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reflexdes sobre Migracdes em Mogambiqu uma Politica de Migracao*! Inés Macamo Raimundo Centro de Andlise de Politicas ~ Universidade Eduardo Mondlane Resumo Os fluxos migratérios sempre tiveram um papel importante na histéria da populagao humana, nas suas mais diferentes formas na medida em que, quando ocorrem afectam Estados, sociedades e espacos geogréficos. Apesar de sua importancia, o seu estudo, tem em muitos casos, sido negligenciado, que torna dificil a sua gestio. O presente artigo faz. uma reflexao sobre os actuais instrumentos legais que regulam a migragio em Mogambique e, nao existindo leis actualizadas e politica de migracoes, cle se baseou na analise das Leis que regem as migrag6es, nomeadamente a Constituigao da Reptiblica (Artigo 55°), Lei 5/93, Lei do Trabalho e Convengées ¢ Tratados Interna cionais dos quais o pais é signatério. Concluiu-se que, Mogambique necessita de forma urgente de instrumentos que assegurem a eficicia da livre circulagio da populagio ¢ garantir que as migragoes, sejam factor de redugao da pobreza e, de desenvolvimemento. Palavras-Chave + Migracdo, Politica migratéria, Lei migratéria Introdugao Os fluxos migratérios sempre tiveram um pape! importante na histéria da po- pulacao humana, quer sob forma de movimentos interns das dreas rurais para as urbanas ¢ entre reas rurais, ou entre reas urbanas, quer de forma de movi- mentos regionais ¢ internacionais, na medida em que quando ocorrem afectam Estados, sociedades ¢ sua populacio. ‘As Nages Unidas (2009) relaccionam as migracées com o desenvolvimento, pois o poder de decidir sobre onde morar e onde trabalhar faz parte da liberdade das pessoas viverem as suas vidas da forma que escolherem. Todavia, a histéria > ste ago foi Buseado na comunicago apresenada no semi sobre Policae Lei Migratia em Mocam- bique.O referido semindio e ogaizad plo Instuto Nacional de Apoo &s Comunidades Mogambicanas no Exterior (INACE) do Ministério dos Negécios Fstrangcitos e Cooperacio de Mogambique ¢ ocorreu na Em inglés Intenlly Displaced Persons (IDPY). > Tradugio feta por mim do artigo: “A new challenge forthe international community: Internally Displaced Persons in the Great Lakes Region” n Estudos Mocarnbicanos Volume 22 | Net Porém, quanto a uma politica migratéria, poderd nao haver, neste momen- to, uma resposta satisfatéria para todos, j4 que existem alguns politicos que tém a intengio de alargar as liberdades individuais das pessoas, no que se refere 2 migragZo, € outros que acham que as deslocagdes das pessoas devem ser controla- das e restringidas. Por essa razdo, torna-se urgente ajustar a gestio das migrac6es 20 contexto das mudancas globais, e para 0 caso de Mogambique, a integragio regional efectiva. E inquestiondvel a necessidade de existirem instrumentos que possam gerir a mobilidade populacional interna ¢ externa. O que me inquieta, como investigadora, é 0 facto de néo constar dos discur- sos politicos, nem das estratégias de redugao da pobreza em Mogambique, assun- tos relacionados com migracdes, apesar da agitacao criada no mundo depois de 11 de Setembro de 2001, dos ataques xenéfobos aos mogambicanos na Africa do Sul, do projecto livre circulagio de bens ¢ de pessoas na regido da Africa Austral ¢ do aumento da pobreza urbana. Em relaccao aos ataques xendfobos, refere-se que o fendmeno levou ao retorno forgado de mogambicanos ¢ revelou fragilidade do processo de gestao. Quanto & pobreza urbana, Aratijo (1997), Ammering ¢ Merklein (2009) ¢ Knauder (2000) dizem que ela ¢ resultante da crise dos sis- temas produtivos a partir dos anos 80, da rdpida urbanizagao, conseqiiéncia do éxodo rural, e da incapacidade de o campo produzir alimentos para a cidade, Rai- mundo (2009) acrescenta que esta pobreza, também, deve-se 4 auséncia de um mecanismo de gestio do crescimento urbano acelerado; pois, sendo os espagos urbanos pélos de atraccao de migrantes das 4reas rurais e das pequenas e médias cidades, 0 resultado deste processo ¢ 0 aumento da concentragio da populacao urbana numa tinica, ou duas. Segundo o INE (2009), as cidades capitais de Mo- sambique concentram 17,01 por cento da populagao, sendo que cidade capital de Maputo detém 5,91 por cento. Para o resto das cidades capitais a distribuigao éa seguinte: Matola, 3,32%; Nampula, 2,35%; Beira, 2,14%; Chimoio, 1,17%; Quelimane, 0,95%s Tete, 0,75%; Pemba, 0,69%; Xai-Xai, 0,57%; ¢ Inhamba- ne, 0,31%. Inquieta-me também o facto de nao existirem debates em torno da possibilida- de de Mogambique nao ser apenas pais de emigragao para a Africa do Sul, mas também ser pats de imigracao. Se nao forem tomadas em consideragao estas duas dimensées da migracao, poder-se-4 corter o risco de nao se ver o fendmeno como algo que esteja a aumentar de intensidade. Mas estes aspectos sero tratados mais a frente. A seguir apresenta-seo panorama das migragées em Mogambique para depois discutir-se a relevancia de uma politica e os desafios. 72 Migragdes em Mocambique:relexées sobre uma Politica de Migrasio Migragées internas A informagao mais recente sobre as migracées internas” é a apresentada na tabela (1). A leitura dos valores referentes ao saldo migratério (diferenga entre sa- {das ¢ entradas), indica que a cidade ¢ a provincia de Maputo apresentam saldos migrat6rios positivos mais altos que as as restantes provincias, particularmente as provincias de Manica, Sofala, Niassa e Nampula, que também tém balango migtat6rio positivo. Entretanto, nota-se que as provincias de Gaza e Inhambane perderam sua populacéo. O porqué desta perda é uma questo que precisa ser esclarecida. ‘Tabela (1) ~ Migragio interna por provincias entre 1992.