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IlECAilA REPUBLICANA
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General Cunha lVIattos Ur. Corrêa de Bittencourt
Exetreito Saude Publiea
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Dr. Frederico Martins
munieipalida --- . o :predetral

RIO D E JAN E IRO


Companhia T;;pographica cio ;:Jra3il
Rua dos Invalidos, 93

1 900
IX

Exercito
~1 \iIE.CA -DA

Causa e fim ·,. o~levante de 15 d , emhro.

Do governo que se · constituio, ao assaltar o


general Deodoro o poder, á frente de parte ela
guarnição do Rio ele Janeiro, em 15 de Novembro
de 1889 , não podia a nação esperar beneficios.
O primeiro ministerio da dictctdura militcw foi re-
crutado, .na rua, até entre bohemios conhecidos.
E precisamente a um desequilibra(lo confiou -se a
pasta do Interior, da qual dependia a organisação
das instituições proclamadas pelos sediciosos ! (1}

(1) Para a pasta de Obras Publicas fizeram vir do Rio


Grande do Sul um engenheiro, cuja capacidade póde ser
avaliada pelo seguinte facto: Em 1887 procurou em Ale-
grete o autor destas linhas para perguntar-lhe como po-
deria saber quantos metros tinha um r ólo de fio de ferro
para cercas, sem tomar o trabalho de abril-o e medil-o !
A qualquer caixeiro de loja ele ferragens teria occorrielo
para evitar a consulta, cortar um metro ele fio, pesai-o e
dividir o peso elo rõlo pelo elo metro, para resolver o in-
ti-incaclo probleca.
De tal não se lembrou, porém, o futuro ministro das
Obras Publicas ela Republica elos E. Unidos do Brazil !
-8-
Ainda que desde logo, entre os proprios ade-
ptos do regimen que ia ser inaugurado, se radi-
casse a crença de qne a republica seria mal succe-
dida, entregue a taes palinuros, todavia ning·uem
duvidou de que a classe donde sahiram os seus
progenitor~s, - o exercito, salvar-se-hia da des-
organisà.ção geral, --:- conseqriencia inevitavel, para
todos os espíritos re:fl.ectidos, do funesto erro de
alguns membros dessa mesma classe, naquelle dia
fatal para o Brazil.
E não faltavam para isso bons fundamentos.
Victorioso, o general que capitaneara o levante
reservara para si o mando supremo com poderes
discricionarios.
A seu lado, gerindo os negocios da guerra,
collocara o Tenente-Coronel Benjamin Constant, o
guia mental ·da mocidade do exercito. Altas e
baixas patentes das forças de terra, por sua vez,
na antiga Côrte e nas províncias apoderaram-se
dos mais elevados cargos da administração geral
e provincial, e, fazendo-se eleger senadores e
deputados, encheram a Constituinte convocada .
Nunca, em paiz algum, no sereno recinto em que
as leis devem ser elaboradas retiniram tantas
espadas e brilharam tantas dragonas!
Era de suppor, portanto, que assim predomi-
nando, , os representantes do militarismo melho-
rassem e engrandecessem a situação em que se
encontravam, tanto mais quanto - simples, curto
- 9 -

e de -facil execução era o intuito apregoado, a um


tempo, como causa principal da subversão das an-
tigas instituições e programma obrigado das que
em lugar dellas erigiram, a saber : ·
a) desaggravctr o exercito ;
b) organisal-o de nwdo a bem desempenhar
sua nobre missão. ·
Infelizmente, ainda estas prev1soes falharam
completamente. Incapacidade ou impotencia -
os marechaes e set1 ·estado-maior não consegui-
ram resguardar da debacle a classe de que
eram chefes. Aos 10 aµnos de republica, o exer-
cito, dividido, humilhado, - quasi em dissolução,
não passa de mais uma victima de sua pro-
pl'ia obra.

* **
Res, non verba. A grande queixa formuiada
contra a monarchia em nome do exercito, no mo-
mento em que alguns de seus membros a der-
rubaram, resumia-se no facto da prisão do com -
mandante da guarda do Thesouro, Tenente Pedro
Carolino, attribuida ao Presidente do Conselho
de ministros do ultimo . gabinete imperial, que sor-
prehendern esse official fóra do seu posto -e em
desalinhavada compostura.
No regimen decahido, careciam de competencia
os ministros das pastas civis para imporem penas
- 10

