dade e a diferença como seus aspectos. A diferença revela a variabilidade existente entre
humanos, que por isso necessitam de discurso e ação para se comunicarem. Já a igualdade
indica justamente o senso de compreensão mútuo, seja em relação às pessoas com quem
convivem ou aos antepassado e até mesmo quanto às gerações futuras42. Ambos são igual-
mente indispensáveis para a realização simultânea de que sãos os indivíduos semelhantes e
diferentes, dentro de sua dignidade43.
A constatação de que a cada pessoa é atribuído valor singular e absoluto, represen-
tado pela amplitude da dignidade humana, produz um senso de respeito à existência e à
autonomia de todos, de modo a suplantar devidamente percepções de bem em caráter in-
dividualista. Uma obrigação entre indivíduos que emana justiça, assim, apenas pode ser
adequadamente posicionada como alicerce da comunidade por eles formada a partir do
conteúdo de reconhecimento e respeito mútuos, que por sua vez, expõem a vontade de agir
em favor do outro.
A dignidade, nesse sentido, contém também um valor comunitário, não apenas exi-
gindo do Estado normas reguladoras do convívio social, mas também determinando aos
indivíduos a formação de metas coletivas. A solidariedade, dessa forma, como instrumento
social para a realização da dignidade da pessoa, expõe-se justamente como efeito do processo
de reconhecimento da dignidade individual e de todos. Logo, se a dignidade exprime-se
como o reconhecimento não apenas da sua própria dignidade mas também da dos demais, a
39
Wambert Gomes Di Lorenzo, Teoria do Estado de Solidariedade, (Rio de Janeiro: Elsevier, 2010), 18.
40
Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 278.
41
Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana, Dignidade e Direitos Fundamentais, 63.
42
Hanna Arendt, A Condição Humana, (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007), 188.
43
Barroso, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo, 87.
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solidariedade identifica-se no empenho para a realização do outro, até mesmo como forma
de realização pessoal.
44
Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 31.
45
Lynn Hunt, A Invenção dos Direitos Humanos, (São Paulo: Companhia das Letras, 2009), 26.
46
Di Lorenzo, Teoria do Estado de Solidariedade, 152.
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todos os deveres, além de caracterizar-se por sua facilidade, uma vez que consiste em uma
omissão47.
Há uma determinada medida de responsabilidade geral em evitar causar danos aos
outros, de modo a serem as práticas e convenções sociais os instrumentos delineadores dessa
responsabilidade. Nessa esteira, por exemplo, tais práticas convencionam que os cuidados
associados às crianças são de incumbência dos pais, logo, ninguém mais estará encarregado
por essa tarefa, o que a torna um dever dos pais48.
Os deveres, nesse sentido, reproduzem um certo grau de compromisso com a manu-
tenção harmônica da coletividade. Seja em relação à um dever específico, como é o caso dos
cuidados com as crianças cujo cumprimento é efetivado pelos pais, ou quanto aos deveres
atribuídos a todos, como a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A
designação de direitos e deveres encontra sentido justamente nas próprias relações que vin-
culam solidariamente os indivíduos. Constata-se, portanto, que os deveres contêm uma di-
mensão social, que conduzem o indivíduo ao serviço comunitário, o que em última instância
reflete justamente a essência da solidariedade.
Ao fim do período em que os regimes totalitários eram vigentes, houve uma mo-
dificação na forma de tratamento e proteção da pessoa, bem como da própria finalidade
do Estado. A reação aos efeitos difundidos pelo totalitarismo foi a estruturação de direitos
fundamentais49, através do reconhecimento da posição central da dignidade humana em
termos de valores na sociedade, conteúdo responsável por resguardar não apenas os interesses
individualmente considerados, mas também aqueles concernentes ao bem comum.
O destaque para o que é considerado ser de melhor interesse coletivo sustenta o sen-
tido do bem comum, cuja essência foi transportada para o plano jurídico especialmente pelo
intermédio dos direitos fundamentais. Por outro lado, como estão os direitos sucessivamente
conectados aos deveres, também é perceptível a relação entre a concepção de bem comum e
os deveres, nomeadamente os deveres fundamentais.