¢ 1997, Provincia | TA deimigraco | Taxa damioreso | exencomigrattio (x00) Niassa a9 a 08 Cabo Delgado 2 33 Nampula 2 2a Zambezi 20 be Fete a8 72 Narica 187 & Sora ta os Inkambane es iar Gaca br 89 Maputo Provincia ws 38 Naputo Cidade so 208 Fonte TASA hpi www sa acatTResearchlpll doc Smalport Perante este cen: io, podem ser colocadas as seguintes quest6es: Quem sio as pessoas que emigraram (sexo, idade, habilitagoes literdrias, estado civil, ren- dimento econémico, etc.). Em que ciscunstancias sairam? Para onde é que se ditigiram? E que tipos de rendimentos providenciam para os seus agregados fa- miliares que foram deixados no lugar de saida? Considerando as Migracdes como um factor importante de desenvolvimen- to, até que ponto esta saida de pessoas das provincias de Gaza ¢ Inhambane contribui para o Indice de Desenvolvimento Humano? Serd que os agregados © Deve-se salientar que jf se encontram disponives os resultados defniivos sobre o IT Recenscamenco Geral dda Populagio e Habitagio de 2007. Porém, aéa altura da elaboragio deste artigo os dados sobre as migrages ainda nio estavam disponives 20 publico, 73 Estudos Mogambicanos Volume 22 | Noa familiares dos migrantes destas provincias esto em melhor condigao de vida que 0s agregados dos no migrantes? Finalmente, quem sao estes migrantes? Migragées internacionais Sobre migragées internacionais pouco ou nada se pode dizer uma ver. que os da- dos disponiveis sobre os mogambicanos no exterior sio erriticos ¢ inconsistentes. Recentemente, a Embaixadora de Mocambique na Bélgica (Sra. Maria Manuela Lucas) concedeu uma entrevista interessante, na cidade de Maputo, na qual trouxe alguma informagao sobre os mogambicanos no estrangeiro. Ela se referity a existéncia de 3.174.830 mogambicanos na Diéspora, representando 14,6 por cento da populagio de Mogambique, segundo o III Recenseamento Geral da Populacéo ¢ Habitacéo. Por paises, ela distribuiu os mogambicanos da seguinte forma: ‘Tabela 2: Populacio mogambicana na Diéspora Pais Populagao ‘fica do Sul 160.217 Suazilancia 20.185 Tanzania 10.492 Zimbabwe 5.647 Portugal 6.900 ‘Alemanha 2.500 hraia 360 Reino Unido 250 Holanda 236 Bélgica 38 Luxemburgo 3a4 Total incluindo outros 3.174.830 Bom, muitos comentérios poderiam ser feitos em torno destes dados, a co- mecar pela sua fonte. No que diz respeito ao registo dos mogambicanos no exte- rior, comegaria por perguntar, quem é que accita ser registado? Come é que este registo é feito? © que é que significa um pafs ter 14 por cento da sua populagio a viver na Didspora? O que é que 0 pals ganha com estes mogambicanos? Ser mesmo verdade que hé falta de dados estatisticos exactos de pessoas a viverem no estrangeiro? “Jornal Notkias, 25 de Agosto de 2010 74 __Migragdes em Mogambique:reflexdes sobre uma Politica de Migragio E importance perceber que Mogambique nao é 0 tinico pais africano com esta dificuldade de dados estatisticos, Este trabalho pretende mostrar que as vezes a falta de dados estatisticos pode levar a sobre-enumeragées ou a sub-enumeragées. Pode-se de antemo concluir que a gestéo das migragées em Mocambique é critica uma vez que faltam estatisticas consistentes. Para uma melhor gestio das migragées recomenda-se uma Unidade ou Departamento ou Direcgéo Nacional de Estatisticas de Migracao que serviriria para colher ¢ analisar os dados sobre as migragées. Foi neste contexto que a Universidade Eduardo Mondlane, através do extinto Centro de Estudos de Populagao (CEP), teve ¢ a iniciativa de criar uma unidade para estudar assuntos sobre migragées. Em colaboragéo com oito uni- versidades da Africa Austral, esta unidade realizou alguns inquéritos relacionados com questées especificas da migragio ¢ pobreza, migracéo ¢ HIV, migracio ¢ remesass, comércio transfronteira, homens migrantes ¢ riscos de HIV/SIDA das mulheres, etc, Esta unidade também tentou estabelecer um programa de for- magio orientado para os oficiais que diariamente lidam com assuntos relaciona- dos com a migracio, nomeadamente guardas de fronteiras, oficiais de migracio, policias de protec¢io ¢ outros servicos relacionados. Porém, esta iniciativa ficou ao nivel de intencdo, devido as dificuldades de varia ordem. Os contetidos dessa formacio estariam direccionados para a mancira de como lidar com os migrantes (Grea de advocacia) e providenciar assisténcia na sistematizagao dos mecanismos de registos de entradas c saidas das pessoas. Uma das grandes contribuigées desse programa estaria relacionada com a andlise estatistica e de contetido dos formu- létios que sdo preenchidos nas fronteiras. A migracio clandestina e o tréfico humano Outro desafio da mobilidade humana contemporanea é 0 aumento da migracéo clandestina. Os migrantes em situagao irregular vivem numa condigao de extre- ma vulnerabilidade, ¢, nestas condigées, ficam facilmente sujeitos & extorsio, aos abusos ¢ & exploracao por parte de empregadores, agentes de migracio e burocratas corruptos (Cimbangu, 2006' Landau, 2006). A restrigao da migrado incentiva também a formagio de organizacées des- tinadas a favorecer entradas, legais ou ilegais, de migrantes nos paises mais cobi- gados, como sio os casos da Africa do Sul, da Europa ¢ da América. O que torna mais dramético é o facto de este tréfico nao se limitar apenas a fazer contrabando de pessoas nos patses de emigracio (0 assim chamado smuggling), mas também 0 facto de desenvolver um verdadeiro trafico de pessoas (srafficking). 