Ainda imbuído do espírito da quadra natalícia, quero dizer a todos que
vou assassinar a próxima pessoa que me enviar um SMS a desejar bom ano novo. E sei que o leitor partilha a minha raiva. Isto da amizade é dos piores flagelos do mundo moderno. Porque o mundo moderno, estupidamente, oferece um vasto leque de opções para os amigos nos mandarem mensagens. Ou seja, o mundo moderno meteu a pata na poça mais uma vez. São mensagens de bom ano novo a chegar em catadupa e a provocarem um mau fim de ano velho, na medida em que temos de estar a apagá-las todas. Posso dizer-vos que tenho o polegar em carne viva. Reparem: ao fim das primeiras 600 mensagens, nós já percebemos a ideia. Os nossos amigos querem que nós tenhamos um bom ano. Obrigado. Sinceramente. Agradecemos a todos. Mas agora parem de mandar mensagens, por favor. Nós prometemos que vamos ter um bom ano. Parem de desejar. A sério. E, para o ano, organizem-se: mandem uma mensagem apenas a dizer “Bom ano de todos os teus amigos.” Revezem-se, e cada ano manda um. O ideal talvez seja cortar relações com todos os nossos amigos na semana anterior ao Natal e reatá-las apenas em meados de Janeiro. Evitam-se as mensagens e, até, a troca de presentes uma vantagem nada negligenciável. E a verdade é que o Natal é a altura em que menos precisamos dos amigos porque, de qualquer maneira, as pessoas vão ser nossas amigas por dever sazonal. Se me permitem, gostaria mesmo de pôr em causa toda a filosofia da mensagem de bom ano novo. Que sentido faz desejar bons períodos de tempo? E porquê “bom ano novo” e não “desejo-te um rico semestre”, ou “espero que passes um excelente quarto de hora”? Será que, em Março, o desejo que formulámos em Dezembro ainda está a fazer efeito? Nesse caso, para poupar tempo, talvez não seja mal pensado começar a desejar “Bom quinquénio”. Arruma-se a questão durante um bom período de tempo. Ricardo Araújo Pereira, Boca do Inferno, Ed. Tinta da China