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Os sentidos da Republica no Brasil Eduardo R. J. O que vou procurar fazer aqui hojeé um estudo semantico enunciativo do sentido de Repiblica através das cons- tituigdes brasileiras. Para isso vou analisar a Constituicdo de 1988 na sua relacéo intertextual com as demais Constituicées do Brasil. Para esta andlise, vou mobilizar 0 conceito de enunciagdo que venho de- senvolvendo. Para mim enunciacao 60 acontecimento histérico-social da pro- dugao do enunciado (Guimaraes, 1989). Nesta perspectiva, os sentidos dos enunciados serdo caracterizados: a. Pelas posigdes do sujeito da enun- ciacdo que lhes sao constitutivas; esta caracterizacdo se faré tendo em vista, até mesmo, a performatividade do tex- to constitucional!; b. Pela andlise da organizacéo dos enunciados do preambulo das consti- tuigdes e do seu artigo 1°. A reptblica brasileira Em todas as constituicées brasilei- ras — a partir de 1891 — esté dito que o Brasil é uma Republica. Em todas elas isto estd dito no artigo 1°, logoem seguida ao preambulo da Constitui- cao. Em nenhuma das Constituicdes ha uma definicdo do que seja reptblica (esta falta de definicdo é, diga-se de passagem, propria de textos legais). As Constituicdes funcionam, entdo, como se fosse de todos conhecido 0 que seja repiblica. E isto cria, para cada texto constitucional e para o conjunto das Constituicées, um efeito de sentido de Guimardes( que repiblica 6 sem- pre uma tinica e mes- ma coisa. E como se este conceito prece- desse a cada ume a todos os textos consti- tucionais. E 0 que po- 10 conceito de performa- tividade é formulado em Austin (1962), Uma discus- sao importante deste con- ceito, principalmente ten- do em vista a nossa posi- so, pode ser encontrada, entre outros lugares, em deriamos chamar de Ducrot (1984). um efeito de pré-construido, pode-se também aqui usar, com a devida espe- cificagdio, o termo pressuposto (Henry, 1977 e Pécheux, 1975). Ese este efeito é constitutivo do fun- cionamento dos textos constitucionais, ele oculta a diferenca dos sentidos de repiiblica de um texto para outro. Pa- ra acompanharmos esta relacdo de pa- rafrase e polissemia (a respeito do fun- cionamento parafrastico e polissémico da linguagem ver E. Orlandi, 1983, 1990), tomemos a Constituicdo de 1988 na sua relacdo com as demais consti- tuicées brasileiras. Os preAmbulos e o sujeito Se a reptiblica da Constituicéo de 1988 6 nova ela nao é a Nova Repibli- ca. (Em uma anilise feita em 1985 so- bre o discurso de Tancredo Neves em Vitoria, Eni Orlandi (1987) j mostra- va a continuidade, em relacdo ao pas- sado recente, do que Tancredo nomea- va nova repibli ‘Tomemos, inicialmente, o preambu- lo da Constitui¢do de 1988 e analise- © Professor do Departamento de Lingiiistica do TEL, Unicamp, Campinas, SP. 68 mos a questao da posicao do sujeito da enunciagdo. Quanto a este aspecto, ela se apresenta como nas Constituicées de 1946, 1934 e 1891. Vejamos ‘seu preambulo: “Nos, representantes do povo brasi- leiro, reunidos em Assembléia Nacio- nal Constituinte para instituir um Es- tado Democratic, destinado a assegu- rar 0 exereicio dos direitos sociais e in- dividuais, a liberdade, a seguranca, 0 bem-estar, o desenvolvimento, a igual- dade ea justica como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmo- nia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solucdo pacifica das controvérsias, promulga- mos, sob a protecdo de Deus, a seguin- te Constituicao da Reptblica Federati- va do Brasil” Podemos dizer que este preambulo se mostra como tendo sua enunciacao a partir da posicdo dos representantes do povo brasileiro, ou seja, sua pers- pectiva enunciativa € pessoalizada (pessoa aqui nao é individuo, mas indi- viduo num