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EDUCAGAO DE BEBES: culdar e educar para o desenvolvimento humano 2? EDIGAO m g Cc a > a > ° 9 m a m wo a 9 a 2 a & o & € 8 ° if g s 4 z= é José Ricardo Silva Regina Aparecida Marques de Souza Suely Amaral Mello Vanilda Goncalves de Lima (Organizadores) Educagao de bebés: cuidar e educar para o desenvolvimento humano fT Pedros Joao edltores Copyright © dos autores Tocios of direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta 0s dlreitos dos autores, — José Ricardo Silva; Regina Aparecida Marques de Souza; Suely ‘Amaral Mello; Vanilda Gongalves de Lima (Orgs.) Edncagio de bebés: cuidar e educar para o desenvolvimento ‘umano. Sé0 Carlos: Pecro & Jodo Ealitores, 2018. 308p. ISBN 978-85-7993-543-5 [1 ediczo] 978-85-7993-694-4 [2 edicio] 1, Educagio de bebés. 2. Cuidado ce bebé. 3. O espaco para bebés. 4, Papel do professor de bebés. 5, Autores. L. Titulo, cpp -370 0 Capa: Andersen Bianchi Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & Joo Rodrigo de Moura Brito Conselho Cientifico da Pedro & Joao Bditores: Augusto Ponzio (Baitélia); Joao Wanderley Gora (Unicamp/ Brasil); Héio Marcio Pajeit (URPE(Brasl Maria label de Moura (UESCex/Brosi); Maia da Piedade Resende da Costa (UESCar/Brasi); Valder Motolo (UPSCar/Brasl. Pedro & Joio Editores www pedroejoaoeditares.com br 13568-878 - $0 Carlos ~ SP 2018 Prefécio~ A margem Paulo Sergio Fochi Apresentacio: Estuidar os bebés para adotar Priticas de cuidado e educacéo de criancas “pra brilhar” José Ricardo Silva Regina Aparecida Marques de Souza Sucly Amaral Mello Vanilda Goncalves de Lima Parte 1 - Perspectiva historico-cultural no cuidado e educagio dos bebés Contribuigées da teoria histérico-cultural para a compreensio do bebé como sujeito ativo José Ricardo Silva Criancas independentes e auténomas: 0 papel do professor e da professora no desenvolvimento dos ‘bebés nas creches Barbara Cibelli da Silva Monteagudo Algumas especificidades na constituigio da inteligéncia e da personalidade na primeira infancia Neire Marcia da Conha Selma Aparecida Ferreira da Costa (RIBEIRO; LIMA; SILVA, 2016). A literatura precisa ser parte da vida das ctiangas na educagéo de modo intencional e desenvolvente. Isso porque 0 “prazer de ler’, em especial os textos literdrios, s6 se transforma em deleite quando a leitura é ativa e habitual, e nés, professoras e professores, terios os melos para auxiliar os pequenos a fazer da leitura um prazer. Se considerarmos 0s aspectos espaco-temporal (onde e quando se 18), 0 relacional (com quem eo que se 1, 0 objetal (com o que se Ié e sobre 0 qué) e o modal (como se 1é) a0 planejarmos agGes para os bebés ¢ as criangas pequenas com até 3 anos, favorecemos © méximo desenvolvimento das capacidades humanas, agucando a constituicio das condutas ¢ atitudes de leitor. Buscamos, por meio deste texto, trazer elementos que possam auxiliar no trabalho pedagigico com os pequenos na educagdo infantil. Acreditamos ser a insergio das criangas pequenas no mundo dos livros € da leitura um trabalho possivel de ser realizado e que contibui para a formagao de futuros leitores. Afinal, no rnascemos leitores ou nao leitores, mas nos tornamos um ‘ou outro com o passar do tempo. f no desenvolvimento da inteligéncia e da personalidade, isto 6, no proceso formativo do sujeito, que vai surgindo uma série de experiéncias que podem ser motivadoras leitura ou, a0 contrério, podeni produzir uma rejeigao a ela. Por isso, nossa batalha didria é trazer & tona as melhores condigSes para formar muitas criangas “devoradoras” de livros. O desenvolvimento cultural na infancia de 0.a3 anos: entre o cuidado ea educagio ‘Regina Aparecida Marques de Souza Suely Amaral Mello Introdugio Com este capitulo queremos dialogar com os professores e as professoras da pequena infancia, na perspectiva de entender a crianga de 0 a 3 anos e seu desenvolvimento, articulando duas __atividades ‘A velha concepsio de ctianga como incapaz se usamos para nos comunicar, precisa dos adultos para sobreviver. Se comparada aos adultos, néo fala, nao anda, no compreende o significado das palavras, no sobrevive sozinha. E, assim olhando, as consideramos incapazes. Esta, no entanto, 6 uma forma de olhar para 4 crianga. ‘Como afirma Vygotski (1996a), deste ponto de vista — que é também o ponto de vista das concepgées mais antigas da psicologia -, olhamos apenas para aquilo que a crianga ainda nao é capaz de fazer e nos esquecemos de olhar para as “positividades do desenvolvimento infantil”. Quando observamos o processo de formacio e desenvolvimento das criancas desde onascimento, percebemos que, no lugar da fragilidade costumeira, surge uma crianga potente que vence contradigées para buscar maneiras de comunicar suas necessidades, descobre o mundo ao seu tedor e, 208 pouicos, vai estabelecendo relagbes com as pessoas, com oS objetos a que tem acesso e consigo mesma. De fato, o bebe ‘entende o significado das palavras da lingua materna, mas entende o sentimento expresso no tom da voz de _quem fala com ele; 0 bebe nao conihece o uso dos objetos a0 seu redor, mas comesa a exploré-los com os olhos, os ouvidos, as méos a boca, assim que 0 aproximamos dos objetos; 0 bebé ndo anda, mas inicia-se imediatamente no ‘movimento que o levarda andar a medida que o espaso 20 redor possibilitar seu movimento livre e estimular com objetos; 0 bebé ndo comunica com palavras. stias necessidades, mas as comunica com o choro, com 0 olaty, com 0 corpo. Desta outra forma de olhar os bebés surge ‘uma crianga potente e capaz ~ ¢, como ensina Vygotski (1996a), podemos olhar suas “possibilidades’. Da mesma forma, quando buscamos conhecer 0 que os estudos contemporineos nas diferentes Areas do conhecimento tém dito sobre o proceso de formagio € desenvolvimento humano, percebemos que também os estudos teéricos apontam uma crianga capaz, que aprende desde que nasce—e apenas porque aprende, isto 6, se relaciona com o seu entorno de objetos € pessoas, vai se formando como pessoa, ou seja, vai formando € desenvolvendo uma inteliggncia e uma personalidade. Quando a teoria histérico-cultural demonstra que 0 desenvolvimento néo acontece naturalmente, mas é impulsionado pelas experincias vividas pela crianca, ela afirmaessa crianca capaz de viver experiéncias desde 208 quenasce e de atribuir um sentido a elas; quando a teoria histérico-cultural defende que a crianca nao nasce com dons, mas aprende dons, aptidées e habilidades com as situagdes que vive e de acordo com os sentimentos ¢ afetos que experimenta nas situagdes vividas, isto 6 dependendo de como se sente nas experiéncias vividas, deixa claro que a crianga é, desde que nasce, capaz de estabelecer relagdes com aquilo que vive e aprende. ‘Assim, se observarmos um recém-nascido em sett primeiro encontro com a mae, no ato da amamentacao, percebemos que neste ato o bebé responde a uma necessidace biol6gica—de ser alimentado-mas também comega a criar uma nova necessidade que, em breve, se verd constituida: 0 prazer e 0 gosto pelo colo da mae. Desta forma, na primeira relagio entre o bebé e sua mae, comega-se a criar no bebé uma necessidade social. Em outras palavras, o beb@ demonstra que aprendeu algo novo, que no conhecia antes e que est além de suas necessidades biolégicas. A necessidade, o prazer de ser cartegado ao colo é uma necessidade nova, socialmente aprendida pelo bebé na relacdo com a mie. f Como afirma Mukhina (1996, p. 76), fi A particularidade principal do reém-nascidd ¢ sua capacidade ilimitada para