disciplinares aos officiaes . do exercito, faculdade


que exclusivamente pertencirL, dentre elles, ao mi-
nistro da guerra. Era, entretanto, incontestavel,
que a primeira autoridade do poder executivo,
abaixo do chefe da nação, não estava impedida de
ordenar, dentro da repartição a seu cargo, que se
fôsse apresentar ao superior hierarchico um official
alli posto, para guarda da mesma repartição, ao
encontral-o em falta :flagrante.
Por mais que os agitadores affirmassem o con-
trario, o facto da prisão, ordenada pelo presidente
do Conselho, não era verdadeiro, consistindo em um
dos estratagemas de giierrn, de que se serviram os
sediciosos para, apossando-se do governo, transfor-
marem o Brazil no que hoje é, - grancle fazenda
a explorar. Documentos officiaes provam ter sido
a prisão effectuada pela autoridade competente, o
ajudante general do exercito.
Alludimos a este facto, para mostrar como foi
desaggravado o exercito, mesmo na pessoa ·do
supposto prisioneiro do ex-Presidente do Conselho.
Promovido de Tenente a Capitão, quando por
antiguidade naturalmente lhe coube esse posto,
nelle se conserva, volvido um decennio do novo
regímen, durante o qual tem sido corrido de grande
numero de batalhões da arma de infanteria de
que faz parte. Sua fé de of:ficio transformou-se
em registro de advertencias, reprehensões e pri-
sões; já foi condemnado a 14 annos de dete.nção,
11 -
e, portanto, á perda da farda, commutando -lhe a
pena o Presidente da Republica, naturalmente em
attenção ao facto do Theso uro, de que originou - se
a nova ordem de cousas.
O Almctnaclc :Militar do Ministerio da Guerra
consigna a perda éj.e um m,ez e vinte e sete dias na
antiguidade do posto e praça deste of:ficia1, por
effeito de sentença.
Sob o Imperio, as prerogativa.s e direitos de
que gosavam os officiaes do exercito, ex-vi da
Constituição e das Leis, jámais foram violadas por
quem mais alto estivesse. Em tempo algum vio-se
nm official do exercito condemnado a qualquer
pena, sem preceder sentença definitiva passada
em julgado; nunca foram elles arrastados em chct-
r olct até as prisões, ou a ellas conduzidos por outros
que não os seus pares.
Installado o novo regímen, essas prerogativas
e direitos ficaram totalmente annullados. Ao assu-
1nir o poder, o general Deodoro para dar principio
ao prommettido clesaggrctvo reforma dieta torial-
mente generaes de mar e terra, que não se quize-
ram cleshonrar, trahindo o Imperador. No numero
daquelles figuram o Visconde de Maracajú e os
Barões de Ladario e Rio Apa. Além desses, foi
atirado á 2ª classe do exercito o brig·adeiro José
Clarindo de Queiroz, por não ter marchado á
frente dos alnmnos da Escola Militar para depôr
o governo.
- 12 -

E si o general Deodoro, n.o usu da dictadura,


não duvidou reformar generaes de mar e terra,
ex proprio marte, seu successor, governando con-
stitucionalmente, não q_uiz ficar ·atraz. Iniciou o
Marechal Floriano a administração, reformando
de uma assentada 13 generaes do exercito e ar-
mada, por terem ousado delle discordar no modo
de interpretar a Constitiiiçãç de 24 de Fevereiro,
. em ponto q_ue se referia á permanencia delle pro-
prio Marechal Floriano no poder. O actual Mi-
nistro da Gl!erra, general Mallet, foi uma das 13
victimas referidas.
Mas o desag·gravo do exercito ainda se achava
então em começo.
Logo depois, o Marechal Barreto, q_ue a 15 de
Novembro, · posto á frente das tropas do go-
verno, se bandeara para os sediciosos, além de ser
reformado, é preso, e desterrado para ponto pes-
tífero da fronteira do Amazonas, vendo-se escol-
tado por soldados _! Outros of:ficiaes de todas as
hierarchias são mettidos em cubículos da Casa
de Correcção, de envolta com os condemnados a
galés.
Taes actos de cruel despotismo, q_ue jámais
poderiam ser praticados no tempo do Imperio, não
representam, todavia, tudo de que se mostrou
capaz o poder da Republica. Durante a revolta, o
dictador constitucional, Marechal Floriano, sem
formalidade alguma, sem processo, sem sentença,
- 13

ora ordena o fuzilamento de varios officiaes do


exercito e da armâda, ora consente que seus de-
legados civis e militares assassinem impunemente
camaradas, concidadãos e superiores, como meio
maiR prompto de se _verem livres dos dissidentes
politicos do governo! Entre as victimas referidas,
sobresahe a nobre figura -do Marechal Barão de
Batovy, trucidado cobardemente na fortaleza de
Santa Cruz da Barra de Sanh Catharina, por
ordem do governador militar coronel Moreira
Cesar ! Outros officiaes distinctos, como os co-
roneis Luiz Gomes Caldeira de Andrade e Sergio
Tertuliano Castello Branco foram passados pelas
armas, sem que até hoje se saiba exactamente
quando, e nem por que, como se fossem rezes car-
neadas para a trópa !
Eis a largos traços como foi desaggravado o
exercito-moral e materialmente. Compare o leitor
por si o passado com o presente.

*
* *
Em 1886, o exercito do Imperio únido - teve
bastante força e hombridade para, levantando a
questêí,o militar, alcançar notavel victoria parla-
mentar contra o governo. Tratava-se do direito
que tinham os of.ficiaes do exercito de recorrer á
imprensa., fóra dos casos não permittidos por dis-
posiçõAs expressas.
- 14 -

No calor da luta que então se travou, pensou


o Ministro da Guerra em reformar administrativa-
mente os officiaes, que se collocaram á frente · do
movimento. Seus collegas, porém, oppuzeram-se
tenazmente e longe de adopt_a r-se aquelle alvitre,
mereceu o Imperial beneplacito a celebre Resolu- ·
ção de Consulta de 3 . de Novembro, firmando o
direito contestado.
Em 1889, o exercito esquecendo-se de que na
pessoa do chefe da nação encontrara sempre a
maior garantia de seus direitos, s nble va-se, de põe
o governo, expulsa o Grande Patriota da terra
querida e proclama o regímen republicano.
Cinco annos depois esse mesmo exercito, divi-
dido em dois campos inimigos, bate-se contra si
mesmo e o governo por elle imposto á nação hu-
milha seus generaes e chefes, arrasta-os até os
humidos calabouços destinados a sentenciados por
crimes infamantes, reforma-os, degrada-os e fal-os
fuzilar sem processo algum !
Os factos mencionados passam-se durante o go-
verno provisorio e primeiro período presidencial ;
o segundo · presidente eleito, manda por uma por-
taria do general Ministro da Guerra trancar o
Club ~Militar, esse mesmo Club em que se apoiára
o exercito para em 1887 vencer pE1,rlamentarmente
o governo.
A' porta do Club é collocada uma sentinella
~ara que nelle não penetre quem quer que seja,
- 15 -

sencl o dest' arte cassado ao exerci to o direito de


reunião garantido pela carta de 24 de Fevereiro .

