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1 Rudolf Von Ihering, A finalidade do Direito, vol. I, trad. José Antonio Faria Correa,
Editora Rio, Rio de Janeiro, p. 161.
2 Fi1osof1a Jurídica y Social, editorial Labor, Madri, 1933, pp. 138/139.
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e deve ser atingido por todos. O fim é uno no que diz com o desiderato social.
Os meios para atingi-lo são plurais e, por isso, sujeitos a tensões na sua defini-
ção — tensões naturais, vez que as relações patrimoniais, salvo raras exceções,
se pautam no egoísmo. E desse pressuposto não escapa a união criadora do
vínculo associativo a qual somente se aperfeiçoa pela impossibilidade da per-
seguição do lucro projetado de maneira isolada e exclusiva pelo indivíduo,
ou seja, o vínculo é objetivo e material: impossibilidade de, isoladamente, o
indivíduo auferir determinada soma de recursos financeiros.
Por que razão me ligo a outro, com quem, finalmente, terei de partilhar?
Por benevolência? O comércio desconhece benevolência: todos os contratos
no comércio se edificam sobre o egoísmo; o mesmo se passa com a sociedade.
Isso não significa que o motivo da benevolência não tenha ingresso também
no tocante à sociedade — isto é, sem dúvida, tão possível quanto o fato de
alguém, por benevolência, vender ou alugar uma coisa por preço inferior —,
mas, ao revés, a sociedade, por sua função comercial e por definição, não ser-
ve à benevolência, mas ao egoísmo. Nenhum egoísta divide algo com outro,
se pode possuí-lo só para si. Se partilha a coisa, então, temos aí a prova de que
é mais vantajoso para ele o negócio em comum do que o contrário.'
Entre a abdicação do lucro e a consecução do negócio em conjunto, o
indivíduo opta pela união de objetivos. O fim é comum em razão da identidade
de objetivos; mas a união, per se, não é suficiente ao ponto de acabar com o
egoísmo, apenas o reprime ou o abafa, de modo a permitir o desenvolvimento
social. A tensão permanece, naturalmente, ao longo da vida social em vir-
tude da luta internaentre os grupos que pretendem produzir o direito que irá
nortear a consecução do objeto social.
Dessa maneira, assim como nas comunidades sociais, as de cunho asso-
ciativas pautam-se por princípios mínimos de conduta que norteiam suas de-
liberações ou, sob outro enfoque, por preceitos que se impõem para permitir
a coexistência social.
Essa coexistência, como uma das finalidades sociais do direito, há de
atender aos princípios atinentes à moral e à ética nas relações, aos pressu-
postos ideais de comportamento humano pelos quais as pessoas se devem
pautar para chegar ao fim almejado e justo. Falo da boa-fé no sentido da im-
parcialidade e da justiça da intenção — intenção desapegada de culpa, justiça
linear e cristalina. Esses são princípios inarredáveis que sustentam e conferem
legitimidade às decisões de qualquer grupo social, inclusive daquele de fim
lucrativo que gira ao redor das companhias. Calcada em tais premissas da
ordem social, a pluralidade valorativa dos indivíduos que formam a comuni-
dade deverá proceder à consecução do desiderato comum.
Mas a unidade do fim será, por tudo e por todos, frustrada se não for
adotado um critério para a fixação de meio a ser implementado, para se che-
gar ao intere9e comum. Porquanto cientes de que o meio, instrumento para se
alcançar o fini pretendido, é definido pelos indivíduos, o interesse será sempre
em prol da generalidade da comunidade. Em outros termos, a pré-definição
e a ciência do fim almejado não facilitam a deliberação dos meios a serem utili-
zados para seu atingimento. Isso porque aos indivíduos, em sua diversividade
de valores e cultura, cabe o poder de decidir o caminho a ser adotado. Mas
algum método há de existir para que a vontade individual resuma o interes-
se geral. A Coexistência há que resultar em coesão social, no sentido de se
fixar ordem jurídica que afirme e, assim, viabilize a harmonia social. E, aqui,
parece-me que o critério está no gozo da liberdade contrabalanceada pela
segurança e pela utilidade jurídica.
Como alores da liberdade que interessam ao tema, cito o da livre ini-
ciativa4 e o direito de associação.'
Livre ir)iciativa, no sentido amplo, significa que a pessoa detém a facul-
dade de desempenhar sem amarras uma atividade, de exercer uma atividade
infensa à resgição ou ao constrangimento: liberdade de ação não só no exer-
cício como t mbém na condução da atividade que a pessoa tenha por objeto;
independên ia na definição do objeto, desde que licito, e na adoção dos meios
à sua conduão.
Aliado a esse valor, temos, também, a liberdade associativa. Seja de que
natureza foi a associação ou a sociedade (política, desportiva, religiosa ou
econômica) todo o cidadão tem o direito de, livremente, se associar ou de
deixar o grupo organizado, ciente, contudo, do alerta de Jean Cruet: a liber-
dade de ass ciação é a menos individualista de todas as liberdades.' Todas
as pessoas são livres para se organizarem e não podem ser compelidas a se
manterem àssociadas. Trata-se de direito fundamental do cidadão aplicável,
repito, a todos os grupos organizados, inclusive os de finalidade econômica.
A partir de tais valores fundamentais da liberdade, aliados ao interesse
1
comum què as sociedades almejam, nomeadamente as companhias, algum
critério há de se ter para democratizar os interesses individuais — meios, como
7 Gustav Radbruch propõe "uma divisão honesta de trabalho, segundo seu domínio de
atuação: com a justiça medir-se-ia se uma determinada disposição traz em si a forma de
jurídica e, de modo geral, se pressupõe o conceito de direito; segundo a utilidade deci-
dir-se-ia se os seus conteúdos são adequados e, finalmente, dada a resultante segurança
jurídica, se julgaria se merece vigência." (op. cit., p. 112)
24 1 PEDRO A. BATISTA MARTINS 1
8 Hans IFelsen, Teoria Geral das Normas, trad. José Florentino Duarte, Fabris Editor, Por-
to Alepe, 1986, p. 1.
9 ibidem pp. 2-3.
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"que mesmo estas liberdades [de associação, expressão, religião, dentre outras]
se revistam de valor absoluto. É possível que a proteção de uma delas, no caso
concreto, importe em lesão a outro direito fundamental ou princípio constitu-
cional igualmente relevante. Nesta hipótese, poderá ser necessário, diante dos
contornos do caso, restringir a liberdade em questão, de forma proporcional,
visando a otimização dos bens jurídicos em confronto, através de uma ponde-
ração de interesses. É exatamente isto que ocorre quando se discute a aplica-
ção dos direitos fundamentais na esfera privada, em que se torna necessário
ponderar esta autonomia com o direito que estaria sendo violado pela conduta
do particular:"°
11 ibidem, p. 192. Segundo Lacordaire, "entre o fraco e o forte a liberdade que escraviza e a
lei que liberta."
12 Icilio Vanni, Filosofia dei Dereho, trad. Rafael Urbano, Libreria Espafiola y Extranjera,
Madri, 1922, p. 326.
13 ExpresSão adotada por Rudolf Von Ihering, op. cit., p. 257.
14 Conceito defendido por Francesco Carnelutti, Teoria Geral do Direito, trad. Antônio
Carlosferreira, Lejus, 1999, p. 276.
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