Você está na página 1de 17
® ATITUDES E REPRESENTAGOES SOCIAIS Willem Doise Professor da Universidade de Genebra (Suiga) homas e Znaniecki (1918) introduziram a nogio de atitude em Psicologia Social ha menos de trés quartos de século. A maioria dos psicdlogos sociais passa agora uma parte importante de seu tempo a estudar diferentes espécies de atitudes, por ocasiao de sondagens de opiniao, de pesquisas sociométricas ou de experiéncias de laboratério ou de campo, pari citar apenas alguns contextos nos quais as atitudes sao atualmente estudadas McGuire (1985, 1986) é um dos psicélogos sociais que acompanhan de perto o desenvolvimento dos estudos que utilizam essa nogao-chave. Ele distingue trés grandes periodos na hist6ria das pesquisas sobre o assunto. O primeiro periodo (anos 20 e 30) foi consagrado sobretudo a medida das atitudes; 0 segundo (anos 50 e 60) estudou os processos de sua mudanga; atualmente, desenvolveu-se uma abordagem estrutural e sistémica das atitudes. Dois entremeios se intercalam respectivamente entre 0 primeiro e o segundo perfodos (por volta de 1935 a 1955), quando os psicélogos sociais investiram seus esforgos mais no estudo da dinamica dos grupos; entre 0 segundo e 0 terceiro perfodos (por volta de 1965 a 1985), quando se interessaram sobretudo pela cognicdo social (a esse respeito, ver, neste livro, nosso capitulo sobre Cognigdes e€ representagdes sociais). A seguir, utilizaremos estas grandes fases, descritas por McGuire como Teferéncia, para situar as pesquisas sobre as representagoes sociais. Estas liveram inicio durante 0 segundo perfodo, mas € preciso remonta' origens Para apreender toda sua originalidade. Desde ja, assinale-se que nossa excursdo historica nao tem a pretensdo de resumir os escritos de McGuire e que £ anvolveremos pontos de vista que nao sao todos imputaveis a nosso colega versidade de Yale. lew Willem Doi 188 Quando Thomas € Znaniecki (1918) publicam 0 primeito volume g seus estudos sobre 0 camponés polonés na Europa e nos Estados U . associam valores sociais e atitudes psicol6gicas. Os primeiros sio considerader como elementos objetivos préprios ao modo de vida coletivo e social de um grupo; as segundas como tendéncias ou disposig6es para agir, igualmente objetivas e observaveis, mas prdprias aos individuos membros desse grupo. Uma preparagio culindria, uma moeda e um diploma universitario podem constituir também valores culturais préprios, aos quais os membros dessa cultura se esforgam para aderir. As atitudes sio para Thomas e Znaniecki a vertente psicolégica de uma realidade cuja vertente sociolégica é constituida pelos valores. “A atitude € um mecanismo psicolégico estudado principalmente em seu desenrolar, em relagéo ao mundo social e em conjun¢4o com valores sociais” (Thomas e Znaniecki, 1918, p. 23). O esforcgo de muitos autores do primeiro periodo, como Thurstone e Chave (1929) ou Likert (1932), consiste em individualizar ainda mais as atitudes pela construgado de instrumentos de medida, visando a situar diferentes individuos, uns em relag4o aos outros, em escalas de atitudes que medem suas diferencas de disposigao em relagdo a objetos de atitudes especificas como a Igreja, um partido politico ou os negros. Esta centragao do esforco sobre a medida das diferengas entre individuos relega a segundo plano o estudo dos vinculos entre atitudes e valores sociais, no sentido de Thomas e Znaniecki. As realidades sociais objetivas sio consideradas entidades em si que, no maximo, situam-se em dimensées fixadas de antemio, como as de avaliagdo, de poder e de atividade (Osgood et al., 1957). A realidade social chamou a ateng&o dos psicdlogos sociais, americanos ou refugiados nos Estados Unidos, com a crise dos anos 30 e a guerra contra a Alemanha nazista. Nao era preciso apenas intensificar a produtividade dos grupos de trabalho, tarefa 4 qual se dedicou a dindmica de grupo, mas também se opor 4 propaganda nazista e difundir atitudes democraticas. Os grandes projetos sobre as mudangas de atitudes datam do pés-guerra; eles relacionam as caracteristicas da fonte, da mensagem, dos meios de comunicagio ¢ dos receptores, para detectar as condigdes 6timas da mudanga de atitudes. 