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HISTORIA POLITICA DE ISRAEL (J Melee rane) A finalidade da histéria politica é situar a vida dos homens no seio de um povo em formagao, e ao mesmo tempo situar a vida desse povo em os- mose com outras nagées e culturas, durante seu processo de desenvolvimento e de suas crises. O presente livro é um instrumento de trabalho para abordar o plano de fundo politico em fun- ¢do do qual os livros da Biblia foram compostos e reunidos. Gragas 4s descobertas modernas so- bre o Oriente Antigo, tornou-se possivel situar o nascimento do antigo Israel, sua histéria mo- vimentada. e as etapas de composi¢ao dos textos biblicos, em meio aos impérios e culturas do Oriente. Biblioteca de ciéncias Biblicas Capa: José Carios Quinta ISBN 25-95-00482-5 INDICE Lista de abreviaturas............cccceecceeeeeee eee eeeeeeeeeeeaeeeenenees 5 APTeSCNtaGAO .......ccccceee reece eee een ten eeeneeen seen eeeeese nesta eetaes 13 INTRODUCAO .......cccceeecncecccecceecceeeereesnennseeeusaneneseennns 15 1 — Historiografia de Israel ..........ccccccecccecc nee seeneneeeeenn ee 17 — Na Antiguidade.............ccceeeeeeeee . 17 — Histéria Judaica e Histéria Universal. 19 — A Idade Média.................e cece cece ee 22 — A Renascenca e os inicios da critica.. ww. 23 — Biblia e orientalismo....... wee 24 — Situacdo dos trabalhos. .. 26 — Sinteses recentes...........ccceeeeesenseeeeeeeces een eeneneaeee 29 TL — AS fONtCS.... cc ceceeecec reece ee nese neta ne nee seus eennene ees een ta ennes —A coletanea biblica................ ¢ A inscricfo de Idrimi ¢ Abdi-Heba de Jerusalém a Amenofis IV: “Que o rei se ocupe de seu pais!” .....-. 45 ¢ Israel na inscricdo de Mernepta.............--.6++ 47 © Vitéria de Ramsés III sobre os Povos do Mar......... 48 © Salmanassar III e Acab, em Carcar...........--. .. 49 © A estela de Mesa, rei de Moab....... 50 Teglat-Falasar III e Samaria........... we. 52 ¢ Salmanassar V conquista a Samaria .......-sssseeeeesenes 54 © Nabucodonosor II e Juddé: a tomada de Jerusalém... 54 IIL — O método € OS MELOAOS,...-....cceeres rene tn eee t tenet eee e ees — Relacdo: Antigo Oriente-Biblia . — Relacdo: Biblia-Historiografia biblica........ cece eee 58 — Historiografia Oriental ¢ Historiografia biblica....... 60 — As Historiografias biblicas.......6ceeseeeeeeeeeeeees 63 Primeira Parte: . ANTES DA MONARQUIA DE DAVI: AS TRIBOS........... 69 [ — AS tFiDOS coc ccccccecceecee eects ner eee beans a een ee ene neneeeeeseeeees 71 — A tribo.. wee 71 — Os antepassadOs..........cccscscsseesscsccecetsceucesesueeaes 74 Il — Os agrupamentos de trib0s.........cccccccccececeveccesecunaes 719 — Unido de tribos............ we 79 — Adoc&o............. 80 — Cana e os hurri 81 — Hapiru ou hebreus... 82 — Arameus e israelitas.. 83 — Os patriarcas........... 84 II] — A caminho da independéncia ......cccccccccacccccuscuscuecese 87 — Recuo do Egito..........ccccccecsecsecsseecnscescencessevenes 87 — “Subir do Pais do Egito”.. 88 — MOISES... eceeceeeseeneee . 89 — O EX0d0. 0... ee caeecccseecnsseccasecenececeesecsecseuees 91 — Choques e “murmuracdes”..........cccccsccssecsecceeeeee 93 IV — A vida das tribOs... .ccccccccccccccusceccneceuee 95 — Issacar, Zabulon, Neftali, Gad e Ruben.. 95 — Manassés junto com Efraim............... --- 96 — As tribos e os Povos do Pais..........ccssccssccesseseeeee 96 Segunda Parte: OCUPACGAO DA TERRA E AMEACAG............cccceeeeeceeee 99 I — O estabelecimento as tribOS........ccscccccecscccsseesevesees 101 — As tribos transjordamicas............ccccccccsescceeceeeees 102 — As tribos na Cisjordania Central..........00..00..0..00- — As tribos meridionais................ tee — As tribos do Norte..............cccsseceseesecesscceseceseees Tl — Israel na Epoca dos JutZes..... cece cececcavecccseeccccvessuees — Apos o fim do controle egipcio — Os dados arqueoldgicos............. . — AS ameacas estrangeiras...........cccccscaceccesessececuene — A estrutura da sociedade israelita pré-mondrquica.. 116 Terceira Parte: A MONARQUIA ISRAELITA UNIFICADA..........0c0cc00000 119 I — Posigdo do rei no Oriente Antigo... ccccccccccccccccceccece 121 — Ideologias monarquicas e a Biblia................0..0006 121 ~— Administracfo real. — A sabedoria real.... — Liturgias reais Il — A monarquia de Saul .......cccccccccceeeeeeceenenenseeenenenes 128 — Saul e seus combates.............cececeeceeeeneeeeeeneenees 128 — Saul e seus adversarios............cccceeeececseeeeeeeenen ees 131 TIL — Davi (ano 1000 A.C. Aprox.) ....cccccccccccccceeneeneee . 134 — A parentela..........006 . 134 — Davi e Saul........ . 135 — Davi em Siceleg...........:.cccceeseeeeeceeeeeeeee eee . 136 — Razias de Davi.............ccssceceeeececeeceeeeeeeees . 137 — Davi em Hebron................006 . 139 — Davi, rei de Israel em Jerusalém. . 141 — A politica de Davi.............00 .. 142 — A velhice de Davi................ . 143 IV — Salomdo (ano de 950 a.C. aprox.). .. we. 145 — Salom4o no trono de Davi....... ... 145 — Salom4o, o administrador..... »». 146 — As relacSes internacionais.. we. 148 — OS TOVESES.....cceccecceceecesceeceeeeen eee eeueenseneneeeeeneeee 149 V —A civilizagGo SalOMBNICA........ 61. cccc cece eee neeeentenneees 151 — A capital e as provincias............0ceee « 151 — Os trabalhos de arte...... .- 152 —A reflexdo.............5 .. 153 — OS CSCTILOS.........eceecec sense ee eeeeeer tec eneetenenen een enen ens 154 Quarta Parte: . AS DUAS MONARQUIAS: ISRAEL E JUDA.............005+ 157 I — O Reino de Israel e o destino de Judd........isccserreeees 159 — Israel rejeita a monarquia judaica . — Jeroboao, o efraimita (930-910 aprox.)........::ceee — Baasa, de Issacar, e Asa, de Juda (910-870 aprox.). 162 — A “Casa” de AMPi....ccccececeereeeeeeenc ee esneeer een en enna 163 — Hazael, de Damasco . — Jods, de Israel, e Jerobodo II....... — Declinio da monarquia de Israel ll — A guerra siro-efraimita e a queda de Samarid........0 71 — Teglat-Falasar III na Siria — O final do Reino de Isracl..........c.ccseesesseeeeeseeeee Ill — Ezequias de Judd e seus sucessores.. — Ezequias s6, 10 tron0 .eeecseseresere a — Ezequias ¢ Senaquerib........seeeeseseeeeeeeeeseseeeeeeees — A sombra da ASSiria......0ccccccccecccccccececceneesnrseaees 180 TV — JOSIOS 0... cece ceec cee cesccunccueececcusccecsuccusssurccustonucensens 182 — O assassinio de Amon. ..- 182 —A reforma de Josias..............ccccessececccecesceececeees 183 ~~ Judd e o fim da Assiria.........ccccccceecccccccececeeeaee 186 V — O fim do reino davidico...... .. 187 — O protetorado egipcio............00. «. 187 ~~ Nabucodonosor II (605-562 a.C.)........c:cccsesescceneee 188 — Apos a primeira capitulacdo , (15/16 de margo de 597 a.C.)........ccceecceeee .. 190 — O cerco e a queda de Jerusalém (587 a.C.)............ 192 Quinta Parte: DE NABUCODONOSOR A ALEXANDRE (587-332).....0... 195 1 — Sob a dominagdo de BabilOnia............ceccceeccee .. 198 A SUG Ia. eeccceccnesessne rene seueceaeseneeeees 198 — Samaria.........c eee we. 200 — Os judeus no Egito... cc ccccccecccceescscnescenarees 201 — Os exilados de Babil6nia.............0...cccccceeeeeaeeeee 202 — De Nabucodonosor a Nabonide (562-539)...... II — Sasabassar e Zorobabel...........6.0c.c0c000 211 — A politica religiosa de Ciro (539-529). . 211 — Sasabassar..........ccccccsecceccnscsseseesees .. 212 ~~ A Judéia sob Cambises (529-522).........ccccceseceeeeee 214 — Dario (522-485)........ccccccececcecececeevcaseccusousucuceeees 215 — A misséo de Zorobabel (520-518)..........cc.ccceeeeeeeee 216 — A Judéia na organizacdo do império persa............ 218 TEL — Neemias e Esdras......cccccccccccccseeccnecccsvecesnesscaussenues 221 — Ascensdo da Grécia..........ccccecseseeceecee . 221 — Os Mirachu sob Artaxerxes e sua politica. wee. 222 — Neemias, sua missdo e seus opositores...... -. 223 — Pressdo proveniente do litoral néo-judeu . 225 — A segunda missfo de Neemias.................. . 227 — A Colénia de Elefantina e suas dificuldades......... ~ Estruturas definitivas da Tora em vias de fixacdo... 229 — ESras oo... eee eeeecceneececeeeeeseseseuveuuecscausecsussess 230 — Conclusdo: fim da dominacdo persa...........00....005 231 Indice dos nomes prOprios.........ccccccccccsesssssceceestscceeestaees 235 Dados de Catalogacio na Publicagao (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cazelles, Henri. Histéria politica de Israel: desde as origens até Ale- xandre Magno / Henri Cazelles; [tradugao Cacio Gomes]. — Sao Paulo: Paulinas, 1986. (Biblioteca de ciéncias biblicas) Bibliografia. — ISBN 85-05-00482-5 1. Biblia — Historiografia 2. Judeus — Histéria — Até 70 3. Oriente — Histéria 4. Palestina — Histéria —- Até 70 5. Palestina — Politica e governo — Até 70 I. Titulo. Il. Série. CDD-930 86-1637 Indices para catélogo sistematico: . Biblia: Historiografia 220.95 . Israel: Histéria antiga 933 . Judeus: Histéria antiga 933 . Oriente antigo: Histéria 939 . Palestina: Histéria antiga 933 . Palestina: Histéria politica antiga 320.933 Amp wde BIBLIOTECA DE CIENCIAS BIBLICAS © O judaismo tardio — histéria e politica, A. Paul © Evangelhos sindticos e Atos dos Apéstolos, VV. AA. © A Biblia na origem da histéria, Pierre Giber ° Historia politica de Israel, desde as origens até Alexandre Magno, H. Ca- zelles soca nen Henri Cazelles HISTORIA POLITICA DE ISRAEL desde as origens até Alexandre Magno Edicées Paulinas Titulo original Histoire politique d‘Israél des origines 4 Alexandre le Grand © Desclée, Paris, 1982 Traducado Cacio Gomes Revisao Josué Xavier @ EDICOES PAULINAS Rua Dr. Pinto Ferraz, 183 04117 — Sao Paulo — SP (Brasil) End. telegr.: PAULINOS © EDICOES PAULINAS — S&o Paulo, 1986 ISBN 