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Fonte: https://www.ceale.fae.ufmg.br/glossarioceale/verbetes/grafomotricidade. Acesso em
04/08/2022
cognitivas uma vez que o traçado desta letra imprensa é formado por
elementos geométricos simples, são eles: circunferências, semicircunferências,
retas horizontais, verticais e inclinadas. Ademais, o desenho da letra bastão
apresenta semelhança no tamanho e uniformidade no registro de seus traços
mantendo-se no limite instituído pela linha. Somado a isso, o desenho deste
tipo de letra manuscrita facilita a criança a compor e decompor as sílabas,
condição que não ocorre com a cursiva uma vez que seus traços exigem mais
habilidades, para a escrita de palavras as letras permanecem unidas uma à
outra com possibilidades de se manter na linha ou não, ou seja, o desenho da
letra cursiva exige que a criança empreenda esforço maior para desenvolver
seu traçado.
Isso exposto, a escrita cursiva tem sua relevância no plano cognitivo,
portanto, é inoportuno transformar sua prática em uma atividade meramente
motora e sem reflexão. Deve-se considerar como premissa para a realização
dessa atividade o domínio do que consideramos estar no primeiro plano – a
substituição do oral para o registro escrito utilizando primeiramente a de
imprensa. Posteriormente, substituir a de imprensa para a cursiva
Para se ter melhor entendimento do exposto acima, vejamos nas
próximas linhas como ocorre a evolução de um pensamento sensorial para o
pensamento abstrato, ou seja, o pensamento simbólico capaz de materializar a
fala em registro escrito. De acordo com Vigotski (2017)2, todas as funções
psíquicas que não estão dadas desde o nascimento da criança são
consideradas Funções Psíquicas Superiores, como é o caso da escrita, uma
Função Psíquica Superior que tem sua gênese, ou seu início, no pensamento
Humano.
Somente a atividade humanística é capaz de desenvolver a linguagem, e
como consequência, materializá-la em forma de produção escrita. São ações
específicas que se organizam no pensamento humano e se materializam em
signos escritos – palavras – uma ação absolutamente cognitiva. Nessa direção,
a evolução do processo de produção escrita da criança se materializa a partir
da internalização de signos, de conceitos e de apropriações da cultura que
acompanha o processo de desenvolvimento humano.
Vale lembrar que, de acordo com os pressupostos de Vigotski (2017), a
criança só aprende aquilo em que ela tem interesse. Seu interesse está
articulado às atividades guias, que são a relação que a criança estabelece com
o mundo por meio de sua ação. Esta se faz ora pela comunicação direta
emocional com o adulto, posteriormente com interesse nos objetos (atividade
chamada de objetal-manipulatória) e, por fim, no período da segunda infância,
a atividade de jogos ou brincadeiras de papéis sociais.
À medida que o pensamento da criança evolui em relação à sua
atividade-guia que estabelece com o mundo, suas hipóteses acerca do que é e
para que serve a escrita vai se complexificando até que a criança tenha clareza
em seu pensamento do que é e para que serve o registro escrito.
Assim, não se trata de ensinar a criança a escrever utilizando métodos
de repetições engenhosas de escrita, ou de submeter a criança a propostas
metodológicas enfadonhas para que ela registre o desenho da letra ou
substitua a fala oral pelo registro escrito. Estamos falando de algo que não
acontece no exercício exaustivo e motor de desenhar a letra ou memorizar o
som que ela produz. Destacamos que não é a mão que escreve e sim o
pensamento.
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Texto elaborado pela autora para orientações pedagógicas específicas de organização do
trabalho didático à luz do referencial teórico da Perspectiva Histórico-Cultural.
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VIGOTSKI, Lev Semenovich. LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alex N. Linguagem
Desenvolvimento e Aprendizagem. Tradução de Maria da Pena Villalobos. 16ª edição – São
Paulo: Ícone, 2017.