assimilar novas experiéncias é adquirir as formas de comportamento que caracterizam 0 ser humano. Se suas necessidades orginicas forem suficientemente satisfeitas, elas logo comegam a ser secundérias; se © modo de vida e de educagio forem adequados, a crianga experimentaré novas necessidades (obter impresses, mover-se, relacionar-se com os adultos) que sao a base do desenvolvimento psiquico. Se o bebé aprende desde seu primeiro contato, é porque ele ¢ capaz, Essa compreensdo deve nos desafiar a mudar nossa concepsao de crianga e nos levar a observé-la com a intengao de superar nosso preconceito em relagéo & crianga pequena, que é alimentado por nosso desconhecimento , sobre 0 desenvolvimento humano na inféncia. Este preconceito nos levava a pensar a crianga como um ser frégil, incapaz.e, por isso, desprovida de direitos e mesmo de vontades, como wm objeto da vontade do adulto. A crianga que emerge dos estudos feitos pela teoria hist6rico-culturel é uma crienca potente e capaz. Também nossa propria obsetvacao revela especificidades do ser e agir das criangas nas diferentes idades ao longo da vida e nos maravilham com suas possibilidades. Em outras palavras, os bebés e as criangas pequenininhas aprendem desde que nascem, mas aprendem de um jeito préprio, diferente dos adultos. E, por tudo isso, precisamos aprender sobre eles. S80 duas as formas como aprendemos sobre as criangas pequenininhas: com as leituras e com as nossas préprias observagées. As leituras constituem um instramento - um par de dculos - que nos ajuda a observar melhor as criangas e a produzir conhecimentos sobre e com elas. Observando as criancas, Vygotski (1996a) afirma que a contradi¢io — isto &, 0 desafio vivido em cada idade e que precisa ser superado pala crianca ~ 6 0 que move 0 desenvolvimento humano nas diferentes idades. Observando os bebés no primeiro ano de vida, Vygotski (1996a) percebeu que a contradigo vivida pelo bebé se constitui por dois elementos: por um lado, por sua méxima dependéncia do adulto para garantir sua sobrevivéncia; e, por outro lado, por sua minima capacidade de comunicago — ao menos nos moldes utilizados pelos adultos. Isso gera no bebé uma atitude, uma linguagem por meio da qual ele se relaciona com este adulto de quem ele depende e que 0 cuida e educa: @ comunicago emocional que ela estabelece com 0 adulto. O bebé nio entende as palavras, mas compreende o toquee o tom de vox do outro; 0 bebé nao comunica por meio de palavras suas necessidades, mas chora, olha, move seut corpo, gorjcia. A ctianea é potente, a fragilidade est no olhar de quem a vé. A fragilidade que enxergamos nos bebés e nas ctiangas pequenas é,na verdade, a falta de uma teoria que oriente nosso olhar para compreender 0 processo vivido pelos pequenos. Quando esta compreensiio orienta o nosso olhar adulto, passamos a ver as positividades do desenvolvimento infantil desde os primeiros dias de vida. CChamar a atencéo dos professores e das professoras dos bebés e criangas pequenininhas para estas positividades & 0 objetivo deste capitulo. Para isso, visitaremos as contribuigdes de Vygotski e de alguns outros autores da teoria histérico-cultural, Relacionar-se com 0s objetos ¢ as pessoas, aprender e se desenvolver Quando discute a génese das formas do comportamento especificas do ser humano - como falar, pensar, imaginar, lembrar, controlar sua propria vontade - Vygotski (1995) demonstra que, a exemplo do que acontece com o prazer e 0 gosto pelo colo do adulto, como apontamos anteriormente, as atitudes humanas no so hereditérias, mas so aprendidas nas relagdes que o bebé vai estabelecendo com 0 mundo ao redor: com 0 mundo fisico, mas, sobretudo, com 0 mundo social, entre pessoas mais experientes. A medida que manipula objetos vai formando uma percepgio e uma meméria desses objetos. Quanto maior for sua experiéncia de manipular objetos (agarrar, levar a boca, apertar, chacoalhar, jogar, empilhar... mais cresce sua percepgio desses objetos (tamanho, forma, textura, cor, peso, volume) e mais cresce sua meméria desses objetos. Aos poucos vai agrupando sua percepcio dos objetos (pesados, leves, redondos, lisos, dsperos, etc. Vai formando categorias com o que percebe desses objetos. Bsa percepgdo e essa meméria néo existe hereditariamente no bebé, mas se formam no cérebro com as experiéncias vividas. Ou seja, a medida que vive, a ctianga vai constituindo em seu oérebro novas formagées que, como o prdprio nome indica, no existiam antes, mas se formam sob influéncia da atividade do bebé com os objetos que disponibilizamos para seu tateio e sua manipulacio, sob influéncia das relagies que estabelecemos quando falamos com ele na hora do banho, da troca, da alimentagéo ou quando dirigimos palavras de incentive ao observé-lo explorando objetos ao redor. Por isso, Vygotski (1995) considerava que o conceito de desenvolvimento nao era stificiente para expressar esse processo cultural de formacio e desenvolvimento de fungdes psiquicas 212 humanas, também chamadas fungdes _psiquicas superiores. Outras correntes da psicologia utilizam 0 conceito de desenvolvimento para se referir ao que se pensava ser um processo em que estas fungdes psiquicas ja estariam dadas como uma semente genética na crianga, Deste ponto de vista, inteligéncia e personalidade ja viriam predeterminadas no nascimento da ctianga. Essa forma de compreender_ 0 desenvolvimento cultural da crianga trouxe muitos prejuizos & educagio, pois, se pensamos que a inteligéncia e a personalidade sao dadas geneticamente, pensamos também que sua formagao e desenvolvimento nao dizem respeito ao trabalho educativo. ‘Ao contrério, quando aprendemos com a teoria histérico-cultural que essas caracteristicas humanas so formadas ao longo da vida e desde o nascimento, percebemos © importante papel da educacio e do cuidado dos bebés desde seu nascimento. Por isso & importante falarmos em formacao e desenvolvimento da inteligéncia e da personalidade das criangas para Iembrar a fodos nés, professoras e professores, de nossa responsabilidade no cuidado e na educagao dos bebés ¢ das criancas pequenininhas: cabe a nds organizar a vida dos beb@s e criancas pequenininhas na educacéo infantil, de modo que as criangas possam formar e desenvolver sua personalidade ¢ inteligéncia. Vale destacar, entio, que as capacidades nao sao inatas, mas vao se constituir A medida que forem vividas como ATIVIDADES - ou seja, com 0 envolvimento pleno da crianga como sujeito que é convidado a participar, escolher, fazer e pensar nas experiéncias vividas no dia a dia da escola, por meio de uma organizagdo adequada das relagdes, do tempo, do espaco por parte do professor e da professora Os atos de cuidado que nés, professoras e professores, realizamos para as criangas pequenininhas constituem 0 préprio proceso de educagao. A crianga conhece seu corpo e se conhece por meio daquilo que ela mesma é capaz de fazer com o corpo e por meio daquilo que 0s outros fazem ao seu corpo. E nesse processo que ela vai criando uma compreensio de quem ela é — uma identidade. Importante destacar ~ para dimensionar a importincia da qualidade dos cuidados dos bebés no processo de educagio ~ que o bebé filira a influéneia externa que recebe por meio de como se sente na yivéncia. Em outras palavras, seu aspecto emocional condiciona a qualidade da influéncia recebida do meio: se estiver assustado, triste ou incomodado, o bebé se enyolve, age e aprende menos. Quando se sente acolhido, seguro e confiante, ele se relaciona infensamente com os objetos e