certo lugar social). Por ou- tro lado, consideremos a sequéncia “nés, representantes do povo brasilei- 70, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democratico... solucdo pacéfica das controvérsias”, “Nés” é 0 conjunto dos que se apresentam neste nds. E quem so este nds aparece na explicacdo “re- presentantes do povo brasileiro”. E es- ta explicacdo se apresenta como jé es- tando na forma nés. Portanto nao cons- titui um efeito de exterioridade, de preexisténcia. Esta seqiiéncia funcio- na no texto como o que podemos cha- mar efeito de sustentacdo (Pécheux, 1975). Assim, o que ai é significado aparece como um retorno do que se sa- be, como uma “‘evocagao lateral daqui- lo que se sabe a partir de outro lugar e que serve para pensar 0 objeto da pro- posi¢ao de base” (idem, 1975, 111). Des- te modo, a forca performativa deste texto constitucional se deve mais ao que se d4 na explicacao “representan- Pro-Posigdes N° 5 * agosto de 1991 tes do povo brasileiro” do que ao nés quc aparece na sintaxe como sintagma sujeito de promulgamos. Mas a enun- ciagéo deste predmbulo apresenta quem se diz nds como fonte de perfor- matividade, como se a representacdo se desse por si no nds. De modo geral, isto se da também nos preémbulos das constituigdes de 1946, 1934 e 1891, esta Ultima a primei- ra Constituicaéo do chamado periodo republicano no Brasil. Vejamos os predmbulos das trés Constituicées: 1946: Nos, os representantes do Povo Brasileiro, reunidos, sob a protecdo de Deus, em Assembléia Constituinte pa- ra organizar um regime democratico, decretamos e promulgamos a seguinte: 1934: Nos, os representantes do Povo Brasileiro, pondoa nossa confiancaem Deus, reunidos em Assembléia Nacio- nal Constituinte para organizar um re- gime democrdtico, que assegure a Na- ¢do a unidade, a liberdade, a justica e o bem-estar social e econémico, decre- tamos e promulgamos a seguinte: 1891: N6és, os Representantes do Po- vo Brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regi- me livre e democratico, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte ‘Antes de passar 4 comparacao com as outras constituigdes, detenhamo- nos na questdo da performatividade destes textos constitucionais. Tanto na Constituigaéo de 1988, como ja disse- mos, quanto nas de 46, 34 e 91 a perfor- matividade se apresenta como estabe- lecida pela enunciagéio que a constitui. 69 Qs Sentidos da Republica Isto poderia parecer dbvio, atémesmo por estarmos falando de performativi- dade, mas nao é bem assim. Basta ob- servar o preambulo da Constituigéo do Império para notar.que nela a perfor- matividade da Constituicdo como que resulta de sua caracterizacéo como al- go informado pela autoridade. Obser- ve-se: Dom Pedro Primeiro, por graca de Deus e unanime aclamacao dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos sti- ditos, que, tendo-nos requerido os po- vos deste Império, juntos em camaras, que nés quanto antes jurdssemos e fi- zéssemos jurar o projeto da Constitui- edo, que haviamos oferecido as suas observagdes para serem depois presen- tes 4 nova Assembléia Constituinte, mostrando o grande desejo que tinham de que ele se observasse jd. como Cons- titui¢do do Império, por Ihes merecer amais plena aprovacdo, e dele espera rem a sua individual e geral felicidade politica; nés juramos o sobredito pro- jeto para o observarmos, e fazermos observar como Constituicdo, que dora em diante fica sendo, deste Império; a qual é do teor seguinte: ‘Vemos no preambulo Dom Pedro... Fazemos saber... como constituicéo, que dora em diante fica sendo deste império; a qual é do teor seguinte. Ou seja, 0 “teor” da Constituicao aparece como anterior 4 enunciacdo e como in- formado pelo imperador. Ainda quanto a performatividade podemos