75 Estudos Mogambicanos Volume22 | Net ‘A imprensa nacional ¢ internacional tem reportado com muita regularidade questées sobre o tréfico. Diz-se que Mogambique é um dos corredores de tréfico de pessoas ¢ de érgios humanos para a Africa do Sul. Porém, ninguém diz com clareza quantas pessoas tém sido traficadas anualmente. Se calhar seja por isso que o assunto Diana tem suscitado muito interesse como sendo um dos “exem- plos do trafico”. A Diana, cujo nome completo é Aldina dos Santos, esté em jul- gamento na Reptiblica da Africa do Sul ¢ responde a uma acusagao de 65 crimes, relacionados com o tréfico de menores. Ela é apontada como tendo traficado de Maputo para Pretéria trés mogambicanas menores que, durante dois meses, foram submetidas a exploragao sexual num bordel, por ela gerido, nos arredores de Johanesburgo". E ébvio que este caso é apenas a ponta de um iceberg. Casos como estes so muitos e de dificil mensuragio, pela natureza do assunto. Fica evidente, portanto, que a solugao dos problemas relacionados com a migragéo ndo pode ser encontrada apenas nas medidas politicas, mas tam- bém na criagao de politicas ptiblicas, em particular a de Migrag4o, que visem a superacdo das causas profundas do fenémeno e da redugao da vulnerabili- dade econémica ¢ social dos paises do Sul. Relevancia de uma Politica de Migracao Quando o Conselho de Ministros aprovou a Resolugao N.* 5/99 de 13 de Abril fé-lo no reconhecimento do papel da populagao no desenvolvimento, percebido na perspectiva de alargamento das escolhas ¢ oportunidades das pessoas. Por outro lado, 0 Governo de Mogambique reconhecia na referida Resolugio que a Politica de Populagio nao era explicita ¢ ampla. Porém, 0 mesmo Governo pretendia com essa Politica promover a melhoria da satide e bem estar da popu- ago e, em particular, proporcionar condigdes para a melhoria da satide mater- no-infantil. Além disto, reconhece ainda a necessidade da politica como parte integrante da estratégia nacional de desenvolvimento auto-sustentado do pais. ‘A informacao demogréfica que se tem desde a independéncia de Mogam- bique é recolhida oficialmente pelo Instituto Nacional de Estatistica. Foram até entio realizados trés recenseamentos gerais da populagao (1980, 1997 e 2007), trés Inquéritos aos Agregados Familiares (1996-1997, 2002-2003 ¢ 2008-2009); © Noxicias, Diana volta ao tribunal, Maputo (16 de Setembro de 2010, pigina 1). 76 Migragdes em Mogambique:reflexdes sobre uma Po ica de Migrasio dois Inquéritos Demogrificos ¢ de Satide (1997 ¢ 2003). No conjunto desta informagio nao existe um sistema de recolha de dados especifico para as migra- G6es, constituindo, por isso, uma grave lacuna para andlise de uma das varidveis demograficas. A dificuldade em recolher essa informagao tem a ver com a grande mobilidade do migrante. £ mais facil obter dados sobre quem nasceu ¢ quem morreu do que sobre quem migrou. Uma das grandes limitagées na medigéo do fenémeno migratério através dos censos tem a ver com o facto de os quesitos referentes migracdo serem em niimero muito reduzido. Por exemplo, pergunta-se, no agregado familiar, as 0 horas da data do censo, a pessoa era residente presente, residente ausente ou visi- tante. Também, pergunta-se sobre o lugar de nascimento e de residéncia no ano anterior 4 data do censo. Obviamente, estas questdes no nos dio informagao completa sobre pesso- as que so migrantes ¢ muito menos sobre as causas que as levaram a mudar de residéncia e nem distinguem um visitante de um migrante ou de um turista. Por outro lado, os recenseamentos si grandes operacées que se realizam em perfo- dos de intervalo mais ou menos longos (10 anos) ¢, durante este periodo, muitos eventos demogréficos podem ocorrer sem que sejam captados no momento. ‘Apesar de se reconhecer as migragdes como factores de desenvolvimento (CGMI 2005; Jolly e Reeves 2005 UNDP 2009), elas, até recentemente nao eram abordados em féruns de discussdo sobre Populacdo. Oucho (2001), por exemplo, chama atengio ao facto de a ICPD*® de Cairo (1994) ter apenas pres- tado atengio sobre a satide reprodutiva e nao se terem discutido assuntos rela- cionados com migragées. Porém, o plano de acgao desenhado nessa conferéncia exigiu dos governos ¢ seus parceiros de desenvolvimento atengio necesséria sobre quatro (4) aspectos da migracao internacional: o fendmeno em geral; migracao dos indocumentados; os migrantes forcados ¢ exilados; ¢ populagao deslocada internamente. Oucho enfatiza que a ICPD-Cairo nao aprovou a discussao sobre migracées ¢ desenvolvimento, porque o centro do impasse estava no facto da mi- gracdo ser um assunto controverso, e organizar uma conferéncia sobre o assunto iria agravar a polarizacdo no mundo contemporineo, que s¢ divide em paises pré-migracao ¢ anti-migracdo. A controvérsia acerca da escravatura ¢ 0 sionismo na Conferéncia contra 0 racismo, discriminagao racial, xenofobia ¢ intolerancia, organizada em Agosto © Siglaem inglés que significa: International Conference on Population and Development (ConferénciaInter- nacional sobre a Populagio e Desenvolvimento). 