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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3

2 ALFABETIZAÇÃO .................................................................................................. 4

2.1 Conceito de alfabetização ................................................................................... 4

2.2 Os principais métodos de alfabetização ............................................................. 7

2.3 As especificidades do método sintético de alfabetização ................................. 12

2.4 As especificidades do método analítico de alfabetização ................................. 18

3 LETRAMENTO ..................................................................................................... 21

3.1 Alfabetizar letrando ........................................................................................... 25

3.2 Aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita ............................... 29

3.3 Hipóteses fonológicas e ortográficas da construção da escrita ........................ 32

3.4 Sequências didáticas para a autonomia na escrita ........................................... 35

4 AMBIENTE ALFABETIZADOR ............................................................................ 41

4.1 Conceito e características ................................................................................. 41

4.2 Escola: ambiente alfabetizador ......................................................................... 44

4.3 Construindo um ambiente alfabetizador ........................................................... 46

5 O SIGNO LINGUÍSTICO ...................................................................................... 49

5.1 Algumas características do signo ..................................................................... 52

5.2 O valor linguístico ............................................................................................. 53

6 AVALIAÇÃO NA ALFABETIZAÇÃO ..................................................................... 56

6.1 A avaliação em seu contexto educacional ........................................................ 56

6.2 A avaliação como um instrumento fundamental na qualificação do processo


alfabetizador ..................................................................................................... 60

6.3 Avaliação e prática pedagógica no processo de alfabetização e letramento .... 64

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 ALFABETIZAÇÃO

2.1 Conceito de alfabetização

Segundo o dicionário Houaiss, alfabetização é a “[...] ato de propagar o ensino


ou difusão das primeiras letras” (ALFABETIZAÇÃO, 2009). Nesse sentido, se pode
dizer que a alfabetização seria a ação de ensinar/aprender a ler e escrever. Essa ação
permitirá que o sujeito crie novos conhecimentos. Maciel e Lúcio (2009, p. 14)
complementam dizendo:

A escrita, comparável a um instrumento, é vista como capaz de permitir a


entrada do aprendiz no mundo da informação, seja possibilitando o acesso
aos conhecimentos histórica e socialmente produzidos, seja criando
condições diferenciadas para produção de novos conhecimentos.

Soares (2004, p. 16) conceitua alfabetização como o “[...] processo de


aquisição e apropriação do sistema da escrita”. Além disso, ela destaca a
alfabetização como um “[...] conjunto de habilidades de uso da leitura e da escrita nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita” (SOARES, 2004, p. 16).

Fonte: www.quindim.com.br

Em outra obra, Soares (2006) complementa dizendo que, para entrar e viver no
mundo do conhecimento, o sujeito precisa desenvolver duas habilidades. A primeira
se relaciona ao domínio da escrita, que contempla o sistema alfabético e ortográfico,
desenvolvido pela alfabetização. Já a segunda tem a ver com o domínio das
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competências e com o uso da escrita em diferentes situações e contextos, o que é
obtido por meio do letramento.
Seguindo a mesma linha, Paulo Freire (1983) afirma que a alfabetização é um
ato criador, no qual o sujeito é agente da aprendizagem na medida em que vai
aprendendo e compreendendo a leitura e a escrita. Segundo o autor, esse processo
não acontece de forma mecânica ou desvinculada de um universo existencial, ele
requer uma atitude e uma postura de criação e recriação. Freire (1991) também
destaca que não basta apenas dominar a escrita, é preciso inserir o sujeito nesse
mundo para que desenvolva uma leitura crítica das relações sociais.
Se analisar os dois conceitos, vai notar que ambos caminham para a mesma
direção. Ambos entendem que alfabetizar não é apenas decodificar ou dominar a
leitura e a escrita. É preciso ir além e se torna fundamental pensar na formação de
sujeitos capazes de interpretar e transformar a leitura e a escrita utilizando-as em suas
práticas cotidianas.
Traçando uma breve trajetória da alfabetização, você pode perceber que até
meados de 1980 ela era pensada a partir de métodos sintéticos e analíticos que
resultavam em formas definidas de como o professor deveria ensinar. Nesses
métodos, em especial no silábico ou no fônico, a criança repetia informações prontas,
transmitidas por meio de cartilhas, nas quais aprendia a memorizar o nome e o traçado
das letras, decorando seus sons. A correspondência som- -grafia e a memorização
das famílias silábicas eram utilizadas nas atividades diárias do professor, de forma
que a criança era exposta a textos prontos para fixar as letras e sílabas trabalhadas.

EXEMPLO
Observe a frase a seguir. Ela exemplifica o método de alfabetização em que
eram utilizadas palavras com as mesmas famílias silábicas. A criança, por meio
da leitura repetitiva, deveria fazer a relação fonema-grafema.
IVO VIU A UVA

O trabalho era mecânico e bastava a criança decorar o nome das letras, o som
e a junção das sílabas para formar palavras. A alfabetização, nesse caso, resumia-se
à cópia e à repetição, sendo vista sob a perspectiva do professor, responsável por
ensinar.

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Na maioria dos casos, as crianças, por repetirem tantas vezes as informações
obtidas nas cartilhas, as decoravam. Contudo, não compreendiam por que cada letra
era utilizada. Além disso, eram privadas de avançar em sua aprendizagem. Isso
porque os professores acreditavam que a criança só poderia seguir para a leitura se,
primeiro, passasse por esse processo. O chamado “período preparatório” visava a
atividades de motricidade e percepção.
Os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) mudaram o foco,
pensando em como a criança aprende, se desenvolve e se apropria da língua escrita.
A partir desses trabalhos, esses processos passaram a ser compreendidos como uma
construção contínua, desenvolvida concomitantemente dentro e fora da sala de aula,
em processo interativo e que acontece desde as primeiras relações da criança com a
escrita. Aqui, a criança não é mais vista como mero receptor de conhecimento, mas
como um sujeito que pensa a escrita desde muito cedo, buscando compreender como
ela funciona. As cartilhas são substituídas por atividades e elementos que fornecem
indícios para a elaboração de atividades desafiadoras, a fim de que as hipóteses
construídas pelos alunos sejam colocadas em pauta.
Para perceber o Sistema de Escrita Alfabética (SEA), é preciso que a criança
compreenda a suas propriedades. Esse sistema envolve um conjunto de hipóteses e,
sabendo disso, o aluno pode realizar a leitura ou a escrita de novas palavras apenas
memorizando a relação entre letra e som de forma produtiva.
O Sistema de Escrita Alfabética significa muito mais que a aquisição de um
código, como propunham as teorias tradicionais. Ele é um sistema notacional de
representação da escrita, em que as habilidades perceptivas e de motricidade não
têm um peso fundamental. Nesse caso, atividades reflexivas e desafiadoras auxiliarão
a criança a compreender os segmentos sonoros da fala e das palavras.
É preciso tratar a escrita alfabética como um objeto de conhecimento. Assim, o
professor auxiliará o aluno a descobrir, reconstruir e se apropriar do SEA. Morais
(2005, p. 45) destaca que para alfabetizar letrando é preciso:

[...] reconhecer que a escrita alfabética é em si um objeto de conhecimento:


um sistema notacional. Na esteira desse posicionamento, além de buscarmos
abandonar o emprego das palavras “código”, “codificar” e “decodificar”,
parece-nos necessário criar um ensino sistemático que auxilie, dia após dia,
nossos alunos a refletir conscientemente sobre as palavras, para que venham
a compreender como esse objeto de conhecimento funciona e possam
memorizar suas convenções.

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Nesse sentido, quando a criança ingressa na escola, é fundamental que o
professor crie uma rotina diversificada, com diferentes atividades de reflexão e
exploração sobre os níveis das palavras, assim como com a compreensão do sistema
de escrita como um todo. Seguindo essa linha, é importante também promover
habilidades de consciência fonológica, que permitirão que o sujeito reflita sobre as
dimensões sonoras das palavras.
As habilidades de consciência fonológica surgem à medida que a criança
consegue refletir sobre as palavras na dimensão da sonoridade, percebendo que elas
podem ser trabalhadas de diferentes formas. Vale apostar em atividades que façam a
criança identificar e compreender o que é uma palavra, quantas sílabas ela possui,
quais os fonemas existentes e como são feitas as correspondências entre os fonemas
e as letras.
Por isso, você pode utilizar atividades que envolvam separação, contagem e
comparação quanto ao tamanho ou semelhança sonora. Além disso, pode se valer de
atividades que abrangem rimas, som inicial e som final, que contribuem para que o
aluno perceba os sons da fala. Mas, sobretudo, o aluno deve ser incentivado a
escrever e a elaborar hipóteses, mesmo que ainda não domine o sistema alfabético
de escrita. A ideia é que a criança construa o conceito de língua escrita e caminhe por
esse processo significativamente. Portanto, para que ela aprenda a ler e escrever, é
necessário que seja exposta a situações que a desafiem a refletir sobre a língua,
transformando as informações recebidas em saberes próprios.

2.2 Os principais métodos de alfabetização

Recorrendo ao dicionário Houaiss, entre tantos significados apresentados, se


destaca este: métodos são um “conjunto de regras e princípios normativos que
regulam o ensino, a prática de uma arte etc”. Ou ainda: “processo organizado, lógico
e sistemático de pesquisa, instrução, investigação, apresentação etc” (MÉTODO,
2009). Diante desses apontamentos, se você pensar nos métodos na perspectiva da
alfabetização, pode considerar que eles se baseiam em indicar metodologias
específicas que devem ser seguidas pela criança para aprender a codificar e
decodificar a leitura e a escrita.

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A partir dessas discussões, você pode conhecer, então, os métodos que foram
utilizados ao longo dos anos para alfabetizar as crianças. Araújo (1996) destaca que
os métodos sintéticos e analíticos, criados entre os séculos XVI e XVIII e se
estendendo até meados de 1960, surgiram para se opor aos métodos de soletração,
predominantes na Antiguidade e na Idade Média. Esses métodos de soletração eram
considerados difíceis e contribuíam para os grandes índices de fracasso escolar na
fase de alfabetização.

Fonte: www.site.primeiraescolha.com.br

Os métodos sintéticos, segundo Frade (2005), são procedimentos que partem


das unidades menores para as unidades maiores. Ou seja, inicia-se pelo ensino das
letras, da memorização, da decoração e do domínio do alfabeto para, posteriormente,
passar às sílabas, às palavras, às frases e aos textos.
Esse método em específico impossibilita que a criança avance para uma nova
fase de conhecimento se não tiver, primeiro, dominado e passado por todas as etapas
anteriores. Isto é, está em jogo um processo no qual a criança aprende das partes
para o todo. É, portanto, um método que foca seu ensino na decifração e na leitura
mecânica, dando ênfase à correspondência entre o som e a grafia e utilizando como
estratégia principal a percepção auditiva, por meio de exercícios de leitura em voz alta
e ditados feitos pelos professores.
Por ser um método de decoração e memorização, ele traz suas regras já
estabelecidas, o que torna o ensino cansativo, desmotivador e com pouco significado
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para a criança. Afinal, as palavras utilizadas nas cartilhas já eram determinadas,
apresentando pouca relevância na percepção da leitura e da escrita.
O aluno, nessa concepção de alfabetização, recebe o conhecimento pronto.
Porém, na maioria das vezes não compreende e possui dificuldades para produzir
textos devido ao restrito vocabulário a que foi exposto. Em contrapartida, acredita-se
que o método sintético seja positivo, devido à grande exposição da criança às
repetições e regras impostas, pois ela alcança a ortografia perfeita mais rapidamente,
visto que já conhece e domina as palavras que necessita escrever em suas atividades.
Já os métodos analíticos, diferentes dos sintéticos, “[...] partem do todo para as
partes e procuram romper radicalmente com o princípio da decifração” (FRADE, 2007,
p. 26). Esses métodos ensinam a criança partindo das unidades maiores para as
unidades menores, ou seja, a leitura é vista como um ato global. Assim, os métodos
analíticos visam a propor atividades que “[...] vão do texto à frase, da frase à palavra,
da palavra à sílaba” (FRADE, 2007, p. 26).
Do ponto de vista da alfabetização, o método analítico favorece que a criança
se aproxime um pouco mais de sua realidade. Afinal, em vez de reconhecer primeiro
as letras e as sílabas fora de contexto, o aluno tem a oportunidade de aprender a partir
das palavras emitidas de forma inteira e não apenas das partes ou pedaços delas.
Nessa perspectiva, os textos podiam ter sentido um pouco maior, pois a leitura
não era realizada por meio da silabação. Em contrapartida, há as duas faces da
moeda, visto que, por ser um método que parte da leitura de palavra por palavra, pode
também trabalhar a partir de elementos isolados e com poucos significados,
impossibilitando que a criança veja o texto na sua totalidade.
Além disso, diferente do método sintético, no analítico os professores não
exigiam que os alunos fizessem a correspondência sonora entre a fala e o texto
escrito. Na maioria das atividades, eram propostos exercícios orais em que as
crianças deveriam reconhecer a palavra sem pronunciá-la oralmente e eram
instigadas a realizar cópias e leituras silenciosas, o que também as desestimulava e
tornava o trabalho cansativo e pouco produtivo.
De acordo com Mortatti ([2006]), iniciaram-se, por volta da década de 1920, os
embates contrários aos métodos analíticos. Buscava-se um ensino que contemplasse
o aprendizado da leitura e da escrita ao mesmo tempo. Surge então o método misto,
que varia entre o analítico e o sintético e destaca-se tanto pelo ensino do todo quanto

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pelo ensino das partes, de forma conjunta. Nesse método, o professor escolhe se as
atividades partirão das palavras, das frases ou dos textos.
Mortatti ([2006]) ainda destaca que o método misto se tornou especialmente
relevante a partir de 1934, quando foram criadas as bases psicológicas de
alfabetização contidas no livro Testes ABC, escrito por M. B. Lourenço Filho. Esse
autor verificava a maturidade necessária para a criança aprender o processo de leitura
e escrita e classificava os alunos, organizando-os em classes homogêneas, com
vistas à eficácia da alfabetização.
A partir dessa proposta, o ensino volta a ser visto como tradicional. O trabalho
do professor, por sua vez, se baseava na produção de manuais prontos e cartilhas,
que visavam a interligar a habilidade da leitura com a habilidade da caligrafia e da
ortografia.
Nessa fase, instaurou-se também o período preparatório, no qual a criança era
envolvida em atividades de prontidão, de discriminação auditiva e visual, além de
realizar atividades que testavam a coordenação motora por meio de exercícios com
identificação e traçado das letras. Tal proposta tinha como objetivo medir as
habilidades e conhecimentos das crianças relativos à leitura e à escrita. Além disso,
as separava conforme a sua maturidade.
Em todos os métodos apresentados, tanto nos sintéticos quanto nos analíticos
e mistos, predominava a utilização das cartilhas, cuja proposta principal era
apresentar às crianças letras, sílabas soltas, palavras, frases e textos com pouca
relevância e significado no contexto em que os alfabetizandos estavam inseridos. Da
mesma forma, o objetivo das cartilhas visava a abordar apenas a codificação (escrita)
e a decodificação (decifração) e pouco agregava conhecimentos aos envolvidos.
A aprendizagem do código alfabético acontecia por meio da transmissão do
ensino, cuja proposta era iniciar a alfabetização partindo das unidades mais fáceis
para, em seguida, apresentar as mais difíceis. Nessas concepções de métodos,
acreditava-se que o aluno chegava à escola com pouco ou quase nada de
conhecimento a respeito da língua. Portanto, a escola teria o papel de iniciar o
processo da leitura e da escrita por meio do ensino de letras, sílabas e palavras,
passando para os alunos, que eram meros receptores, as informações prontas e fora
do contexto.

