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Roteiro

CENA 01 - INT. - SALA DE AULA DE JUNIO - DIA


Sala cheia de crianças (entre 09 e 10 anos), meninas e
meninos fardados, fazendo porta-retratos de palito de picolé
para presentear seus pais para o Dia dos Pai. JUNIO, 10
anos, também fardado, está concentrado fazendo com capricho
seu presente. Eles escrevem na borda superior a frase: "Meu
pai, meu herói". As crianças colocam as fotos suas com seus
pais. Junio faz um desenho dele com seu sai, uma mistura de
super herói com timbaleiro. Junio coloca o desenho no porta
retrato. A professora se aproxima.

PROFESSORA
Ei, Junio, você esqueceu a foto com
seu pai?
JUNIO
(constrangido)
Foi. Mas o desenho ficou massa,
né?!
PROFESSORA
É... Bora pro exercício.

As crianças vão apresentando seus pais com o porta-retrato


na mão com uma foto. Criança 01 apresenta seu pai. Enquanto
as crianças falam, Junio fica suando frio, ansioso por sua
vez.

CRIANÇA 01
Meu pai trabalha de noite...
CRIANÇA 02
Segurança.

CRIANÇA 04
Lobisomem.
CRIANÇA 01
Não. Ele veste roupa social...

CRIANÇA 04
Coveiro.
CRIANÇA 03
Cantor.

CRIANÇA 04
Oxe, até parece esse aí é filho de
cantor.

(CONTINUED)
CONTINUED: 2.

CRIANÇA 01
Ele serve comida, bebida,
sobremesa.
TODOS
Garçom.
Criança 02 apresenta seu pai.
CRIANÇA 02
Painho cuida de pessoas doentes.

TODOS
Médico.
CRIANÇA 02
Errou.

CRIANÇA 01
É o que então?
CRIANÇA 02
Enfermeiro.

CRIANÇA 01
Mesma coisa, só que ganha pior.
CRIANÇA 03
Nunca vi homem enfermeiro.

CRIANÇA 04
O pai do Carlinho é mulher.
Riem.

CRIANÇA 02
(fala sério)
Não é nada, meu pai vê muitas
pepecas todos os dias.

As crianças riem.
Criança 03 apresenta seu pai.
CRIANÇA 03
Meu pai ajuda as pessoas.

CRIANÇA 01
Ajudante.
CRIANÇA 02
Padre.

(CONTINUED)
CONTINUED: 3.

CRIANÇA 04
Irmã Dulce.
CRIANÇA 03
Ele empresta dinheiro...

CRIANÇA 02
O homem do banco.
CRIANÇA 03
Mas quando não pagam, ele vai com
os amigos dele na casa da pessoa e
quebram tudo, se não pagar, eles...
A professora percebe para onde vai a conversa e interrompe.
PROFESSORA
(interrompe)
Já entendemos, vá se sentar. Falta
mais alguém?
Junio escorrega na cadeira para não ser visto.

PROFESSORA
Vem Junio, só falta você.
Constrangido, Junio vai andando até a frente da sala. Ele
está tenso e suando frio (vê os colegas destorcidos enquanto
caminha até a frente). Silêncio.

CRIANÇA 01
Bora Junio...
JUNIO
Meu pai...

Silêncio.
CRIANÇA 02
É mudo?

Riem.
JUNIO
Nada disso, meu pai fez um trio
elétrico andar.

CRIANÇA 01
Motorista.
CRIANÇA 02
Mecânico.

(CONTINUED)
CONTINUED: 4.

CRIANÇA 04
Chicleteiro.
JUNIO
Não, meu pai empurrou um trio
elétrico todo com uma mão só.

As crianças arregalam os olhos. Junio começa a se animar com


a mentira.
JUNIO
Painho estava na final do
brasileiro de 89.
CRIANÇA 01
Gandula.

CRIANÇA 02
Massagista.
CRIANÇA 03
Mascote.

JUNIO
Sabe o gol decisivo?... Meu pai...
TODOS
Ohhhhh!!!

JUNIO
E tem mais, conhecem aquela música
"segura o tchan, amarra o tchan,
segura o tchan tchan tchan
tchan"... Painho que fez.

TODOS
Ual!!!!
JUNIO
O Elevador Lacerda, a Fonte Nova e
o Farol da Barra, quem
construiu?... A moqueca, o acarajé
e o geladinho de tapioca, quem
inventou?... Olodum, Timbalada,
Daniela Mercury e Sarajane, quem
gravou o disco?...

CRIANÇA 04
Seu pai, Junio?
Junio, orgulhoso, faz que "sim" com a cabeça. Todos aplaudem

(CONTINUED)
CONTINUED: 5.

CRIANÇA 02
Eu queria ter um pai como o de
Junio.
CRIANÇA 01
Junio do céu, mostre a foto de seu
pai.
Junio mostra o porta-retrato com o desenho que ele fez.
CRIANÇA 03
Mas isso é desenho, cadê a foto de
seu pai?
JUNIO
Painho não cabe em uma foto.

Junio sorri orgulhoso.

CENA 02 - ANIMAÇÃO/EFEITOS - IMAGINAÇÃO DE JUNIO


IMAGINAÇÃO 01:

Uma revista em quadrinhos vai sendo folheada e vemos os


feitos do pai de Junio (em desenho, Junio sempre o
acompanha). Ex. Pai empurrando trio elétrico; construindo a
Fonte Nova...

IMAGINAÇÃO 02:
Junio e seu pai estão dentro de um jogo de video game (Super
Nintendo - 2D) jogando futebol. Eles trocam passes, fazem o
gol e comemoram com um abraço.

Imaginação 03
Junio pega uma figurinha com o rosto do pai com o nome: "Pai
de Junio" e cola no álbum de figurinhas da Seleção
Brasileira.

IMAGINAÇÃO 04:
Junio e painho dentro de uma partitura musical compondo de
"Segura o Tchan".

WALTINHO
(voz over)
É mentira.
6.

CENA 01 - INT. - SALA DE AULA DE JUNIO - DIA (CONTINUAÇÃO)


Com a fala de Waltinho, Junio sai do sonho. WALTINHO, 10
anos, também fardado, sai do fundo da sala (escuro) e vai
andando pelo corredor de alunos até a frente da sala.

CRIANÇA 01
É o que Waltinho?
WALTINHO
O Junio tá mentindo.

JUNIO
Tô nada.
WALTINHO
Tá sim, rapaz. Pensa que não lhe
conheço? Sou seu vizinho.
JUNIO
E daí?
WALTINHO
Daí que eu sei que você tá de
lorota. O Junio não tem pai.
Junio fica com ódio.
JUNIO
Loroteiro é você. Todo mundo tem
pai, não é mesmo Pró?
WALTINHO
Mas o seu foi embora. Moro de junto
da casa de Junio e nunca vi homem
nenhum naquela casa.
JUNIO
Painho é reservado...

WALTINHO
Mentira! Mainha me falou que o pai
não quis a mãe dele.
TODOS
Ihhhhh...

JUNIO
Vai colocar mãe no meio? Mainha bem
que me disse pra não andar com
você. Que você é igual a Cintia,
sua mãe: boca de afofo.

(CONTINUED)
CONTINUED: 7.

TODOS
Ihhhh...
WALTINHO
Então me diga Junio, qual é o nome
de seu pai.

JUNIO
Meu pai, meu pai...
Junio gagueja e fica sem reação.

WALTINHO
Tô dizendo, turma, tem pai é nada.
TODOS
Mentiroso, tantantan, mentiroso,
tantantan...
Junio fica cabisbaixo.

CENA 03 - INT. - QUARTO DE JUNIO - DIA

AINDA OUVIMOS EM OVER AS CRIANÇAS CANTANDO (agora com sons


distorcidos e opressores).
TODOS
Mentiroso, tantantan, mentiroso,
tantantan...
Junio fica um tempo diante do armário. Ele abre o armário
com o porta retrato na mão. Ele abre um fundo falso no piso
do móvel. Dentro estão vários porta-retratos que Junio fez
para seu pai ao longo dos anos na escola. Ele coloca o novo
porta-retrato junto aos demais. OUVIMOS MAINHA ENTRANDO NA
CASA (ela já vem falando da rua).
MAINHA
(voz over)
Que nada! Ofender meu Junio, não
mesmo. Eu já disse a Cintia pra
segurar esse filho dela... Junio,
não fique chorando não, que nada,
deixe de ser besta. Junio, cadê
você?... Mexa comigo, mas não mexa
com meu filho... Junio?
Junio fecha rapidamente o fundo falso do armário e deita-se
na cama.

(CONTINUED)
CONTINUED: 8.

MAINHA
Eu não quero você com esse filho de
Cintia, EU NÃO QUERO!... É pra
aprender, pra não dar mais ousadia.
Esse menino parece que tem o diabo,
perturbado, não coma raggae dele
não, filho. Esse menino espótico...
Amigo de filho é pai e mãe, alias
não, amiga é mãe. Sua amiga sou
eu...

Mainha chega na porta e vê que está trancada.


MAINHA
Essa porta está trancada por quê?
Tá escondendo o que?... Não fique
assim não, meu filho. Deixe de ser
besta abre a porta. Bora!
Mainha começa a bater na porta.
MAINHA
Se ele fizer isso de novo, meta a
mão na cara dele, ruma o caderno
nele, pode rumar, diga que foi eu
que mandei. Abra essa porta, ABRE A
PORTA ESSA PORTA, JUNIO, ABRA.
Junio abre a porta. Vemos Mainha da cintura para baixo
(câmera na altura da criança).
MAINHA
Levante a cabeça... Engula o
choro... Mas é isso mesmo, dentro
de casa você sabe fazer mal criação
com sua mãe né?!, porque você é
valente com o povo de dentro de
casa, mas com o povo de fora você é
sim senhor, sim senhora. Humbora
Junio, você nascido e criado no
freezer não vai perder pra
geladinho, né?!... Se anime, que a
gente vive hoje pra viver amanhã.
Mainha sai falando. Junio fica parado, depois fecha a porta.

15 ANOS DEPOIS
9.

CENA 04 - INT. - SALA DA CASA DE MAINHA E JUNIO - DIA


MAINHA, 40 anos, com roupas esportivas, entra na sala com
semblante leve, plena. Ela despacha a porta (jogar água na
porta de casa), tranquila, e faz uma série de alongamentos.
Vai em direção à varanda.

MAINHA
(doce - cantando)
"Deixa a luz do céu entrar; Deixa a
luz do céu entrar"

Abre a porta da varanda. Mainha começa a se espreguiçar


lentamente. E ouve o som irritante de uma maquita que vem do
lado de fora da casa. OS SONS DA RUA INVADEM A MANHÃ
SILENCIOSA.

MAINHA
(para o vizinho, Cícero)
Isso é hora Cicero? A pessoa acorda
na paz e já encontra tentação. Que
inferno!

O som da maquita para. Ela tenta se alongar novamente e é


interrompida pelo mesmo som. Então irrita-se e vai para a
janela tomar parte da vizinhança. Nessa sequência Mainha
quebra a quarta parede, fica no jogo de falar com o pessoal
da rua e com o espectador.

MAINHA
(falando com o espectador -
quebra da quarta parece)
Olhe minha filha, aqui na rua a
perturbação começa é cedo. Não tem
namastê que dê conta. Sete horas da
manhã, o dono da rua já acha que é
mecânico. No meu carro ele não
trisca, que dá outra vez ele pegou
e ficou foi pior. Como é aquele
ditado mesmo... Nessa vida tudo tem
um conserto. Ah, não, é outro, é
não há nada ruim que não possa
ficar pior. Que nada! Oia, sete
hora da manhã deu agora, e seis
horas Pedro Bó já tava em Dona
Maria tomando fubuia. E ainda quer
vir pra minha porta, trocando as
pernas, pedindo água, neca de
catibiriba! Tá achando que eu sou
remédio? ahhhhhhhh, o que não tem
remédio, remediado está! Falando em
água...
(para Junio)
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 10.

MAINHA (cont’d)
Junio, o galão tá ali seco. Procura
ir lá em Bisteca comprar outro, pra
eu não ficar aqui morta de sede.
(falando com o espectador)
Bisteca é outra, vende aqueles
frango pela hora da morte, quando
você bota na mesa o bicho tá todo
ossudo.
JUNIO
(voz over)
Mas, Mainha, a senhora vive
comprando fiado lá...
MAINHA
(para Junio)
Compravaaaaa... Ainda mais agora
que ela tá com essa história de
combo. Frango com refrigerante? Eu
fora!
(para Cintia)
O que é Cintia?

JUNIO
(voz over)
Mainha fale baixo ai, to vendo
televisão, pelo amor de Deus.

MAINHA
(para Junio)
Fala baixo uma banana, que a casa é
minha, quem manda aqui sou eu.
Nunca vi orelha passar cabeça!
(falando com o espectador)
Aqui não é a casa de Edite não, que
os filho dela montam nela, faz com
ela o que quiser, gato e sapato.
Minha criação é ali, ó, na rédea
curta.
(falando sozinha)
Oia ele ali, ó.
Mainha olha pra baixo e observa o menino passando.
MAINHA
(para vizinho)
Oi, Elso, como vai sua mãe? Diga a
Edite que mandei lembrança...
(falando com o espectador)
Não suporto essa mulher. Lá vai o
otro ali, ó, Waltinho. O menino
passa aqui na rua parecendo o
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 11.

MAINHA (cont’d)
satanás desfilando. Parece um
pedaço de cavalo: ô, menino sem
modo, maleducado, bate a porta de
lá da casa dele, treme minha janela
de cá.
(fala sozinha)
Menino mentiroso, cínico...
ESPÓTICO! Ô, puxou à mãe: Cintia.
Mulher sumítica! Carne de pescoço.
(falando com o espectador)
Ela é assim, toma parte da vida de
todo mundo da rua. Você chega em
casa com uma compra na mão, ela
sabe o que é o saco do milho verde,
o que é o saco da ervilha.
Fofoqueira, fuxiqueira e caloteira.
Compro lingerie na minha revista e
não pagou até hoje.
Bate na boca quatro vezes.
MAINHA
(fala sozinha)
Errada fui eu que vendi pra ela.
Olhando pro menino que passa.

MAINHA
(para vizinho)
O que é que esse menino, tá fazendo
aqui? Que milagre que eu nunca vejo
ele na rua. VAI PRA ESCOLA NÂO,
MAXUEL? VAI PERDER O HORARIO DA
AULA.
(para o espectador)
Ô, a mãe deixa o dia todo no
pliqueplique do videogame - no
vício. Quer fazer a vontade de
mais...

Junio aumenta o som da TV. Mainha sai da varanda e entra na


sala. Nesse diálogo, Mainha ameaça sair várias vezes e
sempre retorna com alguma recomendação ao filho. Agora vemos
Junio deitado no sofá.

JUNIO
Ô Mainha, a senhora não ia pra
ginástica, não, é?
MAINHA
Abaixe, abaixe pra eu não desligar
na tomada. Que é Junio, tá querendo
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 12.

MAINHA (cont’d)
me controlar, é? Tô esperando o
cortejo fitness passar.