Trata-se de um deslocamento do pensamento que antes era sensorial,
prático e direto e passa ser abstrato e de representação de acordo com o
processo de evolução. Mas, para que isso ocorra, deve-se percorrer um longo
caminho que começa desde o nascimento da criança.
Para elucidar essa ideia, o deslocamento da fala pela criança para o
gesto, do gesto para o desenho e do desenho para a escrita mostra
explicitamente a evolução do pensamento, consequentemente da linguagem
escrita para a criança. Voltamos a dizer que oferecer atividades que cobrem da
criança somente às relações de memorização de sons e grafia da letra não
contribui para o processo de evolução do pensamento. O que potencializa o
desenvolvimento do seu pensamento é possibilitar atividade em que as
crianças sejam capazes de refletir, atividades que requeiram o
desenvolvimento de suas funções psicológicas de modo a atender a seus
interesses e motivos orientados pela Atividade Guia.
É de suma importância que a representação de uma ideia por outra (do
oral para o escrito) seja uma das ações mais complexas e abstratas do
pensamento. A escrita sendo um sistema de representação de segunda ordem
apresenta como exigência da criança que esta tenha se apropriado do
pensamento abstrato de segunda ordem. Isso significa que quem orienta o
pensamento da criança é a palavra. A palavra dá forma e sentido à
representação que se concretiza no pensamento. A título de exemplificar esta
afirmativa, imaginem uma criança entre 2 e 3 anos que aprende a função de
um talher (colher). Para ela, aquele talher tem a função de alimentá-la, é o
objeto que orienta o seu pensamento. Desse modo, em seu estágio primário de
representação ou abstração, a criança não consegue atribuir outra função a
este talher que não seja esta – de servir de instrumento para sua própria
alimentação.
Em um estágio mais avançado, uma condição de abstração mais
qualificada, a criança consegue atribuir outros significados a este objeto. Neste
caso o (talher) pode ser utilizado como um brinquedo – um avião que cumpre
com suas aventuras lúdicas e infantis. Dito em outras palavras, o que orienta o
pensamento dessa criança não é o objeto e sim a palavra. Ela utiliza a palavra
de acordo com seus interesses e pensamentos. Faz dos objetos segundo sua
capacidade de abstração e imaginação.
Observem que no primeiro momento temos um processo de abstração
muito rudimentar, o que permite afirmar que o exercício exaustivo do ensino do
traçado da letra ou da reprodução sonora que a letra apresenta não ajuda a
criança a avançar no processo de abstração do pensamento, ou seja, a
concluir seu pensamento simbólico ou lógico.
O que a ajudará nesse processo de abstração é ter a possibilidade de
pensar a partir da atividade que a criança estabelece com o mundo, com foco
sempre no “vir a ser”, no que não está formado ainda na criança, mas com
estímulos, será formado.
Apresentadas essas ideias acerca da temática do ensino da letra
cursiva, reiteramos neste texto de orientação pedagógica que não é a mão que
escreve e sim o pensamento. O ato de escrever (tanto com a letra imprensa ou
cursiva) advém de processos que compreende: 1. Desenvolvimento da
oralidade (linguagem); 2. Percepção tátil, visual e auditiva; 3. Atenção
voluntária; 4. Memória verbal; 5. Pensamento simbólico (orientação e controle).
Não é difícil fazer a defesa das ideias aqui apresentadas uma vez que, ao
escrever, apoiamo-nos no plano (já organizado) da oralidade. Portanto, se o
que se quer é ensinar a letra cursiva na educação pré-escolar, vale pensar
acerca de quais condições as crianças apresentam para que elas sejam
ensinadas a traçar insistentemente os textos com letras que apresentam
acesso restrito. A questão é que não se nega a importância do ensino da letra
cursiva, o que devemos indagar é: Como? De que modo? E sob quais
condições se ensina a letra cursiva no contexto escolar?