com as pessoas, aprende ese desenvolve mais. Pot isso, cuidado e educagéo nao se separam ¢ no podem nem devem ser realizados por pessoas diferentes. O professor e a professora dos bebés e das criangas pequenininhas s&o seus parceiros fundamentais tanto no cuidado como na educagao. Por isso defendemos que ais atividades devem ser realizadas por profissionais com formagao especifica para a educagao infantil e que ndo haja separagio entre profissionais que educam e que cuidam, uma vez que QUEM CUIDA EDUCA E QUEM EDUCA CUIDA. Portanto, o desenvolvimento cultural e psiquico, nao acontece naturalmente, mas é fruto da agéncia do 214 sujeito, fruto de sua atividade e a nés, professoras e professores, cabe organizar o ambiente — quer dizer, Preparar 0 espaco e cuidar das relagbes - para que bebés e criangas pequenininhas vivam experiéncias que as encantem, que estimulem seu pensamento, seu agir e sua emocéo. Essa importéncia da agéncia dos pequenos para seu desenvolvimento cultural e psiquico significa que fazemos as coisas COM eles e nao para eles e nem por eles: falamos com eles e nao por eles, pensamos com eles © no por eles, escolhemos com eles e nao por cles, agimos com eles e nao por eles. Bebés e criancas Pequenininhas precisam ser sujeitos das experiéncias que propomos e organizamos ~e que podemos propor e organizar com eles, possibilitando que participem da vida na escola da infancia. Com isso, entendemos que o desenvolvimento humano na infancia é frato das vivéncias ~e, portanto, é fruto das aprendizagens que resultam das agdes dos Pequenos no meio em que vivem, de como elaboram ou perceberm o vivido e, ainda, das relacdes que estabelecem com as pessoas ¢ 08 objetose de como vivem essas relagdes, ou seja, como se sentem nessas relagies. Este é um elemento importante a ser destacado. Hé uma relag&o dindmica entre o bebé e o meio. E cometemos um equivoco quando nao consideramos que os bebés e as ctiangas pequenininhas sio ativas nesse proceso e que nao é apenas o meio fisico e social que exerce uma influéncia sobre as criancas, mas as criangas filtram essa influéncia com base em suas particularidades, ou seja, em suas vivéncias anteriores, de como se sentem nas relagdes que estabelecem com esse meio de objetos e 215 pessoas. Os bebés, assim como as criangas maiores ¢ 03 seres humanos em todas as idades, relacionamese com 0 mundo com 0 corpo, a mente e as emogées. Essa percepgaio do mundo ao redor, que vai surgindo dessas relages, chamamos aprendizagem, e esta conduz 0 desenvolvimento em todas as idades. Situacdo social de desenvolvimento endo fases ou etapas, Afirmar que o desenvolvimento é cultural e nao. biologicamente condicionado nao significa negar o papel do bioldgico, mas apenas enfatizar que, embora seja condicao para o desenvolvimento cultural, a base biolégica no é suficiente para promover a constituigso das neoformagées culturais como a fala, o pensamento, ‘a imaginagé\o — estas fungGes precisam da experiéncia do bebé que é cultural e histérica, ou seja, acontece de acordo com o lugar e o tempo histérico em que a ctianga nasce. $6 para dar um exemplo, algumas poucas décadas ards, os bebés eram enrolados em faixas de tecido que tinham por objetivo aquecer ¢ imobilizar 0 bebé para dar sustentagdo 4 sua coluna vertebral, pois se acreditava que movimentos desordenados poderiam prejudicar 0 desenvolvimento motor do recém-nascido. Na cultura brasileira urbana, os bebés ficam em casa ou vo para a creche enquanto a mie trabalha; em comunidades indigenas brasileiras, os bebés sdo levados as costas das mies durante as atividades que elas realizam, As condigdes histéricas e culturais constituem o meio em que o bebé cresce na familia e na creche. Estas condigdes exercem influéncia direta em sua atividade e em seu 216 desenvolvimento. Por isso a concepgio de crianga adotada pelos adultos, o lugar que ela ocupanas relagies sociais - em outras palavras, a forma como é considerada, 0 acesso que tem aos objetos da cultura e como se sente nas relagGes sociais que constituem a fonte de seu desenvolvimento ~ condicionam “a possibilidade de que 0 social se transforme em individual’ (VYGOTSKI, 1996a, p. 264). Uma vez que a percepgio da crianca & téo importante em seu desenvolvimento, Vygotski (1996) adota 0 conceito de situacio social de desenvolvimento como indicador do desenvolvimento da crianga. A situagdo social de desenvolvimento é “determinada pelas relagées entre a crianca e o meio” (p 264). Com base nela “surgem e se desenvolvem as novas formagées de cada idade”, as quais modificam a personalidade da crianca. E as mudangas na personalidade influenciam todo o desenvolvimento posterior da crianga. Por isso no se pode falar em etapas fixas ou fases no desenvolvimento cultural infantil. Estas novas formacées, se por um lado sio condicionadas pelas vivéncias da crianga, por outro lado tém uma regularidade em sua formagio e desenvolvimento, Por esta razdo se pode falar em idades (0 primeiro ano de vida, a primeira infancia! e a idade pré-escolar’) como formagées globais e dindmicas que reestruturam a personalidade da crianga. Quando essa reestruturagio da personalidade da crianga - que abre novas possibilidades de aco para ela ~ néo é percebida "A primeira inféincia conresponde & idade entre 1¢ 3 anos. A idade pré-escolar corresponde & idade entre 3 ¢ 6 anos. 217 pelos adultos que a rodeiam e estes continuam.a tratécla sem considerar e sem abrir espago para suas novas possibilidades, a ruptura vivida pela cxianga em relacdo a0 seu desenvolvimento anterior e 0 salto para as novas possibilidades se manifesta como crise: um negativismo na relaco com 0 adulto. As marcas deste negativismo podem ser: a birra, o espernear, 0 jogar-se no ch4o, 0 enfretamento do adulto. Por isso Vygotski (1996a) fala em crise do primeito ano, dos 3 anos e dos 7 anos, que séo momentos tipicos das rupturas na sociedade ocidental. Leontiev (1988), no entanto, alerta que as crises s6 acontecem quando os adultos agem de forma espontanea, ou seja, sem intencionalmente observar € considerar as novas necessidades da crianga e sem abriz- Ihes espago para crescer, quando tratam as eriangas sem considerar que sio sujeitos, sem perceber sua nocessidade de fazer parte dos processos vividos e sem se dar conta do papel pedagégico que esta participactio fem na formagéo de sua personalidade e inteligéncia. ‘© momento em que uma nova formagao esta se constituindo é 0 momento em que 0 estimulo do adulto é bem-vindo, nao se antecipando nem se atrasando, mas potencializando a nova formago em proceso, Por isso S40 chamados perfodos sensitivos os momentos em que uma dada fungdo (seja a percepedo, a fala, seja 0 pensamento, scja a itaginagio) pode melhor. ser estimulada e quando a intervengio do adulto € mais oportuna. Assim, conhecer o processo de formacéio e desenvolvimento de cada fungio é essencial para nosso trabalho como professoras e professores. Organizamos 0 espaco da creche com muitos objetos com texturas, cores, tamanhos, formas diferentes que atraiam a atencao e a atividade das criangas quando a percepgio esta se formando, falamos com elas para estimular a fala em formacéo e também sua atengio e concentracio, colocamos objetos novos entre os j& conhecidos para chamar sua atengio e fomentar sua meméria, espalhamos objetos pela sala para provocar seu movimento. Cada idade, portanto, possui caracteristicas que configuram o nivel de formagio e desenvolvimento da consciéncia do bebé ¢ este pode ser percebido em sua relagio com o meio de