7 Estudos Mogambicanos Volume 22 | Net de 2001, enfatizou a legitimidade do medo que se tem para discutir a movimen- tacdo das pessoas no passado ¢ seus impactos sociais, econémicos, politicos ¢ ambientais. ‘Apesar de os pafses desenvolvidos reclamarem a invasao Africana nos seus Estados jd hd bastante tempo, o continente afticano s6 muito recentemente é que trouxe o assunto das migragées nas agendas dos chefes de Estado e de Governo, como exigéncia dos Estados Europeus, devido ao propalado éxodo de africanos, invasio africana ao velho continente, invasio dos aliens” etc. S40 exemplos de algumas destas conferéncias “A audi¢ao em Africa", organizada pela Comissao Global para as Migragées Internacionais, Conferéncias Europa-Africa, Confe- réncia da Unio Africana (2006) ¢ a Conferéncia organizada pela Associacao das Universidades Afticanas, Tripoli (2007), onde o tema central foi: The African Brain drain ~ Managing the Drain: Working with the Didspora. Foram discuti- dos assuntos como The brain drain and African Development, Repatriation and Redressand The African Diaspora as a resource, que ilustram a importincia que as migragées tém na actualidade. Internamente, em Mogambique, 0 semindrio organizado pelo INACE, em 2009, foi o primeiro que discutiu pela primeira vez o assunto sobre a politica ¢ lei migratéria. Esta iniciativa teria surgido com 0 impacto dos ataques xenéfobos ¢ da pressdo internacional que a Unio Européia tem feito 20 continente africano. A FDC“ ea Southern African Trust, devido aos ataques xenéfobos ocorridos em Maio de 2008, na Africa do Sul, organizaram uma conferéncia de reflexo sobre o assunto, na perspectiva de colher sugestées sobre como prevenir, mitigar ¢ assistir a populagao afectada, Sao estas accdes que levam os estudiosos das mi- gragbes a questionar a relevancia deste assunto nas politicas e estratégias de de- senvolvimento. Mais ainda, 0s estudiosos sio de opinido de que deve haver uma abertura de dislogo permanente entre os fazedores de politicas, os académicos, a sociedade civil, incluindo associagées dos migrantes, sobre quest6es referentes 20 reconhecimento da migracéo e do migrante no desenvolvimento ¢ na dinamica populacional. * Aliengena; Estangeito. “ Fundagdo para o Desenvolvimento da Comunidade 78 Migragdes em Mogambique: eflexdes sobre uma Politica de Migragio Politica de Migracdo em Mocambique Na generalidade, uma Politica de Migracio seria um conjunto de regras respeitantes a gestao do fenémeno em si, ndo somente referentes aos estrangeiros, mas também aos cidadaos nacionais que vivem dentro e fora do pais. O curio- so € 0 facto de os mogambicanos que se encontram no estrangeiro nao serem ‘teconhecidos,” através de mecanismos explicitos de protecgio no exterior, mas sio reconhecidos por fazerem parte das estatisticas econémicas, tais como as do Produto Nacional Bruto e do pagamento diferido. Enquanto a Politica é um do- cumento de gest4o do fenémeno, por exemplo, a gestdo do reassentamento, ¢ de acgao ¢ regulagao da migracao (imigracao ¢ emigragéo), a Lei da Migracao seria o instrumento jurfdico que definisse regras, deveres, obrigacdes de uma sociedade no contexto da migracao, a semelhanca das jé aprovadas leis do Servico Militar Obrigatério, do Ambiente, de Terras, etc. No Relatério das Nagdes Unidas sobre Desenvolvimento Humano de 2009, constata-se que na definigao de politicas migratérias, e no ambito do proteccio- nismo, os paises fazem-no dentro de dois principios: a) soberania ¢ b) integridade territorial. Assim, os Governos controlam as fronteiras dos seus paises, aplicam 0 seu direito de restringir a entrada, ¢ determinam o mimero de pessoas a admitir no territério, a sua proveniéncia ¢ o seu estatuto. Quando se trata de Politicas de migracao, os paises desenvolvidos, com poli- ticas mais restritivas do que os paises em desenvolvimento, séo os que fazem mui- ta questo, pois, que segundo cles, existe uma grande presséo sobre os seus tax payers que questionam a existéncia de muitos aliens. Essa restrigao encontra-se relacionada com o medo de perda de emprego, com a diminuiggo dos subsidios sociais, com o terrorismo, etc. ‘Wabgou (2008:141) diz que as Politicas de Migracao em Africa, no geral, tendem a set caracterizadas por um caminho de laissez-faire; isto é funcionam de acordo com acgées de emergéncia e de mitigacao. O mais grave ainda é a falta de um tratamento rigoroso € harmonioso da informagao estatistica existente. Importa referir que as Politicas de Migragao nao sao apenas definidas ao nivel nacional, mas também a nivel internacional, através de acordos de natureza bi- lateral ou regional. Nas anilises feitas sobre a migracio, os diferentes estudiosos sio de opiniéo de que qualquer Politica de Migracio nao deve apenas contemplar a mobilidade 79 Estudos Mogambicanos Volume 22 | Net populacional fora dos limites territoriais, mas também deve contemplar a mo- bilidade no interior do pais. Por exemplo, contrariamente A percepgao de que 0 éxodo para fora do continente afticano é muito alto, o Relatério de Desenvolvi- mento Humano de 2009 prova que existe mais gente a circular internamente, ou seja, dentro das fronteiras internas do continente. Tratando-se de um instrumento de gestdo ¢ de regulagdo da mobilidade populacional, uma Politica de Migracdo em Mogambique deverd reflectir os se- guintes contextos: i) © pasado histérico do pais; ii) Os interesses geoestratégicos do pals; ii) A sua Politica no Ambito dos objectivos da SADC, tendo sempre em atengao o seu objectivo final que é a livre circulagdo de bens ¢ de mercadorias; iv) Sua integracao como pais da Unido Africana ¢; v) A sua posigio no sistema politico ¢ econémico mundial. Tal como foi dito no inicio, a concretizagao deste trabalho apoiou-se em 1rés documentos importantes, nomeadamente 1) a Constituicéo da Reptiblica e a regulamentacao da mobilidade poplacional; 2) a Politica Nacional de Popula- 40; ¢ 3) a Lei N.