0 quadro teGrico destes programas de pesquisa era eclético: tratava-se “de Langa uma rede teérica ampla para captar 0 méximo possivel de variiiveis independentes, aplicando, de uma maneira convergente, uma grande variedade de nogées explicativas do fendmeno analisado” (McGuire, 1986, p. 99)- O estilo de pesquisa mudara nas décadas seguintes, quando modelos teéricos mais especificos (como os modelos do equilibrio, da dissondncia e, mais tarde, da atribuigdo) serao aplicados a uma grande variedade de fendmenos: nidos, ‘Aitudes e representagées sociais 189 A estratégia divergente para a elaboracdo de hipéteses parte antes de uma teoria do que de um fenémeno ¢ utiliza esta teoria para explicar uma pequena parte da variancia. Esta estratégia determina a maneira pela qual as hipéteses sio verificadas, freqiientemente pelo recurso a planos de investigacio relativamente simples, com muito poucas varidveis independentes, manipuladas cuidadosamente em situagdes bem planejadas, enquanto a varidvel dependente pode se reduzir a uma simples medida numa escala dicotémica pouco sofisticada (McGuire, 1986, p. 100). A concepgio geral da atitude - como seu método de apreensio — quase nao evoluiu desde os anos 30. Trata-se sempre de uma posigao especifica que 0 individuo ocupa em uma ou varias dimensées pertinentes para a avaliagéo de uma entidade social dada. Certamente os trabalhos sobre os grupos de referéncia (voltaremos a isso), as conceituagdes sobre as opinides apresentadas por Smith, Bruner e White (1956), alguns trabalhos sobre os vinculos entre fatores de personalidade e preconceitos racistas (Pettigrew, 1958) ressituam, mais do que outros, 0 estudo das atitudes num contexto de relagdes entre grupos, insistindo sempre sobre a importancia das opinides ou das atitudes para manter os vinculos entre os membros de um mesmo grupo. Neste sentido, eles prefiguram, de algum modo, os trabalhos sobre as representacdes sociais. ‘Atualmente, apés os trabalhos sobre a cognigao social, impée-se um olhar mais complexo sobre a estrutura interna das atitudes. Antigas nogdes referentes aos vinculos entre valor, probabilidade de incorpord-lo como seu (por meio de um comportamento dado) e interesse manifestado por esta apropriagdo so agora integrados em modelos como os de Fishbein e Ajzen (1975). Gragas a difusdio dos programas de tratamento de dados, andlises e representagGes grdficas mostram as posigdes ocupadas respectivamente por objetos de atitudes e grupos sociais em espagos multidimensionais. Estas novas técnicas deveriam permitir uma conceituagdo mais integrada das atitudes, articulando o estudo de um sistema apreendido no nivel do individuo com o estudo de sua insergdo em sistemas de natureza societal. Entretanto, muitos pesquisadores que trabalham com atitudes ainda nao se libertaram das preocupagées de tipo diferencialista, mesmo que Suas Pesquisas ndo tratem apenas das diferengas entre individuos, mas também das diferengas entre grupos sociais ou entre culturas. As pesquisas sobre as 4epresentagoes Sociais ~ que j4 se desenvolvem ha mais de um quarto de século ~ mostram, enitetanto, um caminho para integrar aos estudos de sistemas individuais (-& atitudes aqueles que trata si ( queles n dos si 1 SS BS 3 Dabs dln Grrck - Ata Jo rahoe a Dm Willem Doise SOCIAIS E RELACOES DE COMUNICACAO REPRESENTAGOE:! Moscovici (1961) publica seu livro sobre as representagSes sociais dg Psicanilise em pleno segundo periodo dos estudos sobre as atitudes. A primer. parte do trabalho antecipa, de algum modo, a corrente da cognigao social Ps andlise de entrevistas e de questiondrios, 0 autor mostra o que se torna um saber cientifico (a teoria psicanalitica), quando se transforma em