objetos, pessoas, situacdes. Essa consciéncia - que a teoria histérico-cultural considera ‘como produto das “mudancas fisicas e sociais” vividas pela crianga (VYGOTSKI, 1996a, p. 262) ~ é a expresso integral das caracteristicas mais importantes da personalidade da crianca. Isso. implica que, para compreender 0 desenvolvimento cultural da ctianga de modo a organizar da melhor forma o ambiente em que bebés & criangas pequenininhas vivem na escola —e também em casa — para deixar fluir e ndo estancar sua energia, curiosidade e possibilidades de exploragéo do ambiente, observamos a crianga em sua integralidade e ngo em aspectos isolados. Assim, quando colocamos uma colher na mo do bebé na hora da refeigéo, possibilitando que inicie suas tentativas de alimentar-se sozinho - a mesmo tempo que nés, adultos, o alimentamos ~, no apenas promovemos 0 exercicio da coordenagio motora, do movimento em direcéo & boca, mas também a formagao de uma autoestima positive, 0 prazer da iniciativa, o exercicio da autonomia, o cuidado de si. Em outras palavras, promovemos a formacio e 0 desenvolvimento da personalidade da crianca como um, todo. Por isso, cada nova conquista da crianga promove uma mudanga geral em seu desenvolvimento e 0 actmulo desias mudangas possibilita os saltos que caracterizam as novas formas de relacio da crianga com ‘ambiente, ou seja, novos niveis de sua consciéncia. Nossa atitude com o bebé ¢ a crianga pequenininha precisa considerar isso, sempre possibilitando espaco para o seu crescimento. As transformagées que a crianga experimenta nos trés primeiros anos de vida séo tf0 notaveis que alguns psicdlogos costumam dividir o desenvolvimento humano em dois momentos: do nascimento até 03 trés anos de idade e dai para o resto da vida (MUKHINA, 1996). O primeiro ano de vida do bebé: 0 mundo ao redor Pelo que j& viemos discutindo, é um equivoco pensar que 0 bebé ¢ associal, que o bebé é um ser passivo, Ao contrario disso, “a relago do bebé com 0 mundo ao redor é social desde o principio” (VYGOSTKI, 1996a, p. 285). Suas relagdes com 0 mundo ao redor se realizam sempre por meio de outra pessoa e sio percebidas por ele sempre por meio das relagées com as outras pessoas. Como vimos anteriormente, a propria condigio de dependéncia do bebé o obriga & comunicagio com os adultos. Mas, esta é uma comunicagao ainda sem palavras. Por isso a atividade por meio da qual o bebé melhor se relaciona com 0 220 mundo que 0 rodeia e, nesse sentido, mais aprende e se desenvolve ¢ a comunicagao emocional que se estabelece entre beb8 ¢ aduilto. De um modo geral, pode-se dizer que a nova formagio que se constitui no primeiro ano de vida e como produto do que foi vivido pelo bebé nesse periodo é a “vida psiquica individual” (VYGOTSKI, 1996a, p. 279) do bebé. Esta vida ps{quica tem como catacteristica fundamental a fusdo das sensages e das emogées, por isso se pode falar de “estados sensitivos emocionais ou de estados de sensagdes marcadas emocionalmente” (VYGOTSKI, 1996a, p. 281). Isto porque “todas as impressdes exteriores externas estiio indissoluvelmente unidas ao afeto que as matiza ou ao tom sensitive da percepcéo” (VYGOTSKI, 1996, p. 282). Desse modo, “0 bebé percebe antes o tom acolhedor ou ameacador, ou seja, 0 expressivo mais que os elementos objetivos da realidade” (VYGOTSKL, 1996a, /p. 282). Poressa razio é tio importante a atitude acolhedota do adulto no contato com o bebé e com as criangas Pequenas e, nesse sentido, a relagio que se estabelece com o bebé ¢ mais importante que os objetos materiais que disponibilizamos, até porque 0 bebé passa a se interessar pelos objetos, dependendo do acolhimento, da relagéo de confianga e de seguranga que ele estabelece com os adultos que dele cuidam e educam. Considerando as palavras de Vygotski acima, percebemos que as relagées que nds, professores e professoras, estabelecemos com os bebés e as ctiancas pequenas so fundamentais para sua aprendizagem e seu desenvolvimento, muito mais que a decoraggo da sala, que tantas vezes ocupa o nosso tempo, especialmente quando se trata de produgées dos adultos “para as criancas pequenas” ou imagens estereotipadas de desenhos animados que pouco tem zelago com a cultura e a vida das criangas, tampouco promovem sua humanizacao. Conforme afirma Vygotski, (19962, p. 297), “percepgio e aco constituem no principio um processo ‘inico, estrutural, onde a acdo é a continuidade dinamica da percep¢ao” e, ainda conformeo autor, o elemento que une percepgdo e acdo — ou as fungées sensoriais e as motoras—é0 “impulso, anecessidade, ou falando de um modo mais geral, 0 afeto”. Comestas palavras, Vygotski esclarece o sentido da palavra afeto como sindnimo de necessidade, desejo, algo que atrai ou afeta, que mexe com o bebé. ‘Osimpulsos afctivos estardo presente em cada nova etapa, no desenvolvimento infantil. Nas palavras de Vygotslci (1996a, p. 299), Os impulsos afetivos so companhia permanente em cada nova etapa do desenvolvimento da crianga, desde a etapa inicial até a final. Cabe dizer que 0 afeto inicia 0 proceso de desenvolvimento psiquico da crianga, a formagao de sua personalidade e fecha este processo, coroando assim todo 0 desenvolvimento da personalidade. Nao é por acaso, portanto, que as fungdes afetivas estejam em relagio direta tanto com os centros subcorticais mais antigos, que sio os primeiros a se desenvolver e se encontram na base do oérebro, como com as formagées cerebrais mais novas e especificamente humanas (lébulos frontais) que so os tiltimos se configurar, Por este fato, afirma-se que o afeto é 0 alfaeo ‘mega, o primeizo ¢ o tltimo elo, o inicio eo fim de todo © desenvolvimento psiquico. Considerando essa_—caracteristica do desenvolvimento humano, podemos refletir sobre suas implicagdes pedagégicas. Essa discussio parece apontar essencialmente para a necessidade de possibilitarmos aos bebés ¢ as criangas pequenininhas a criagdo de novos afetos (necessidades, desejos) por meio da apresentacdo de objetos atraentes e diversificados que possam manipular e de situagdes novas que possam vivenciar — como ouvir miisica, curtir a Agua do banho, sentir 0 vento, observar a natureza, explorar diferentes objetos com cores, formas, tamanhos e texturas variadas. Conforme afirma Muihina (1996, p. 76), “uma particularidade importante do recém-nascido é que sua visdo e audigio se desenvolvem mais rapidamente que 0s movimentos do corpo”. Ao receber sinais do mundo externo, o cérebro vai se formando. Isso nos diz sobre a importancia de — sem exagerar e sem cansar 0 bebé — possibilitar-lhe impressGes sensoriais: ver, ouvir, pegar, sentir no paladar. Podemos refletir também sobre a importéncia de deixarmos fluir a atividade das criancas, fluir sua energia e seus impulsos em lugar de refreé-los, seja para impor autoridade; para facilitar o trabalho dos adultos; seja para corresponder a mitos de que as criangas precisam de regras e estas se fazem inibindo os afetos na infincia; ou, ainda, com a equivocada ‘compreenséio de que os adultos ~ antes mesmo de ouvir ¢ observar as criangas e antes de estudar e pesquisar a fundo — sabem o que é bom para as criancas. 