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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE EDUCAGAO DE ANGRA DOS REIS DISCIPLINA DE FILOSOFIA E EDUCAGAO PROFESSOR RODRIGO LIMA Elisa Vieira Lais C. Marques Barbosa Milena Tavella Oliveira Rafael Santos Rocha Decolonialidade e Geografia Um estudo baseado no livro “Geografia e Giro descolonial: experiéncias, ideias @ horizontes de renovagéo do pensamento critico", no artigo “Geografias do sul": Descentramento, Transescalaridade © Espacializages no pensamento Miltoniano” e no artigo " Entre América @ Abya Ayia - tensoes de terrtorialidade" do Carlos Walter Porto Goncalves. Etimologicamente 0 termo "colonial" deriva- se de um grupo de compatriotas que se estabelecem fora do seu pais que também advém do termo “colono" que sighifica-se “agricultor". Como preceitos de linguagem é de importancia 0 entendimento da influéncia da “lexidade" ¢ sua institucionalidade territorial, dos formatos de caracterizagao desse movimento de dominio de carécter predominantemente violento, fundamentaimente neoliberal, xenofébico, mis6geno e racista em amplos processos histéricos demarcados no Brasil. Simplificadamente, a colonizago ¢ um proceso de migragao em larga escala, onde usualmente ocorre o estabelecimento de controle estrangeiro sobre um determinado territ6rio frequentemente também de sua populacdo nativa, com intuitos que variam entre habitacdo, ‘exploragao de riquezas expansdo territorial Na América Latina 0 processo de colonizago foi perpetrado por paises europeus. Espanha e Portugal, principalmente, estabeleceram populagées nesse territério, com fins exploratérios que tiveram consequéncias profundas. O processo foi longo e complexo, mas no que diz respeito ao conceito de "Decolonialidade”, o foco é claro: existe uma escola de pensamento dedicada ao objetivo especifico de libertar a populagdo latino-americano das ‘consequéncias do dominio colonial histérico. Coloca-se, como premissa, que “[..Jo fim do colonialismo na América Latina, como relagdo econémica e politica de dominagéo na segunda metade do século XIX, nao significou 0 fim da colonialidade como relacéo social, cultural e intelectual’ (1) E busca-se libertar a mente, em especifico, Os epistemes que se expressam como as premissas para visses de mundo e opinides acerca do que é 0 conhecimento: 0 que seria verdade, quais so os movimentos naturais da civilizagao, como podemos entender a natureza de cada lugar em contextos distintos. A proposta é de uma emancipagao com relagdo a colonialidade do poder, do saber, do sere da natureza. Em suma: “Com 0 inicio do colonialismo na América origina-se ndo apenas a organizacao colonial do mundo, mas, simultaneamente, a constituigéo colonial dos saberes, das linguagens, da meméria @ do imaginério”. Desse modo, inaugura-se, por um lado, o projeto civilizat6rio da modemidade, que busca afirmar e celebrar a experiéncia historica particular da Europa como sendo algo universal e superior, através de elementos como o racionalismo, 0 humanismo, a ciéncia, a ideia de progresso, o Estado etc, Mas, por outro lado, nesse processo, negaram-se 6 subaltemizaram-se outras matrizes de racionalidades, outras formas de razao, outros projetos civilizatérios, outras cosmovisées, com outros saberes, linguagens, memérias e imaginéirios.” (2) Em esséncia, a colonizagao da terra teve como consequéncia, também, a colonizagao das mentes do povo desta terra. [.."@ colonialidade é uma forma de dominacao que néo visava apenas submeter militarmente outros povos e destrui-los pela forga, mas sim visa transformar sua alma com 0 objetivo de transformar radicalmente suas tradicionais formas de conhecer 0 mundo @ a si mesmo, , assim, levando o colonizado a adotar o préprio universo cognitive do colonizador’. [...] “ndo se trata apenas de reprimir os dominados, mas também da instituigao € naturalizagéo do imaginério cultural europeu como tinica forma de relacionamento com a natureza, com 0 mundo social @ com a propria subjetividade. Esse projeto de dominagao modemo-colonial visou 4 mudanga radical das estruturas cognitivas, afetivas @ valorativas do colonizado” (3) © foco colonizador foi claro em certas Areas: * Posicionar o capitalismo como elemento central para beneficio europeu. Tudo aquilo que lhe desse suporte, culturalmente, era valorizado, e 0 que fosse contrario, desconsiderado. © Represso