senso comum Dois pro acterizam esta transformagiio: a objetivacio e a ancoragem, torna concreto o que é abstrato, muda o-relacional do oem imagem de uma coisa. Por exemplo, as dindmicas psiquicas transformam-se em complexos, coisas que um especialista pode desfazer, nogdo fundamental da libido — principio organizador da vida psiquica ~ desaparece; transforma-se, segundo as pessoas entrevistadas, em simples afetividade, desejo erdtico, até mesmo em ligagao sexual entre o analisando e 0 analista, Nao se deve minimizar a importancia da divulgacao dos efeitos de objetivagao. Roqueplo (1974) considera que se trata de um processo que acompanha toda divulgagao de resultados cientificos. Daf a importancia de lev4-lo em considerag4o quando do ensino cientifico. A esse respeito, pode- se mesmo pensar que a nogo de atitude, a disposig4o inscrita no individuo, por sua ampla utilizagdo, j4 é ela mesma o resultado de uma objetivacao. Mais importante ainda para nosso propésito atual € o processo de |. (ancoragem,Consiste na incorporagéo do estranho numa rede de categorias saber cien ' ‘fiais familiares. Por este processo, Moscovici descreve como a imagem da Psicandlise se insere em sistemas prévios de classificagao, de tipologias de pessoas e de acontecimentos. A nova pratica social da Psicandlise é classificada e designada em fungao dos vinculos que supostamente mantém com categorias sociais avaliadas diferentemente: os ricos, os artistas, os desequilibrados, mulheres ou as criangas. Dai a importancia do estudo deste processo para aqueles que desejam associar 0 psicolégico e 0 sociolégico, a fim de liberar as pesquisas sobre as atitudes de sua centragado_por demasiadg exclusiva na organizacio psicolégica_ individual Esuudar @ ancOrigenidas_ aides mis relagdes sociais que as geram significa estud4-las como representagdes sociatis A segunda parte do livro trata diretamente da insergdo das representagoes do das relagdes simbélicas entre atores socuus. Moscovici estuda a maneira pela qual diferentes 6rgios da imprensa franc: tratam da Psicandlise. Trés espécies de publicags a imprensa militante ligada ao Partido Comun sa vinculada a Igreja Catélica € os jornais de grande circulag: Estes trés setores da imprensa francesa nio mantém as mesmas relagdes de comunicagio com seus leitores e com seu meio social e cultural. da Psicandlise na organi isadas: 10 Jo. Atitudes ¢ representagées sociais 1 91 __Esbocemos uma breve descrigao das trés modalid: i praticadas por esses érgios de imprensa, A dif odalidades de comunicagio indiferenciagio-entre a fonte e os receptores Fi usiio € caracterizada por uma artigos da grande imprensa transmiten; vores Comunieagio. Os autores de mesmos recebem da parte de especialistas, Desse moto tle cae nen alguma maneira, receptores de informagio, Pats oo. eles Si0 também, ae objetivo principal 6, ao mesmo tempo, eriar um a to seus leitores. Seu aos interesses de seu ptiblico. A relagdo de propagagiio é meee ‘ pad . gagiio & estabelecida pelos membros de um grupo que produz uma visio do mundo bem organizada, que eee ee ee ees estudar como suportes de comunica fo vineul mee i Moseovich tratase de i 1 Zio vinculados A Igreja Catélica acomodam o saber paicanaliticg aos principios religiosos. A propaganda é uma forma de comunicagao que se inscreve em relagdes sociais conflituosas. O risco desta comunicagao € a oposigio entre o verdadeiro e o falso saber, a transmissao de uma visao antagonistica, de uma incompatibilidade entre a visio do mundo prépria a fonte e a visto mistificadora atribuida aos defensores da Psicanilise. A organizagao cognitiva do conjunto das mensagens € diferente em cada modalidade de comunicagao. Na difusio, os temas sao pouco ordenados entre Sie os diferentes pontos de vista expressos podem ser contraditérios. Trata-se a Psicandlise, segundo os casos, com seriedade, reserva e até mesmo ironia; associam-na a outros temas da moda. Sem buscar necessariamente uma