85-05-00482-5 (ISBN 2-7189-0218-3 — Bélgica) LISTA DE ABREVIATURAS 1 — Obras e publicagées periddicas diversas ACF Annuaire du Collége de France, Paris ADAJ Annual of the Department of Antiquities of Jordan, Amman AfO Archiv fiir Orientforschung, Graz AION Annali dell’ Istituto Orientale di Napoli, Napoles AJBI Annual of the Japanese Biblical Institute, Toquio AJSL American Journal of Semitic Languages, Chicago ANEP Ancient Near Eastern Pictures related to the OT., Princeton 1954 . ANET Ancient Near Eastern Texts related to the O.T.4, Prin- ceton 1969 Anst Anatolian Studies, Londres ASTI Annual of the Swedish Theological Institute, Jerusalém Aug Augustinianum, Roma AUSS Andrews University Seminary Studies, Michigan BA Biblical Archaeologist, Cambridge, Mass USA BAR Biblical Archaeology Review, Washington BASOR _ Bulletin of the American Schools of Oriental Stu- dies, Cambridge, Mass USA Bi Biblica, Roma BIFAO Bulletin de l'Institut Francais d’Archéologie orientale, Cairo BieOr Bibbia e Oriente, Génova-Milao BiLe Bibel und Leben, Diisseldorf BiNo Biblische Notizien, Bamberg BiOr Bibliotheca Orientalis, Leiden BZ Biblische Zeitschrift, Friburgo na Br. BZAW Beitrdge Zeitschrift Alttestamentliche Wissenschaft, Berlim CAH Cambridge Ancient History3, Cambridge CBQ Catholic Biblical Quarterly, Washington CRAI Comptes rendus de l’Académie des Inscriptions et Bel- les Lettres, Paris DBS DOTT EAE EI EPHE EsBi EVO GLECS HTR HUCA IEJ JA JANES JAOS JARCE JBL JCS JEA JEOL JESHO JIS JNES JNSL JPOS JOR JSOT KAI Supplément au Dictionnaire de la Bible, Paris Documents of O.T. Times, éd. D. Winton Thomas, Edimburgo 1958 Ed. M. Avi-Yonah, Encyclopedia of Archaeological Excavations in the Holy Land 4 vol., Oxford 1975 Eretz Israél, Jerusalém Annuaire Ecole Pratique des Hautes Etudes IV° et ve Sections, Paris Estudios Biblicos, Madri Egitto e Vicino Oriente, Pisa Comptes-rendus du Groupe Linguistique d’Etudes chamito-sémitiques, Paris ~ Harvar Theological Review Hebrew Union College Annuel, Cincinnati Isréel Exploration Journal, Jerusalém Journal Asiatique, Paris Journal of the Near Eastern Society of Columbia University, Nova Torque Journal of the American Oriental Society, Newhaven (Conn USA) Journal of the American Research Center in Egypt, Locuste Valley NY. Journal of Biblical Literature, Boston-Newhaven-Filadelfia Journal of Cuneiform Studies, New Haven, Connecticut Journal of Egyptian Archaeology, Londres Jaarbericht Ex Oriente Lux, Leyde Journal of the Economic and Social History of the Ancient Orient, Leyde Journal of Jewish Studies, Londres Journal of the Near-Eastern Studies, Chicago Journal of Northwest Semitic Languages, Stellenbosch Journal of the Palestine Oriental Society, Jerusalém Jewish Quarterly Review, Londres Journal for the Study of the OT, Sheffield Journal of Theological Studies, Londres H. Donner & Rollig, Kanaandische und Aramaische LA MDAIK MUSI OA Or OTS PEQ PRU RA RAI RB REJ RES Rev. Eg. RHPR RHR RiBi RIDA RLA RSO RSR RTL SAK Sem StOr SVT Sy UF Ug TZ vo VT Wado WZKM Inschriften,? Wiesbaden 1966 Liber Annuus, Jerusalém, Studium Franciscanum Mitteilungen des Deutschen Instituts fiir Aegyptischen Alterntumskunde in Kairo, Berlim Mélanges de l'Université St Joseph, Beirute Oriens Antiquus, Roma Orientalia, Roma Oudtestamentische Stiidien, Leyde Palestine Exploration Quarterly, Londres Palais Royal d’Ugarit (6 vol.), Paris Revue dAssyriologie, Paris Rencontre Assyriologique Internationale Revue Biblique, Paris Revue des Etudes Juives, Paris Répertoire d’Epigraphie Sémitique, Paris Revue d’Egyptologie, Paris Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses, Es- trasburgo Revue de Il’Histoire des Religions, Paris Rivista Biblica, Florenca Revue International des Droits de l’Antiquité, Bruxe- las Real Lexikon der Assyriologie, Berlim Rivista di Studi Orientali, Roma Recherches de Sciences Religieuses, Paris Revue Théologique de Louvain, Louvain-la~-Nevue Studien zur altaegyptische Kultur, Hamburgo Semitica, Paris Studia Orientalia, Copenhague Supplements Vetus Testamentum, Leiden Syria, Paris Ugarit Forschungen, Neukirchen Ugaritica (7 vol), Paris Theologische Zeitschrift, Berna Vicino Oriente, Roma Vetus Testamentum, Leyde Die Welt des Orients, Goettingen Wiener Zeitschrift zur Kunde des Morgenlandes, Vie- na , 7 ZAeS Zeitschrift fiir die aegyptische Sprache, Berlim ZAW Zeitschrift fiir die alltestamentliche Wissenschaft, Berlim ZDPV Zeitschrift des Deutschen Paldstina Vereins, Wiesba- den ZTK Zeitschrift fiir Theologie und Kirche, Tiibingen 2 — Obras e trabathos diversos Briend-Seux ’ J, Briend et M.J. Seux, Testes du Proche-Orient Ancien et His- toire d’Israél, Paris 1977. Galling, Studien L. Galling, Studien zur Geschichte Israels in persischen Zeital- ter, Tiibingen 1964. Grayson, Chronicles AK. Grayson, Assyrian and Babylonian Chronicles, Nova Jor- que 1985. Hayes-Miller HH. Hayes & J.M. Miller, Israelite and Judaean History, Lon- dres 1977. Helck, Beziehungen W. Helck, Die Beziehungen Aegyptens zu Vorderasien im 3 und 2, Jht v Chr, Wiesbaden 1962. Introduction critique Ed. H. Cazelles, Introduction critique a "Ancien Testament, Paris-Tournai, 1974. Kupper, Nomades J.R. Kupper, Les Nomades en Mésopotamie au temps des rois de Mari, Paris 1957. Olmstead History AT, Olmstead, History of the Persian Empire, Chicago 1948. Peoples of OT. Times Ed. D. Wiseman, Peoples of O.T. Times, Oxford 1973. Soggin Kénigtum A. Soggin, Das Kénigtum in Israel, Berlim 1967. de Vaux Histoire ancienne R. de Vaux, Histoire Ancienne d’Israél, 2 vol., Paris 1971 et 1973. Para a citacdo dos livros da Biblia seguimos as abraviaturas da Biblia de Jerusalém. 8 de Vaux Institutions R. de Vaux, Institutions de UAncien Testament, 2 vol., Paris 1961 et 1967. World History Ed. B. Mazar, The World History of the Jewish People, An- cient Times, Jerusalém. 3000 2500 1500 800 700 500 Mesopotamia Escritura cuneiforme Cidades Suméricas Império de Acad Sargdo Antigo Nara-Sin Invasaéo Guti Utu Hegal 1? Dinastia da Babilénia Hamurabi Arquivos de Mari Reis cassitas Arquivos de Nuzi Teglat-Falasar na Siria (1100 aprox.) Assurbanipal [1 Salmanassar III em Carcar (853) Adadnirari III Tegiat-Falasar IH (745-727) Salmanassar V (727-722) Sargao II ¢ Merodac-balada Senaquerib (705-681) Asaradon (681-660) Assurbanipal (669-630) Queda de Ninive (612) Nabucodonosor IH (605-562) Exilio de Ezequiel e Joaquim Nab6nides-Ciro, rei da Pérsia Queda Babil. 539/Dario 522-485 Xerxes (485-464) Artaxerxes (464-424) Dario II (424-405) Artaxerxes II (405-358) Artaxerxes HI (358-338) Dario IH (335-330) Asia Menor Antigo Império Hitita Mursil H na Babilénia (1680) Supiluliuma na Siria Fim do Império Hitita Arameus na Siria Tnven¢gao da moeda Quadro cronoldgico Siria Periodo do Bronze Antigo Ebla Aparecimento dos Hurritas Ameritas Némades perto de Mari Bronze Médio Idrimi em Canaa Bronze Recente Ugarit Ferro Ben-Adad I em Damasco Hazael Ben-Hadad II Rason Queda de Damasco e Samaria (732) Eshmunasar Megabises NT: Os nomes acima seguem a grafia usada no Quadro Cronoldgico da Biblia de Jerusalém, Edigées Paulinas, 10 aproximativo Palestina Amoritas Cultura cuneiforme Jerusalém nos textos de execracdo Abrado Exodo-expulsio Escrituras alfabéticas Hapiru Exodo-fuga de Moisés Israel em Canaa Filisteus (1180) Saul Egéia-Grécia Escrituras egéias Fim dos Aquenitas Povos do mar Egito Escritura hierogiifica Narmer Grandes pirémides Pedra de Palermo Textos das Piramides Uni da Palestina Pilhagem das Piramides Semitas no Egito Seséstris III em Siquém Textos de execracfio Invasdo dos Hicsos Tutmédsis II nas margens do Eufrates Amenéfis If (depois de 1450) Periodo de El-Amarna (1400-1350) Seti I Menefta Ramsés I Ramsés III Tausert 3000 2500 2000 1500 DAVI (1000 aprox.) Salomao (950 aprox.) < ‘ Jeroboaio Robodo Baasa Asa Amri Atalia Acab Jods Jet Amasias Jods Ozias “Jeroboao I Acaz Menaém Ezequias (Isaias) Oséias Manassés Samaria Amon (722) Josias (Jeremias) Capitulagao de Jerusalém (597) Sedecias Incéndio de Jerusalém (587) Zorobabel (520) Neemias (445) Esdras (399) Alexandre na Judéia (332) Guerras Medas Siamon Sheshong I Pianqui (Pi) e Tefnakht Sabaca Sabtaca Taharca Tomada de Tebas (664) Psamético J Necao IT (609-595) Psamético II (595-589) Hofra Cambises (525-522) Inaros Expulsao dos Persas Neferites (398-393) 800 700 500 11 APRESENTACAO O leitor ficara talvez decepcionado por nao encontrar, nes- se livro, a mensagem da Biblia nem seus profundos aspectos teoldgicos e filos6ficos. Uma histéria politica é algo de muito humano, demasiado humano, sujeito a todos os acondiciona- mentos sob os quais vive um povo em determinada terra, si- tuada em meio ao mundo. Usaremos os textos biblicos somente com relacdo aos dados geograficos, socioldgicos e histdricos. Os nomes préprios ocupam o maior espaco e, as vezes, repre- sentam um dado bastante seco. Nao aplicaremos, absolutamen- te, a psicologia, mesmo quando tratarmos de personagens que desempenhardo seu papel nessa vida movimentada e, as vezes, tragica. A finalidade de uma histéria politica é situar a vida dos homens no seio de um povo em formacdo, coisa que acon- tece em meio a suas tensGes internas. A finalidade é também situar a vida desse povo em osmose com outras nacées e cul- turas, durante seu processo de desenvolvimento e de suas cri- ses. Os autores biblicos falaram e escreveram para homens que viviam em uma sociedade, organismo em meio a outros orga- nismos: tribos, Estados ou Impérios. S6 poderemos compreen- der esses autores quando pudermos imaginar concretamente os acontecimentos que tiveram de enfrentar em sua cidade ou polis, no sentido mais amplo da palavra. Como escrever uma historia politica de Israel desde suas origens até o século IV a.C.? Como pode um sé autor ter a ousadia de abarcar a histéria de um milénio, cuja bibliografia é superabundante e cuja multiplicidade de dados é dificil de sintetizar? Tornava-se, porém, absolutamente necessario ter a dispo- sigdo um instrumento de trabalho para abordar o plano de fun- do politico em fungao do qual os livros da Biblia foram com- postos e reunidos. Gracas as descobertas modernas sobre 0 Oriente Antigo, tornou-se possivel situar o nascimento do an- tigo Israel, sua histéria movimentada e as etapas da composi- ¢4o da coletanea biblica, em meio aos impérios e culturas des- se Oriente. Dispomos, de fato, de numerosos dados objetivos e por isso fez-se mister tentar a elaboracao de um esboco. 