JUNIO
A senhora diz que vai sair e fica
ai falando sozinha um tempão.
MAINHA
Tô esperando Fátima! É bom você
tratar de lavar o banheiro, pra ver
se tira aquela inhaca, que eu não
tô criando bicho pra tá essa
fedentina invadindo sala, tomando
conta da casa entrando na minha
narina. Eu não sei onde foi que
você aprendeu a ser assim.
Ouvimos o cortejo fitness passando na rua. O cortejo são
várias SENHORAS de 40 à 70 anos fazendo ginástica pelas
ruas. A frente vem um INSTRUTOR, rapaz jovem e forte puxando
o coro.
CORTEJO FITNESS
(Cantando repetidas vezes)
1, 2, 3,
4, 5 mil,
eu posso tá velha,
mas ainda tô barril!!!
MAINHA
(para a rua)
Já vou Fátima...
(para Junio)
Eu que volte, viu, Junio, e a casa
teja bagunçada, pá você ver.
(para a rua)
Já vou, Lieta!
(para Junio)
Tu não vai pra academia nenhum com
a casa bagunçada.
(fala sozinha)
Marlene! Rita! Zuleica. Ah, Teteca
veio!!!!

Mainha desce as escadas correndo, saltitante.


MAINHA
(descendo as escadas - voz
over)
Junio, vou voltar pro almoço. Vou
passar na feira. E não se esqueça
que hoje é aniversário de sua avó.
Tem festa a noite...

(CONTINUED)
CONTINUED: 13.

Junio levanta-se do sofá e vai até a janela conferir se


Mainha foi embora mesmo. Vemos Mainha junto ao cortejo
descendo a rua. Junio sai em direção ao quarto, mas no meio
do caminho fica entretido com a TV. Senta-se e assiste o
filme Star Wars (uma paródia feita para o filme "Na Rédea
Curta"). Na TV:
DARTH VADER
Obi-Wan nunca lhe contou o que
aconteceu com seu pai?

LUCK SKYWALKER
Ele me disse o suficiente. Que foi
você quem matou ele.
DARTH VADER
Não. Eu sou seu pai.

Junio, ao ver a cena, fica emocionado.

CENA 05 - INT. - QUARTO DE JUNIO - DIA

Junio está diante do armário, segue trilha musical que


embalou a cena-paródia de Star Wars na sequência anterior.
Remetemos ao passado de Junio diante do armário (cena 03).
Junio abre o armário, mas, dessa vez, sai KEYLANE, 30 anos,
com roupa amassada e cabelos despenteados. Ela sai toda
torta e quase sem ar.

KEYLANE
Foi a última vez que eu fiquei aqui
nesse armário, oxe. Quase duas
horas aqui dentro, parecendo uma
caixa de sucrilho.
Keylane tem alguns tiques de grávida (mão nas costas,
envergadura no corpo, carinho na barriga).
JUNIOR
Foi mal, amor. Mainha que demorou
pra sair.
KEYLANE
Eu não sou uma qualquer, não, pra
tá passando por isso. Oxe! Mulher
que nem eu você não encontra em
qualquer esquina, não, meu amor.
Você tem que se impor dentro de
casa, Junio. Não é normal isso,
não. Eu tenho que entrar escondida
na casa, ai a gente dorme junto no
maior amor, mas ai pela manha tenho
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 14.

KEYLANE (cont’d)
que me trancar no armário. Por quê?
Por causa de sua mãe? Isso é vida,
Junio? Isso é coisa de adulto,
moleque?

JUNIO
Sim, Keylane, mas sempre foi assim,
qual é o problema agora?
KEYLANE
Eu posso falar? Posso terminar?
JUNIO
Ah, velho... Você fica procurando
problema onde não tem.

KEYLANE
Onde não tem?
JUNIOR
O que foi agora?

KEYLANE
Menino, sente aí, vá.
Junio senta-se na cama.
JUNIOR
É sério que você vai começar uma
DR?
KEYLANE
Junior, você não tá percebendo nada
de estranho em mim?
JUNIO
(com medo)
Você engordou?

KEYLANE
Oi? Eu o que? Tô é inchada. Junio,
quando a mulher está inchada é
porque...
JUNIO
Gases?
KEYLANE
Menino idiota!

(CONTINUED)
CONTINUED: 15.

JUNIO
Você tá com verme? Eca!
KEYLANE
Junio, eu tô grávida.

Silêncio.
JUNIOR
Como assim, grávida?

Eu vou ter um filho, Junior!


JUNIOR
Como assim? De quem?
KEYLANE
(furiosa) De quem, imbecil? Você
acha que é de quem? De Seu Antônio,
da feira! O filho é seu. Oxe! Você
tá me chamando de que?
Junio fica em silêncio. De repente, ele vomita de ansiedade.

KEYLANE
Agora, eu que tô grávida e ele que
vomita.
Ele se recompõe.

JUNIO
Mas, grávida não tem a barriga
grande?
KEYLANE
Junio, a barriga não cresce de uma
hora pra outra. Me poupe, viu?!
Junio levanta-se e anda de um lado para o outro.

JUNIOR
Isso não tá acontecendo. Isso não
tá acontecendo. Isso não tá
acontecendo.
Keylane segura Junio pelo braço.

JUNIOR
Mainha vai me matar!
KEYLANE
(brava)

(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 16.

KEYLANE (cont’d)
Oxe, problema é dela! O filho é
meu. Meu não, nosso! Que eu não vou
criar ele sozinha.

JUNIOR
Você tem certeza que tá grávida?
Sua barriga nem tá grande...
KEYLANE
Essa história da barriga, de novo?
Junio do céu, você acha que eu ia
gastar minha paciência contigo se
eu não tivesse certeza, menino?
Pare de me irritar, que eu tô com
seu filho na barriga.

JUNIOR
Meu Deus! Grávida, tipo... Grávida,
né?!
KEYLANE
Menino, você quer que eu passe mal
de raiva, é?
Junio senta-se novamente na cama, agora com o olhar
perdido..

JUNIOR
Não é isso, não, velho. Eu só tô
processando o que está acontecendo.
Então é grávida de verdade?
KEYLANE
Você quer ter esse filho, Junio?
JUNIO
Éhhhh...eu..eh
KEYLANE
Você quer que eu tire Junio?
JUNIO
É... Eu... É
Keylane senta-se na cama ao lado de Junio.

KEYLANE
(repira fundo, com paciência)
Vamos lá! Eu estou grávida, sinta
aqui, ó...
(colocando a mão de Junio em
sua barriga)
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 17.

KEYLANE (cont’d)
E o filho é seu. E é seu por quê?
Porque nós temos um compro...

JUNIO
(não completa a fala dela)
Eh...
KEILANE
Compromisso, Junio! E você, como
pai responsável, vai fazer o que
agora?
JUNIO
Velho, Velho... eu não sei Keylane.
Eu não tinha planejado isso.
KEYLANE
(irrita-se)
E você acha que eu fiz uma planilha
pra engravidar? Eu sou uma mulher
EM-PO-DE-RA-DA. Meu amor, eu tenho
dois empregos, eu tô na minha
segunda faculdade. E aí, Junio?
JUNIOR
Eu só não sei por onde começar.

KEYLANE
Eu acho bom que você saiba. E olhe,
não pense que eu tô aqui porque eu
preciso de você, não, viu? Mas acho
que essa criança precisa de um pai.
E eu espero que seja um pai
presente, com emprego fixo, que
ganhe um PIS... Porque a escola eu
pago, mas e o curso de inglês? E a
natação? E o curso de street dance
infantil?
JUNIOR
Street dance infantil? Existe?...
Vei, calma. Sério! Calma! Calma! A
gente precisa conversar com Mainha.
Tudo vai depender de Mainha.
KEYLANE
Sua mãe cheia de olho pra cima de
mim, e eu não estou em condições de
ficar escutando chateação. Ela vai
querer me dizer coisa, e eu não sou
de levar desaforo pra casa. Ainda
mais agora, Junio, eu tô gestante!

(CONTINUED)
CONTINUED: 18.

JUNIOR
Eu vou ter que contar sozinho,
então? Mainha vai me mata!
KEYLANE
Vai! Que eu não vou tomar parte
nisso. Mas me prometa que você vai
pensar.
JUNIO
Já tô pensando...

Segue para a imaginação de Junio.

CENA 06 - INT. - CASA DE JUNIO E KEYLANE (IMAGINAÇÃO) - DIA

IMAGINAÇÃO DE JUNIO
Uma sala decorada com os gostos de Keylane. Junio está
sentado no sofá, Keylane, com duas crianças no colo e outra
na barra da sai. Ela vai dando bronca em Junio.

KEYLANE
Junio, você não ajuda em nada! É
bom você tratar de lavar o
banheiro, pra ver se tira aquela
inhaca, que eu não tô criando bicho
pra tá essa fedentina invadindo
sala, tomando conta da casa,
entrando na minha narina. Eu não
sei onde foi que você aprendeu a
ser assim.

Revela-se que Mainha está sentada ao lado de Junio no sofá.


MAINHA
Isso foi uma indireta para mim,
projeto de Beyonce?

As duas começam a bater boca, as crianças choram. Junio fica


atordoado.

CENA 05 - INT. - QUARTO DE JUNIO - DIA (CONTINUAÇÃO)

Junio segue com a cara de assustado, como na cena 06.


JUNIO
Tô assustado, Keylane.

(CONTINUED)
CONTINUED: 19.

KEYLANE
(tom mais sensível)
Eu também, Junio. Eu também.
Segue para a imaginação de Keylane.

CENA 07 - INT - QUARTO DE JUNIO/ARMÁRIO-CASA DE JUNIO E


KEYLANE (IMAGINAÇÃO) - DIA
IMAGINAÇÃO DE KEYLANE

Keylane, vestida de executiva e com uma pasta na mão está


diante do armário de Junio. Ela tira o sapato, abre a porta
do armário e entra. Do lado de dentro, vemos o espaço do
armário dilatado (a casa dos dois foi construída no armário
- pesadelo de Keylane). Dentro do armário tem um sofá, TV,
berço da criança, geladeira, mesa e cadeiras - além das
roupas de Junio penduradas no teto (cabides). Junio está
deitado no sofá jogando video game, o bebê está no berço
chorando.
KEYLANE
O que é isso, Junio?
JUNIO
É o que, Keylane?
KEYLANE
O bebê chorando e você ai...
Keylane pega o bebê no colo e olha dentro da frauda.
KEYLANE
Junio, seu filho tá todo cagado, e
você não fez nada.
JUNIO
Pera ai, Key, tô terminando de
zerar o jogo...

KEYLANE
Tenha dó, Junio.
A luz do armário apaga (escuro).

KEYLANE
Junio, você pagou a conta de luz?
JUNIO
Ihhhh....
20.

CENA 05 - INT. - QUARTO DE JUNIO - DIA (CONTINUAÇÃO)


Agora, Keylane que está assustada. Os dois ficam pensativos,
olhando para o nada. Suspiram.

CENA 08 - CANCELADA

CENA 09 - INT. - COLETIVO (ÔNIBUS) - DIA


O circular não está cheio, tem em média umas dez pessoas, o
motorista e o cobrador; no coletivo tem algumas tvs que
passam propaganda e informativos. Entram os baleiros e, em
seguida Mainha.

MAINHA
Primeiro sobe os baleiro, depois
sobe os passageiros. E não tem um
filho de Deus pra apanhar a sacola
de minha mão. Bom dia, motô! Quase
passa direto motô. O ponto é lá
embaixo, não é aqui na frente não.
Ela passa a roleta e senta.
MAINHA
Pelo menos não tá entupido de
gente.
ALDERIVO faz o anúncio.
ALDERIVO
Bom dia, passageiros. Eu podia
estar roubando, mas eu to aqui
pedindo a sua contribuição. No
combo do amendoim você ganha uma
escova de dente.

MAINHA
(resmunga)
Até aqui essa moda de combo...
ALDERIVO
Vai levar não tia?
Ele joga no colo de Mainha que se assusta.
MAINHA
A mesma coisa que me matar.

Aproxima-se de Mainha PASTOR EDIVALDO com a bíblia. Enquanto


proclama a palavra do Senhor, ele cospe Mainha toda.

(CONTINUED)
CONTINUED: 21.

PASTOR EDIVALDO
Pessoal, hoje estamos aqui pessoal,
reunidos para louvar a Deus.
Pessoal , eu queria pedir a atenção
de vocês pessoal para dar o meu
testemunho pessoal, pessoal...
Mainha resmunga e vira a cara.
PASTOR EDIVALDO
É varão, eu vejo irmão virando a
cara pra mim...
Ele começa a ler um versículo da Bíblia, cuspindo em Mainha
enquanto fala. Mainha se levanta e muda de lugar. Senta-se
ao lado de MAÍRA, uma passageira tagarela.

MAÍRA
Menina que loucura esse transporte
público, eu aqui toda atrasada até
chegar no trabalho. E a senhora
mora onde?

MAINHA
(se concentrando no celular da
mulher)
Lapinha....

MAÍRA
Dizem que seu bairro...
Mainha olha para o celular da passageira.
MAINHA
(interrompendo)
Ô nega, pera ai pra eu ver o
negócio do meu signo.
MAINHA
(lê em voz alta)
Para você de escorpião, essa é uma
semana de surpresas. Revelações
bombásticas e problemas familiares
estão a caminho. A sua cor é
vermelho e seu numero de sorte é...
(interrompe a leitura e faz
comentário)
Deus é mais forte! Não acredito em
signo mesmo. Não sou menina!
MAÍRA
Oxe, a senhora tava ai toda
abalada.

(CONTINUED)
CONTINUED: 22.

MAINHA
É o que? Você é mediúnica, é? Falei
nada... Ai, ai, hein, não gosto nem
de dar muita abertura da minha
vida. Oia, deixa eu ir me embora,
viu. Boa romaria faz quem em casa
está em paz. Pera aê, motô.

CENA 10 - EXT. - RUA DA CASA DE MAINHA - DIA

Mainha desce do ônibus e começa a andar pela rua de sua casa


com as compras. Ela cumprimenta alguns VIZINHOS. O CARTEIRO
passa por ela.
MAINHA
Psiu... E ai meu amor, venha cá, tá
de greve, é?! Porque na minha porta
não chega carta, né! Da luz e água
chega, né?! Faltando ou não
faltando tem.
CARTEIRO
Passei pra levar a encomenda, mas
não tinha ninguém la´.
MAINHA
E Junio? Junio tá lá.

CARTEIRO
Oxe, chamei, chamei, e ninguém
atendeu.
MAINHA
Me dê ai agora, então.
CARTEIRO
Deixei na mão de sua comadre.
MAINHA
Que comadre? Eu não tenho comadre
aqui na rua. Comadre, eu? Eu não
quero parentesco com ninguém dessa
rua.
CARTEIRO
Cintia.
Arregala o olhão, sai pisando forte em direção a casa de
Cintia. No caminho encontra com BISTECA, 35 anos, dona da
venda da rua.

(CONTINUED)
CONTINUED: 23.

BISTECA
(chamando)
Pssiu, pssiu, ei...

MAINHA
(quebrando a quarta parede)
Detesto "pssiu".
BISTECA
Tá escutando não, minha linda?
Mainha se vira para Bisteca.
MAINHA
Eu não me batizei com "psiu".

BISTECA
Tá sabendo da bomba?
MAINHA
Eu lá quero saber de bomba dos
outros? Eu quero é saber de meu
filho.
BISTECA
Mas a bomba é sobre seu filho
mesmo, minha linda.

