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Historia O esplendor MANUELINO Principalmente durante o reinado de D. Manuel |, desenvolveu-se em Portugal uma decoracao arquitetonica exuberante, que influenciou sobretudo os arcos, as abobadas, as janelas € os portais dos edificios civis e religiosos. Sera um estilo genuinamente portugués ou simplesmente uma variacao do gotico final? perguntar a um aluno do ensino secundério 0 que é o manvelino, uvirdrespostas do género: “a arte que se desenvolveu em Portugal ainda com D. JoSo Il, mas sobretudo durante os reinados de D. Manuel I (de onde Ihe velo © nome) e de D. Jodo Ill sto é, entre 1490 € 1540, periodo de grande expanso maritima e comercial”, Porém, se dirgira mesma pergunta a Pedro Dias, catedrético aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, escutaré algo bem diferente: “Néo é mais do que a fase final do gético construido em teritério por tugués, que a historiografia tradicional con- sagrou.” 0 especialsta na drea de histéria da arte acrescentard, certamente, que a designa 80 foiinventada por Francisco Adolfo Varnha gem, em 1842, quando fez NoticaHistoricae Descritiva do Mosteiro de Belém, Para espanto dde muitos, concluiré que uma andlise obj a dos edificios do reinado de D. Manuel | indopermite detetar nada de essencial quendo exista outros, que esto localizados em varios ontos da Europa, da vizinha Castela até & Austria e & Republica Checa, passando pela Franga, pea Bélgicae pela Italia”. Embora o “estilo manuelino” esteja longe deser um tema pactico nanossahistoriogratia daarte, uma coisa écerta:foramoshstoriadores @ 05 escritores rominticos, como Francisco 78 SUPER Varnhagem, Almeida Garret e Luis da Silva Albuquerque, que ajudaram a disseming-o. ‘Assim sendo, impGe-se a pergunta: o“manve- lino” no passa de um equivoco? Segundo 0 historiador Paulo Pereira, “é provavel que sim, mas entio trata-se se calhar - e parado- xalmente - de um equivoco iti” Afinal, 0 que é 0 manuelino? Joo Lizardo, da Faculdade de Ciéncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, éperentério: *Constitui uma daquelas ‘coisas’ que toda a gente sabe o que é mas poucos, ou nenhuns, Conseguem definir.” Muitos autores consi deram-no simplesmente uma variacdo do “ gético flamejante” ou do “gético portugués tardio”, no se tratando de umestioartistico, mas de uma arte feta de muitos esis (curio: samente, até nsto se confunde como préprio. gético, ois também este éconsiderado “uma arte com varias faces”) Seja.o manuelino um estilo com caracterist- caspecuiiaes etinicas, comodefendemalguns, ‘ou apenas um dos titimos ramos do gético, como advogam outros, ninguém questiona que tevea sua origemnaarquitetura ogiva. Assim, antes de nos debrucarmos mais profunda mente sobre aarte manuelina, passemos 05 thos pela arte gotca, que Ihe deu origem 0 gotico nasceu na margem direita do rio Sena, mais precisamente na Basilica de S. Dini, pelas mos (lea-se: esbocos) do abade ‘Suger (1081-1151), que nao era arquiteto nem artista, mas tinha a pretensio de transformar ‘oseu templo roménico num espaco com outra propor¢do e luminosidade. Devido & sua formacgo académica, & sua cultura ea sua erudicgo, Suger possula conhe- cimentos geométricos e matemticos inova- ddores e tinha claramente uma nova conceco do mundo, do homem, da sua rela3o com Deus e dos espacos reigiosos, que, na sua opi- rio, deviam encher-se de luz solar, aradiaca0 divina, Para o conseguir, engendrou solucdes construtivas, como a revolucionsria abbada de cruzaria de ogivas, que permitiu aligeirar as paredes, rasgar grandes vitrais e banhar a casa de Deus” com a luz vinda do astro-rei (naquele tempo, dziase “Deus € Luz”). Esta, filtrada pelas imagens dos vidros policromet 0s, contribuia para desmaterializar a arquite turae converter os templos em espacos magi 0s, sobrenaturais e metafiscos, A principal inovaco da arquitetura gotica é ida 0 arco ogival, também conhecido “arco quebrado” ou“apontado”” Trata-se deumaestruturamais dindmicado que oestati co redondo usado na arquitetura roménica, € provoca menores pressdes laterals, perm: tindo melhor distribuicdo das forcas que as. cpulas exerciam sobre as paredes e os plares Assim, além de surgir nos