mudanga se um novo tema em voga, admitindo-se que se trata de um objeto sobre o qual as opinides podem divergir. Uma organizagao mais complexa dos temas se manifesta na propaga¢ao. Os escritos dos catélicos sobre a Psicandlise pregam a moderagio e a prudéneia; colocam-na, por exemplo, a servigo da educagao, refutando todo e qualquer alcance explicativo generalizado da libido. Ao contrério, um papel positivo € atribuido & afetividade, até mesmo a uma pratica terapéutica de inspiragdo analitica. Enquanto superagio do positivismo, a Psicandlise elabora uma compreensio mais integrada do homem, da um lugar importante ao simbolismo € poderia mesmo preparar 0 retorno 8 uma visio espiritualista. A chave de interpretacao da Psicandlise tem de ser buscada na mensagem religiosa e, se atitudes precisas sao recomendadas, nio € aconselhada qualquer aceitagéio ou refutagio global. A propaganda, pelo contrdrio, visa, na verdade, a uma recusa al de uma concepgio rival da qual ela apresenta, com consisténcia e rigide?, preciativo. Na imprensa comunista da 6poca da guerra fria, de comportamento, coloca~ 1 glob: um esteredtipo de] a Psicandlise € apenas uma burguesa, importada dos Estudos Unidos pela Franga. ematica relacionada a luta de classes, & politica az, ¢ os Estados Unidos, 0 da pseudociéncia ou ciénci A ela, faz-se uma oposigao § © & Psicologia. A Unido Soviética é 0 pais da P; 192 Willem Doise guerra e da exploragiio social; os soviéticos propdem uma psicologia heuristicg a € cientificamente valida, enquanto os americanos propdem uma PSicanilise na aparéncia, mas que, na realidade, € uma ideologia que s6 é cientifi mistificadora. Certamente, as representagdes atuais da Psicandlise podem ter-se modificado. Moscovici (1976), em uma nova edigéo de seu livro, mostra-o, no tocante a imprensa comunista, onde os artigos sobre Psicanilise concernem mais, naquele momento, a propagagao do que a propaganda. Mas a conclusao geral de Moscovici (1976, p. 497) permanece valida. Propde uma tipologia interessante para organizar 0 imenso campo de pesquisa sobre as atitudes, distinguindo entre opinides, atitudes e esterectipos, ligados a condigées sociais de produgio diferentes: Considerados sob 0 angulo da estrutura das mensagens, da elaboragdo dos modelos sociais, das relagdes entre emissor e receptor, do comportamento visado, os trés sistemas de comunicagdo conservam uma grande individualidade. Ora, é justamente esta particularidade que nos autoriza a comparar termo a termo a difusdo, a , da atitude e do esterestipo. propagacao e a propaganda da opin O estudo feito por Moscovici € também uma antecipagao do método. sistémico que seré preconizado um quarto de século mais tarde, com a terceira fase dos estudos sobre as atitudes: é necessdrio relacionar sistemas complexos dos individuos com sistemas de relagdes simbélicas entre atores sociais Outras relagdes que nfo as da difuséo, da propagagao ou da propaganda podem ser consideradas; podem secretar outras estruturas de representagoes, outros sistemas de tomadas de posig&o, que, de outro lado, sao estudadas como manifestagdes de atitudes. COLOCAGOES EM PERSPECTIVA A distingdo entre opinides, atitudes e esteredtipos nao foi retomada no campo geral das pesquisas sobre as atitudes, Assim, continuamos a utilizar atitudes como um termo geral, designando este amplo conjunto de pesqui: que cobrem tanto o estudo das opinides quanto 0 dos esteredtipos no sentido de Moscovici. Nao é por acaso que a tripartigdo nao foi mantida; ela s6 pode ter sentido a partir de um estudo das ligagoes entre relagdes de comunicagao OW ~ fades erg sCHta > ats aunk. sof y Ges sociais a /, organizagdes das cognigées individuais. Por motivos que ainda estdo por elucidar, a Psicologia Social quase nio construiu conceitos que permitam articular os funcionamentos cognitivos individuais com as din&micas sociais mais amplas, das quais participam os individuos. A nogdo de campo proposta por Lewin (1951), embora adotada por sociélogos, foi abandonada pelos psicdlogos sociais. Para esbogar uma definigdo das representagdes sociais, recorremos aos trabalhos de um socidlogo (Doise, 1986). Utilizando sua propria terminologia, Bourdieu (1977, p. 15) esté bem préximo de nossa concepgio das representagées sociais quando escreve sobre a imprensa es, definido Nao se compra um jornal, mas um prinefpio gerador de tomadas de pos por uma certa “posigdo” distintiva num campo de princfpios geradores institucionalizados de tomadas de posigio: e pode-se dizer que um leitor se sentiré tanto mais completa e adequadamente representado quanto mais perfeita for a homologia entre a posigdo de seu jornal, no campo dos érgdos de imprensa, e a que ele proprio ocupa no campo das classes (ou dos segmentos de classe), fundamento do principio gerador de suas opi Tendo em vista que as representagoes sociais se elaboram por meio das (e nas) relagdes de comunicagao, seu estudo necessita sempre do esclarecimento dos seguintes problemas: Quais sao os processos psicoldgicos que intervém nesses fendmenos? Em que Smenos de comunicagio © quais s condigées objetivas se produzem fi elementos de sua constincia e de sua transformagio? Como os processos , 1976, p. 407), psicolégicos estio ligados a essas condigdes? (Moscovi Era preciso anunciar com chareza esta concepgao de conjunto sobre as Tepresentagdes sociais, mostrar que parte de uma tese geral das mais interessantes, introduzindo uma nova perspectiva sobre as atitudes, \y 1 Willem Doise Podemos agora delinear teses subsididrias, revisitando, Por assim diz as avessas, a hist6ria das pesquisas sobre as atitudes. Se 0 Projeto central ne pesquisas sobre as representagdes sociais requer acima de tudo imbricar 9 estudo de sistemas diferentes, ha, entretanto, conhecimentos a Preservar, decorrentes de outras abordagens. Dentre elas, hé seguramente as pesquisas atuais sobre a mudanca de atitudes em condigdes de influéncia minoritéria (Moscovici e Mugny, 1987) e no quadro de sistemas ortodoxos (Deconch: Em outro capitulo deste volume, mostramos o que os estudos das cognigées sociais nas criangas podem trazer para o estudo das representacdes sociais e vice-versa. Poderfamos voltar ao intermédio dos estudos sobre dinamica de grupo para mostrar como as primeiras pesquisas experimentais de Abric (1984) e de Codol (1984) ilustram a intervengio de representagdes sociais em grupos restritos. Para o perfodo das pesquisas divergentes sobre as atitudes, varios capitulos de um manual (Doise, Deschamps, Mugny, 1978) mostram como processos representacionais estudados nos anos 60 funcionam diferentemente num contexto interpessoal ou intergrupal. Foi também a propésito dessas abordagens divergentes que elaboramos nosso conceito de articulag&io de niveis de andlise (Doise, 1982). A seguir, desenvolveremos duas outras teses subsidirias. Inicialmente, mostraremos como alguns autores, cujos trabalhos datam da época dos estudos convergentes sobre a mudanga de atitudes (particularmente aqueles sobre os grupos de referéncia), indicam pistas de pesquisa interessantes para o estudo atual das representag6es sociais Numa tiltima seco, faremos o mesmo para uma linha de pesquisa que remonta, de fato, A primeira época descrita por McGuire. A cada vez ilustraremos como 0 estudo exaustivo das atitudes desemboca na andlise de seus processos de ancoragem, desvelando dinamicas de representagées soci Os GRUPOS DE REFERENCIA Desde as primeiras pesquisas sobre os grupos de referéncia (Hyman, 1942), constatou-se que nem sempre existe uma relagiio de causalidade simples entre a pertenga do individuo a um grupo e o grau em que ele partilha as opinides de seus outros membros. ONIN pHa > boca oo 4 poy OSL AGN FON vA ‘Mitudes e representages sociais 195 , As reinterpretages dos célebres estudos sobre o “soldado americano” permitem a Merton e Kitt (1950, 472) desenvolver 0 conceito de “privaca relativa” para