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A partir desse período, Mortatti ([2006]) destaca que houve uma descrença
muito grande nos métodos para se alfabetizar. Isso ocorreu, pois, os altos índices de
fracasso escolar e reprovação, assim como a aprendizagem superficial a que as
crianças eram submetidas, tornaram-se pontos de discussão entre os educadores que
buscavam respostas e caminhos para alfabetizar de forma mais efetiva.

Fonte: www.iped.com.br

O processo de ensino e aprendizagem passou a ser debatido e pensado sob


um novo enfoque. Iniciaram-se as discussões acerca do construtivismo como forma
de desmetodizar a alfabetização. Esse campo foi muito estudado por Jean Piaget, que
é apontado como um dos precursores da teoria construtivista. A aprendizagem, nessa
concepção, é vista como um processo contínuo de desenvolvimento, em que o
conhecimento é construído pelo próprio sujeito na sua interação com o mundo, na
medida em que é envolvido em situações de aprendizagens relevantes e
significativas.
Em meados de 1980, seguindo a linha construtivista, surgem os estudos e
pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) acerca da psicogênese da
língua escrita. Esses estudos reforçam que a escrita alfabética não é um código que
se aprende a partir de métodos e atividades de memorização. Pelo contrário: a criança
elabora e formula diferentes hipóteses sobre a escrita, sendo este um processo
gradativo que acontece em momentos diferenciados do seu desenvolvimento.

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Além disso, outra questão levantada é que os processos de aprendizagem
acontecem antes mesmo do ingresso da criança na escola. Isso se dá por meio da
sua inserção em ambientes letrados e da sua participação em vivências e práticas
sociais de leitura e escrita, de forma que o aluno interage com diferentes tipos de
textos nas mais variadas atividades desenvolvidas.
Diante dessas questões, é fundamental que você reflita que não existem
métodos perfeitos, tampouco teorias milagrosas que farão a criança aprender de
forma plena. Cada indivíduo concebe o conhecimento ao seu tempo e da sua maneira.
O importante é que sejam desenvolvidas metodologias de ensino que auxiliem a
criança a refletir sobre a escrita alfabética, tornando-a pensante, crítica, reflexiva e
questionadora.
Frade (2005, p. 15) destaca que “Muitas vezes, à própria menção da palavra
método, temos um comportamento intolerante, porque pensamos que essa palavra se
refere a apenas um caminho para alfabetizar ou a uma fórmula inflexível”. Para que
não haja retrocessos, é preciso combater aquele ensino a partir de métodos rígidos
em que os professores ficam presos à mesma forma de ensinar e às mesmas práticas
pedagógicas.
Nesse sentido, Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985, p. 29) destaca: “O
método (enquanto ação específica do meio) pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar
[...] A obtenção do conhecimento é um resultado da própria atividade do sujeito”.
Assim, é importante que a escola pense em intervenções que ajudem a criança a
aprender de forma conjunta, tornando-a um sujeito capaz de formular hipóteses,
discutir e ser “intelectualmente ativo”.
É necessário, portanto, relacionar o momento atual da educação às discussões
de problemática social que permeiam o cenário educacional. Isso principalmente no
que diz respeito ao fato de que não existe uma ideia definitiva ou limitada acerca das
metodologias, apenas a busca por caminhos que levem a criança a se alfabetizar a
partir de conteúdos mais complexos e significativos.

2.3 As especificidades do método sintético de alfabetização

Albuquerque (2012) destaca que o método sintético de ensino surgiu por volta
do século XVII. Nesse período, a leitura e a escrita passaram a ter maior importância

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frente às mudanças históricas que a sociedade vivia. Como a grande maioria da
população não dominava o código escrito, iniciaram-se as discussões acerca de um
método que contemplasse a decodifi cação como forma de expandir a escolarização
ao restante da população, focando, assim, na prática escolar da leitura.
Surge aí o método sintético, que se baseia no ensino da leitura e da decifração
de forma mecânica. O objetivo principal desse processo é que a criança faça a
correspondência entre o oral e o escrito por meio do aprendizado de unidades
menores para unidades maiores (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985).
O aluno, nesse contexto, aprende primeiro as letras, partindo para as sílabas e
as letras dentro de cada sílaba, para depois, finalmente, chegar à leitura da palavra.
Até que todo esse processo aconteça, a criança é submetida a uma gama de
atividades de memorização e decoração de letras e traçados, como forma de garantir
um aprendizado mais efetivo.
As cartilhas ou livros utilizados durante esse período eram um dos principais
recursos que o professor tinha à sua disposição, sendo também o primeiro contato da
criança com algum material impresso. Para compreender melhor o método sintético,
você deve conhecer as três fases distintas que são caracterizadas a partir dos
métodos alfabético, fônico e silábico.

Método alfabético

No método alfabético, também chamado de método de soletração e método


ABC, a unidade partia do ensino, da decoração e da memorização oral das letras do
alfabeto. Primeiro, as letras eram apresentadas na ordem alfabética, depois no sentido
inverso e, posteriormente, havia o reconhecimento das letras isoladas.
A etapa seguinte era apresentar a forma gráfica das letras. Conforme ia
aumentando o conhecimento da criança, as sequências iam atingindo graus maiores
de dificuldade. Partia-se então para o estudo e a formação das sílabas que eram
soletradas e decoradas pelos alunos para fazer as combinações silábicas. Nessa
etapa, a criança apenas memorizava e não estabelecia a relação entre a escrita e a
fala.
Segundo Frade (2007), as famílias silábicas eram apresentadas para as
crianças de forma que elas pudessem fazer todas as combinações possíveis. Havia

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também a estratégia de que as letras e sílabas fossem cantadas e memorizadas.
Assim, o processo se tornava lento e pouco representativo para a criança.
Carvalho (2005, p. 22) ainda complementa que o método alfabético “[...] baseia-
se na associação de estímulos visuais e auditivos, valendo-se da memorização como
estímulo didático — o nome da letra é associado à forma visual, as sílabas são
aprendidas de cor e com elas se formam palavras isoladas”. Nesse sentido, você pode
considerar que as palavras eram apresentadas e trabalhadas fora do contexto, sem
haver relação entre elas.

Fonte: www.gestaodedocumentosadm.blogspot.com

De acordo com os estudos de Frade (2007), até os dias de hoje, regiões como
o Nordeste, por exemplo, utilizam esse método para alfabetizar. Seja na alfabetização
doméstica, realizada pelos familiares, seja na educação levada a cabo por professores
leigos e com pouca formação, ainda há o emprego e os estudos repetitivos que partem
das cartas de ABC e que possuem como fundamento o ensino partindo das letras.

Método fônico

No método fônico, a unidade de ensino parte dos sons e tem como principal
objetivo estabelecer a relação entre a letra e o som que ela representa. A união da
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consoante com a vogal auxilia a criança a trabalhar a pronúncia das sílabas que estão
sendo formadas, relacionando a palavra falada à escrita.
Num primeiro momento, por possuírem nomes e sons iguais, eram trabalhadas
as vogais, depois palavras formadas apenas por elas. No segundo momento, eram
apresentadas as consoantes e as formas mais complexas dos seus sons dentro da
palavra. Para Frade (2007, p. 23), o objetivo do método fônico é fazer a relação de
que: “Cada letra (grafema) é aprendida como um fonema (som), que, junto a outro
fonema, pode formar sílabas e palavras”. A partir da formação das palavras, surgem
as frases e os textos.
Esse método é muito utilizado nos dias de hoje e possui suas vantagens e
desvantagens. Entre as vantagens está o fato de que, se o aluno compreender a
relação entre as letras e os fonemas, haverá uma correspondência direta que será
decifrada mais rapidamente, sem oferecer maiores dificuldades. Isso se dá
principalmente quando é preciso escrever palavras com P, B, T, D e V, por exemplo,
nas quais os fonemas representam a escrita das letras. Em contrapartida, algumas
consoantes, para terem seus sons identificados, precisam do apoio de uma vogal,
mesmo que ela fique oculta na hora da pronúncia. Um exemplo é o fonema /m/, que
necessita de um mê para ser referenciado.
Entre as desvantagens está o fato de que as letras podem apresentar diferentes
sons e fonemas conforme a posição que ocupam na palavra. Assim, esse processo
de transição até que a criança chegue ao nível ortográfico se torna mais lento. Outra
questão são as variações quanto à pronúncia das palavras, que trazem confusões na
hora da escrita, pois uma mesma palavra é falada de uma forma e escrita de outra.
Como você sabe, o sotaque e as variações da língua conforme cada região do país
influenciam essas inconstâncias.
O método fônico, nesse sentido, tem o objetivo de fazer com que a criança
demonstre compreensão dos padrões regulares de correspondência entre o som e a
soletração, entre os fonemas e os grafemas. A ideia é que, a partir desse domínio,
possa identificar os sons e realizar a leitura de palavras.

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Método silábico

O método silábico ou de silabação, segundo Frade (2005), tinha como ponto


de partida a união entre a consoante e a vogal para formar as sílabas. No entanto,
como em métodos anteriores, as unidades eram apresentadas à criança das mais
fáceis para as mais difíceis. Iniciava-se pelo ensino das vogais e encontros vocálicos,
e os professores faziam as relações entre a letra e as palavras começadas com ela a
partir de ilustrações. Por exemplo, “A de árvore”, “E de escada”.
Posteriormente, eram sistematizadas as sílabas simples, também utilizando o
mesmo enfoque, porém agora no destaque das sílabas iniciais dentro da palavra,
como “PA de panela”, “MA de maçã”. A partir dessa introdução, eram trabalhadas as
famílias silábicas da sílaba que estava em destaque na palavra, ou seja, se a sílaba
que estava sendo aprendida era PA de panela, partia-se para o estudo da família
pa/pe/pi/po/pu e para a formação de novas palavras.
Nesse sentido, quando a criança era instigada a escrever alguma palavra, ela
precisava primeiro se remeter à família silábica que a representava. Por exemplo, ao
escrever a palavra “banana”, ela deveria pensar na família do B (ba/be/bi/bo/bu) e na
família do N (na/ne/ni/no/nu).
O ensino das famílias silábicas compostas por essas letras era apresentado à
criança de forma que a sílaba era indicada e estudada sistematicamente. A partir do
estudo das famílias, partia-se para a formação de palavras, frases e textos que
continham as sílabas já trabalhadas anteriormente.

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Exemplo
Hoje, o método silábico é utilizado, por exemplo,
nos silabários simples, que servem para a fixação das
famílias silábicas pelas crianças (Figura 1).

Figura 1. Silabário simples.


Fonte: Plano... (2016)

Os apoiadores do método silábico acreditavam que o processo acontecia de


forma mais concreta e rápida, pois se estabelecia a relação entre os segmentos da
fala e da escrita. As cartilhas com o método silábico tinham como conteúdo palavras
que partiam da sílaba trabalhada. Dentro dessa letra, eram apresentadas então várias
palavras, frases e textos em que a sílaba ensinada ganhava destaque. Essas
palavras, na maioria das vezes, não tinham sentido dentro do texto, pois a
preocupação maior era que as famílias silábicas pudessem ser trabalhadas e

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evidenciadas pelas crianças. Os textos e histórias eram artificiais, sem relação com
os usos sociais, e tinham o propósito de trabalhar e treinar o ensino das sílabas de
forma mecanizada.
Nesse sentido, os métodos sintéticos, sejam eles alfabéticos, fônicos ou
silábicos, têm como proposta a progressão das unidades menores para as mais
complexas. Além disso, privilegiam a aprendizagem das partes para o todo por meio
da decodificação, da análise fonológica e da relação entre letras e sons. Você pode
perceber, no entanto, que os métodos da marcha sintética são inflexíveis e tendem a
desconsiderar os usos e funções sociais da escrita, dando pouca importância ao
sentido que os textos têm no contexto da criança.

2.4 As especificidades do método analítico de alfabetização

No combate aos métodos sintéticos de alfabetização, surgem os métodos


analíticos. Sua finalidade é romper com o princípio da decifração e ensinar a criança
a perceber do todo para as partes, ou seja, a analisar de forma global a palavra, a
frase ou o texto para, posteriormente, considerar e decompor as unidades menores.
A principal estratégia perceptiva dos métodos analíticos, segundo Frade (2007),
é a visual. A ideia é que o aluno compreenda o sentido de um texto, utilize a pontuação
e a ortografia e tenha como ponto de partida um contexto mais próximo da sua
realidade. Quando considerada essa totalidade, o processo de alfabetização deixa de
ser abstrato e se tornar mais significativo.
Assim, o professor deve apresentar às crianças as palavras, frases ou textos
explorando-as o maior tempo possível, para só depois analisar e decompor as partes.
Para entender melhor o método analítico, veja a seguir as três fases distintas desse
método: palavração, sentenciação e global de contos.

Método da palavração

É um método que se inicia a partir da apresentação da palavra, normalmente


ilustrada e vinculada ao universo da criança. O objetivo disso é estabelecer relações
entre a grafia e a representação da imagem. Quando o método era aplicado, as
palavras eram lidas e escritas diversas vezes até serem memorizadas. Somente a

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partir dessa escrita é que elas eram divididas silabicamente, estudadas e relacionadas
a palavras novas que contivessem as sílabas vistas anteriormente.
Com base nas palavras e no estudo das sílabas, partia-se para a relação entre
grafema e fonema, em que a criança percebia os sons que representavam cada
unidade. A etapa seguinte era a formação das frases com essas palavras e de textos
com as frases trabalhadas.