47
Samuel Pufendorf. “The Whole Duty of Man According to the Law of Nature”, Online Library of Liberty, 18
de junho de 2017, http://files.libertyfund.org/pll/pdf/Pufendorf_0217_EBk_v7.0.pdf.
48
Ronald Dworkin, Justiça para Ouriços, (Coimbra: Almedina, 2011), 320.
49
Miranda, Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais, 113 -114.
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50
Émile Durkheim, Da Divisão do Trabalho, (São Paulo: Martins Fontes, 1999), 50.
51
Maria José Roca Fernandéz, “La Tolerancia Entre Los Individuos como Deber Fundamental en el Derecho
Alemán: Consideraciones Aplicables al Derecho Español”, Revista Española de Derecho Constitucional, n. 83, (2008):
95-96.
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III.
DEVERES FUNDAMENTAIS DE SOLIDARIEDADE
52
Francisco Fernández Segado, “La Solidaridad como Principio Constitucional”, 143-145.
53
Immanuel Kant, A Metafísica dos Costumes, (São Paulo: Editora Universitária São Francisco, 2013), 162-163.
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mento entre todos os membros da sociedade a partir do momento em que se torna material-
mente desempenhada, através dos deveres fundamentais, corresponde justamente à essência
da cidadania, e como consequência, ao sentido da própria solidariedade.
1. DEFINIÇÃO
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didas punitivas é motivada justamente pela relevância de tais deveres para o adequado fun-
cionamento das engrenagens sociais. Nesse sentido, o devido desempenho desses deveres
não deve ser estimulado meramente pelo receio de uma punição, como forma de evitar uma
penalidade a ser aplicada pelo Estado. Mas a conduta do indivíduo deve ser compatível com
a carga ética ou solidária dos deveres, até mesmo como respeito pela dignidade humana,
uma vez que a razão principal para o adequado cumprimento desses deveres deve ter como
alicerce justamente a solidariedade.
Assim, os deveres fundamentais de maneira geral carregam consigo um certo grau de
força solidária, já que visam o bem comum, seja indireta ou diretamente. Os deveres funda-
mentais, como uma incumbência dos membros de uma sociedade no sentido de mantê-la
em situação de bem-estar social55, estariam, portanto, associados justamente à percepção de
solidariedade.
Entretanto, quando se trata de deveres fundamentais de solidariedade, a conforma-
ção é manifestada de maneira diversa. Consistem, assim, naqueles deveres que apresentam
como finalidade primordial atingir a relação dos membros da coletividade que de alguma
forma encontram-se em condições menos favorecidas em relação aos demais.
O dever de ajudar o próximo em uma circunstância de necessidade faz parte de alguns
dos principais valores de uma sociedade há séculos. Caracteriza-se como um dever positivo
de colaboração mútua56, de modo a constituir a sustentação do que se entende como um
dever fundamental de solidariedade, isto é, uma expressão de empatia convertida em ação
em relação aos indivíduos que se encontram em alguma situação adversa.
O interesse nas condições desfavoráveis dos demais, representada pela solidariedade57,
conduz o indivíduo a atuar no sentido de minimizar a intensidade do prejuízo do próximo,
atitude que revela justamente o conteúdo do dever fundamental de solidariedade. A postura
de solicitude social em relação aos menos afortunados demonstra, ainda, a essência da res-
ponsabilidade comunitária que envolve o dever fundamental de solidariedade.
A solidariedade, assim, produz no indivíduo uma preocupação para com o outro que
não se encontra em uma conjuntura próxima à sua, de modo a ter uma atitude de deixar
de evitar locais ou situações onde os menos favorecidos estejam58. O dever fundamental de
solidariedade, nesse sentido, nada mais seria que a consciência por parte dos sujeitos de uma
comunidade de que a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada nas mais variadas
55
Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, 344.
56
John Rawls, Uma Teoria de Justiça, (São Paulo: Martins Fontes, 2000), 122.
57
Di Lorenzo, Teoria do Estado de Solidariedade, 133.
58
Kant, A Metafísica dos Costumes,162-163.