explicar, por exemplo, como os soldados casados, cuj maieria dos amigos casados tinha permanecido civil expressavam um s sntimento de oe . entimento de injustiga maior que os solteiros; ou como os soldados negros origindrios do sul sentiam-se relativamente menos privados pela vida militar que os do norte; os primeiros comparando-se aos negros civis do sul cuja sorte era pouco invejavel € os segundos comparando-se aos negros civis do norte cujas condigdes de vida eram mais favordveis. A privagdo relativa explicava também que um maior descontentamento reinasse nas unidades com maiores taxas de promogées: as ocasides de frustragdo eram mais raras nas unidades que contavam com um menor ntimero de promovidos. Runciman 1972) voltara a esta nogao de privagao relativa para estudar a(ancoragem social) de atitudes politicas fundamentais. Para esse socidlogo, categorias de pertenga estdo na base dos julgamentos emitidos pelos individuos ara_comparar seu destino ao de outros. Nisto a concep¢ao , que insiste menos na comparagao com outras categorias e define de modo mais geral a privagdo relativa como a defasagem entre as expectativas dos individuos e a sorte que Ihes € reservada. Estas poucas nogées, tiradas da tradig&o muito mais ampla das pesquisas sobre os grupos de referéncia, foram lembradas para mostrar como os estudos sobre as representagdes sociais podem tirar proveito destas pesquisas bre cinieuarmente pare deswelar os mecanismos de_ancoragem que inervém ‘Fama’ rede: de"eOmparagSes intergrupais, Os resullados de uma enquete s as alitudes no dominio da justiga social permitem descrever sucintamente tal ancoragem. Szirmai (1986) analisa os resultados de uma enquete efetuada junto & populagao ativa dos Pafses Baixos (N: 952). Um de seus objetivos consiste em estudar os fatores que influenciam as atitudes igualitarias no plano dos salarios, Os dados permitem testar modelos de diferentes origens, dentre os que o modelo tomado Jago em questio. . A técnica do quais os de Gurr e de Runciman. Desde jd, digamos a Runciman parece mais apto a predizer as atitudes da popul: Um instrumento utilizado nesse estudo é 0 “metro das rendas”. metro das rendas utiliza quinze fichas com os nomes de categorias socioprofissionais bem conhecidas, como as de primeiro-ministro, médico generalista, diretor de fabrica, policial, mao-de-obra ndo-qualificada, funciondrio inativo de escalao inferior, individuo a cargo da assisténcia publica. Ademais, uma décima sexta ficha traz 0 titulo “vocé mesmo”. Num primeiro Willem Doise momento, as pessoas entrevistadas sao convidadas a organizar as fichas 5 posteriormente, elas recebem um segundo 0 nivel de renda das categoria metro com graduagdes de rendas indo de 0 a 300.000 florins. As pessoas colocam as fichas de um lado da medida, no nivel das rendas médias que clas atribuem a cada categoria. Um novo jogo das mesmas fichas lhes é entio fornecido com a instrugao: Estow Ihe dando outro jogo de fichas. Elas t¢m as mesmas indicag6es de profissdes e de fungées sociais que as precedentes. Se dependesse de vocé, que renda daria a cada uma das fungGes ou profissGes? Queira indic4-lo, colocando as fichas do outro lado do metro das rendas. Pode-se avaliar a atitude igualitaria de um individuo ao comparar a £variaciio de suas estimativas de rendas reais com a varia ‘io das rendas que ( ele considera como adequadas. Em geral, os individuos interrogados manifestam SAS uma forte atitude igualitéria, estando o leque das rendas julgadas justas mais A As pertengas sindicais x § reduzido do que a extensio das rendas reais. Mas qual € a causa dessa atitude? ou_religiosas ¢ a pertenga socioprofissional_intervém pouco nas variagdes da atitude igualitiria, que sio, sobretudo, explicadas por pouco nas variacdes da atitude igualitéria, que sao. sobretuco, OxP™ um indice baseado no modelo da privagao relativa. O indice € obtido medindo- Se 0 desvio que separa, por um lado, a relagao entre a renda