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i, AS DUAS FORMAS DO PARCEIRO-SINTOMA Agradego a vocts por me terem acompanhado,jé por duas ‘exes, nesse caminho onde no hd apenas uma, mas muitas pedras, £ um caminho muito pedregoso. Hoje, vou tentar torni-o um pouco mais ici, mas nio posso prometer nada deantemio. © corpo vivo ‘Nanossa explorago,a primeira observagio &qu o goro nao 6 possivel sem referéneia a0 corpo. Iss é pelo menos, um principio de Lacan & preciso que haja um corpo para gozar, somente um corpo pode gozar. Essa observacio toma seu televo a partir disso: que aarticulagi sigificante, como tal, €independente de qualquer referencia 20 corpo. Como observe ontem, a articulagaode (4) ede (-)ndo precisa, para se sustentar, de nenhuma referencia a0 corpo, senio, evi dlentemente, da letra esrita um funcionamento de lgica significante pura (Ora, Lacan ox “o primeieo Lacan, acreditou, num certo sentido, poder dispensarareferénia 20 corpo. Isto quer di- zr: mais precisamente, que cl pensou poder deixar 0 corpo fora do simbslico, exterior a aticulagio signfiante, 0 "0 Jeet lai Miler sentido profundo que se revela aqui, de sua distingio clissica do imaginario e do simblico, Ele comegou situando o corpo na ordem imaginaria, como corpo especular, 0 do estidio do espelho: a libido circulando entre a ea como libido do eu. No inconsciente, ele niofazia intervir 0 corporal, sendo como simbolizado. Essa constru- ‘io se tornou tao clissica, tao operatoria, tio ficil de ser en sinada que estamos todos marcados por ela, ¢ € um esforgo chegar-a se desligar desses pressupostos Terceira observagio: a construcdo que repousa sobre @ ‘oposicto do simbelicoe do imaginirio no podia delsar de situar uma satisfaeao interna ao simbélico. Lacan deixa a libido eo corpo com o imaginarlo, mas sua construgio nio pode se sustentar sem que haja, no simbdlico, uma stisfacdo que vise 0 sueit, B uma saisfagdo puramente signifcante, isto precisamente, gozo sem o corpo. Eo que ele chamava, «em termos hegelianos 0 reconhecimento. O reconhecimento se passava em uma dialéica que supu ‘ha que o sujito devia reconhecer 0 Outro para poder ser, Por sua ver, reconhecido por ele. E, no fundo, ea essa asa- tsfagdo que ele procurava no proprio simblico, de maneira distinta daquela encontraa no corpo. esse quadro, 0 préprio stoma pode ser definido como falta de reconhecimento, falta da saisfag significante do reconhecimento. assim que o econhecimento hoje me apa rece, como uma satisfaedo subjetiva de ordem puramente significante, Ea stistasdo do sueito como falta-a-ser,e que lhe vem do Outro da fala como lugar do signilicante Oowedeuma andl ® Digamos que, no avango que fazemos nestes dias aqui, toda essa construgdo é um verdadeito obsticulo epistemo- igico. £ um obsticulo epistemolégico a conceber, 0 sintoma do falaser. Seria preciso desenvolver aqui, o que nio farei, porque @ questio se situa de uma maneira bem diferente em Freud. Porque Freud acredita no aparelho psiquico eo define como capaz de Lust, capaz-de gozo. E.um fancionamento em que se fazem despesas, em que também se fazem economias,€ quando esse aparelho faz economias existe um ganho de 020, 0 famoso Lustgewinn. (Como o corpo éprogressivamenteintroduzido no ensino de Lacan? Por uma necessidade a necessidade que a libido exige ‘da referéncia ao corpo. Em Freud, o que esponde aess exigen- cia 0 conceito de pulsio, que diz respeito a zonas particulares «do corpo das objetos do corpo que ele perde —0 objeto oral, 0 ‘objeto anal. O priprio conceito de castro exige uma referén- «ia ao corpo. Em Lacan, o corpo s6€introduzido na condigao de ser simbolizado de ser significantizadoe, como eu sublinhel da iltima ver, simbolizado quer dizer mortificad. ‘Nao vou fazer aqui a trajetéria detalhada da introdugdo progressiva do corpo no ensino de Lacan, Ea me contento cm dizer que o corpo &, eminentemente, introduzido como falo, isto & enquanto partes sgnificantizadas do corpo e, por {sso mesmo, mortificadas. E10 que escreve ofamoso simbolo {9}. 