dizer que a posicao do sujei- to da enunciagao que a constitui em 1988 é mais diretamente a do presente da enunciagdo. Isto se déna medida em que, em 88, da sequéncia estabelece- mos, decretamos e promulgamos pre- sente na Constituicdo de 1891, s6 per- manece o promulgamos. Nao se repre- senta, entdo, o lugar do ato de decretar presente nos textos de 34 e 46. Assim o texto de 1988 como que se dé por si. Em oposicdo aos textos de 88, 46, 34 e 91 esto os textos de 1937 e 1967. Ne- les temos os seguintes preambulos: 1937: O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, Atendendo as legitimas aspiragées do povo brasi- leiro a paz politica ¢ social, profunda- mente perturbada por conhecidos fato- res de desordem... Resolve assegurar a Nacdo a sua uni- dade, o respeito a sua honrae a sua in- dependéncia, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz politica e social, as condicGes necessGrias a sua seguranca, ao seu bem-estar e a sua prosperidade, decretando a seguinte Constituicdo, que se cumprird desde hoje em todo o pats: 1967: O Congresso Nacional, invo- cando a protecdo de Deus, decreta e promulga a seguinte Para o caso da Constituicao de 1937 est claro que a posicéo do sujeito da enunciagdo 6 a do presidente, que se nomeia presidente. A instancia de legi- timacao é 0 povo brasileiro invocado pelo préprio presidente que fala em seu nome, sem que tenha solicitado ou recebido delegacdo especifica para fa- lar em seu nome. E 0 lugar da perfor- matividade é também a do presidente que decreta (notar que ndo aparece promulgar neste preambulo). O lugar da performatividade se dé como pré- existindo A enunciacéo da consti- tuicdo. Mas no texto de 1967 parece ge esta- mos diante de algo parecido ao texto de 1988. Para poder mostrar que a seme- 70 Thanga é um engano é preciso reportar este texto a outros textos deste perio- do de nossa histéria. Com o ato institucional n? 1 de 9 de abril de 1964 rompe-se a legitimidade do texto de 1946, mesmo que nele (ato 1)se diga que se mantém tal Constitui- cdo. Até mesmo proque o ato assume, por outro lado, a quebra de disposicdes constitucionais. Tomando o preambu- lo do ato vemos que ele assume uma perspectiva universalisante, impes- soal, ao contrario do que ocorre nas Constituicdes: E indispensével fixar 0 conceito do movimento civil militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro, O que houve e con- tinuard a haver neste momento, ndo sé ‘no esptrito e no comportamento das classes armadas, como na opinido pu- blica nacional, é uma auténtica re- volucdo. E deste lugar impessoal e universal, o que se enuncia é feito com um abso- luto grau de certeza, como ja se pode ver acima. Tomemos, no entanto, o quarto para- grafo deste preambulo. Ele vem nesta perspectiva impessoal que instalava como legitimador do ato 0 poder da re- voluc&o que apresenta como seus re- presentantes — isto no pardgrafo ter- ceiro — o Chefe do Exército, da Mari- nha e da Aeronautica. Mas diferente- mente do texto até este ponto, neste pardgrafo vemos que os trés chefes aparecem como assumindo a enuncia- cao pela presenca no texto da primei- Ta pessoa, expressa pela forma nés. E isto na seqtiéncia em que se apresen- tam elementos fundamentais da per- formatividade global do ato: Para demonstrar que nao pretende- mos radicalizar 0 processo revolucio- ndrio, decidimos manter a Constitui. ¢do de 1946, limitando-nos a modificé- la, apenas, na parte relativa aos pode- res do Presidente da Republica, a fim de que este possa cumprir a missao de restaurar no Brasil a ordem econ6mi- cae financeira e tomar as urgentes me- Pro-Posiges N° 5 * agosto de 1991 didas destinadas a drenar o bolsdo co- munista, cuja puruléncia jd se havia infiltrado nao s6 na ciipula do governo, como