que o entrevistado se atribuiria idealmente e a média das rendas que ele considera como justas e, por outro, a relacdo entre a renda real: do entrevistado e a média das outras rendas estimadas como reais. Um valor positivo do indice implica que 0 entrevistado se sente objetivamente desfavorecido, pois sua posi¢ao relativa na distribuigdo considerada como justa € mais elevada que a estimativa de sua posigdo relativa na distribuigdo real. Sem dtivida, uma atitude de igualitarismo ou de eqiiidade é importante para a estruturagdo de nossas relagées interindividuais e intergrupais e de nossas representagGes socidis. Mas s6 um estudo aprofundado das percepgdes e comparagGes entre diversas categorias sociais, inclusive aquelas a que pertencemos, permite predizer em que medida uma atitude igualitdria se tornard saliente e como intervira num dominio dado. Observemos também que uma pesquisa de Taylor, Watson e Wong-Rieger (1985), efetuada no xecutivos, de Canad4, mostra que a pertenga categorial a um grupo de cstudantes ou de trabalhadores € relativamente pouco importante na leterminagao do grau de injustiga percebido pel jeitos, no que se refere ao estatuto relativo de diferentes(categorias E antes de tudo a impr do de sofrer pessoulmente uma sorte que induziria a uma atitude mais generalizada de rechago da injustiga Mitudes e representagies sociais 197 Toda tomada de posigiio em termos de justo ou de injusto, de equanime ou de parcial resulta de um conjunto complexo de comparacoes sociais. Como 0 sentimento de justiga € produzido socialmente, estudar suas condigdes de emergéncia significa estudé-lo, de algum modo, como uma representagao social. CONTRASTES SOCIAIS NOS JULGAMENTOS Os dois pélos de um tinico item de escala de medida permitem, as vezes, a irrupgdo de todo um conjunto de relagdes sociais simbélicas numa situagdo experimental ou de enquete. As atitudes captadas tém de ser também estudadas em fungao de sua ancoragem nessas relagdes. Os psicélogos sociais demoraram muito a observar essas relagdes sociais em a¢ao, preocupados que estavam com medidas de diferengas interindividuais. A medida de atitudes proposta por Thurstone e Chave (1929) compreende uma primeira fase em que “juizes” classificam diferentes enunciados em um ntimero determinado de categorias (por exemplo, 11), indo de muito desfavor4vel (categoria 1) a muito favordvel (categoria 11), em relagio a um objeto de atitude. Em seguida, registram os enunciados de cada uma destas categorias, para as quais quase no havia variabilidade nas atribuigdes para os diferentes juizes. Assim, obtém- se uma escala que permite medir a atitude de outros individuos convidados a exprimir seu acordo ou desacordo com enunciados cujo valor de escala agora € conhecido. Este método supde que no haja, durante a construgdo da escala, vieses introduzidos pela atitude mesma dos primeiros sujeitos-juizes: Se quisermos considerar a escala como valida, os valores de escala dos enunciados nao deverio ser influenciados pelas opinides das pessoas que participam de sua construgao (Thurstone € Chave, 1929, p. 92). Agora sabemos que geralmente este postulado nao se verifica. Muitas Pesquisas mostram (por exemplo, Zavalloni e Cook, 1965; Eiser, 1971 e 1973) que juizes que defendem posicdes opostas classificam diferentemente os enunciados em fungao das escalas de julgamento que se Ihes propdem. Assim, juizes “pr6-negros”, convidados a clas ificar uma cole de itens sobre a ificario muito mais itens nas categorias extremamente questo dos negros, class favoraveis ou desfavordveis aos negros do que juize: Na realidade, para os primeiros é posstvel utilizar um pélo de escala de conotagio Positiva (ser favoravel a) para julgar enunciados com os quais esto de acordo eum p6lo de conotagao negativa (ser desfavoravel a) para itens com os quais esto em desacordo. Tal concordincia entre escalas de julgamento objetivo “neutros” ou “antinegros”.

Você também pode gostar