0 corpo é,igualmente para Lacan, seguindo Freud, in- troduzido como pulsio, mas Lacan somente pode fazé-1o tornando-a equivalente a demanda. Foi sempre assim que a Jnces Main Nr eu expliqueio matema de Lacan com 0 qual ele transcrevea pulsio freudiana (S © D), que escreve a pulsio como relacio do sujeito com a demanda. Quer dizer que ele reduza pulsio a uma articulagio, cadeia sgnificante. Como eu explique, jh algum tempo, o grafo de Lacan, na segunda linha, na linha superior, transcreve a pulsio como articulagao signi- ficante, quer dizer, mortificando-, © corpo aparece também como estes objetos parciais, ¢ Lacan os apresenta, inicialmente, como objetos signifcan- tes da demanda. E quando, devido mesmo as dificuldades desta construgo, ele deve situar este gozo que ne deve ser ‘mortificado, que nao pode ser anulado, ele o escreve ainda com o simbolo (®), Enfim, 0 corpo entra no ensino de Lacan enquanto objeto a. E preciso que se diga que ficamos ai, nesse plano. Ficamos na ideia de que o corpo, mortificado pelo significant, deixa lugar para excecOes, restos suplementares que escapam a mottificagdo € que sio os objetos a. Digamos que a ponta extrema do ensino de Lacan, nessa diregdo, termina colo- cando a equivaléncia do grande A e do corpo. so de wai & (A= corpo) Mas € 0 corpo como corpse, no sentido do inglés, quer dizer, o corpo como cadiver, 0 corpo como mortificado, Eu reenvio a “Radiofonia’, 0 artigo de Lacan que itive ocasiio de comentar, ew G Em relagio a essa equivaléncia, a que dei repercussao for- smulando (A/G), restam as excegbes pequeno a. E 0 que eu expus hé dez anos. £, igualmente, o que resume a férmula da fantasia (8 6 a). 0 objeto a vem completaro sueito do corpo rmortficado porque o substrato da fantasia é (9) 80a ce Conversao da perspectiva (continuagao) Para ir mais depressae, sobretudo, para aqueles que nio es- ‘0 familiarizados com essa escolistica de curso, eu divia que ‘o ensino de Lacan se desenvolve em dupla parte. Desenho uma linha; em cima coloco 0 Outro, 0 Outro da fala, o Outro do significante; 0 conceito que Ihe corresponde € a Coisa, O desejo ver do Outro, enquanto 0 gozo é mais 4 Jacques Alain Miler do lado da Coisa. Acima da linha, screvo osujeito barrado, enquanto abaixo da linha escrevo o objeto a; acima da linha «excrevo 0 corpo mortificado e, abaixo, escrevo 0 mais-de {gozar.Acima, ainda, 0 objeto perdido e,abaixo a felicidade da pulsto, onde nao existe falta, E ainda sobre linha escrevo 9), ena linha inferior, @) que nao é anulado. Podemos dizer que essa dupla dimensio que segue, em todo 0 ensino de Lacan, converge para um ponto fundamental, que &pre- cisamente o hugar da fantasia ($ a) corpo bt ll Outro dejo 5 _mortiiedo perdido — Coss geo a) alede ginar fle dapulso 50a) E ai que é preciso uma conversio da perspectiva, prec- samente porque, para que haja gozo, mesmo se for 0 goz0 residual do mais-de-gozar, €necessario 0 corpo. O corpo vivo, E, como eu sublinhei ontem, existem dois efeitos do significante no corpo: um, que é a mortifcasio, ¢ 0 outro, que é producio do mais-de-gozar. Se o significante mata © gozo, da mesma forma o produz. E por isso que, de uma certa maneira, produz-se em Lacan, a0 longo de seu ensino, algo como uma montagem, como