portals, passoua ser usado também como elemento constitutive das absbadas, que passaram a fazer-se com ogivas cruzadas. Estas, com o peso mais bem distribuido, tornaram-se mais eléstcas e dina micas, permitindo aumentar a drea ea altura das construgdes, bem como a diversificacgo dos seus formatos: além dos retangulares, surgiram também os quadrangulares, ovais ¢ trapezoidais. Com abébadas mais leves e contraforte mais eficazes, oi possivel adelgacar as paredes rasgar janelas, que cresceram em niimero em tamanho, conferindo ao interior dos Seo eee! Senhora da Assuneao, em Eivas, 6 ‘considerada uma das mais notaveis eae ier eadifciosreigiosos uma incrvel verticalidade, uma exuberante estética e uma luz mistica, ‘emprestada pelos vitrais das amplasjanelas e das imponentes rosdceas das fachadas. ‘As transformacées nao foram apenas no interior: estenderam-se igualmente ao lado de fora dos templos. Assim, as entradas torna Tam-se monumentais eos pérticos auténticas de arte. As torres aumentaram em tamanho e nimero, terminando, amide, em pindculos rendilhados, acentuando a nogéo de verticalidade dos edifcios. Exteriormente, a decoracdo esculpida tornou-se mais exube- ‘ante, contrastando coma sobriedade interior. Ao espalhar-se pelos restantes paises euro- Interessante 79 E discutivel a tese de haver peus, o modelo parisiense foi aperfeicoado e adaptado, ecriaram-se especifcidades nacio- nais, que permitem falar, por exemplo, do ético ings, aleméo ou espanol ‘Sem entrar em pormenores, podemos dizer {ue no Reino Unido prevaleceram as catedrais. rmonésticas de corpo alongado, menores aber- turas transeptos duplos e cabeceiras quadra das, culminando no chamadh “‘gético perpen- dicular”: acentuago das lintas vertcais e da decoracdo alongada e linear, com abdbadas em leque. Na Alemanha, por seu lado, gene- ralizaramse as abbadas reticuladas eimpu seramse as igrejas-salo, em que o teto das raves laterais igualava em altura o das naves centrais,criando como que um espago tnico eamplo. Em Espanha, manteve-se a tendénca fran ‘esa, mas com uma decoraco mais exagerada, {que haveria de culminar, nos fnais do século XY, no estilo plateresco, influenciado pelo {éticoflamejante e pela arte drabe peninsular (0 mudéjar). Este gotico tardio espanhol ‘aracterizou-se pelas fachadas fortemente ‘omamentadas (geralmente,dvididas em trés ‘corpos) com um cinzelado minucioso, compo- sigo densa, motivos naturalistase incluso de escudos e de pindculos, fazendo lembrar esbeltas obras de ourivesaria, Haverd um gético genuinamente portugués? Hé quem diga quenéo, uma vez que, na genera lidade, as igrejas portuguesas seguiram gene- ricamente os principios estéticos e técnicos do gético internacional, com pequenas vara Ges. Por exemplo, apresentam plantas mais simples, dimensGes mais modestas e vertica lidade menos acentuada. As janelas so mais equenas e em menor nimero, os arcobotan- tes sio escassos e a decoracéo é menos rica €e menos exuberante, ingindo-se, no interior, 20s capitis das arcadas e &s cabecelrs, e, nO exterior, a0s portas. Hé também quem diga ue sim, aludindo a0 magnifico Mosteiro de Santa Maria da Vitéria, na Batalha, que serviu de escola aos artistas nacionais ede modelo a outras construsdes lusas. Ha ainda quem responda afrmativamente, defendendo que o gético verdadeiramente portugués se deve chamar“manuelino”, sendo uma entidade artisticaindependente, singular ecinica, de caractersticas definidas e distin: tivas. Terd nascido no Mosteiro da Batalha, ‘em apenas cinquenta anos, desde 1490 a 1540, disseminou-se pelo vastissimo império 80 suPeR Cee eae cr Sa ONE ma honvosa exceg cece portugues, desde o Minho asithas atlanticas, as costas de Africa e as distantes feitorias ultramarinas, como o Brasil ea india ‘As construcSes do periodo manuelino man- tém, habitualmente, as estruturas géticas essentials, como as plantas, os sistemas de sustentagao, a composicao dos alcados e 2 ‘combinagao das volumetrias. Acrescentam, ‘no entanto, novos conceitos de espaco e ilu: ‘minaco: nos tempos, por exemplo, as naves ‘surgem todas & mesma altura ou na forma de igreja-salo, de origem alema. Apresentam também elementos estruturais e decorativos inovadores, como os muitos tipos de arco (abatidos, canopiais e polilobados, por exer plo), de abdbadas (com nds, nervadas em estrela ou com nervuras curvas) e de portais (apenas dependentes da imaginacgo crativa dos seus artfies) No manvelino, existe, geralmente, o gosto pela ornamentacdo profusa, exuberante e exagerada, colocada sobre certos suportes arquiteténicos, como portas e janelas, antect pando um certo barroquismo. Essa exuberén {a decorativa vive essencialmente do trabalho escult6rico, comrrelevos de finos cinzelados e rendilhados. Na tematica decorativa, eviden ciam-se 0s motivos naturalstas, de influéncia vegetalista e marinha, ea simbologialigada & exaltagdo da patria e& herdldica régia, como a esfera armilar ea cruz da Ordem de Cristo Volvido meio milénio, embora se tenha per ido muita coisa (paléciosrégios e da grande nobreza, casas de burgueses, cmaras prises, hospitas trbunais, potes, albergarias, stale sens, etc) que no resist’ erosdo do tempo As grandes obras Q Mase dB anda por D. Joao, como agradecimentoa "Nossa Senhora pla vitoria de Ajubarrota, «em 1385, como seu esplendoroso rendi- lado de pedraeo seu gotico lamejante,é considerado como amais novel criss da arquiteturagotica nacional eo bergo do ‘manuelino, Segundo os specialists, foi czatamente na Batalha, mais preisamente no portal de entrada na rotunda de D. Duar- te mais conhecida como “capelasimper- feitas", ques localiza a primeira, uma das melhores, realizagées manueinas.O portal €constituido por dois pilares colossais, decorados dos dis lados, com motivos geo- miétricos e arquitetonicos em pétrea fligra na, subdivididos em colunlos todos com temas diferentes, ue sobem até aos arcos trilobados, Sem divida, ¢ uma obra impres sionante pela sua delicadera,originalidade e srandiosidade. orém, 0 manuelio da Batalha no se cinge ao esplendoroso portal da rotunda ‘ctogonalrscado por Mateus Fernandes: surge, igualmente, na abébada que cobre a ‘ona de ligacio entre este portal eo extra- dorso da cabeceira tragaoe drigido por Jodo Castlho, nos arcos do claustro real, ddecorados deforma naturalist vegetalista, incluindo esferas armilaes e cruzes de Cristo, eno pilaresinacabados das capelas imperfeitas, que anunciam uma ma abgbada igualmente manuelna, mas que !uncaseconcretizou (data designagdo de “imperteitas”atribuida is sete capes que serviram de pantedo ao reiD. Duarte suafamflia). Segundo Joio Paulo Sacadura, autor de Patriménio da Humanidade em Por tugl, "sa tradigio desculpa que se chame ‘imperfitas' a estas capelas tio perfeitas siomas formas ena decoracio, na liz eno lavor da peda. Mais para o interior do tertério, em Tomar, encontramos outa joa manuelina: ‘© Convento de Cristo. Ardem de Cristo teve como governadore eadministrado- res oinfanteD. Henrique eD. Manuel © desempenhou um grande papel na epopeia dos Descobrimentos, como suporteideol6- ico e material a sua cruz toenou-se simbo- odo monarca foi pelos mares, nas velas nacionais até 20s quatro cantos do mundo, chegando a todos os continents. (© Convento de Cristo é um auténtico mostruirio da histria da are, uma vez que esto nelerepresetadas todas a fases ‘stéticas da arquitetura nacional, desde osé- calo XI até ao século XVIII: 0 romanico e bizantino da charoa; 0 gético dos claustros hentiquinos; 0 manuelino da igre; orenas ‘cimento dos corredores do dormitsrioj 0 ‘mancirismo do clausro principal; o barroco "Nos Jerénimos, ex-bvis do manuelino, quase todos os recantos parecem encantados. da portaria norte. Contudo, atendendo ao tema deste artigo olharemos apenss para aigreja, um edficio que exibe orgulhosamente a decors. ‘so grosseirae ao mesmo tempo deicada do ‘manvelino, na sua fase mais pajante. ‘Logo entrada da igrja,na sua fachada sul, Aepararno-nos com o magnifico pértico da entronizasio da Virgem, uma obra de grande ‘iqueza plisticaaribuida a Joio de Castlho, em 1515, integrando imagens de profetas santos da autora do seuirmio Diogo. A sua originaidade advém da combinagdo entre imagens lamejantes, os elementos manulinos ¢ isabelins, os grotescos protorrenascentstas «com folhagens, péssaros¢ amores, e trechos da mitologiagrega esculpidos “3 romana’, num Aibridismo peculiar Namesma data Joio de Castiho teré também elaborado a absbada da Sala do