° 5/93. Estes documentos possuem os elementos que poderdo contribuir para a elaboragio da Politica da Migracdo em Mogambique. Instrumentos de andlise para uma politica de Migracao em Mocambique A Constituicao da Republica ‘A Constituigao de 1990 introduziu o Estado de Direito Democritico, alicergado na separacao ¢ interdependéncia dos poderes ¢ no pluralismo. Além disto, os parametros estruturais da modernizagao contribuem de forma decisiva para a instauragio de um clima democratico que levou o pais 4 tealizagao das primeiras eleigdes multipartidarias. Este documento desenvolve ¢ aprofunda os principios fundamentais do Estado mogambicano, consagra o cardcter soberano do Estado de Direito Democratico baseado no pluralismo de expressao, organi- zacéo apartidéria ¢ no respeito ¢ garantia dos direitos ¢ liberadades fundamentais dos cidadaos. No seu artigo 55, nos Ntimeros 1 e 2, a Constituigio permite que 0 cida- dao decida sobre 0 lugar onde acha que deve morar, quer em Mogambique quet © Preimbulo da Constitugio. 80 “Migragbes em Mocambique: reflexes sobre uma Politica de Migracio no exterior. Importa também dizer que esta Constituigéo nao coloca medidas restritivas quanto ao direito de circulacao no interior do pais ¢ no estrangeiro™. Portanto, pela Constituicéo, 0 cidadio mogambicano tem direito a residir onde ele ou ela queira, pelo que qualquer acco de expulsio nos casos em que algumas pessoas expulsam outras por acusagéo de feiticaria ¢ ilegal. Esta Constieuicio protege o cidadao nacional contra expulsées. Porém, 0s casos de reassentamento so tratados como acces de emergéncia ¢ no tomam em atengo a vontade ¢ 0 desejo do individuo, situagao que contraria o artigo sobre decidir sobre o lugar que quer morar. Estes Jacunas seriam ultrapassadas em casos de existéncia de uma Politica ¢ Leis de Migracio. Compreender os efeitos das deslocagées, mesmo na forma de reassentamen- to, requer uma andlise sistemdtica destas miiltiplas acgGes de liberdade e de direi- to constitucional ¢ é preciso reconhecer que em dado momento podem existirli- mites na circulagio e no povoamento populacional. Aliés, estas limitagGes devem estar expressas na Constituicéo, na Politica e na Lei da Migrasao. A mobilidade deve ser vista como algo vital para o desenvolvimento humano e as deslocagées como uma expresso natural do desejo das pessoas de poderem escolher, incluin- do os lugares de reassentamento, como e onde viver as suas vidas. Politica Nacional de Populacao Tal como foi atrés referido, a Politica Nacional da Populagio foi definida hd onze (11) anos e nessa altura, ajustava-se aos resultados do censo de 1997, dos inquéritos até entao realizados ¢, acima de tudo, aos programas de reconstrugio do pés guerra civil em Mogambique. ‘A Politica Nacional da Populagio vigente é importante para o assunto em discussao, porque ela incorpora os trés elementos da dindmica populacional, no- meadamente a fecundidade, a mortalidade ¢ as migragdes, No seu 10.° ponto afirma haver desequilibrios nos movimentos espaciais internos, urbanos ¢ rurais em particular, ¢ um elevado ritmo de urbanizagio, quando comparado ao ritmo de crescimento de infra-estruturas ¢ servigos. Em relacgao a elevada mobilidade populacional, € importante que se olhe para o que est4 a contecer dentro do territério nacional. Tratando-se de um pais de mosaico geogréfico distinto entre a regido sul, centro ¢ norte ¢, também, entre a costa €o interior, é preciso avaliar como é que este 0 fendmeno ocorre nas reas “ Q Nuimero 2 do Antigo 55 impie limites de saida apenas aos cidados nacionais com problemas judiciis 81 Estudos Magambicanos Volume22 | Net secas, hiimidas, de planicie e de montanha. Serd que ele ocorre com igual intensi- dade nestas diferentes reas? Nao sendo igual, como estabelecer o equilfbrio dessa mobilidade populacional? Uma politica de populagao deve ser dinamica no sentido de ela ser ajustada aos momentos politicos ¢ econémicos e aos contextos nacionais ¢ internacionais. Ela nao se deve limitar somente aos aspectos da fecundidade, mortalidade, satide ¢ desenvolvimento, mas deverd incluir os aspectos sobre a migracio e a sua gestio. No Ambito da migracéo questées tais como os direitos bésicos para os migrantes, nomeadamente as liberdades humanas, protecgéo ¢ poder de decisio devem ser contemplados. A politica a ser adoptada deve acima de tudo procurar facilitar, ¢ nio impedir, o processo de migracao. A Lei Nw? 5/93 No geral, todos os paises gerem as migracées externas através de uma politi- ca classica, que consiste no reforgo das suas fronteiras ¢ no combate a imigragio irregular. Como é que esta situagio funciona em Mogambique? Importa referir, antes de mais, que a Lei No 5/93 estabelece o regime legal com respeito aos cidadios estrangeiros. Ela estabelece as regras de entrada e de permanéncia dentro do territério nacional e, também, define os direitos ¢ obri- gagdes desses mesmos cidadaos. ‘Apesar de ser leiga em assuntos de legislago, nota-se, nos documentos a que tive acesso, que, com excepcao das Convengées ¢ Tratados internacionais € regionais de que Mogambique ¢ signatario, nao existe uma lei especifica que protege 0 cidadéo mogambicano quando ele se encontra no exterior. Embora se saiba que o passaporte confere a0 cidadao o direito de ser legalmente protegido no exterior ¢ ao retorno ao seu