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Reflexões

do Poeta – C.V, est. 90 e 92

Reflexão suscitada pelo fim da narra?va de Vasco da Gama ao rei de Melinde.



90
Da boca do facundo Capitão Final do relato da história de Portugal –
Pendendo estavam todos embebidos, todos estavam enlevados com a narração.
Quando deu fim à longa narração
Dos altos feitos grandes e subidos.
Louva o Rei o sublime coração O Rei de Melinde louva os reis portugueses e o
Dos Reis em tantas guerras conhecidos; seu povo, reconhecendo a nobreza de carácter,
força, coragem, ousadia…
Da gente louva a an?ga fortaleza,
A lealdade de ânimo e nobreza.
[…] O louvor e a glória são “[doces]” quando são
92 divulgados e merecidos.
Quão doce é o louvor e a justa glória
Dos próprios feitos, quando são soados! Quem quer ser relembrado, tem que trabalhar
Qualquer nobre trabalha que em memória muito, para superar os grandes exemplos do
passado.
Vença ou iguale os grandes já passados.
As invejas da ilustre e alheia história A inveja dos feitos dos antepassados promove a sua
Fazem mil vezes feitos sublimados. con?nuação no presente (e para serem invejados,
Quem valerosas obras exercita, têm de ser conhecidos…). O louvor vai ser um
Louvor alheio muito o esperta e incita. incen?vo para quem quer e procura fazer obras
valorosas.
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Não ?nha em tanto os feitos gloriosos Dá a terra Lusitana Cipiões,
De Aquiles, Alexandro, na peleja, Césares, Alexandros, e dá Augustos;
Quanto de quem o canta os numerosos Mas não lhe dá contudo aqueles dões
Versos: isso só louva, isso deseja. Cuja falta os faz duros e robustos.
Os troféus de Milcíades, famosos, Octávio, entre as maiores opressões,
Temístocles despertam só de enveja; Compunha versos doutos e venustos
E diz que nada tanto o deleitava. (Não dirá Fúlvia, certo, que é men?ra,
Como a voz que seus feitos celebrava. Quando a deixava António por Glafira).

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Trabalha por mostrar Vasco da Gama Vai César sojugando toda França
Que essas navegações que o mundo canta E as armas não lhe impedem a ciência;
Não merecem tamanha glória e fama Mas, nüa mão a pena e noutra a lança,
Como a sua, que o Céu e a Terra espanta. Igualava de Cícero a eloquência.
Si; mas aquele Herói que es?ma e ama O que de Cipião se sabe e alcança
Com dões, mercês, favores e honra tanta É nas comédias grande experiência.
A lira Mantuana, faz que soe Lia Alexandro a Homero de maneira
Eneias, e a Romana glória voe. Que sempre se lhe sabe à cabeceira.



Exemplos de heróis que foram celebrados pelos seus feitos, mas que também

?nham o dom de escrever.




A grande crí?ca a Portugal e aos portugueses é que apesar de exis?rem grandes

guerreiros, estes desvalorizam a cultura, sendo “duros e robustos”.



Conector “Enfim”:
97 •  Após a enumeração de exemplos de
Enfim, não houve forte Capitão homens que se dis?nguiram pela sua
Que não fosse também douto e ciente, força e destreza militar, mas também
Da Lácia, Grega ou Bárbara nação, pela sua dedicação às letras, o poeta
Senão da Portuguesa tão somente. conclui que existe uma clara diferença
Sem vergonha o não digo: que a razão entre os retratados e os líderes
De algum não ser por versos excelente lusitanos que não valorizam a arte.
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe arte, não na es?ma.
Confissão e desencanto do poeta - o
98 poeta sente vergonha pelo facto de a
Por isso, e não por falta de natura, nação portuguesa não ter “[capitães]”
Não há também Virgílios nem Homeros; letrados, pois quem não sabe o que é
Nem haverá, se este costume dura, arte, também não a sabe apreciar.
Pios Eneias nem Aquiles feros.
Mas o pior de tudo é que a ventura
Tão ásperos os fez e tão austeros, Sem cul?var as artes/a literatura não há
Tão rudos e de engenho tão remisso, imortalização de heróis.
Que a muitos lhe dá pouco ou nada disso.

Caracterização dos portugueses - a ventura fez dos portugueses gente áspera, austera e rude,
sendo que poucos ou nenhuns há com “engenho”. Assim, se a nação portuguesa prosseguir no
costume da ignorância, não teremos nem homens ilustres nem corajosos.
A falta de cultura do povo português determina a
99 desvalorização da criação arxs?ca.
Às Musas agardeça o nosso Gama
O muito amor da pátria, que as obriga
A dar aos seus, na lira, nome e fama Assim, esta reflexão do poeta é uma:
De toda a ilustre e bélica fadiga;
Que ele, nem quem na es?rpe seu se chama, Inve?va contra os seus contemporâneos que
Calíope não tem por tão amiga
desprezam as letras;
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas d'ouro fino e que o cantassem. •  a comparação entre os exemplos da
An?guidade Clássica e os Portugueses serve
100 para acentuar a “pobreza” cultural existente
Porque o amor fraterno e puro gosto em Portugal;
De dar a todo o Lusitano feito
•  o poeta pretende, com os seus argumentos,
Seu louvor, é somente o pros[s]uposto
Das Tágides gen?s, e seu respeito. alertar as consciências para a necessidade e
Porém não deixe, enfim, de ter disposto para a urgência de se alterar o panorama do
Ninguém a grandes obras sempre o peito: reino no que respeita à cultura e à instrução
Que, por esta ou por outra qualquer via, dos seus súbditos, sob pena de não haver
Não perderá seu preço e sua valia.
uma real evolução se isso não acontecer.

Em poucas palavras – Esta reflexão mostra o desprezo das artes e das letras e a importância do
registo escrito de grandes façanhas como glorificação do povo português e incen?vo a novos heróis.

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