uma continuidade entre esses dois lados. Se nés os tomamos como o avesso e o di- reito, digamos que se estabelece entre esse avesso e esse di- teito uma telagdo moebiana, conforme a banda de Méebius, ‘onde o avesso esté em continuidade com 0 direito, 0 que asso de wna andi 8 ‘vu indicar com estas duas setas em diregio contrarias,¢ que podemos representar do seguinte modo: de um lado, 0 objeto aé a causa do desejo, 0 que estabelece a relagio entre alina superior e linha inferior, mas em um outro aspecto, ‘0 signifcante a causa do objeto a. Vemos, no ensino de La- can, que ele passa bem ripido de um ponto de vista ao outro, Endo, a conversio da perspectiva que € necessirio enfren. tarmos é que o essencial nao € que osignficante tena um efeito de mortificagio sobre 0 corpo, € que o significante é 8 uma outra concepyio do poder do significant, nfo apenas ‘que ele mortifica 0 corpo, que ele o recorta, que ele bra do corpo o mais-de-gozar,masqueele determina o regime de gozo do ser flante, © que quer dizer, em particular que & signifi cate que sustenta.o principio do prazer.O principio do prazer, 1noserflant, no €0 mesmo principio do prazer no animal. © Lusiprinzip tern necessdade do significant ele precisa da fla © gozo de que se trata, por sso mesmo, nio apenas o ozo ‘do corpo, é também o gozo da linguagem, na medida em que © sueito tem um corpo. © gozo do corpo de que se trata é um gozo d6 corpo habitado por um sujito do signifcante, «quer dizer, ndo um gozo bruto,ndo um gozo anterior a0 sig nificante; no falase,o gozo do corpo ¢ ligado ao significante como sua consequéncia Bass pancada’, Fssa fantasia no é a anulagéo do gozo,na dire ue é preciso ler a fantasia “Uma crianga é es- one deumaaniice » «a0 do sujeito barrado ou do (-9) trata-se da produto de 020 pelo significant, pois 0 gozo do corpo, no ser flante, supe que estja marcado pelo significante. Gozar de um corpo, na espécie do falasser, passa sempre por bater no corpo, estragi-lo de alguma forma, ou pelo menos pelo fato de se chocar com ele, isso pode i até destruilo; 0 que a fantasia “Uma crianga 6 espancada”revela € 0 sadismo do significante Cortelativamente, hi gozo dalinguagem, ou melhor, da lalingua, na medida em que osujito tem um corpo. E por isso que Lacan faz entrar o corpo na psicanlise, a0 mesmo tempo em que faz entrar 0 goz0 da fala, Dizer que o falas- ser goza quando fala ndo significa apenas que osignificante annula gozo, mas também osustenta endo ésomente sobre 0 seu proprio corpo que a palavra tem efeitos de go2o, mas também sobre o corpo do Outro. Se se quiser que eu seja completo, acrescento 0 gozo da esrita, que Lacan trata 20 ‘mesme tempo, Mas deixaremos isso por hoje 0 parcelro-sintoma Esta perspectiva comporta colocar em questio o préprio termo sujeto, porque o sujeito & sempre um elemento mor- tificado; aliés, Lacan o definiu como falta-a-ser, € por isso ue ele faz entrar 0 corpo vivo na psicanilise, Ele substitut © termo sujeito por falasser, que € o contrario de falta-a- ser, €0 sujeito mais 0 corpo, € 0 sujeito mais a substincia rs Jacgues Aa Miler {gozante. Mas, dessa forma, o conceito de Outro é também posto em questdo, e é para fixar as ideias que, de modo simétrico ao falasser, introduzi no nosso vocabulétio 0 parcelro-sintoma, Resumamos isto escrevendo, no quadro, na linka superior, a elacio do sujeito com o Outro e, na linha inferior, relacio do falasser com 0 parceiro-sintoma $0 Outro falasser © parceiro-S © Outro do qual se trata com o parceito-sintoma nao & mais um corpo mortificado, esvaziado de séu goz0, é um corpo vivo; © Outro é sempre representado por um corpo. vivo. E isso