Capitlo, onde se localiza 0 coroalto, que, no entanto, foi «omegada em 1510 por Diogo Arruda, a quem se atribui também a fachada enteror poente desseedifcio, Uma ver que coro ea sla do ‘capitulo ocupam dois pisos, iso é asinalado ‘no exterior por duas famosas e formosa aber: turas: a janela da sala do capitulo, em bao, ¢ ‘em éculo cimeiro cya decoragio simula uma “velaufanada pelos ventos oceinicos’, como cescreveu Pedro Di Ajanela inferior épresenga obrgatéra em todos os manuais de hstéiae uma referéncian inevitavel quando se fala de arquitetura ma ‘elina uma vez que &considerada a criagio ‘mais original esimbélica do estilo manuelino”, tum verdadeiro“poema de pedra",como Ihe chamou o historiadorVieirade Guimaries. Na obra, destacaseaespetacula volumetria do ‘manuelino recheadz de sugestdes vegetalis- ts naturalistase martimas, como esponjas€ ora, algase madrepérols, cabosecalabres, Ancora ecorrentes, redese pesos, aguadores curves (usados para molhar as ves enfuna- sas), ondas eventos, cies e gatos que acom- panhavam as nause fauna e fora da tera edo ‘mar. Enfim, um alarde de motivos martimos «que parece imortalizar os eitos portugueses& dlescoberta do mundo ou, ome alguém disse ‘um dia fazendo lembrar “a nau de Vasco da Gama, i volta do Oriente, trazendo agarrada 40 casco do seu navo fantasma a fauna ea flora maritima do mar das Indias” Muito mais havera para dizer sobre aigreja do Convento de Cristo, ma échegada a hhora de visjar at Belém, a beia do Tejo, para vista aquele que fo, sem dvida, um dos maiorese mais importants estaleros manuelinos do testério continental. Basta colhar para o Real Mostiro de Santa Maria de Belém, vulgarmente conhecido como Mosteiro dos Jerénimos, ou para o Castelo des, Vicente, bluarte que todos conhecem como Torre de Belém, paraperceber o que foio poder (materiale simbdlico) do rei vventuroso do Sacro Império eda cidade de Lisboa, que nas primeiras décadas do século XVIse assumiu no apenas como cabega do reino, mas também da Europa e do mundo. Uma vez que tanto.o mosteiro como a torre sio dos monumentos mais notéveis, conhecidos vistados do pais, no lhes dedicaremos muita tnta,embora houvesse uma imensidade de informagaesehistérias interessante para conta. Nos Jeréni ‘mos, quase todos os recantos parecem ‘encantados e merecem observasio atenta, desde a igreja ao claustro real e a0 grande dormitéro, riscados plo “mestre das obras do reno", Diogo Boitaca, que, em 1502, também se langou a empreitada da Torre de Belem. Curiosamente,a cobertura do tem- ploe muitas outras obras, nomeadamente no claustro real enas dependéncas nex, Slo posterioes 1517. ji contaram coma assinatura do mestreJoto de Castilho. Este também foi responsivel pelo famoso portal sal da igreja monéstica, qu se “organiza numa escala sem paralelona arte portu- sguesa, como um verdadeioretabulo que selebra Nossa Senhora de Belém, mas que ‘igualmente entroniza a figura emblemitica do infante D. Henrique, representado no painel central’, como escreveu Pedro Dias, Esta “porta da crstandade’ devido sua sumptuosa monumentalidade e eximia ddecorago figura entre os mais espléndidos portis do mundo, interessante 81 | | Tambem teve expressao .©205 humores dos homens, anda se conserva parte signficativa deste patrim6nio imp. Para termos uma ideia do que ainda rest, faremos uma breve viagem pelo teritério con tinental, por algumas das obras arquiteténicas mais signficatvas, tanto civis como reigiosas. (omanuelino também penetrou na arcuitetura militar, embora aos vestigios sejam menos evidentes aos olhos dos leigos)- Ngo setratade um inventério exaustvo, mas apenas de uma pequena lista de edficios, que oleitor poder querer vista, para observar a fantésticaarqui tetura manuelina e perceber toda a dimensso do fenémeno construtivo quinhentisa, fre uentemente mesclado com outros estilos artistcos,exigindo por isso um olho atento. Comecemos, entéo, pelas margens do rio Minho e pelas terras férteis e verdejantes do Douro Litoral, onde predomina o granito. No inicio do século XVI, esta era azona mais ovoada de Portugal, com maior concentracéo de pardquias,igrefas, conventos, mosteros e residéncias senhoriais,espalhadas pelocampo. No interior, medravam povoados