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REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 O DIREITO A EDUCA DO}: doiorg/0.32361/2020120210827 0 PARA AS PESSOAS COM DEFICIENCIA: NUANCES E ENTRAVES | THE RIGHT TO EDUCATION FOR PEOPLE WITH DISABILITIES: NUANCES AND BARRIERS RESUMO | O artigo explora as questées relativas ao direito a educago escolar para a pessoa com deficiéncia. Tem por objetivo identificar os bices atinentes a materializaggo desse_—direito fundamental e — analisar 0s instrumentos normativos que a sociedade pode utilizar para pleitear a concretizagao dessa garentia. Sendo a educagdo um direito previsto na Constituicao Federal de 1988 @, considerando um cenério democratico e de convivéncia com a pluralidade humana, é imprescindivel a plena efetivagao da educaco —inclusiva. e = do atendimento educacional especializado para as pessoas com deficiéncia. A pesquisa desenvolveu-se segundo 0 método hipotético-dedutivo e a metodologia utiizada é a bibliografica. Constata- se que ha omissdo estatal ou protegdo —insuficiente para implementar politicas publicas que consubstanciem essa garantia para 08 individuos com deficiéncia, o que fere a dignidade da pessoa humana e gera a auséncia de estrutura adequada nas escolas. PALAVRAS-CHAVE | Pessoa com deficiéncia. Educagao inclusiva. Atendimento educacional especializado. Dignidade da pessoa humana. www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br MARISA NASCIMENTO CUNHA TANISE ZAGO THOMAS! ABSTRACT | This study explores issues related to the right to school education for a person with disability. It aims to identify the obstacles related to_—the materialization of this fundamental fight and to analyze the normative instruments that society can use to request the realization of this guarantee. As an education is a foreseen right in the Federal Constitution of 1988 and, considering @ democratic scenario and coexistence with human plurality, it is essencial the full realization of inclusive education and specialized educational assistance for people with disabilities. The research was developed according to the hypothetical-deductive method and the methodology used is the bibliographic. It appears that there is a state omission or insufficient protection to implement public policies that substantiate this guarantee for individuals with disabilities, which hurts the dignity of the human person and generates the absence of adequate structure in schools. KEYWORDS | Person with disability. Inclusive education. Specialized educational assistance. Dignity of human person lde 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 DO}: doiorg/0.32361/2020120210827 41. INTRODUGAO direito 4 educagao ¢ essencial para o desenvolvimento do individuo, além de ser um instrumento que proporciona os meios necessarios para a construgdo de uma sociedade justa, livre e transformadora. A educagdo ¢ a capacidade de aprender, néo somente para adaptacao, mas, sobretudo, para modificar a realidade, para nela intervir, rectiando-a (FREIRE, 2016, p. 67). O acesso de educandos com deficiéncia as escolas e classes comuns da rede regular € crucial para concretizar uma existéncia humana digna, fomentar a cooperagao, a solidariedade e 0 convivio com a diversidade humana. Desse modo, é primordial que essa garantia prevista na Carta Magna seja ofertada a todos, devendo o Estado fornecer as condigdes adequadas para efetiva-la, notadamente para as pessoas com deficiéncia, visto que, segundo Barcellos (2011, p.282), 0 que a Constituigo dispée haverd de ser cumprido e respeitado pelos poderes constituidos. tema em epigrafe justifica-se pela necessidade de conceder tutela satisfativa aos alunos com deficiéncia, considerando que esses individuos constituem um grupo vulnerabilizado e segregado da sociedade, com direitos fetidos ou assegurados de forma insuficiente, notadamente a educagao. Dessa forma, revela-se fundamental perquirir quais os impasses que dificultam a plena efetivagao desse direito e demonstrar possiveis alternativas para otimizar 0 processo educacional desses individuos e os meios para que a populagdo possa exigir do Poder Piiblico a efetivagdo desse direito fundamental social. Ademais, tal proposta merece discussao pelo fato de que o descumprimento dessa norma fere a dignidade da pessoa humana, impedindo sua inclusao no ambiente social no qual esta inserida, O presente trabalho tem por objetivo identificar os empecilhos no tocante @ materializacéo desse direito fundamental, os quais devem ser combatidos para possibilitar 0 ensino democratico e de qualidade, adaptado as nuances e peculiatidades que essa garantia pode apresentar no ambito pratico. www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 2 dese REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0389 | V12 No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 A luz da perspectiva de Eugénia Favero (2012, p.83), fomentar a inclusdo parece ser a solugdo para eliminar a reluténcia a ter as pessoas com deficiéncia como cidaddos de fato, estudando nas escolas comuns, trabalhando, se divertindo, Outrossim, pretende-se analisar os instrumentos normativos que a sociedade pode utilizar a fim de pleitear a concretizagéo desse direito. Portanto, ao longo deste artigo serao discutidas as questes relativas ao direito & educagao escolar para a pessoa com deficiéncia, Utilizou-se como metodologia de abordagem 0 método hipotético- dedutivo, partindo-se de impasses, acerca dos quais foram formuladas hipéteses, que sero submetidas a uma andlise para verificar a ocorréncia dos fenémenos abrangidos pelas conjecturas. A técnica de pesquisa utllizada foi a bibliografica, baseando-se em livros, doutrina, dissertacdes, legislagao, noticias artigos veiculados em meios eletronicos, 0 que constitui um manancial tedrico crucial para um melhor estudo sobre 0 direito a educagao para as pessoas com deficiéncia. Este artigo traz, em primeiro plano, esclarecimentos acerca dos conceitos de pessoa com deficiéncia, de educacdo inclusiva e de atendimento educacional especializado. Em seguida, & examinada a legislagao constitucional que embasa a conoretizagao do direito A educagdo para as pessoas com deficiéncia. Prosseguindo, sao investigados os ébices no tocante & materializagao dessa garantia e expostos os instrumentos normativos para que se possa requerer a efetivagao desse direito. 2. 0 DIREITO A EDUCAGAO PARA AS PESSOAS COM DEFICIENCIA Desde logo, ¢ de fundamental importancia esclarecer 0 concelto de pessoa com deficiéncia, uma vez que é disseminada na sociedade uma ideia equivocada a respeito desse tema, o que gera um estigma social de que esse individuo seria incapaz. A Convengéo Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiéncia (intemalizada pelo Brasil através do Decreto n° 6.949, www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 3de32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V12 NO2 2020 DO doiorg/l032361/2020120210627 de 25 de agosto de 2009) dispéde sobre a defini¢ao do conceito em analise, em seu art. 1°, paragrafo segundo, estabelecendo que: Pessoas com deficiéncia sto aquelas que tém impedimentos de longo prazo de natureza fisica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interagao com diversas barreiras, podem obstruir sua participacio plena e efetiva na sociedade em igualdades de condicies com as demais pessoas. (BRASIL, 2009) Insta ressaltar que a alinea ‘e” do Preambulo da supracitada Convengao reconhece “a deficiéncia como um conesito em evolucai esta decorrente da “interagdo entre pessoas com deficiéncia e as barreiras devidas as atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participagao dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2009) , sendo Portanto, € a conjugagao entre as limitacdes funcionais do corpo humano e as barreiras impostas pelo ambiente que resulta no conceito de deficiéncia. Assim, deve-se avaliar no sé 0 aspecto fisico, como também fatores relativos @ inclusdo no caso concreto, tais como obstaculos que dificultam a insergdo no ambiente social, seja na escola, no trabalho, acesso a saiide