Resta accrescentar que o Congresso da Repu-


blica decretou e o presidente Dr. J:>rudente de Mo-
raes sanccionou uma lei, approvando todos os actos
pratic;ados pelo governo e seus agentes durante a
revolta ...
Com a publicação dessa lei completou o novo
regimen o promettido desaggravo do exercito.
II

Augmento dos soldos, reforma compulsaria


e outros processos

Os primeiros actos da diétadur a militar com


referencia á organisação do exercito, compromisso
\

solemnemente tomado por occasião do levante~


foram os seguiu tes :
angmento dos so Idos
reforma compulsoria ;
alteração dos planos de organisação ;
reforma do ensino militar;
promoções.
O angmento dos soldos dos officiaes do exercito
era assumpto deliberado pelo ultimo gabinete im-
perial. Na reunião extraorclinaria de Novembro de
1889, seria pelo ministro da pasta apresentada ao
Corpo L egislativo a respectiva proposta. Decre-
tado regularmente pelo poder competente, esse
augmento não daria lugar a reparos.
4 ° VOLU~IE
- 18 -

Como foi, porém, concedido pela dictaduni mi-


litar, acto continuo ao assalto ao poder, não podia
deixar de. produzir má impressão. A nação, vendo
o exercito assim aquinhoado, convenceu-se de que
os chefes do levcinte visavam, antes de tudo, o
rrhesouro Nacional.
Na Hespanha, feita a republica pelo exercito,
o general Pavia repellio a offerta de augmento
de soldos, esl?ontaneamente decretado pelo poder
legislativo. Esse augmento, protestou o general
- deshonraria o exercito. Entre nós, é dictatu-
rialmente resolvido, pot aqnelles mesmos, que o ·
iam gozar, sem que um só protesto da classe se
erguesse, contra o acto que à humilhava.
Considerado o facto sob o ponto de vista moral~
é esta a dura verdade; materialmente, o augmento
não passou de um engôdo.
As condições em que se encontram os officiaes
· do ex:ercito neste momento, apezar de muitos
outros accrescimos de soldos e mais vantagens,
que lhe têm sido concedidas, põem fóra de con- ..__
testação aquelle asserto .
Não exageramos. E' uma questão de alga-
rismos que se liquida com a maior facilidade, e
mediante calculo ao alcance de todos.
O ultimo gabinete imperial projectava um aug·
mento de 50 º/ 0 nos soldos do exercito. Um coronel
commandante de corpo, batalhão ou regimento,
- 19 -

de 465;tti000 de vencimentos mensaes, passaria a


perceber 56 5;f/>000.
Sem o augmento de 50 .º/ no soldo, as van-
0

tagens annuaes dos coroneis, chefes de corpos,


importariam em 5:580~ ouro, conforme o valor
da rrioeda em que eram pagos. Com o augmento
aquella quantia elevar-se-ia a 6:780;,tt,. Em 10
annos cada coronel dev.e ria receber, no primeiro
~aso - 55:800~ e 67:S00;ftl no segundo.
Proclamada a Republica, foram ,a ugmentados
os soldos por duas vezes, melhoradas as tabellas
<las gratificações de serviço e alterado para
mais o valor das etapas. Em 10 annos cada
coronel comm andante tem recebido dos cofres
publicos muito proximamente cem, contos de r éis
,em papel-moeda.
E' sabido que, sob a Republica , desde o pri-
meiro momento, precipitou-se, como era de esperar,
a baixa do cambio, a qual em 15 de Novembro de ·
1889 se mantinha firme acima do par, e, baixando
•O cambio, a moeda, em que eram e são feitos
os pagamentos pelo Estado, foi proporcionalmente
perdendo valor.
Em principio do anno de 1890 o augmento
<le 50 º/ decretado em fins do anno anterior, já
0
,

de facto estava reduzido a 35 º/ com ª_.!}~:P-~


0 ·-=---
ciação do papel-moeda . ~ ~\,.\Q1íltÜA 0,4
Continuando_ a baixar o cambiO' su'ccessiva-
mente, os officiaes do exercito, todos os
E'PU "fAO
~ --
' . ...
~- · ·
.
20 -

funcci onarios publicas, chega:ram a receber de


facto menos de 25 º/0 de suas vantagens, du-
rante mezes e annos.
O prejuizo que lhes tem resultado é enorme;
eleva-se a cifra consideravel, fazendo-se o calculo
dia por dia. Vejamos:
Recebeu um coronel commaüdante em 10 annos
de Republica 100:000;fj) com todos os augmentos
decretados.
Pois bem, sem augmento algum, isto é, com as
vantagens qne lhes · cabiam em 15 de Novembro-
de 1889 teriam recebido, como provamos, em
10 annos 55:SOO;tt, e com o angmento 67:SOO;fj)OOO.
Mas, essas quantias equivalem em papel-moeda
da Republica, no momento actnal (20 de Setembro)
em que o cambio se acha a 8 - a 189:882;ttl e
232:576~. Verifica~se, portanto, que no primeiro
caso o pi·ejuizo em 10 annos é de 89 :882;t)l e no
· segundo de 132:576;t)l, algarismos que aliás estão
abaixo da verdade, · porquanto annos houve em que
a queda do cambio elevou o valor da libra es-
terlina a mais de 40;tt,, e damos-lhe no nosso cal-
culo o valor médio de 30rit429.
O que a Republica fez foi clobrar os venci-
mentos dos officiaes e praças, recluzindo o valor da.
moeda a menos de um terço.
O calculo acima é applicavel aos officiaes de
todas as · hierarchias, proporcionalmente ás respe-
ctivas vantagens.
- 21 -