MAINHA
Ai meu Deus! O que foi? O que tem
Junio?
BISTECA
Deixou uma conta pendurada aqui de
novo.
Mainha faz cara de brava e abre a bolsa para pagar Bisteca.
Vai contando o dinheiro.

BISTECA
Duas cervejas, três x-eggs com
salsicha, dois salgadinhos de
pacote, um refri, seis geladinhos
de tapioca. Tudo deu R$ 28,45. De
preferência trocado.
Mainha dá o dinheiro e vai saindo.
BISTECA
Oi, mas faltou dois cascos que
vieram quebrados, aqui eu pago a
unidade.
Mainha bufa. Volta e dá o restante do dinheiro

(CONTINUED)
CONTINUED: 24.

MAINHA
Pra não ficar mal falada na rua.
Mainha segue para a casa de Cintia.
MAINHA
(resmunga)
Que nada. Pegando minhas coisas. Eu
vou lá, eu vou lá. Mais forte que
ela, sou eu. Ai, ai.

Bate palma na casa de Cintia e da varanda.


MAINHA
Cintia! Cintia!
WALTINHO, 25 anos, filho de Cintia, sai na varanda.

WALTINHO
Não tá aqui não, tia.
MAINHA
Tia, não, que eu não sou parenta de
sua mãe. Ela tá ai que eu sei,
chame ela ai.
WALTINHO
Ela saiu.

MAINHA
Diga a ela que se ela não aparecer,
boto uma escada e vou subir ai. Vai
ser eu e ela.
WALTINHO
(olhando para dentro de casa -
para Cintia)
Minha mãe, ela disse que vai botar
escada.

MAINHA
Eu quero minha encomenda agora.
Traga!
Ele entra para dentro de casa.

MAINHA
(resmunga)
Eu sabia que ela tava ai.
Waltinho desce as escadas de casa e entrega a encomenda à
Mainha. Dá pela grade.

(CONTINUED)
CONTINUED: 25.

MAINHA
Acho é bom. Agora vou pra minha
casa, que meu filho, Junio, fez o
almoço pra mim. Não é como filho de
umas e outras que fica o dia todo
de prega em casa. Que nada!
Mainha sobe as escadas de sua casa e entra.

CENA 11 - INT. - SALA E COZINHA DA CASA DE MAINHA E JUNIO -


DIA
Mainha vem entrando em casa, ainda resmungando.
MAINHA
(resmungando)
Ela fez isso pra me pirraçar, que
eu sei.
Na sala, Mainha começa a farejar algo.
MAINHA
Que cheiro é esse, menino? Cheiro
de comida, aqui de casa? Menina,
cheiro bom mesmo... Ô Junio, ô
Junio.
Ela vai até a cozinha, onde a mesa está posta com talheres e
comida (tudo bem organizado). Mainha olha para aquilo e
desconfia do filho, que está de avental esperando a mãe.
JUNIOR
À bença Mainha.

MAINHA
(estranhando)
Deus que lhe abençoe. O que foi,
Junio? O que você aprontou, com
essa cara ai?

JUNIOR
Minha cara é assim, oxente. Eu
aproveitei as coisas que tavam no
freezer e desembolei um almoço pra
gente.

MAINHA
(desconfiada)
Você o que? Tá doente, é? Bateu a
cabeça, só pode...

(CONTINUED)
CONTINUED: 26.

JUNIOR
Nem. Eu só quero aprender a me
virar. A gente nunca sabe do dia de
amanhã.

MAINHA
O que é menino, tá gorando sua mãe,
é?
JUNIO
Não mainha, nada disso... Eu tava
de bobeira, e ai pensei: porque não
fazer o almoço pra senhora? Não
custa nada.
MAINHA
(quebra a quarta parede)
Menina, tô passada com esse
horóscopo. Óia a surpresa aí ó, a
surpresa do dia.
Junio puxa a cadeira para Mainha sentar à mesa. Ela toda
desconfiada. Junior começa a servi-la. Ela estranha ainda
mais.
MAINHA
(resmunga desconfiada - quebra
a quarta parede)
Quando a esmola é demais, o cego
desconfia.
(para Junio)
O que foi que você aprontou, agora?
JUNIO
Oxe, Mainha... Vai comer não?
MAINHA
(desconfiada)
Eu não que eu sou mãe e mãe sempre
sabe quando o filho apronta.
(carinhosa - convencimento)
Olhe Junio, eu prefiro ouvir de sua
boca do que ter que ouvir das
língua de quelé daqui da rua. Conte
pra mainha, conte.

JUNIO
Oh mainha, coma ai... Eu usei até
aquele chimichuri que a senhora
gosta

(CONTINUED)
CONTINUED: 27.

MAINHA
(desconfiada)
Hum... Tá lembrando que hoje é
aniversário de sua avó, né?!

Junio faz que "sim" com a cabeça. Mainha começa a comer.


JUNIO
Oh mainha, eu tava pensando aqui.
Criança faz uma diferença retada
dentro de casa, né?!

MAINHA
Criança de visita, é bibelô, a
gente brinca, brinca, brinca.
Agora, pegue pra criar. Seja pai
pra ver o que é bom.

JUNIO
Falando nisso. Sabe quem tá
grávida?
MAINHA
E eu sou vidente pra saber, Junio.
JUNIO
Keylane.
MAINHA
Não fale o nome dessa menina que eu
tô comendo, Junio. É aquela que
veio aqui, né? Pra frente como ela,
já era de se esperar.

JUNIO
É... tá grávida
MAINHA
Eu tenho é pena da família. Tá
vendo ai, Junio, foi um livramento.
E ela já sabe quem é?
JUNIO
Quem é o que, Mainha?
MAINHA
O pai.
Junio respira fundo.
JUNIO
Sou eu, Mainha!

(CONTINUED)
CONTINUED: 28.

Mainha engasga com a comida, se levanta da mesa e levanta os


braços. Se recompõe e senta-se a mesa falando.
MAINHA
(brava)
Brincadeira idiota! Já falei que a
hora do almoço é sagrada.
JUNIO
Mainha, é sério.

MAINHA
Você não é maluco, Junio! Isso aqui
é uma pegadinha? Cadê a câmera,
Junio? Só não é mais idiota porque
é um só.

JUNIO
Mainha, eu vou ser pai.
Mainha arregala os olhos.

CENA 12 - CANCELADA
Resolver com som.

CENA 11 - INT. - SALA E COZINHA DA CASA DE MAINHA E JUNIO -


DIA (CONTINUAÇÃO)
Mainha sentada a mesa desesperada.
MAINHA
Não, não, não!!!!! Deixe de ser
besta Junio, isso é um golpe dessa
mulher.
Mainha se levanta e sai andando de um lado par ao outro
desesperada.

MAINHA
Porque mulher quando vê um homem
sério, comprometido, robusto, fica
logo interessada... Ela quer me
acabar. Tem certeza que é seu,
Junio?
JUNIO
É meu sim, Mainha.

(CONTINUED)
CONTINUED: 29.

MAINHA
Meu Deus, não tenho nem condições
de pagar um DNA. Deus que me livre
ir pro programa de Ratinho... Isso
é golpe! Junio, coração de gente é
terra que ninguém passa.
JUNIO
Que agonia, Mainha!
Mainha vai para a sala, segue andando de um lado para o
outro. Junio a segue. XUXA, a cachorrinha deles se assusta
com a reação de Mainha e começa a latir.
MAINHA
(para Xuxa)
E você, cale a boca, que ninguém
pediu sua opinião.
(para Junio)
Filho só puxa a mãe quando dá pro
que não presta. Eu espero que não
tenha sido aqui em casa... Foi a
onde, Junio? Que não tenha sido em
minha cama box! Você maculou minha
cama, Junio? Menino podre! Bem que
senti um cheiro estranho na fronha.
Junio, quem não respeita sua mãe,
não respeita a Deus...

JUNIO
Mas, Mainha...
MAINHA
Você não vai ficar aqui. Vai
procurar um emprego, vai pra rua,
que eu não vou passar minha velhice
criando filho dos otro, não. Quem
pariu Mateus que balance. Quem deu
o seu nó que desmanche.

JUNIO
Calma, Mainha!Pode ser que ela
queira criar sozinha.
JUNIO
Mainha, calma! A gente nem sabe se
vai ter ainda. A gente tá pensando
em tirar.
MAINHA
Meu neto? Meu sangue? Nunca!

Ela fica mais ansiosa.

(CONTINUED)
CONTINUED: 30.

MAINHA
Me dê o celular ai
Para não contrariar, Junio dá o telefone
MAINHA
Agora que eu vou ligar pra essa
Keylane...
Ela disca, mas ninguém atende.

MAINHA
Ah, não tá atendendo não. Pois eu
ligo mais tarde. Melhor, ligo pelo
zap...
Toda nervosa ela tenta mexer no celular, mas não consegue e
o joga no chão. Xuxa late.
MAINHA
(falando só)
Ousada, não sei pra que tem celular
se não atende.
(para Xuxa)
Você sabia de tudo, né, Xuxa?
Confabulando contra mim em minha
própria casa.
Vai desnorteada até a varanda.

MAINHA
(para vizinha)
É o que Cíntia? Cuide da sua vida
que da minha cuido eu.
(para Junio)
Junior, eu ainda estou falando com
você!
Ela volta para dentro da casa. E vê Junior chorando no sofá.

MAINHA
O que foi, Junio? Junio?
JUNIO
Tá difícil, Mainha.

Ela se sensibiliza e senta-se ao lado do filho no sofá.


MAINHA
É o que Junio? Você já sabe que
coração de mãe é mole.

(CONTINUED)
CONTINUED: 31.

JUNIO
Poxa, Mainha, eu aqui todo sem
saber o que fazer, e a senhora fica
nessa agonia.

MAINHA
O que está te consumindo, Junio?
JUNIO
Mainha, eu não conheço meu pai.
Como é que eu vou ser pai? Como é
que eu vou ser um bom pai se eu
nunca tive pai?
Mainha levanta do sofá retada.
MAINHA
Era só o que me faltava. Eu lhe
criei sozinha e lhe criei muito
bem. Por quê essa besteira agora?

CENA 13 - INT. - QUARTO DE JUNIO - DIA

Mainha e Junio estão diante do armário - remetendo às cenas


03 e 05. Junior abre o armário, tira a tampa do fundo falso
e começa a retirar os perta-retratos com os desenhos do pai.
Mainha, senta-se a cama, pega os porta-retratos e vai os
observando, um por um.

MAINHA
Desde quando você guarda isso?
JUNIOR
Desde sempre.
Mainha continua observando os retratos.
JUNIOR
Eu quero conhecer o meu pai.

MAINHA
Que história é essa agora, Junior?
Você foi muito bem criado. Nunca
lhe faltou nada.

JUNIOR
Faltou e não faltou, Mainha. E eu
não tô reclamando, não é isso,
mas... No colégio, quando eu era
criança, todo mundo tinha pai,
menos eu.

(CONTINUED)
CONTINUED: 32.

MAINHA
E eu pari todo mundo?

JUNIO
Às vezes, eu até esquecia disso,
mas aí algo acontecia, e eu
lembrava. Só eu não tinha, entende?
MAINHA
Junior, eu também não tive tudo na
vida. Mas olhe onde eu cheguei e as
coisas que eu conquistei.
JUNIOR
É, Mainha, mas eu não sou igual a
senhora. Eu ficava torcendo pra que
um cara qualquer aparecesse dizendo
que era meu pai. Nem que fosse por
um dia. Fingimento mesmo, sacou? E
eu, sei lá... Daria meu dinheiro da
merenda pra ele. Porque eu não
queria ser diferente dos meus
amigos.
MAINHA
Junior, ninguém nesse mundo vive as
mesmas coisas. A realidade é
diferente pra cada um. Você nunca
precisou ser igual à todo mundo.
JUNIOR
Mas eu queria, Mainha! E agora eu
acho que vou ser pai! Eu! Já parou
pra pensar? O que é que vou dizer
pra essa criança sobre o avô dela,
hein? Sobre o meu pai?
MAINHA
Menino, eu não sei! Eu não tenho
respostas pra tudo. Essas coisas
você vai aprender com o tempo.
JUNIOR
Mainha, a senhora não entende. Eu
não tenho mais tempo! E se eu sou
assim porque eu nunca conheci meu
pai, hein?
MAINHA
Assim como? Não tem nada de errado
com você. Você é atentado, mas hoje
em dia qual o filho que não é?
Culpa das mães que ficaram tudo
bestas.

(CONTINUED)
CONTINUED: 33.

JUNIOR
Mainha, eu quero conhecer meu pai.
MAINHA
Conhecer seu pai não vai desfazer a
cagada que você fez.

JUNIOR
Mas eu quero. Eu não posso ser um
péssimo pai pra essa criança.

MAINHA
E o que é que você quer eu faça,
hein? Jogue os búzios e descubra
onde ele está? Eu não sou
mediúnica. Já não basta a notícia
de que eu vou ser avó? Chega eu tô
sentindo a veia do meu coração
frouxa, aqui.
JUNIOR
Mainha, quem é meu pai? Onde é que
ele tá? Por favor.

MAINHA
Junior, chega dessa história. Eu
acho bom que você trate de pensar
em como vão ser as coisas daqui pra
frente, porque mais importante do
que essa criança ter um avô, é ela
ter roupa, fralda, um berço...
Mainha vai elencando um número de coisas mas Junior não
escuta. Ele está perdido em seus próprios pensamentos. Ele
leva as mãos ao rosto e fica em silêncio. Mainha vai ficando
cada vez mais aflita com o estado do filho.
MAINHA
Junior? O que foi?

JUNIOR
Eu vou ser um péssimo pai. Olha só
pra mim; eu não sei nem por onde
começar. Talvez seja melhor que
essa criança nem me conheça.

Silêncio.
MAINHA
Junio, seu pai não é do Brasil.

(CONTINUED)
CONTINUED: 34.

JUNIO
É o que, Mainha? Como assim?
MAINHA
(séria - tom revelador)
Seu pai era um cantor gringo.
Quando ele era criança, ele tinha
uma banda com os irmãos dele. Ele
cresceu e fez carreira solo, fez
até algum sucesso - diziam: "rei do
pop".

JUNIO
Meu pai? Um super star?
MAINHA
Um dia encontrei ele no
Pelourinho...
JUNIO
Fazendo o que no Pelourinho?
MAINHA
Ele ou eu?
JUNIO
Ele.
MAINHA
(tom sério - revelador)
Não me lembro. Acho que gravando um
clipe.
(faz um aparte)
Eu estava trabalhando, como sempre
fiz para pagar minhas contas.
(volta ao tem sério e
revelador)
Foi amor a primeira vista. Mas, o
produtor dele nos separou, e ele
teve que ir embora para sempre.

JUNIO
Mainha, que triste...
MAINHA
Pois é, Junio, o que restou de seu
pai foi só saudade.
(chantagem emocional)
E você agora abrindo essa ferida em
meu peito.

(CONTINUED)
CONTINUED: 35.