13 E preciso, entretanto, que os especialistas cheguem a uma unanimidade. O leitor tem o direito dé sabé-lo. Por isso, pare- ceu necessario permitir que o Jeitor pudesse buscar informa- ¢des com base em notas e referéncias mais abundantes do que se costuma fazer em outros livros desta série. Um indice de nomes prdprios e dos termos mais impor- tantes, cuja referéncia principal esta em itdlico, permitira en- contrar o termo do qual se deseje explicagao. O presente livro desenvolve um estudo publicado em in- glés: The History of Israel in the Pre-exilic Period, em Tradi- tion and Interpretation, Essays by Members of the Society for Old Testament Study, Oxford, 1979, pp. 274-319. Queiram es- sa Sociedade e 0 editor desse volume (G. W. Anderson) acei- tar a presente obra como homenagem. 14 INTRODUCAO I. Historiografia de Israel II. As fontes III. O método e os métodos CAPITULO PRIMEIRO HISTORIOGRAFIA DE ISRAEL Historiografia ¢ uma maneira de escrever a histdria e de apresentar os acontecimentos. A Biblia, por sua vez, tem a sua historiografia ou até suas historiografias. A Biblia apresenta cronologias, narrativas concatenadas e até sinteses histéricas, como no caso do Livro dos Reis e Livro das Crénicas. Contu- do, é a titulo de Lei e Profecia que a Biblia foi coletada e trans- mitida tanto na Sinagoga como na Igreja. A curiosidade his- torica se originava de outro espirito. Abordava freqtientemen- te a historia de Israel com preconceitos apologéticos ou anti- apologéticos, segundo se acreditava ou nao se acreditava nes- sa Biblia. NA ANTIGUIDADE Os gregos tinham curiosidade histérica. No entanto, sé se interessaram pela pequena Judéia de maneira absolutamente secundaria e episddica. E 0 caso de Herddoto, no século V antes de Cristo, e depois Aristételes, Teofrasto e Clearco de Soli!. Pelo ano 300 a.C., Hecateu de Abdera dedica uma longa pagi- na aos judeus, mas em escrito intitulado Aegyptiacd. A obra se perdeu, mas Diodoro da Sicilia, historiador do século I, ci- tou essa pagina. Hecateu utiliza fontes ndo-biblicas. Aprecia Moisés e sua legislacfo, embora criticando o “modo de vida insociavel e intoleravel” dos judeus. Acrescenta um dado inte- ressante: suas praticas tradicionais teriam sido “perturbadas” ou “modificadas’? sob.os persas e os maced6nios; portanto, entre os séculos VI e III aC. 1. Esses textos se acham dispersos nos 5 volumes de Fragmenta Historicorum graecorum, editados por C. Miller e V, Langlois (Paris, 1841-1849, reimpresso em 1928- -1938). Existem trechos traduzidos para o francés por T. Reinach, Textes dauteurs grecs et romains relatifs au Judaisme (Paris, 1895, reimpresso por Hildesheim, 1963) e em inglés, com instrucdes e comentarios por M. Stern, Greek and Latin Authors on Jews and Judaism (2 vols., Jerusalém, 1976 e 1980). 2. Em grego ekineté. Segundo Flavio Josefo (supra, p. 20), em Contra Apion 17 Outra série de Aegyptiacd foi redigida pelo egipcio Ma- neton, no século III a.C., a pedido dos reis gregos Ptolomeus. Mais ou menos na mesma época, outro sacerdote, Beroso da Mesopotamia, redigiu os Babylionaca para uso dos seléucidas, outros sucessores de Alexandre Magno. Ambos se referem a historia de Nabucodonosor (século VI a.C.), Maneton fala do éxodo. Identifica esse fato com a expulsdo dos hicsos, “reis pastores” que dominaram o Egito no século XVII a.C. Como Hecateu, atribui também essa expulsao a uma impureza: os judeus teriam sido leprosos. Para azar da Histéria, Maneton confunde constantemente os acontecimentos da 18? dinastia egipcia (os Amenofis e os Tutmdsis) com os fatos da 19? di- nastia (os Seti e os Ramsés). E bem verdade que sé conhece- mos sua obra através dos recursos do historiador judeu Jose- fo (século I 4.C.). No decorrer desse século III a.C., se compuseram obras das quais a historia judaica biblica é o centro. Essa histdria é confrontada com as historiografias grega, egipcia e babilé- nica. O crondgrafo Demétrio? é judeu de cultura grega, preo- cupado com cronologia. Em seu livro Sobre os Reis de Juda, calcula as datas da criacéo e do éxodo. Certos nimeros por ele propostos se encontram na traducdo grega da Biblia, cha- mada Setenta. De resto, apresenta aproximac6es interessantes e coloca a data da queda de Samaria ao tempo do rei assirio Senaquerib, ao passo que ela aconteceu 20 anos antes. No sé- culo seguinte, Eupdlemo escreveu, por sua vez, “sobre os reis de Juda”. Nao era um novato, pois provavelmente trata-se do Eupdélemo enviado por Judas Macabeu como embaixador a Roma pelo ano de 160 a.C.*. Esse titulo, como o precedente, 1, 183, ele teria escrito um livro Sobre os Judeus, cuja realidade é contestada. De qual- quer forma, os episédios conservados sd se referem ao século IV a.C.: Alexandre e Ptolomeu I. A passagem sobre Abrado é certamente apécrifa, e a alusdo 4 carta de Aristéia a Hecateu pode ser apenas eco dos textos copiados por Diodoro. Sobre Be- résio, cf. S. M. Burstein, The Babyloniaca of Beossus, Malibu, 1978. 3. Conhecido por Eusébio de Cesaréia (Praeparatio Evangelica, século IV dC.) 4. J. Giblet, Eupoléme et Vhistoriographie du Judaisme hellénistique, em Meé- langes Gonzague Ryckmans, Lovaina, 1963, pp. 539-554; Bz. Wachholder, Eupole- mus: A study of Judaeo-Greek Literature, Cincinnati, 1974. Do mesmo autor sobre as cronografias, Biblical Chronography in the Hellenistic World Chronicles, HTR, 1968, pp. 451-481. 18 cobre, de fato, uma época mais extensa: esta historia vai de Adao a Demétrio I, contemporaneo do autor. S6 conhecemos um livro anénimo intitulado Sobre a pro- fecia de Elias, através de Eusébio de Cesaréia (século IV d.C.). Seu espaco de tempo é mais limitado. Comeca s6 em Moisés e termina em Salomao. Confunde o faraé contemporaneo deste (século X a.C.) com Hofra do século VI, que testemunhou nao a construcdo, mas, sim, a destruicéo do Templo. Esta nao é a unica confusdo feita por essas tentativas histéricas. Um frag- mento samaritano, transmitido sob o nome de Eupdlemo, tam- bém procura confrontar os dados biblicos com as tradicdes do mundo pagao. Assim, identifica Atlas com o Henoc biblico, que, segundo os apdcrifos, ter-se-ia também interessado em as- tronomia. De outra parte, teria sido Abraao quem teria intro- duzido a astrologia entre os fenicios. Artapa, historiador ju- deu anterior a nossa era, defende um ponto de vista diferente: teria sido no Egito que introduzira a astrologia, da mesma for- ma que José o fez com a agricultura, e Moisés, com o culto divino. Moisés é, ademais, identificado no Museu dos Gregos. Para os faraés, contemporaneos daqueles, Artap4 inventa no- mes egipcios grecizados. HISTORIA JUDAICA E HISTORIA UNIVERSAL Constatamos, pois, dupla preocupacdo: a cronologia e a insercdo das tradicdes biblicas no desenvolvimento das civili- zacées. Disso resultam importantes obras pagis, no século I a.C., das quais conhecemos apenas fragmentos, gracas a cita- ¢des de autores judeus e pagdos. Apolénio Molon nasceu na C4ria. Escreveu a obra Sobre os judeus, onde se louva Plutar- co, mas que Josefo considera de um anti-semitismo fanatico. De fato, é 0 primeiro, junto com Posid6nio de Apaméia, a acu- sar os judeus de homicidio ritual: por ddio racial, os judeus imolariam todos os anos um homem e se nutririam de sua car- ne. Apolénio, como Hecateu, se choca com a recusa dos ju- deus a se assimilarem. Faz vir da Arménia 0 antepassado de Abrado do qual nasce Isaac (Gelos, em grego), de quem nas- 19 cem doze filhos, entre eles José. Desta forma, Isaac é mais ou menos identificado com Israel. Da Asia Menor também provém Alexandre Polyhistor’, de Mileto. Entre os anos 85 e 35 a.C., escreve a obra Sobre os judeus. Utiliza seus predecessores, mas de forma muito livre, a partir das origens. Identifica Noé com Xisutro (Atra-asis) babilénio, o que a erudicdo moderna censurara. Conhece a Tor- re de Babel, um dillivio do tempo de Ogigeu, o primeiro rei da Atica, cuja lenda se liga ao Carvalho de Mambré, onde Abraao acampou (Gn 18,1 — cf. Josefo). O autor data o fato em 1020 antes da 1* Olimpiada (77 a.C.) e o éxodo sobreviria logo apés. A obra prossegue até a queda de Jerusalém e nao é antijudaica como ade Apido®, adversario de Filon perante Caligula (40 a.C.). Apiao nao escreveu uma historia sobre os judeus, mas, sim, uma Aegyptiacd, Segue também a Maneton quando fala do éxodo e ironiza os costumes do Templo antes de atacar os judeus de Alexandria. De outra parte, é uma his- téria judaica que encontramos nas Antiguidades Brblicas. O autor, chamado Pseudo-Filon’, é um judeu desconhecido, do século I d.C. Usa, como base, 0 texto biblico, desde Adfo até a morte de Saul, que ele completa por muitas consideracdes especulativas, chamadas midraxicas, provavelmente de finali- dade liturgica. Com Nicolau de Damasco, conselheiro de He- trodes, chegamos aos autores pagdos. Este escreveu uma His- toria Universal em 144 livros, com informagées sobre o dili- vio e a passagem de Abrafio em Damasco. Dessa histéria co- nhecemos apenas as partes mais recentes utilizadas por Jose- fo®. Que uso se pode fazer das Antiguidades Judaicas, redigi- das por esse historiador em 20 livros, desta vez téo bem con- servados? Este nado foi o unico a sentir a necessidade de rees- 5. Fragmentos e citagées em Fragmenta (Nota 1), HI, p. 206-224. Do texto das citagdes bastante confusas de Eusébio, veja, K. Mras, Eusebius Werke, VALI (Praep. Ev. IX, 17-39), Berlim, 1954, pp. 502s. M. Stern sé apresenta alguns excertos. 