como Melgaco, Mongo, Valenca, Vila Nova de Cer veira, Braga, Guimarses, Barcelos, Ponte da Barca e Ponte de Lima, entre outras. Junto a0 mar, destacavarse as povoac6es portusrias: Caminha, Viana do Castelo, Via do Conde e © Porto. E exatamente na faixalitoral que encon- tramos 0s melhores vestigios manuelinos, a comecar pela igreja Matriz de Caminha, cuja cobra fol iiciada em 1488. Aina que tenha comecadono reinado de D. Manuel terminou ‘muito mais tarde, pelo que os ports frequen- temente datados de 151, 580s renascentistas, eo teto de tradigdo mudéjar esté datado de 1565, Merece destaque tore sineira, que deve- ria servir também como ponto de observacio e atalaia, dada a sua posicdo prvilegiada em relagdo 20 mar, porta de saida e de entrada para paragenslonginquas. Mais a sul, basta um breve passeio pelo asco antigo de Viana do Lima, hoje conhecida como Viana do Castelo, para descobrirportase janelas de recorte manuelino Refira-se, como exemplo,a casa dos Costa Barros, na Rua de S. Pedro, com as janelas do andar nobre num manuelino pujante, ea casa de Jodo Velho, ‘quase colada 3 Igreja Matriz, com um grande {arco abatido no piso térreo e janelas de cr zeta no andar nobre. Consta que terd sido ‘aqui que ficou instalado D. Manuel | quando, 82 SUPER «em 1506, se drigiua Santiago de Compostela Continuando a descera costa, encontramos tuma das principais povoacSesribeirinhas do tempo dos Descobrimentos, Vila do Conde, nde os historiadores identfcaram um impor: tante conjunto de casas de habitacdo e estru turas quinhentistas, com portas ejanelas de tracado manvelino. Para as descobrir, basta percorrer as ruas mais antigas, como as da Igreja, da Misericérdia, da Costa. do Socorro, ‘O Largo de S. Roque, etc. Atente-se na lgreja Matrie de S. Joo Batista, cuja obra foiimpul sionada pelo préprio D. Manuel |, aquando da sua passagem por Vila do Conde, em 1502. ‘Segundo os especialistas, trata-se de uma construggo marcadamente manuelina, pelos ‘motivos martimos expressos na decoraco do portal, os arcos das capelas sobretudo do ‘transept epelarica decoracéo das abdbadas das capelas mor, absidais e do transepto. Na cidade do Porto, quase todas as cons: trugGes manuelinas foram apagedas do mapa Existe, no entanto, uma honrosa exce¢go, 2 ‘apela de Joo Carneiro (também conhecida como capela do Desagravo), que persiste no interior ca igrefa do Convento de S. Francisco, tum dos mais antigos edifcios do gético pr mério portugués, cuja estrutura original esta encobertapelas talhas douradas do barroco e do rococé, dos séculos XVII eXVIIL. A capela, apesar das suas redutidas dimens6es, € con- siderada uma joa arquiteténica manuelina, resultante do risco de Diogo de Castiho, que também trabalhou nos mosteios dos Jerdni- ‘mos, em Lisboa, ede Santa Clara,em Coimbra, Rumando ao interior, chegaremos a Braga, ‘onde o arcebispo D. Diogo de Sousa, vindo de Roma em 1505, comboa capacidade econdmica @ aprotecio de D. Manuel |, deu inicio a uma intensaatividade construtiva que 6 terminou com a sua morte, em 1532. Muitas das cons- trugdes desse periodo de grande esplendor desapareceram para dar lugar a outros estos, «como o barroco eo rocacé. Restamaabébada da capelarmor da Sé, de 1509, assinada por 4030 de Casio. Este meste também projetou e levantoua galié da sé bracarense, com trés arcos frontais debruados de cairés e abdba- das de nervuras cruzadas de tracado reto. “Muito mais haveria para dizer sobre os ves tigios manuelinos rligiosos e cvis de Braga, GuimarSes, Mongo, Ponte de Lima, Penafiel, Paredes e outras antigas vila do Minho e do Douro Litoral, mas importa continua anavege do para Trds-0s Montes, Alto Douro e Beiras, ‘onde ndo havia ancoradouros maritimos, mas se localizavam importantes portos secos, que estabeleciam relevantes transacbes comer- ciais com as terras de Leo e Castela. Como é natural, na zona fronteirca, a prin pal preocupacSo no foi com a arquitetura religiosa, mas com a melhoria das defesas, tendo sidointroduzidas, durante oreinado de D. Manuel, benfeitorias em quase todos os «astelos, fortficacbes e cercas de cidades e vila. Dito isto, poderaficar a idea de que os. vestigios manuelinos surgem, sobretudo, na arquitetura militar, 0 que néo é verdade. Na maioria das povoac6es raianas, a arte manue- lina continua associada aos edificios religiosos € 2s habitagdes quinhentistas que ficaram ‘esquecidas no interior dos cascos urbanos mais antigos. Em Braganea, por exemplo, merece destaque a Igreja de Santa Maria, que, pese embora os ‘muitos melhoramentos realizados em épocas posteriores, mantém a sua estrutura manue- lin, sobretudo nas arcadas que dividem 0 corpo do templo em trés naves, obra de tiolo edificada segundo a tradicéo mudejar. 