pais de origem, acontece muitas vezes que os mogambicanos nao tém o habito de se registar nas representag6es diplomdticas mocambicanas, logo apés a sua chegada, por raz6es que precisam ainda ser devi- damente estudadas. Nestas condigdes, como é que cles podem ser assistidos por essas representag6es cm casos de problemas? E verdade que é da responsabilidac individual do cidadao que reside no exterior de se apresentar s representagoes, diplomiticas de Mosambique. Porém, extractos de jornais publicados em Mo- cambique referem que apenas um pequeno ntimero de pessoas é que se dirige as representagées diplomiticas, geralmente quando pressionados por qualquer motivo, a apresentarem um documento de identificagao do pais de origem, ou 82 ‘Migragdes cm Mogambique: reflexdes sobre uma Politica de Migragio em casos de falecimento, quando desejam que o patente seja transladado para Mogambique. Por isso, pode-se afirmar que no cémputo geral observa-se que a gestao efectiva dos movimentos migratérios ¢ ainda dificultada pela falta de: a) uma politica de registo permanente e de andlise dos dados de entradas ¢ saidas; b) estatfsticas anuais sobre cidadaos nacionais que residem no exterior do pais para que se conheca 0 seu ntimero exacto ¢ os paises de destino; ¢) conhecimento do ntimero de estrangeiros que ¢stao no territério nacional; ¢ d) um estimulo que motive os cidadaos a se registarem nos consulados. Em relacco aos mocambicanos comuns que residem na Didspora, esté mais do que claro que nem a Constituig, nem a Politica de Populagio, e muito menos a Lei NO 5/93, tém algo explictio sobre como gerir esses concidadaos. Acho que as experiéncias vividas por outros paises ajudariam a delinear alguma legislacao relacionada com as politicas ptiblicas para a migracéo, com a criagéo de uma secretaria ou departamento para assuntos de migracao; com a elaboracio do estaturo do mogambicano no exterior, contemplando seus direitos ¢ deverescom 0 fortalecimento da acco persuasiva dos consulados e embaixadas mogambica- nas; com a ampliagao da dotaao orgamental destinada & assisténcia aos mocam- bicanos no exterior; com a melhoria dos servicos bancérios e das condigdes para remessas; com 0 auxilio ¢ incentivo A formagao de pequenos empresérios; com a ampliagio ¢ efectivagio dos acordos e negociagées diplomiticos, garantindo os direitos fandamentais dos trabalhadores migrantes mogambicanos; com a repa- triagio dos mogambicanos presos no exterior; etc. Apesar destas lacunas, podem-se constatar alguns avangos, embora despro- porcionais a necessidade e ao crescimento da migracao. A situagdo instavel de migrantes indocumentados, a exploragao a que sio submetidos, as condigies de- ploraveis de residéncia de muitos deles, a falta de protegao dos seus direitos como trabalhadores, a questao das remessas, entre outros, so temas ainda distantes de alcangarem uma base que assegure um pouco de tranquilidade ¢ de acesso aos direitos de cidadania mogambicana no exterior. Que Politica de Migragao o pais necessita? Existe um senso comum que vé Mogambique como um pais de emigracéo para a Africa do Sul e eventualmente para a Europa e América, ¢ nada ou quase nada tem recebido como contrapartida. Serd que esta constatagio ¢ real? Ou serd 83 Estudos Mogambicanos Volume22 | Ned um problema de falta de informagio? Ou é uma questo politica e que serve para justificar tudo e nada? O estudo sobre “Border Monitoring Cross Border” realizado no ambito do projecto do SAMP*”, indica-nos que apenas cerca de 90 por cento de mogam- bicanos que atravessa as fronteiras de Ressano Garcia e da Namaacha faziam-no “por motivos de negécios”. Dos restantes, 0,01 por cento disseram que atraves- savam a fronteita por motivos de estudos, 3 por por “outros motivos” € 5 por cento nao deram resposta. Existe o pressuposto de que os mogambicanos quando atravessam a fronteira é porque querem ficar no pais de destino. Este pronuncia- mento é conveniente para a Aftica do Sul, porque aos olhos do mundo este pais é vitima de alienigenas. Um olhar sobre as cidades do nosso pais nos mostra que, aos poucos, elas estéo crescendo e recebem quase diariamente pessoas de outros paises“ que so facilmente identificadas pela maneira de vestir, ¢ pela maneira de falar, principal- mente entre os negociantes dos mercados informais. Esta situago foi também refetida por um entrevistado ao afirmar que “foram os estrangeiros que trouxeram medidas pequenas para bleo", agticar, fijao, farinha, etc’ (Raimundo e Cau, 2006). Serd que nao é chegado o momento de avangarmos com a hipétese de que Mogambique nao é apenas um pais de emigracao, mas também de imigragao? Mosambique tornou-se, no meu entender, um pais de facil acesso, devido a Lei 5/93 8 inexisténcia de uma Politica migratéria. Nao se pretende com isto afirmar que a Politica Migratoria deve ser restritiva, aliés, nao teria fundamento uma vez que Mocambique estd a caminhar para uma integragio no contexto da SADC. Por outro lado, é de reconhecer que a falta de perspectivas, de condigées de sobrevivéncia, de um futuro melhor, da oferta de emprego e de perspectivas de melhores salirios nos paises, so 0s factores que contribuem para a safda de mocambicanos, mas também oportunidades para os estrangeiros. Como diz 0 adagio popular “cada pessoa encontra oportunidades naquilo que a outra viu como falta de oportunidade”. ‘A migragao deve ser tratada como uma parte integrante das estratégias de desenvolvimento nacional. Jé foi provado em estudos sobre migracdo