nas suas dependéncias adminis- trativas. Para reduzir ainda os plenos poderes de que acha investida a revo- lugdo vitoriosa, resolvemos, igualmen- te, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institu- cional. Ou seja, a tomada de decisao, a pré- pria instituicdo do ato é do nés da se- qiiéncia acima, que sdo os trés chefes militares. A partir disto, e retornando a Cons- tituicéio de 67, a primeira coisa a obser- var € que para ela nao se trata de con- gresso constituinte, mas do congresso nacional regular, ou seja congresso que fora mantido pelo ato institucio- nal n° 1. Quer dizer, a legitimidade da enunciacaéo do Congresso Nacional encontra-se dada pela formulacao do preambulo do ato 1 que inclusive diz: Fica, assim, bem claro que a revoluedo nao procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercicio do Poder Constituinte, inerente a to- das as revolugées, a sua legitimacao. Portanto, a forca performativa desta Constituicdo nao esta na sua prépria enunciacdo, mas na do ato 1. Isto 6, s6 uma visdo histérica da enunciacdo po- de mostrar o lugar da forea performa- tiva desta Constituicdo (ao contrario, inclusive, do que as teorias da acao lin: guistica dizem). Sem este ponto de vis- 71 Os Sentidos da Repiiblica ta iriamos atribui-la ao Congresso Na- cional, sem poder, do ponto de vista de uma analise linguistica, remeté-la ao ato 1, O corpo do texto Quanto ao corpo do texto da Consti- tuicdo de 1988, podemos dizer que a perspectiva da qual ele é enunciado 6 a de um locutor impessoal. E desta perspectiva 6 que se enuncia o artigo primeiro. “Art. 1° A Reptiblica Federativa do Brasil, formada pela uniao indissolii- vel dos Estados e Munictpios e do Dis- trito Federal, constitui-se em Estado Democrdtico de Direito e tem como fundamentos” Nesta Constituicéo aparece como pré-construfda nao s6 a nocéio de repi- blica mas a nocdo de Repiiblica Fede- rativa. Desde modo, se a relacionamos com as demais Constituicoes brasilei- ras podemos dizer que a de 88 traz uma ruptura com a enunciacdo inaugural da proclamagdo da independéncia dos Estados Unidos. Pela observacao das outras Constituicdes vemos que hé um reenvio a Constituigdo dos EUA. E 0 caso das Constituicoes de 1891, 1934 e 1946. Isto se da mais diretamente na Constituicdo de 46, dando-se também nas outras duas. Vejamos nos artigos primeiros das trés a expressao Estados Unidos do Brasil: 1946: Os Estados Unidos do Brasil mantém, sob o regime representativo, a Federacdo e a Reptblica. Todo poder emana do povo e em seu nome seré exercido. 1934: A Nagao Brasileira, constitut- da pela unido perpétua e indissolivel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territ6rios em Estados Unidos do Bra- sil, mantém como forma de governo, sob o regime representativo, a Repti- blica Federativa proclamadaem 15 de novembro de 1889. 1891: A Nacdo Brasileira adota como forma de governo, sob o regime repre- sentativo, a Repiblica Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por unido perpétuae in- dissoliivel das suas antigas provincias, em Estados Unidos do Brasil. A enunciacao da republica america- na é inaugural em relagdo a estas Cons- tituicées brasileiras. Mas ndo o é em relacdo a constituicdo de 88, nem 4 de 37 e de 67, vejamos os artigos primei- ros destas duas Ultimas: 1967: O Brasil é uma Reptiblica Fede- rativa, constituida, sob o regime repre- sentativo, pela unido indissolivel dos Estados, do Distrito Federal e dos Ter- ritorios. 