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situações sociais, especialmente nas circunstâncias desfavoráveis à certos grupos. Tal reconhe-
cimento orienta o indivíduo no sentido de movimentar-se para colaborar com os demais,
respeitando os limites de possibilidade à ele impostos.
2. HIPÓTESES
59
Rawls, Uma Teoria de Justiça, 107.
60
Serio Galeotti, “Il Valore dela Solidarietà”, Rivista Diritto e Societá, n. 1, (1996): 3-4.
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res fundamentais. Não está associada somente aos valores de benevolência ou caridade, mas
essencialmente à própria justiça, como um poderoso instrumento de igualdade61. Além de a
solidariedade configurar-se como um mecanismo para o alcance do mínimo social, também
consiste em um valor jurídico devidamente reconhecido e garantido pelo ordenamento, o
que se evidencia justamente pela presença de dispositivos no texto constitucional que pre-
veem os deveres fundamentais de solidariedade62.
A Constituição Italiana, em seu art. 2º, garante os direitos invioláveis ao indivíduo,
bem como requer dele o cumprimento de deveres inderrogáveis de solidariedade política,
social e econômica. Assim, o texto confere aos deveres fundamentais de solidariedade um
papel essencial na construção das estruturas sociais, bem como na manutenção da harmonia
coletiva.
Discrimina, ainda, nos demais dispositivos os deveres fundamentais de cada membro
da sociedade, tais como o dever de trabalhar (art. 4º), o dever cívico (art. 48º), o dever de de-
fesa da pátria (art. 52) e o dever de fidelidade à República (art. 54º). O texto constitucional
italiano, nesse sentido, deixa clara a associação de todos os deveres fundamentais à uma carga
de solidariedade, valor que, em última análise, de fato emerge de tais deveres.
Nesse sentido, a solidariedade no ordenamento jurídico italiano seria dividida em: so-
lidariedade pública ou paterna e solidariedade fraterna ou deverosa63. A solidariedade públi-
ca refere-se justamente às tarefas atribuídas ao Estado para a devida proteção e promoção dos
direitos fundamentais pela via de políticas públicas. Já a solidariedade fraterna está associada
precisamente aos deveres fundamentais enunciados pelo art. 2º e discriminados ao longo do
texto constitucional. Assim, estes seriam realizados a partir do compromisso comunitário de
seus membros integrantes, em uma verdadeira colaboração mútua para a adequada manu-
tenção dos meios sociais.
Já a Constituição da República Portuguesa menciona diretamente os deveres funda-
mentais de solidariedade em seu art. 71º, n. 3. Além de pontuar a obrigação do Estado de
efetuar políticas públicas de prevenção e tratamento de pessoas deficientes, também desen-
volvê-la de forma a sensibilizar a sociedade em relação aos deveres de respeito e solidariedade
para com eles, sem prejuízo dos deveres e direitos dos pais ou tutores.
Ademais, é tarefa do Estado, conforme consta do art. 63º, n. 5 da Constituição
Portuguesa, fiscalizar e apoiar o funcionamento de instituições particulares de solidariedade
61
Javier de Lucas, “La Polémica sobre los Deberes de Solidaridad. El Exemplo de Deber de Defensa y su Posible
Concreción en un Servicio Civil”, Revista de Centros de Estudios Constitucionales, n. 19, (1994): 20-22.
62
Galeotti,”Il Valore dela Solidarietà”, 5-6.
63
Galeotti,”Il Valore dela Solidarietà”, 15-16.
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social e de outras cujo interesse público sem cunho lucrativo é reconhecido, tendo em vista
o devido seguimento dos objetivos relacionados à solidariedade social quando estes envolve-
rem nomeadamente: infância, juventude, terceira idade e deficientes.
É possível interpretar dos dispositivos mencionados que os movimentos sociais que
visem a assistência à tais grupos caracterizam-se como ações em razão da solidariedade e em
favor dessa parcela da comunidade que necessita de atenção e cuidados especiais. Tais ativi-
dades resultam justamente no cumprimento de deveres fundamentais de solidariedade para
com aqueles que apresentam uma certa carência por zelos característicos à cada um desses
grupos.