Fonte: www.petecaportal.wordpress.com

A diferença entre o método da palavração e o método silábico de marcha


sintética, segundo Frade (2005), é que as palavras não têm a obrigatoriedade de ser
decompostas no início do processo. Pelo contrário, elas primeiro precisam ser
compreendidas e reconhecidas para depois serem esmiuçadas. Além disso, na
palavração não existia a lógica de que deveria iniciar-se a alfabetização pelas palavras
mais fáceis. O que se levava em consideração era se as palavras apresentavam
sentido e significado para os alunos.
Para exemplificar o método da palavração, considere a palavra “boca”. Num
primeiro momento, a palavra será analisada em sílabas (bo-ca). A partir dessa análise,
é desenvolvido o trabalho com as famílias silábicas pertencentes à palavra
(ba/be/bi/bo/bu), chegando-se enfim à aprendizagem das letras (b-o-c-a). Frade
(2005) aponta, entre as desvantagens da palavração, as dificuldades enfrentadas
pelos alunos para escrever palavras novas, visto que não era incentivada a análise e
o reconhecimento das partes.

19
Método da sentenciação

Frade (2007) aponta que, no método de sentenciação, a aprendizagem toma


como partida a utilização da sentença ou da frase que, depois de contextualizada, é
dividida e decomposta em palavras. Posteriormente, são abordados os elementos
mais simples e as unidades menores, as sílabas. As frases, assim como no método
da palavração, são formadas e levam em consideração o contexto do aluno. Depois
de as frases serem apresentadas, ocorre a leitura e a escrita delas, o que envolve um
processo de memorização. Dentro de cada sentença, observa-se as semelhanças
entre as palavras, comparando-as entre si, tendo como objetivo a formação de grupos
com novas palavras. Somente depois desse processo é que são introduzidas as
sílabas e as relações entre fonemas/grafemas.

Método global de contos

O método global de contos, textos ou historietas, segundo Frade (2007), toma


como ponto de partida o reconhecimento global do texto, que, assim como nos
métodos anteriores, precisa ser memorizado durante um período de forma que seja
lido, escrito e compreendido. Para isso, eram apresentados aos alunos cartazes ou
pré livros com partes de um texto ou textos completos que fossem significativos para
eles. Após essa apresentação e um convívio maior do aluno com o texto, este era
desmembrado em frases ou sentenças, partindo-se para o reconhecimento das
palavras e, finalmente, das sílabas e letras. Todo esse processo acontecia de forma
mais lenta, pois, caso esse método fosse apresentado apressadamente, as unidades
menores poderiam não ter sentido para a criança.
Nesse método, por haver a necessidade de trabalhar iniciando-se pelos textos,
as cartilhas foram deixadas em segundo plano. Os textos deveriam ser escolhidos a
partir de temas relevantes para o universo infantil, considerando, nesse sentido, o
“todo” como algo concreto e palpável de ser apreendido. Iniciou-se então a produção
de livros e cartazes que serviriam como material de apoio para o trabalho do professor.
Há quem diga que o método global proporciona à criança maior
reconhecimento e uma aprendizagem mais significativa, visto que o ensino da leitura

20
acontece antes mesmo de a criança conhecer as partes menores ou o nome das
letras. Em contrapartida, há também quem defenda que nesse método a criança não
aprende realmente a ler; ela apenas decora os textos trabalhados em sala de aula,
descobrindo o que está escrito.
No que diz respeito à tentativa de a criança decodificar e realizar a leitura,
acreditava-se que era um processo que acontecia com mais rapidez por partir de
palavras conhecidas e que tinham como foco a memorização global. No entanto,
alguns questionamentos surgiam, principalmente quando se pensava na
aprendizagem efetiva dos alunos, pois o professor deveria saber identificar se o
processo de leitura está realmente acontecendo, ou se aula está apenas servindo
como um momento para decorar textos e histórias ou recitar palavras.
Pensando, então, nos métodos de marcha analítica estudados até aqui, é
importante você notar que todos têm como enfoque a compreensão do sentido da
aprendizagem a partir do reconhecimento do todo. Assim, têm como vantagem a
possibilidade de a criança realizar, desde seu primeiro contato com o processo de
escolarização, a leitura de palavras, frases ou textos que tenham significado para ela.
Como você pode imaginar, se não for conduzido e orientado corretamente pelo
professor, esse processo pode tornar-se um ponto de dificuldade para o aluno,
correndo-se o risco de perder o sentido diante da apresentação de novas palavras.

3 LETRAMENTO

O letramento ocorre muito antes do ingresso na escola. Ele é um processo


sistemático que envolve, além dos professores, pais e demais pessoas que convivem
com a criança. Biazioli (2018) destaca que a criança, desde muito pequena, está
inserida em um contexto letrado, rodeada de situações cotidianas que envolvem a
leitura e a escrita. Entre essas situações, você pode considerar o uso de livros e
revistas, as contações de histórias, as músicas e as cantigas de roda como exemplos
práticos e concretos de como esse processo é rico quando apresentado desde os
primeiros anos de vida. Quando o adulto apresenta o mundo da cultura à criança, ela
se apropria, ou seja, ela internaliza, dando sentido àquilo que está vivenciando,
conhecendo, experimentando.

21
Depois desse primeiro contato com os pais e familiares, é importante que as
práticas sociais de letramento sejam promovidas. Elas devem ter início desde a
educação infantil, em que a criança tem o seu primeiro convívio coletivo.
Posteriormente, devem ter continuidade no ensino fundamental, em que serão criadas
situações práticas para que esse processo seja aprimorado e aprofundado.

Fonte: www.site.primeiraescolha.com.br

É nesse período que a escola e, mais especificamente, o professor assumem


um papel fundamental na inserção no ambiente letrado. Afinal, é necessário que tanto
a sala de aula quanto os demais espaços da escola sejam vistos pela criança como
lugares agradáveis e com múltiplas possibilidades de atividades e aprendizagens. Em
síntese, é preciso instigar a criança a interagir com as práticas de letramento,
alimentando seu desejo de estar na escola. Visitas à biblioteca, por exemplo, podem
proporcionar à criança o contato com diferentes tipos de materiais escritos e
possibilitar ainda uma experiência fora da sala de aula.
Quanto mais objetos, instrumentos, linguagens, gêneros e portadores de textos
de conhecimento da criança forem utilizados, maior será o sentido, o desejo e o
significado internalizado por ela. Segundo Franchi (2012), pensar na função social da
leitura e da escrita é pensar no que os textos representam no dia a dia desses sujeitos
dentro e fora da sala de aula. Ou seja, à medida que as crianças compreendem o uso
e a função da escrita, elas têm as suas intenções de aprendizagem contempladas.

22
Nessa perspectiva, você deve considerar que utiliza a leitura no seu dia a dia
para os mais variados propósitos, como localizar endereços, fazer uma receita, ler
uma bula de remédio, mandar uma mensagem para algum amigo ou familiar, entre
tantas outras. Essas leituras diversas envolvem o confronto de opiniões e
interpretações e a exploração mais aprofundada do conteúdo abordado. O que você
deve é incorporar tais conhecimentos na rotina da sala de aula para que os alunos se
tornem verdadeiros leitores e escritores.
O ponto de partida para o processo de efetivo aprendizado é a convivência, o
contato e a experimentação com o mundo da cultura escrita. Os conhecimentos sobre
a linguagem adquiridos nas mais variadas situações que a criança traz quando chega
à escola evidenciam que ela está inserida em um contexto comunicativo de produção
e compreensão das funções da língua escrita. Assim, a ideia é criar nas novas
gerações a necessidade de utilizar a escrita socialmente, coletivamente, de acordo
com a função para a qual foi criada.
Além disso, é possível ampliar a comunicação e a troca de vivências entre os
alunos, de forma que eles interajam, auxiliem-se e aproximem-se das atividades
propostas pelo letramento. Esse é o sentido, a significação e a reconstrução proposta
por diferentes perspectivas de apropriação do sistema de leitura e escrita.
Essa apropriação da escrita possibilita um avanço no desenvolvimento cultural
da criança, pois abre possibilidades para um conhecimento mais refinado do mundo
e, consequentemente, para o raciocínio e o pensamento mais complexos. Por conta
disso, é importante favorecer o contato dos alunos com diferentes tipos de textos para
que façam uso dessa tecnologia da escrita nas diferentes situações vivenciadas.
Nesse sentido, você precisa ter em mente que a criança, como membro da
sociedade, precisa do convívio com a leitura e a escrita para conhecer o mundo que
a rodeia. Dessa forma, ela se interessa e busca respostas para suas indagações,
tornando o processo de aprendizagem mais significativo. É fundamental que a criança
possa falar, escutar, escrever e se envolver em situações reais de mediação e
interação na sociedade, de forma que a sala de aula também se torne um espaço de
participação, partilha, cooperação recíproca e trocas de opiniões, informações e
experiências. Segundo Franchi (2012), essa interação social proporciona vastas
experiências entre as crianças, além de favorecer que o professor observe as

23
dificuldades e peculiaridades existentes durante a realização das atividades, na
medida em que faz os devidos encaminhamentos nos momentos apropriados.
Esse processo ainda deve levar em consideração que os modelos escritos
sejam contextualizados com uma significação. Ou seja, é fundamental que a criança
faça relações entre a palavra trabalhada e o objeto que ela representa. Para isso, o
professor deve traçar diferentes estratégias que coloquem o sujeito em contato com
distintas situações e informações do cotidiano, levando-o a compreender aquilo que
está escrevendo ou lendo.
Tais atividades, atreladas a debates e discussões, contribuem para que a
criança contextualize as palavras, fazendo relações entre som, grafia e interpretando
o sentido a que está sendo exposta. Além disso, essas atividades se tornam
significativas quando envolvem os sujeitos na construção do conhecimento e na
resolução de problemas e desafios.
Outra questão pertinente que favorece a compreensão e a apropriação do
sistema de escrita é o uso de atividades orais e espontâneas. Segundo Franchi (2012),
O professor deve trabalhar tanto a letra, a sílaba e a junção delas na formação de
palavras quanto a contextualização desse conhecimento para que a criança reflita
sobre o processo. A promoção dessas situações dialogadas dá oportunidade para que
os alunos construam novas significações voltadas à proposta de alfabetização e
letramento.

ATENÇÃO!!!
É importante você notar que o letramento não é um treinamento repetitivo de
determinada habilidade trabalhada em sala de aula, tampouco pode ser
aprendido ou medido. Ele vai além do conhecimento das letras e dos sons. É
preciso que o significado da língua escrita tenha relevância no mundo letrado
e que a criança possa identificar e refletir sobre os usos sociais, de maneira
que interaja com os mais variados gêneros de textos. Para ela estar inserida
nesse mundo, não é necessário apenas compreender o sistema de escrita
alfabética. É preciso que o aluno use a língua nas diversas práticas sociais
de leitura e escrita, a fim de produzir novos sentidos para o que apreende e
a fim de participar de forma integrada da sociedade.

24
3.1 Alfabetizar letrando

Alfabetização e letramento são processos paralelos, são duas ações distintas,


mas que caminham juntas e são inseparáveis para a garantia da aprendizagem da
leitura e da escrita. Ou seja, o professor vai ensinar o Sistema de Escrita Alfabética
permitindo que a criança vivencie práticas de leitura e escrita, agregando esses
conhecimentos a situações reais e atividades cotidianas.

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das


atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita — a alfabetização — e pelo desenvolvimento
de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita — o letramento (SOARES,
2004, p. 14).

No entanto, há algumas questões importantes que o educador deve levar em


consideração antes de tentar contemplar esses dois conceitos em seu planejamento:
é possível que todas as crianças aprendam ao mesmo tempo? Como ensinar os
alunos? Qual é o papel e qual é a importância do professor alfabetizador?

Fonte: www.educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br

Você pode começar refletindo sobre o papel do educador. É importante que ele
realize um trabalho voltado à inserção do aluno em um ambiente alfabetizador e
letrado. Nesse ambiente, a criança deve ter a oportunidade de conhecer, vivenciar,
refletir e experimentar novas práticas de leitura e escrita. Além disso, o professor deve
25
criar um espaço acolhedor que contemple as diferenças, especificidades e
características dos alunos.

A diferença entre ensinar uma prática e ensinar para que o aluno desenvolva
uma competência ou habilidade não é mera questão terminológica. Na
escola, onde se predomina uma concepção da leitura e da escrita como
competências, concebe-se a atividade de ler e de escrever como um conjunto
de habilidades progressivamente desenvolvidas até se chegar a uma
competência leitora e escritora ideal: a do usuário proficiente da língua
escrita. Os estudos do letramento, por outro lado, partem de uma concepção
de leitura e de escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e
inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem. (KLEIMAM, 2007, p.02).

Todo esse trabalho parte de um planejamento voltado ao que o professor quer


e ao que precisa ensinar aos alunos ao longo de todo o ano letivo. Para fazer esse
planejamento, o professor deve levar em consideração os usos sociais da língua
escrita, tanto no âmbito escolar como nas demais esferas, promovendo uma postura
investigativa em que a autonomia, o respeito e o diálogo sejam as peças-chave para
o aprendizado.
Nesse sentido, a escola e o professor devem fazer a mediação entre as práticas
de alfabetização (importantes para o desenvolvimento das competências dos alunos)
e os objetivos sociais e práticas relevantes presentes nas situações do cotidiano.
É fundamental que, na fase de alfabetização, a criança possa vivenciar a
leitura, assim como a produção, a compreensão e a reflexão de textos orais e escritos,
a fim de se apropriar do Sistema de Escrita Alfabética. A ideia é que as diferentes
ideias e posicionamentos dos alunos possam fazer parte do trabalho como um todo.
Partindo desse pressuposto, o trabalho com diferentes portadores de texto e
gêneros textuais serve como ponto de partida para enriquecer a aula. Afinal, tais
portadores e gêneros se aproximam da realidade em que a criança está inserida,
valorizam as suas experiências, instigam a imaginação, possibilitam um aprendizado
mais significativo e propiciam vivências práticas que vão além dos conteúdos
escolares.
A seguir, você pode ver alguns dos muitos portadores de texto e gêneros
textuais existentes. Eles podem ser trabalhados em sala de aula na perspectiva da
alfabetização e do letramento. Além disso, se aproximam das práticas sociais
vivenciadas pelos alunos.
 Receitas;
 Manuais, regras de jogos, listas e instruções;
26
 Bilhetes;
 Cartas;
 Convites;
 Histórias em quadrinhos, tirinhas;
 Parlendas, cantigas de roda, trava-línguas, lendas;
 Músicas;
 Piadas;
 Poesias, contos, fábulas;
 Rótulos e embalagens;
 Símbolos, placas;
 Cardápios;
 Jornais, revistas, sites, noticiários, cartazes informativos.

[...] a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as


crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas
difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um
problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento.
Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um
meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e
comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e
superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais (VYGOTSKY,
1991, p. 31).