das ‘[...formas de produgéo de conhecimento dos colonizados, seus padrées de produgéo de sentidos, seu universo simbdlico, seus padres de expresso & de objetivacao da subjetividade’. (4) Isso ocorreu, em grande parte, de forma violenta © Forgaram os colonizados a ‘[..Japrender parcialmente a cultura dos dominadores em tudo que fosse uti! para a reprodugao da dominagao, seja no campo da atividade material, tecnolégica, como da subjetiva, especialmente religiosa. E este o caso da religiosidade judaico-cristé.” (4) Em suma’ “Trata-se de uma verdadeira violéncia epistémica, ou seja, uma forma de exercicio do poder que produz a invisibilidade do outro, expropriando-o de sua possibilidade de representagao e de sua autorrepresentagao; isto é, trata-se do apagamento, do anulamento @ da supresséo dos sistemas simbélicos, de subjetivagao e representagéo que o outro tem de si mesmo, bem como de suas formas concretas de representagdes @ registro de suas memérias @ experiéncias."(5) ‘A “colonizagao das mentes” foi o resultado. A maneira de enxergar, interpretar e dar sentido ao mundo foi submetida ao viés europeu de modemidade, formando o que estudiosos denominam uma relagéo modernidade/colonialidade, Colocam, ainda, o instrumento pelo qual essa violéncia epistémica ocorre: “Esse processo implicou aquilo que Boaventura de Sousa Santos denominou de “epistemicidio’, ou seja, aniquilagao da diversidade ¢ da riqueza epistémica do mundo, resultado do caréter totalitério da racionalidade modema expressa no exclusivismo epistemolégico, pautados na ciéncia modema que desqualificou e exterminou uma infinidade de outras epistemes, ou seja, “outras formas de conhecer’.” © episteme europeu é idealizado como representante do verdadeiro desenvolvimento humano, marginalizando a cultura de origem latino-americana em suas intimeras facetas. O peso da ciéncia, posicionada como um instrumento objetivo de compreensao da realidade, dé suporte a essa nogdo de “Violéncia epistémica’ Diante desse contexto foi proposta a nogao de giro descolonial, movimento que objetiva uma mudanga de paradigma na episteme e cultura locais. O giro descolonial propée uma “epistemologia do sul”, algo ao qual podemos dar suporte ao analisar o que poderiamos considerar como a “geografia do sul” ‘A produgéo de conhecimento de diversos gedgrafos foi capaz de fundamentar a discussdo, ao tocar em temas como a fome, a concentragao fundidria, a desigualdade, a subalternizagdo @ 0 subdesenvolvimento(6). Varios problemas que se mostram como consequéncias do paradigma da modemidade/colonialidade, analisados por um ponto de vista latino-americano. Porto Gongalves destaca sobre como a episteme politica da linguagem do como forma da colonizacao do pensamento através da eurocentralizagao dos sujeitos, diante de dominagao da materialidade de bem viver, como extracdo capital-essencial diante de beneficiamento do territrio, das Aguas, doa recursos naturais a um dinico objetivo neocolonial. O autor Josué de Castro narra no seu romance “Homens e caranguejos"(1966) (7): “..Jprocuro mostrar neste livro de ficgo que no foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sébia, que travei conhecimento com a questéo da fome. O fenémeno se revelou espontaneamente a meus olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseréveis da cidade do Recife: Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta que foi a minha Sorbonne: a Jama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejos).” Ele propoe: “o subdesenvolvimento néo 6, como muitos pensam equivocadamente, insuficiéncia ou auséncia de desenvolvimento. O subdesenvolvimento 6 um produto ow subproduto do desenvolvimento, uma derivagéo inevitavel da exploragéo econémica colonial ou neocolonial, que continua se exercendo sobre diversas regides do planeta’. (8) O autor relata sobre a fome: “L..Jé para mim a expresséo biolégica de males sociolégicos, estando em intima relagéo com as distorgdes econémicas que denominei de subdesenvolvimento. O mapa do subdesenvolvimento, tragado segundo cnitérios técnicos, ajusta-se ao mapa da fome no mundo" (9) Hé um diagnéstico do dilema da fome como subproduto direto das relagdes internacionais de poder, + que += se._—smanifestam = nos._—sestados. «de desenvolvimentolsubdesenvolvimento oriundos de um contexto de colonialidade. © ponto de vista de uma “geografia do sul’ também se