e remessas, migraco ¢ o bem estar, assim como migragéo ¢ pobreza, que a migragdo € uma * Southern Aftcan Migration Project (Projecto de Migragio da Aftica Austra) Aad esta alrra ainda nio esto disponiveis os dados do III Recenseamento Geral da Populagio ¢ Habitario de 2007 que nos possa dar informagio sobee o nimero de populago estrangera a viver nas cidades © 0 uso de um medidor como saquinho de plistico utlizado para gelo-doce, canequinkas ot ltinhas, 84 _ Migragdes em Mogambique:reflexdes sobre uma Politica de Migragio estratégia vital para as familias que procuram diversificar ¢ melhorar a subsis- téncia, através das remessas (em dinheiro ¢ em bens). As remessas, para além de garantirem a subsisténcia da familia, garantem dinheiro que serve para melhorar o bem-estar ¢ estimular o crescimento econdémico (investimento em actividades de renda). Desafios ¢ prioridades O fenémeno migratério contemporaneo, por sua intensidade e diversifica- 40, torna-se cada vez mais complexo, principalmente no que se tefere as causas que o originam. Entre elas, tal como se viu atrés, destacam-se as transformagées ocasionadas pela economia globalizada, que leva 4 exclusio crescente de povos, paises ¢ regides; pela mudanga demogréfica em curso nos paises de primeira industrializagao; pelo aumento das desigualdades entre 0 norte ¢ 0 sul; pela existéncia de barreiras protecionistas que nao permitem aos pafses emergentes colocarem 0s seus produtos em condicdes competitivas nos mercados; pela pro- liferagao de conflitos ¢ guerras; pelo terrorismo; por quest6es étnico-religiosas; pela urbanizacao aceleradas pela necessidade de busca de novas condigdes de vida nos paises centrais®; pelas questées ligadas ao narcotréfico; pela violéncia; pelo crime organizado; pelos grandes projetos da construcio civil e servicos em gerals ¢ pelos catéstrofes naturais que provocam desequilibrios ambientais. No processo do desenvolvimento da humanidade, as migrac6es levantaram desafios para os paises, regides, sociedades locais ou regionais e também para a comunidade internacional. Em cada contexto histérico desse processo, desafios atrés referidos se configuraram de uma forma quantitativa ¢ qualitativamente di- ferenciada. Daf que haja necessidade de uma Politica de Migracéo que, para além de gerir a mobilidade populacional, também deverd conter aspectos referentes & gestéo das instituigées e servigos que lidam com este fenémeno. Sabe-se que © nosso pais tem uma histéria de trabalho migratério secular. Porém, os mecanismos de gestao desse proceso, parecem nao ter evoluido, na medida em que o sistema formal de contratagao é cada vez mais substituido pela informalidade. Por outro lado, a vulnerabilidade do pafs, em relaccio aos desas- tres naturais, tem aumentado o numero de populagio deslocada internamente. E. por essa a razao que se julga ser urgente que os mecanismos de reassentamentos ‘Veja Teoria do Centto-pesiferia ou mankista também defendida por Samir Amin 85 Eseudos Mocambicanos Volume22 | Not facam parte da Politica de Migracdo, porque esta categoria de migrantes é uma das mais importantes numa situacdo de paz, num determinado pais. Reconhece-se que Mogambique, ao longo dos trinta ¢ cinco (35) anos de sua independéncia, terd perdido profissionais de diferentes dreas cientifico-técni: co-profissionais. Onde é que cles se encontram? Quantos sio? O que fazem? como capitalizar esta perda? Serd que eles contribuem para o IRPS? Nao menos importantes sio os migrantes que cruzam fronteiras, os vulgos mukberistas. Como € que estes movimentos sio geridos? A minha experiéncia com este segmento de populagio em permanente mobilidade é larga, nao sé ob- tida durante as varias viagens terrestres realizadas entre 2005 ¢ 2008 de Maputo a Johannesburg ¢ vice-versa, mas também através da imprensa. Até hoje existe uma batalha que parece nao ter fim entre a Associagao Mukhero, mukheristas, oficiais das alfindegas e as préprias Alfandegas como instituicao de captagao de receitas, através do registo ¢ cobranga de mercadorias de importagao ¢ exportacao. Mui- tas vezes, tém sido reportadas reclamagées do presidente desta associagao e das mulkheristas sobre as medidas tomadas pelas alfandegas ¢ a forma de actuagao dos seus agentes, que argumentam que trabalham dentro da Lei. Em 2008 o pais ¢ mundo ficaram chocados com os ataques xenéfobos contra cidadaos mogambicanos a trabalhar na Africa do Sul. O Governo, a so- ciedade civil, as organizagées de direitos humanos foram apanhados despreveni- dos. O mais grave ainda, € que nada esté previsto em relaccao ao repatriamento compusivo de milhares de pessoas. A partir deste facto, foi possivel avaliar a fragilidade do Estado mocambicano, caracterizada pela falta de uma Politica de Migracao para casos de emergéncia desta natureza. Essa fragilidade revelou-se quando alguns dos afectados por esse movimento apés terem recebido ajuda do Governo, preferirem regressar ao pais que os humilhou, maltratou e expulsou. Por isso, questiono: Quem paga os custos destas transferéncias ¢ retornos? Onde é que 0 cidadao € responsabilizado em caso de voltar ao lugar do perigo? Seré que a melhor estratégia é a mitigacio? A partir disto é facil constatar que os de- veres € obrigagSes dos cidadaos nao estdo previstos e deviam constar na lei sobre migracio. Impedir as pessoas de se movimentar através de politicas restritivas, para além de ser contrério a0 Direito Internacional, néo é forma correcta de se proce- der e sé contrario & prépria liberdade de mobilidade consagrada na Constituicao. Em qualquer discussio politica sobre o assunto da migracéo deve-se consi- derar a atitude da populacao local, pois, em muitos dos casos, nao é permissiva. 