Diante da eloquencia · dos algarismos, força é


reconhecer que o exercito, com todos os augmentos
de soldos e mais vantagens, foi roubado pela Re-
publica.
Convém notar que não levamos em conta _os
impostos ultimamente lançados sobre vencimentos
de 4, 7 °/ 0 e 10 % , nem tão pouco os novos 5· º /~ ~
com que é aggravada a importação ; que fatalrriente
refiectirão pelo menós indü:ectamente no valor do
papel-moeda.
Estes · encargos elevam-se, annualmente, a uma
somma tal, que seria sufficiente, para um bom .se-
guro- de vida em favor .d as familias d.os officiaes ;
O corpo legislativo, porém, ainda os considerou
poucos e creiou mais um. imposto per capita .. ,
para a publicação do Almcmak Militar !
Não é pois de extranhar, que _o.S officiaes do
exercito em sua grande maioria se vejam em aper-
tadíssimas condições de vida, .presos ao Thesouro
por descontos para ;indemnizar a· Fazenda -Nacio-
nal, assim como . aos bancos e cooperativas , que
sem dó nem piedade os exploram, f acilitctndo-lhes
descontos garantidos pelo governo, constituido em
caixeiro de taes emprezas. (1) .

( l) No moo;iento em que escrevemos ,estas linlias , annun-


,ciam os jornaes a morte, en1· hospital, do general Toi"edÓ .
l:ltbas, á mtngua de recur sos ! ,. ·
Pobre e hum.i.lhado exercito! ... a qne te redu-
ziram em 10 annos ! l

A reform,ct conipulsoria, não póde deixar de ser


considerada acto iinpensado e vandalico dct dicta-
~clui-a niilitar.
Impensado, porque, ferindo de frente sagrados
direitos dos velhos encanecidos no serviço das
armas, a.o mesmo tempo privou o exercito da. ex-
periencia dos seus melhores chefes no serviço de
paz e guerra. São ainda os factos que se encar-
regam de demonstrar a verdade da asserção.
Vandalico, tambem, porque acabrnnhou cen-
tenas de chefes do exercito, cheios de serviços á,
patda em .todas as emergencias, privando-os de
permanecerem na actividade, emquanto suas con-
diç'ões de sande o permittissem. Foram elles, en-
tretanto, esbulhados desse direito por um poder
nascido na rua e por elle reduzidos á miseria em
que se acham.
"reve o attentado origem na precisão de abrir
caminho para os altos postos aos parentes e amigos
proximos da dictadura e áquelles que, sendo de
tudo capazes, tornavam-se necessarios para dar
apofo ipcondicional a um governo que, como um .
cyclone, acabava de fazer ruir, com as intituições,
a liberdade e o direito, ameaçando destruir a
fortuna publica.
- 23 --

A principio simulou-se a melhor vontade para


com as victimas da compulsoria, sendo quasi todas
aproveitadas em commissões sedentarias, em que
encontrassem compensação das vantagens perdidas,
ou antes que acabavam de lhes ser arrebatadas.
Essa boa vontade foi, entretanto, um novo
engôclo de caracter temporario.
Pouco a pouco viram-se os compulsados expel-
lidos dos empregos que exerciam, chegando-se a
prohibir que occupassem cargos no ministerio da
guerra: ao mesmo tempo que s~ procedia de iden-
tico modo com os honorarios, mutilados na campa-
nha do Paraguay, reduzidos estes á triste contin-
gencia de esmolar pelas ruas.
Pequeno ni:i,o é o numero dos reformados e
honorarios da lei de 1838, que se vêm na dura
necessidade de recorrer com mais ou menos recato
á caridade pubiica .
Por sua vez o exercito está a · esmolar expe-
riencia.
Os factos o provam.
Para combater a revolução rio-grandense, ca-
pitaneada, aliás, por um caudilho, que jámais mi-
litara, não encontrou a Republica um general
capaz de delinear o plano de campanha a seguir .
O clictador lançou mão de todos os recursos,
de tudo e de todos, contra Gumersindo Saraiva
e este o ludibriou, até ser attingido por uma
bala perdida.
- 24 -

O gaúcho rio-grandense-· aproximara-se das


fronteiras de S. Paulo, vencendo as tropas regu-
lares do governo e voltara á terra •donde sahira;
fazendo uma retirada memoravel, a qual não ponde ·
ser comprehendida pelos numerosos generaes, qne
. por todos os lados o pretenderam subjugar e ven-
cer. Compulsados se achavam os chefes que pode-
riam cereal-o ...
Revolta-se a esquadra e, desprovida de tudo,
apoia-se no Arsenal da Armação. A ninguem occor-
reu tomar promptamente a sua base de operações,
privando-a de recursos bellicos, que só dalli poderia
tirar. Não houve quem fizesse ver ao marechal Flo-
riano, que dispunha de material sufficiente, para em
24 horas lançar fóra da bahia os navios revoltados.
Não faltou, porém, quem se lembrasse -de ir
pedir ao estrangeiro protecção e apoio, declaran-
do-se p1;1,ra alcançal-os, que a esquadra se conver-
tera em fróta · de · piratas !
Quanto havíamos já descido em tão pouco
tempo ! Em 1865 o exercito, ao mando do ma-
rechal João Propicio, (2) em tres mezes transpõe a
fronteira do Estado Orienta.!, vence em Paysandú
e obrig·a a rendição de Montevidéo aos 20 de
Fevereiro. Antonio Conselheiro levanta-se no ser-
tão da Bahia á frente de 500- ou 600 fanaticos,

(2) Barão de S. Gabriel.