18 em Miranda do Douro, o destaque vai para as «casas do tempo de D. Manuel | ou posteriores, bem conservades, nas quais existem portas € janelas molduradas 8 maneira manuelina, com arcos quebrados ou de volta perfeta Em Freixo de Espada a Cinta, olhamos para a Igreja Matriz, comegada no tempo de . Manuel |, mas s6finalizada no reinado do seu filho D. Jogo Ill € uma igreja-salao com abébada quase plana repousando em pilares finos, que demonstra a boa capacidade dos técnicosresponséveis edo projetista Diz quem sabe que jé 0 mesmo no se pode dizer dos portais e outros elementos decorativos,rudes «populares, obras feitas por artistas com uma educagio menos erudita Anda no interior da vila, merecem destaque as casas quinhentstas docasco ist6ric, cujasruas, como a Direitae a das Flores, convergem parao casteloe para Igreja Matriz. As janelas esto frequentemente debruadas por vergas eombreiras manuelinas, com alguns elementos naturalists. Passando para araia beir8, continuaremos a encontrar interessantes vestigios manuel: ‘nos, como acontece, por exemplo, na Igreja Matriz de Vila Nova de Foz Coa, que exibe um Ventos favoraveis a historia da arte, comum ligarse formas artisticas.a determinados mo- nareas ou dinastias, como “Tudor”, "Lis XV" ou “issbeino" respeivamente, no Ambito da arte ingles, francesa e espanbola (0 isabelino”refere-e a0 gotico final, do tempo dosreis catdlicos,em bomenagem & rina Isabel). Porterras sas, isso também aconteceu: por exemple, associa-se DJoio V (1689-1750) 20 “barrocojoanino” eD. Manuel I (1469-1521) 20 “manuelino", mesmo sabendo que est estilo artistco comegou no reinado de D. Jodo (1455-1491) e se estendeuao de D. Joio Il (1802-1557). Porém, 0 esplendoraristico de uma época nio depende apenas do gosto do monarca vigente, mas da habildade dos abreirose, sobretudo, da riqueza ds seus encomen- dadores. Assim, 0 manuelino beneficio dos resultados de uma boa governacio ‘ede excecionaiscondigies econémicas, socais,politias, culturaise simbdlicas, em resultado dos Descobrimentos uma fase na histéria do reino em que Portugal navegou (lteralmente!) na diantera das grandes nagGeseuropeias. Entre as diversas motivagdes para desbravar caminhos desconhecidos eenfrentar peri- gosos adamastoes,estavaa crenca de que Portugal tinha 2 misio divna de expandir ‘af crit efandar o Quinto Império da profeca de Daniel. Estas pretenses messil- ‘eas foram incorporadas por D. Manuel designado por diversos autores estrangeiros ‘como “rei dos mares’, uma vez que ele acreditava que hava “sinis” que indicavam tersido“escolhido” por Deus para grandes feitos. Por exemploa forma insdlita como se tornou monarca (apés a morte de todos ‘0s outros herdeiros do seu primo D.Joio Il, ‘0"Principe Pereito"),o significado da ‘esfera amilar, que Ihe fora concedida como divisa, 0 eu proprio nome, Emanuel ("Deus connosco",emhebraico. Alm da esperanga num futuro profitico€ Ienditio, os Descobrimentos respondiam, ‘A janela do Convento de Cristo, em Tomar, ‘6 uma exaltacdo da simbologia manuelina. naturalmente, os interesses dos guerreros dda pequena e média nobrezaedos agentes ‘econémicos ligados a0 comeércio de ceresis, asicar, escravos e out entre outros. O- tenta e trés anos depois da primeira viagem ‘maritima (a tomada de Ceuta,em 1415), 08 interesses comerciis estenderam-setam- ‘bam 3s especiarias, quando Vasco da Gama chegou India, em 1498, pela rota do Cabo, «se iniciouaimplantagio do dominio portugués no indico, desde o cabo da Boa Esperanca ats costs da China edo Japio. Finalmente, em 1500, coma chegada de Pedro Alvares Cabral ao Brasil acentuow-se ‘economia agucareira, impulsionada pelos colonoslusose por escravos aficanos. Com os Descobrimentos, dinamizaram-se nnovas