6. Flavio Josefo o cita freqiientemente, precisamente em seu Contra Apion, ed. T. Reinach, Paris, 1930. 7. D. J. Harrington et J. Cazeaux, Pseudo-Philon. Les Antiquités Bibliques, 2 vols., com a revisio de C. Perrot e Ph. Bogaert, Paris, 1976. 8. Sobre Flavio Josefo e sua obra, cf. A. Paul, O Judaismo tardio, Ed. Paulinas, Sao Paulo, 1983, pp. 63-67. 20 crever a histéria judaica apds a desastrosa guerra de 66-70, que terminou com a ruina do Templo. Infelizmente, a obra de Jus- to de Tiberiades, que o patriarca Fécio de Constantinopla ainda péde consultar no século IX, somente nos é acessivel através precisamente das criticas que lhe faz Josefo. As Antiguidades Judaicas, posteriores 4 Guerra Judaica, foram compostas de acordo com o modelo das Antiguidades Romanas, de Dioni- sio de Halicarnasso: tinham por finalidade introduzir o pu- blico romano nas tradigdes judaicas. Josefo, portanto, quer fa- zer obra de historiador e evita, conseqiientemente, a alegoria de Filon de Alexandria. Apega-se as fontes, sobretudo a Bi- blia, mas também a Artapa e a seus desenvolvimentos midra- xicos ja mencionados a propésito de Pseudo-Filon. Abrado é astr6nomo. Moisés, um capitdéo do exército egipcio que com- bateu contra os etiopes. Josefo aceita facilmente o milagre, visto que 0s leitores o admitem, referindo-se a outras tradi¢Ges reli- giosas. Tampouco sente exigéncias de ordem filoséfica e ra- cional. Admite, sem dificuldade, que Moisés tenha descrito sua propria morte, mas, de outro lado, leva a sério as divergéncias biblicas sobre a conquista de Jerusalém pelos israelitas ou so- bre o-encontro de Saul e Davi: este teria acontecido antes ou depois do combate contra Golias? Muita coisa se pode haurir das Antiguidades, mas sempre tendo em conta a apresenta¢ao dos fatos e desconfiando dos nimeros. Os cristéos, muitas vezes, copiaram seu texto. Enfrenta- vam problemas semelhantes. Julio Africano (170-245) construiu uma historia universal distribuida ao longo de 6000 anos’. Ja nao. toma como ponto de referéncia Abraao ou Davi, mas Ci- ro, 0 Persa, cujos dados lhe sfo fornecidos por Diodoro da Sicilia. Como Polyhistor, ele data o dilivio no tempo de Ogi- geu (2262 apos a criacio do mundo), mas coloca o éxodo em 3707. Eusébio de Cesaréia, falecido em 340 da nossa era, 0 uti- lizaraé, mas acompanhado de reais preocupacées criticas, pre- ferindo para o diluvio o ano de 2242 da Setenta, em lugar de 2262 de Julio Africano. Em seu Chronikon, discute os siste- mas cronoldgicos das diferentes nacées (assirios, hebreus, egip- 9. Com relacdo a esse periodo da historiografia, cf. A. Luneau, Vhistoire du sa- lut chez les Peres de l’Eglise. La doctrine des Ages du Monde, Paris, 1964. 21 cios, gregos e romanos). Cita suas fontes, sem ligar-se a uma filosofia da histéria: isso sera, por sua vez, a preocupacdo de Agostinho, que compés a Cidade de Deus, visando aos cris- tdos abalados pela tomada de Roma por Alarico, em 410. Em contexto muito apologético, seu discipulo Ordsio nos fornece, as vezes, informagées interessantes (Historiarum adversus pa- ganos libri septem). Jer6nimo, cujas exigéncias criticas em exe- gese conhecemos, nos deu uma traduc4o latina do Chronikon, de Eusébio. L A IDADE MEDIA A Idade Média latina tem pouca possibilidade de levar a frente a investigacdo histdrica e depende estreitamente dos trabalhos precedentes, que foram copiados e recopiados nos scriptoria monasticos. Os judeus, como também os cristaos, est4o ligados a literalidade dos textos biblicos, sem dispor de instrumentos necessarios para inventariar de perto os vestigios do passado. Os judeus se apegam 4 Lei como Lei, bem como a historicidade do texto e das instituicGes. Os crist&os tm, por sua vez, problemas com a Lei. No Pentateuco, procuram uma historia da salvaco e figuras. Beda, o Veneravel (Historia ec- clesiastica gentis Anglorum) e Isidoro de Sevilha (Chronica ma- jor) redigem histérias universais. A Biblia é 0 fulcro, embora seja considerada, de alguma forma, como proleg6menos para uma Histéria da Igreja. Além disso, durante a renascenca ca- rolingia (século [X), a histéria universal e a histéria de Israel interessam menos aos escritores do que as histérias nacionais calcadas sobre as histérias romanas de Suet6nio e de Salustio. Os copistas também se mostram ativos no Oriente bizan- tino. Os monges do monte Atos continuam a obra dos mon- ges estudistas, de Bizancio. A reflexdo teoldgica dos Padres se baseia na Biblia’. A pesquisa histérica nao é a caracteristica dominante na época, mas se manifesta na Biblioteca de um erudito como o patriarca Fécio. E o mundo muculmano que, a partir do século III de Hegira (século X), iré valorizar a he- ranca helénica. 10, Cl Mondésert, La Bible chez les Péres Grecs, no prelo. 22 Até esse momento, 0 mundo drabe se preocupou sobre- tudo com as genealogias tribais e com a histéria propriamen- te arabe. Com Yaqubi, Tabari e o grande viajante Mas’udi, ten- ta-se escrever histérias universais. Esses estudos histdricos irao prosseguir até o século XIII, com Ibn al Djazi e o Kamil, de Ibn al Athir. Essa historiografia depende evidentemente da apresentacdo de Israel no Corao. E bem menos ligada ao tex- to biblico, que a tradigAo muculmana considera como um tex- to falsificado. Enfim, com Ibn Khaldun, no século XIV, e seus Mukkadima (Prolegémenos), temos uma interpretacao mais sociolégica da histéria. Em nossos dias, essa historiografia sus- cita novo interesse!. Manifestam-se, de novo, as preocupacées histdricas no Oci- dente cristao. Oto de Freysingen desenvolve a idéia de que a civilizacdo se transferiu do Oriente para o Ocidente. Contudo, os judeus do Oriente, quando séo, como Saadia e Maim6ni- des, mais tedlogos e fildsofos do que historiadores, discutem a histéria nao somente com arabes, mas com os judeus carai- tas, que rejeitam as tradicGes talmudicas, conservando embo- ra a Biblia!?. E ent&o que a bandeira passa para o judaismo ocidental. O autor do Josippon, no século X, utiliza Josefo 4 sua maneira. Ibn Ezra, na Espanha, e Rashi, na Campanha (século XII), tecem observacGes judiciosas sobre a Biblia e a sociedade que suas leis fazem supor. A RENASCENCA E OS INICIOS DA CRITICA O interesse dos historiadores do século XVI se deslocara das sinteses sobre as Idades do Mundo e sobre a escatologia, para ligar-se 4 arqueologia e a andlise dos textos, sobretudo dos gregos. Esse ja € 0 caso de Nicolau de Cusa, do século 11. Trad. francesa de Slane, Les prolégoménes d’Ibn Khaldoun, 3 vols., Paris, 1868, reimpressdo Paris, 1934-1938. Excertos feitos por G. Labica e J. E. Bencheikh, La Muqaddima, Alger, 1963. 12. A. Paul, Ecrits de Qumran et Sects Juifs aux premiers siécles de l’Islam, Re- cherches sur l’origine du Qaraisme, Paris, 1969; S. Szyszman, Le Karaisme, ses doc- trines et son histoire, Lausanne, 1980. G. Vajda, REJ, 1981, 453-455; cf. também DBS Qaraisme IX, 571-586. 23 XV, que soube mostrar a inautenticidade da Doacdo de Cons- tantino 4 Santa Sé e procurou distinguir as etapas da compo- sig4o do Coro. Vem entao Erasmo, que se levanta contra as lendas que circundam de auréola os fundadores de reinos e mes- mo os santos. Do ponto de vista biblico, se acham privilegia- das a filologia grega e a critica do Novo Testamento. Se de- pois de 1477 (Bolonha) e, sobretudo, em 1516 (Veneza), se im- prime a Biblia hebraica, discute-se bem menos a historia de Israel do que a histéria da Igreja. Entretanto, se torna eviden- te que vao-se impondo novos métodos. Poderao eles levar a algo de positivo? Exerceu-se a principio a critica sobre a cronologia, mas os resultados foram bastante negativos', e depois a critica li- teraria e R. Simon tiveram que pagar por isso. Ainda nao ha- via chegado 0 tempo em que se poderia escrever uma historia de Israel que nfo fosse uma histéria santa ou uma anti-historia santa. Spinoza estabeleceu excelentes principios, mas suas ana- lises do direito puiblico de Israel nao valem nada e chegaram ao paradoxo de que “desde que os hebreus transferiram seu direito ao rei da Babilénia, cessaram o reino de Deus € 0 direi- to divino”'*. O inglés H. Prideaux, do século XVIII, se liber- tou mais dos pontos de vista juridico-teolégicos. Chegou mes- mo a criticar suas fontes (Aristeu, Josefo), em seus trés volu- mes, que vao de Teglat-Falasar III ao periodo de Cristo, mas sente-se ainda muito ligado pela seqtiiéncia apresentada pelos livros biblicos. A mentalidade da época, racionalista e deista, se choca profundamente com as esquisitices dos textos bibli- cos, enquanto pessoas crentes, como Bossuet, se sentiam ain- da obrigadas a escrever a histdéria universal a partir da Biblia. BIBLIA E ORIENTALISMO Para redigir uma verdadeira histdria de Israel, teve-se de esperar pela possibilidade de situar Israel e sua Biblia no con- texto do desenvolvimento das civilizacdes orientais. Semelhante 13. P. Hazard, La crise de la conscience européenne, Paris, 1935, pp. 121-202. 14. Tractatus theologico-politicus XIX, Amsterdam, 1670; cf. DBS VII, pp. 731-733. 15. Reeditado em 1913. 