- 25 -

,armados de trabucos, e a Republica para derrotal-o


consome um anuo, perde tres expedições . de tro-
pas regulares e vê-se forçada a formar um exerci to
de 15.000 homens das tres armas_, com artilheria
de sitio e s6 entra em Canudos quinze dias depois
do velho fanatico ter fallecido de diarrhéa.
Nessa campanha a Republica sacrifica um nu-
mero de homens igual ao das forças, que compu-
nham o exercito do marechal João Propicio !
O que marchou sobre Canudos, tendo partido
a meia ração (3) deixou cortar por 80 homens .as
suas colnmnas de munições de bocca e guerra,
correndo o risco de ser totalmente sacrificado pela
fome, pelo ferro inimigo e pela gigantesca idéa de
uma marcha de flanco, abandonando-se o material
de artilheria, que os g·eneraes não sabiam para
que servisse.
Era a compulsaria . que produzia os seus na-
turaes effeitos ...
Até o brio parecia ter-se perdido. Generaes e
chefes pediam reforma como meio de não enfren-
tarem o fanatico e abandonaram o theatro das ope-
rações! Deixemos os commentarios ao leitor.
Em Canudos não falhou sómente a experiencia
dos encanecidos no serviço. Nossos soldados, na

(3) Duranto dois mezes discutia-se o preço da rapadura


·e afinal o exercito marchou sem rapacliwa ! Dir-se-ha quo
assim se procedia para economisar os dinheiros pnl:ilicos? ...
26 -

wa-iol' parte nortistas , creados na religião do


Christo, ao pernoitarem nas cercanias de Monte
Lindo, depois de grande refrega, naturalmente
deixavam-se apoderar .de panico, vendo-se ex-
hatistos de munições de bocca e de guerra, cer-
cados por centenas de cadaveres de camaradas
insepultos, sem terem ao menos recebido a benção
do sacerdote, e ouvindo á distancia, por entre os
lancinantes gemidos dos feridos e mutilados, o's
fervorosos e sagrados canticos dos fanaticos.
A Republica privara-os do seu Deus, substi-
tuindo-o pelo amante de Clotilde de Veaux. Dis-
solvera o Corpo Ecclesiastico do Exercito; e, de
uma imprevidencia · inqualificavel, não se achou
apparelhada para fornecer á expedição, nem fa-
cultativos em numero sufficiente, nem o indispen-
savel material sanitario.
Os feridos, generaes, chefes, officiaes e soldculos,
transformaram o vallo de Favella em hospital de
sangue, á descoberto da:;; intemperies e dos pro-
jectis inimigos ! E em desmoralisadora promis-
0cuidade tiveram, os infelizes , de ahi permanecet·
durante longas semanas, curtindo, além das dores
atrozes, fome e sêde, envenenando-se com os mi-
asmas lethaes, desprendidos desse solo, trans- •
formado em grande cloaca, geradora de vermes,
que aos milhões os perseguiam !
Parece incrível que o exercito brazileiro, a
tão pequena distancia de uma cidade como a de
- 27 -

S. Salvador, com uma linha de commnuicação em


parte servida por via ferrea se visse exposto é,
tão crneis soffrimentos !
Ha, porém, nesses f'astos da Republica alguma
cousa, que ainda• mais deve entristecer todos os

brazileiros, e contra a ,qual protestou a grande
maioria do exercito, por honra sua, - é a destruição
de Canudos, é o exterminio de seus infelizes ha-
bitantes. Não mencionam os annaes militares qua-
dro de tamanho horror! Arrazou Tito Jerusalém,
só adiando a morte de poucos prisioneiros para
figurarem no seu trajecto triumphal pelas ruas
· de Roma. O celebre Duque d' Alba tambem não
deixou viv'alma, nas cidades que tomou de assalto
e reduzio a montões de escombros. Mas, além de
que a civilisação d'aquelles tei:npos remotos dis-
tancia-se da actual, como as trevas da lnz, não
pertenciam os vencidos á mesma nacionalidade
dos barbaros vencedores.
Na terra de Santa Cruz, sob a Republica., que
se diz ser o regímen da fraternidade, soldados
brazileiros aniquilaram prospera povoação brazi-
leira, e a ferro e fogo trucidaram compatriotas,
sem poupar velhos, crianças, mulheres, feridos
e • enfermos ! As hostes repnlJlicanas executa-
ram, fielmente as ordens que lhes transmittira o
Sr. Prudente de Moraes - não clei x ern p edra sobre
p edrn , ao despedir-se da ultima expedição, orga-
nisada contra aquelle pugillo de concidadãos,
28 -

qne outra ct1lpa não tinham senão a exaltação


teligfosa. (4)
A justiça de Deus, que as vezes parece tardar,
mas não falha, manifesta-se, as vezes, quando
menos se espera. Marcelino Bisio, p assassino . de
'5 -de Novembro , no Arsenal de Guerra, não
faria parte dos . degolladores -e incendiario8 de
Canudos?

(4) Quem · quizcr conhecer até que ponto cbogoÚ a


crueldad·e dos vencedores, lêa a Campanha ele Oamr.dos
por T<Volsey.
III

Os novos planos de organização ; promoções ;


reforma do ensino militar

A reorganisação elo exercito promettida na plata-


forma da dictadura militar, cifra-se até hoje no ·
aug·mento dos quadros : elevou-se o numero dos
batalhões e regimentos assim como o de officfaes
dos corpos especiaes. Apenas ao corpo de saude
se déu nova organisação, não em hene:ficio do ex-
ercito e da nação, mas para encobrir o desejo de
promptamente elevar ao generalato um irmão do
dictador, logo promovido a coronel.
O general Mallet, em seu relatorio do cor-
rente anno, referindo-se á organisação do exer-
cito diz que não .se attencleu ás condições de
mobilisação elas uniclctcles tacticas; e um dos seus
antecessores, o general Vasques, no fim do se-
gundo perioclo presidencial, confessou tuclo estccr
por fctzer-se, propondo uma reforma geral de
- 30 -