JUNIO
Desculpe, Mainha, mas me diga,
onde posso encontrar painho? Em que
pais ele mora.
MAINHA
Junio, você precisa ser forte como
eu.
(revela)
Seu pai não está mais entre nós.
JUNIO
Ele...?
Mainha, com pesar faz que "sim" com a cabeça. Junio fica
pasmo.
MAINHA
(vai mudando o tom - de
respeitoso para cobrança)
Agora, seja forte e vá se trocar
para irmos à festa de sua avó.
Mainha levanta-se e vai saindo do quarto.
JUNIO
Mainha, isso é verdade?

MAINHA
Mãe não mente.
Mainha sai do quarto. Junio fica pensativo, seus olhos
brilham.

JUNIO
(orgulhoso)
Meu pai era um super star! Que
massa!

CENA 14 - INT. - CASA DA MÃE DE MAINHA - NOITE


Todos estão comendo e bebendo, destaque para VOINHA, 70
anos, já de embriagada. Estão presentes TIA VANDA, 45 anos,
TIA NICE, 50 anos, TIO ADELMO, 50 anos. Todos estão bem
vestido. Carlos olha pela janela e vê Junio e Mainha
chegando.
TIO ADELMO
Gente, prepara, prepara que o papai
do ano tá chegando.
Junio e Mainha chegam, todos gritam, Mainha se assusta,
Junio fica sem entender.

(CONTINUED)
CONTINUED: 36.

TODOS
(cantam)
Parabéns, pro papai! Parabéns, pro
papai!Parabéns, pro papai!

Junio com olhar repreensivo para mãe.


JUNIO
(indignado)
Como assim, Mainha?

MAINHA
Oxe, Junio, botei no grupo da
família, né?! Besteira! Do que você
devia ter vergonha você não tem.
TIA NICE
Menino, tua mãe do jeito que é deve
tá retada... Conte ai como foi?
JUNIO
Nada tia, ela ficou de boa.

TIA VANDA
Hum, essa cara dela não me engana
TIO ADELMO
Retado é esse moleque aqui... Nunca
vi com namoradinha. Sempre achei
meio lerdinho...
JUNIO
Que isso, meu tio.

TIA VANDA
Mas cadê a felizarda da mãe que eu
não tô vendo aqui?
MAINHA
(intercede gritando)
Nunca vi prenha tá em festa. Tá em
casa, descansando. Deixe lá.
TIA NICE
Mas como é que foi isso, mulher?
Junio todo quietinho...

Voinha vem se aproximando do grupo.


MAINHA
Como foi?... Quer que eu te
explique aqui como foi, é? Cê acha
que foi feito como, Nice? Pelo
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 37.

MAINHA (cont’d)
Espírito Santo? Não diga, não... do
jeito que você é desbocada.
(para Voinha)
À benção, mãe.

VOINHA
Deus lhe abençoe e a mim não
desampare nunca. Ave maria, tu
demora tanto de vir aqui, e quando
vem já vem com bisneto.

MAINHA
Mainha, a senhora não tá muito
alta, não?
VOINHA
Eu não pari ninguém pra me censurar
depois de velha, não, viu? Nunca vi
orelha passar cabeça. Dê licença
que vo ver meu Neto mais retado.
Ela vai esparramando todo mundo até conseguir falar com
Junio.
VOINHA
Passe da minha frente que hoje o
dia é meu. Cadê Junio? Oooh, cadê o
pinto de vó? Cadê o pinto de vó?

JUNIO
Pare minha vó... Bença, voinha.
VOINHA
Deus lhe abençoe. Venha, venha que
hoje você é só meu.
Voinha vai puxando Junio para perto da mesa do parabéns.
TIO ADELMO
Deixa o menino quieto, mãe.
VOINHA
Deixo não, que o dia é meu, a casa
é minha, quem manda sou eu. Vá
cuidar de sua gringa. E bora chamar
pra cantar logo esse parabéns.
(em tom de discurso)
Obrigada pelos presente, pelas
presença dos que vieram, nunca
imaginei que nessa idade ia tá
aqui, bem, viva e com saúde graças
a deus. Comadre Teresa, tá aqui, me
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 38.

VOINHA (cont’d)
deve setecentos reais e eu não
guardo mágoa, que hoje não é dia de
briga. Hoje é dia de festa. Adelmo
comprou duas passagem de avião no
meu cartão e até hoje não pagou,
mas eu quero mesmo é que ele viaje,
que ele prospere. Olhe (para
griniga)abre seu olho que esse aí é
esperto...Porque família boa é
assim, tudo misturado.
(apontando para os netos)
É engenheira com arquiteto, é pai
de santo com testemunha de Jeová, é
Brasil com Suécia, Bahia com
Paraná, e esse aqui (apontando para
Junio), o mais retado, que só podia
ser Salvador com Cachoeira.
JUNIO
Quem é de Cachoeira, voinha?
VOINHA
Seu pai, oxe, é de Cachoeira...
JUNIO
Mas, Mainha me disse...

Junio olha para Mainha que faz uma cara constrangida para
ele.
MAINHA
(mudando de assunto)
Bora bater o parabéns que amanhã
todo mundo trabalha...
VOINHA
Oxe, deixa a veia terminar de
falar. Que falta de educação. Vá,
Junio, filme aqui ó, pegue esse
celular.
Junior se afasta e vai saindo da sala.
TODOS
Parabéns pra você...

Mainha percebe a saída de Junio e fica com o semblante


triste. Todos cantam os parabéns.
39.

CENA 15 - EXT. - QUINTAL DA CASA DA MÃE DE MAINHA - NOITE


OUVIMOS CANTAR OS PARABÉNS DO LADO DE DENTRO DA CASA. Junio
sai e Mainha vai atrás.
MAINHA
Venha bater o parabéns pra sua vó,
Junio.
JUNIO
(revoltado)
A senhora mentiu pra mim.
MAINHA
Uma mãe sempre faz o que é melhor
pro seu filho, Junio.

JUNIO
A senhora não vai me dizer mesmo
quem ele é?
MAINHA
(faz caras e bocas)
Já não ouviu de sua vó? É de
Cachoeira, pronto.
JUNIO
E não sabe mais nada? Que história
é essa, Mainha?

MAINHA
Não digo! Não digo! Não digo!
JUNIO
(revoltado)
Mainha!!!
MAINHA
O que é Junio? Vai bater em mim,
é?!

JUNIO
Poxa, Mainha, é meu direito saber.
MAINHA
É meu direito não querer falar.

JUNIO
Então eu vou pra Cachoeira buscar
painho. Amanhã no primeiro ônibus.
Com a senhora ou sem a senhora.

(CONTINUED)
CONTINUED: 40.

MAINHA
Deixe essa história, Junio.
JUNIO
Mainha, é minha história.

Silêncio.
VOINHA
(voz over)
Venha filmar, Junio.

Ele vai saindo.


MAINHA
É João.

Junio para.
JUNIO
Meu pai?
MAINHA
Sim. Cantor famoso de samba de roda
em Cachoeira.
JUNIO
É mesmo? Que mais, Mainha?

MAINHA
Na mão esquerda...
JUNIO
Que tem a mão esquerda.

MAINHA
Ele tem seis dedos.
JUNIO
Meu pai tem seis dedos na mão
esquerda?

MAINHA
Tem, mas nunca deixei ele encostar
em mim com aquela mão.

Junio fica sorrindo.


MAINHA
Satisfeito?

(CONTINUED)
CONTINUED: 41.

VOINHA
(voz over)
Venha filmar, Junio. Vem logo.
Junio dá um beijo em Mainha e vai voltando para a festa. Ele
para.
JUNIO
Mainha, a senhora tá falando a
verdade?

MAINHA
Agora tô, por Nossa Senhora.
Junio sai. Mainha respira fundo, pega o telefone e faz uma
ligação.

MAINHA
(tom de suspense)
Alô... Sou eu... Como "eu quem",
eu!... Preciso falar com você.
Junio descobriu tudo. Me encontre
naquele lugar em uma hora.

Mainha fica com olhar misterioso.

CENA 16 - INT. - SERESTA - NOITE

Seresta animada, banda tocando e pessoas dançando. Mainha e


MEIRE, 40 anos, com roupa de festa, estão sentadas em uma
mesa da seresta tomando suco e comendo batatinha frita.
MEIRE
Eu falei a você, pra passar o olho
no menino. Mas você não gosta de
ouvir. Agora tá ai com o problema
em sua porta.
MAINHA
Eu tô perdida que o menino vai pra
Cachoeira e vai descobrir tudo,
Meire. Imagina mulé, o que Junio
vai pensar de mim quando descobrir?
MEIRE
Deixa a máscara cair.
MAINHA
Tá me chamando de duas caras,
Meire?

(CONTINUED)
CONTINUED: 42.

MEIRE
Esse é o menor dos problema. O
problema mesmo são esses pais que
chagam aos quarenta e cinco do
segundo tempo, pra virar herói. E
ai você já sabe onde é que fica?
MAINHA
Não passou metade dos perrengue que
passei.
MEIRE
Eu sei, mulé.
MAINHA
Aquele homem não vale nada. Eu bem
sei a peleja que eu passei com
aquele homem, depois de tudo...
MEIRE
Oxe, não foi só um final de semana,
mulé?
MAINHA
Foi? Foi nada. Foi um São João
todo...Não lembra?

MEIRE
E eu não lembro mulher? Que você se
inscreveu pra ser a Missa Feira do
Porto?

MAINHA
Foi! foi assim que tudo começou né?
Lembro como se fosse hoje...
Mainha fica lembrando do passado.

CENA 17 - EXT. - SÃO JOÃO DE CACHOEIRA (MEMÓRIAS DE MAINHA)


- NOITE
MEMÓRIAS DE MAINHA (em preto e branco - remetendo ao
primórdios do cinema. Música de São João vai delineando as
ações que são mudas (cartelas expressão as falas das
personagens)
MOMENTO I
Festa de São João na cidade de Cachoeira, no Recôncavo da
Bahia. Bandeiras, fogueiras, barracas e muita gente
dançando. MAINHA, 20 anos, está com MEIRE, 20 anos, na
festa. Meire está se divertindo, Mainha está preocupada
esperando por algo.

(CONTINUED)
CONTINUED: 43.

CARTELA (fala de Meire): O que foi, mulé?!


CARTELA (fala de Mainha): João, aquele meu paquera, disse
que vinha, mas tá demorando.
CARTELA (fala de Meire): O de seis dedos?
Mainha faz que "sim" com a cabeça. Vemos a subjetiva de
Mainha: uma mão com seis dedos vem tapando o olho de Mainha.
Nessa sequência nunca vemos o rosto de João (planos detalhes
- explorar a mão - e de costas).
CARTELA (fala de João): Adivinha quem é?
Mainha e João se abraçam.

MOMENTO II
Mainha e João andam pela festa comendo milho assado no
espeto.

CARTELA (fala de Mainha): Amanhã é a competição Miss Feira


do Porto, você vem me ver?
CARTELA (fala de João): Ow, minha Pintinha, eu tenho um show
com minha banda de Samba de Roda. Mas vou torcer por você
minha Rainha do Milho.

João e Mainha ficam abraçados de rostinho colado.


MOMENTO III
Mainha desfila no palco para ser a Miss Feira do Porto,
RAYMARA, 20 anos, coloca o pé na frente e Mainha tropeça e
cai. Todos riem.
Vemos Raymara recebendo a coroa de Miss Feira do Porto.
Mainha triste, vai andando no meio do povo. De repente ela
vê Raymara beijando um homem. Zoom na mão: seis dedos.
Raymara dá um sorriso sínico para Mainha. Ela sai atordoada
pelo meio do povo.
CARTELA (fala de Mainha): Só de ódio, vou beijar o primeiro
homem que passar por mim.
Nesse momento, Mainha passa por uma quadrilha e puxa
colarinho ARIOSVALDO, 30 anos, que estava dançando e o
beija. Ariosvaldo faz uma cara de assustado

CARTELA (fala de Ariosvaldo): Ulalá!!!


JUSSARA, 25 anos, parceira de dança e mulher de Ariosvaldo
vê tudo, faz cara de ódio.

(CONTINUED)
CONTINUED: 44.

CARTELA (fala de Jussara): Meu marido, sua...


Jussara pula em cima de Mainha e começa a rasgar sua roupa.
Elas brigam. Meire tenta separar. Confusão generalizada.

CENA 16 - INT. - SERESTA - NOITE (CONTINUAÇÃO)


Mainha volta de suas memórias.
MAINHA
Quanta humilhação! Quanta
Humilhação! Maldita hora que eu fui
gostar desse homem de banda. Todo
mundo dizia e eu não acreditava que
são tudo descarado. Ainda mais com
seis dedos na mão.

MEIRE
Ave, seis dedos... que agonia.
Chega me dá gingi.
MAINHA
E eu tava apegada à mão, mulé? Eu
tava apegada era em outras coisas.
MEIRE
(comemorando)
Ahhhh. Você vai ser avó, mulé!

MAINHA
(se gabando)
E toda em cima, minha filha! Toda
durinha!

MEIRE
Vamo comemorar, mulé! Bora canta,
bora cantá.
As duas vão até o palco. Mainha pega o microfone da mão do
cantor.
MAINHA
Toque aí que eu quero cantar.
MEIRE
Toque aquela de Alcione, aquela.
Os músicos fazem a introdução,
MEIRE E MAINHA
(cantam)
"Você faz de conta

(CONTINUED)
CONTINUED: 45.

Que quer meu perdão


Mas depois apronta
No meu coração...

Desarruma tudo
Fazendo arruaça
Me põe quase louca

De tanta pirraça
Com os carinhos
Que dá sem favor

Tira meu escudo


Me põe indefesa
Me deixa acesa

Com água na boca


Carente de amor...
Garoto Maroto!

Travesso no jeito de amar


Faz de mim
Seu pequeno brinquedo

Querendo brincar
Garoto! Vem amor!
Vem mostrar o caminho

Da doce ilusão
Só você pode ser
A criança do meu coração"
46.

CENA 18 - INT./EXT - DENTRO DO ÔNIBUS/RODOVIÁRIA - DIA


Junio está sentado dormindo em um banco do ônibus, próximo
ao corredor do veículo. DONA ZEZÉ, 60 anos, uma velhinha
encrenqueira, se aproxima de Junio com sua passagem na mão e
o cutuca. Junio acorda assustado.

JUNIO
O que foi minha senhora?
DONA ZEZÉ
Esse lugar é meu.
JUNIO
Oxe!
Junio pega sua passagem no bolso e confere o número do
acento, vê que está correto.
JUNIO
O meu tá certo.
DONA ZEZÉ
O meu também.
Ela mestra a passagem dela para Junio, que verifica que está
certo também. Ele devolve a passagem para ela.
JUNIO
Eita! Fizeram duas passagem iguais.
Vá lá reclamar no guichê.
Junio se vira para voltar a dormir.
DONA ZEZÉ
Nada disso! Vá lá você, que esse é
meu lugar.
JUNIO
(sonolento)
Tá cheio de lugar ai, minha
senhora. Eu cheguei primeiro.
DONA ZEZÉ
Você não vai sair?

Junio volta a dormir.


DONA ZEZÉ
Então, tá!
(chama por Fofo)
Fofo! Oh, Fofo!

(CONTINUED)
CONTINUED: 47.