1937: O Brasil é uma Repiblica. O poder politico emana do povo e é exer- cido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua inde- pendéncia e da sua prosperidade, Este rompimento com a enunciacdo da republica americana poe no mesmo lugar as constituicées de 88, 67 e 37? Nao, pois se hé um grau de pardfrase razodvel entre elas no que colocamos agora, hd por outro lado uma diferen- ¢a significativa. importante ressaltar a diferenca entre a presenca de Republica Federa- tiva nesta Constituicdo (de 88) ena de 67. Nesta, Repdblica Federativaéuma predicacdo para Brasil. Na de 88, Re- ptblica Federativa é 0 sujeito que se constitui em Estado Democratico. E desta forma esta Constituicdo atesta que uma Republica Federativa nao é necessariamente um estado democra- 72 Pro-Posigées N° 5 * agosto de 1991 tico. Deste modo a Constituicéo de 67 se aproxima da de 37, pois em ambas aparece Brasil com algo que é predica- do através de uma definicao, o predica- do é Republica em 37 e Reptiblica Fede- rativa em 67. Deste modo em 37 e em 67, 0 texto se dé como se o presidente ou a junta militar definisse o que é 0 Brasil. E isto de tal modo que néo se re- mete 4 proclamagao da replica como sustentacdo do carter de reptblica, a sustentacdo deste carater 6a de quem define. O que hd aqui é um objeto Bra- sil que é definido. E a nocao de objeto parece adequada, até porque Brasil é aqui uma geografia que precisa de qualificacdes politicas. Um outro aspecto a ressaltar nesta mesma diregdo € que nas Constituicées de 88, 46, 34e 91, Republica (ou Rept- blica Federativa) aparece na expressao a Repiblica. Nas Constituigdes de 37 e 67 aparece na expressdo uma Repibli ca (e isto tem a ver com a posi¢do pre- dicativa que ocupa). Esta diferenca é parte de uma materialidade distinta para 0 pré-construido Reptiblica pre- sente em cada texto. Esta materialida- de distinta da conta de que a pré- existéncia para 88, 46, 34,91éadeuma Republica Federativa a que a expres- séo a Repiiblica remete. Podemos dizer que é a da proclamagdo da republica. Ja pré-existéncia para 37 e 67 ndoéa mesma, neste caso a pré-existéncia é um conceito difuso de replica. Para as Constituicées de 88, 46, 34 e 91 Repti- blica é a que foi proclamada no Brasil. Para as de 37, 67, no. Podemos dizer, ent&o, que, ao contra- rio das Constituicdes de 37 e 67, todas as outras Constituicdes tomam a enun- ciacdo da proclamacao da reptblica co- mo inaugurais. Mas, por outro lado, ressalte-se, ain- da, que na Constituigao de 1891, 0 su- jeito que se constitui em um “Estado tal” é a Nacdo Brasileira. E a Nacdo adota como forma de governo a Repti- blica Federativa e constitui-se em Es- tados Unidos do Brasil. Em 88 a Repti- blica Federativa é que se constitui em tal estado. Ou seja, aquilo que era a forma de governo da Nacdo passa a ser 0 sujeito politico coletivo que se cons- titui em estado Democratico. A Nogdo de Republica aqui é mais uma nomea- co do que uma caracterizacao. Entao, se a enunciagdo da proclamacdo da re- publica é inaugural, ela, aparece, no entanto, modificada. H, ainda, um outro aspecto que gos- taria de observar. As constituigées de 1891 e 1934 tém uma outra enunciagéo como inaugural para seu artigo pri- meiro, a enunciacdo da proclamacéo da independéncia do Brasil. Vejamos porque. Nelas aparece como pré- construida a Nacdo Brasileira. Assim estas Constituigées trazem na sua enunciacdo uma enunciacao do Impé- tio. Ao lado de trazerema da proclama- 0 da Repiblica, trazem a enunciacéo da independéncia que institui o Brasil como Nacdo (poderia, inclusive, co- mentar 0 artigo primeiro e outros da Constituicdo do Império). E preciso registrar, no entanto, que este descolamento da enunciagdo inau- gural da independéncia ja se configu- ra no texto de 1934 através da expres- sdo constituida pela unido perpétua e indissolivel dos Estados... que en- quanto efeito de sustentacao apresen- ta a Constituicao da Nacdo como um retorno de um saber ao proprio texto. Conclusao Como forma de sintetizar as seme- Ihancas e diferencas