A partir do planejamento da prática, o professor poderá, por meio das atividades


diárias realizadas em sala de aula, observar e buscar respostas aos questionamentos
anteriores: é possível que todas as crianças aprendam ao mesmo tempo? Como
ensinar os alunos?
Você pode considerar que em todas as turmas, independentemente da
localidade, existe uma grande diversificação e heterogeneidade em relação ao
conhecimento de cada criança. Algumas possuem conhecimento além do que se
espera ou do que é trabalhado durante o ano. Outras parecem não acompanhar o
mesmo ritmo do restante da turma. E essa complexidade das interações em sala de
aula é que torna o trabalho do professor tão desafiador.
As crianças iniciam o ano com diferentes conhecimentos, aprendizagens,
capacidades e habilidades, tanto em relação ao sistema de escrita alfabética como
em relação a outros conteúdos abordados dentro e fora da sala de aula. Algumas
crianças envolvem-se mais cedo e são cercadas por práticas de letramento; outras,

27
porém, estão envolvidas em um contexto com poucos estímulos e necessitam de um
contato maior com o material escrito. O que o professor precisa ter em mente é que
os alunos são capazes de aprender, independentemente do ambiente em que estão
inseridos. Assim, mesmo que as crianças iniciem o ano com conhecimentos abaixo
do que é esperado para os objetivos de trabalho, o professor pode contemplar as
hipóteses e saberes que já possuem.

Porque alfabetização e letramento são conceitos frequentemente


confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo em
que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a
introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado
perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado,
a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização,
embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito
de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003,
p. 90)

Fonte: www.educacao.estadao.com.br

Na perspectiva do trabalho conjunto entre alfabetização e letramento, o


professor precisa, em primeiro lugar, traçar um perfil da turma, percebendo os
diferentes níveis em que as crianças se encontram. Depois, deve pensar em
atividades diversificadas que trabalhem com o sistema notacional e as situações de
28
reflexão, questionamento e criação de hipóteses. A partir desse envolvimento e desse
conhecimento que as crianças possuem acerca da escrita, é possível planejar
atividades que de fato contribuam para que o aluno avance em seus conhecimentos
sobre o sistema de escrita alfabética, criando diferentes oportunidades de
aprendizagem e de integração com o processo de escolarização.
Cabe ao professor compreender o processo, buscar soluções por meio de
estudo, reflexão e troca com seus pares. Assim, ele deve trabalhar com esses
diferentes saberes, conhecendo as práticas culturais e sociais vivenciadas pela
comunidade e pelos alunos. Ele precisa ainda favorecer o contato com a escrita nas
mais variadas circunstâncias, para que a criança vá se familiarizado com as situações
de aprendizagem e avance de nível.
Por fim, é urgente que escolas e educadores pensem em práticas de
alfabetização e letramento partindo de um planejamento que contemple atividades
capazes de auxiliar os alunos a avançarem em sua aprendizagem. Tais atividades
devem ser do interesse da criança e estar de acordo com a realidade em que ela está
inserida. Somente por meio dessas experiências será possível refletir sobre a prática
da leitura e da escrita em diferentes circunstâncias. Portanto, o desenvolvimento das
capacidades dos alunos em relação à língua escrita não é um processo que se encerra
assim que eles se apropriam do sistema de escrita; pelo contrário, ele se estende por
toda a vida. O que os sujeitos fazem é apenas aprimorar e criar possibilidades na
construção de novos conhecimentos e habilidades.

3.2 Aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita

Como você sabe, para a teoria da evolução, a pergunta fundamental é “quem


veio primeiro: o ovo ou a galinha? ”. Já para as teorias de aquisição de língua materna,
a pergunta fundamental seria “o que veio primeiro: a fala ou a escrita? ”. A resposta,
em um primeiro momento, parece óbvia e lógica: a fala. Contudo, é importante discutir
e refletir sobre as implicâncias e relações dessas modalidades.
Nessa perspectiva, no ensino formal, “[...] a escrita tem sido vista como de
estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou
desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto [...]” (FAVERO;
ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 9). Assim, a escrita sempre foi privilegiada como a

29
“verdadeira forma de linguagem”, mas a língua falada deve ter um lugar de destaque
nas relações de ensino e aprendizagem.
A escola não deve pôr de lado a língua falada, nesse sentido, “[...] o ensino da
oralidade não pode ser visto isoladamente, isto é, sem relação com a escrita, pois elas
mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis [...]” (FAVERO; ANDRADE;
AQUINO, 2000, p. 13). Por isso, é fundamental descrever as relações intercambiáveis
entre esses dois elementos, de modo que o aluno construa relações entre a sua fala
e a sua escrita. O texto falado possui as seguintes características (FAVERO;
ANDRADE; AQUINO, 2000):
 Interação entre pelo menos dois falantes;
 Ocorrência de pelo menos uma troca de falantes;
 Presença de uma sequência de ações coordenadas;
 Execução em determinado tempo;  envolvimento em uma interação
centrada.
A comunicação deve ser compreendida sempre dentro de uma interação. Todo
texto, seja falado ou escrito, é construído dentro de um espaço-tempo por sujeitos.
Logo, “[...] nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que
escreve como aquele para quem se escreve são vistos como atores/construtores
sociais, sujeitos ativos que — dialogicamente — se constroem e são construídos no
texto [...]” (KOCH; ELIAS, 2011, p. 34). Em outras palavras, o texto falado é sempre
uma construção social e interacional.
O papel do professor
O professor deve assumir o papel de mediador entre as estruturas da língua e
o aluno. Assim, fica de lado a noção de que ele é a figura central do processo
educativo. Quando se fala sobre o professor e sobre a sua importância no processo
de aquisição da escrita, é importante destacar que muitos problemas da educação
decorrem do modo como os livros literários são utilizados na escola.
Nesse contexto, o professor, antes de tudo, deve ser também um leitor, para
que o aluno encontre nele um modelo. As obras literárias a serem trabalhadas em sala
de aula, conforme Saraiva (2001), devem estar distantes dos textos que possuem
como único objetivo disseminar formas estereotipadas de literatura, simplesmente
pedagogizantes ou apartadas da realidade do receptor.

30
Consequentemente, é a compreensão da finalidade da literatura, bem como
dos processos inerentes ao ato de ler, que conduz à mudança das atividades
com o texto na escola. Ela inclui, inevitavelmente, a seleção de obras cujo
mundo ficcional, constituído graças à concepção original da linguagem,
estabelece um vínculo solidário com a psicologia do leitor, permitindo-lhe
atuar como sujeito da produção. Por sua vez, a escolha de obras
potencialmente ricas em experiências rejeita a imposição de leituras
comprometidas com um sistema rígido de avaliação e solicita o diálogo como
princípio metodológico. Somente uma relação harmoniosa entre professor e
aluno pode levar à descoberta coletiva de modos de ler que produzam prazer
e conhecimento e que incentivem o leitor a compor, através de textos, uma
cadeia de significações (SARAIVA, 2001, p. 27).

Em outras palavras, os livros literários a serem trabalhados em sala de aula


devem ser pensados primeiramente a partir da forma estética e da proximidade com
a realidade dos leitores. Além disso, o professor deve ler as obras e só depois utilizá-
las como ferramentas para a leitura e a escrita de seus alunos. Assim, o professor é
um agente que contribui para a aquisição da escrita pelo aluno, visto enquanto sujeito
que constrói o seu aprendizado. Ou seja, o aluno não é mais objeto da aprendizagem.
Esta é um processo dialético em que o aluno se apropria da escrita e também de si
mesmo enquanto produtor de textos.

Fonte: www.escribo.com

Nesse contexto, é importante tratar dos níveis de consciência fonológica,


listados a seguir.
 Consciência de rimas e aliterações: permite que a criança perceba a
relação entre os sons das palavras (seja no início ou no final delas)
presentes em músicas e poemas.

31
 Consciência de sílabas: percepção de que as palavras possuem partes
que se complementam e de que as sílabas, quando justapostas,
configuram um sentido.
 Consciência de fonemas (ou consciência fonêmica): dentro de cada
sílaba e de cada palavra, há a composição de unidades sonoras que
podem modificar o significado de uma palavra.
O que esses itens demonstram é a percepção de que a criança, antes de ser
alfabetizada, possui algum nível de consciência relativa aos sons das palavras. O
trabalho na escola deve ser desenvolvido a partir da construção da relação entre o
som e a representação escrita dele, para, mais tarde, englobar a construção textual.

3.3 Hipóteses fonológicas e ortográficas da construção da escrita

O processo de escrita não se baseia apenas numa simples substituição entre


fonema (unidade sonora que forma e distingue palavras) e grafema (símbolo gráfico
usado para construir palavras), mas na compreensão da escrita e da sua organização.
O modelo tradicional de ensino deu relevância desde sempre ao aspecto material da
escrita, ou seja, ao desenho das letras. Contudo, as novas teorias de aquisição de
língua materna — principalmente os estudos realizados por Emília Ferreiro presentes
no livro Reflexões sobre alfabetização, publicado em 1993 — dão relevância e
priorizam a reflexão acerca do conteúdo da escrita. Em síntese, isso significa que tudo
aquilo que o professor ensina deve fazer sentido para o aluno.
Em A psicogênese da língua escrita, Ferreiro e Teberosky (1985) apresentam
uma série de hipóteses sobre os níveis do processo de construção da escrita. Tais
hipóteses foram formuladas a partir de uma extensa pesquisa realizada com crianças
em fase de alfabetização.
No primeiro momento, a criança percebe que a escrita representa o mundo de
forma direta, ou seja, que significante e significado se identificam. Segundo Saussure
(2003), o significado seria o sentido, a ideia de alguma coisa, o conceito, ou mesmo a
representação mental de algo. Já o significante seria a imagem acústica: “Esta não é
o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse
som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos [...]”

32
(SAUSSURE, 2003, p. 80). Ou seja, o significante seria a parte perceptível do signo,
e o significado, a parte inteligível.
O sujeito começa a perceber a escrita como a soma dos desenhos enquanto
representações dos objetos. “O desenho pode ser interpretado, o texto serve para ler
o que o desenho representa. Neste caso, como em muitos outros, a expectativa é a
de que o texto corresponda ao desenho, o objeto representado em um também o está
no outro [...]” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 73). Desse modo, o que deve ser
buscado é a percepção de que há diferença entre desenhar e escrever. O aluno
também pode relacionar o que escreve com a forma (tamanho) do desenho, ou seja,
as formas escritas devem reproduzir as formas dos objetos.
A segunda hipótese é convencionalmente chamada de pré-silábica (as autoras
não chamam esse estágio dessa forma; apenas mais tarde é que outros teóricos o
fazem). Esse é o momento em que a criança começa a perceber o caráter arbitrário e
convencional do sistema de escrita. Ela começa a perceber as distinções entre
significante e significado, de modo que os símbolos da escrita não representam
diretamente a realidade. Assim, ela começa a depreender significados diferentes nas
escritas que faz. Além disso, há o início da diferenciação entre números e letras.

EXEMPLO
No estágio pré-silábico, se a criança quiser escrever a palavra “boi”, por
exemplo, é normal que ela relacione a grafia com o tamanho do animal. Assim,
ela pode escrever “boi” com uma letra maior.

O estágio seguinte se dá no momento em que a criança começa a perceber


que o sistema de escrita da língua portuguesa se baseia no som; é a hipótese silábica
(Figura 1).

33
Como você pode ver na Figura 1, as representações se aproximam das letras
formativas do nome, e a criança percebe que a escrita não é ideográfica ou
pictográfica, mas fonográfica.

A mudança qualitativa consiste em que: a) se supera a etapa de uma


correspondência global entre forma escrita e a expressão oral (recorte
silábico do nome); mas, além disso, b) pela primeira vez a criança trabalha
claramente com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala
[...] (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 193).

Mesmo assim, a criança ainda não se libertou da hipótese silábica, visto que
em alguns momentos representa a sílaba e em outros, o fonema. Nesse estágio, ela
se encontraria na hipótese silábico-alfabética. No momento em que a criança percebe
que cada letra escrita pode representar um fonema, ela se encontraria na hipótese
alfabética, ou seja, ela estaria alfabetizada. No Quadro 1, a seguir, você pode ver uma
síntese das diferentes hipóteses.

34
De todo modo, as autoras deixam claro: “[...] é conveniente esclarecer que não
pretendemos propor nem uma nova metodologia da aprendizagem nem uma nova
classificação dos transtornos da aprendizagem [...]” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985,
p. 15). Por isso, em nenhum momento elas falam de uma proposição de um método,
mas de hipóteses e constatações derivadas das suas pesquisas.

3.4 Sequências didáticas para a autonomia na escrita

As sequências didáticas são esquemas linguísticos básicos que entram no


trabalho pedagógico na constituição de diversos gêneros e variam menos em função
das circunstâncias sociais. É o produtor que escolhe qual das sequências disponíveis
se aplica melhor à situação em que se encontra: a descritiva, a narrativa, a injuntiva,
a explicativa, a argumentativa ou a dialogal.
Contudo, antes de o sujeito escrever alguma das sequências, ele deve estar ou
ter entrado em contato com os gêneros textuais:

A par da familiarização com os gêneros, é possível levar o aluno a


depreender, entre determinadas sequências ou tipos textuais — narrativas,
35
descritivas, expositivas, etc. — um conjunto de características comuns, em
termos de estruturação, seleção lexical, uso de tempos verbais, advérbios (de
tempo, lugar, modo, etc.) e outros elementos dêiticos, que permitem
reconhecê-las como pertencentes à determinada classe (KOCH; ELIAS,
2011, p. 63).

Assim, o estudo deve estar sempre relacionado com a leitura, a produção e a


reflexão a respeito do gênero escolhido pelo professor. Segundo Koch e Elias (2011),
há cinco sequências didáticas: as narrativas, as descritivas, as expositivas, as
injuntivas e as argumentativas. Em um mesmo gênero, mais de uma sequência pode
estar presente.

Sequências narrativas

Apresentam sucessão temporal/causal de eventos, situação inicial e final. Entre


tais situações, há uma situação intermediária que modifica o estado de coisas. Nessas
sequências, predominam verbos de ação, advérbios temporais, causais e locativos.
Além disso, há discurso relatado (direto, indireto ou indireto livre). As sequências
narrativas estão presentes em gêneros textuais como notícias, romances, contos, etc.