etc., que impedem a efetiva participacdo da pessoa com deficiéncia no meio social em igualdade com os demais. Desse modo, é necessario examinar a relagdio entre o individuo e o seu ambiente Saliente-se que, ao longo da histéria, tal conceito foi sendo alterado, passando por varias nuances. Para Piovesan, Silva e Campoli (2012, p.248), 08 direitos humanos das pessoas com deficiéncia sao delimitados por quatro momentos. © primeiro 6 marcado pela intolerancia no tocante a esses individuos, sendo que a deficiéncia era sinénimo de impureza, pecado, ou castigo divino, Ja 0 segundo se caracteriza pela invisibilidade das pessoas com deficiéncia. Por sua vez, 0 terceiro é norteado por uma visdo assistencialista, tendo um aspecto médico € biolégico, em que a deficiéncia era uma “doenga a ser curada’ (PIOVESAN; SILVA; CAMPOLI, 2012, p.248). www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 40032 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 © quarto momento é marcado pelo panorama dos direitos humanos, em que exsurgem os direitos a incluséo social, a imprescindibilidade de supressdo de barreiras, sejam culturais, fisicas ou sociais, a fim de garantir que as pessoas com deficiéncia exergam plenamente os seus direitos, sendo necessaria a atuacéo do Estado para tomar possivel essa conjuntura (PIOVESAN, SILVA; CAMPOLI, 2012, p.248-249), Para Vicentini, a deficiéncia pode ser definida como uma limitagéo fisica, sensorial ou mental, no devendo ser confundida com incapacidade. A autora ainda afirma que a incapacidade, seja para andar, falar, ver ou ouvir, 6 0 resultado da deficiéncia, “a qual deve ser vista de forma localizada, ja que pode no implicar incapacidade para outras atividades” (VICENTINI, 2016, p.18). Ademais, é crucial compreender 0 que é a educagao inclusiva, garantia fundamental para estimular a interagao des educandos com deficiéncia com os demais e promover o respeito as diferengas. € um direito assegurado pela ordem constitucional brasileira em seu art.208, inciso III (BRASIL, 1988), 0 qual garante atendimento educacional especializado as pessoas com deficiéncia, preferencialmente na rede regular de ensino. Esse conceito nao esta relacionado @ concepgao equivocada de que o ensino para as pessoas com deficiéncia deve ser em local separado dos demais educandos, mas esta allada a idela de que o sistema educacional para individuos com deficiéncia deve ser também disponibilizado na rede regular. Além disso, 0 art.4°, inciso Ill, da Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), a qual estabelece as diretrizes e bases da educagao nacional, também assegura as pessoas com deficiéncia o ensino preferencialmente na rede regular de ensino, A aludida Lei dispde, em seus artigos 58 a 60, sobre a educagao especial, sendo esta considerada “a modalidade de educagao escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiéncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotaca: nos termos do art, 59 da Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996). Acresca-se que 0 direito ao atendimento educacional especializado é um meio de assegurar que as especificidades de cada educando com www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br Sdese REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | Viz No2 2020 DO}: doiorg/10 3236Y/2020120210627 deficiéncia sejam atendidas. Nesse sentido, a Resolugdo CNE/CEB, n° 7/2010, no art.42, paragrafo Unico, orienta como o servico especializado pode ser oferecido'. ‘A educagdo especial nao substitui, mas complementa o ensino regular, conforme orienta a Politica Nacional de Educagao Especial na Perspectiva da Educagdo Inclusiva (BRASIL, 2008) ‘Na perspectiva da educacio inclusiva, a educagdo especial passa a constitu a proposta pedagégica da escola, definindo como scu piiblico-alvo os alunos com deficiéncia, transtomos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotacdo. Nestes casos ¢ outros, que implicam em transtomos funcionsis especificos, a educacdo especial atua de forma aniculada com o ensino comuun, orientando para o atendimento as nnecessidades educacionais especiais desses alunos, (BRASIL, 2008, p. 15) Destarte, compreender os conceitos de pessoa com deficiéncia e de educacao inclusiva s4o substanciais para analisar o direito 4 educagao escolar para alunos com deficiénci 3. O MARCO NORMATIVO-CONSTITUCIONAL DO DIREITO A EDUCAGAO NO BRASIL Um dos direitos fundamentais sociais previsto na Constituigao Brasileira de 1988, em seu art.6°, é a educagdo, também positivada no Titulo Vill, Capitulo Ill, Secdo |. E um servigo pubblico que deve ser ofertado a todas as pessoas, de modo que o art. 205 dispde que a educagao é “direito de todos e dever do Estado ¢ da familia’, devendo ser *promovida e incentivada com a colaboragao da sociedade”, a fim de se atingir o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para 0 exercicio da cidadania e sua qualficagao para o trabalho" (BRASIL, 1988) TAM. 42 [..] Parégrafo Gnico. © atendimento educacional especializado podera ser oferecido no contraturno, em salas de recursos multfuncionais na prépria escola, em outra escola ou em centros especializados e serd implementado por professores e profissionals com formagio especializada, de acordo com plano de atendimento aos alunos que identifique suas necessidades educacionais especificas, defina os recursos necessarios e as atividades a serem desenvolvidas (BRASIL, 2010}. www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 60032 REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0383 | Viz NG2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 Assim, 0 direito @ educagao para os individuos com deficiéncia esta em harmonia com 0 mandamento constitucional, devendo ser assegurado a estas © acesso ao sistema de ensino nacional. E imprescindivel a implementacdo de politicas publicas com o propdsito de fornecer os meios adequados para efetivar essa garantia, Para tanto, a incluso e os resultados de cada individuo no mundo da educacdo devem respeitar as individualidades (COSTA, 2010, p 36). E imperioso destacar que, sendo a educacdo um dos direitos fundamentais, estes so essenciais para uma vida humana digna. Deste modo, nao ¢ suficiente a positivagéo dessas garantias no texto constitucional, é necessaria_uma prestagdo positiva do Estado a fim de efetiva-los, proporcionando as condigdes minimas para a sua fruigdo. Nessa perspectiva, José Afonso da Silva elucida que a expressao “fundamentais” se refere a situagGes juridicas sem as quais 0 individuo nao consegue conviver, realizar- se, ou até mesmo, sobreviver, 0 que demonstra a indispensabilidade da concretizacao desses direitos para todas as pessoas humanas (2005, p.178) A Constituigao Federal (CF) de 1988, no Titulo Il, também dispée sobre 08 direitos e garantias fundamentais, compreendendo direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos politicos e partidos politicos (BRASIL, 1988). Dentre esses, destacam-se os direitos sociais, que pertencem chamada segunda geragao”, também constituida pelos direitos econdmicos e culturais (MORAES, 2017, p.44). No que conceme aos direitos sociais, conscante estabelece o art. 6°, previsto no Capitulo Il da Carta Magna, estes abrangem a educacao, a satide, a alimentaco, 0 trabalho, a moradia, o lazer, a seguranca, a previdéncia social, a protegéo a matemidade e a infancia e a assisténcia aos desamparados (BRASIL, 1988), Tais direitos provocam consequéncias imediatas, considerando sua autoaplicabilidade estabelecida no art.5°, §1° da CF/88 (BRASIL, 1988), havendo a possibilidade de ajuizamento de demandas TA doutrina classifica os direitos Fundamentals em primeira, segunda e terceira geragbes. Constituem a primeira os direitos e garantias individuais e politicos; a segunda é formada pelos direitos sociais, econémicos e culturais e da terceira fazem parte os direitos de solidariedade ou fraternidade, que abrangem o direito a um meio ambiente equilibrado, 3 paz e a outros direitos difusos (MORAES, 2017, 44-45). www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 7 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 