que • não escaparia o proprio Asylo de Invalidos


da Patria.
E' ainda o primeiro dos dois referidos generaes
quem toma a si o encargo de affirmar, que a arma
de eng·enharia é incapaz do serviço que lhe é
proprio, por suei defeituosa organisação e porque
não se a emprega com propriedade, não podendo
por tanto ticlquirir pratica elos serviços qiie lhe são
peculiares.
Creou-se, entretanto, o E staclo Maior do Ex-
ercito, verdadeira monstruosidade de disparates .
A idéa nasceu na Camara dos Deputados, sendo
radicalmente alterada pelos M arechaes do senado.
O substitutivo que prevaleceu não fôra escripto
em vernaculo. A Commissão de redacção teve
de corrigil-o .
A lei de creação do Estado Maior do Exercito
foi sanccionada e logo declarada impraticavel. Re ~
gnlamentada e posta em pratica, é escolhido para
. o cargo de chefe do Estado Maior exactamente o
general que ·como ministro a declarara inexequível !
No _regulamento tratou-se de falseal-a, mesmo
porque não convinha que o chefe ficasse impossi-
bilitado de ter junto a si um filho com grandes
vantagens e nenhum trnbalho, Não resiste essa
lei a mais perfunct~ria analyse. Para fazei-a
completa , s~ria preciso escrever grosso volume.
Limitemo-nos a alguns exemplos. · O chefe do
Estado Maior que deve tudo saber para poder

/
31

dirigir tudo, 'que diz respeito a um exerdtt) -


pode ser analphabeto, comtanto que _ seja general
ã.e divisão ! Os ajudantes do chefe do Estado
Maior devem ter o curso de artilharia pelo
menos!
O Estado-Maior do Exercito tem a seu cargo
os ' seguintes trabalhos (além de muitos outros):
organisação dct carta gera l da Re1Ju.blica ; leva?i-
tam,entos geodesicos e topographicos das operações
inilitcwes; vZano da viação gerctl sob o ponto
ele vista militar; estradas e linhas estrategicas ; .
emprego militar elas vias ferreas; telegraphia e tele-
tJhonia ; cryptographia; systerna de signaes; ctreos-
. teação e pombos correios .
Para todos estes trabalhos, alguns de grande
relevancia, marcam o regulamento e a lei o se-
guinte pessoal : 1 chefe de secção ; 3 adjuntos e
2 amanuenses !
Simplesmente irrisorio ....
Na França - equivalente em territorio a al•·
gumas das nossas antigas províncias, não das ·
maiores, - onde ha uma _carta m,ilitar levantada,
representando trabalho secular e despeza de cen-
tenas de milhões de francos, o Estado-Maior do
Exercito possue uma secção de geographia; com
pessoal especial maior do que todo o nosso Estado
Maior do Exercito ; no Brazil com territorio 10
vezes maior, confia-se aquella variedade de tra-
balhos importantes a seis homens I sendo i{ois
32

amanuenses. Verdadeira secção de geographia


não conta sequer um desenhista!
Será preciso levar a analyse do aborto a.diante?.
Não por certo. (1)
Com tal lei do Estado-Maior não se deveria
surprehender o general Campos ( ministro da
guerra argentino) ao ouvir um general brazilefro
dizer-lhe, que a tiniclctcle tactica da nossa infan-
teria é a ,brigacla !
Em virtude da creação do Estado-Maior do·
1

Exercito supprimio-se a Repàrtição e, como conse-


quencia, 6 ca.rgo de Quartel-Mestre General, ou
ant es fundio-se aqnella repartição com a Inten-
dencia da GLrntTa, organisac'la em 1872, confun-
dindo-se assim a repartição superior de fiscalisação
do material com a de compra e gnarda do mesmo
em tempo ele paz} e de forragens e viveres em
occasião de guerra.
A Intendencia da Guerra era uma repartição
verdadeiramente civil, como sempre foram as in-
te:i,clencicis, que se organisaram junto aos ex:ercitos.
em operações nas nossas campanhas .
. A pratica demonstrára sua necessidade, assim .
como a de outra repartição de fiscalisação, todas.

(1) Principalmente depois do golpe mortal que recebeu


c1o governo, nomeando uma grande commissão especial para.
confeccionar o plano de organização c1o exercito, tarefa que
privcdivmnente pertence ao Estado Maior, assim reconhecido
incapaz de tal.
- 33 -

sob a direcção do Quartel-Mestre General, cargo


de grande importancia nos exercitos e que reclama
um g·eneral de notavel capacidade, attentos os ser-
viços importantes que pertence-lhe dirigir on por
elles velar. Confundia-se, porém, tudo com a nova
lei e a experiencia se encarregará ele provar
opportunamente a inadvertencia da r~forma.
Quanto ao mais mudou-se o nome ao com-·
mando geral da artilharia, para denominal-o -
Direcção ; supprimiu-se a Commissão Technica
Militar Consultiva e operou-se tambem a mudança
de designação do Commando Geral do Corpo ele
Engenheiros.
Elevou-se o exercito a 28.000 homens, mas por
falta de meios para mantel-o acha-se limitado de
facto a 16. 000, isto é, a menos dos que seriam
precisos só .para os 40 batalhões de infanteria, con-
forme o plano de organisação dessa arma. Como
consequencia corpos ha que se acham reduzidos.
a menos de 1/3 do respectivo estaclo completo! ··
Como se vê, nada fez a Republica em 10 annos
qna·nto á organisação do exercito e empobrecida:
como a deixaram, a tendencia que se manifesta é
para fazel-o desapparecer lentamente . (2) ·