Fonte: www.sumarequalifica.com.br

As lendas são exemplos de sequências narrativas. Trabalhar com lendas é


sempre motivador para os alunos, pois aguça a sua imaginação e ao mesmo tempo
36
pode se tornar um excelente modo de estudo das narrativas. A seguir, veja um
exemplo de lenda.
Vitória-régia
Essa é uma história linda de amor de uma bela índia pelas
estrelas, a ponto de querer se tornar uma. Naiá era uma jovem
guerreira que, por amar a natureza, tinha o hábito de
contemplação por longo período da lua e das estrelas. Com o
sonho de ser de fato uma estrela, pediu a Jaci — a lua — que a
fizesse uma estrela, mas os dias passaram sem que o desejo se
concretizasse, fazendo com que a jovem índia, triste, em um dia
de lua cheia, fosse esperar por Jaci na beira do lago.
Ao ver a bela imagem refletida na água, se encantou e ali
mergulhou para nunca mais voltar. Como sempre foi querida na
tribo e na região, os peixes e os pássaros pediram a Jaci que a
tratasse de forma especial. Assim, Naiá foi transformada na mais
bela planta aquática já vista — a vitória-régia ou estrela das
águas — no Rio Amazonas. A flor de pétalas brancas é
perfumada e só abre à noite, para amanhecer rosada e ainda
bela (CELI, 2019, documento on-line).

Sequências descritivas

São caracterizadas pela apresentação de propriedades, qualidades e


elementos de uma entidade, situação no espaço, etc. Nesse tipo de sequência,

[...] predominam os verbos de estado e situação, ou aqueles que indicam


propriedades, qualidade, atitudes, que aparecem no presente, em se tratando
de comentário, e no imperfeito, no interior de um relato. Predominam
articuladores de tipo espacial/situacional [...] (KOCH; ELIAS, 2011, p. 65).

Na Figura 2, a seguir, veja um exemplo.

37
Sequências expositivas

São construídas a partir de representações conceituais dentro de uma


ordenação lógica. Os tempos verbais se referem ao mundo comentado e os
conectores são do tipo lógico. Um gênero textual que se utiliza dessa sequência são
os textos de dicionário ou mesmo de sites de consulta, como a Wikipédia. Veja um
exemplo:
Anodorhynchus é um gênero de aves psitacídeas que inclui três
espécies de arara, exclusivas das florestas tropicais da América
do Sul e que podem ser observadas no Brasil.
Conhecidas popularmente como araras-azuis, são aves de
grande porte, com comprimento variável entre os cerca de 70 cm
da arara-azul-pequena e 1 metro da arara-azul-grande, o maior
representante da ordem Psittaciformes. A sua plumagem é
uniforme, em tons de azul ou azul-esverdeado.
O bico é poderoso e preto. Estas araras distinguem-se dos
membros do gênero Ara pela presença de manchas amarelas na
cabeça, na zona da bochecha e em torno dos olhos.

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Todas as espécies de arara-azul encontram-se em perigo de
extinção devido à caça e à degradação de habitat (WIKIPÉDIA,
2019, documento on-line).

Sequências injuntivas

Prescrevem comportamentos, ações sequencialmente ordenadas, com verbos


no imperativo, infinitivo ou futuro do presente e articuladores adequados ao
encadeamento sequencial das ações prescritas. O gênero receita é um exemplo
desse tipo de sequência, mais especificamente na parte sobre o modo de preparo.
Confira:
Brigadeiro
INGREDIENTES
1 caixa de leite condensado
1 colher (sopa) de margarina sem sal
7 colheres (sopa) de achocolatado ou
4 colheres (sopa) de chocolate em pó
Chocolate granulado
MODO DE PREPARO
Em uma panela funda, acrescente o leite condensado, a
margarina e o chocolate em pó.
Cozinhe em fogo médio e mexa até que o brigadeiro comece a
desgrudar da panela.
Deixe esfriar e faça pequenas bolas com a mão passando a
massa no chocolate granulado (TUDOGOSTOSO, 2019,
documento on-line).

Sequências argumentativas (stricto sensu)

São as que apresentam uma ordenação ideológica de argumentos e/ou contra-


-argumentos, com predominância de elementos modalizadores, verbos introdutores
de opinião, operadores argumentativos, etc. É o tipo de texto pedido em vestibulares,

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no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em artigos científicos e nos editoriais
ou artigos de opinião dos jornais. Confira um exemplo:
Manoel Soares: problema de branco
A maior luta que temos nas quebradas é vencer os reflexos da
escravidão. Hoje, um jovem negro na periferia vive menos do
que um escravo do período colonial, de acordo com os números
da violência do IBGE.
Os piores salários ainda são das pessoas negras. As faculdades
têm mais pessoas brancas, enquanto os presídios têm mais
negros. Se você consegue contar nos dedos os médicos negros
que conhece, é porque algo está errado — deveriam ser tantos
que faltariam dedos.
Essa luta não pode ser somente de negros. As pessoas brancas
precisam assumir seu papel na luta contra o preconceito que
está na estrutura da sociedade. Quando você entra em um
restaurante e não tem negros sentados à mesa, o racismo está
presente. Quando você vê pessoas negras sendo paradas pela
polícia, enquanto pessoas brancas passam batido, o racismo
está presente. Quando você vê pessoas negras na empresa em
que trabalha somente fazendo limpeza ou segurança, o racismo
está presente.
Mas não somos somente nós, negros, que devemos levantar a
voz para essas realidades que refletem o racismo estrutural.
Você, branco, deve perguntar por que não tem negros ali, deve
exigir que as coisas mudem. E não adianta vir com esse papo
que não existe cor: existem cores diferentes, e todas devem ser
tratadas iguais.
O racismo não é um problema de negros, mas de brancos.
Quem precisa mudar é a pessoa que acha normal negros serem
tratados diferente ou sequer percebe quando o racismo está
presente. Algumas pessoas são racistas, outras são socialmente
cegas, mas o pior cego é aquele que não quer ver. Então,
contamos com você para abrir o olho de quem ainda não viu o

40
mal que o racismo faz a negros e brancos (DIÁRIO GAÚCHO,
2019, documento on-line).
Cada gênero, desse modo, elege uma ou mais dessas sequências ou tipos para
a sua constituição. Assim, por exemplo, no gênero romance, você encontra não
apenas a sequência narrativa, mas a descritiva (nas descrições de espaços e
personagens) e a expositiva (quando o narrador se insere na história).

Fonte: www.luis.blog.br

Cabe à escola, então, possibilitar que o aluno domine diferentes gêneros


textuais e as sequências didáticas que eles implicam. Desse modo, o estudante vai
ser capaz de, dentro e fora da escola, produzir gêneros textuais próximos ou distantes
de sua realidade. Da mesma forma, cabe à escola colocar os alunos próximos de
situações verdadeiras de comunicação, aproximando a prática da teoria e atribuindo,
assim, sentido ao aprendizado. “Quanto mais claramente o objeto do trabalho é
descrito e explicado, mais ele se torna acessível aos alunos não só nas práticas
linguajeiras de aprendizagem, como em situações concretas [...]” (KOCH; ELIAS,
2011, p. 74).

4 AMBIENTE ALFABETIZADOR

4.1 Conceito e características

Segundo Monteiro ([201-?]), foi a partir dos anos 1980, sobretudo com o avanço
das ideias construtivistas no cenário pedagógico, que surgiram importantes
questionamentos sobre o que seria necessário para que uma criança pudesse ser

41
alfabetizada. Quais seriam os recursos necessários que facilitariam a aquisição dessa
habilidade? Qual a implicação das metodologias utilizadas e da didática do professor
para que essa alfabetização se efetivasse? Esses são alguns dos questionamentos
que levarão você à definição de um ambiente alfabetizador.
Por meio dessa citação, você pode perceber que as ideias construtivistas a
respeito das capacidades da criança propuseram que o contato desta com materiais
escritos e sua participação ativa em práticas de escrita e leitura de adultos poderiam
potencializar o conceito de alfabetização. E, partindo desse princípio, a necessidade
de criação de um ambiente alfabetizador também se tornou evidente.
Talvez seja importante você relembrar o que vem a ser o construtivismo nesse
início de abordagem sobre o tema. Isso é válido principalmente para marcar que, a
partir dele, se muda o foco do “ensinar” para o “aprender”, o que altera
significativamente a forma de abordar a leitura e a escrita. Segundo Coll et al. (2006,
p. 19, grifo nosso):

A aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que


aprender não é copiar ou reproduzir a realidade. Para a concepção
construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma
representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que
pretendemos aprender. Essa elaboração implica aproximar-se de tal objeto
ou conteúdo com a finalidade de apreendê-lo; não se trata de uma
aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir de experiências, interesses
e conhecimentos prévios que, presumivelmente, possam dar conta da
novidade.

Partindo da citação dos autores, você pode perceber que, ao tratar dos objetos
de conhecimento da leitura e da escrita, também deve atentar ao conceito de
representação. Esse conceito será essencial para que você possa desenvolver suas
atividades como professor alfabetizador. A representação produz sentidos na criança
a respeito de determinado objeto que a cerca e sobre o qual produz suas experiências.
Você pode pensar que, ao estar em um mundo onde se vê cercada de sinais, símbolos
gráficos e sons, a criança logo cedo irá começar a estabelecer relações entre esses
elementos na tentativa de representá-los. Imagine a criança que, em casa,
diariamente se utilize de objetos que apresentam escritas e desenhos. Essa
experiência faz com que ela comece a realizar suas associações e combinações
desses sinais buscando construir uma representação. Logo, o creme dental “X do
ursinho” passa a ser o seu preferido e assim ela irá identificá-lo no mercado ao realizar
as compras com a família, por exemplo.
42
Considere uma criança ainda em idade pré-escolar. Ao manusear um livro de
literatura infantil com muitas imagens e algumas poucas palavras escritas, a criança
entende logo que aquelas palavras representam algo que se diz sobre as imagens,
que ambas se complementam. Assim, a escrita passa a representar algo possível de
produzir um entendimento sobre a história que vem sendo retratada na obra a partir
das imagens e das palavras.

Com a difusão do ideário construtivista, para o qual o foco é a criança e seu


processo de conceitualização da escrita, a interação da criança com esse
objeto de conhecimento ganhou uma grande importância nos
encaminhamentos pedagógicos. A ideia fundamental é a de que o aprendiz
da língua escrita é capaz de refletir sobre o sistema de representação,
apropriando-se de seus sinais gráficos e de suas regras de funcionamento, a
partir do contato intenso com os materiais escritos e da participação ativa em
práticas de leitura e escrita de adultos (MONTEIRO, [201-?])

Você pode considerar, então, a partir do que viu até aqui, que um ambiente
alfabetizador é aquele onde o aluno se encontra imerso em sinais, símbolos, gráficos,
palavras escritas, desenhos e sons que possam produzir significados e
representações.
Um ambiente alfabetizador também é aquele onde os alunos estão
constantemente sendo estimulados às práticas relacionadas ao desenvolvimento de
sua autonomia e a aproximações com aspectos relacionados à pesquisa. Por meio da
utilização de recursos variados encontrados nesse ambiente, os aprendizes poderão
criar e desenvolver as habilidades necessárias para que a leitura e a escrita produzam
sentidos e sejam apreendidas.
Quando você ouve falar em recursos, pode imaginar desde as simples folhas
brancas até tintas, lápis, argilas e toda sorte de materiais com os quais possam ser
representadas as letras e demais signos gráficos a serem aprendidos, não é? Logo,
você pode inferir que, quanto maior for a disposição desses elementos com os quais
a pessoa pode interagir e vivenciar, mais facilitada será a sua alfabetização.
Outra característica importante do ambiente alfabetizador é a capacidade de
proporcionar a participação e a interação entre os alunos que se encontram em
processo de alfabetização. Isso pode ser perseguido a partir do uso de atividades em
grupo e da constante observação e acompanhamento dos diferentes níveis em que
os alunos se encontram.

43
Segundo Ferreiro 1999, um ambiente alfabetizador possui a capacidade de
despertar o interesse, motivar, estimular e desafiar os alunos a continuarem buscando
aprender a ler e escrever. Além disso, esse ambiente vai sempre deixar claro aos
alunos que a escrita e a leitura apresentam uma intenção e uma funcionalidade que
muito auxiliam nas suas vidas cotidianas. É importante você notar que um ambiente
alfabetizador não é somente encontrado na escola, mas ao seu redor. Afinal, a leitura
e a escrita são objetos sociais necessários e presentes no cotidiano das pessoas.

4.2 Escola: ambiente alfabetizador

Com o passar dos séculos, a escola assumiu um papel central na vida em


sociedade. A educação escolar passou a classificar os indivíduos, estratificando
socialmente aqueles que iriam exercer certos papéis sociais, galgar certas categorias
profissionais, serem vistos como capazes e pessoas de sucesso. Ou seja, a educação
escolar, sobretudo na contemporaneidade, é fundamental e representa um parâmetro,
uma meta, um objetivo muito importante a ser perseguido por todos, caso queiram
desfrutar das melhores possibilidades que a sociedade oferece.

Fonte: www.educacao.estadao.com.br

44
A escola, na contemporaneidade, é a instituição social que cumpre a finalidade
de alfabetizar, ou seja, de “tornar o indivíduo capaz de ler e escrever” (SOARES, 2010,
p. 31). Isso fez com que a escola procurasse criar metodologias e técnicas em busca
de alcançar esse objetivo considerado primordial na sua própria existência. A
importância da escrita é notória no interior das instituições escolares, em todos os
níveis da educação. É a partir dela, de sua apropriação, que os alunos são inclusive
classificados e avaliados.
Porém, é importante que você realize a seguinte reflexão “[...] a escrita é
importante na escola porque é importante fora da escola, e não o inverso”
(FERREIRO, 1999, p. 21). Ou seja, aprender a ler e escrever é essencial para que o
indivíduo possa viver em sociedade e apropriar-se das mudanças e reconfigurações
em que se encontra imerso diariamente. Logo, a capacidade de ler e escrever é um
marcador social importante e que coloca o indivíduo em condições de interpretar
melhor o mundo, interagir com as pessoas e exercer sua cidadania. Basta você se
deter rapidamente nos pré-requisitos para seleção de profissionais para algumas
vagas no mercado de trabalho que identificará tal importância.
Como você viu, então, a escola se constitui como principal espaço, ainda na
contemporaneidade, onde a aprendizagem da leitura e da escrita se dará. Ferreiro
(1999, p. 21) complementa a ideia afirmando que:

A escola (como instituição) se converteu em guardiã desse objeto social que


é a língua escrita e solicita do sujeito em processo de aprendizagem uma
atitude de respeito diante desse objeto, que não se propõe como um objeto
sobre o qual se pode atuar, mas como um objeto a ser reproduzido fielmente
sem modificá-lo.

Ora, se você acompanhar o raciocínio proposto na citação, pode inferir que, por
mais criativo e inovador que o professor alfabetizador se torne, ainda assim o objeto
de conhecimento a ser aprendido conservará suas características, não é mesmo? Ou
seja, o alfabeto existe, é real e concreto e deve ser apreendido, assimilado e
reproduzido com maestria por aqueles que aprendem. E ainda existem as normas de
ortografia a serem conhecidas e também seguidas e respeitadas.
Então, como professor alfabetizador, você tem um grande compromisso, no
interior da escola, de torná-la o ambiente mais favorável e propício para o
desenvolvimento do processo de alfabetização. Isso passa, necessariamente, pela

45
construção de bons ambientes alfabetizadores, capazes de potencializar a
aprendizagem significativa da leitura e da escrita nos alunos.