223 A articulacdo entre percepgao e ago tem também um outro significado para o trabalho docente: a compreensio de que a crianga, antes de se apropriar da fala, pensa por meio da ag&o que realiza, pensa i medida que age. O pensamento na aco antecede a forma mais desenvolvida de pensamento que é 0 pensamento verbal. Essa compreensio deve levar o adulto a tespeitar © tempo da crianga: a crianga precisa de tempo para explorar os objetos e 0 ambiente ao redor, levantar hipéteses e “fazer teoria” sobre o funcionamento das coisas e suas possibilidades de exploracao. Ao mesmo tempo, este nfo deve ser um momento de abandono do bebé ou da ctianga pequenininha, mas um tempo de atividade auténoma com os objetos e com © adulto ao alcance do othar. Pela prépria condigdo que marca 0 primeiro ano do bebé — de dependéncia do adulto para suprit todas as suas necessidades de sobrevivéncia ~, 0 adulto & peca fundamental na atividade da crianga. E o adulto que, de forma intencional ou ndo, apresenta o mundo para a crianca. Por isso nossa ago, como adultos, professoras e professores de bebés e criangas pequenininhas, esté centrada inicialmente na organizacéo intencional do ambiente para acolher e criar as condigGes favordveis a0 desenvolvimento cultural das criangas. Assim pensando, a comunicagio que se estabelece entre adult e bebé é verbal para o adulto e emocional para a crianga, pois a crianca, nessa idade, nao se comunica por meio de palavras, mas por meio do olhar e do corpo, percebendo ‘emogies no toque do adulto, em sua fala e seu olhar. Por ‘essa razdo, chamamos essa comunicagao entre a crianca 224 © oadulto de comunicacdo emocional. Mulkhina (1996, p. 84) afirma que a dependéncia da crianca em relacao ao adulto faz. com a crianga veja o mundo ao seu redor ea si mesma sempre através “das relagdes com outra pessoa”. A atencdo ¢ a fala carinhosa do adulto do, desse modo, o maior incentivo ao seu desenvolvimento nessa idade, pois, embora a crianga precise desta comunicacio, ela no sabe ainda fazer isso. E 0 adulto quem se esforea por estabelecer essa comunicacko, concentrando sua atengo no bebé nos momentos de cuidado, incentivando que o olhar do bebé se mantenha voltado para o adulto, concentrando sua atengio na relacao olho no olho que pode se estabelecer. A iniciativa antecipadora do adulto de conversar com 0 bebé antes que ele seja capaz, de responder e de aproximar objetos para ele ver e pegar cria na crianga novas necessidades: anecessidade de falar e de ver, ouvir, pegar objetes, Com isso, o bebé vai acumulando experi@ncias por meio das percepgies. Por isso, & medida que o bebé passa mais tempo acordado, a miisica agradavel e abjetos coloridos, sonoros e em movimento passam também a interessar 0 bebé e exercitam sua percepgao: primeiro, os objetos que 1nés, adultos, aproximamos dele e depois os objetos que ele vai observando na vida didria dos adultos ao seu redor. Segundo Mukhina (1996, p. 80), “condigio indispensavel para a maturagdo normal do cérebro do recém-nascido é 0 exercicio dos érgios dos sentidos (dos analisadores), 0 acesso ao cérebro, através deles, dos diferentes sinais do mundo externo”, De acordo coma pesquisa de Tardose Szanto-Feder QOL, p. 40), “Préximo aos 5 ou 6 meses, a atividade dominante é a contemplagao dos objetos ou das pessoas; hha criangas que, em25 minutos de observacdo, passaram nessa atividade uma média de 8.5 minutos, mais de 15 segundos de cada vez sem interrupcao" A medida que sua experiéncia com os objetos vai se ampliando, 0 beb@ vai, 203 poucos, criando uma meméria de suas exploragdes com os objetos e categorizando os objetos conhecidos: objetos leves e pesados, objetos macios e duros, objetos que fazem barulho, objetos que rolam — mesmo que ele ainda nao d& nomes para essas sensagbes. ‘Ao mesmo tempo, enquanto o beb@ permanece acordado, ele precisa de um espaco adequado para se movimentar livremente e estimulos para isso. No trabalho com bebés realizado pelo Instituto Pikler- Loczy, as pesquisas tém mostrado que favorecemos 0 movimento autdnomo do bebé quando o deixamos livre sobre uma superficie firme ~ o chio preparado para receber o bebé: limpo, com um tapete ou tatame, por exemplo - que favorega o virar-se e com objetos espalhados ao seu redor que criem a necessidade de se movimentar. Constatamos que as criangas com idade em torno dos 8 ‘meses, na etapa em que se maniiim deitadas de lado ou de Ibrugos e sfo capazes de virar-se conseguindo dar uma volta inteira, mudam de posigio uma média de 42 vezes em 30 minutos, ou seja, a cada 43 segundos e somente ficam ext uma mesma posicio durante uma média de 3.5 minutos. Um pouco mais tarde, quando comegam a sentat ¢ a 226 deslocarse engatinhando ou arrastando-se, mudam de Posigéo frequentemente e apenas ficam numa mesma posicdo uma média de 1 minuto e 20 segundos. Sua mobilidade aumenta quando comecam a se levantar (préximos aos 11-12 meses): a média de mudanga de osicao passa a ser de 74 vezes a cada 30 minutos (dos quais 21 sao para sentar-se, 17 para engatinhare 10 para pér-se de pé) (TARDOS e ZSANTO-FEDER, 2011, p. 39-40), Sem a necessidade da intervengao dizeta dirigindo a atividade do bebé, mas realizando a tarefa fundamental de observar, perceber as necessidades das criangas e organizar o ambiente para ampliar seus afetos, os adultos do Instituto Pikler-Loczy demonstram a importincia da atividade livre ¢ aut6noma dos bebés quando eles so acolhidos, cuidados e eduicados para se sentir seguros e confiantes nos adultos. Préximo aos 8 a 10 meses, domina aexploragio de abjetos pela manipulacéo, Uma média de 13.5 minutos em 25 minutos de observagio. Durante tal atividade, pudemos distinguir mais de 60 variedades de movimentos das mos e dos dedos. Algumas posigSes podem aparecer em ‘uma média de 27 a 37 vezes em 25 minutos. E importante destacar que as criancas observadas nesses estudos néo sto etianas excepcionais em relacio a outras; esto sendo educadas com afeto e com respeito A sua atividade auténoma (TARDOS e SZANTO-FEDER, 2011, p. 40). ‘Aos poucos, entéo, a comunicacio emocional como atividade principal da crianga vai abrindo espaco para o interesse pelos objetos: ao pegar, lamber, morder e experimentar com diferentes objetos, a crianga observa, ‘se concentra, experimenta, peroebe diferencas, interage com as outras criangas 4 sua volta e, com isso, envia importantes estimulos a0 seu oérebro. Nesse brincar, ela aprofunda a percepcio categorial dos objetos: coisas leves, pesadas, grandes, pequenas, lisas; coisas que param em pé; coisas que rolam; coisas de diferentes cores e tamanhos; coisas que flutuam e afundam; coisas que fazem barulhos diferenciados; coisas moles, duras, macias e speras; coisas que se encaixam uma na outra; coisas que podem ser empilhadas; coisas que podem ser abertas e fechadas... Com isso, a crianga vai conhecendo ‘o mundo dos objetos e vai ampliando sua percepco, sua comunicacéo, seu desenvolvimento motor; vai acumulando experiéncias e criando uma meméria; vai exercitando a atencio e o pensamento que acontece na ago. Nesse processo, prepara-se para a fala, isto & para dar nome aos objetos que vai conhecendo e categorizando. Portanto, se observarmos 0 bebé nas. primeiras semanas de vida e no final do primeiro ano, veremos uma crianga que passa da dependéncia absolute as formas elementares e simples de colaborago com 0 adulto. Ao longo do primeiro ano de vida, vivendo num ambiente que favoreca sua atividade e movimento, amplia-se a atividade do bebé, aumentam suas possibilidades de ago, aperfeigoam-se seus movimentos, seu corpo adquire forga, 0 cérebro se desenvolve com base nas experiéncias vividas, aparecem novas formas de conduta e novas formas de comunicagao: engatinha; busca 0 que quer; puxa a tolha da mesa onde est4 a mamadeira; balbucia, O bebé requer mais espago para crescer. Se os adultos que dele cuidam e educam percebem essa necessidade e criam novas possibilidades