JUNIO
(resmunga)
Ai, ai, viu! Fofo!
Nesse momento, FOFO, 40 anos, sobe no ônibus. Fofo é muito
grande e muito gordo (forte), quando ele coloca o pé na
escada do ônibus, o veículo inclina para seu lado devido o
peso. Junio arregala os olhos. Fofo vem andando pelo
corredor (raspando a cabeça no teto do ônibus).
FOFO
É o que, minha mãe?
Junio olha assustado para Fofo.
JUNIO
Vai criar caso por isso, minha
senhora. Deixe que me mudo de
assento. Criar caso por besteira.
Junio levanta-se e vai para o banco de trás. Dona Zezé se
senta. Fofo dá um beijo na testa de Zezé.

FOFO
À benção, mainha!
DONA ZEZÉ
Deus lhe abençoe.

Fofo desce do ônibus. Dona Zezé tenta reclinar o encosto da


cadeira, não consegue.
DONA ZEZÉ
Eita, porra! Tá quebrado!
(grita por Fofo)
Fofo desgraça, o "recosto" tá
quebrado.
Novamente Fofo entra no ônibus.

FOFO
O que foi, mainha?
DONA ZEZÉ
Conserte o "recosto" pra sua mãe.

Fofo faz força e quebra o encosto da cadeira. Dona Zezé cai


para trás com o encosto - apertando Junio que já estava
dormindo.
DONA ZEZÉ
Assim é bom, que vou "detchada".

(CONTINUED)
CONTINUED: 48.

O motorista dá a partida no ônibus. Fofo desce do veículo. O


motorista fecha a porta e começa a sair com o ônibus. Mainha
surge na frente do ônibus.

MAINHA
Pera aê motô! Pera aê motô!
A porta do ônibus abre e ela sobe. Junio acorda assustado.

MAINHA
Eu não vou largar meu filho aqui.
JUNIO
Mainha?

MAINHA
Eu não sou maluca de deixar você ir
sozinho, Junio.
Mainha vai andando pelo corredor trombando as pernas.

DONA ZEZÉ
Chega atrasada ainda faz barulho.
PASSAGEIRA 01
Bora motô que eu tenho horário.

Chega ao lado de dona Zezé para senta-se ao lado dela.


MAINHA
(para dona Zezé)
Não gostou, vai de táxi, que eu
paguei pelo assento e tem que me
eseprar. De licença ai, a senhora.
Ela vai para seu lugar perturbando dona Zezé.
DONA ZEZÉ
E que inhaca de cachaça é essa?
MAINHA
Deve ser o cheiro do motor...Esses
carro veio vaza álcool no motor.

DONA ZEZÉ
Eu to sentindo cheiro é de pileque.
Junio inclina o corpo entre o banco de Zezé e Mainha.
JUNIO
(feliz)
Minha mãe, a senhora veio me ajudar
a encontrar painho?

(CONTINUED)
CONTINUED: 49.

DONA ZEZÉ
Eu tô tentando dormir.
JUNIO
Chame Fofo pra te balançar.

Dona Zezé olha feio para Junio.


MAINHA
Sim, Junio, vim lhe ajudar. Porque
mãe que é mãe está sempre ao lado
de seu filho.
JUNIO
(desconfiado)
Você bebeu, Mainha?

MAINHA
Tá me recriminando, Junio? Eu não
pari ninguém pra me censurar depois
de velha, não, viu? Agora deixe eu
dormir que passei a noite em claro
preocupada com você.

Junio volta ao seu lugar, Mainha se vira para dormir, mas


logo acorda ouvindo a conversa de Junior com ARIEL e IAGO
(que estão na fileira atrás de Junior).
MAINHA
Ave, desliga esse incenso, que vai
explodir o carro, e meu filho tem
rinite.
JUNIO
Ah mainha, eu não ligo não.

ARIEL
Cê já usou pasta de menta orgânica?
JUNIO
E tem na farmácia?
IAGO
Que nada. A industria farmacêutica
quer que você nem saiba que isso
existe.

MAINHA
Não invente não viu, Junior. Essa
maluquice, que eu não sei a
procedência disso... Esse povo ai.

(CONTINUED)
CONTINUED: 50.

ARIEL
Se quiser tem aqui.
MAINHA
Essa viagem vai é ser longa...

CENA 19 - EXT. - ESTRADA - DIA


Vemos o ônibus andando pelas estradas do Recôncavo.

Placa: Bem vindos ao Recôncavo da Bahia.

CENA 18 - INT./EXT - DENTRO DO ÔNIBUS/RODOVIÁRIA - DIA


(CONTINUAÇÃO)

Mainha segue viagem encolhida. Ela desperta e se sente


enjoada. Quase vomita, mas consegue segurar.
MAINHA
(grita)
Para o buzu um pouquinho ai, motô.

ARIEL
Sua mãe não ta bem, né?!
IAGO
Devia tomar um chá de boldo.
DONA ZEZÉ
Se vomitar em mim, faço você
engolir de volta.

Mainha se levanta e vai correndo para o banheiro do ônibus.


MAINHA
(vai resmungando)
Na hora da necessidade a gente
passa por humilhação.

SONS DE VÔMITO VINDO DO BANHEIRO. O ônibus breca. Mainha sai


toda desconjuntada do banheiro
MAINHA
(para o motorista)
Tá carregando gado, motô? Eu não
sou jegue não.
DONA ZEZÉ
(para o motorista)
Não é sua mãe que tá aqui atrás
não.

(CONTINUED)
CONTINUED: 51.

ARIEL
O que foi agora?
DONA ZEZÉ
Era só o que me faltava.

JUNIO
Tá tudo bem com a senhora, Mainha?
MAINHA
Só tô enjoada é do balanço do
ônibus.
DONA ZEZÉ
Oia pra não vomitar em mim, hein?
MAINHA
Junio, fale pra essa criatura que
eu tenho mais o que fazer. Que eu
não vou gastar meu B-A-BA com ela.
JUNIO
Hi mainha, pare de confusão.

O motorista vem ao corredor do ônibus.


MOTORISTA
Oh, pessoal, o ônibus quebrou, mas
já tá tudo resolvido.

PASSAGEIROS
Aaaaah.
MOTORISTA
Já avisei a central que tá mandando
um ônibus pra vir pegar vocês.
Coisa umas 3 horas e a gente segue
viagem.
Mainha já segue andando para a porta do ônibus, Junio vai
atrás.
MAINHA
Eu que não vou ficar esperando três
horas de relógio parada.

JUNIO
Mainha, que vergonha. Pare de fazer
cena. Tá todo mundo olhando pra
senhora.
Descendo do ônibus.

(CONTINUED)
CONTINUED: 52.

MAINHA
Por mim, olhe. Não devo nada a
ninguém. Se eu tivesse medo de
olho, não comia cabeça de peixe. Eu
vou é pra pista, Junio, que eu não
vou ficar aqui plantada quinem um
cacueiro, esperando a hora pior.
Humbora Junio, humbora. E eu vou
processar vocês. Amanha mesmo to no
Ministério do Transporte dando uma
queixa.

CENA 20 - EXT. - ESTRADA - DIA


Junio, Ariel, Iago e Mainha ficam na beira da estrada, ao
lado o ônibus quebrado. Pouco depois, dona Zezé se aproxima
também. Mainha fica fazendo sinal de carona, mas os carros
passam sem parar.
MAINHA
No meu tempo, quando uma moça
bonita como eu pedia carona, fazia
fila de carro. O mundo tá virado
mesmo.
IAGO
Mas, acho que só topique mesmo,
minha tia.

MAINHA
Olha que eu não sou irmã de sua
mãe.
IAGO
Desculpe, minha tia.
ARIEL
Olha a topique vindo aí.

MAINHA
Deeeeeus me livre. Sei de uma
história de topique que a mulher só
fez entrar. Eu que não entro em
topique de jeito nenhum. Vou
andando, mas não pego uma topique.

JUNIOR
Minha mãe, deixe de coisa.
Uma topique começa a desacelerar e para perto deles. O
cobrador com o copo para fora do carro grita:

(CONTINUED)
CONTINUED: 53.

COBRADOR DA TOPIQUE
Santo Amaro, Cachoeira, São Félix,
Muritiba...
O cobrador abre a porta da topique que está entupida de
gente.
DONA ZEZÉ
O recôncavo todo aqui dentro...
mas, é nessa mesmo que vou.

MAINHA
Quer saber, bora Junior, bora!
JUNIO
Mas mainha, tá muito cheia.

MAINHA
Cê não quer ver seu pai? Pois... é
nessa mesmo que a gente vai.
Mainha, Junio, dona Zeze, Ariel e Iago entram na topique.

CENA 21 - CANCELADA

CENA 22 - EXT. - RUA DE CACHOEIRA - DIA

Vemos a MÃO DE JOÃO no volante da topique.


Movimento do chão para o rosto de Junio: PD dos pés de
Mainha descendo plena da topique; várias pessoas começam a
descer e vão empurrando Mainha; o último a desder é Junio
(PD de seus pés); a câmera sobe e faz um CL do rapaz
contente.
JUNIOR
(tom reflexivo)
Aqui é meu lugar!

Silêncio.
MAINHA
(impaciente)
Bora Junior, bora, bora.

Junio e Mainha saem andando pela cidade


54.

CENA 23 - EXT - RESTAURANTE - DIA


Mainha está na mesa do lado de fora do restaurante, tomando
uma água de coco. JUSSARA, 45 anos, e ARIOSVALDO, 50 anos,
que conhecem mainha do São João de 20 anos atrás, estão
sentado a mesa ao lado. Jussara começa a reparar em Mainha e
dizer coisas a Ariosvaldo. Apontam para Mainha.
MAINHA
(resmunga)
Oxeoxeoxeoxe, eu devo tá com meu
nariz pintado de vermelho pra
estarem me encarando desse jeito.
Absurdo... nunca vi isso!
E Junio até agora nada... Tem coisa
que não muda, viu. O menino já tá
se enraizando pra cima daquela
menina planta. O que me espanta é o
quão pouco o mundo muda.
(para Jussara e Ariosvaldo)
O que foi? Perdeu alguma coisa
aqui?
Junio chega e senta-se à mesa com a mãe.
JUNIO
Mainha, essa cidade tem uma vibe
diferente, né?!
MAINHA
O que é vibe Junio? Oia, só aprende
o que não presta. Não venha com sua
gíria de maloqueiro, não, que eu
sou sua mãe, não sou suas
pariceira.
JUNIO
E senhora já tá bem?

MAINHA
(se referindo a Jussara)
Como é que fico bem com esse olho
de seca a pimenteira em cima de
mim? Se eu soubesse já vinha com a
arruda atrás da orelha.
JUNIO
Ô mainha, agora deu fome. Bora
pedir alguma coisa diferente.

MAINHA
Diferente? Junio, escreva
"diferente" no papel e coma.

(CONTINUED)
CONTINUED: 55.

JUNIO
Oxe, Mainha. Bora pedir uma
lasanha?
MAINHA
Que lasanha, Junio? Tá maluco? Já
pedi minha maniçoba. Tô em
Cachoeira, não tô na Itália.
JUNIO
E o que é isso, maniçoba?

MAINHA
Ai Junio, quando eu pari você eu
não sei onde meu útero tava com a
cabeça... É uma comida daqui, viu,
com folha de mandioca. Mas, oia,
tem que saber fazer viu, senão a
pessoa fica louca e morre.
JUNIO
Morre?

Garçom traz a maniçoba.


MAINHA
Morre o que Junio? Um prato fino,
uma iguaria... Não é as besteira
que você tá acostumado a comer na
rua não. Só quer saber de coxinha e
nuguete.
JUNIO
Ai mainha, que negócio feio. Parece
coco de cavalo.
MAINHA
Que isso? Falando porcaria na hora
da comida. Coma aí logo.

Se servem e comem. Incomodada, Mainha volta a olhar para


Jussara. Se lembra.
FLASHS DO SÃO JOÃO (cena 17) - Beijo de Mainha em Ariosvaldo
e briga com Jussara.

MAINHA
Quer saber duma, perdi a fome.
Umbora, umbora, Junio.
Mainha se levanta da mesa, em seguida Junio.

(CONTINUED)
CONTINUED: 56.

JUNIO
É o que, Mainha?
MAINHA
Bora, que eu vou é seguir pra
feira, comprar umas folha pra mal
olhado.
Mainha e Junio saem andando. Jussara se levanta na mesa,
Ariosvaldo a segura.

JUSSARA
(gritando)
Cachoeira lembra de você.
Mainha segue. Junio não entende, mas vai com a mãe.

JUNIO
Quem é essa gente, Mainha? Será que
eles conhecem painho?
MAINHA
(para Junio)
E você trate de fazer o que você
veio fazer aqui. Procurar o dito
cujo. Nove horas nos vemos na
pousada, atrás da Matriz e não
venha de bonde não, viu?

JUNIO
Mas a gente não vai junto, Mainha?
MAINHA
Vamos nos separar que já acha o
traste logo, e logo voltamos para
paz de nosso lar.
JUNIO
Tá bom mainha.

Eles vão em sentidos opostos. Mainha vira-se para Junio.


MAINHA
Junio!
JUNIO
É o que mainha?
MAINHA
Se lembre: seu pai se chama João.

(CONTINUED)
CONTINUED: 57.

JUNIO
Viu, mainha.
Voltam a andar cada uma para um lado. Mainha vira-se para
Junio.

MAINHA
É tocador de samba de roda.
JUNIO
Tô lembrado.

Voltam a andar cada uma para um lado. Mainha vira-se para


Junio.
MAINHA
Tem seis dedos na mão esquerda.

JUNIO
Isso não tem como esquecer, né?!
MAINHA
Agora vá logo. Fica enrolando!

Junio vai feliz.


MAINHA
Junio!!!

JUNIO
(já sem paciência)
É o que mainha.
MAINHA
Não faltou nada?

JUNIO
À benção Mainha
MAINHA
Deus lhe abençoe!
Junio vai para um lado e Mainha para outro.

CENA 24 - EXT. - FEIRA LIVRE DE CACHOEIRA - DIA

Mainha anda pelas ruas da feira livre de Cachoeira. Para em


uma barraca de ervas e folhas.
MAINHA
Oh filho, tem arruda? Me dê um moi
de arruda, guiné e tiraquizanga.
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 58.

MAINHA (cont’d)
Misericórdia, olha que eu já vi
folha seca, mas essa aqui tá tão
estorricada. E tá de quanto?

FEIRANTE
Tudo é 15.
Mainha devolve a encomenda.
MAINHA
Oxe, quero não viu. Pode guardar
que eu não vou levar uma folha com
esse preço pela hora da morte.
Mainha pega de volta. Nesse momento, Mainha vê uma mão de
seis dedos ao seu lado pegando folhas (é João), mas Mainha
agoniada como sempre, segue o diálogo sem raciocinar.
MAINHA
Aliás, bote, bote que daqui eu só
vou achar mais mirrada que essa
daí. Você pensa que não, na barraca
vizinha tá pior.
Mainha para, pensa e lembra que viu a mão de João. Ela
começa a buscar o homem no meio da multidão. Sai andando
enlouquecida pela feira. Ela pega o celular e liga para
Meire. Elas conversam enquanto Mainha anda de um lado para o
outro. CHICO, 20 anos, se aproxima de Mainha e escuta a
conversa de longe.
MAINHA
Meire, mulher! Ah, eu não to
maluca. Não to tendo alucinação...
Eu vi a mão desse homem
Meire, minha filha, só você pra me
ajudar.
MEIRE
Tá aonde mulé? De hoje que te ligo
e só dá caixa.
MAINHA
Ah deve ser o sinal. Você não sabe
de nada, Meire. Eu vim parar foi em
Cachoeira, minha filha. Tô aqui no
meio de uma encruzilhada da feira.
E acabei de perder o dito cujo de
vista.