em caso de desrespeito ou omissdo do Estado na regulamentagdo de determinada norma prevista no ordenamento juridico brasileiro. Os direitos sociais estdo relacionados ao principio da igualdade e tém por finalidade a concretizagéo da justiga social, sendo que a sua implementagao ocorre por meio de politicas publicas com o objetivo de abrandar as desigualdades sociais. Esclarece Ingo Wolfgang Sarlet que os direitos fundamentais sociais constituem uma exigéncia inafastavel para o exercicio das liberdades e tutela da igualdade de oportunidades, intrinsecas ideia de democracia e de um Estado de Direito norteado pelo valor da justica material (2012, p.49). Impende destacar a distingdo entre a igualdade perante a lei (isonomia formal) e a igualdade na lei (isonomia material). A primeira, prevista no art.5°, caput, da CF/88, estabelece que na criagdo e aplicagao do direito todos devem ser tratados de forma igual, sem qualquer privilégio, nao levando em consideragao as diferengas de grupos. Por outro lado, a isonomia material determina um tratamento diferenciado para o desigual a fim de concretizar a justiga, visando amparar grupos determinados, situagSes particulares, estando incluidos nesse rol de pessoas protegidas os individuos com deficiéncia Nessa linha, é vélido salientar a decisdo do desembargador Leandro dos Santos, no julgamento do Agravo de Instrumento n® 0811192- 39.2019.8.15.0000, que manteve a deci: Juventude, determinando que 0 Municipio de Joao Pessoa disponibilizasse um mediador capacitado para acompanhar um aluno com autismo em sala de aula 10 do juiz da 1° vara da Infancia e regular, durante 0 periodo de permanéncia na escola, além de material pedagégico para atender as suas necessidades educacionais (PARAIBA, 2019). Tal conjuntura materializa os postulados do atendimento educacional especializado e da educagao inclusiva previstos na Constituicdo, conferindo tratamento diferenciado para aqueles que demandam uma protegao especifica a fim de materializar a isonomia material Sendo a educagéo um dos direitos sociais e estando previsto o postulado da universalidade do ensino no art.205 da Carta Magna, este deve ser destinado a todos, 0 qual é norteado por principios estabelecidos no www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br Bdese REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0389 | V12 No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 art.206, como igualdade, liberdade, pluralismo, gratuidade do ensino piiblico, entre outros (BRASIL, 1988). Considerando as normas constitucionais, José Afonso da Silva ressalta que 0 Estado deve se munir dos meios necessrios para ofertar a todos os servigos educacionais, haja vista os principios estabelecidos na Carta Magna, ctiando condigdes, progressivamente, para que todos venham a exercer esse direito de forma igualitaria, tornando plena e efetiva a realizacao dos preceitos constitucionais (2005, p. 313) Cumpre acentuar que @ educagdo inclusiva é prevista no art.208, inciso Ill, da Constituigao Federal de 1988, o qual garante “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiéncia, preferencialmente na rede regular de ensino" (BRASIL, 1988). Dessa forma, 0 Poder Pubblico deve oferecer aos educandos com deficiéncia um ensino nas classes da rede regular, estimulando a interagao entre todos e 0 respeito diversidade. Para tanto, a Constituicao permite que 0 atendimento especializado seja realizado também fora da rede regular de ensino, em outros estabelecimentos, ja que é uma forma de complementar, e n&o de substituir, 0 ensino ministrado na rede regular. © Estado deve proporcionar um servigo educacional apropriado as pecullaridades das pessoas com deficiéncia, atendendo ao mandamento constitucional de atendimento educacional especializado. _Instrumentos indispensaveis & supresséio de empecilhos devem ser disponibilizados para que esses individuos possam se relacionar com © ambiente extemo, tais como 0 ensino da Lingua Brasileira de Sinais, 0 cédigo Braile, o emprego de recursos de informatica, entre outros. O Poder Puiblico tem o papel de viabllizar os melos, para se atingir o pleno desenvolvimento da pessoa humana, o exercicio da cidadania e a qualificagao para o trabalho, objetivos insculpidos no art.205 da Constituigo Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Registre-se que, conforme afirma Norberto Bobbio, o importante ndo é fundamentar os direitos do homem, mas protegé-los, ou seja, ndo basta a previsdo normativa, é preciso efetiva-los (2004, p. 22). Sendo assim, séo imprescindiveis prestacdes estatais positivas, com a definicao de politicas www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 9des2 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 DO! doiarg/o.32361/2020120210627 pilblicas que priorizem a coneretizagaio de um ensino adequado a atender as necessidades da pessoa com deficiéncia. Nesse sentido, para Ana Paula de Barcellos, o érgao estatal tem o dever de oferecer atendimento educacional especializado para esses individuos, cabendo-Ihe somente decidir 0 conteido especifico desse atendimento em cada caso. Ainda, a autora elucida que a decisdo, para que as providéncias sejam implementadas de modo a efetivar esse direito, ja foi tomada pelo Constituinte, cabendo aos poderes constituidos apenas executé-la (2011, p.319). Ressalte-se que o art.208 da CF/88 dispée sobre a forma de efetivar a educagao, sendo que estabelece o ensino basico como obrigatério (inciso I) eo no oferecimento deste ou a sua disponibilizagao irregular importa responsabilidade da autoridade competente. Portanto, cabe ao Administrador Publico empregar medidas de forma a tornar exequivel o direito fundamental em analise, sob pena de infringir as normas constitucionais e acarretar sua responsabilidade. 4. O DIREITO A EDUCACAO PARA AS PESSOAS COM DEFICIENCIA: ENTRAVES E INSTRUMENTOS NORMATIVOS Malgrado exista a legislagéo normatizando a mat estudo, é importante frisar os impasses que ainda sdo verificados no que concerne @ efetivagao desse direito fundamental. Estes obstaculos necessitam ia do presente ser superados com o fito de construir uma sociedade justa e que respeita a pluralidade humana. Nesse contexto de luta para materializar a garantia da educacdo para aqueles que necessitam de uma atengao especial, também é essencial conhecer os instrumentos que a sociedade pode utilizar para pleitear a consecugao desse direito, Sendo a educago elemento indispensavel para o processo de participagdo do individuo na vida social, politica e econémica, proporcionando autonomia para exercer seus direitos e deveres, é crucial a soma de esforgos com o propésito de efetivar a politica educacional inclusiva e www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 10 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 DO! doiarg/o.32361/2020120210627 democratica, com a oferta do ensino de qualidade para todo e qualquer cidadao. 