4.3 Construindo um ambiente alfabetizador

Existem algumas questões que você deve levar em conta, como professor
alfabetizador, para construir um ambiente propício à alfabetização. Agora, você vai
compreender melhor esses aspectos.
O primeiro aspecto a considerar é que você, como professor, deve reconhecer
que a criança necessita perceber o caráter prático e funcional que a aprendizagem da
escrita e da leitura representa na sua vida social. Reforçando essa ideia, Ferreiro
(1999, p. 25) comenta que:

As crianças são facilmente alfabetizáveis desde que descubram, através de


contextos sociais funcionais, que a escrita é um objeto interessante que
merece ser conhecido (como tantos outros objetos da realidade aos quais
dedicam seus melhores esforços intelectuais).

Esses contextos sociais funcionais citados pela autora podem ser


compreendidos como a capacidade de a criança entender as mensagens, traduzir ou
decodificar o que aparece ao seu redor cotidianamente, ser capaz de transmitir o que
pensa, escrever aquilo que ouve e fala.
Outra observação importante é que “a aprendizagem da leitura e da escrita é
um processo de construção pessoal do conhecimento que, no entanto, não pode
acontecer sozinho. Nesse processo, a interação, a ajuda, é muito relevante” (PAUSAS
et al., 2004, p. 21). Você deve considerar que a criança, ainda antes de entrar na
escola, já se encontra envolta em experiências que se relacionam à escrita e à leitura,
ou seja, já traz consigo uma bagagem em relação a esses objetos de conhecimento.
Ao chegar na escola, porém, para que possa apropriar-se e de fato adquirir as
habilidades da escrita e da leitura, é imprescindível o trabalho do professor
alfabetizador. Este deverá, além de considerar o que a criança já traz consigo,
entender que cada um dos alunos pode se apresentar num nível diferente na
organização de suas ideias, conhecimentos e representações sobre a leitura e a
escrita, o que deve ser respeitado.
Aqui, é oportuno que você se lembre de Vygotsky (1979). Ele afirma que, ao
estudar a linguagem, a criança nunca parte do zero para aprender algo, pois suas
46
vivências histórico-sociais a acompanham. Cabe ao professor atuar na Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) dos alunos, estimulando o seu máximo
desenvolvimento potencial.

ATENÇÃO!
O conceito de ZDP foi desenvolvido por Vygotsky e simboliza o espaço em que o
professor deve atuar, estimular e agir para que o aprendiz possa sair de seu
desenvolvimento real e atingir o seu desenvolvimento potencial, que se encontra latente.
Ou seja, existe um momento em que a criança precisará de algum apoio ou intervenção
do professor alfabetizador ou de seus colegas para que dê os próximos passos na sua
aprendizagem.

Na Figura 1, você pode ver uma síntese de alguns aspectos que favorecerão a
aprendizagem da leitura e da escrita.

Agora, você vai ver cada um dos itens mostrados na Figura 1, que poderão
auxiliar muito na tarefa da alfabetização escolar.
 Participação: a participação dos alunos é primordial. Em vez de uma sala de
aula já repleta de estímulos visuais gráficos que levem ao objeto de
conhecimento (alfabeto nas paredes, por exemplo), melhor seria se o alfabeto
fosse sendo introduzido aos poucos, junto com os alunos. Ele deve ser
trabalhado cotidianamente e, então, após isso, ir ocupando seu espaço na
sala de aula. Ainda antes da entrada no alfabeto propriamente dito, por que
47
não trabalhar os rótulos e reconhecer quais significados as crianças já
possuem a respeito da leitura deles? Enfim, tudo aquilo que é realizado com
a participação dos alunos se torna mais significativo, o que favorece a
aprendizagem.
 Diversificação: você viu anteriormente que o professor deve estar atento aos
diferentes níveis de conhecimento que seus alunos possuem sobre a leitura e
a escrita. Logo, não seria coerente que todos, obrigatoriamente, tivessem de
realizar as mesmas atividades, não é mesmo? Nesse caso, é interessante
que, na sala de aula, ao montar seus cantinhos pedagógicos, os meninos e
as meninas possam perceber atividades diferentes. É interessante que se
apresentem escolhas a serem realizadas para trabalhar os objetos. Por
exemplo, se você utilizar um conto, este poderá ser olhado, escutado,
assistido em DVD, dramatizado com fantoches, escrito com as mais diferentes
letras. Enfim, são inúmeras as possibilidades de escolha que poderão ser
oferecidas para que os alunos possam optar.
 Conhecimentos prévios: levar em conta os conhecimentos prévios que os
estudantes trazem consigo a respeito da leitura e da escrita significa entender
que esses conhecimentos são objetos sociais que atuam diretamente na vida
social. Assim, são indispensáveis para acessar toda a gama de
conhecimentos e educação presente na cultura e, logo, não devem ser
desconsiderados.
 Interesse: a aprendizagem da leitura e da escrita deverá estar em sintonia
com aquilo que interessa e motiva os alunos. O professor deverá mapear,
descobrir quais são seus interesses reais e, a partir daí, estruturar suas
atividades. Isso fará com que o engajamento seja maior e contribuirá para o
desenvolvimento das atividades em sala de aula.
 Observação: o professor alfabetizador deve desenvolver a sua capacidade de
observação, pois assim poderá identificar em quais níveis de alfabetização
cada um de seus alunos se encontra. A partir disso poderá, então, propor
atividades que irão ajudá-los de forma individual. Ou seja, a observação
permite que a intervenção do professor seja feita na hora certa e com os
indivíduos que realmente necessitam de seu auxílio. Também ajuda na hora

48
de propor atividades colaborativas, em que os alunos possam ajudar a
desenvolver seus colegas.
 Interação: outro instrumento importante para que a leitura e a escrita possam
ser aprendidas em sala de aula é a interação entre alunos e professor e entre
os próprios colegas. Por meio do intercâmbio, da troca entre os alunos e os
grupos que frequentam cotidianamente, normalmente haverá a assimilação
dos níveis de conhecimento mais altos daqueles grupos. A interação favorece
a atuação na zona de desenvolvimento proximal, que você viu anteriormente,
apoiando aqueles que precisam para que possam ir adiante na aquisição das
habilidades da leitura e da escrita.
Você viu até aqui alguns aspectos que poderá considerar para que a
alfabetização ocorra com maior sucesso no ambiente escolar. Os pontos que
conheceu farão com que o ambiente alfabetizador possa ser estabelecido e favoreça
a aprendizagem destes tão importantes e essenciais objetos de conhecimento que
são a leitura e a escrita. Porém, a percepção do professor, sua capacidade de
observação e leitura de cada aluno e de cada grupo é imprescindível para que todos
esses itens sejam aplicados. Como você sabe, cada aluno é diferente, pode ter vivido
experiências sociais totalmente diversas e traz consigo uma bagagem única, que deve
ser conhecida pelo professor em seus primeiros contatos e que irá definir, muitas
vezes, os caminhos a seguir nas ações futuras.

5 O SIGNO LINGUÍSTICO

Em primeiro lugar, você deve saber que os fundamentos da noção de signo não
estão exclusivamente enraizados na linguística, mas na semiótica. A semiótica é uma
ciência mais abrangente (da qual, a propósito, a linguística faz parte), que se ocupa
da associação entre fenômenos em geral (linguísticos ou não) e do que eles significam
dentro de determinado sistema.
Dessa forma, de um ponto de vista semiótico (portanto, em termos mais gerais),
um signo se refere a algum fato ou entidade (quer seja um objeto, um evento ou, até
mesmo, uma impressão) que representa um estado de coisas para, por exemplo,
determinada cultura.

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De acordo com Pierce (2005), existem três tipos de signo. O primeiro deles, o
ícone, é um tipo de signo de natureza imagística, cuja forma possui uma relação de
identidade com o objeto que representa. Alguns exemplos de ícones são a escultura
de uma pessoa ou a maquete de uma casa.
Outro tipo de signo é o índice, que possui uma relação de contiguidade com o
objeto que representa, podendo ser considerado, na verdade, um fragmento extraído
desse objeto. Esse é o caso da fumaça, que é um índice de fogo, e de nuvens negras
no céu, que seriam um índice de chuva.
Por último, temos o símbolo, um tipo de signo que representa o seu objeto com
base em alguma convenção ou lei. Por exemplo, a cruz é o símbolo do cristianismo,
a balança é o símbolo da justiça e a cor verde é o símbolo da esperança.
Ao ser trazida para dentro do campo dos estudos da linguagem, a partir,
principalmente, das teorizações feitas por Saussure (2012), na obra póstuma Curso
de linguística geral, o signo, como componente mínimo da língua, passa a denotar o
produto da relação (convencionalizada) entre uma forma linguística tal e um
significado particular, sendo, portanto, denominado especificamente signo linguístico.

50
Uma explicação fundamental de Saussure (2012, p. 80) a respeito do conceito
de signo linguístico é a de que este “une não uma coisa e uma palavra, mas um
conceito e uma imagem acústica”. Isso quer dizer que o signo linguístico é de natureza
puramente psíquica e estabelece uma associação entre, de um lado, a nossa
representação mental de um dado fato ou objeto no mundo e, de outro, a impressão
mental dos sons que compõem uma dada palavra.
EXEMPLO: O que compõe o signo linguístico “mesa” não é a relação entre um
objeto tal (isto é, um certo móvel) e a sequência de letras “m-e-s-a”, mas a nossa
concepção mental desse móvel (isto é, de uma mesa) e a nossa lembrança mental
dos sons que compõem a palavra “mesa”.
Por fim, para efeitos de uma terminologia mais precisa, Saussure (2012)
chama, então, a imagem acústica de significante e o conceito que ela representa de
significado.
Um último ponto, relativo à noção de signo linguístico (Figura 2), no qual
Saussure (2012) insiste bastante, é o de que esse componente constitui,
invariavelmente, uma relação indissociável entre um dado significado e o seu
significante (ou, ainda, entre um dado conceito e a sua respectiva imagem acústica).
Ou seja, os dois elementos que compõem o signo linguístico “estão intimamente
unidos e um reclama o outro” (SAUSSURE, 2012, p. 80).

Para ilustrar esse ponto, Saussure (2012) compara o signo linguístico a uma
folha de papel. Não podemos separar o verso de uma folha de papel do seu anverso,
tampouco podemos cortar um sem cortar o outro; da mesma forma, não podemos
isolar um significante do seu significado. Portanto, seria impossível evocarmos uma
51
imagem acústica sem trazermos à mente, ao mesmo tempo, o conceito que ela
representa.

5.1 Algumas características do signo

Com base nas considerações feitas por Saussure (2012), podemos definir o
signo linguístico, de um modo geral, como o produto da combinação entre um
significado e o seu significante (ou, ainda, entre um dado conceito e a sua respectiva
imagem acústica).
Ainda segundo Saussure (2012), existe um conjunto de características
específicas que servem para definir a natureza dessa associação. A primeira (e talvez
a mais emblemática) das características do signo linguístico está traduzida na noção
de arbitrariedade.
Afirmar que o signo linguístico é arbitrário significa dizer que a associação entre
um dado significado e o seu significante é casual. Portanto, não existem, por exemplo,
relações naturais ou intrínsecas entre o nosso conceito de mesa e a imagem acústica
“mesa”, em português. Tanto o é, que o conceito de mesa está associado a outras
imagens acústicas (que não à “mesa”) em outras línguas, como “tafel”, em holandês,
“bord”, em sueco, “tisch”, em alemão, etc.
A segunda característica fundamental do signo linguístico, de acordo com
Saussure (2012), diz respeito à linearidade dos significantes. Porque constitui um
fenômeno acústico, o significante se realiza na mesma dimensão que quaisquer
outros sons; ou seja, no tempo. Em outras palavras, podemos dizer que a sequência
dos elementos que compõem a imagem acústica do signo linguístico somente se
desenvolve ao longo da linha do tempo, com os respectivos sons sendo pronunciados
um após o outro.
Essa característica do significante parece ficar mais clara quando tentamos
transpor, para o papel, a sequência dos elementos que o compõem. De fato, em
diversas línguas (como no português), as imagens gráficas que representam
conceitos também estão dispostas em linha, com as letras sendo escritas uma após
a outra.
No entanto, embora a linearidade impere sobre a imagem acústica na maioria
das línguas, a modalidade escrita nem sempre segue esse princípio. É o caso de

52
línguas cujo sistema gráfico se baseia em ideogramas, como o chinês e o japonês.
Nessas línguas, conceitos são representados graficamente por símbolos não lineares,
com os seus componentes (isto é, traços) sendo dispostos em várias direções: uns
em cima, outros em baixo, alguns dos lados ou, ainda, uns sobre os outros.
Finalmente, Saussure (2012) apresenta duas características do signo
linguístico que parecem contraditórias, mas que, na verdade, são complementares: a
sua imutabilidade e a sua mutabilidade. De fato, o signo linguístico é imutável, na
medida em que o elo que une um significado qualquer ao seu significante não é livre;
ele está cristalizado conforme as convenções estabelecidas (aqui e agora, isto é, na
sua dimensão sincrônica) pela comunidade linguística como um todo. Logo, não cabe
a nenhum falante, por exemplo, substituir um significante por outro, na composição de
um signo já instituído na sua língua, quando ou como bem quiser.
Com relação ao princípio da mutabilidade do signo linguístico, Saussure (2012)
explica que o elo que une um significado e ao seu significante não está imune à
passagem do tempo (nesse caso, em uma dimensão diacrônica). Mais
especificamente, está claro que um dos efeitos do tempo sobre a língua seria,
justamente, o de promover (sempre por meio de fatores que escapam à vontade
individual dos seus falantes) deslocamentos (mais ou menos drásticos) da relação
entre um dado significado e um certo significante.

5.2 O valor linguístico

Além do signo, outro conceito fundamental para os postulados saussurianos é


a noção de valor linguístico. Com efeito, em algum momento da sua obra, Saussure
(2012, p. 130) argumenta que toda língua seria, para além de um sistema de signos,
“um sistema de valores”.
Falar de valor linguístico, para Saussure (2012), significa determinar, de um
lado, o lugar que cada signo ocupa no interior do sistema da língua (como um todo)
e, de outro, os vínculos que ele mantém com os outros elementos de mesma natureza
dentro desse sistema.
Ou seja, um signo linguístico se define não somente pela associação entre um
dado significado e o seu significante, mas também pelas relações (de semelhanças

53
e diferenças, devemos acrescentar) que ele estabelece com os outros signos que o
cercam.
Exemplo: A título de exemplificação, podemos considerar os conceitos de
“pai”, “filho”, “mãe” e “filha”. O que define o valor de cada um desses conceitos, dentro
da língua portuguesa, por exemplo, é tanto aquilo que eles têm em comum entre si
(nesse caso, todos eles se referem a algum membro da família) quanto aquilo que os
difere (ou seja, eles existem cada um em oposição ao outro: “pai” em oposição a
“filho”, “pai” em oposição a “mãe”, “mãe” em oposição a “filha” e assim por diante). Se,
por algum motivo, o conceito de “filho” desaparecesse, o conceito de “pai” ficaria vago
em alguma medida e, talvez, perdesse a sua razão de ser em português.