expressou através de Milton Santos, Como gedgrafo que teve contato com a produgéio de conhecimento estrangeira, buscou criticar a geografia de fora, hora tentando enquadrar teorias ao cenério especifico e Unico do Brasil e América Latina, hora produzindo conhecimento original da perspectiva de um habitante nativo. Um dos pontos marcantes é sua perspectiva a respeito da globalizagdo: ‘[.. ] Santos retratou uma globalizagao bastante menos edulcorada que aquela sugerida pelo mainstream do momento, apontando que as “fébulas” que fazem crer em um ‘mundo unido, homogéneo, desterritorializado e acessivel a todos escamoteiam a perversidade sistémica de um processo que tem produzido, para a grande maioria dos paises ¢ das populagdes, uma dependéncia e uma subordinagao crescentes, um empobrecimento cumulativo, uma degradagao da ideia de solidariedade em prol da naturalizagao da competitividade e uma perda desenraizadora de referenciais culturais, terntoriais @ de sociabilidade.” (10) A posigao do geégrafo combate 0 que seria a iluséo de um mundo unido e igualitério. A globalizagéo apresentada como apenas mais uma das faces da colonialidade. Em contraproposta, Milton Santos propde 0 que chamaria de “outra globalizagao” “Para Santos ([2000] 2001), essa ‘outra globalizacao” [.. seria um projeto no qual assumiriam centralidade os paises e os povos do “Sul global’, precisamente porque so eles os membros mais frageis da globalizagéo atual, os menos beneficiados pela produgéo da “mais-valia mundial, as maiores vitimas das consequéncias da dependéncia e do imperialismo e os menos plenamente inseridos na materialidade e na racionalidade modemas, de maneira que dispéem de uma diversidade sociogeogréfica que pode ser a base de uma globalizagao mais humana” (11) Nas palavras de Milton Santos ‘L..Jna Asia, na Africa e mesmo na América Latina, a vida local se manifesta ao mesmo tempo como uma resposta e uma reacao a essa globalizagao. Nao podendo essas populagées majoritérias consumir 0 Ocidente globalizado em suas formas puras (financeira, econémica cultural), as respectivas éreas acabam por ser os lugares onde a globalizagao é relativizada ou recusada. Uma coisa parece certa: as mudangas a serem introduzidas, no sentido de alcangarmos uma outra globalizagao, nao virdo do centro do sistema, como em outras fases de ruptura na marcha do capitalismo. As mudangas sairo dos paises subdesenvolvidos.” (12) E colocada por Santos a ideia de uma “centralidade da periferia’, nogdo intimamente ligada ao giro descolonial “(..) em fungéo do nosso aparelho epistemolégico. Todos somos de tal maneira subordinados @ episteme norte-ocidental, que temos enorme dificuldade para pensar diferente. Esse é um problema para as ciéncias sociais latino-americanas e brasileiras. Sdo por demais escravizadas pelo paradigma do Norte e pela politica que dai decorre. Nunca pensamos 0 mundo a partir da América Latina. Quem entre nés, intelectuais, pensou o mundo? A gente pensa Europa, Estados Unidos e exclui a Africa e a Asia. A propria construcao territorial da realidade nos escapa com muita freqiiéncia (sic) na nossa elaboracéo intelectual. Essa é a realidade que cobra de nés uma outra epistemologia.” (13) Por fim ele cobra, do pensamento geogrdfico, outras epistemologias, Esse € 0 desafio do quadro pés-colonial, e a contribuigdo que a geografia precisaria dar. Pois esse é um movimento intelectual de nossa época, uma discusséo ativa aberta a contribuigéo ¢ ‘engajamento de diversos pensadores em diversos grupos sociais. Referéncias: GEOGRAFIA E GIRO DESCOLONIAL: EXPERIENCIAS, IDEIAS E HORIZONTES DE RENOVAGAO DO PENSAMENTO CRITICO (2017) (1) (Valter do Carmo Cruz, 2017) (pagina 15) (2) (LANDER, 2005),(Valter do Carmo Cruz, 2017), (3) Santiago Castro-Gémez (2005b), Anibal Quijano, CASTRO-GOMEZ, 2005 (4) (Valter do Carmo Cruz, 2017) (pagina 17) (6) (Boaventura de Sousa Santos), (Valter do Carmo Cruz, 2017, (paginas 17 € 18) “GEOGRAFIAS DO SUL": DESCENTRAMENTO, TRANSESCALARIDADE = & ESPACIALIZAGOES NO PENSAMENTO MILTONIANO Gabri (6) LEITE, TRINDADE JUNIOR (7) (CASTRO, 1951 apud ANDRADE, 2003, p. 74). (8) (CASTRO, 1984, p. 115, grifo do autor) (9) (CASTRO, 1984, p. 115, grifo do autor) (10) LEITE, TRINDADE JUNIOR (11) LEITE, TRINDADE JUNIOR (12) LEITE, TRINDADE JUNIOR, (SANTOS) (13) LEITE, TRINDADE JUNIOR, (SANTOS)

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