4.4 O impasse da inefetividade do direito a educa¢ao para os educandos com deficiéncia E primordial examinar os entraves que dificultam a efetivagdo do direito @ educacdo para as pessoas com deficiéncia. Embora a protecao dos direitos desses individuos esteja positivada tanto na Carta Magna quanto na legislagao infraconstitucional —- como na Lei n° 13.146/2015 (BRASIL, 2015a), também designada de Estatuto da Pessoa com Deficiéncia ou Lei Brasileira de Inclusao (LBI) -, 0 que acarretou importantes avangos ao longo dos anos, obstaculos ainda so identificados no que se refere a realizagdo da tutela singular conferida aos educandos com deficiéncia. Frise-se que a LBI constitui um marco normative nacional que concentra os preceitos relativos a politica de inclusdo das pessoas com deficiéncia. De acordo com Claudia Grabois, presidente da Comisséo da Pessoa com Deficiéncia do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Familia), 0 Estatuto da Pessoa com Deficiéncia trouxe melhorias, como a equiparagao de direitos com os das demais pessoas, a promogdo de todas as formas de acessibilidade, a garantia de acesso e permanéncia na educagao, entre outras, sendo que © acesso aos recursos de acessibilidade se torou mais préximo das pessoas com deficiéncia com o advento da LBI (IBDFAM, 2018). Entretanto, Claidia também destaca impasses que ainda perduram, tais como a falta de acessibilidade na informagao, na comunicagao e em locais de educagao pibblicos e privados, em todos os niveis e modalidades de ensino; a auséncia de disponibilizagao de recursos de acessibilidade pedagégica em ambientes da educagao superior; a nao supresséo de empecilhos que obstam © pleno exercicio da cidadania; a falta de politicas piblicas adequadas, que impossibilitam © convivio social do individuo com deficiéncia etc. (IBDFAM, 2018) www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br dese REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | Viz No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 Outrossim, Claudia afirma que as violagées aos direitos sdo diarias, as quais ocorrem “[...] quando nao ha oferta de Libras em eventos, quando nao ha rampas de acesso, quando pessoas com deficiéncia intelectual néo sao inseridas nos contextos sociais, quando a linguagem e forma de comunicagao nao é acessivel [...]" (IBDFAM, 2017). Considerando esse panorama, observa-se que ainda séo necessarias, politicas publicas comprometidas a efetivar plenamente os direitos das pessoas com deficiéncia. E imprescindivel vencer o entrave da falta de acessibilidade para estes individuos, ofertando recursos adequados, como a lingua brasileira de sinais (Libras) para a comunicagao com alunos surdos, braile para facilitar 0 aprendizado de individuos cegos, livros gravados em Audio para aqueles com deficigncia visual, entre outros. Ademais, o despreparo dos professores para interagir com o educando com deficiéncia é um fator que precisa ser superado. & fundamental investir em profissionais aptos a atender as particularidades das pessoas com deficiéncia de modo a proporcionar um ensino de qualidade. E crucial que o Estado disponibilize cursos de formagao continuada para tal especializagao, além da disposiggo do educador para se aprimorar, visando a desenvolver metodologias diversas. E substancial a mudanga de concepgao “do que falta aos professores” para a perspectiva do “vir-a-ser’, com a passagem da ideia “da acomodacao ao embate; do embate a transformagéo; da transformagdo a consciéncia; do desejo a agdo; da agao a reflexdo; da reflexdo a transformagao" (PADILHA, 2014, p. 115). Entretanto, impende acentuar o impasse das condigdes de trabalho e salério dos professores, que, muitas vezes, sdo precarios, constituindo barreiras para a disposi¢ao destes em se especializar. Na pratica, algumas questées, tais como se os docentes podem participar de cursos ou grupos de discussdo, ou se estes tém que trabalhar em duas ou mais instituigSes de ensino para manter um padréo de vida médio, devem ser superadas. A estrutura estatal deve oferecer condigdes condizentes com a possibilidade de www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 12 de 32 REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0383 | Viz NG2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 especializagao. E essencial uma remuneragaéo adequada ao encargo imposto aos professores e estimulante para o aperfelgoamento constante. Observa-se que 0 Poder Plblico vem aceitando a matricula do aluno com deficiéncia na rede regular, visto que é crime, nos termos do art.8°, |, da Lei n° 7.853/89, a conduta de recusar, sem justa causa, a matricula da pessoa com deficigncia (CASTRO, s.d., p.9). Contudo, 0 que se tem notado é que o educando frequenta a escola, com dificuldade, em razéo da auséncia de adequagées arquiteténicas, ‘mas nao tem participado satisfatoriamente do aprendizado”, uma vez que nao ha “recursos pedagégicos e humanos (atendimento educacional especializado) para que consiga interagir com o professor, com os colegas de classe, com os funcionarios da escola e com os demais alunos’ (CASTRO, s.d., p.9). Verifica-se, dessa forma, que ha um panorama de auséncia ou de insuficiéncia de investimentos no que se refere as adaptagées indispensaveis nas escolas para o atendimento as singularidades dos educandos com deficiéncia. € primordial a eliminagao de barreiras arquiteténicas que impecam a acessibilidade da pessoa com deficiéncia, por meio da construgao de rampas e elevadores, da instalacdo de pisos tateis para orientar a locomogdo das pessoas com deficiéncia visual ou com baixa visdo, além da disponibilizagao de recursos pedagdgicos, entre outras providéncias a serem adotadas na busca da consubstanciagao da politica educacional acessivel a todos. © atendimento educacional especializado e o ensino na rede regular devem ser efetivados plenamente de forma a materializar a dignidade humana, a condi¢éo de cidadéo e a descoberta das capacidades, habilidades e potencialidades dos educandos com deficiéncia. Com efelto, uma das formas de superar o estigma social de que as pessoas com deficiéncias sao incapazes 6 assegurar a presenga desses individuos em todos os niveis do sistema educacional, incitando 0 respeito as diferengas e a cooperagao social. Na perspectiva de Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana tem como pressuposto a independéncia do individuo para gerir sua propria vida, sendo que a liberdade pessoal é condic&o imprescindivel para a concretizagdo de uma existéncia digna (2012, p.304). Assim, a educagdo www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 13 de 32 REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0383 | Viz NG2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 proporciona compreensdo de mundo, conhecimento ao individuo para reger os atos de sua vida, retirando-o da obscuridade e consubstanciando, dessa forma, a liberdade inerente a uma existéncia digna. Garantir a educagéo para os alunos com deficléncia por meio da efetivagao do ensino inclusivo e do atendimento educacional especializado 6 proporcionar a concretizagéo de uma existéncia humana digna, devendo ser realizada mediante prestagdes estatais positivas. Saliente-se que a dignidade da pessoa humana é consagrada como um valor fundamental na Constituigao da Repiiblica, em seu art.3°, Ill (BRASIL, 1988), sendo alicerce para toda e qualquer interpretagao das normas do ordenamento juridico brasileiro. N&o obstante a existéncia do arcabougo normativo de modo a embasar ¢ legitimar a realizago da educagao para os individuos com deficiéncia, ha um impasse invocado pelo Poder Publico quando demandado’, qual seja a limitagao de recursos financeiros, a chamada reserva do possivel. Para Ana Carolina Lopes Olsen, frente 4 atuacdo da reserva do possivel, alegada pelo Poder Publico para reduzir o dever estatal em relagao as prestagdes materiais determinadas normativamente, o minimo existencial, em relagao direta com a dignidade da pessoa humana, “erige-se tal qual verdadeira muralha, que néo poderd ser transposta, sob pena de comprometimento de todo o sistema constitucional, e da legitimidade do Estado Democrattico de Direito” (2006, p.361). De acordo com Ana Paula de Barcellos, a prioridade do Estado brasileiro é assegurar as condicées materiais minimas a dignidade humana (2011, p.288), Estas incluem a consubstanciagéo dos direitos sociais, mormente a educagao, essencial para todo e qualquer individuo. A educagao é garantia fundamental, algada como prioridade, conforme dispde o texto 3 Nesse sentido: APELACAO CiVEL - ACAO CIVIL PUBLICA - DECISAO QUE DETERMINOU A CONTRATACAO DE PROFISSIONAIS INTERPRETES E TRADUTORES DE LIBRAS E DO SISTEMA BRAILLE PARA A IMPLANTACAO DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO - INEXISTENCIA DE OFENSA AO PRINCIPIO DA SEPARAGAO DOS PODERES ~ NECESSIDADE DE INTERVENGAO DO JUDICIARIO PARA GARANTIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL A EDUCACAO POR MEIO DO ACESSO DOS ALUNOS COM DEFICIENCIA AUDITIVA E VISUAL AO SISTEMA ESTADUAL DE EDUCACAO ~ INVOCACAO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSIVEL — AFASTAMENTO ANTE GARANTIA AO DIREITO SOCIAL A EDUCAGAO -RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (SERGIPE, 2018) www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 