nos obriga a que nos apercebamos que este corpo ¢ sexuado. O Outro ¢ representado por um corpo sexuado e, correlativamente, o falasser tem também um corpo sexuado; ¢é por isso que, necessariamente, se coloca ‘a questio da relagdo sexual, esta questo que estava apagada na perspectiva da relagao do sujeito com o Outro, E nessa diregéo que avangamos agora com a questio do parceiro-sin- toma; é uma mudanga de perspectiva na relagio do sujeito ‘com Outro. No nivel da fala, hé uma relacio entre o sujeito £0 Outro; por exemplo, é 0 Outro que tem o cédigo, éele que pode dara resposta, e, a esse titulo, osujeito esté em relagio necessiria com ele. Adoramos explicar a l6gica implacével, rigorosa, necessiria da relagdo significante do sujeito com ose de wma andi ® ‘0 Outro, Mas, no nivel sexual, nio hi, justamente, relagio significante necesséria entre Um e Outro. ‘© que vamos explicar agora antes de explicarmos é ne cessirio que compreendamos, nés mesmos ~ sio precisa mente as relagdesestabelecidas na contingéncia. E preciso distnguir os termos relago e proporgio. Vamos guardar 0 termo proporcio para o nivel significante, porque proporgio ¢justamente um termo matematico, um termo que implica a necessidade,e vamos tomar o termo relagio para o que se testabelece no nivel sexual, Dizemos que, no nivel sexual, a relagdo passa pelo gozo, passa peo gozo do corpo e pelo goo da llingua, passa pelo sintoma "Agora vamos entra, precisamente, na dimensio do par- ceiro-sintoma, como 0 asso de um tratamento, O parcero, no podemos fundéclo sobre a proporsio significante no nivel sexual parceito se funda sobre a relagio no nivel do goz0. O que significa o termo parceiro-sintoma, enfim, a definigio que proponho hoje, significa o seguinte: a rlagdo do parceirosupde que o Outro torna-seosintoma do falasse, isto toma-se um meio de seu gozo.Seretomamos a questio ‘0 que €0 osso de um tratamento, vamos inicimente relem- brar o imagindcio, vamos relembrar a identiicago filica, vamos relembrar fantasia, e chegamos a ultima resposta que podemos dar hoje: 0 osso de um tratamento 0 sintoma «mesmo, precsamente, parceiro-sintoma, quer dizer, um modo de gozar, um modo de gozar primeiramente do in- consciente, do stberinconsciente da articulago significante ‘do investimento libidinal do sigaifcante edo significado; ° Iacques Alain Miler Por isso mesmo, em segundo lugar, é um modo de gozar do corpo do Outro. Mas, como expliquel hd pouco, o corpo do Outro é tanto 0 corpo préprio como o corpo de outrem, Se 0.0380 de um tratamento é 0 imagindrio, o fim da and- lise consiste em ultrapassar o plano do imagindrlo; se 00830 de um tratamento é a identificagiofilica, o fim da andlise é dcixar cairas identficagdes seo osso de um tratamento éa fantasia, o fim da anilise &a travessia da fantasia; mas, se 0 ‘sso de um tratamenta éo sintoma, © que é fim da analise? Sobre isso, no hd uma resposta univoca de Lacan, Ele falou, uma vez, da idenificagio ao sintoma. O que isso quer dizer? Quer dizer, em todo caso, que o sintoma no se ultra- passa, diferenca do plano do imaginério: quer dizer que © sintoma, nio 0 fazemos cair, diferentemente das ident ficagdes; que o sintoma nio se atravessa diferentemente da fantasia; quer dizer que o sintoma, temos que viver com ele, ‘que devemos, como se diz em francés, faire avec, quer di- er, que devemos haver-nos com ele, Dizer que se choga ase ‘dentificar com o sintoma significa que ew sou tal como eu 8920. Iss0 quer dizer ainda muitas coisas, ue nio sio todas Penséves, que nao estdo todas escritas em Lacan, que sio visadas, indicadas por Lacan, mas quer dizer, em todo caso, uma coisa