Assim, as crianças necessitam, por exemplo, de cuidados especiais referentes a educa-
ção compatível com a sua idade, a adequada alimentação ou ao acesso à saúde, entre outros.
Aos idosos, por sua vez, devem ser garantidos os meios para que consigam se prover devi-
damente através dos valores recebidos à título de aposentadoria, a assistência à saúde ou os
espaços de lazer. Já aos jovens, devem ser assegurados a pertinente formação profissional, as
oportunidades de emprego ou acesso à habitação. Em relação aos deficientes, a pertinente
assistência de saúde, educação, lazer e alimentação, de modo a serem os cuidados adequados
às suas necessidades.
A conduta praticada no sentido de garantir tais bens às crianças, aos idosos, aos jo-
vens e às pessoas deficientes reflete precisamente os deveres fundamentais de solidariedade,
bem como o conteúdo que emerge do comportamento compatível com os deveres previs-
tos constitucionalmente, cujos efeitos são ostentados como extremamente positivos para os
membros da sociedade. Assim, manifesta-se materialmente interessante a colaboração da
coletividade, de maneira complementar ao Estado, para com os grupos sociais que requerem
uma atenção especial.
3. SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL
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64
Miranda, Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais, 219.
65
Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 54.
66
Gabriele Pepe, “La Solidarità Intergerazionale quale Strumento di Giustizia Redistributiva”, Rivista
AmbienteDiritto.it, (2016): 2-3.
67
Edith Brown Weiss, “In Fairness to Future Generations and Susteinable Development”, American University
International Law, Review 8, n. 1, (1992): 20-21.
68
Carla Amado Gomes, O Risco de Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Meio
Ambiente, (Lisboa: FDUL, 2007), 30.
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As atitudes tomadas que podem de alguma maneira vir a influenciar a devida pre-
servação do meio ambiente ecologicamente equilibrado perpassam pelo conteúdo expresso
pela solidariedade, entretanto em maior amplitude, justamente por atingirem a comunidade
com quem convivem e os seus sucessores. O reconhecimento de que os descendentes são
membros a serem considerados pelos interesses comunitários que podem vir a afetar o seu
bem estar, é materialmente interessante de maneira racional e não apenas emocional ou
humanitária69.
A inclusão de membros futuros em decisões atuais mostra-se verdadeiramente como
um princípio de justiça, considerando que as opções adotadas no presente atingem também
as gerações futuras. A solidariedade expressa pela consideração dos membros futuros da so-
ciedade, conduz a justiça a assumir um componente intergeracional como parte indispensá-
vel para a noção de similaridade ética e moral compartilhada por toda a sociedade70.
Assim, é importante oferecer as gerações futuras a oportunidade de tomar as suas pró-
prias decisões, bem como de formar as suas próprias definições do que é considerado ter uma
vida digna, de maneira compatível com o que se considerar pertinente para o momento em
que viverem. A noção de igualdade de oportunidades, desse modo, não seria aplicável apenas
aos atuais vínculos entre os indivíduos, mas também entre as gerações presente e futura71.
Mostra-se relevante, portanto, que a toda a comunidade, de maneira compartilhada,
seja igualmente conferida a responsabilidade pela utilização consciente dos recursos naturais
e pela devida preservação do meio ambiente. O adequado exercício do dever fundamental de
solidariedade referente a proteção e defesa do meio ambiente produz efeitos intergeracionais
que poderão ser determinantes para o modo como a dignidade humana será percebida pelos
sucessores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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os indivíduos a unidade através do auxílio mútuo, o que culmina com benefícios para todas
as partes envolvidas.
O reconhecimento da condição de semelhança em relação aos demais, em uma verda-
deira identificação da dignidade do outro, conduz o indivíduo a atuar no sentido de oferecer
a sua parcela de contribuição para a comunidade. A dignidade humana representa, assim,
uma energia valorativa de tal modo que, além de vincular o Estado para disponibilizar os
meios indispensáveis a garantia da sua proteção e promoção, submete também as pessoas na
esfera das relações privadas, o que se verifica através do respeito mútuo.
