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O fim da escravatura sob o olhar do

escravo (Crônica de Moacir Coelho a


respeito do esfacelamento colonial)
(Transcrição das palavras d’um preto à
sinhá)

Numa das sazonais viagens viagens ao Brasil, pouco tempo anterior à abdicação de
Pedro IV ao trono, avistei uma cena digna de nota, na época, em meu diário de crônicas
pessoais e, posteriormente, por mãos de editora, permiti que fosse publicado, após
redigitação.
Caminhava com um jarro por sobre a cabeça um preto escravo, com seus quarenta
anos - Idade excepcional para tal - e olhos de sabedoria indubitável mesmo ao senhor do
engenho. Acompanhava-o a meio-passo de distância sua senhoria, uma rechonchuda
mulher que ostentava vestes ricas na alta costura e um sorriso branco quase tais quais os
do negro que trazia consigo. Aparentemente, mexiricava ela sobre assuntos corriqueiros, ao
que ele ouvia com profunda atenção, como que absorvesse o que tinha sua senhora a
dizê-lo, esperançoso por poder acrescentar, o que o foi garantido numa pequena troca de
assunto feita por ela.
‘’E viste, homem, as novas dos jornais que trouxe o jornaleiro esta manhã?’’
Perguntou-o, esperando por resposta sincera, numa conversa como que com homem livre
qualquer.
‘’O faria se o pudesse, sinhá…’’ Respondeu-lhe o homem. ‘’...Não tive mesma
bênção que vosmercer, a leitura fugiu de mim.’’ Terminou, o tom calmo como mar.
‘’Diz aqui que ‘’Brasil afirma identidade institucional própria, não mais colônia ou
parte integrante dos lusos, não mais terra de servidão às cortes portuguesas, apenas terra
de brasis belos e de brasileiros livres’’ é ótimo finalmente sentir a liberdade escorrer-nos o
lombo, não acha?’’ Disse a senhora, num sorriso invariável, ao que o escravo apenas
acenou com a cabeça, prosseguindo com a caminhada.

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