(2) Ao ministro ela guerra, general :Mallet, que se mos-


trou desejoso ele algo fa:?iel' em beneficio elo exercito, con-·
cedeu o corpo legislativo 2/3 elo que, em leilão, produzirem
os rnetaes velhos existentes nas fortalezas , arsenaes e de--
positos ele artigos Lellicos !
3 4° VOLml E
- 34 -

Si os ministros da guerra da Republica, entre-


tanto, comprehendessem que a creação da com-
panhia de guerrci foi uma invenção cmti-technica,
ter-lhes-hia sido facil dar á arma de infanteria
uma outra organisação mais scientifica, accommo-
dando a despeza aos actuaes e escassos recursos
do Erario Publico.
Em vez, porém, de procederem intelligente-
mente, tem elles preferido ir destruindo a esmo os
elementos que encontraram cre·ados com grande
custo e aos poucos, sem cogitar dos desastres
que d'ahi nos podem provir em occasiões de
perigo.
·, Com a reform,a do ensino militar não tem sido
mais feliz a Republica.
Revogou-se a lei do mestre, Benjamin Cons-
tant, e a que a reformou já est~ condemnada.
Supprimiram-se escolas superiores, e confundio-se
as de tiro com as preparatorias. O novo regula-
mento já está por sua vez condemnado e sorra-
teiramente procura-se voltar ao passado.
Com a Republica desappareceu o Deposito
de Aprendizes Artilheiros, depois de transformado
em Escola de Sargentos - ; o norte perdeu a
escola do Ceará e o Rio Grande do ' Sul a de
Porto Alegre.
Tudo vai sendo feito com a maior irreflexão, á
titulo de economia, reclamada pela penuria dos
cofres publicos empobrecidos pelos máos governos.
35

** *
As promoções decretadas durante o primeiro pe-
1·iodo da dictadnra militar causaram verdadeira
indignação. Todas as leis que regiam o accesso
foram postas á marg·em e a pretexto de imagina-
;i:ios serviços relevantes fez o governo presente dos
postos a quem lhe aprouve.
A -mais de mil subio o numero dé officiaes pre-
teridos nos primeiros mezes do novo regímen.
Um coronel que pelo finado Duque de Caxias fôra,
na Campanha do Paraguay, retirado por inepto
da frente do corpo que commandava, em 90 dias
de republica galgou o posto de marechal de Campo,
sentou-se nas cadeiras do Co.nselho Supremo, como
conselheiro de g uerra e alcançou o commando mi-
litar do mais importante Estado da fronteira, accumu-
ladamente com o cargo de governador civil !
Afinal re<.;onheceu-se que o feliz general da
republica quando muito poderia ter sido rromeado
professor de dimça. (3)
Todos os parentes dei dictadura alcançaram
pi-omptamente dois e tres postos, não constando
que até hoje qualquer delles tenha produzido cousa

(3) Este mesmo é descontente; j a me declarou qne está


arrependido de ter feito a republica ! Reformado adminis-
trativamente, puseram-no para fóra do Conselho Supremo
Militar como se clespede um máo criado.
- 36 -

u til, ou dado provas de capacidade militar. 0011 -


tinnaram a )11.ostrar-se nnllos, como eram.
Dos que não sendo parentes da dictadu,ra
foram escolhidos para preterirem seus camaradas,
saltando por cima dos postos, tambem não snrgio
nenhum, que se revelasse merecedor de tal dis-
tincção. Mais de um, porém, já teve occasião de
sacrificar seus camaradas.
As leis do accesso tem continuado sempre a.
ser deixadas á margem quando se trata de favo-
recer politiqueiros : - haja vista a promoção de
ofliciaes superiores, depois da campanha de Ca-
nudos, em que muitos dos protegidos foram pre-
encher vag'as, que pela lei cabiam aquelles que
tinham se achado nessa campanha quando taes
vag·as se deram nos corpos, em qne haviam com-
batido.
O proprio commandante em chefe das forças
em op6rações na Bahia foi pouco depois preterido.
por um seu commandado !
Relativamente ás promoções militares, feitas
sob a Republica, nada houve de mais interessante
e efficaz para a reorganisação do exercito do que a
acclainação ela rua Lcirga ele S. Jociqiiim, logo ao·
alvorecer do novo regímen.
Ali, por occasião de uma das troças, que se
denominavam rnanifestcições popi~lares, o Sr. Capitão
Serzedello Corrêa, derramando lagrimas, dessa vez
de enthusiasmo, proclamou, do meio da calçada, que
'

- 37

·O exercito e a armada, em nome da nação, promo-


viam o tenente-coronel Benjamim a general e o
general Deodoro a generalissimo ( 4). Houve vivas
e hurrahs, os promovidos da saccada, d'onde assis-
tiam á passeata, cumprimentaram agradecendo.
Dias depois, movendo duvida a Secretaria do
Cunselho Supr,emo Militar acerca da patente, que
deveria lavrar .para o novo genetalissim.o, orde-
nou-lhe o ministro da guerra qUe consultasse a res-
peito o m6smo gene!-·al Deodoro, visto não havei·
acto regulamentar creando o posto.
Curioso o despacho, concebido, salvo alguma
palavra que me escapasse, neste~ termos:
« Isto foi uinct cisneira. Passe. patente de mare-
chal , mesmo porque na tabella ·não se consignou
soldo para semelhante entidade e não devo, mais
unia vez, marcar as minhas prop rias vantagens!
Nada mais consoante á um governo cleniocra-
tico, constituído pela força armada .