24 abordagem nao podia ter sido feita unicamente com base nas fontes da historiografia grega (Hecateu, Diodoro ...). Ela se tornaria possivel pelas viagens pelo Oriente feitas pelos Mi- chaud e pelos Niebuhr, pelo desenvolvimento da critica bibli- ca (Astruc, Eichhorn) e, sobretudo, pela decifracdo das linguas antigas: o fenicio (Barthélemy), os hierdéglifos (Champollion) e os cuneiformes mesopotamicos (Grotefend, G. Smith). Des- de 1829, H.H. Milman" abriu lugar para a sociologia e con- sidera que as trés narracOes nas quais o Patriarca apresenta sua mulher como sendo sua irma ao soberano estrangeiro s4o apenas variantes de uma unica tradicao. Incrédulo frente ao milagre e ao sobrenatural, esse autor nao admite mesmo a mo- saicidade das leis do Pentateuco. Em sua importante obra: Ges- chichte der Juden von den diltesten Zeiten bis zur Gegenwart (1859-1875), o sabio judeu H. Graetz também n4o da lugar a evolucdo da tradicdo juridica no Pentateuco’”. H. Ewald fara o mesmo em sua obra Alterthiimer des jii- dischen Volkes (1866). Admite um prolongado espaco de tem- po entre Moisés e a redacdo dos livros biblicos. J. Welhausen muito lhe deve. E este que com Graf e Kuenen, dara uma es- trutura mais consistente 4 histéria de Israel por meio de suas andlises das legislacdes sucessivas do Pentateuco e seu conhe- cimento da Arabia antiga. Seus Prolegomena zur Geschichte Israels (1883) sio dedicados a Ewald. Devemos-lhe uma Ge- schichte Israels (1878) e uma Israelitische und judische Geschi- chie’® (1894). E certo que, 4 luz dos progressos que o orienta- lismo iria fazer, pode-se julgar que esse autor nao soube atri- buir as tradicdes patriarcais seu devido valor, que nao soube guardar um justo equilibrio entre os fatos em si e a apresenta- cdo dos mesmos, considerados com demasiada freqiiéncia pe- lo autor como projecées de idéias e, enfim, que nao compreen- deu os valores da vida do periodo pés-exilico, onde ele via uma decadéncia para o “nomismo” por parte do movimento pro- fético. Mas, de outra parte, pds em evidéncia a evolucdo das leis no bojo de Tora, chave da histéria de Israel. Colocou em 16. The History of the Jews, reeditado, em 1913, em Londres ¢ Nova lorque. 17. Sobre Graetz, S. W. Baron, History and Jewish Historians, Nova lorque, 1964. 18. R. Smend prefaciou os excertos, J. Wellhausen, Grundrisse zum AT, Muni- que, 1965. O. Eissfeldt, Judius Wellhausen cf. KI. Sch. 1, pp. 56-71, Tubinga, 1962. 25 destaque as relagGes entre essas redacdes da Lei e o movimen- to profético. Foi capaz de reconhecer que Moisés teve um pa- pel a desempenhar e soube valorizar a vida independente das tribos antes do estabelecimento da monarquia. Depois de Wette que, no comeco do século XIX, havia estabelecido a identifi- cagdo do Deuteronédmio com o Livro da Lei mencionado em 2Rs 22 - 23, Wellhausen contribuiu fortemente para deslindar as linhas mestras da histéria politica de Israel, embora tenha percebido mal os valores religiosos da mesma. As descobertas arqueoldgicas posteriores iriam matizar numerosas afirmacdes suas, em particular sobre a antiguidade dos costumes e das leis. Foi entre as duas guerras mundiais que foram acertadas as cronologias mesopotamia e egipcia, a partir de 1500 a.C., com uma diferenca de poucos anos. O mesmo aconteceu com as grandes seqtiéncias da arqueologia palestinense do periodo do Bronze Antigo até a época persa. Sobraram algumas duvi- das com relacdo 4 primeira metade do 2° milénio da Mesopo- tamia, possivel época dos Patriarcas, e com relacaéo ao Antigo Império egipcio (3? milénio). Visto que a arqueclogia palesti- nense oferecia poucas datas absolutas, a literatura biblica teve de ser situada dentro desse quadro relativamente estabelecido do Oriente Préximo. Com relacdo a isso, tivemos sinteses de grande valor, como os trés volumes da Histoire du Peuple Heé- breu, de L. Desnoyers (1922-1930), a Geschichte des Volkes Is- raels, de R. Kittel (1925), a 22 edicAo de Israel et Ancien Orient de J. Vandervorst (Bruxelas, 1929), a Storia d’Israele, de G. Ric- ciotti, e os dois volumes de A. Lods: Israél, des origines au milieu du VII siéle (1930), Les Prophétes d’Iraél et les débuts du Judaisme (1935). SITUACAO DOS TRABALHOS Importantes problemas ficaram ainda sem solucdo e as- sim permanecem. Nao podemos falar ainda em um consenso com relacdo a histéria de Israel. As divergéncias se referem so- bretudo as origens, mas também ao valor das fontes relativas ao periodo de Davi e de Salomao. 26 1 — Certos autores acham que podem adotar a sucess4o dos acontecimentos de acordo com a ordem dos livros bibli- cos (A. e R.; Neher)”. Dentro desta linha, outros autores, per- tencentes sobretudo a escola de Y. Kaufmann”, atribuem a época mosaica o conjunto das instituicdes ditas sacerdotais (cf. o Levitico), que a maioria dos especialistas considerara como de origem tardia. 2 — Uma tendéncia diferente aceita as conclusées geral- mente adotadas pela critica biblica, mas julga que a arqueolo- gia confirma a historicidade da Biblia a partir de Abraao: W. F. Albright?, G. E. Wright”, W. Keller, World History of the Jewish People, A. R. Millard e D, Wiseman”. 3 — Outra corrente recusa dar tamanho peso aos dados arqueologicos e se apega a histéria da tradi¢do (Gunkel, Alt, Noth, von Rad, Mc Kane)**. Escrever tradigdes é algo relati- vamente tardio, e existem autores que até chegaram a rejeitar o esquema wellhauseniano, fazendo descer até o século VI aC. os estratos antigos do Pentateuco (T. L. Thompson, H. H. 19. Histoire Biblique du Peuple d’Israél, 2 vols., Paris, 1962. 20. Téled6t ha-Emunah ha'lsraelit miméy qedem ‘ad sph béyt shéni (hebrai- co), Tel Aviv, 1967. Traducdo inglesa abreviada de M. Greenberg. Y. Kaufmann, Con- naitre la Bible, Paris, 1970. 21. From Stone Age to Christianity, Baltimore, 1941, 22 ed. 1957 — é uma obra considerdvel, admiravelmente documentada. Por exemplo: The O. T. and the Archeo- logy of Palestine, na edicio de H. H. Rowley, O. T. and Modern Study, Oxford, 1951, pp. 1-47; The Biblical Period from Abraham to Ezra, Nova lorque, 1963; LArchéolo- gie de la Palestine, traducdo francesa, Paris, 1955, cf. D. N. Freedman, The publi- shed Work of W. F. Albright, Cambridge (Mass), 1975. 22. Biblical Archeology, Filadelfia-Londres, 1957, The Archeology of Palestine, em The Bible and the Ancient Near East, Essays... Albright, N. 1., 1961, pp. 73-112, e numerosos trabalhos arqueolégicos. Atualizacdo de W. Dever, HTR 73, 1980, pp. 1-16. 23. La Bible arrachée aux sables, traducdo francesa, Paris, 1963. 24. Vol. 2. Patriarches (editado por B. Mazar), H. L. Ginsberg, M. Greenberg, M. Haran, J. Liver, S. E. Loewenstamm, E. A. Speiser, H. Tadmor, Y. Yadin, S. Yei- vin. Sobre 0 conjunto, cf. Nota 41. 25. Essays on the Patriarcal Narratives, Leicester, 1980. 26. H. Gunkel, Genesis, Gdttingen, 1910 (cf. P. Gibert, Une théorie de la légen- de; Hermann Gunkel, Paris, 1979); A. Alt, Kleine Schriften, 4 vols., Stuttgart, 1962; M. Noth, Ueberlieferungsgeschichtliche Studien, Halle, 1943; id. Ueberlieferungs- geschichte des Pentateuch, Stuttgart, 1948; id, Histoire d’Israél, tradugao francesa, Paris, 1954; G. von Rad, Das formgeschichtliche Problem des Hexateuchs, Stuttgart, 1938: id, Gesammelte Studien, 2 vols., Munique, 1958, 1973; W. Mc Kane, Studies on Patriarcal Narratives, Edimburgo, 1979. 27 Schmid, R. Rendtorff, J. van Seters)?’. Nos ciclos patriarcais, haveria mais lendas (Sagen) do que fatos. 4 — Enfim, entrou na histéria 0 estudo sociolégico, mas em nome de filosofias e de mentdlidades bastante diferentes. Essa historiografia se ligara sobretudo as tenses internas e ex- ternas que 0s livros biblicos refletem. A. Causse ja havia pro- posto alguns marcos indicativos*. M. Weber’ pds em evidén- cia os fatores econdmicos. Atualmente, podemos ler os ensaios de G. Mendenhall, de M. Clévenot, de F. Dumortier, de J. Mi- randa, Cl. Wiener, N. Gottwald®° e acima de tudo a critica feita por M. Liverani da Histoire, de R. de Vaux?!. Com-o fim de reduzir as tensdes, Ph. Hyatt tentou uma confrontagdo entre os autores com relacdo ao método a se empregar*?, Mendenhall enfatizou a unidade do mundo poli- tico no qual apareceu Israel, e M. Greenberg deu énfase a uni- dade de Israel na época da conquista. Ambos renderam ho- menagem ao método usado por R. de Vaux, qualificado de “eclético” por J. H. Hayes e J. M. Miller (infra). Segundo es- sa abordagem, a tradicao “preserva e constréi” ao mesmo tem- po*’, Devem-se ter em conta os cultos locais e as tradicdes que os justificam (etiologias). A etnografia com seus estudos so- bre os costumes das tribos e de seus deslocamentos é um fator 27. T. L. Thompson, The Historicity of Patriarcal Narratives, Berlim, 1974; id. The Joseph and Moses Narratives, em Hayes-Miller, infra n. 40; H. H. Schmid, Der sogennante Jahvist; Beobachtungen und Fragen zur Pentateuchforschung, Zurique, 1976; R. Rendtorff, Das Uebertieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch, Ber- lim, 1977, e seu didlogo com outros especialistas em JSOT, 3, 1977; J. Van Seters, Abraham in History and Tradition, Nova lorque-Londres, 1975. 28. Du groupe ethnique a la communauté religieuse, Paris, 1937. 29. Le Judaisme antique, 1921, traducdo francesa Paris, 1970. 30. M. Clévenot, Approches matérialistes de a Bible, Paris, 1976; F. Dumortier, La fin d’une foi tranquille. Bible et changements de civilisation, Paris, 1975; J. Mi- tanda, Marx et la Bible, Salamanca, 1975; G. Mendenhall, Biblical History in Transi- tion, em The Bible and the Ancient Near East. Essays-Albright, Nova lorque, 1961, pp. 32-53; id, The Hebrew Conquest of Palestine, BA 25, 1962, pp. 66-87; N. Gott- wald, The Tribes of Yahweh. A Sociology of Religion of liberated Israel, 1250-1050 BCE, Nova torque, 1979 (Trad. bras. As tribos de lahweh, Ed. Paulinas, Sao Paulo, 1986); A la découverte de la Bible (Hari, Lafont, Rebré, Wiener, Wirth, Editions ou- vriéres), Paris, 1980. 