14 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 constitucional no seu art.227, caput (BRASIL, 1988), sem a qual ndo é possivel a fruigdo de uma existéncia digna, livre e justa. Além disso, a educagao constitui elemento do minimo existencial, o qual abrange condigdes minimas para uma existéncia humana digna e que demanda prestagées estatais positivas. Na concep¢do de Ana Paula de Barcellos, © estabelecimento dos gastos plblicos deve ser orientado Prioritariamente de modo a efetivar o minimo existencial, visto que somente depois de alcangé-lo, devem-se discutir, no que diz respeito aos recursos remanescentes, quais serao as areas que devem receber investimentos (2011, p. 287). Nessa perspectiva, a autora supramencionada elucida que os recursos piiblicos deverdo ser gastos preferencialmente para a prestagdo de servicos indispensaveis a fim de garantir as condicdes de uma existéncia humana digna (BARCELLOS, 2011, p.288). Portanto, ndo se pode admitir a inefetividade desse direito para os educandos com deficiéncia diante do argumento da reserva do possivel utilzado pelo Poder Publico. Como bem pontua Ana Carolina Lopes Olsen, a aceitago da reserva do possivel como um limite aos direitos fundamentais provoca uma debilitagao no sistema de protegao destes direitos (2006, p.202) Afirma a autora que em situagdes de prestagdes insuficientes para a realizagao de um direito, é necessario examinar se houve a destinagdo de recursos pelo Estado para outro fim distinto daquele previsto na norma de direito fundamental, sendo que uma prestagao material insatisfatoria estara sujeita ao controle jurisdicional de constitucionalidade (2006, p.332-333). De mais a mais, devido a falta ou ao insatisfatorio investimento das escolas da rede regular para promover as adaptacées necessarias com o propésito de coneretizar a educaco inclusiva, ainda ha o problema de que os pais tém a ideia que perante despreparado, podem optar por manter seus filhos com deficiéncia apenas em ambientes especializados dedicados a alunos com necessidades educacionais especiais’ (FAVERO, 2012, p. 82). ] um ambiente educacional comum hostil, www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 15 de 32 REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0389 | V12 No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 Tal concepgdo é errénea, porquanto o individuo com deficiéncia tem direito a educagéo em ambiente escolar regular, néo podendo ser aceita qualquer situacéo de segregacao, pelo contrario, a instituigdo de ensino deve realizar as adequagées para atender as peculiaridades dos alunos. A escola deve ser um espago acolhedor, de valorizacao da pluralidade humana. Destarte, as pessoas com deficiéncia devem ter os seus direitos fundamentais assegurados, sobretudo a educagao. E preciso suprimir obstaculos que impegam o pleno exercicio dessa garantia. Por conseguinte, é indispensavel que a sociedade empreenda esforgos para fiscalizar as escolas piiblicas e privadas no sentido de exigir que elas se adequem politica educacional democratica e acessivel a todos, sendo imperioso 0 cumprimento das normas do ordenamento juridico brasileiro, Para tanto, essa conjuntura de reivindicagéo poder ser viabilizada através dos instrumentos que serao elucidados a seguir. 4.2 Instrumentos normativos para efetivar o direito 4 educacao para a pes- soa com deficiéncia E substancial conhecer os instrumentos através dos quais érgaos, associagées, entidades e a prdpria pessoa com deficiéncia dispéem para exigir do Poder Publico a efetivagao de direitos, como a educago, para os individuos com deficiéncia. E fundamental destacar a importancia das decisées judiciais e de politicas publica a serem implementadas pelo Administrador Publico a fim de concretizar o preceito estabelecido na Constituigéo Federal de 1988, qual seja a garantia da educacdo para todos. Consoante afirmou o Ministro Carlos Velloso, no julgamento do agravo regimental no recurso extraordinario n° 463210, “sendo a educacao um direito fundamental assegurado em varias normas constitucionais e ordinarias, a sua ndo observancia pela administragao publica enseja sua protecdo pelo Poder Judiciario” (BRASIL, 2005). www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 16 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 A luz do entendimento de Barroso (2018, p.125), sendo as normas constitucionais dotadas de superioridade juridica em relagao a todas as demais, nenhuma lei, ato normativo, ato juridico pode ser considerado valido se incompativel for com os principios e regras constitucionais. Dessa forma, 0 Poder Judiciario, quando intérprete das normas, no tocante as demandas de direitos atinentes as pessoas com deficiéncia, deve extrair das leis as suas finalidades em conformidade com 0 que preceitua a Constituigao na busca de uma sociedade mais justa e solidaria Deve 0 Judiciario visar em sua decisdo a efetividade da assisténcia prevista no ordenamento juridico brasileiro A pessoa com deficiéncia, exarando julgamentos para aplicar concretamente os direitos desses individuos, sobretudo 0 direito & educacao, essencial para materializar a dignidade da pessoa humana. Outrossim, a garantia do acesso ao Judiciario prevista no art.5°, XXXV, da CF/88 (BRASIL, 1988) possibilita a discussao sobre o direito fundamental & educagao para o educando com deficiéncia no ambito judicial. Ressalte-se também a importancia de exigir da administracdo publica as medidas para ofertar uma educagao adequada as particularidades da pessoa com deficiéncia, mediante a execucdo de politicas pilblicas e de uma boa gesto dos recursos. Destarte, é fundamental analisar os instrumentos, tais como a agao civil publica, o mandando de injungéo, o mandado de seguranga e © direito de petico, dos quais a sociedade dispée para pleitear a efetivagao dos direitos para o individuo com deficiéncia. Nesse contexto, um meio de protegao de interesses pela via coletiva, entre os quais se inserem 0 das pessoas com deficiéncia, é a acao civil publica No plano constitucional, 0 art.128, II, da Carta Magna (BRASIL, 1988), elenca como uma das fungées institucionais do Ministério Publico a promogao do inquérito civil e da agao civil publica para a protegdo, por exemplo, dos interesses difusos e coletivos, dentre os quais esto abrangidos os direitos das pessoas com deficiéncia, No mbito infraconstitucional, a Lei n® 7.83/89 (regulamentada pelo Decreto n°. 3298/99) disciplina sobre a possibilidade de propositura da ago civil publica especificamente em defesa dos interesses das pessoas com www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 17 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 DO! doiarg/o.32361/2020120210627 deficiéncia. A aludida lei dispée sobre o apoio a estes individuos, estabelecendo a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos, além de normatizar sobre a atuagao do Ministério Publico e a definicao de crimes. A Lei n® 7.853/89 tem como diretriz a integragao social das pessoas com deficiéncia, regulamentando que ao Poder Pibblico incumbe garantir a estes individuos 0 pleno exercicio de seus direitos basicos, como satide, educacao, trabalho, entre outros, conforme disposto no seu art.2°, caput’. Tais direitos também sd assegurados pela Carta Magna, no art.6°, o que demonstra a importancia da concretizagdo dessas garantias para a vida do individuo, especialmente a educagao, a qual constitui “uma oportunidade de crescimento cidadao, um caminho de opgGes diferenciadas e uma chave de crescente estima de si’ (CURY, 2002, p.260). No que concere especificamente a educagdo, a Lei n® 7.853/89, no art.2°, paragrafo Unico, inciso I°, estabelece que a Administragao Publica deve empregar um tratamento prioritario a fim de efetivar algumas medidas. Entre elas esto a incluso, no sistema educacional, da Educacdo Especial como modalidade educativa; a matricula em cursos regulares de instituigdes publicas e privadas de pessoas com deficiéncia etc., providéncias fundamentais que ‘Tan. 2@ ho Poder PUblico & seus Oreos cabe assegurar as pessoas portadoras de deficiéncia o pleno exercicio de seus direitos basicos, inclusive dos direitos 8 educacio, saude, ao trabalho, a0 lazer, & previdéncia social, ao amparo & infancia € 8 maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituigso € das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econémico. (BRASIL, 1988) S Art. 22[..] Pardgrafo Unico. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os érgios e entidades da administraglo diretae indireta devem cispensar, no ambito de sua competéncia e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritério e adequado, tendente a viabilizar, sem prejulzo de outras, as seguintes medidas: Ina drea da educacto: 2) @ inclsio, no sistema educacional, da Educaglo Especial como modalidade educativa que abranja a educagio precoce, a pré-escolar, as de 1° e 2° graus, a supletiva, a habilitagio e reabilitagdo profisionais, com curriculos, etapas e exigéncias de diplomagao proprios; b)a insercio, no referido sistema educacional, das escolas especias, privadas e piblicas; )a oferta, obrigatéria e gratuita, da Educaco Especial em estabelecimento publico de ensino; 4) 0 oferecimento obrigatério de programas de Educacio Especial a nivel pré-escolar, em unidades hospitalares © congéneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiéncia; €} 0 acesso de alunos portadores de deficiéncia aos beneficos conferidos aos demais educandios, inclusive material escolar, merenda escolar e bolas de estudo; §) a matricula compulséria em cursos regulares de estabelecimentos piiblicos e partculares de pessoas, portadoras de deficiéncia capazes de se integrarem na sistema regular de ensino (BRASIL, 1989). www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 18 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 devem ser cumpridas para a efetivagao do ensino escolar na rede regular e do atendimento educacional especializado para os individuos com deficiéncia Assim, a educagdo inclusiva é garantia que deve ser materializada no plano concreto, devendo ser ofertada sem a cobranga de acréscimos pecuniarios, seja em instituigdes de ensino piblicas ou privadas. Por forga da alteragéo decorrente do Estatuto da Pessoa com Deficiéncia, estabelece o artigo 8°, inciso I, da Lei n° 7.853/89, que é crime “recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscricdo de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, publico ou privado, em razo de sua deficiéncia" (BRASIL, 1989). © dispositive em comento esta em consonancia com o art. 28, paragrafo tinico, do aludido Estatuto, 0 qual ja foi objeto de analise, sendo considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n° 5367 (BRASIL, 2015b), ajuizada pela Confederacao Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEM). Dessa forma, aquele que, de qualquer forma, dificultar a entrada e a permanéncia do individuo com deficiéncia em instituigdes de ensino estar infringindo preceitos legals, devendo ser responsabilizado. Para tanto, 0 art.3°, caput, da Lei n° 7.853/89 (BRASIL, 1989), a fim de tutelar os interesses coletivos, difusos e individuais homogéneos das pessoas com deficiéncia, traz o rol de legitimados para a propositura da acao civil publica, dentre os quais se incluem 0 Ministério Publico, a Defensoria Publica, associagées eto. E valido frisar que interesses coletivos em sentido estrito e os difusos so espécies do género interesses coletivos em sentido amplo. Em relagao aos direitos individuais homogéneos, ha uma divergéncia na doutrina sobre a possibilidade de inclui-los neste género (ANDRADE A.; MASSON; ANDRADE L., 2015, p.64). Para diferenciar tais conceitos é primordial a analise do art.81 do Cédigo de Defesa do Consumidor (CDC), 0 qual se aplica ndo apenas as relagdes consumeristas, mas a interesses difusos, coletivos e individuais homogéneos de quaisquer naturezas (ANDRADE A.; MASSON; ANDRADE L., 2015, p.66). www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 19 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 No que concerne aos direitos difusos, consoante o art.81, paragrafo Unico, |, do CDC, estes seriam de natureza indivisivel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e unidas por circunstancias de fato (BRASIL, 1990). Assim, estes direitos pertencem, ao mesmo tempo, a cada um e a todos que estejam em uma mesma situagao de fato (ANDRADE A.; MASSON; ANDRADE L., 2015, p.67). Além disso, so marcados pela indivisibilidade do objeto, uma vez que a ameaga ou a violagdo ao direito de um de seus titulares constitui afronta ao direito dos demais, como também a reparagao ao dano causado a um dos titulares beneficia todos os demais. Os titulares dos direitos difusos esto atrelados por um liame fatico, a0 contrario do que ocorre com os interesses coletivos, para os quais se exige 0 vinculo juridico entre si ou com a parte contraria (ANDRADE A.; MASSON; ANDRADE L., 2015, p. 69). Saliente-se que os titulares dos direitos difusos sao indeterminados e indeterminaveis, vale dizer, os beneficiados nao podem ser determinados, nao so possiveis de identificar. Por sua vez, na forma do art.81, paragrafo tnico, II, do CDC, os direitos coletivos séo de natureza indivisivel, sendo titulares um grupo, categoria ou classe de pessoas agregadas entre si ou com a parte contraria por uma relagao juridica base, como no caso dos membros de uma associagao. Ademais, possuem como caracteristica a determinabilidade dos titulares, sendo possivel determind-los, identifica-los. No tocante aos interesses individuais homogéneos, 0 art.81, paragrafo nico, Ill, do CDC, os define como decorrentes de origem comum (BRASIL, 1990). Dessa forma, sao direitos marcados pela identidade, homogeneidade na sua origem (ANDRADE A; MASSON; ANDRADE L., 2015, p.76). Sao divisiveis, visto que 0 dano pode ser reparado na proporcao da respectiva violagdo, sendo que seus titulares, os quais so determinados, podem optar pela tutela judicial de forma individual. Neste contexto de tutela dos direitos dos individuos com deficiéncia, inistério PUblico para a propositura da ago I publica, haja vista que, segundo Gomes (2007, p.91), por possuir uma cabe destacar a legitimidade do www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 20 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | Viz No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 estrutura complexa e atuante pode contribuir para a integragdo e a reuniéio de informagées técnico-luridicas relativas as pessoas com deficiéncia Além da previsdo constitucional do art.129, Ill, da CF/88, o art.6° da Lei 7.853/89 também traz a possibllidade de instauragao de inquérito civil pelo 6190 ministerial. Assim, pode este requisitar informacées, certidées, exames ou pericias para verificar a ocorréncia de elementos satisfatérios ou nao para o ajuizamento de uma futura agao civil publica. Portanto, conforme assevera Gomes (2007, p.94), a atuagao do Ministerio Pablico pode ocorrer tanto na fase judicial, quanto na pré-processual no que se refere A organizagdo dos elementos de convicgdo e de provas indispensaveis para a propositura das agées, conjuntura possivel através do inquérito civil instaurado nos varios érgaos de atuagao do Ministério Publico, Destarte, a aco civil publica é um importante instrumento para tutelar 0 direito & educagao para as pessoas com deficiéncia, devendo ser ajuizada pelos legitimados sempre que houver inércia por parte do Poder Publico e da sociedade em efetivar as garantias resguardadas. Portanto, é imprescindivel que todos fiscalizem as condutas estatais e de particulares a fim de concretizar a educagao inclusiva e o atendimento especializado, seja em escolas publicas ou privadas, buscando os meios para realizar esses propdsitos. Outrossim, € crucial destacar também a importancia do mandado de injungo, instrumento utilizado para tutelar direito previsto na Constituigao, como € 0 caso da educagdo para as pessoas com deficiéncia, em face da omisso do legistador ou do administrador publico na elaboracao de norma que impega o exercicio de determinado direito, Regulamentado pela primeira vez na Constituigéo de 1988, esta positivado no