essencial, éque o passe nio é um simples caso de desinvestimento libidinal Muitas vezes fizemos, no campo freudiano, um slogan técnico, do fato de ir contra o gozo, Iss0 quer dizer, sim- plesmente, que concebemos, nesse caso, 0 trabalho anali- tico como a progressio do desinvestimento libidinal, de tal oso de wma ante * sorte que oavanco da andlise se mediria pela mortifcacao, E, nesse sentido, a travessia da fantasia é concebida como desinvestimento da fantasia; mas isso nio resolve nada, precisamente porque a libido, no sentido de Freud, é uma ‘quantidade constante. Portanto, se ela se retra da fantasia, conde ela vat investr? Essa &a verdadeira questio do passe. Supondo que a libido seja mal investda, supondo que ela pode se desinvestr desse mau lugar, onde ela vai investir? [Nenhum desinvestimento pode impedix que reste 0 modo de gozar, que reste 0 sitoma como modo de gozar. ‘Tomemos a questio do parceiro-sintoma E uma nova defi nigio do Outro. £0 Outro definido como meio de gozo. 850 concerne ao Outro sob duas formas: primeiramente, 0 Outro como representado pelo corpo ¢, em segundo lagar © Outro como lugar do significante. A promogao do corpo, em Lacan, rnioanula absolutamente 0 Outro como lugar do significant, cla coloc,simplesmente, mais em destaque que osignificante 6 ee proprio, um meio de gov. aqui que toma sentido a formula ~néo hé relagio sexual Ela quer dizer que falasser, como se sexuado, fez parcera, no no nivel da significante puro, mas no nivel do goz0,¢ «essa lgagio € sempre sintomitica, 0 parceiro-sintoma do homem e da mulher ‘Vamos tentar examinar a relago do gozo com 0 parceiro- sintoma. Como e em que condigées 0 Outro se torna o meio > Jacques Alain Miler de meu: gozo? Como o falasser se serve do Outro para gozar? ‘Como o falasser faz entrar o Outro em seu circuito de goz0, ‘obedecendo a0 Lustprincip? E ai que é necessirio ser muito preciso. Comecemos por proximar as coisas por essa formula: 0 gozo se produz.no corpo do Um através do corpo do Outro, Isto quer dizer ‘que, em um certo sentido, esse gozo é sempre autoerstico, sempre autistico, como ja disse mas, ao mesmo tempo, é sempre aloerotico, quer dizer que ele sempre inclui o Outro, €€ preciso manter sempre esses dois aspectos juntos, a nao ser que se queira se perder nessa via. ‘Tomemos o proprio modelo do gozo autoerdtico,a mastur- bacio masculina, na qual o érgio em questio é identificavel, Podemos dizer que ela éautoerstica, mas devemos dizer que cla se produ com um sentimento de fora-do-corpo, como, Lacan sublinhou, ¢ ¢ ai que o corpo proprio se revela, cle ‘mesmo, 0 como corpo do Outro, no momento do gozo, ‘Vou representar isso de modo muito simples, vou me arris- cara apresentar aqui o corpo proprio como esse circulo, como {Um ecomo Todo, ou sea, cortespondendo a formula do “Para ‘Todo x" (x), e digo que o gozo filico, como autoerético, se produz fora-do-corpo, ou sefa,no panto de excegio. Por isso ‘mesmo sou incitado a representar a localizagao distinta do '8070 feminino, em fungio do Nio-Todo (Ax), (Nao vou usar ‘aqui simbolo légico ordinario, vou usa simplesmente um A). ‘Ai, lugar do gozo nao estéfora-do-corpo, ele se produ no corpo, exceto que esse corpo ndo faz Todo, néo tem unidade, ‘oque manifesta que é 0 proprio corpo feminino que, no goro, csr desma andlie 2 € outrficado. £ 0 que Lacan explca, dizendo que a mulher é utra para ela mesma. Entio, indico aqui entre parénteses, 2 auséncia do ponte fora-do-corpo, na medida mesmo em que ‘0 corpo tornou:se Outro para o falasser. vx R (Os testemunhos femininos nao fltam sobre a estranheza ‘de um gozo habitando corpo, com os efeitos de ilimitagao {que sio, no fundo, prescrtos pelo Nio-Todo. Temos aqui as estruturas significantes do corpo, do lado masculino € 4o lado feminino. Evidentemente, os homens e as mulhe- 1s, para.apsicanlis, se seguimos Lacan, io uma questio de escolha, e isso nio segue, necessariament, o sexo biolé- ico. Essasestrutura sgnificantes do corpo determinam 0 parceiro-sintoma como meio de gozo. Chego até ponto de dizer que estrtura do Todo x determina, necesariamente, 6 parceiro-sintoma do homem, a partir do pequeno a, en- ‘quanto que a estrutura significante do NioTodo determina © parceiro-sintoma do lado feminino, como Outro barrado, 4 isso que vou tentarexplicar ejustificar (© pequeno a é uma unidade de gozo, & uma unidade dis rota de gozo,separivel, contabilizavel.E verdade que Lacan acentua que ele nio ¢ algo do significante; mas o objeto a o Inc Aan Miler conserva a forma do significante, dai podermos dizer que ‘hd um objeto a, podermos locali ra existéncia, eo proprio Lacan faz esses objetos a girarem lo, enumeré-o, rfer-lo nos discursos com os termos significantes. Ao contrétio, do outro lado, o parceiro é forgado a tomar a forma do Nao-Todo; sinto que ¢ preciso que ew encarne isso para vocés, que eu thes permita representar as coisas. Nesse Ponto ji est bastante sugestivo, mas vai se tornar ainda mais, se utilizarmos uma indicagdo de Lacan, a qual eu enuncio ‘assim: 0 parceiro-sintoma do homem tem a forma fetiche, {enquanto que o parceiro-sintoma do falasse feminino tem a forma eroiomaniaca. Isso se vé no passe: os homens, de inicio, tem de resolver a questo da fantasia, da forma fetiche que as suas fantasias impoem ao parceiro, enquanto que o falasser feminino, na analise, tem, em primeiro lugar, de resolver a questo do amor, e isso 2 erotomania. Da mesma maneira ‘que a Biblia di2.que o homem tera Socloma e a mulher ter Gomorra, poderiamos crer que ha uma maldigdo que diria ‘que o homem terdo fetiche, ea mulher a erotomania. ‘Como disse, de passagem, ontem, paraa mulher, seu modo de gozar exige que seu parceiro fale e que a ame. Quer dizer {que 0 amor, para la, é tecido no gozo, ¢é preciso, fundamen- talmente, que o parcero seja A, aquele ao qual falta alguma coisa, e que essa falta faz falar, Ihe faz falar. Sem diivida, ‘existe ume mudanga de época; a mulher tem hoje mais liber- dade do que tinha antes, mas nao mudou nada na estrutura, Por causa disso, Para o homem, seu modo de gozar exige que seu parceiro responda a um modelo, e isso pode ir até a exi- om desma anise stncia de um pequeno detalhe, de um pequeno detalhe pe a a4 Jacgues-Alan Miler (© que me parece muito justo & que ha uma dificuldade contemporanea em relagio ao amor ¢ que, pelo seu movi ‘mento natural, a conquista dos direitos da mulher se traduz_ por uma dificuldade do lado do amor, torna-se menos situa vel como valor e, correlativamente, o que ascende ao zénite de nossa sociedade & a fantasia, H, mesmo, uma industria extraordinéria da fantasia pela midia. Ha um mercado do gozo especular, do gozo auditivo; ha um mercado do gozo fantasioso, que atinge proporcées nunca vistas. Desvaloriza- ‘slo do amor, promosio da fantasia e esses fenémenos estio, pprincipalmente, situados do lado macho. Seria necessério ‘que as mulheres despertassem, mas que despertassem da boa ‘maneira, nio da mesma maneira que os homens. O que & preciso esperar é que, uma vez atingido um certo nivel de ‘gualdade, no discurso juridico e da economia, o movimento {feminino utilize um outro canal que nao o discurso juridico, Em suma, minhas senhoras, amem-nos! O INCONSCIENTE E © CORPO FALANTE™

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