31. OA, XV, 1976, pp. 145-159, e na edicdo de S. Moscati, Latba della Civita, Turim, 1976, I, pp. 277-414; H, pp. 3-126; I] pp. 439-512. 32. The Bible in Modern Scholarship, Nashville-Nova Iorque, 1965. 33. Op. cit. p. 23. 28 importante. A arqueologia, enfim, fornece um quadro geral relativo aos desenvolvimentos culturais e urbanos, mas tem seus limites. Em dois casos, pelo menos (Hai e Jericd)"*, ela s6 po- de ser explicada por meio da interpretacdo de tradicdes**. SINTESES RECENTES 1 — Efetivamente foram esses os principios que R. de Vaux aplicou em sua obra Histoire ancienne d’IsraéP*, infe- lizmente interrompida por sua morte antes de chegar ao esta- belecimento da monarquia. Embora levando em grande conta o ambiente, de Vaux seguiu as etapas biblicas: Patriarcas, Exo- do, estabelecimento em Canaa, periodo dos Juizes. 2 — Geschichte Israels in alttestamentlicher Zeit*" de S. Herrmann, dedicada a A. Alt, qualificada também de “ecléti- ca” por Hayes-Miller, e a Geschichte Israels bis Bar Koche- ba®®, de A. Gunneweg, so muito mais breves. Ambos consa- gram a primeira terca parte do livro ao periodo pré-monarquico, referindo-se aos movimentos dos povos no Antigo Oriente. En- contramos bibliografia e notas cientificas em S. Herrmann. 3 — Depois de haver estudado a organizacdo de Israel co- mo Estado, no quadro do Antigo Oriente, G. Fohrer*’ publi- cou uma Geschichte Israels bis zur heutigen Tagen. De nove capitulos, oito tratam da histéria biblica, com poucas notas, mas com abundante bibliografia por capitulo. 4 — A obra de J. H. Hayes e J. M. Miller, mais ampla e bem documentada, Israelite and Judean History, é do tipo 34. Cf. infra capitulo p. 43. 35. Em Histoire Universelle, edicio La Piégiade (Paris, 1956), deu-se um espaco muito restrito a G. Goossens com relacdo a Israel (pp. 378, 396, 407...). Mais desen- volvida e sugestiva é a Histoire du peuple hébreu, de A. Lemaire, Paris, 1981. 36. Les Patriarches, Paris, 1971; II. Les Juges, Paris, 1973. 37. Munique, 1973, traduc&o inglesa, Fortress Press, 1975. 38, Stuttgart, 1972; 23 edicdo 1976. . 39. Studien zur alttestamentlichen Theologie und Geschichte, Berlim, 1969; Ge- schichte Israels, Heildelberg, 1979. 40. Londres, 1977. Além dos editores, colaboraram: W. Dever e M. Clark (Pa- triarcal Traditions), T. L. Thomposon e D, Irvin (José e Moisés), A. Soggin (Davi 29 coletivo. Servimo-nos dela, como base, muitas vezes, neste es- tudo mais reduzido que segue. ‘ 5 — Enfim, a World History of the Jewish People, An- cient Times“ é uma obra muito mais consideravel, mas ain- da inacabada, suprida de uma bibliografia seletiva. Trata-se de uma obra de sabios judeus, naturalmente muito a par da arqueologia do pais e atualizados quanto aos dados sobre o Oriente Antigo. e Salomao), H. Donner (Israel e Juda), B. Oded (Juda e 0 exilio), G. Widengren (pe- riodo persa)... 41. Seis volumes j4 foram traduzidos para o inglés, de 1971 a 1981, Jerusalém. 30 CAPITULO II AS FONTES Dispomos de fontes muito diversas para chegarmos ao co- nhecimento da histéria politica do antigo Israel. Todas tém o seu valor, mas seu coeficiente de historicidade varia, pois ca- da qual fala 4 sua maneira. A COLETANEA BIBLICA A coletanea biblica! se refere freqiientemente a dados histdricos. 1. Os ordculos dos profetas sio pronunciados em fun¢ao de circunstancias em que se encontra o povo, sendo, porém, que essas circunstAncias nem sempre sdo bem evidentes. Os ord- culos foram postos por escrito, 4s vezes pelos mesmos profe- tas (cf. Is 8,16; 30,8); contudo, o mais das vezes foram recolhi- dos e agrupados pelos seus discipulos. Muitos escritos reve- lam o estilo, a psicologia e as preocupacées do préprio profe- ta; muitos, porém, foram redigidos em tempos mais ou menos remotos dos acontecimentos, como, por exemplo, as narrati- vas sobre Jeremias (Jr 34 - 44). 2. Possuimos, portanto, narrativas concatenadas sobre a vida dos profetas, nado sé de Jeremias, mas também de Isaias (caps. 36 - 39) e até de cenas biogrdficas mais breves (Am 7,10-17). Temos verdadeiros “ciclos” compostos de cenas su- cessivas, relativos aos reis (como a sucessdo de Davi, 2Sm 13 - 20; 1Rs 1 - 2).ou referentes aos predecessores desses reis, pa- triarcas (Abrado, Gn 12 - 24) ou juizes (Gededio, Jz 6 - 9). Ca- be aos historiadores determinar a composi¢ao, 0 alcance e a 1. As introdugdes ao Antigo Testamento tém justamente a finalidade de dar a conhecer o estado da pesquisa sobre a composicdo dos livros ou fragmentos de livros biblicos (O. Eissfeldt, G. Fohrer, G. W. Anderson, A. Soggin, W. Harrington...) Veja-se especialmente P. Auvray, H. Cazelles, M. Delcor, A. Gelin, P. Grelot, H. Lusseau, L. Moulonbou,... Introduction critique & UAncien Testament, Paris, Tournai, 1973. 31 finalidade desses “ciclos”, que, muitas vezes, apresentam des- continuidades. 3. Também as /egislagdes t@m grande valor historico, pois correspondem, se bem que nao a fatos isolados, mas ao me- nos as estruturas sociais sucessivas de Israel. Assim, 0 “cddi- go da alianca” (Ex 20,24-23,19) nao conhece reis, enquanto o Deuteronémio possui uma “lei real” (Dt 17,14-20). Esses c6- digos retomam freqiientemente os mesmos problemas, mas de maneiras divergentes: assim, por exemplo, em Ex 21,12s; Dt 19; Nm 35,9-34, o estatuto do escravo (Ex 21,1-11; Dt 15,12-18; Lv 25,35-46), 0 repouso sabatico (Ex 23,12; 34,21; Dt 5,12-15; Lv 23,3...). Dessa forma se pode determinar a histéria das insti- tuigdes. A DOCUMENTACAO EXTRABIBLICA A coletanea biblica se reporta constantemente a dados geo- graficos: paises, montanhas, vales, rios, cidades... Essa geogra- fia’? deve considerar-se como a primeira fonte da histéria do povo que ali se instalou e viveu, a menos que se possa provar que tal nome sé tem valor simbolico, como, por exemplo, a cidade de Ninive, que levava trés dias para atravessar (Jn 3,3). Contudo, nao haveria uma Ninive simbdlica, se nao tivesse ha- vido antes uma Ninive real. Em nossos dias, conhecemos esta Ninive, bem como conhecemos muitos outros dados da geo- grafia biblica: os mares (Mediterraneo, mar Morto, golfo de Acaba), 0 curso do rio Jordao, as colinas da Samaria, os vales de Jezrael e de Araba, o deserto de Juda... Até o presente sé- culo XX, o clima e o regime das chuvas, a vegetacdo e as cul- turas s6 evoluiram um pouco. Os nomes de muitas cidades e povoados atravessaram séculos e ocupacdes sucessivas: roma- na, bizantina e arabe. Mas nem todos os nomes (toponimicos) sio tao faceis de situar como Jerusalém, Samaria ou Aco (Sado 2. E. M. Abel, Géographie de ta Palestine, 2 vols., Paris, 1933; M. de Buit, Géo- graphie de la Terre Sainte, Paris, 1958; Bibliografia geral sobre os lugares da Terra Santa, E. K, Vogel e B. Holtzclaw, HUCA 42 (1971), pp. 1-92 e 52 (1981), pp. 1-92. Os nomes drabes e hebraicos diferem freqtientemente. 32 Joao de Acre). O mesmo se da com regides como o Galaad além do Jordao e a parte meridional de Juda, chamada Negueb. Esses top6nimos sao freqiientemente mencionados em tex- tos anteriores ou contemporaneos da Biblia. Essas fontes egip- cias’ , Mesopotamicas* ou mais préximas ainda, oeste-semiti- cas*, servem verdadeiramente de referencial histérico e cultu- ral para a Biblia. Devemos enumerar as principais: 1. A documentacdo egipcia é atualmente muito abundante € remonta a uma época que fica para além da invencdo da es- critura hieroglifica (3000 a.C. aprox.). E bem verdade que nem todas se referem a Israel. Mas tém importAncia sobretudo pa- ra Canad e para o litoral da Asia. . Os reis e chefes que fizeram campanhas na Asia sentiram a necessidade de perpetuar a lembranga de seus feitos. Siquém € provavelmente mencionada sob a forma de Secmem sobre a estela comemorativa de um general de Sesdtris III (1800- 1750 aprox.)®. Desta epoca datam também o que chamamos de “textos de execracéo”, nos quais sobre figurinhas sdo “execra- 3. Podem-se consultar facilmente os textos mais extensos dessa documentacdo oriental em J, Briend-M. J. Seux, Textes du Proche Orient et Histoire d’Israél, Paris, 1977; ed. J, Pritchard, Ancient Near East Texts related to the O.T, 3? ed. Princeton, 1969. Com rela¢éo particularmente 4 documentacdo egipcia, veja-se J. Simons, Hand- book for the Study of Egyptian Topographical Lists relating to West Asia, Leyde, 1937; W. Helck, Die Bezichungen Aegyptens zu Vorderasien, Wiesbaden, 1962; Die Bezie- Aungen Aegyptens und Vorderasien zur Agdis bis in 7, Jahrhundert v. Chr, Darm- stadt, 1979. 4. Um Repertoire géographique des textes cunéiformes (Wiesbaden, 1974...) ja esta em seu 4? volume. Veja-se também S. Parpola, Neoassyrian Toponyms, Neukir- chen, 1970. 5. Atualmente a documentacdo se acha mais dispersa. J. Nougayrol e C. Virol- leaud, Palais royal d’Ugarit, 6 vols. (ed. C. Schaffer), Paris, 1956-1965; M. Astour, Continuité et changement dans la toponymie de la Syrie du Nord, em La Toponymie antique, Colloque Strasbourg, 1975, pp. 117-141; R. Dussaud, La Toponymie histori- que de la Syrie antique et médiévale, Paris, 1927; W. Borée, Die alten Ortsnamen Pa- ldstinas, Leipzig, 1930; Cm. Horain, Lidentité des lieux de la Jordanie et de l'Arabie, Gand, 1964. 6. Por esta época, os egipcios vio em busca da turquesa no Sinai e comecam a exploracao do planalto de Serabit-el-Cadim, onde iré aparecer o mais antigo alfa- beto semitico (Estudos e bibliografia de M. Sznycer, Protosinaitiques [inscriptions] em DBS VIII, 1384ss., Paris, 1972). Uma corrente oposta estabelece os semitas no Egito, quer como cativos (W. C. Hayes, A Papyrus of the Late Middle Kingdon in the Brooklyn Museum, Brooklyn, 1955), quer como refugiados (Abisa em Beni-Hassan, cf. W. Shea, BA 1981, 44, pp. 219-228. 