Fonte: www.reticenciaskuringa.blogspot.com

Em última análise, podemos argumentar, enfim, que um signo linguístico


somente está na língua porque ele é aquilo que os outros signos não são. É isso que
determina o seu valor linguístico; e é esse valor que assegura o seu lugar no sistema
da língua.
A partir das suas reflexões a respeito do valor linguístico, Saussure (2012)
procede, então, à classificação das relações que os signos estabelecem entre si
dentro do sistema da língua. A sua primeira observação (2012) é de que essas
relações acontecem em dois planos distintos e, portanto, engendram dois tipos: as
relações sintagmáticas e as relações associativas.

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O primeiro tipo, o das relações sintagmáticas, reflete a natureza linear dos
significantes (e, portanto, da língua como um todo) e implica as relações que os signos
estabelecem entre si na cadeia da fala. Visto que é impossível produzir dois signos ao
mesmo tempo, eles somente podem se realizar um após o outro na linha da fala,
acarretando, dessa forma, o sintagma.
Por exemplo, são sintagmáticas as relações que estabelecem entre si os
elementos que compõem cada uma destas sequências: “endereço postal”, “Maria
casou” e “estou atrasado, preciso correr”. Esse tipo de relação (de oposição ao longo
da cadeia da fala) já serve para definir uma parte do valor do signo linguístico.
De acordo com Saussure (2012, p. 142), de fato, “colocado num sintagma, um
signo só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a
ambos”. Ou seja, em relações sintagmáticas, o valor de um signo linguístico existe na
sua correspondência com os outros signos concomitantes — ou, conforme determina
Saussure (2012, p. 143), nas suas relações “in praesentia”.
Já as relações associativas (ou, ainda, paradigmáticas) são aquelas que os
signos estabelecem com os outros signos que não estão na mesma cadeia da fala
(ou, ainda, in absentia), mas com os quais mantêm algum tipo de correspondência
(Figura 3). É esse tipo de relação que se manifesta, por exemplo, quando nos
referimos ao conceito de “pai” em uma sentença qualquer. O mais razoável de se
esperar é que essa referência evoque tantos outros conceitos quantos estão
associados a ele (como “filho”, “mãe”, “filha”, etc.) se consideramos como o principal
critério dessas associações, nesse caso, o fato de o conceito de “pai” se referir a um
membro da família.
O valor de um signo linguístico, a partir das relações associativas, determina-
se, portanto, nas bases do conjunto total de elementos com que ele mantém algum
tipo de relação, mas que não ocorrem formalmente na cadeia da fala, visto que são
apenas virtualmente evocados.

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6 AVALIAÇÃO NA ALFABETIZAÇÃO

A avaliação na alfabetização costuma trazer intensas discussões relacionadas


à eficácia de suas práticas. Tais discussões envolvem tanto estudiosos e professores
quanto gestores, famílias e os sujeitos principais, as crianças.
Especificamente neste momento histórico da educação nacional, o assunto
ocupa mentes e surgem reflexões à luz da recente publicação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC). Afinal, estão em jogo decisões sobre os novos tempos de
alfabetizar (passagem do 1º ao 2º ano como limite para a criança se alfabetizar) e
sobre os modos de ensinar (alguns apontamentos da BNCC contribuem para
reflexões sobre os currículos). Tudo isso convoca os envolvidos a repensar as
aprendizagens infantis e os processos de avaliação na fase da alfabetização.

6.1 A avaliação em seu contexto educacional

A avaliação deve ser considerada parte integrante e de extrema importância do


processo de alfabetização e letramento. Educar e avaliar nos tempos de aquisição da
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leitura e da escrita são ações que caminham juntas na perspectiva de uma escola
comprometida com o sucesso das crianças.
É certo afirmar que a avaliação é uma das partes potentes do processo de
ensino e aprendizagem, revelando as singularidades das crianças. Segundo Álvarez
Méndez (2002, p. 65):

A avaliação age, então, a serviço do saber e das pessoas que aprendem. Ela
deveria ser o momento no qual quem ensina e quem aprende encontram-se
com a sã intenção de aprender. Avaliamos para conhecer e aprendemos com
a avaliação. Somente assegurando a aprendizagem podemos assegurar a
avaliação, isto é, a boa avaliação, que forma continuamente, que seria
também significativa e catalisadora de novas aprendizagens. Avaliamos
enquanto aprendemos; aprendemos enquanto avaliamos.

Segundo o excerto, a avaliação está a serviço da aprendizagem das pessoas.


Os futuros leitores precisarão ser hábeis para decodificar palavras e símbolos escritos,
integrar informações advindas de diversos textos e captar sentidos da escrita. Eles
também deverão interpretar os significados do texto, traduzir em sons as sílabas
isoladas, usar habilidades de pensamento cognitivo e metacognitivo, refletir sobre a
relevância do que foi lido e até construir significados a partir de textos. Nesse sentido,
as avaliações trazem importantes dados sobre a diversidade de usos de tais
habilidades (SOARES, 1995).
Uma criança, ao ler, deverá usar uma forma específica de processamento de
informação. Aprender a leitura é aprender os processos necessários para ler. O ensino
e a aprendizagem devem agir no entendimento de que “[...] ler é transformar
representações gráficas da linguagem em representações mentais da sua forma
sonora e do seu significado. Quando se trata de um texto, o objetivo da leitura é poder
apreender o seu sentido” (MALUF; CARDOSO-MARTINS, 2013, p. 16).
Não distante de tais entendimentos devem estar, concomitantemente, as
avaliações oferecidas às crianças. O professor não poderá exigir em avaliações que
todas as crianças tenham níveis de leitura iguais. Ele precisa levar em conta o
extenso, intenso, pessoal e intransferível processo de habilidade de identificação das
palavras escritas. A avaliação oferece ao educador a possibilidade de acompanhar o
processo de alfabetização, compreendendo as hipóteses das crianças quanto à leitura
e à escrita, bem como entendendo de que forma a criança pode ser auxiliada nesse
processo.

57
Você pode estar se fazendo as seguintes perguntas: como comparar os alunos
em uma única provinha aos oito anos, no final do 2º ano? E como impedir os que já
evoluíram em suas compreensões de responder questões que para outros são
difíceis?

Progressivamente, à medida que o leitor se torna capaz de identificar correta


e rapidamente a grande maioria das palavras, o determinante mais
importante das diferenças individuais na leitura passa a ser a qualidade e a
eficiência das capacidades gerais (MALUF; CARDOSO-MARTINS, 2013, p.
16).

Assim, a avaliação precisa dar suporte às diferenças determinantes, e não


andar em sentidos contrários a elas.
A escrita ocorre por meio de um conjunto de habilidades e conhecimentos
linguísticos e psicológicos, que são inúmeros e distintos dos necessários para a
leitura. Será necessário desenvolver as habilidades e conhecimentos para decodificar
palavras escritas, entender informações contidas no texto e outras inúmeras
competências. Magda Soares (1995, p. 9) defende que: “[...] escrever é um processo
de relacionamento entre unidades sonoras e símbolos escritos, e é também um
processo de expressão de ideias e de organização do pensamento sob forma escrita”.
Como você deve imaginar, ambos os processos devem ser contemplados na
avaliação.
As etapas de ensino e aprendizagem na alfabetização e no letramento devem
envolver usos sociais, funções, habilidades técnicas e valores que vão muito além de
apenas saber ler e escrever (SOARES, 1995). Como todos esses ganhos, frutos de
intensos esforços subjetivos, podem ficar de fora da avaliação? Nem pensar!
Caso o processo de ensino e aprendizagem não leve em conta que há uma
evolução, por meio de estágios, na aquisição da leitura e da escrita, é possível exigir
das crianças que ainda representam a linguagem somente por meio de desenhos que
façam grafismos, rabiscos e apresentem concepções das distinções entre o desenho
e a escrita. Já é bastante difundido nos estudos sobre o assunto que, para além dos
recursos didáticos, métodos e manuais, as crianças buscam adquirir conhecimentos.
E não ficam isoladamente memorizando e repetindo supostas técnicas para se
alfabetizar, para serem avaliadas.
Você deve notar que os meninos e meninas são sujeitos de suas aquisições de
conhecimentos sobre a leitura e a escrita. Ferreiro e Teberosky trouxeram à luz uma

58
criança desconhecida à época de suas pioneiras pesquisas. As autoras escreveram
sobre a criança que: “[...] se propõe problemas e trata de solucioná-los, segundo sua
própria metodologia... Insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que
procura adquirir o conhecimento, e não simplesmente de um sujeito disposto a adquirir
uma técnica particular” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 11).

Fonte: www.fundacred.org.br

Além dos suores das mãos, as avaliações deverão incluir as certezas que as
etapas anteriores do planejamento e da execução trouxeram para a vida de meninos
e meninas com relação à leitura e à escrita. O longo e construtivo processo de
aquisição da lectoescrita é muito mais do que aprender a ler e escrever para fazer
provinhas. Não haveria sentido em apenas ensinar e nada querer saber sobre o
aprender. O certo é que o encontro com a escola é também o momento em que as
crianças descobrem a existência da avaliação. A palavra avaliação pode não ter uma
conotação pesada para todos os que passaram por escolas nos tempos de aprender
a ler e escrever. E tantos outros devem ter lembranças de apuros passados.
Nos últimos 30 anos, tanto o cenário educacional brasileiro quanto as leis
mudaram para garantir alterações na hora de ensinar, aprender e avaliar. Com o
passar do tempo, as salas de aula foram deixando de ser cenários de controle
excessivo, autoritarismo, punições, memorizações de lições acríticas, repetições das
mesmas lições, recompensas, pavores relacionados ao fracasso escolar, exclusões
em massa, excessivas reprovações e classificações dos mais fortes aos mais fracos.
Também foram sendo deixadas de lado as seleções favoráveis aos mais favorecidos
socioeconomicamente, as reproduções de desigualdades sociais, os comentários

59
demolidores das vontades de aprender e a certeza de que a avaliação era um entrave
aos sonhos das crianças e famílias de acesso pleno e bem-sucedido à cultura letrada.
A avaliação precisou afastar-se da escolha de premiar os melhores com
medalhas de honra ao mérito. Ela teve de insistir na garantia, contida nas leis, do
direito à aprendizagem ampla da leitura e da escrita a todas as crianças, utilizando
formas de avaliação individualizadas, capazes de fazer as dificuldades e
aprendizagens consolidadas emergirem.
Cordeiro (2012) afirma que, na década de 1990, surgiram várias discussões
sobre os mecanismos de exclusão. Além disso, os procedimentos de avaliação “[...]
se multiplicaram e, nos dias de hoje, todos falam sobre a inclusão, a progressão
continuada, o reforço escolar, a recuperação contínua e outros procedimentos
destinados a enfrentar o problema do fracasso e da exclusão” (CORDEIRO, 2012, p.
145).
No Brasil, ficou evidente a necessidade, pós-redemocratização, de repensar a
escolarização das crianças. Isso diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem
e também à avaliação. O avanço das legislações educacionais, o acesso às
teorizações ditas justas para a alfabetização mais eficaz de todas as crianças e as
ações em prol da alfabetização e letramento foram criando um lugar mais facilitador
para os desejos das crianças de aprender a ler e escrever. As atividades colocaram
as crianças em situações ativas no aprender, e as avaliações são realizadas com
sujeitos ativos e reais, independentemente de suas condições socioeconômicas,
levadas em conta na hora de planejar atividades.

6.2 A avaliação como um instrumento fundamental na qualificação do


processo alfabetizador

O processo longo e instigante da alfabetização requer um instrumento


fundamental para qualificar as suas práticas educativas. Tal ferramenta qualificatória
é a avaliação. “A avaliação é um instrumento de que dispomos para melhorar o ensino
a partir da observação dos processos e da aprendizagem dos alunos e com a análise
e a revisão das propostas didáticas que fizemos” (ZABALA et al., 2016, p. 145).
Os professores dos anos iniciais do ensino fundamental devem se indagar
amplamente sobre seus processos de ensino, aprendizagem e avaliação. Assim, terão

60
um projeto educativo para concretizar e avaliar. Os bons caminhos são as escolhas
metodológicas alinhadas com os objetivos e as finalidades pretendidas. Também é
fundamental o desenvolvimento de “[...] estratégias de observação para avaliar,
depois, o que realmente acontece em aula e os comportamentos e as atitudes dos
meninos e das meninas” (ZABALA et al., 2016, p. 139).
Para crianças com seis anos, na chegada ao ensino fundamental, são
essenciais ações pedagógicas que avaliem as potencialidades trazidas da educação
infantil. É importante avaliar os conhecimentos e habilidades adquiridas nessa etapa
da educação básica. Conhecer seus conhecimentos prévios sobre a escrita e
estimular a criança a prosseguir seus estudos e ampliá-los é tarefa básica da escola,
que “[...] deverá planejar sua intervenção a partir da informação que cada um dos
alunos possui sobre a forma e a função do código escrito” (ZABALA et al., 2016, p.
29).
Alfabetizar crianças a partir dos seis anos não é focar nos tradicionais giz,
quadro e cartilhas. Sempre é bom lembrar que o ensino, a aprendizagem e a avaliação
de tais crianças precisam ser pensados criativamente, já que os “[...] conhecimentos
delas advêm da interação direta — corporal, experimental, sensorial — com
elementos que agucem a curiosidade e que permitam experimentar, desenvolver,
sistematizar, conectar” (BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 141). É importante, a partir
desse ingresso no ensino fundamental, a garantia do “[...] desenvolvimento de sua
oralidade, de imersão nas diferentes linguagens simbólicas da cultura e no acesso aos
usos e às funções da cultura escrita em nossa sociedade” (BARBOSA; DELGADO,
2012, p. 114).
As legislações da educação básicas enfatizam que é necessário cuidado
constante com a avaliação não punitiva e não classificatória. Tal avaliação deve estar
aliada aos direitos das crianças à aprendizagem eficaz do ler e do escrever, bem como
ao direito ao acesso e à permanência tranquila na escola. Além disso, as legislações
adotam um currículo que pensa na sequência dos níveis, enfatizando o
aprofundamento das aprendizagens necessárias. Entretanto,

[...] muitos podem interpretar [esses elementos], em uma leitura aligeirada da


legislação, como possibilidade de antecipação de processos de ensino ou,
ainda, da desresponsabilização das escolas pelas aprendizagens
necessárias às crianças em cada momento do percurso (BARBOSA;
DELGADO, 2012, p. 115).