rotas comerciais, como as do Cabo, do Allintico e do Extremo Orient, por ‘onde crculavam variadas mercadorias ¢ riquezas que trouxeram fortuna, prosper- dade eprestigio a0 povo uso. Assim, nas «cinco patidas do mundo, os portugueses deizaram o seu sabere sua cultura (alin- gua areligit, aarte,a ciéncia, et.) e para 4 Europa trouxeram novos conhecimentos « produtos, esenvotrendo novos gostos € estilosatisticos, ‘Consciente da importincia do seu império, ‘D. Manuel fez cunhar uma moeda de ouro ‘quase puro ede uma dimensio inédita, 0 Portugués, que ostentava, numa das faces, 0 escudo real de Portugale o nome eos novos titulos do monarca: "ei de Portugal e dos ‘Algaeves,d'aquém ed’ além mar em Africa senhor da Guing, eda conqust,navega- 0 ecomércio da Etidpia, Abia, Prsiae {ndia". Na outra, a moeda exbiaacruz da ‘Ordem de Cristo, controlads pela coroae ‘eavolvida nas exploragdes maritimas, ea inserigi In hoc signo vince, que significa “com este sina venceis” Sem divida, poder, ariqueza ea religio- sade sio celebrados no “portuguts’, mas também na arquitetura manuelina, memé- rias deuma época de ouro sem paralelo na historia de Portugal, interessante 83 2 esquerda, portal monumental da capela de S. Miguel, em Coimbra. Em cima, ‘a Sé de Lamego, um edificio romarnico com trés belos portals do reinado de D. Marve | As construcées algarvias foram belo portal naturaista com gigantes laterais a emoldurar as arquivoltas e o remate destas, onde esto as armas reais ea esfera aril. Notase uma certainfluéncia da arte de Cas tela, no s6 na frontaria, mas principalmente no coroamento do templo com trés aberturas para albergar os sinos ena guilanda j renas- centista Continuandoa descer ao longo da fronteira, passamos pela Igreja Matriz de Vilar Formoso, Cuja capela-mor apresenta um teto mudéjar de lagaria policromada, mas s6 paramos na Guarda, para apreciar as absbadas da Sé da cidade mais alta de Portugal, construidas por Péro Henriques e Filipe Henriques, flhos do mestre de obras do Mosteiro da Batalha, entre 1504 € 1516. 0 vestigios manvelinos espalhamse tarn- bbém pelos concelhos da Coviha, Fund, Cas telo Branco, Belmonte, Penamacor, Lamego e Viseu, denunciados pelo tragado das ombrei ras e vergas das portas e janelase pelos por: tals eabdbadas dos espacos relgiosos. Para terminar ajomada bea, escolhemos Coimbra, capital do reino durante os primeiros 84 SUPER tempos da nacionalidade e igualmente acar nnhada por D. Manuel Antes de descermos até ’4 margem direita do Mondego para apreciar ‘a magnifica fachada da igrefa do Mosteiro de Santa Cruz (bem como o seu interior, nomea- ddamente o Claustro do Siléncio), projetada por Boitaca, entre 1507 € 1513, a qual foi acrescentado o portal, em 1522, desenhado e ‘construido por Diogo de Castilho, vale a pena espreitar 0 Paco Real, que ¢, na atualidade, a Universidade. Também aquise encontram elementos deco- rativos manvelinos (gigantescos cubelosvira- dos & cidade, com coruchéus e coroamentos de ameias, que evocam as defensivasantigas) as grandes janelas da Sala dos Capelos. Na praca, por onde se passeiam dariamente estu dantes eturistas,émpossivelficarindiferente 20 portal monumental da Capela de. Miguel, com uma composicéo naturalista de moti- vos vegetalstas, onde néo faltam as armas as empresas régias, como a esfera armilar @ a cruz de Cristo, Segundo 0s registos histd- ricos, foi construido por Marcos Pires, entre 1517 21521 Sendo Lisboa a capital do reino, ou seja, 0 centro nevrdlgico do pais da gestio do vasto império ultramarino, no admira que tenha sido a drea geogréfica, apar da Estremadura, ue viveu maior impeto construtvo, na época de D. Manuel . Assim, ndo seré igualmente de estranhar que seja a regiéo do pais onde se encontram os edificios mals marcantes e ‘monumentais, como 0s mosteiros dos Jer: mos eda Batalha, a Torre de Belém ou 0 Con- vento de Cristo, em Tomar. Porém, ha muito mais aquém e além-Tejo. Desde logo, em Alcobaca. Embora 0 mosteiro cisterciense seja 0 berco do gético portugué ‘uma vez que foi fundado em 1153 e concluido ‘em 1252, também se encontram obras manuel nas, como as arcadas atas do Claustro Real ou trio da sacristia, com os dos portas, edi «ados por Jo de Castiho, em 1519.05 