33 2 — Histéria Politica de Israel... dos” os principes da futura Palestina que se tornam cidades (entre as quais Jerusalém)’. De ameacadores tornam-se con- quistadores. Esses principes “de paises estrangeiros” (donde seu nome de “‘reis hicsos em lingua egipcia grecizada) domi- nam o Egito de 1750 a 1580 a.C. Os faraés do “Novo Impé- rio” os repelem entdo. E a vez dos exércitos egipcios ocupa- rem a Asia até as margens do Eufrates. A documentacio se torna mais abundante, e os nomes prdprios sao copiosos. A Palestina passa a ser um Huru (hurritas, populacdo n&o-semita), mas ha também o Canaa (0 pais baixo) e o Emor (Amurru, a regido montanhosa). Depois do século XVI a.C., os generais egipcios encontram no vale de Jezrael e em outros lugares os Aperu (hebreus ou hapirn)®, os shosu? (beduinos, muito pro- vavelmente os Beney Set de Nm 24,17, cf. Gn 4,25s). Ramsés II do século XIII fala de Moab, e seu sucessor Mernepta se refere a Edom e Israel (1220 a.C. aprox.)'°. Por volta de 1180, Ramsés III vence os “povos do mar”, dos quais fazem parte os filisteus que se fixam na costa e acabarao por dar o nome 4 Palestina. O Egito se enfraquece, entéo, em parte pelos ata- ques que vém da Libia e, em parte, por causa de discérdias internas. Ainda temos vestigios da presenca egipcia por volta de 1150". Em seguida, se deve aguardar a campanha de Shes- honq I (925 aprox.), que nos proporciona uma longa lista de 7, K. Sethe, Die Aeichtung feindlicher Firsten, Vélker und Dinge auf altaegyp- tischen Tongefissscherben des Mittleren Reiches, Berlim, 1926; G. Posener, Princes et Pays d’Asie et de Nubie; textes hiératiques sur des figurines d’envotitement du Mo- yen Empire, Bruxelas, 1940; id., Les texts denvéutement de Mirgissa, Syria 1966, pp. 277-287; Les Asiatiques en Egypte sous les XII et XIII dynasties Syria 1957, pp. 145-153. 8. J. Bottéro, Le probléme des Habiru a la 4 rencontre assyriologique intzrnatio- nale, Paris, 1954, art. Habiru, RLA (Berlim, 1972), pp. 14-27; H. Cazelles, The He- brews, dans ed. D. Wiseman, Peoples of the O, T. Times, Oxford, 1973, 1-28. 9, R. Giveon, Les Bédouins Shosou des documents égyptiens, Leyde, 1971. 10. E. Engel, Die Siegestele des Merenptah, Bi 1979, pp. 373-399, Briend Seux, p. 67. Coincide também com a época em que o sacerdote egipcio Wenamon vai em busca de madeira no Libano, ndo sem ter que sujeitar-se a humilhacdes. Fato que revela a fraqueza do Egito, cf. ANET, pp. 25-29. 11. B. Rothenberg, Timna, Valley of the Biblical Copper Mines, Londres, 1972, pp. 163s (conferéncias de R. Giveon). 12. Lista XXXIV de J. Simons (Nota 3); B. Mazar, The Campaign of Pharaoh Shishak to Palestine, SVT YV (Congresso de Estrasburgo), Leyde, 1957, pp. 57-66. Nao devemos negligenciar a documentacdo figurada, a dos asidticos pedindo asilo (Beni-Hassan), a dos filisteus (Ramsés II] em Medinet Habu, WF. Edgerton-JA. Wil- son, Historical Records of Ramsés III, Chicago, 1936), a das fortalezas da regiao (mig- 34 cidades capturadas de Israel do norte e do sul. A seguir, a do- cumenta¢ao escasseia. Mas, além dos Anais e dos textos gravados, a época de Ramsés nos deixou uma documentacdo sobre papiro (escritu- ra hieratica), extremamente interessante. Em grande parte, foi usada para a formacao de escribas. Podem tanto ser listas ari- das de nomes proprios ou termos de uso a serem aprendidos (os Onomastica"’) ou ent&o modelos de cartas a serem envia- das, assim como sobre a maneira de acolher os asiaticos (Mis- celénea'*). Existem também textos de carater mais literario: cenas da vida de um faraé (“Novelas”’), poemas épicos so- bre suas vitorias (Ramsés II na batalha de Cades, as margens do Orontes'*), instrugdes sobre a maneira de governar (edital do vizir) ou enfim, em forma de um didlogo muito animado, uma instrucdo completa sobre as rotas da Asia e seus peri- gos!’, 2. As fontes cuneiformes (Mesopotamia, Siria, Asia Me- nor) sao escritas com ferramentas, fazendo-se sulcos com um estilete sobre uma tabuinha de argila. Mas costumavam-se gra- var sinais sobre a pedra dura. Como o proprio pais, essas fon- tes sdo mais dispersas e mais complexas. Nunca devemos es- quecer que a cultura cuneiforme dominou a Siria-Palestina du- rante mais da metade do segundo milénio a.C."*. Encontra- ram-se tais tabuinhas até no Sul (Gazer), antes que o alfabeto o suplantasse. Essas tabuinhas encontradas no local contém listas de nomes, contratos e até fragmentos de uma epopéia. Dessa forma, nos proporcionam certa viséo sobre a atividade urbana. dol). Veja-se ed. Pritchard, Ancient Near Eastern Pictures related to the O. T. (= ANEP), Princeton, 1954, 13. A. Gardiner, Ancient Egyptian Onomastica, Oxford, 1947. 14. R. Caminos, Late Egyptian Miscellanies, Oxford, 1954. . 15. Introduction critique... p. 162; cf. S. Herrmann, Die KGnigsnovelle in Agyp- ten und in Israel, Wiss. Zeit, Karl Marx Univertat, (Festschrift A. Alt) Leipzig, 1953/4 pp. 35-44. 16. Poéme de Pentaour e outros textos em A. Gardiner, The Kadesh Inscriptions of Ramses I, Oxford, 1960; C. Kuentz, La bataille de Qadesh, Le Caire, 1928-1934. 17. Trata-se do papiro Anastasi I: A. Gardiner, Egyptian Hieratic Texts, Leipzig, 1911 (com traducdo); J. Wilson em ANET, pp. 475-479. 18. J. Reade, Mesopotamian Guidelines for Biblical Chronology, Malibu, 1981. Sobre as tabuinhas cuneiformes de Taanak, Siquém e Tel el Hesi, ANET, 490b. 35 Contudo, a documentac&o cuneiforme, para nés muitis- simo importante, nao é aquela que foi encontrada no solo de Canaa. a) As tabuinhas, em numero de aproximadamente 16.000, referentes a arquivos, descobertos pela miss4o italiana em Ebla na Siria, depois de 1974, remontam ao terceiro milénio (por volta de 2400-2300) e certamente tém algo a nos dizer em vista da intensa atividade dessa cidade imperial. Mas os textos sdo dificeis, e deveremos aguardar que os peritos entrem em acor- do”. b) Os arquivos do palacio de Mari, as margens do Eufra- tes, destruido por volta de 1750 a.C., nos do a conhecer a civilizacéo e a atividade dos amoritas, semitas do oeste, que precederam aos israelitas (cf. Ez 16,3; Gn 15,16). Trata-se de pecas administrativas e de cartas trocadas com principes es- trangeiros e oficiais do reino. Informam-nos sobre os movi- mentos das tribos né6mades e semi-ndmades que gravitam ao redor das pequenas capitais (Haneus, Sutu, Hapiru)”°. O co- mércio da cidade se estende até Hasor, na Galiléia, mas igno- ra O Egito. c) Em seguida, vém os arquivos cuneiformes de Hatusa, a capital do Reino Hitita, da Asia Menor”!, que saqueara a Babilénia no século XVI ¢ se estendera até a Siria, alijando a dominacdo egipcia. A rica cidade de Ugarit’? passa a ser seu protetorado. Hatusa foi destruida por ocasiao da invasio dos 19. P. Matthiae, Ebla, un impero ritrovato, Turim, 1977; G. Pettinato, Ebla, um impero inciso nell’argila, Milao, 1979. O mesmo autor ja publicou trés colegdes de catalagos e cépias. Podemos seguir o desenvolvimento da decifragdo em Studi Eblai- ta, Roma. 20. Os textos estdio publicados em Archives royales de Mari (ARM: Dossin, Jean, Bottéro, Burke, Finet...). Cf. Jz. Kupper, Les Nomades en Mésopotamie au temps des rois de Mari, Paris, 1957; Sutéens et Hapiru RA 1961, pp. 197-200. M. Heltzer, The Suteans, Napoles, 1981. Possufmos muitas outras informacées sobre o relacionamen- to dos babilénios e dos povos do oeste (amoritas), cf. P. Garelli, Le Proche Orient Asiatique; des origines & Vinvasion des peuples de la Mer, Paris, 1969, e a nova edicao da Cambridge Ancient History Ul, 1 e 2, Cambridge, 1973, 1975. 21. E. Laroche, Catalogue des Textes Hittites, 2? edic&o, Paris, 1971. 22. Vista de conjunto em Ras-Shamra (Ugarit) DBS IX. 1124-1466 (J. C. Cour- tois, M. Liverani, D. Arnaud, E. Laroche, A, Caquot, M. Sznyczer, E. Jacob, H. Ca- zelles, J. Cunchillos). 36 “Povos do Mar”, no fim do século XVI a.C. Ali se descobri- ram arquivos publicos, bibliotecas particulares e textos religiosos que langam luz sobre a religiaéo cananéia. Os arquivos publi- cos apresentam a documentacao de Hatusa e ilustram o fun- cionamento de uma pequena capital semitica. Mas a popula- ¢4o é, na maioria, hurrita, populacéo ndo-semitica que des- ceu do Caucaso. Os hititas se chocaram com esses hurritas e com 0 Reino de Mitani, na curva do Eufrates. Esse reino era governado por uma aristocracia indo-européia. Os indo-euro- peus se dirigirdo para a India, e os hurritas para o leste do Ti- gre (arquivos de Nuzi)*. Mas uns e outros chegardo até o sul da costa, nos confins do Egito. d) Nés 0 sabemos por meio das cartas cuneiformes en- contradas em Te/l-el-Amarna*‘, no Egito, capital efémera do Farad Amenofis IV, na primeira metade do século XIV a.C. No momento, possuimos 380 documentos, sobretudo cartas diplomaticas trocadas com grandes reis (Babilénia, Mitani, Hi- titas, Chipre) e reis vassalos da Siria-Palestina. Os nomes des- ses reis sdo semiticos, indo-europeus e hurritas e, entre estes ultimos, o rei de Jerusalém, Abdi-Heba. Esses reis vassalos sio atacados pelos hapiru. Mas ainda nao se menciona Israel nes- sa regido. e) O periodo seguinte se ilustra pelos Anais dos reis da Assiria (periodo médio assirio)*>. Um rei da Assiria tinha che- gado até o Libano antes da pressao hitita. A partir do século XIV, os assirios lutam com os hititas, mas sobretudo com as tribos chamadas alamu da Siria. E entre estes uiltimos que apa- recem no fim do século XII a.C. os arameus, que sao aparen- tados com os israelitas (Dt 26,5). Durante mais ou menos dois séculos, da-se um eclipse do poderio assfrio. Observa-se um declinio semelhante na Babi- 23. DBS VI, co. 646-674 (R. Tournay). 