para sua atividade e seu desenvolvimento, a crianga segue em seu desenvolvimento em diregio A atividade cada vez mais auténoma, Na situagio contréria, se refreamos a necessidade de mais movimento, mais experimentacao, mais aco, as reacdes negativas do bebé frente aos adultos podem manifestar-se de forma infensa com caracteristicas que comumente so definidas como de uma “crianga dificil”. Importante lembrar que esta atitude do bebé, conhecida como crise do primeiro ano, 86 acontece quando nés, adultos, néo compreendemos 0 processo de desenvolvimento infantil e néo possibilitamos a continuidade da experiéncia da crianca de forma cada mais auténoma, ganhando niveis de independéncia gradualmente maiores em relagio 20 adulto e estabelecendo novas formas de relagdo que podem ser mais colaborativas e menos autoritérias. A primeira infancia: entre 0 andar e o falar, o desenvolvimento O andar, a ampliagdo da atividade com objetos ea fala so as conquistas mais importantes do periodo que se estende’ de 1 a3 anos. O andar amplia a possibilidade de ago da crianca no ambiente e na atividade com objetos, ela vai expandindo suas possibilidades de manipulaggo, de estabelecer relacées entre os objetos e comega a procurar fazer sozinha aquilo que vai percebendo das ages dos adultos. Ao imitar suas ages, vai aos poucos, percebendo a fungao social dos objetos. A imitacaio cria Processos que aos poucos, véo se tomando parte das possibilidades reais da crianca, 0 que chama nossa tengo para a importancia do trabalho com grupos de criangas de idades diferentes, em que os pares mais avangados so modelo para os menos avangados. Aos poucos, enti, a criariga comega a querer fazer coisas por si mesma. Pequenas tarefas que ela jé possa fazer é significativo para ela: buscar o sapato, ajudar a guardar os brinquedos, pendurar sua sacola no gancho proprio, pegar sua escova de dentes, comer sozinha, A iniciativa da crianga em querer fazer atividades que os adultos fazem é uma boa oportunidade de ensinar o que éde brincar, com o que ela pode brincar e como que néo e porque nao. ‘As agdes com objetos passam a ter 0 adulto como colaborador: a crianea pode usar uma colher para bater no chao, e copos plasticos para empilhar inttmeras vezes, sem se dar conta da fungdo social com o objeto, pois sua fungiio ndo esta explicita no objeto. £ 0 adulto quem vai Ihe revelar esta fungio. Assim, na primeira infancia, observamos 0 aprofundlamento da atividade com objetos. No primeiro ano, os objetos so usados de modo livre, nao discriminado: usa um carrinho ou uma colher para bater no chao e fazer barulho, usa 0 copo para rolar, jogar longe ou raspar no chio e fazer barulho. Ao longo do segundo ano de vida, comecamos a perceber 0 uso do objeto apenas segundo sua fungdo direta: a crianga usa 0 carrinho para imitar um carro, usa 0 copo para imitar que bebe, Numa terceira fase, mais préximo do terceiro 230 ano, a crianca faz uso livre do objeto, mas diferentemente do uso que faz no primeiro ano, atribui a0 objeto um novo significado condizente com a aco que realiza com ele; usa uma caixinha de pasta de dentes para imitar um carrinho, pois realiza com ela o movimento que realizaria com 0 carrinho, usa um toquinho de madeira para imitar uma boneca, mesmo sabendo que o toquinho de madeira nao é uma boneca... faz de conta. ‘Na primeira infancia, a crianca aprende a utilizar ferramentas ou instrumentos: usa a colher para se alimentar, o giz. de cera para marcar o papel ow a parede, a xicara e © capo para beber algo. Ainda que simples, esses instrumentos tém uma enorme importancia para 0 desenvolvimento psiquico, pois eles trazem a caracter{stica essencial de toda ferramenta: a tealizagao de uma ago instrumental requer a adaptaczo dos movimentos da mio & forma do instrumento. Por isso, eles inauguram uma nova relagio da crianca com 0 mundo, uma vez que a utilizagao de instrumentos é um dos principios bisicos da atividade humana. A aco que se utiliza de uma ferramenta amplia a possibilidade da acdo da crianga, pois com a ferramenta, a crianca passa a realizar agdes que nao seriam possiveis s6 com as mios. “As ferramentas sao, por assim dizer, érgaos artificiais que o ser humano interpée entre ele e a natureza. Seria suficiente citar o machado, a colher, a serra, 0 martelo, a plaina” (MUKHINA, 1996, p. 111). Ao término da primeira infancia aparecem novos lipos de atividade: a brincadeira de faz de conta com papéis sociais ¢ as atividades produtivas: a construgio, 0 231, desenho, a modelagem. As pzemissas para a brincadeira de faz de conta com papéis sociais sio criadas na primeira infincia, com a atividade com objetos. Agora “a reprodusio das ages com os objetos passa a um segundo plano e a reproducio das relagées sociais assume o plano principal” (MUKHINA, 1996, p. 115). ‘Também o desenho e as atividades produtivas tém suas premissas criadas na primeira infancia. Ao fazer garatujas, por exemplo, a crianga nao se preocupa com a representacio de algo, mas com o acumular dessas experitncias, percebe a representagéo e passa a grafar uma imagem que deixa de ser apenas uma combinagio casual de tragos, mas que jé contém uma intengdo de representacao. A fala tem suas premissas criadas no primeiro ano de vida com toda a experiéncia do bebé ao ser sujeito nas relagées de comunicagio com os adultos; ao reproduzir os primeiros sons; ao tentar pronunciar as primeiras palavras; ao perceber os objetos e generalizar suas caracteristicas: comega a tentar encontrar um nome para essas generalizacdes (08 objetos redondos, os que guardam coisas dentro, os que voam, os pesados, 03 quentes, os gelados). Na primeira infancia, a crianca desenvolvera de modo intenso a fala, tanto porque aperfeigoa sua compreensio da linguagem do adulto, como porque desenvolve uma linguagem prdpria. A referéncia da linguagem oral dos adultos ao redor é fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral da crianga. Como lembra Vigotski (2010, p. 693), ha uma particularidade na relagio do ser humano com 0 meio, que ¢ especifica aos humanos e que se encontra no 232, fato de que “no desenvolvimento da crianca, aquilo que deve resultar 20 final do desenvolvimento, como resultado do desenvolvimento, jé estd dado pelo meio Togo de inicio”, Eo autor esclarece essa questo com um exemplo: ‘Uma crianga apenas comegou a falar, pronuncia palavras separadamente, como geralmente fazem as ctiancas que comegam a dominar a fala, Mas sera que, no meio onde est essa crlanca, jd existe uma fala desenvolvida, que deverd vir & tona para ela somente ao final do desenvolvimento? Existe. A crianga fala frases monossildbicas, mas a mie fala com a erianga jé com uma Tinguagem gramatical e sintaticamente formada, com um. bom vocabulério [...] a mie ji se comunica com a ctianga utilizando uma forma desenvolvida da fala. (VIGOTSKI, 2010, p. 693) Vigotski chama esta forma desenvolvida de forma ideal, “no sentido de que ela consiste em um modelo daquilo que deve ser obtido ao final do desenvolvimento”, ou forma final, “no sentido de que & esta a forma que a crianga, ao final de seu desenvolvimento, alcangard”. E chama a forma inicial da ctianga de forma priméria, A particularidade do desenvolvimento infantil de que fala autor consiste, entéo, no fato de que este desenvolvimento acontece por meio de uma interagao com 0 meio, em que a forma ideal, “esta que deverd aparecer ao final do desenvolvimento”, convive e interage desde o inicio com a forma priméria da crianga, influenciando a forma primaria. em =— seu