(CONTINUED)
CONTINUED: 59.

MEIRE
Criatura, você tá numa encruzilhada
perdida já é um sinal. Olhe, preste
atenção. Ouça o conselho de sua
amiga. Vá na barraca de Firmina,
ali de junto da igreja, e compra
umas folha de descarrego, que você
tá precisando se limpar. Bote um
galhinho de arruda atrás da orelha
que as coisas já vão começar a
melhorar.

MAINHA
Já to fazendo isso, mulher. Mais
mandinga do que isso vou abrir
terreiro...

O telefone perde o sinal.


MAINHA
Meire? Meire?...
Chico aproxima-se de Mainha.

CHICO
Minha tia...
MAINHA
Nem venha que eu tô na agonia e eu
não sou irmã de sua mãe.
CHICO
Eu posso lhe ajudar.

MAINHA
Que menino abestalhado. Como vai me
ajudar, criatura?
CHICO
A senhora tá procurando um homem
que eu sei.
MAINHA
Oxe, menino, chega arrepiei.
CHICO
Eu posso te levar a alguém que vai
lhe indicar o caminho que deve
seguir pra achar esse homem: MADAME
DELACROIX.

(CONTINUED)
CONTINUED: 60.

MAINHA
E quem é essa?

CHICO
Não conhece MADAME DELACROIX?
Mainha faz que "não" com a cabeça.
CHICO
Pegue visão, minha tia. MADAME
DELACROIX é a maior cartomante de
todo Recôncavo.
MAINHA
Raiai, e eu lá acredito nessas
crendices?
CHICO
Então, tá bom, minha tia...
Chico vai saindo e uma TURISTA, 30 anos, vai em direção a
ele.
TURISTA
Rapaz, como faço para encontrar
MADAME DELACROIX. Dizem que é a
melhor cartomante da Bahia.

Mainha escuta e vai até eles.


MAINHA
Mas eu cheguei primeiro, viu,
sujeita?!

CHICO
Nada disso, tia. A senhora disse
que não queria.

MAINHA
Ahhhh... Me diga menino, onde eu
encontro essa cartomante?
CHICO
Sabe de uma? Só lhe digo uma coisa:
não lhe digo nada. E lhe digo mais:
so lhe digo isso. (para a turista)
Vem moça.
Chico vai saindo, Mainha vai atrás.

MAINHA
Que menino maleducado. Deixe de
xaxo e me diga onde encontro essa
mulher.

(CONTINUED)
CONTINUED: 61.

TURISTA
Mas ele falou que é minha vez.
MAINHA
(para turista)Conversa pra dois...
(para Chico) Onde está essa tal
MADAME DELACROIX?
CHICO
MADAME DELACROIX está em todos os
lugares

Chico abre uma tenda abaixo de uma das barracas da feira


(fumaça) e Mainha vai entrando. Dentro da tenda vemos MADAME
DELACROIX sentada sobre um tapete no chão. A sua frente
vemos uma bola de cristal, cartas, incensos e outros
elementos.

MADAME DELACROIX
Eu sinto dor em você.
Mainha com os olhos arregalados senta-se a frente de MADAME
DELACROIX.
MAINHA
Ô, se você soubesse o tamanho da
cruz que eu carrego nas costas! Não
tem lombar que aguente.

MADAME DELACROIX
São muitas as questões que trazem
uma pessoa até aqui.
MAINHA
No meu caso é uma só: preciso achar
o pai de meu filho.
MADAME DELACROIX
Um romance interrompido?

MAINHA
Não, um filme de terror mesmo.
(Mainha suspira e retoma) É que
depois de grande, meu filho
insistiu que quer conhecer o pai.
Não sei pra quê, porque ele sempre
teve tudo do bom e do melhor.
Madame Delacroix entrega um BARALHO a Mainha.
MADAME DELACROIX
Pense no seu filho e divida esse
baralho no meio.

(CONTINUED)
CONTINUED: 62.

MAINHA
(pegando o baralho)
Esse baralho tá limpo? Daqui a
pouco tô pegando uma bactéria, um
fungo...

MADAME DELACROIX
Shhhhhh!
Mainha divide o baralho no meio e Madame Delacroix separa os
dois montes na mesa. Ela revela a primeira carta do monte da
direita: a CARTA 13 - A CRIANÇA.
MADAME DELACROIX
Essa é a criança, sinal de que há
uma nova vida no caminho do seu
filho.

MAINHA
Esse é o problema, ele engravidou
uma moça aí.
MADAME DELACROIX
Você não disse isso antes.
MAINHA
Oxe, você não perguntou!
Madame Delacroix revela a carta do monte da esquerda: CARTA
23 - O RATO.
MADAME DELACROIX
Um rato!
MAINHA
Aonde, pelo amor de Deus?
MADAME DELACROIX
No caminho do seu filho. Essa é uma
carta curiosa: ratos andam por
lugares sujos, desorganizados, o
que pode indicar problemas,
confusão. Ao mesmo tempo, são seres
resilientes, que se adaptam as
situações com rapidez e
criatividade.

MAINHA
Você tá falando de Júnior, no caso?
MADAME DELACROIX
Não, dos ratos mesmo. Agora que eu
vou chegar em seu filho: existem
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 63.

MADAME DELACROIX (cont’d)


pessoas que amoecem diante das
dificuldades, e outras que crescem,
tirando proveito das situações.

MAINHA
Do jeito que eu conheço Júnior, até
imagino o que vai acontecer: tudo
nas minhas costas, pra variar!
MADAME DELACROIX
Há muito sobre os filhos que as
mães não sabem.
MAINHA
Pois é, se eu soubesse talvez não
virasse avó tão cedo.

MADAME DELACROIX
Não esqueça que toda mãe um dia
também foi filho.
MAINHA
Criatura, você vai ficar me dizendo
o que eu já sei? Eu vim aqui pra
saber como encontrar o pai de meu
filho, só isso.

Madame Delacroix revela mais uma carta: CARTA 22 - O


CAMINHO.
MADAME DELACROIX
Ué, você já se encontraram.

MAINHA
Novidade! Tava correndo atrás dele
agora na feira.
MADAME DELACROIX
Minha senhora, eu não costumo errar
nessas coisas.
MAINHA
Tire outra carta aí. Quero saber
como encontrar o traste de novo.

MADAME DELACROIX
Aí a gente precisa negociar por
fora, o pacote só cobre três
cartas.

(CONTINUED)
CONTINUED: 64.

MAINHA
Sabia que isso era armação!
MADAME DELACROIX
A senhora me respeite em meu
estabelecimento, por favor!

MAINHA
Isso aqui nem alvará tem! Maldita
hora que eu fui entrar aqui. Até
coceira tá me dando agora.

Ao sair Mainha derruba uma carta no chão e sai.


MADAME DELACROIX
Cuidado! Cachoeira lembra de você!

MADAME DELACROIX vai até a carta que caiu fora do tapete e


olha sem mostrar para a câmera.
MADAME DELACROIX
Besta! Se ficasse aqui ia saber
exatamente onde achar o homem.

Revela outra carta.


MADAME DELACROIX
Ai meu Deus! Ele tem seis dedos.

Mainha sai chateada da tenda e pisa sem querer no pé de Dona


Zezé que está na feira. Zezé a empurra.
DONA ZEZÉ
Aaaaaaaaaaaaaah, sua misera. Tá com
olho aonde que não vê onde pisa?

Desliga na cara de Meire


MAINHA
Ave, que quanto mais eu rezo mais
assombração aparece.

DONA ZEZÉ
Ainda quer tá certa, né?
MAINHA
Ah, vá procurar o que fazer... Fica
perseguindo os outros.
Ouve a voz de CIDA, 45 anos, numa conversa paralela com um
feirante.

(CONTINUED)
CONTINUED: 65.

CIDA
Agora, mas veja? Ai, ai, é coisa. E
ele ia mentindo logo pra quem? Pra
mim! Eu toda linda, toda gostosa,
nascida e criada em Cachoeira...

Mainha aproxima-se de Cida.


MAINHA
(interrompendo)
Nascida e criada é?

CIDA
Com muito orgulho. Sei de tudo! Não
tem um vento que bata que eu não
saiba onde faz a curva. A senhora,
no caso, por exemplo, não é daqui
né? Tá fazendo o que por essas
bandas, mãe?
MAINHA
Oh, minha filha, tô numa saga, num
prelúdio que só a misericórdia,
atrás de um abençoado de seis dedos
que eu não lembro nem o rosto.
CIDA
E é o que seu?

MAINHA
Aí já é assunto meu. Coisa
particular! Mas sim, a senhora
conhece? João é o nome do dito
cujo.

CIDA
Olha, seis dedos...ah, é o João, vi
ele agorinha! Ele mora em São
Félix, mulher. Ele tava indo pras
bandas da universidade, ele tava
descendo pra lá. Se você correr,
pega ele.
MAINHA
Muito obrigada! Qual o seu nome?

CIDA
Cida.
MAINHA
Obrigada, Cidão!

Mainha sai esbaforida.

(CONTINUED)
CONTINUED: 66.

CIDA
Oxe, que ousadia é essa de me
chamar de Cidão. Agora! Fechou!

Mainha pega a primeira bicicleta que encontra na frente. É


de VIOLETA, 30 anos, vendedora de coxinha (Café com Canela).

VIOLETA
Ei minha senhora essa bicicleta é
minha!
MAINHA
Devolvo mais tarde. Caso de vida ou
morte.
Ela tenta se equilibrar na rua de paralelepípedo, quase
atropela a Dona Zezé.
DONA ZEZÉ
Ah! Sua misera que não olha por
onde anda.
MAINHA
Saia da minha frente, quer andar na
rua olhando pra cima? É na carreira
do boi que a gente perde a carga.
Mainha segue de bicicleta.

CENA 25 - EXT/INT - BAR/LANCHONETE - DIA

Junior está andando pelas ruas de Cachoeira. Em um bar estão


sentados à mesa Ariel e Iago.
ARIEL
Ei, Junio! Ei, Junio!
IAGO
Vem sentar com a gente, meu irmão.
Junio se aproxima da mesa.

JUNIO
Poxa, gente, tô aqui buscando por
painho. Mas, tô sem ideia de onde
ir.

IAGO
Sente aqui que a gente pode pensar
numa estratégia.

(CONTINUED)
CONTINUED: 67.

ARIEL
É, sim, depois a gente te ajuda a
procurar seu pai.

JUNIOR
Tá certo.
Junio senta-se à mesa.

Mainha passa de bicicleta atrás deles (ninguem vê ninguém).


A câmera se afasta e vemos, na mesa ao lado, uma mão com
seis dedos tomando segurando um copo de cerveja (MÃO DE
JOÃO). A mão deixa um dinheiro na mesa e sai.

CENA 26 - CANCELADA

CENA 27 - CANCELADA

CENA 28 - CANCELADA

CENA 29 - EXT. - PONTE - DIA

Mainha atravessa a ponte de Cachoeira para São Félix de


bicicleta.

CENA 30 - CANCELADA

CENA 31 - CANCELADA

CENA 32 - EXT. - FRENTE DA CASA DE (OUTRO) JOÃO - DIA

Mainha está na frente da casa indicada que seria de João.


Ela confere o endereço.
MAINHA
João! Ô, João! Ô, de casa....

OUTRO JOÃO, 50 anos, abre a porta.


JOÃO
Pois não, minha senhora.

MAINHA
(assustada)
João? O tempo não foi generoso com
você, hein?!

(CONTINUED)
CONTINUED: 68.

JOÃO
Eu posso ajuda a senhora em que?
MAINHA
Em assumir o filho que você teve
comigo, sua peste.

JOÃO
Oxe, minha senhora, deve ser algum
mal entendido. Não tem filho nenhum
não.

MAINHA
Ah, e eu sou mentirosa! Bote sua
mão aqui que eu vou tirar a prova
Oxente! E o sexto dedo? Fez
cirurgia foi?

JOÃO
Imagina, tirar o meu dedo da sorte.
João mostra seu pé (tem seis dedos). Mainha percebe que está
diante do João errado.

MAINHA
E eu só posso está com azar, para
atravessar esse rio inteiro e
chegar aqui encontrar o João
errado.

Mainha sai revoltada em direção a ponte.

CENA 33 - EXT. - PONTE - DIA

Tumulto na entrada da ponte. Mainha chega de bicicleta.


MAINHA
Se não sair da frente eu vou passar
é por cima.

HOMEM 1
Calma, minha tia. Tá todo mundo
querendo passar, mas tá tendo
protesto.

MAINHA
E isso é hora de fazer protesto?
Vocês querem atrapalhara vida de
vocês e também a dos outros.

(CONTINUED)
CONTINUED: 69.

Mainha parte até conseguir chegar nos manifestantes.


Trata-se de um protesto de filarmônicas onde a os gritos de
ordem se dão pelo tocar dos instrumentos. Estão todos com
seus instrumentos em riste impedindo a passagem dos
pedestres e motoristas.

MAINHA
Eu to querendo passar. Com quem é
que eu falo aqui para parar essa
manifesto?

MANIFESTANTE
(tocam o instrumento)
Paaaaaaaa....
MAINHA
Mas isso é uma bagunça. Não tem um
coordenador?
MANIFESTANTE
(tocam instrumento)
Paaaaa.....

Abrem espaço e passa o maestro entre eles.


MAINHA
Como eu faço para passar aqui.
Preciso ir para São Félix.

MAESTRO
Minha senhora...
MAINHA
Senhora está no céu.

MAESTRO
Estamos reivindicando melhores
condições para nossa centenária
filarmonica. Não é turma?

MANIFESTANTE
(tocam instrumento)
Paaaaa.....
MAINHA
E o direito de ir e vir?

MAESTRO
Tem um rio inteiro de passagem, na
ponte não passa ninguém.

(CONTINUED)
CONTINUED: 70.

MANIFESTANTE
(tocam instrumento)
Paaaaa.....
MAINHA
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!
Mainha chega a monte, e a manifestação de filarmônicas agora
está deste lado.
MAINHA
(resmunga)
Só podem estar de pirraça comigo! E
agora?
Mainha olha para uma loja que vende instrumentos, fardas de
banda e roupas de balizas de fanfarra. Mainha vai até a loja
e entra.

CENA 34 - EXT. - PONTE - DIA


Mainha, vestida de baliza atravessa a ponte com a banda
atrás dela. Ela faz suas performances e todos aplaudem.
Chega ao outro lado da ponte.
MAINHA
O que uma mãe não faz por sua cria!
Ai, Ai! Mas eu arrasei!

Mainha segue com a banda.

CENA 35 - CANCELADA

CENA 36 - EXT. - ORLA DE CACHOEIRA - ENTARDECER


Junio vem andando só pela orla. Para e senta-se em um banco.
Pega o celular e liga para Keylane.