24, DBS I, 207-225 (Dhorme). Dispomos das edicgdes de Knutzon, Mercer, en- quanto se aguarda a edicao de W. Moran. Excertos em Briend-Seux, pp. 47-61. Veja- se também p. 41, nota 42. 25. A. K. Grayson, Assyrian Royal Inscriptions, 2 vols. publicados (até 859 aC.}, Wiesbaden, 1972, 1976. D. D, Luckenbill, Ancient Records of Assyria and Babylo- nia, 2 vols., Chicago 1926/7. 37 lénia, Egito e dos hititas. Mas, a partir do século IX aC., os conquistadores assirios retomam a ofensiva. Assurbanipal II (883-859 a.C.) chega até a Siria e o Libano. Em 853, Salma- nassar III se choca com a coalizio em Carcar, as margens do Orontes. Entre os coligados, os Anais do rei assirio mencio- nam Acab, 0 israelita”*. As informacées se multiplicam. Em 840, é de Jeu que Sal- manassar recebe 0 tributo. Jeu fundou uma nova dinastia, mas os Anais o qualificam como “filho de Amri” (0 pai de Acab)’’, Jods, de Israel, pertence 4 mesma dinastia e, por vol- ta de 800, se liberta da tutela dos arameus de Damasco, gracas ao apoio de Adadnirari III da Assiria. Todavia, a partir de 743 a.C., 0 progresso fulminante de Teglat-Falasar III (745-727, cf. 2Rs 15,29) faz reconciliarem-se Aram e Israel, mas para a rui- na de ambos. Gracas aos Anais (mutilados) desse rei e gracas as listas que apresentavam ano por ano o nome do funciona- rio titular (limmu)” e um alto feito do governo, podemos se- guir de perto a politica internacional, ao tempo de Isaias. E no tempo desse profeta que Sargon II (722-705) se encarrega da tomada da Samaria e que Senaquerib (705-681) menciona o cerco de Jerusalém e o rei Ezequias (701). Em seus Anais, seus sucessores, Asaradon (681-669) e Assurbanipal (o Sarda- napal dos gregos) conhecem Manassés, filho de Ezequias. Os assirios fazem, entao, campanha no Egito e tomam Ménfis e Tebas (664, a No-Amon de Na 3,8). f) A partir de 638/7, os grandes Anais assirios se calam, embora tenhamos ainda inscricdes dos fracos sucessores de As- surbanipal e documentos particulares bem datados que per- mitem seguir a agonia da Assiria. Trata-se das Crénicas neo- babilénias”, de Nabopalassar (626-605) e de Nabucodonosor II (605-562), que sdo as mais exatas sobre a politica interna- cional. Uma delas nos fornece a data exata da primeira toma- da de Jerusalém, o dia 2 do més de Adar, do sétimo ano de Nabucodonosor (16 ou 17 de marco de 597 a.C.). Esse aconte- 26. ANET p. 279a. Briend-Seux, p. 86. 21, ANET 280b. Briend-Seux, p. 88. 28. Listas em RLA Datenlisten, Eponymen, Konigslisten. 29. Ultimamente, A. K. Grayson, Assyrian and Babylonian Chronicles, Nova Ior- que, 1975. J. A. Brinkman, A Political History of Post Kassite Babylonia, Roma, 1968. 38 cimento acarreta a elevacdo de Sedecias, 0 ultimo rei de Jeru- salém. g) Outros documentos babilénicos nos informam sobre o cativeiro de Joaquin, pequeno rei destronado e sobre os su- cessores de Nabucodonosor. Evil-Merodac (562-560) agracia Joaquin. Nab6nides é destronado pelo conquistador persa, Ci- ro, em 539, que autoriza a volta dos exilados e a restauracado do culto em Jerusalém. As inscrigdes dos reis persas®® sao nu- merosas, sobretudo as de Dario (522-486), que autorizara a re- constru¢ao do Templo. Isso é um dos aspectos da politica reli- giosa dos aquemenidas, dos Darios e os Artaxerxes. A lingua administrativa nao € 0 persa, mas o aramaico, e é nessa lingua que sao redigidos os documentos, as cartas e peticdes encon- trados no Egito (Elefantina, Hermdpolis...) e no vale do Jor- dao*!. Assim, temos alguns flashes das comunidades judaicas, no mundo dos séculos V e VI. 3. Esses documentos ja se deveriam classificar entre as fon- tes oeste-semiticas recentes. Elas sio essencialmente epigrafi- cas, mais breves e menos abundantes do que aquelas das gran- des culturas precedentes. S6 comecam em meados do 2° milé- nio, com a invencdo dos alfabetos. Os mais antigos exempla- res parecem ser as inscri¢6es chamadas proto-sinaiticas**, das quais de resto se tém sinais em Canad. Sado pouco numerosas e mal decifradas. As tabuinhas de Ugarit*, ligeiramente pos- teriores (de 1400-1200 aprox.), so pelo coritrario numerosas e bem decifradas, completando os documentos cuneiformes aci- ma mencionados (p. 36). Informam mais sobre lendas e costu- mes da civilizagéo cananéia do que sobre acontecimentos bi- blicos. O alfabeto ugaritico estende sua influéncia até Canaa. O alfabeto fenicio aparece no século XII a.C.**. E 0 que sera utilizado pela literatura israelita e pelos vizinhos de Israel: 30. Reunidas em R.G. Kent, Old Persian, Grammar, Text, Lexicon, New Haven (Conn), 1950. Uma edicdo francesa esta sendo preparada por Melle Cl. Herrenschmidt. 31. Veja p. 231, notas 98 e 104. 32. M. Sznycer, Profosinaitiques (Inscriptions) DBS VII, 1384-1395, Ha divi- das sobre a data exata: por volta de 1700, para os egiptdlogos, e por volta de 1500, para os semitizantes. 33. Veja nota 22. A. Caquot e M. Sznycer, Zextes Ougaritiques 1, Paris, 1974. 34. Ostraco de izbet-Sarta e flecha de El-Hadr nas cercanias de Belém. 39 fenicios, arameus, amonitas, moabitas, edomitas**. Sdo bre- ves e escassos, do século XII ao X (Jeimilk, Airam, Abibaal e Elibaal de Biblos) e s6 interessam indiretamente a Israel. Os do século IX, pelo contrdrio, interessam mais a histéria bibli- ca. Merecem atencdo as inscrigdes de Ben-Adad de Damasco (cf. IRs 15,18), a do rei Mesa de Moab (2Rs 3,4ss.), a de Zacur de Hamat, adversdrio de Ben-Adad, filho de Hazael (cf. 2Rs 8,8ss.) e até a de Quilamuva de Samal, das cercanias de Car- quemis, nas margens do Eufrates. A situacdo melhora no século VII, época de Teglat-Falasar III e de Isaias: Azitavada, Cilicia, Matiel de Arpad, na Siria, Panammu e Bar Recub, herdeiros de Quilamuva de Samal. O século VII é mais pobre, mas nao sem interesse com relagdo ao_tempo de Jeremias: Aminadad de Amon, o sacerdote de Neirab perto de Alepo, os dstracos (inscricdes sobre fragmen- tos de ceramica) de Assur, e, enfim, a carta enderecada ao fa- rao por um principe que ameaca com as vitérias de Nabuco- donosor. Entre as incrigdes dos séculos VI e V, encontramos a lista dos reis de Sid6nia e o epitafio do jovem Esmunazar*. No século IV, a documentac4o se torna abundante com rela- c4o aos arredores do Mediterraneo, chegando até a India, no século III. INSCRICOES E ARQUEOLOGIA DE ISRAEL Embora ja tenhamos feito alus&o as inscric6es encontra- das no pais da Biblia, devemos dar um lugar a parte para as inscricdes hebraicas*” encontradas na Palestina. Sao relativa- mente numerosas, mas infelizmente estao, em geral, em mau estado e de dificil utilizagao para a historia de Israel. 35. Coleténea H. Donner e W. R6llig, Kanaandische und Aramdische Inschrift- en (= KAI), 23 edico, Wiesbaden 1966. 36. M. Dunand, Les rois de Sidon au Temps des Perses, MUSJ XLIX, 1975/6 (Trabalhos... H. Fleisch), pp. 489-500. 37. A. Lemaire, Inscriptions hébraiiques, 1 Les ostraca, Paris, 1977. D. Pardee fez um resumo inteligente dessas inscricdes para a historia, Literary Sources for the History of Palestine and Syria, AUSS XVI, 1979, pp. 47-70. Com relac&o a porme- nores, veja abaixo pp. 159, 165-168, 177ss. 40 1. As mais importantes s4o as cinco linhas gravadas no canal de Siloé pelos operarios de Ezequias, por ocasiao da per- furacdo (pouco antes de 701, cf. 2Rs 20,20), e as cartas ou ds- tracos de Laquis, contemporaneos de uma campanha de Na- bucodonosor no tempo de Jeremias (Jr 34,7). Um comandan- te militar escreve a seu chefe, Jaos, por ocasiao do cerco da cidade e fala de um “profeta”. 2. A tabuinha de Guezer (século X) nos da a conhecer a sucessdo anual dos trabalhos agricolas. Mais de cem cartas ou documentos administrativos, escritos entre os séculos X e VI, foram encontrados em Arad, perto da fronteira de Edom®®, A maior parte data do fim desse periodo. Fala-se de um templo de YHWH, de uma campanha edomita (cf. 2Rs 24,2), de Qui- tim (cf. Nm 24,23; Jr 2,10), de uma série de cidades registra- das pelo livro de Josué (cap. 15) e de nomes proprios que a Biblia menciona por ocasiao da volta do exilio. 3. Os dstracos de Samaria® datam do século III e nos in- formam sobre a administracdo do reino do Norte, no tempo antes de sua queda (722), e sobre as localidades vizinhas. E entao que os selos*® se tornam abundantes. Neles, encontra- mos titulos de funciondrios e até de um “sacerdote de Dor”, situada na costa. No fim desse século e comeco do século VII, aparecem as marcas sobre jarros*' gravadas ao redor do dis- co real de 4 ou duas asas. Demonstram uma organizacao do reino de Juda, muito provavelmente em funcao da escolha de quatro pontos de distribuicéo: Hebron, Zif, Soco, e Mmst (?). Existem também marcas particulares encontradas sobretudo em Gabaon”®. 38. A. Lemaire, op. cit., pp. 146-235; ¥. Aharoni, Ketuvét Arad (hebraico), Jeru- salém, 1975, tradugdo inglesa Arad Inscriptions, 1962. 39. A. Lemaire, op. cit, pp. 23-81. 40. F. Vattioni, / sigilli ebraici, Bi 50, 1969, pp. 357-388. H. Hestrin-M.Dyagi Men- deles; Hotam6t miyamey bet rishon ivriyin, ammoniyim... Jerusalém, 1978 (cf. F. Is- rael, AION 39, 1979, pp. 515-8). 41. A. Lemaire, Classification des estampilles royales, Eretz Israel 15, 1980, pp. 54-60; P. Welten, Die KOnigsstempel. Ein Beitrag zur Militdr-Politik Judas unter His- kia und Josia, Wiesbaden, 1969. 42. J. Pritchard, Hebrew Inscriptions and Stamps from Gibeon, Filadélfia, 1959. Em Tel Qasile, perto de Tel Aviv, encontraram-se dois éstracos que mencionam o ou- ro de Ofir (cf. 1Cr 29,4). A. Mazar, DBS [X, 587-597. 41

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