86 Muitas vezes ela é negativa. Experiéncias da Africa do Sul indicam que os resi dentes consideram 0 controlo da imigra¢ao como algo essencial. O que € que 0 povo mogambicano pensa sobre 0 assunto ¢ como reage? Cabe aos académicos estudar a opinio do povo sobre o assunto, para melhor definir as estratégias para uma Politica ¢ Lei Migratéria. Conclusées Por variadas razées, a populago mundial esté em permanente mobilidade que, em muitos casos, provoca a mudanca de residéncia ¢, por conseguinte, pode “organizar’ ou ‘desorganizar’ assentamentos humanos e contribuir para uma répi- da urbanizagao e ou despovoamento populacional num determinado territério. Por esta razio, so muitos os desafios para uma Politica e Lei da Migragao em Mogambique. Ao longo das constatacées ¢ reflexdes apresentadas no texto, ficou claro que existem muitas lacunas no processo de gestéo das migracées. A titulo de exemplo, pode-se apontar a inexisténcia de um sistema claro ou mecanismos consistentes sobre a gestao das migracoes. Em Mogambique, a questio da migracio ainda nos se encontra devida- mente integrada nas politicas publicas e € nao vista como uma realidade global ao nivel interno ¢ externo. E evidente que no contexto regional o pafs procura facilicar a circulagao dos mogambicanos através dos acordos bilaterais e multila- terais. Como essa circulagio é gerida internamente? Que facilidades 0 Governo concede aos mogambicanos que estdo na Didspora, uma vez que, para além do seu contributo expresso nas remessas que enviam para os seus agregados familia- res, constituem um recurso econémico importante por causa do seu know-how? ‘As migrag6es podem contribuir positivamente para o desenvolvimento do pais. Evidéncias empiricas t8m demonstrado os impactos das remessas dos mi- neiros mogambicanos na Africa do Sul no melhoramento da vida dos seus agre- gados familiares rurais. So visiveis os efeitos do comércio transfronteiriga no. abastecimento dos mercados urbanos ¢ do papel que as mulheres mukheristas tém desempenhado nas suas familias ¢ na diversificago dos produtos de consu- mo nos mercados do pats. Assim sendo, é urgente que o pais tenha uma Politica de Migracao que valorize 0 contributo positivo do migrante, transformando-o numa das fontes importantes do desenvolvimento do pais, ¢ ndo manté-lo como um problema ou um entrave para esse desenvolvimento. 87 studos Mogambicanos Volume22 | Net ‘Ao longo do texto, procurou-se apresentar subsidios para o debate sobre Po- Iitica de Migragdo em Mogambique. A mesma deverd ser um instrumento aparte da Politica Nacional de Populagao, devido ao desenvolvimento politico, social e econémico dos tiltimos 20 anos (contados da data da aprovacdo da Constituigao de 1990). Essa Politica Migratéria devera conter aspectos ligados & liberdade individu- al de escolha, & supervisio de remessas, a0 reassentamento e auxilio da populagio migrante moambicana no exterior, em casos de desastres naturais e situagées de emergéncia, como os casos de ataques xenéfobos. Pode-se crer que a estratégia de desenvolvimento centrada, no distrito, po- deré a longo prazo contribuir para a redugao do éxodo rural. Uma politica que olhe para as migragées como um fenémeno da dimensio da fecundidade, mor- talidade, mudangas climaticas, género é sem duivida crucial, porque nos ajudaria aentender o fenémeno, a monitoré-lo, a prevent-lo e, acima de tudo, a garantir mecanismos de gestio humana ¢ de ordenamento tertitorial, ajustados ao mo- mento. Assim sendo, reconhecer-se-4 que a Migracio deve fazer parte das novas abordagens de desenvolvimento humano, tal como é também reconhecido pelas Nag6es Unidas, que nos mostram que a gestao das migracées nao se deve limitar nos ntimeros dos que entram e saem, mas também na diminuicao das barreiras que se interpdem as deslocagées, bem como melhorar o tratamento dedicado Aqueles que se desclocam, porque podem trazer grandes vantagens para 0 desen- volvimento humano. Sobre Mocambique, as Nagdes Unidas dizem que este é tum dos poucos paises da Africa Austral, onde as entradas ¢ safdas de estrangeiros ¢ de mogambicanos sio muito facilitadas. Isto prova claramente que saimos de um extremo (controle cerrado de circulagdo interno ¢ externo) para uma situ- agio de total liberdade de movimentos. Baixar as barreiras da migracio que se interpéem as deslocagées e melhor tratamento dedicado aqueles que se deslocam poderao trazer grandes vantagens para o desenvolvimento do pais. 88 ___ Migrages em Mogambique: reflexdes sobre uma Politica de Migragio, Referéncias bibliografica Ammering, A.e Merklein, A., 2009, Pobreza urbana em Macambique. Introdusio ao estudo de caso Relat- tio nao publicado, Maputo, Aratjo, MG.M., 1997, Geografia das povoamentos ¢ assentamentos humanos rurais ¢ urbanos. Imprensa Universitéria, Maputo. Cibangu, F.K., 2006, A new challenge for the international community: Incernally Displaced People in the Greca Lakes Region. In Views on migration in sub-sabaran Africa: proceedings ofan Affican migration alliance workshop. Edited by Catherine Cross, Derik Gelderblom, Niel Roux and Jonathan Mafuki- dze. Cape Town, pp 148-158, De Vietter, F. (2006) Migration and Development in Mozambique: Poverty, Inequality and Survival. 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