KEYLANE
Venha cá, você não vai me dar
nenhuma satisfação, não?
JUNIOR
Eu tô em Cachoeira.
KEYLANE
Fazendo o que em Cachoeira? Menino,
você tirou férias um dia depois de
saber que vai ser pai.

(CONTINUED)
CONTINUED: 71.

JUNIOR
Você não me atendeu ontem. Eu te
mandei um áudio explicando tudo.
KEYLANE
E você acha que eu ia escutar um
áudio de 13 minutos, Junior? Eu sou
uma mulher gestante. A radiação do
aparelho pode fazer mal pra
criança.

JUNIOR
Eu vim procurar meu pai. Mainha
veio comigo. É uma longa história.
KEYLANE
Sim, e ela disse o que?

Insert de Mainha gritando pra Junior: "Essa menina é uma


golpista!"
JUNIOR
Ela até aceitou bem. Já falou pra
família inteira, inclusive.
KEYLANE
E você? Tá achando o que?
JUNIOR
Velho... Eu não quero ser um pai
ruim, sacou? Parece que todo ser
humano que eu encontro tem uma
opinião sobre como eu devo me
comportar daqui pra frente. Ontem
eu nem consegui dormir direito
depois da festa de minha vó. E
você?
KEYLANE
Eu fui dormir às seis da tarde e
levantei hoje, meio dia.
JUNIOR
Você dormiu 18 horas seguidas.
KEYLANE
O bebê absorve mais nutrientes
quando eu estou dormindo.
JUNIOR
Ah, tá... E o que é que você fez
hoje?

(CONTINUED)
CONTINUED: 72.

KEYLANE
Passei a tarde numa burocracia
insuportável pra conseguir meu
adesivo de gestante. Que onda, viu?
Nesse país a gente precisa provar
que tá grávida mesmo estando na
cara!
Junio sorri.

JUNIOR
A barriga já cresceu?
KEYLANE
Alguns milímetros. E que história é
essa de encontrar seu pai?
Junior escuta uma banda passando, ele olha e vê Mainha de
baliza à frente dos músicos.
MAINHA
(grita)
Mainha! Mainha!
MAINHA
(grita)
Junio, meu filho! Graças a Deus.

Mainha vai até junio na orla.


JUNIO
(para Keylane)
Acho que mainha enlouqueceu.

KEYLANE
Sua mãe sendo sua mãe, né? Qual é o
dia que essa mulher não grita?
Raiai... Me ligue amanhã.

JUNIOR
(para Keylane)
Certo. Certo.
Mainha senta-se ao lado de Junio.

JUNIO
Que maluquice é essa, Mainha?
MAINHA
O que uma mãe não faz por seu
filho... Cansei, Junio!
Mainha coloca a cabeça no ombro do filho.

(CONTINUED)
CONTINUED: 73.

JUNIO
Bora pro hotel?
Mainha faz que sim com a cabeça. Eles andam abraçados pela
rua.

CENA 37 - INT. - QUARTO DE HOTEL - NOITE


Um quarto de hotel simples. Mainha deitada na cama, com
trajes de dormir, e um pepino nos olhos. Junio está
massageando os pés de Mainha.
MAINHA
Aí em baixo, Junio... Ai, ai, ai...
Aí! Mais forte Junio!

JUNIO
Oh mainha, a senhora não vai
perguntar se eu encontrei meu pai,
não?
MAINHA
Aaaaaaaaaaai, devagar Junio!
JUNIO
O que foi, Mainha?
MAINHA
Minha tendinite!
JUNIO
Oh mainha, a senhora ouviu o que eu
falei? Não vai perguntar do meu pai
não?

MAINHA
Ouvi o que, Junio? Tô aqui
alucinada de dor.

JUNIO
De meu pai, mainha, que eu procurei
o dia todo.
MAINHA
Sim, Junio, encontrou seu pai?

JUNIO
Não.
MAINHA
E você quer que eu faça o quê,
Junio? Eu tô aqui com tanta dor,
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 74.

MAINHA (cont’d)
toda entrevada. Tenha pena de sua
mãe. Amanhã vou acordar com a cara
toda inchada parecendo que saí de
uma tumba. Me deixe quieta, menino,
que eu preciso repousar. Só de
pensar que amanhã começa tudo de
novo. Me deixe, Junio.
Silêncio. Mainha tenta dormir, Junio continua massageando,
puxando conversa

JUNIO
Mainha, amanhã a gente pode ir no
gabinete do prefeito pra ver se ele
conhece o meu pai.

MAINHA
(sonolenta)
Tá bom, Junio.
JUNIO
E no final da tarde, eu tava
pensando da gente acampar na mata
com o pessoal.
MAINHA
(sonolenta)
Boa ideia, boa ideia, Junio.
JUNIO
Ô mainha, eu tava pensando: e se a
gente vendesse o carro e
contratasse um detetive pra
procurar meu pai?
MAINHA
(sonolenta)
Pode ser, Junio. Como você achar
melhor. Mas agora vá e me deixe
descansar.
JUNIO
Mainha!!!! A senhora tá ouvindo o
que eu tô falando? A senhora tá
doente?

MAINHA
Junio, a mãe quer o melhor pro
filho, mesmo que pra isso a gente
precise se humilhar, ouvir desaforo
de certo tipo de gente, correr
perigo, entrar no rio até sem saber
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 75.

MAINHA (cont’d)
nadar, comprar briga com
baderneiro. E tudo isso pra quê?
Pra te ver feliz, Junio.
JUNIO
(emocionado)
Mas, Mainha, eu já tô feliz... Eu
vou ser pai. E acho que foi uma
maluquice essa história toda. Eu já
sou feliz só de ter você comigo
procurando meu pai. Amanhã cedo a
gente pode ir embora, voltar pra
nossa vida, ver Keylane.

MAINHA
É, porque agora ela faz parte da
família e não tem mais para onde
correr, eu como avó estou aqui para
dar carinho, amor, cuidar...

JUNIO
Eu nem posso acreditar que a
senhora está me dizendo isso.
MAINHA
Pois acredite meu filho, a vida tem
dessas. A vida é uma caixinha de
surpresas. Eu estava até pensando
em fazer um jantar reunindo a
família, e chamar Keylane, os pais
dela. Forçando minha natureza,
né? Mas de coração aberto.
JUNIO
É sério, Mainha? Um jantar pra
Keylane?

MAINHA
Por que não?! Ela não é a mãe de
meu neto?
Junio abraça Mainha.

JUNIO
Mainha a senhora é a melhor mãe do
mundo.
MAINHA
Aaaaaaaa Júnior, minha máscara
veganaaaaaaa!
Mainha se recompõe.

(CONTINUED)
CONTINUED: 76.

MAINHA
Então deixamos de lado essa
besteira de João, e voltamos logo
cedo para Salvador. Tenho que fazer
a feira para o jantar. Agora me
deixe dormir, pelo amor de Deus.
Mainha se vira na cama. Junio apaga a luz do abajur.

CENA 38 - EXT/INT. - RODOVIÁRIA DE CACHOEIRA/GUICHÊ - DIA

Vemos o ônibus partindo da rodoviária. Ao fundo, vemos


Mainha correndo atrás do ônibus, Junio ao fundo com as
malas.
MAINHA
Motô, espera abençoado!
Mainha vê que não vai alcançar e para ofegante.
Mainha chega no guichê.

MAINHA
Bom dia, amô. Qual é o próximo pra
Salvador?
ATENDENTE
Oh, minha senhora, o próximo tá
vindo de Maragojipe. Logo chega.
MAINHA
O jeito é esperar.

Mainha e Junio se sentam na rodoviária.


MAINHA
Oi, Junio, tava pensando em que
fazer para o jantar de Keylane. O
que coisinha gosta de comer?

JUNIO
Sei não.
MAINHA
Vai comer o que eu servir. Vou
fazer meu carro chefe: ensopado de
pé.
Cida vai passando, vê Mainha e volta animada. O ônibus vem
chegando.

(CONTINUED)
CONTINUED: 77.

CIDA
Mulher! Que bom que lhe encontrei.
MAINHA
Tô com pressa, Cidão. Já tô indo
embora.

Eles vão indo em direção ao ônibus.


CIDA
Me escute, encontrei o pai de seu
filho. É esse seu filho?
MAINHA
Sim.
CIDA
Que bonitão!
MAINHA
Deixe de ousadia que você não tem
mais idade pra isso.

CIDA
Que disse?
MAINHA
Bora, Junio. Bora.

JUNIO
Mainha, ela disse que sabe onde
está painho.
MAINHA
Tarde de mais, não é?! Bora
adiantar pra fazer esse jantar para
Keylane.
Mainha sobe as escadas do ônibus.

JUNIO
Mainha...
MAINHA
É o que, Junio?

JUNIO
Bora tentar essa última vez...
MAINHA
O que a gente combinou, Junio?

(CONTINUED)
CONTINUED: 78.

JUNIO
Mainha...
MAINHA
Tá bem, Junio! Tá bem.

Ela desce do ônibus e vão até Cida.


MAINHA
Onde encontro esse bençoado de seis
dedos?

CENA 39 - EXT - FRENTE DA CASA DE JOÃO - DIA


Mainha e Junio estão diante da casa. Mainha bate na porta.

MAINHA
Ô de casa....
Quem abre a porta é Dona Zezé.
DONA ZEZÉ
Tem pão, não.
MAINHA
Huhun... De onde menos espera é que
se vem.

JUNIO
Aqui é a casa de Seu João?
DONA ZEZÉ
Da parte de quem?

MAINHA
Da minha mesma e do meu filho.
DONA ZEZÉ
João não tá em casa, não. Saiu cedo
e volta tarde.

MAINHA
O que a senhora é dele? Encosto?
DONA ZEZÉ
Sogra.
Chega RAYMARA, 40 anos, de dentro da casa.
RAYMARA
O que é Mainha?

(CONTINUED)
CONTINUED: 79.

Mainha e Raymara trocam olhares. FLASHS do São João (cena


17).
MAINHA
Só podia ser mãe e filha mesmo.
Isso é carma, Junio. Carma!

Chega de dentro da casa, JUNINHO, 25 anos, idêntico a Junio.


JUNINHO
Quem é aí, minha vó?

Todos olham fixamente para a cara de Junio e depois para de


Juninho.

CENA 40 - INT. - SALA DA CASA DE JOÃO - DIA

Sentados no sofá, de um lado a família de Dona Zezé e de


outro Mainha e Junio. Silêncio constrangedor.
JUNINHO
Cê mora aqui em Cachoeira, veio?

JUNIO
Não, man, sou de Salvador.
JUNINHO
Cê gosta de video game?

JUNIO
Oxe.
JUNINHO
Oxe, sim, ou oxe, não.

JUNIO
Oxe, com certeza.
JUNINHO
Tá a fim?

JUNIO
Bora!
Os dois se levantam e vão até a TV com video game. Eles
ficam jogando e se entrosam.
RAYMARA
Desde quando você conhece João?

(CONTINUED)
CONTINUED: 80.

MAINHA
Desde um São João infeliz que tive
a muito tempo.
RAYMARA
E quer o quê como eles?
MAINHA
É só com eles mesmo, amô.
RAYMARA
Meu marido não tem segredo comigo.
MAINHA
Que bom!
DONA ZEZÉ
Junio?
JUNIO E JUNINHO
Oi!

DONA ZEZÉ
Vai querer o quê de almoço?
JUNIO
Lasanha.

DONA ZEZÉ
Tô falando com meu neto.
JUNINHO
Tanto faz, voinha.

MAINHA
Junio, quando chegar em casa,
Mainha faz lasanha pra você. De
camarão, viu?!
Vemos uma mão com seis dedos abrindo a porta.

DONA ZEZÉ
João, tem um povo aqui te
procurando.
Mainha levanta-se olha ele de cabo a rabo. Vemos JOÃO, 50
anos.
MAINHA
Tudo bom, João?

Ela aproveita o movimento e puxa a mão dele para ver o sexto


dedo.

(CONTINUED)
CONTINUED: 81.

MAINHA
É ele, Junio. Não queria achar seu
pai? Oia ele aqui.
Junio se levanta do chão onde estava jogando video game.

JOÃO
Em que posso ajudar?
MAINHA
Lembra de mim, não?!

FLASHS do São João (cena 17), mas agora vemos com o rosto de
João aparecendo nas memórias.
JOÃO
Não é possível! É você?

João dá um rodopio em Mainha e levanta a saia dela. Vemos


uma pinta perna de Mainha.
JOÃO
Oiiiia... Minha pintinha!

RAYMARA
(repreendendo)
João!
MAINHA
(agoniada)
Homem, não levante a minha saia.
JOÃO
É você, pintinha?

MAINHA
(cortejando e censurando)
Oh, você lembrou não foi? Mas,
continua ousado, não mudou nada.

RAYMARA
Que porra é essa?
MAINHA
(cortando)
Conversa pra dois.

JOÃO
E você continua com tudo em cima. O
tempo foi generoso com você...

(CONTINUED)
CONTINUED: 82.

MAINHA
Quem tem, tem! Mas oia, me deixe
viu.
JOÃO
Você já conhece Raymara, minha
esposa, e dona Zezé, minha sogra.
Tem meu filho também. Junio?
JUNIO E JUNIOR
Oi!

Junio e João se olham.


JOÃO
E quem é esse rapaz bonito?

Num impulso, Junio abraça João forte. João a princípio se


assusta, mas depois faz um semblante leve de felicidade.

CENA 41 - EXT/INT - BAR - DIA

Mainha, Junio e João estão sentados do lado de fora uma


sorveteria tomando sorvete. Silêncio constrangedor.
MAINHA
Bora menino, vai ficar calado é?
Não queria tanto ver seu pai?

JUNIO
O senhor é João, mesmo?
JOÃO
Não. O nome do senhor é Jesus. O
meu é João, mesmo.
MAINHA
Iiih, já começou errado. Já quer
botar minha educação por água
abaixo. É senhor sim, Junio, com
respeito aos mais velhos.
JUNIO
E a sua banda vai tocar quando?

MAINHA
Oia, negoço de banda eu vou me
embora hoje, viu? Não vou fazer
morada aqui.

(CONTINUED)
CONTINUED: 83.

JOÃO
Banda? Não tenho banda não.
MAINHA
E o Samba de Roda, acabou?

JOÃO
Como assim?
MAINHA
Você não tinha um Samba de Roda?

JOÃO
E é?
Mainha olha feio para ele.

JOÃO
Não sei dessa história não.
Mainha começa a fingir que está tossindo e fuzila João com
os olhos.

MAINHA
Junio, pega ali uma água com gás
ali que eu me entalei.
JUNIO
Se entalou com o que, Mainha?
MAINHA
Com o vento! Bora, bora!
Junio levanta e vai pegar água

MAINHA
Oia, eu só não faço uma besteira
aqui agora, pra eu não sair daqui
algemada pra delegacia da segunda.
Não sei como que você teve a
coragem de ter esse queixo de
cimento com essa cara cínica.
JOÃO
Mas eu falei isso?

MAINHA
(irônica)
Ah porque eu sou mentirosa, pronto.
Eu me lembro como se fosse hoje,
você me dizendo que era da banda.
Eu não sou maluca, eu não sou
louca!

(CONTINUED)
CONTINUED: 84.