art.5°, LXXI, da Carta Magna, devendo ser impetrado quando a auséncia de norma regulamentadora inviabilize 0 exercicio dos direitos e liberdades constitucionals e das prerrogativas inerentes nacionalidade, 4 soberania e cidadania Cumpre acentuar que, consoante elucida Silva (2005, pp. 448-449), 0 objeto do mandado de injuncéo é amplo, assegurando o exercicio “a) de qualquer direito constitucional (individual, coletive, politico ou social), ndo www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 2lde 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 regulamentado; b) de liberdade constitucional, nao regulamentada [..J’, além “c) das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania", estas também quando nao regulamentadas. No plano infraconstitucional, a Lei n° 13.300/2016 disciplina o processo @ 0 julgamento dos mandados de injungdo individual e coletivo. No tocante ao primeiro, podera ser impetrado por qualquer pessoa que seja titular de um direito consagrado constitucionalmente, sendo o seu exercicio impossibilitado pela falta de norma regulamentadora. Por sua vez, 0 segundo possui o rol de legitimados definido no art.12, da Lei 13.300/2016 (BRASIL, 2016), entre os quais esto associagées, Ministério Publico, Defensoria Publica etc. Em um estudo sobre a origem do mandado de injungao, revelou-se que © instituto foi criado com o propésito de sanar o impasse da ineficacia das normas constitucionais concementes aos direitos sociais, sobretudo daquelas definidoras das obrigagdes estatais relacionadas a educacéo publica (MENDES; BRANCO, 2015, p.1222). Nesse sentido, conforme afirma Oliveira (1988, p.49), “O Mandado de Injungao surgiu a partir da necessidade de elaborar-se instituto juridico-processual, com assento na Constituigao, para a defesa do direito a Educagao”. Tal panorama demonstra a necessidade de efetivago do direito a educagdo, notadamente para os individuos com deficiéncia, haja vista ser imperiosa a execugéo da politica educacional inclusiva, bem como o oferecimento de um ensino adequado as particularidades desses individuos. Devem ser criadas, portanto, as condig6es para que essa garantia se torne exequivel no mundo fatico, a fim de que seja conferida a maxima efetividade das normas constitucionais. No entendimento de Silva (2005, p.450), 0 mandado de injungao tem Por escopo satisfazer concretamente em prol do impetrante o direito, a liberdade, ou a prerrogativa sempre que 0 seu exercicio seja inviabilizado em razdo da auséncia de norma regulamentadora. Ainda conforme Silva (2005, p. 451-452), a decisdo judicial teré como teor a concesséo direta do direito reclamado, cabendo ao magistrado estabelecer as condigdes para a realizagao do direito pleiteado e determina-lo imperativamente. www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 2 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | V2 NO2 2020 DO! doiorg/los2s6/2020120210627 Segundo Gomes (2007), 0 remédio constitucional sob comento 6 pouco utilzado no Brasil, mormente, nas questées relativas as pessoas com deficiéncia. Contudo, “poderia aumentar a aplicabilidade efetiva da norma, uma vez que o texto constitucional deixaria de ser uma previsdo do legislador passaria a ter uma maior concretizagao da real intengao da lei’ (GOMES, 2007, p. 96). © mandado de injuncao, portanto, € 0 instrumento apropriado para viabilizar 0 exercicio de direitos constitucionalmente consagrados, como a educagdo para as pessoas com deficiéncia, sempre que a falta de norma regulamentadora impega o seu exercicio. Pode ser impetrado pela prépria pessoa com deficiéncia pela via individual, ou de forma coletiva por meio dos legitimados previstos na Lei 13.300/2016. Destarte, tal instituto juridico deve ser utilizado para reafirmar a necessidade de efetivagéo das garantias constitucionais, sobretudo o atendimento educacional especializado e a educagao inclusiva. Outro instrumento de grande relevancia para a protecao dos direitos das pessoas com deficiéncia ¢ 0 mandado de seguranga, previsto no art. 5°, LXIX, da Carta Magna (BRASIL, 1988). E utilizado para tutelar direito liquido e certo, néo amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsavel pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade publica ou agente de pessoa juridica no exercicio de atribuigdes publicas. Direito liquide e certo é aquele comprovado de plano, que se alega “com todos os requisites para seu reconhecimento e exercicio no momento da impetragao” (MEIRELLES, 2008, p.39). Pode ser comprovado por todas as provas admitidas em direito, ndo necessitando de instrugo probatéria, haja vista a certeza e liquidez do direito, o qual é inquestionavel na sua existéncia, definido na extensao e tem aptido para ser exercido quando da impetragaio do mandado de seguranga (MEIRELLES, 2008, p.38). © instrumento em anélise constitui, portanto, um modo de defesa jurisdicional de direitos subjetivos - como € 0 caso da educagdo para as pessoas com deficiéncia - ameagados ou violados por autoridade piblica ou que esteja no exercicio de uma atribuigao publica (NOVELINO, 2044, p. 926). www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 23 de 32 REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0389 | V12 No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 Assim, tendo 0 aluno com deficiéncia direito subjetivo 4 educagao, pode exigir do Estado 0 fornecimento de um servigo educacional de qualidade, o qual deve adequar o ensino e o local onde ele é realizado. 0 Estado devera disponibilizar os recursos educativos para aquele que necesita de uma atengao especial para compreender o contetdo que é lecionado também para os demais educandos, com os quais estara compartilhando experiéncias. Dessa forma, serao concretizados os postulados da educagdo inclusiva e do atendimento educacional especializado Ademais, impende acentuar que o mandado de seguranga, regulamentado no ambito infraconstitucional pela Lei n° 12.016/2009, pode ser exercido pela via individual ou coletiva (BRASIL, 2009). No primeiro caso, podera ser impetrado por qualquer pessoa fisica ou juridica que tenha seu direito liquido e certo violado ou ameagado de violacdo. Assim, a propria pessoa com deficigncia, através de advogado constituido, podera impetrar 0 instrumento em anélise visando tutelar seus direitos, como no caso de concurso piiblico, cujo edital viole direito a integragao social da pessoa com deficiéncia, contendo norma discriminatéria (ARAUJO, 1994, p.113). Por sua vez, 0 mandado de seguranca coletivo esta previsto na Constituigéo Federal de 1988, no art5®, LXX, a e b e no art.21, da Lei 12.016/2009. © Ultimo dispositive dispée sobre alguns requisitos para a impetracdo do instrumento em analise. Para que uma associacdo, por exemplo, impetre 0 mandado de seguranga coletivo em defesa das pessoas com deficiéncia € necessaria a pertinéncia tematica, ou seja, indispensavel a presenca de um vinculo entre o bem protegido e os interesses dos associados, dos objetivos institucionais da entidade (ARAUJO, 1994, p. 123). Portanto, todos devem estar comprometidos para garantir os direitos das pessoas com deficiéncia, exigindo do Estado prestagdes de modo a concretizar, sobretudo, os mandamentos constitucionais do atendimento educacional especializado e da educagdo inclusiva. Devem os cidadéos, para tanto, se utilizar de instrumentos, como o mandado de seguranga, de modo a efetivar a tutela satisfativa dos direitos dos educandos com deficiéncia. www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 24 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 DO! doiarg/o.32361/2020120210627 Ademais, é essencial destacar a relevancia do direito de petigao para coneretizar as garantias das pessoas com deficiéncia. A Constituigao Federal de 1988, no art.5°, XXXIV, a, assegura a todos o direito de peti¢ao aos Poderes Publicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (BRASIL, 1988). Segundo Canotilho (2003, p.512), esse direito fundamental constitui um instrumento de defesa nao jurisdicional de direitos gerais ou pessoais, podendo ser exercido por meio de reclamagées, petigées