A ajuda mútua manifesta-se como elemento essencial para que se alcance o bem
comum, objetivo principal de uma comunidade. A noção de que o bem estar de todos
depende de um empenho social ativo expressa um estímulo responsável por romper com o
individualismo e conduzir as pessoas para uma atuação em favor da coletividade, através do
cumprimento de deveres.
A prática de deveres reflete, portanto, o senso de uma responsabilidade social, a partir
da qual os indivíduos optam por atuar para o benefício coletivo. A consciência coletiva pro-
duz uma intenção em colaborar com os demais membros de uma comunidade, o que não
deixa de remeter ao conteúdo expresso pela solidariedade
O entendimento da essência da solidariedade passa pela identificação de que a aliança
natural entre os integrantes de uma sociedade revela-se como um elemento substancial para
seu progresso e sua manutenção. Nesse sentido, o conteúdo expresso por direitos e deve-
res encontra significado precisamente nas próprias relações que vinculam solidariamente as
pessoas.
Assim, dentro da sua liberdade, os indivíduos optam por compactuarem solidaria-
mente com a responsabilidade social que lhes é atribuída. A partir dessa atuação comple-
mentar às tarefas Estado, a sociedade adquire os meios indispensáveis para buscar igualar as
intensas e amplas diferenças presentes nos mais diversos grupos sociais a ela inerentes.
Os deveres fundamentais de solidariedade, nesse sentido, mostram-se extremamente
relevantes para equilibrar tamanho desnível social. Configuram-se como a consciência por
parte dos sujeitos de uma comunidade de que a dignidade humana deve ser observada nos
mais diversos cenários sociais, nomeadamente nas situações consideradas desfavoráveis à cer-
tos grupos.
Os sujeitos beneficiados pelo cumprimento de deveres de solidariedade, dessa manei-
ra, são aqueles cujo contexto apresenta-se como desvantajoso, inadequado ou incompatível
com o que se considera necessário para uma vida digna. As pessoas mais carentes, as crianças,
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os jovens, os idosos e os deficientes constituem alguns desses grupos aos quais os deveres
de solidariedade são aplicáveis como forma de concretização de seus respectivos direitos
fundamentais.
Ademais os deveres de solidariedade não encontram repercussão apenas no texto
constitucional, mas também em outras áreas na esfera jurídica, como no direito civil, através
do cumprimento de obrigações, da responsabilidade social ou pelo princípio da boa fé; no
direito penal, pela omissão de auxílio ou socorro. Além disso, tais deveres também produzem
ressonância no âmbito do direito internacional, como nos movimentos de ajuda humanitá-
ria ou até mesmo em relação a situação dos refugiados.
O dever de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, por sua vez,
constitui um dever de solidariedade singular. Diverge dos demais por se tratar de uma atua-
ção que envolve uma solidariedade intergeracional, isto é, o dever de proteção do meio
ambiente não atinge apenas a comunidade atual, mas também as gerações futuras. Nesse
sentido, o cumprimento do dever de solidariedade relacionado ao meio ambiente procurar
oferecer aos sucessores as oportunidades de se ter uma vida com dignidade, como uma ver-
dadeira expressão de isonomia intergeracional.
Portanto, os deveres fundamentais de solidariedade são a manifestação do caráter
generoso e empático do ser humano, que ocorre pelo cumprimento das incumbências que
lhe foram conferidas pelo texto constitucional. A prática dos deveres fundamentais constitui,
assim, uma ferramenta que o indivíduo possui para contribuir com a estruturação dos meios
sociais, de modo a efetivar direitos fundamentais das pessoas menos favorecidas como forma
de reduzir o desnível coletivo e atingir o bem comum.
Para citar este trabajo: Mendonça, Suzana M., “Deveres fundamentais de solida-
riedade”, Revista de Derecho. Ucudal N° 18 (Dic.- 2018), ISSN 1510-3714, ISSN On line
2393-6193, 91-116.
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Suzana Ma. Fernandes Mendonça, Deveres Fundamentais de Solidariedade, 91-116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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