JOÃO
Aaaah, eu não menti, eu só omiti.
Eu era da banda, mas, era o
motorista da van que levava os
músicos.
MAINHA
Desde que eu conheço Miranda, é pra
lá que se anda. Homem é tudo igual
só muda CEP, e no seu caso a mão,
com esse dedinho nojento.
JUNIO
(OFF)
Ô Mainha, acabou a água com gás!

Mainha finge tosse.


MAINHA
Vá ali no outro bar, ali na frente
pra ver se não tem.

JOÃO
Porque você nunca me contou?
MAINHA
Não subestime minha inteligência,
homem de Deus. Eu fiquei sabento
que você tem um filho em cada canto
e nenhum tem seu nome na
identidade.
JOÃO
(rindo)
Eu era muito retado, né, Pintinha?
MAINHA
Pois é, pois omita também, pro
menino, os detalhes do passado. Ele
não pode nem imaginar que eu vinha
pra cá no São João toda trabalhada
na ousadia. O menino já não é muito
certo, engravidou uma aí... Se
ainda não tiver o bom exemplo da
mãe, aí é que lasca tudo.
JOÃO
(emocionado)
Eu vou ser avô?

MAINHA
Me poupe, João. Pode parar com o
drama. Quem não foi pai não merece
ser avô.

(CONTINUED)
CONTINUED: 85.

JOÃO
Mas eu nem sabia de Junio. Se você
tivesse me contado...
MAINHA
Mas não contei. E pronto! Agora
finja que não lhe falei nada que
Junio ta vindo.
Junio volta com a água e senta-se à mesa.

MAINHA
Vá Junio, dê a notícia a seu pai!
JUNIO
Que notícia?

MAINHA
Como que notícia, Junio?
Mainha faz um sinal de barriga de grávida.
JUNIO
Tá com fome, Mainha?
MAINHA
Não!
Mainha faz um sinal de barriga de grávida.

JUNIO
Comeu muito?
MAINHA
Mas é um banana, mesmo! Junio, o
que você e Keylane fizeram?
JUNIO
Sexo?

MAINHA
Sim, Junio, mas o que resultou?
JUNIO
Ah, sim... Painho, o senhor vai ser
avô.

JOÃO
Eu? Quem é que vai ter filho?
MAINHA
A cachorra!

(CONTINUED)
CONTINUED: 86.

JUNIO
Eu vou ser pai.
MAINHA
Ô, é a ordem biológica. Se você vai
ser avô é porque seu filho vai ser
pai. Quem puxa aos seus não
degenera, dois lerdos.
João celebra e dá um abraço em Junio.

JOÃO
A gente tem que comemorar isso!
Vamos fazer um churrasco lá em casa
hoje.
MAINHA
Sem condição, estou indo embora. Eu
mais o menino. Tenho um jantar para
fazer.
JOÃO
Que nada, durmam lá em casa hoje.
Faço a maior questão.
JUNIO
Ô Mainha, por favor!
MAINHA
O que combinamos Junio?
JUNIO
Jantar pra Keylane a gente pode
fazer todo dia, mas, painho...

MAINHA
Ai Junio... Tá, tá, tá, tá...
JOÃO
Que felicidade. Tenho tanta coisa
pra te mostra, filho.
Junio e João saem andando. Mainha fica pensativa.
MAINHA
Agora é isso...
87.

CENA 42 - EXT/INT - CIDADE DE CACHOEIRA - DIA


Junio e João saem fazendo selfs pela cidade, Mainha sempre
de fundo chateada.

CENA 43 CANCELADA

CENA 44 - INT. - QUARTO DE JOÃO - NOITE


Mainha anda pela casa de João espionando. Pé ante pé vai
indo cômodo por cômodo.
MAINHA
(resmunga)
Onde Junio se meteu?
Vemos um porta retrado de João com Juninho.
Mainha chega na porta do quarto de João e começa a espionar
Junio e o pai que estão lá dentro.
JUNIO
Meu pai, eu tenho uma coisa pro
senhor. Faz um tempão que eu guardo
isso... E agora com o bebê chegando
eu não vou ter mais onde botar.
Então queria pedir pra você
guardar, só por enquanto... aí,
quando meu filho nascer, eu volto
aqui com ele e pego de volta. O
senhor acha o que? Porque, sei
lá...eu não queria jogar fora.
Então, se o senhor tiver um
espacinho ai, um cantinho, pode ser
em cima da cômoda do quarto, na
estante da sala, em cima da
geladeira, no armarinho do
banheiro... Sei lá...
Junio entrega uma caixa com os porta-retratos agora com as
fotos que pai e filho tiraram durante o dia.

JOÃO
(abrindo a caixa)
Ô meu filho! Você sabe que o tempo
passou, não dá pra voltar no
tempo... mas a partir de agora, tô
aqui filho, pro que você precisar.
Pode deixar que eu vô pendurar isso
aqui na casa inteira. Daqui uns
dias vai ser você. E você, tá feliz
em ser pai?

(CONTINUED)
CONTINUED: 88.

JUNIO
Tô... Eu tô com medo de fazer
alguma cagada. Mas eu tô feliz.
JOÃO
Você foi bem criado, vai saber o
que fazer. Quer um conselho de pai?
A gente não nasce com um manual de
como ser pai, mas quando a gente
escuta o primeiro choro, a primeira
palavrinha.... parece que tudo
muda. Quem vai te ensinar a ser pai
é seu filho!
Eles se abraçam. Mainha na porta, chora.

CENA 45 - INT. - SALA DA CASA DE JOÃO - AMANHECER


Mainha vem do quarto onde dormiu tentando não fazer barulho.
Esbarra em um móvel e faz uma barulheira. Ela fica um
instante parada e percebe que ninguém acordou. Vai até um
móvel com um espelho. Tira primeiro um batom da bolsa e
passa. Em seguida, guarda um batom, tira da bolsa uma foto
dela e de Junio e coloca em cima do móvel.

CENA 46 - EXT. - RODOVIÁRIA - AMANHECER

Mainha entra dentro do ônibus. Mainha começa a escrever uma


carta. A leitura da carta pertura até o fim da sequência
(entra as cenas 47, 48 e 49).
MAINHA
(voz off da leitura da carta)
Junior, agora é a sua vez de ser a
referência para uma outra pessoa.
Os filhos não sabem mas, quando
eles veem ao mundo, nos enchem da
mais pura alegria, também nos
enchem de medo: medo de não sermos
suficientes, de não estarmos sempre
presentes, medo de vê-los indo
embora. Talvez eu não tenha sido
uma mãe perfeita, mas nada no mundo
me encheu mais de orgulho do que
ter sido sua mãe. Mesmo quando você
não achava o cartão bem na sua
frente e me fazia esfregar em sua
cara, ou quando me fazia te dar
dois gritos por ter jogado suas
cuecas na máquina junto com minhas
calcinhas, ou até quando esquecia
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 89.

MAINHA (cont’d)
de pagar a energia e me fazia ficar
sem luz em casa. Às vezes passamos
do ponto e somos um pouco duras,
mas é porque a vida também foi dura
com a gente. Você está nas minhas
lembranças desde que abriu os
olhinhos pela primeira vez, e foi
ali que senti que a agulha do
compasso da minha vida mudou de
direção. Obrigado por ter sido meu
companheiro até aqui. Você é meio
abestalhado, mas essa bondade em
seu coração fará de você um bom
pai. Não se esqueça de criar esse
menino ou menina na rédea curta,
para ele não virar um aloprado.
Lembre de mim quando fizer isso.
Beijos da sua mãe.

CENA 47 - INT. - SALA DA CASA DE JOÃO - AMANHECER

Junio procura Mainha pela casa. Encontra a fotografia.

CENA 48 - EXT. - FRENTE DA CASA DE JOÃO - AMANHECER


Junio olha para os lados, mas não tem ninguém. Ele corre
pelas ruas de Cachoeira procurando sua mãe. Vai até o portal
de entrada da cidade. De lá ele vê o ônibus de Mainha indo
embora. Junio vendo a foto fica emocionado.

CENA 49 - INT. - ÔNIBUS - AMANHECER


Mainha pega uma foto de Junio na bolso. O ônibus parte.
Mainha fica acariciando a foto do filho e chorando, enquanto
o ônibus segue. No auge da emoção, o ônibus breca
bruscamente.

MAINHA
O que é isso?
MOTORISTA
(voz over)
Oh, pessoal, o ônibus quebrou, mas
já tá tudo resolvido.
MAINHA
Eu mereço.
90.

CENA 50 - EXT. - ESTRADA - DIA


Mainha do lado de fora do ônibus quebrado chupando uma
tangerina. Vemos a placa "Volte sempre ao Recôncavo". Um
ônibus passa, Mainha dá sinal, mas não para.

CENA 51 - EXT. - RUA DA CASA DE MAINHA - DIA

Mainha vem andando pela rua, a princípio triste, mas vai


ganhando gás conforme vai encontrando com os vizinhos e
contando sobre Junio.
MAINHA
(fala pra vizinhança e publico
- quebrando a quarta parede)
Ai, ai, agora sou eu e Deus porque
Junio menina se mudou pra São
Paulo. Recebeu uma proposta de
emprego como ele mesmo disse
MARAVITOP...Tá na moda agora. Esse
jovens... Jovens não, né, que já tá
grande, bem criado, dono do
mundo. Não, eu não vou não, porque
eu quero ficar é aqui, né, Juci.
Tem minha aposentadoria... Eu, Xuxa
e minhas plantas tá ótimo. Tudo tem
seu dia e sua hora. Tá tão
organizado meu filho, que até
pensão quer me mandar, mas eu já
disse a ele que eu não tenho
precisão do dinheiro dele. Às vezes
quer comprar um carro, uma casa na
ilha, né, Finha? O meu eu já tenho
e tô vivendo bem... Todo passarinho
tem sua hora de voar. Dá licença
aqui Vera que eu vou descansar que
a viagem foi pesada. Nada como
estar dentro de sua casa, de sua
cama, tirando uma nadorna. Viajar é
bom, mas voltar pra casa é melhor
ainda. Lar doce lar.
Mainha coloca a chave na fechadura de casa, um vento bate em
suas costas. Vemos CINTIA, 45 anos, de dentro de sua casa
indo para a varanda tomar parte da vida de Mainha. Cintia se
debruça na varanda, só então vemos seu rosto.
CINTIA
Enrrugueceu. Dá pra ver pela cara
que virou avó. Tô sabendo da
novidade.
Mainha se vira e olha para a varanda.

(CONTINUED)
CONTINUED: 91.

MAINHA
Você devia tomar parte de seu
filho, que desde pequeno é raciado
com o cão. Você ai de camarote não
faz nada. Daqui a pouco tá
envolvido com o que não presta. Se
não já estiver, né?!
CINTIA
Quem não ouve cuidado, ouve
coitado! Daqui a pouco tá abrindo
uma creche. Todo dia um entra e sai
de menina na sua porta.
MAINHA
Me deixe, mulher! A pessoa chega na
paz de deus, bota o pé na porta
começa a consumição.
Mainha começa a subir a escada de casa.
MAINHA
Pra seu governo, Junio está morando
em São Paulo, num emprego que paga
muito bem, e nas horas vagas ele
faz um curso. Não é quinem uns e
outros que ficam o dia todo na
barra da sai da mãe, que não sabe
fritar nem um ovo. Passar bem,
Cintia, querida.
Abre a porta de casa e entra.

CENA 52 - INT. - SALA DA CASA DE MAINHA - DIA


Mainha entra e dá de cara com Junio que já chegou. Ela leva
um susto. Junio está com um papel na mão.
MAINHA
Junio! Eu não acredito que você tá
aqui, Junio. Que vergonha... Eu
falei pra todo mundo que...
JUNIO
(lendo a carta)
"Mainha, obrigado por ser tão
especial. Não te trocaria por nada.
Te amo."
MAINHA
(aos prantos)

(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 92.

MAINHA (cont’d)
ô Junio, chega tô insoluçando. Que
coisa mais linda. Tu quer acabar
com o coração de sua mãe?

JUNIOR
Desde que eu me entendo por gente,
a senhora sempre foi diferente das
outras mães. Eu nunca entendi
direito, mas hoje, agora que vou
ser pai, eu acho que entendo tudo o
que a senhora fez por mim. Mainha,
a senhora foi a minha família
inteira... e agora, nesse momento,
em que eu fico todos os dias
pesando em como não deixar que nada
falte para o meu guri, eu me
pergunto: quando foi, Mainha, que a
senhora aprendeu a ser tudo o que
eu poderia precisar? Como foi que a
senhora se tornou tudo o que eu
poderia querer? Painho que me
perdoe, mas quando o meu menino
nascer, eu espero saber ser pai
igual a senhora. Mãe, a senhora
achou que ia conseguir criar essa
criança sem ter você por perto? Eu
vim de onde? Eu vim de onde?

Mainha põe a mão na barriga dengosa. Junior e Mainha se


abraçam.

SETE ANOS DEPOIS

CENA 53 - INT. - COZINHA DE MAINHA - DIA


Mainha e Keylane estão na cozinha preparando o almoço.

MAINHA
Ah minha filha, Junio sempre foi
desorganizado, cueca em cima do
sofá; copo embaixo do cama. Uma vez
largou um copo de café no banheiro
que deu até morotó.

KEYLANE
Tem coisa que não muda, mesmo.
Passa o dia todo no video game e só
quer comer besteira.

(CONTINUED)
CONTINUED: 93.

MAINHA
Por isso, minha filha, não deixe
montar em você.

KEYLANE
Comigo mesmo não, antes dele pensar
em fazer, já estou cortando.
MAINHA
Tem que ter pulso, freio. Tem que
levar na rédea curta. É porque ele
puxou ao pai, né? Eu bem sei o que
eu passei.

CENA 54 - INT. - QUARTO DE JUNIO - DIA


Junio está diante do armário de seu quarto (segue os
enquadramentos das cenas dele diante do móvel). Ele abre o
armário.

JUNIO
Achei!
Vemos o filho de Junio, JUNIOZINHO, 7 anos, rindo no
armário. Junio pega a criança no colo e sai brincando.
OVIMOS OS DIÁLOGOS LIVRES DE JUNIO, MAINHA, JUNIOZINHO E
KEYLANE ALMOÇANDO. A câmera anda pelo quarto e para em um
porta retrato no criado-mudo ao lado da cama. No porta
retrato tem um desenho de um super-herói em que o rosto é um
recorte de uma foto do rosto de mainha. Na borda superior do
porta-retrato está escrito "Meu Herói".

CENA 55 - INT/EXT. - SALA E RUA DA CASA DE MAINHA -


ENTARDECER
Junio, Keylane e Filho se despedem. Mainha brinca com o neto
(diálogos livres). Saida afobada. Mainha fica sozinha em
casa. Ela senta-se no sofá e fica com o olhar perdido.
JUNIO
(voz over)
Mainha! Mainha!

Mainha vai se dirigindo à varanda.


MAINHA
Esses menino esqueceram alguma
coisa, só não esquece da cabeça
porque tá grudada no pescoço. O que
foi agora, menino?
De baixo, Junio diz:

(CONTINUED)
CONTINUED: 94.

JUNIO
À bença mainha!
MAINHA
Deus lhe abençoe! Deus lhe abençoe!

Junio entra no carro e vão embora. Mainha fica observando


eles partirem.

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