61
A avaliação, nos dois anos iniciais do ensino fundamental, passa pelo
acompanhamento e pela documentação do desenvolvimento das crianças. Isso é feito
pelos professores e já preconizado na BNCC, homologada com parecer do Conselho
Nacional de Educação (CNE) em 2017. Cabe aos educadores o processo permanente
de planejar ou rever as futuras propostas e metas, alinhadas à BNCC, a partir dos
dados das avaliações. A ideia é garantir as aprendizagens, sempre lembrando que as
crianças do 1º ano têm promoção automática para o 2º ano e direito a consolidar
verdadeiramente a sua aprendizagem. Com relação à proposta pedagógica, o 2º ano
deve dar continuidade à quilo que o 1º ano realizou.

Fonte: www.novaescola.org.br

O 2º ano parte exatamente de onde o 1º ano terminou. A continuidade será


definida a partir daquilo que já́ foi conquistado pelas crianças, tendo em vista
o trabalho diversificado em sala de aula, para atender à diversidade dos
processos de aprendizagem das crianças. A continuidade entre 1º e 2º ano é
uma responsabilidade da escola e dos docentes e não pode estar
desarticulada de toda a reflexão dos demais professores. No 3º ano, a
criança, já com o domínio da linguagem escrita, pode sofisticar seus modos
de expressão e comunicação. É a finalização do processo de alfabetização
(BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 143).

Qual é a avaliação adequada para qualificar o processo de alfabetização em


conformidade com a pedagogia da participação e em oposição à pedagogia da
transmissão? A pedagogia da transmissão é centrada nos produtos e na comparação,
nem sempre isenta de preconceitos, do que uma criança é capaz de fazer conforme
as normas. Já a pedagogia da participação é definida como aquela centrada nos
processos. Uma avaliação baseada nessa perspectiva não negligencia os erros e quer

62
investigá-los. Ela é centrada tanto na subjetividade quanto no grupo e reflete sobre as
aquisições e realizações das crianças. A pedagogia da participação:

[...] centra-se nos atores que constroem o conhecimento para que participem
progressivamente, através do processo educativo, da (s) cultura (s) que os
constituem como seres só cio-histórico-culturais. A pedagogia da participação
realiza uma dialogia constante entre a intencionalidade conhecida para o ato
educativo e a sua prossecução no contexto com os atores, porque estes são
pensados como ativos, competentes e com direito a codefinir o itinerário do
projeto de apropriação da cultura que chamamos educação (OLIVEIRA- -
FORMOSINHO; KISHIMOTO; PINAZZA, 2007, p. 18).

As atividades das crianças não poderão ser de outra ordem que não:
questionamento, planejamento, experimentação, confirmação de hipótese,
investigação, cooperação e resolução de problemas. Os professores alfabetizadores
deverão agir para estruturar o ambiente. Eles precisam estar atentos à escuta,
observando tudo, avaliando as crianças e seus intentos com elas constantemente,
replanejando a partir dos resultados, formulando perguntas, abertos aos interesses e
conhecimentos prévios das crianças e do grupo. No século XXI, deixaram de ser
preocupações centrais do educador, ao avaliar, as ações de testar, reforçar, punir e
só analisar os produtos. Hoje, a avaliação é um qualificador da aprendizagem.
A Base Nacional Comum Curricular, homologada em 2017, preconiza que nos
anos iniciais (1º e 2º anos) do ensino fundamental é esperado que a criança se
alfabetize (BRASIL, 2018). A alfabetização é o foco da ação pedagógica e se supõe
que isso traga uma consequência: a avaliação precisará dar conta desse processo. A
BNCC (BRASIL, 2018) prevê que o conhecimento do alfabeto é imprescindível para o
desenvolvimento do processo de escrita e leitura. Uma criança alfabetizada é capaz
de codificar e decodificar os fonemas (sons da língua) em grafemas/letras (materiais
gráficos), o que envolve o desenvolvimento de uma consciência fonológica (fonemas
da língua e organização em seguimentos sonoros como sílabas e palavras) e o
conhecimento do alfabeto em diferentes formatos (letras imprensa e cursiva,
maiúsculas e minúsculas). Além disso, a criança deve estabelecer relações
grafofônicas entre esses dois sistemas de materialização do português do Brasil.
A avaliação da alfabetização, possível a partir da BNCC, deverá levar em conta
todos esses elementos e ainda o processo de construção de habilidades e
capacidades de análise e de transcodificação linguística, presentes no processo
alfabetizador. Segundo esse documento, alfabetizar é lidar com a apropriação pelo

63
aluno da ortografia da língua escrita. Isso inclui a compreensão do longo processo
vivenciado em prol da construção do funcionamento fonológico da língua e a
necessidade de conhecer as relações fono-ortográficas (relações entre os
sons/fonemas, em suas variedades, e as letras/grafemas) (BRASIL, 2018).
Então, a avaliação da alfabetização precisará dar conta do funcionamento da
escrita alfabética necessária para a criança ler e escrever. Ela também deverá
comprovar que as crianças conseguem perceber as relações complexas
estabelecidas entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas). Já
que a ação pedagógica deve estimular a consciência fonológica da linguagem, as
avaliações irão analisar as crianças em suas habilidades de perceber sons e de
verificar como se separam e se juntam em novas palavras, em suas complexidades.

6.3 Avaliação e prática pedagógica no processo de alfabetização e letramento

A avaliação e a prática pedagógica devem percorrer trajetórias comuns no


processo de alfabetização e letramento? Com certeza. A avaliação do processo de
alfabetização precisa manter-se relacionada à aquisição da escrita e da leitura. Além
disso, ela implica avaliar o processo de aquisição do código escrito, tanto no que se
refere à escrita quanto no que se refere à leitura. Já o letramento vai além da condição
apresentada a respeito do ler e do escrever, apontando os usos sociais que a criança
faz do que aprendeu.
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco. No quadro das atuais
concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada
da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre
simultaneamente por estes dois processos: pela aquisição do sistema convencional
de escrita — a alfabetização — e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse
sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita — o letramento.
Portanto, alfabetização e letramento não são processos independentes, mas
interdependentes e indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto (e por
meio) de práticas sociais de leitura e de escrita. Isto é, ela ocorre por meio de
atividades de letramento. O letramento, por sua vez, só pode se desenvolver no

64
contexto (e por meio) da aprendizagem das relações entre fonema e grafema, isto é,
em dependência da alfabetização (SOARES, 2004).
A alfabetização é a apropriação de um sistema simbólico ou a decodificação de
signos? Ou será que tais processos se constroem paralelamente? Eles caminham de
forma paralela! Ainda assim, é prioritária a entrada da criança no mundo dos símbolos.
Operar com os símbolos e traduzir um conhecimento por outro são atividades próprias
da abstração e da simbolização, que se iniciam nos anos da educação infantil. Todas
as atividades da educação infantil devem desempenhar os seus papeis essenciais nos
dois anos iniciais do ensino fundamental, tempo de alfabetizar previsto na BNCC.

Fonte: www.oglobo.globo.com

E você sabe o que seria essencial planejar na prática pedagógica para


alfabetizar crianças e realizar a avaliação? As crianças precisam aprender, em
situações com função social, a refletir sobre a própria língua, a criar vocabulários
específicos, a experimentar estratégias para ler e a contar histórias vividas e
inventadas. Para o aprendizado da cultura escrita, é preciso construir a perspectiva
do arbitrário, do descontextualizado, do limite, do que está além do aqui e do agora.
É importante você lembrar-se de que a aprendizagem da linguagem escrita é também
uma alteração nas estruturas cognitivas, afinal o pensamento se materializa em
palavras. Como afirmam Barbosa e Delgado (2012, p. 123):

Alfabetizar não pode ser mais compreendido como ensino de letras e de


números, como treino gráfico ou trabalho que enfatiza as letras e as sílabas
isoladamente. Ler e escrever não se reduzem à aprendizagem mecânica de
uma técnica, não têm apenas uma dimensão perceptivo-motora, mas
cognitiva, cultural, social. A leitura não pode ser realizada de modo mecânico
65
transformando as crianças em leitores passivos e não críticos. A leitura não
deve se limitar à interpretação do texto, mas ser considerada um caminho.
Ler é mais do que decifrar, decodificar foneticamente; é produzir sentidos,
interpretar, compreender, relacionar, refletir.

Quando o educador de crianças em alfabetização fala em letramento (literacy),


se refere aos modos como seus alunos usam a língua escrita e as práticas sociais de
escrita e leitura. Assim, isso é uma referência ao estado ou condição do sujeito diante
da cultura letrada e do aprender a escrever e ler. Soares (2000, p. 17) revela que
implícita nesse conceito “[...] está a ideia de que a escrita traz consequências sociais,
culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em
que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la”.
O processo de letramento insere as crianças constantemente na cultura escrita.
Porém, todos, crianças e adultos, estão continuamente em contato com novidades a
serem enfrentadas no mundo, já que há constante mutação nos formatos da escrita e
da leitura. Assim, não é possível avaliar a alfabetização das crianças usando as
mesmas plataformas utilizadas, por exemplo, pelos seus avós, não é? Você deve
considerar que as crianças já nascem em contato com um universo repleto de letras.
Desde cedo elas são apresentadas a plataformas como computadores, tablets e
smartphones.
Tais novidades tecnológicas insistem em lembrar que o letramento,
contemporaneamente, não se inicia na entrada do 1º ano do ensino fundamental.
Como afirmam Barbosa e Delgado (2012, p. 122): “Pertencer à cultura escrita é muito
mais do que saber ler e escrever; é estar em processo contínuo de letramento.
Podemos até́ afirmar que hoje, com as novas mídias, estamos presenciando o
nascimento de novas formas de praticar a escrita e a leitura”.
Como você viu, alfabetização e letramento são tarefas interdependentes
(SOARES, 2004). Letramento é a “[...] ação de ensinar e aprender práticas sociais de
leitura e escrita e envolve a identidade e agência do aprendiz na aquisição da
linguagem” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 22). Portanto, é
imprescindível ver o letramento como uma base, ou seja, “[...] leitura e escrita são,
fundamentalmente, meios de comunicação e interação, enquanto a alfabetização
deve ser vista pela criança como instrumento para envolver-se nas práticas e usos da
língua” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 34).

66
O letramento é “[...] prática social de aquisição de significados da linguagem
verbal e não verbal, contempla um sistema linguístico que contém regras, estruturas
e significações construídas em contextos situados” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2013, p. 26). Além disso, o letramento serve para a reflexão dos
educadores, que devem entender a aprendizagem do letramento como processo
interno e autoguiado pela criança. Isso implica entender as etapas do ensino e da
aprendizagem pelo foco do aprendiz.
O sucesso de tal aprendizagem “[...] depende da decisão, da vontade e do
interesse de cada criança, de sua agência, o que tem gerado perspectivas que
valorizam a escuta da criança como ponto de partida da educação” (KISHIMOTO;
OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 26). As autoras lembram que “[...] Ferreiro e
Teberosky (1985) utilizam a noção de agência ou tomada de decisão como categoria
para explicar o funcionamento da mente e a aquisição de conhecimentos sobre o
letramento” (apud KISHIMOTO; OLIVEIRA- -FORMOSINHO, 2013, p. 26).
Programas educacionais que consideram as crianças como iguais não
beneficiam o letramento, mas dificultam a visibilidade dos significados e a pronúncia
de palavras. Quando o educador refletir sobre as diversas formas de letramento
presentes nas diferentes crianças que recebe em sua sala de aula será capaz de
conduzir o seu cotidiano com a certeza de que a aprendizagem é individual. Assim,
terá sucesso no “[...] suporte ao conhecimento de cada criança, [n]a organização das
classes para facilitar a aprendizagem de diversos aprendizes e [n]a relação com a
família e a cultura popular” (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p. 34).
A alfabetização, processo de ensinar a escrever e ler, representa uma
importante prática de letramento escolar e é caracterizada por:

Objetivar a linguagem em textos escritos, despertar a consciência para os


fatos da linguagem, analisar a linguagem em sua composição por partes
(frases, palavras, sílabas, letras). Conhecer a “mecânica” ou funcionamento
da escrita alfabética para ler e escrever significa, principalmente, perceber as
relações bastante complexas que se estabelecem entre os sons da fala
(fonemas) e as letras da escrita (grafemas), o que envolve o despertar de
uma consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons, como se
separam e se juntam em novas palavras, etc. Ocorre que essas relações não
são tão simples quanto as cartilhas fazem parecer (KISHIMOTO; OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2013, p. 92).

É possível conhecer pessoas que aprenderam em suas experiências


extraescolares. Pais, irmãos mais velhos ou outros familiares podem ter realizado tais

67
colaborações junto aos aprendizes. Só que a grande maioria das crianças das classes
populares conta com a escola para ser alfabetizada. As ações pedagógicas que
deixam a desejar na concretização do direito à aprendizagem das crianças devem ser
avaliadas e modificadas.

Fonte: www.abcdoabc.com.br

A avaliação no decorrer do 1º e 2º anos do ensino fundamental, levando em


conta a BNCC e a meta de a criança se alfabetizar durante esses dois anos, poderá
colaborar com uma prática avaliativa que caminhe ao lado da prática pedagógica no
processo de alfabetização e letramento. A base sugere que os educadores
acompanhem (e, portanto, avaliem) as capacidades/habilidades envolvidas na
alfabetização (capacidades de codificação e decodificação), a saber:
 Compreensão de diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros
sistemas de representação);
 Domínio das convenções gráficas (letras maiúsculas e minúsculas, cursiva e
script);
 Conhecimento do alfabeto português do brasil;
 Compreensão da natureza alfabética do sistema de escrita;
 Domínio das relações entre grafemas e fonemas;
 Facilidade para saber decodificar palavras e textos escritos;
 Tranquilidade para ler, reconhecendo globalmente as palavras;

68
 Ampliação da sacada do olhar para porções maiores de texto que meras
palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura (fatiamento)
(brasil, 2018).
A avaliação, parte integrante do processo de ensino e aprendizagem, está
ligada ao sucesso escolar das crianças, à alfabetização e ao letramento. A avaliação
na alfabetização colabora essencialmente com a qualificação do professor
alfabetizador. Como você viu, ela não pode ser punitiva e deve apoiar as tentativas e
ações bem-sucedidas da criança ao se alfabetizar. Além disso, é certo entender que
a avaliação deve sempre estar de acordo como a prática pedagógica desenvolvida no
processo de alfabetização e letramento.

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