desenvolvimento. “Ou seja, em outras palavras, algo que deve se construir bem ao final do desenvotvimento [...] influencia desde 0 inicio desse desenvolvimento”. (VIGOTSKL, 2010, p. 693) Assim, além de ampliar seu vocabulério, na primeira infancia, a crianga assionila o sistema gramatical da lingua materna e, por set a principal forma de acesso cultura acumulada, seria impossivel exagerar a importincia da apropriagio da fala para o desenvolvimento infantil: com a fala, a crianca muda sua percepcio do mundo, sua meméria, seu pensamento e todos os processos psfquicos. Coma apropriagao da fala, © pensamento da crianga sofre uma grande transformagao: torna-se verbal, enquanto a fala passa a ser orientada pelo pensamento. ‘A. génese e 0 desenvolvimento inicial do pensamento também tém por base a atividade com objetos. No primeiro ano, 0 reconhecimento que a crianga faz dos objetos se basela em algum aspecto que ela percebe do objeto. Por exemplo, um patinho de borracha colorido interesca-Ihe por sua cor, endo por seu bico furado onde pode enfiar o dedo nem pelo pescogo fino que pode ser dobrado produzindo um barulho: néo explora ainda o objeto de forma sistematica. Ao iniciar a primeira infancia, as criancas jd percebem as propriedades dos objetos que as rodeiam, captam as relagdes mais simples entre esses objetos e usam em suas manipulagées de objetos tudo o que sabem sobre essas relagdes. Vemos uma primeira manifestacio do pensamento quando a crianga comega a relacionar dois objetos para alcancar um objetivo, isto & quando a 234 ten. henna crianga comega a se valer de relagdes jé formadas. Isto acontece, por exemplo, quando a crianca quer alcangar uma boneca que esta sobre uma almofada endo alcanga a boneca, mas alcanga a almofada, Entdo, percebe que puxando a almofada pode alcancat a boneca. Entre ume trés anos, a crianca se valerd cada vez mais dessas relagdes preestabelecidas. Aos poucos vai aprender a realizar agdes mais diversas que requerem novas relagGes entre objetos que ndo estdo relacionados. No inicio, o estabelecimento dessas relagées se produz por acaso, por meio de provas priticas, como quando a crianca quer encaixar uma peca no orificio da casa de chaves, ela toma a pecae vai por tentativa buscar encontrar 0 orificio por onde a pega pode ser introduzida na casinha. Nesse caso, chamamos seu pensamento de pensamento visual por ages, pois se realiza mediante agdes externas que servem de ponto de partida para ages psiquicas intemas, isto é, 0 pensamento, Por volta dos trés anos, t8m inicio as agées de pensamento realizadas sem provas externas, mas com base em “modelos” que so lembrancas acerca dos objetos e suas formas de utilizagdo. Nessa fase, o pensamento jé trabalha com modelos, quer dizer por meio de acées mentais e ndo por meio de objetos reais, isto é de provas praticas. H o chamado pensamento visual por imagens. Este tipo de pensamento constitui o inicio do proceso de generalizacio, isto é 0 agrupamento mental de objetos e agdes que tenham as mesmas caracteristicas. Os primeiros provocadores de generalizacio sio os objetos e as ages, Como discutimos anteriormente, a ctianga vai categorizando os objetos, agrupando-os de acorda com suas propriedades (leves, pesados, redondos, coisas de sentar), Como afirma Mukhina (1996, p. 138), “A generalizagaio dos objetos segundo sua fungio surge primeiro nas agées para depois fixar-se na palavra. Os primeiros portadores da generalizagdo so 08 objetos”. Por isso, a convivéncia com objetos ¢ situagdes que se repetem tém importante papel no desenvolvimento do pensamento infantil, pois preparam as bases para a linguagem oral que é, ela propria, produto da generalizacdo. Para dar um exemplo, quando dizemos mesa, podemos estar nos referindo a uma mesa na qual cabem dez, duas ow uma pessoa, que tenha quatro pernas ou tenha uma perna central, que seja de madeira ou de vidro, que seja alta ou baixa. A utilizagio de signos e de sistemas de signos — como os simbolos mateméticos, a fala, as artes, ufilizados para a comunicagio - é uma das caracteristicas mais importantes dos seres humanos e a fala é 0 mais universal e importante dos sistemas criados ao longo da histéria, uma vez que permite resolver problemas sem precisar recorrer a aces, mas apenas utilizando-se do pensamento. O ser humano é 0 tinico animal capaz. de utilizar signos, ou seja, de utilizar um objeto para representar outro. Este processo comega se formar no terceiro ano de vida. A fungio simbilica da consciéncia, ou seja, a possibilidade de estabelecer uma relagdo de substituicdo de um objeto por outro comeca quando a crianga, ao precisar de uma coroa para a princesa, na brincadeira de papéis sociais, usa um lengo 236 que amarrano topo da cabega ¢ “faz de conta” que éuma coroa. Quando a brincadeira acontece em grupo, todos concordam com a substituigéo. Neste caso, ainda que percebam a fungio do objeto lenco, passam a atribuir a ele um novo significado e passam a utilizd-lo como se fosse uma coroa. A premissa para o surgimento da fngio simbélica é o dominio das agdes com objetos ¢ a separacaio posterior da ago do objeto. Quando a agio comega a se realizar sem o objeto ou com um substituto seu, a agéo se transforma numa imagem, numa representagao de uma ago real. Além de usar objetos para representar outros objetos, a funcio simbélica permite que a crianga se coloque no lugar do outro, isto é, que represente outra pessoa. Quando brinca de faz de conta, a crianga passa a agir no com o objeto em si-o cabo de vassoura — mas com significado que o objeto passa a ter — um cavalo. Da mesma forma, na brincadeira de papéis sociais - quando © faz de conta, envolve também a representacao de outra pessoa —, a crianca passa a agir ndo como se fosse ela prépria, mas como se fosse 0 outro: mudam as suas alitudes e a sua relacio com as outras criangas. Como afirma Vigotski (2008), na brincadeira de papéis, a crianga age como se estivesse sempre uma cabega acima do seu tamanho, atua conforme o “eu devo” e no conforme o “eu quero”. Este importante avanco no conhecimento do mundo e na relagio consigo mesma e com os outros néo se manifesta apenas na brincadeira de Papéis. A fungio simbélica reestrutura o desenho infantil, pois, quando a crianca se apropria da ideia da representagio, compreende que o desenho pode representar algo e passa a buscar a representagio dos objetos e situages em seus desenhos. F quando observamos como muda essa utilizagio que ela vai fazendo dos objetos, seja no desenho, sejana brincadeira de faz de conta, e como se complexifica sua percepeio do mundo, percebemos o caminho do desenvolvimento de seu pensamento. ‘Toda operagao externa serve como ponto de partida para as operacdes externas. No didrio de Mukhina (1996, p. 136-7), a autora narra uma situagio em que dois irmios carregam Agua para umn monte de areia com uma latinka. Uma delas tem um furo na base, 0 que faz um dos irmfos sempre chegar ao monte de areia com a lata cheia e 0 outro com a lata vazia. A situagio prossegue por algum tempo, até que, por acaso, a ctianga que se ‘utiliza da lata com o furo veda furo com a mio. A partir dai, percebendo o mecanismo da fuga da gua e omodo de evitar isso, a crianca passa a levar, também ela, sua lata com Agua até a areia. Considerando 0 relato, percebemos que 0 desenvolvimento do pensamento requer materiais diversos para a manipulagdo e experimentagio pelas criangas. Da mesma forma, as criangas precisam de tempo para solucionar os problemas que surgem na atividade ou nas agées