portals Go exuberantes, exbindo troncos esgalhados a cingiro vo, continuados superiormente por ramos arbéreos, repletos de folhagem, ‘Aprsximaparagem seranas Caldas da Rainha, na Igreja do P6pulo, “um dos monumentos rmais importantes deste periodo”, nas palavras de Pedro Dias. Esta tema particularidade de ter sido instituida pela rainta D. Leonor, im ddeD. Manuel | num dos extremos do hospital termal, exibindo a porta da sacristia um lavor ‘escultérico de excecdo e as nervuras da abé- bada uma elegdncia insuperdvel, com porme- ores decorativos também de altssimo nivel ‘Ai perto, em Obidos,sd0 muitas as casas populares que conservam portas e janelas ‘manuelinas. Entre Obidos e Lisboa, bem como ra capital, s80 indmeros os edificios, sobre: tudo gras, que preservam parte da estrutura dda €poca manuelina, ou entao apenas os por- tals, as capelas mores ou as capelascolaterais. ‘Omesmo acontece na eo de Santarém, com destaque para a igreja Matriz do Sardoal (um ‘exemplar tipico da corrente mais sbbria da arquitetura manuelina) e a igreja de Nossa Senhora da ConcecSo, na Golegs (com um por talde umpujantee rico naturalsmo, com pares torsos, pergaminhosletreiros eas inevitaveis, alusOes a D. Manuel, como a cruz de Cristo) Nos péripos alentejanos, vale a pena parar emSetibal, Portalegre, Castelo de Vide, Evora, Beja eElvas, além de outros pequenos ugarejos ‘onde persstem resquicios manuelinos. Quase todasascidades e vila alentejanas conserva vestigios ou edificios completos desta épaca, indiscutivelmente com valiaartistica e inte- resse histdrico, mas que ¢ impossivel refer aqui 'Naregido setubalense, sdhd tempo para falar da igreja de S. Gido, com um portal de exube- rncia extraordinéria, associando elementos naturalistas com outros tipicos das obras de ourivesaria e dos tecidos, e do Convento de Jesus, fundado em 1490, por D. Justa Rodri ‘gues, ama de D. Manvel ‘AMANEIRA DOS REIS CATOLICOS Na zona de Evora, além das janes, miran- tes e varandas que sobreviveram em palécios e casas nobres, merecem referéncia alguns edificis reigiosos, como aigreja do Convento de S. Francisco, & qual se acede por um ele gante portal em mérmore, sobre o qual estio (05 habituais simbolos de D. Manuel |, que patrocinoua obra. O coroamento geral é feito por ameias de cariz decoratvo, ¢os pinéculos tradicionais foram substituidos portores cn ‘as, muito tipicas da arquitetura alentejana em tijolo, Trata-se apenas de uma pequena amostra do muito que h para ver, tanto na cidade como nos arredores, desde varios conventos (por exemplo, 0s dos Loios e de S. Domingos), passando pela Ermida de S. Brds ouaté mesmo pelo grande paco real, que D. Manuel mandou edifcar & maneira dos reis catolicos, como ele vira durante as suas varias viagens a0 reino vizinho. Antes de atravessarmosa serra do Caldergo chegarmas a terras algarvias, ainda damos um pulo a Elvas, para espreitar a igreja de Nossa Senhora da AssungSo, considerada uma en een ere merece destaque a torre sineira das mais notvesigrejas manuelinas. Por fora, 0 destaque vai para 2 grande torre sinera da frontariae para o éculo eos portais manuel- nos. Por dentro, tem um plano de tr naves € cinco tramos, com a nave central coberta por uma abdbada com cademas, cruzeros ¢ terceletes, destacando-seo lavor das chaves, com o brasdo de Portugal, a cruz de Cristo eo brasio da cidade. No Algarve, a generalidade dos edificios manuelinos desapareceu, ndo apenas pela inciria humana, mas sobretudo devido aos grandes sismos que atingiram a regigo, rnomeadamente o de 1755. Das dezenas de tempos levantados ou reformados no inicio do século XVI, restam pouco mais de uma dlizia de portals (como o da igreja da Miser cérdia, em Slves, ou 0s das igrejas matrizes do Alvor, de S. Bartolomeu de Messines ou da Luz de Tavira). Também ha algumas casas algarvias com portas e janelas manuelinas, ‘mas muito poucas, especialmente nos nucleos antigos de Tavira Faro. ‘Ajomadaliterria termina aqui, mas oleitor pode (e deve) continuara viagem, deitar pés ‘30 caminho e partir & descoberta de uma arte que marcou o perfodo mas dureo danossais- tériae a nica que merece a chancela de made inPortugl. on interessante 85,

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