etc. Assim, Possui um carater democratico, geral, universal, podendo ser exercido por qualquer pessoa, seja fisica ou juridica, nacional ou estrangeira, por um individuo ou por um grupo de pessoas. Dessa forma, afirma Gomes (2007, p.102) que a importancia do direito de petigéo no tocante a tutela do direito & educagao para os alunos com deficiéncia decorre do fato de este instrumento agregar, largamente, 0 amparo indispensavel as discussdes de questées que abrangem essa garantia para esses individuos. Assim, as reclamagées podem ser apresentadas aos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciario. O direito de petigéo & uma garantia prevista constitucionalmente que pode ser utilizado néo sé para a protecdo de direitos individuais contra eventuais abusos, mas também para a protegao de interesse geral e coletivo (MENDES; BRANCO, 2015, p. 477). Portanto, mostra-se um relevante instrumento para a defesa dos direitos das pessoas com deficiéncia, haja vista sua natureza universalista e acessivel a todos. Conforme Gomes (2007, p.103), 0 instrumento em exame, contudo, é pouco utilizado em razdo da auséncia de conhecimento no que tange ao requerimento de direitos e deveres pelos cidadaos e, mormente, pelas pessoas com deficiéncia. Desse modo, é crucial instruir, através da educacdo, o cidadéo sobre a possibilidade de uso do direito de petigéo, por meio do qual podera exercitar seus direitos, provocando 0 Poder Publico em relagéo a uma determinada questo ou situagdo a fim de que seja providenciada uma medida adequada, © direito de petigao consiste em um importante instrumento para a defesa do direito a educacdo para as pessoas com deficiéncia, devendo ser www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 2S de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0389 | Viz No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 mais utilizado pelos cidaddos na busca pela efetividade dessa garantia. Assim, 6 imprescindivel uma maior atuagao da populagao a fim de exigir do érgao estatal prestacées positivas para concretizar a educacdo na rede regular e atendimento educacional especializado para os alunos com deficiéncia, conjuntura essencial para a formagao de uma sociedade livre, justa e harmoniosa 5. CONSIDERAGOES FINAIS Diante de todo 0 exposto, verifica-se que as pessoas com deficiéncia constituem um grupo vulnerabilizado e segregado na sociedade. Impende acentuar a importancia de concretizer a educagao inclusiva, a qual esta coadunada a ideia de que © sistema educacional para os educandos com deficiéncia deve ser também disponibilizado na rede regular de ensino. Ressalte-se que € essencial o atendimento educacional especializado para complementar 0 ensino regular, sendo que a educagao especial nao pode ser vista como uma altermativa substitutiva e segregadora, mas como um adicional. As escolas devem realizar as obras e as adaptagdes necessarias para atender as peculiaridades dos alunos com deficiéncia de modo a efetivar um ensino de qualidade. E crucial a eliminagdo de barreiras arquiteténicas, a disponibilizagao de recursos pedagégicos, entre outras medidas a serem concretizadas com o intuito de implementar a politica educacional acessivel a todos. O ambiente escolar deve ser um espago acolhedor, e nao de segregago, capaz de lidar com a pluralidade humana, proporcionando um servigo adequado as particularidades dos individuos com deficiéncia. E a escola que deve se adaptar a pessoa com deficiéncia, e nao o contrari O postulado do ensino universal, previsto na Constituigéo Federal de 1988, deve ser consubstanciado no plano fatico, com vistas a conferir a maxima efetividade das normas constitucionais. Assim, mais do que a positivacdo dos direitos, é indispensavel concretiza-los. www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 6 de 32 REVISTA DE DIREITO | VIGOSA | ISSN 2527-0389 | V12 No2 2020 Ok doiorg/l0.3236/2020120210827 A educagao é imprescindivel para materializar uma existéncia humana digna. Dessa forma, ndo oferecer um ensino de qualidade, que atenda as especificidades dos individuos com deficiéncia, é ferir sua propria dignidade. Compete ao administrador public executar as politicas puiblicas com 0 fito de fornecer um servico educacional apropriado a todos, gerindo os recursos financeiros de modo a aloca-los nas areas reputadas prioritarias pela Carta Magna, sendo uma delas a educagao. Nao pode a reserva do possivel, pretexto utilizado pelo Estado para se eximir do dever de implementar um ensino adequado aos alunos com deficiéncia, prevalecer sobre o direito fundamental & educagao. Além disso, tendo em vista a natureza prestacional do direito 4 educagao, ndo se pode aceltar a omissao estatal ou a protegdo insuficiente, devendo haver um minimo de atuacdo do Poder Publico para consubstanciar essa garantia, A omissao injustificada da Administragao em realizar as politicas publicas gera a possibilidade de interferéncia do Judiciario, a fim de este impedir 0 comprometimento da efetivagdo dos direitos fundamentais previstos no texto constitucional. A despeito de existir a legislacao, foram verificados entraves para a implementagdo do ensino inclusivo e do atendimento educacional especializado. Impasses como a auséncia de rampas e elevadores de acesso, de profissionais instrutores e intérpretes de Libras € do sistema braile, de salas com recursos para auxiliar 0 aprendizado dos educandos com deficiéncia, entre outros. Percebeu-se que ainda nao ha o pleno atendimento dos anseios dos cidadaos no que conceme @ politica educacional, visto que o Estado nao disponibiliza satisfatoriamente os melos para se atingir a universalidade do ensino Conclui-se que o sistema educacional para as pessoas com deficiéncia sofre com alguns dbices, devido a falta de estrutura fisica, de apoio técnico e pedagégico nas escolas, o que dificulta a efetivagao do postulado de um ensino adequado as peculiaridades desses individuos. Tais empecilhos devem ser superados, haja vista que constitui responsabilidade do Estado propiciar o www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 27 de 32 REVISTA DE DIREITO | VICOSA | ISSN 2527-0388 | V12 N02 2020 DO}: doiorg/0.32361/2020120210827 suporte apropriado as singularidades dos alunos com deficiéncia, de modo a materializar um ambiente escolar receptivo. Para tanto, é indispensavel a atuagao da sociedade, exigindo dos gestores plblicos condutas baseadas na satisfagéo das necessidades da coletividade. Essa conjuntura ¢ possivel através de instrumentos, como a agao civil publica, 0 mandado de seguranga, 0 direito de petigao e 0 mandado de injungao. Um ensino de qualidade deve ser ofertado a todos, devendo ser norteado pelo principio da igualdade. Devem ser assegurados nao sé os mesmos direitos aos individuos quando da criacdo e aplicagéo das normas, mas também deve-se considerar que alguns cidadaos, como os educandos com deficiéncia, necessitam de um tratamento especializado que atenda as suas peculiaridades. Dessa forma, sera possivel a concretizacao da justiga, 0 que demonstra a importancia das duas facetas da isonomia, tanto a formal quanto a material, respectivamente. Destarte, o que se busca é a implementagao de politicas que efetivem uma educagao inclusiva de qualidade e 0 atendimento educacional especializado para os alunos com deficiéncia. A dignidade, a liberdade, a tolerancia e a isonomia so valores que devem ser fomentados e multiplicados mediante 0 convivio com a pluralidade humana, em um ambiente escolar acolhedor. A educagao é instrument para viabilizar 0 reconhecimento das potencialidades e habilidades das pessoas com deficiéncia, combater esteredtipos, promover consciéncia sobre suas capacidades e possibilitar 0 exercicio de sua cidadania REFERENCIAS ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense. Sao Paulo: METODO, 2015. ARAUNO, Luiz Alberto David. A protegao constitucional das pessoas portadoras de deficiéncia, Brasilia: Coordenadoria Nacional para Integragao da Pessoa Portadora de Deficiéncia, 1994, www-revistadir ufvibr revistadir@ufv.br 28 de 32

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