que realizam. Em meio ao conjunto de conquistas da primeira infancia, insere-se também 0 surgimento da peroep¢io pela crianca de sua existéncia independente, a percepgao de suas preferéncias e desejos. No inicio da primeira infancia, os sentimentos e desejos da crianca surgem em virtude de elementos 238 nmasenaminnet Se externos; a crianga ainda nao se reconhece como fonte de desejos e ages, nem como diferente das outras pessoas. Antes dos trés anos, com base nas experiéncias vividas envolvendo os objetos e as relagdes com as pessoas, sejam outras criangas, sejam os adultos, surge uma “primeira forma de autoconsciéncia na crianca: a afetiva, Embora ela nao saiba conscientemente que é alguém diferente do adulto, ainda que nao se perceba como pessoa e nao tenha desenvolvido plenamente a sua identidade” (BISSOLI, 2005, p. 187), a crianga jé comeca a ter vontades que podem coincidir ou nao com as de outras pessoas, Este é um indicio de que ela est em vias de passar por “uma transformacao completa de sua personalidade” (BISSOLI, 2005, p. 150). Se considerarmos que a consciéncia humana se produz na telagao que se estabelece entre a pessoa e 0 meio, & medida que se ampliam as possibilidades de telagio da ctianca com 0 corjunto dos objetos, fenémenos e pessoas que a rodeiam — isto é, a medida que a crianga vai formando e desenvolvendo cada vex mais a percepgio, a meméria, a fala, 0 pensamento - mais se desenvolve sua consciéncia — e sua personalidade. Com 0 acimulo de vivencias e as consequentes transformagdes em sua situagao social de desenvolvimento, ao se aproximar dos trés anos, forma- sea percepeio do ewe 0 indicador desta nova percepcao €0 uso da primeira pessoa para se referir a si mesma: a ctianga nio diré mais “o Zezé quer” para se referir aalgo gue ela prépria deseja, mas diré “eu quero”. Isto vai transformar a relagéo da crianga com os adultos. Inicia- se um processo em que a crianga, percebendo-se como 239 alguém distinto dos adultos, passa a comparar-se com eles, a querer realizar as mesmas agbes que vé 0s adultos realizando. Por causa disto, ocorrem duas situagSes: por tum lado, o desejo da crianga de fazer 0 mesmo que 03 adultos, di origem ao jogo de papéis sociais ~ a brincadeira de faz de conta em que a crianga assume um personagem; por outro lado, cresce seu desejo de independéncia, o que pode gerar a crise dos 3 anos, caso 08 adultos nio estejam atentos para os saltos no desenvolvimento infantil e nfo promovam espago para a crianca crescer e se desenvolver. A crise dos 3 anos, ow a visivel mudanca de atitude da crianca em torno dos 3 anos Proximo aos 3 anos, j4 andando com desenvoltura, falando, percebendo-se como fonte de ages e desejos ¢ atenta as atividades dos adultos, a crianga pensa que ela é grande e quer fazer tudo 0 que os adultos fazem. Como afirma Leontiev (1988), o mundo dos objetos humanos se abre para ela nesta idade, Relaciona-se com o mundo ao redor de forma cada vex mais sofisticada, percebe os objetos em sua fungao social, percebe as relagdes sociais e os papeis desempenhados pelos adultos, enfim, percebe 0 mundo com outro nivel de consciéncia. Certamente, esta nova forma de relagao com o mundo e consigo mesma requer um novo espaco para crescer € se desenvolver.O acompanhamento e a compreensdo deste processo pelos adultos responsaveis por seu cuidado € educagéo so fundamentais para ampliar as possibilidades de agéncia da crianga e, ao mesmo tempo, 240 evitar que se instale uma crise de negativismo em relagéo ao adulto. Conforme Venguer (1987, p. 131), “a crise dos trés anos é uma manifestagéo da contradigSo entre as possibilidades infantis crescentes e as formas elementares de atividade e inter-relagdes com os adultos que se apresentam na primeira infincia’, quando os adultos insistem numa superproteggo da ctianga sem perceber seu desejo e suas novas condigies de independéncia. De uma forma ou de outra, isto é, seja com a compreensao dos adultos, seja com o conflito que se cria nesta relacdo, este momento marca um grande avango nto desenvolvimento infantil e “cria as premissas necessérias para o desenvolvimento da personalidade da crianga” (VENGUER, 1987, p. 132). Consideragdes finais Aos poucos vamos mudando nossa concepgio de que a crianca s6 se desenvolve quando & tutelada, dirigida e vigiada o tempo inteiro por nés, adultos. Vamos percebendo que garantimos uma experiéncia rica © diversificada para as nossas criangas quando organizamos para elas um espaco rico de materiais e possibilidades e permitimos que elas 0 explorem. Podemos enriquecer a experiéncia das criancas desenvolvendo brincadeiras ¢ atividades com um grupo pequeno de criangas: esconder-se atrés de um pano e aparecer fazendo um som, apresentar novos e diversificades objetos para seu manuseio"s mostrar livros e mais tarde contar histérias, empilhar latinha: abrir caixas, bater um objeto em diferentes materiais para mostrar sons diferentes... enfim, estimular o tateio da crianca com os objetos existentes no espaco da sala. A fala pausada pode sempre acompanhar as atividades comas criangas em tom de conversa —0 que significa que nxio precisamos falar o tempo todo. Hoje, sabemos que nao ha uma hierarquia nas atividades realizadas na escola de educagao infantil: tudo é importante e todos so momentos de educagio e desenvolvimento para as criangas. Em toda atividade, do banho & arrumaggo da sala, deve-se procurar envolver sempre a ctianga: conversando com ela sobre 0 que se esté fazendo ou sobre 0 que se vai fazer, chamando-a para fazer junto, para fazer parte das atividades priticas como sujeito, Pesquisas tém demonstrado que, desse modo, as criancas aproveitam nnais as atividades, dormem mais profundamente e se alimentam melhor ~e so mais calmas porque sio mais seguras, Possibilitar que a5 criangas escolham quando querem dormir ou mesmo escolher a roupa que vio usar apés o banho sio possibilidades rotineiras que podem promover 0 didlogo com os pequenos, desde a mais tenra idade, Em lugar de bergos, de acordo com os estudos do Instituto Pikler, podemos ter colchées ou cames baixas que oportunizam a liberdade © a autonomia dos bebés e criangas pequenininhas de irem dormir quando o sono chegar. 5 Vee “Descobrir Brincando” sobre a producéo de uma Cesta de "Tesouros para crlangas entre 1¢3 anos. 242 Se aprendermos a observar as criancas desde os primeiros dias na creche, vamos perceber que, desde os primeiros meses de vida se manifesta claramente a lei genética geral do desenvolvimento infantil: as atitudes, as capacidades ¢ as qualidades da crianca vio se formando sob a influéncia decisiva das condigdes de vida e de educagio que a crianga vive. A influéncia do adulto é essencial nesse processo: a comunicagio com o adulto cria a base para a aquisigio da linguagem, os objetos que o adulto apresenta para a crianga criam a necessidade de movimento e locomogio, criam a base para 0 desenvolvimento de sua percepgio, os sons produzidos criam a base para a formagéo e o desenvolvimento da audicio, da atencio, tudo isso cria a base para o desenvolvimento de sua meméria, para a formacao e o desenvolvimento de sua inteligéncia. As relagdes que a crianga vai vivenciando com os adultos criam a base para o desenvolvimento de sua personalidade, Para que tudo isto acontega, a atituce intencional e refletida dos adultos 6 condigdo essencial e, pata isto, a escuta das criangas, 0 estudo e a documentagio da propria prética precisam fazer parte da atividade docente.

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