encontradas para os sentidos de Republica no Brasil po- demos dizer: 1) Quanto a posicdo do sujeito da enunciagao do preambulo: a) as constituicdes de 1988, 1946, 1934 e 1891 representam uma posicdo de pessoalidade: a dos representantes do povo brasileiro; b) as constituigdes de 1967 e 1937 re- presentam uma posicdo de pessoalida- 73 Os Sentidos da Reptibtica de diferente para cada caso: na de 67, junta militar; na de 37, presidente da reptblica 2) Quanto a constituigao da perfor- matividade: a) nas constituicdes de 1988, 1946, 1934 e 1891, ela se da na propria enun- ciacao; b) nas constituigdes de 1967 e 1937, ela se da em um lugar preexistente: na de 67, ato 1; na de 37, presidente da re- publica. 3) Quanto As enunciagées inaugurais do artigo 1° destas Constituigdes: a) as constituigdes de 1988, 1946, 1934 e 1891 tém a proclamacdo da republica no Brasil como inaugural. Além disso as constituicées de 46, 34 ¢ 91 tém tam- bém como inaugural a enunciacdo da Republica dos Estados Unidos da América. E, ainda, as constituicdes de 34.91 tém como inaugural a proclama- cdo da independéncia do Brasil; b) as constituicées de 67 e 37 tém co- mo inaugural a enunciagao de um difu- so conceito de republica federativa (constituigdo de 67) e de um difuso con- ceito de reptblica (constituigao de 37). Referéncias bibliograficas AUSTIN, J.L. (1962) How to Do Things with Words, Oxford University Press. DUCROT, O. (1984) Lé Dire et le Dit. Trad. em Portugués, O Dizer e O Dito. Campinas, Pontes, 1987. GUIMARAES, E. (1989) ““Enunciacdo e Hist6ria”. Histéria e Sentido na Linguagem. Campinas, Pontes. HENRY, P. (1977) Le Mauvais Outil. Paris, Klincksieck. ORLANDI, E.P. (1983) A Linguagem e seu Funcionamento. Sao Paulo, Brasiliense. ORLANDI, E.P. (1987) A Linguagem e seu Funcionamento (2? ed, aumentada). Campi- nas, Pontes. ORLANDI, E.P. (1990) Terra a Vista. Sao Paulo, Cortez/Editora da Unicamp, 1990. PECHEUX (1975) Les Vérités de la Palice. Trad. em Portugués, Semantica e Discurso. Campinas, Editora da Unicamp, 1988. Re Este texto faz uma and- SUMO iise' dos sentiaos de Re- publica nas Constituicdes brasileiras. A andlise é feita levando em conta as posi- Ses do sujeito da enunciacdo (através do que se estuda a performatividade dos tex- tos constitucionais), e a organizacdo dos enunciados do preambulo e do artigo pri- meiro das constituicdes republicanas. Des- te modo faz-se uma andlise enunciativo- discursiva, e ndo conteudistica, do senti- do. A anilise, pela consideracao das rela- ¢6es intra e intertextuais, mostra como a Republica foi adquirindo um sentido dife- rente do que significava no texto de 1891 (primeira Constitui¢éo republicana do Brasil). Palavras-chaves: Significados da Republi- ca Brasileira; Conceito de Reptiblica Bra- sileira; Republica Brasileira; Constituicao Brasileira. Ab t This paper contributes STLACT an analysis of the meanings of the concept of Republic int the several Brazilian constitutions. The procedures adopted take into account the perspectives of the subject of ennunciation (through which one searches for the per- formativity of the constitutional texts), and the organization of propositions in both the foreword and first articles of the republican constitutions. In this way one produces a discursive-ennunciative analy- sis of (constitutional) meanings and not of their contents. The analysis, by considering intra and inter textual relations, shows how the meaning of the term Republic evolved as an ever different concept fom that in the 1891 text (of the first republi- can constitution of Brazil). Descriptors: Meanings of Brazilian Repub- lic; Concept of Brazilian Republic; Brazilian Republic; Brazilian Consti- tution. 74

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