(4) Por essa occasião tambem o. Sr. Wandonkok, minis-


tro da marinha, pillwii por ace1arnação dous postos, - pois
elevaram-o a vice-almirante.
IV

Os resultados já colhidos; perspectiva


do futuro ·

Em qne condições se encontra o exercito, quanto


a material, aos 10 annos de republica?
Já extinguio ella tres arsenaes de guerra, com
os quaes desapparecer'.l.m os respectivos · corpos de
operario_s, de aprendizes artífices e de menores.
O arsenal do Rio de Janeiro vae ser vendido e
serão transferidas suas diversas secções para a
fabrica de tecidos S. Lazaro. (1) O Laboratorio
do Campinho, arruinado por uma explosão, está

(1) O Arsenal ele Porto-Alegre parece condemnado a


perder uma parte dos seus edifícios, a que confina com o rio
Guahyba, cobiçada para alfandega. Sem esses compartimentos,
em que tem grandes depositos e por onde se fazem os em-
barques, ficará reduzido a meio e nas maiores clifficuldades.
Pouco importa; já não carecemos nem de exercito nem de
· arsenaes .. .
40

•condemnado a desapparecer. A fabrica de polvora


da Estrella parece tambem prestes a extinguir-se.
Para o armamento moderno não temos officinas,
qLte possam produzir polvora apropriada. Tudo
quanto se fez até hoje, nesta parte, foi montar
.urna fabrica para cartuchos.
Substitnio-se a arma Comblain pela Mauser de
repetição; não está provado, porém, que da altera-
_ção resultasse vantagem. Longe disso, em Canudos
Antonio Conselheiro com os seus trabucos mediu-se
vantajosamente contra a,s nossas tropas armadas
com a 1lfai.iser, fazendo até acreditar que tinha
as cluin-clHniS.
Artilheria ele campanha não possuímos. Os 180
canhões ele 7 .5 L /28 adquiridos pela Republica
são verdadeiros trambolh0s, que só servem para
encher os armazens dos depositos. (2)
A cavallaria encontra-se a pé.
E o corpo ele transportes?
Ah ! Esse freta conducções para suas baga-
gens, quando tem de mudar de parada! ...
As autoridades civis e militares da Republica
não se deram ao trabalho de reflectir nas enor-
mes responsabilidades, que sobre ellas pesam, em

(2) O fabricante declarou insistentemente que os nossos


visinhos do Prata possuiam melhor material e não deve-
riamos adquirir o modelo preferido. Em vez do aceitarmos
o bom conselho, insistimos em compral-o, modificando-o
para peior.
- 41 -

-consequencia das condições de fraqueza á que re-


duziram a força armada. Não lhes occorre que
na guerra paga-se caro a imprevidencia e nem
.sempre é possível remedial-a.

* **
Eis em. que condições moraes e materiaes se
acha o exercito aos 1 O annos do novo regímen.
Dividido, hnmilhado, enfraquecido e mais de um a
vez batido, não pode ser comparado ao exercito
{1e 1889 - altivo, unido, cheio de si pelas victorias
que relembrava e pelo prestigio de seus generaes
e chefes. Hoje seria impossivel ao nosso exercito
transpor, como ein 1865, a fronteira da Banda
Oriental. No declive em que se precipita pouco
falta para vel-o dissolvido. Para os nossos visinhos
não vale elle nada; em alguns Estados não pode
enfrentar com a policia. Aqui mesmo, na Capital
Federal, onde merece -inais cuidado, na ultima
grande revista, visível era a di:fferença que fazia da
policia - á qual nada faltou para seu lusimento.
Os argentinos já não dizem · que o Brazil é iwna
ameaça perrnctnente, como no tempo do Imperio.
Com o desapparecimento do exercito, que parece
certo, em olvido cabirão todos os seus feitos, todas
as victorias, em porfiados e sangrentos combates,
e devolvidos que sejam aos antigos inimigos os
trophéos por elle ganhos nos campos de batalha,
o que lhe rest&.rá e á . nação, que ha 10 annos,
- 42 -

inventariava em seu rico patdmonio tantos bens


de immenso valor, de par com os mais justos e
levantados títulos de nobilissimo orgulho e pa-
triotico desvanecimento ?
No conceíto dos que se acham na posse do
poder, ou desfructam as vantagens das altas posi-
ções, para o muitíssimo que o exercito e a nação
perderam, sob todos os pontos de vista, inestima-
vel compensação é, em primeiro lugar, - a substi-
tuição das antiquadas e ronceiras formulas, com
que se fechava a correspondencia official - Deus
Guarde á V. 8., ou á V. Ex., pelo moder-
nismo - saucle e fraternidade, embora a primeira
dessas palavras seja apenas erro crasso de fací-
lima traducção franceza, e a fraternidade prati-
camente se haja realisado na hecatombe de mi-
lhares de brazileiros, sacrificados nas g-rótas da
serra de Coritiba, nas masmorras da fortaleza de
Santa Cruz, em Santa Catharina, nas planuras
do Campo Osorio no Rio Grande do Sul, nos des-
filadeiros de Canudos, nas ruas de Nictheroy, nas
ilhas do Governador e Boqueirão do Rio de Ja-
neiro, nos lug·ares mais publicos da propria Ca-
pital da União, e em numerosíssimos diversos outros
pontos de todas as ex-provincias. - Sim; não ha
uma só em que o sangue dos nossos compatriotas
não tenha corrido aos borbotões, por motivos me-
ramente políticos, depois da proclamação da re-
publica !
- 43

Em segundo logar, e conforme a mesma opi-


nião insuspeita dos que dirigem e exploram a
situação, motivo não ha para lamentar-se o que
perdemos, antes para regosijo, desde que troca-
mos a vetusta e deprimente denominação sobe-
rana - Irnperio do Brazil pela de - Republica
elos Estaclos Uniclos do Brazil, ainda que esses
Estados vejam de dia em dia se afrouxarem os
laços, que os 'prendiam, constituindo uma nação
homogenea e forte, de forma que já abertamente
se distingue a patria paulista ela mineira, a patria
r·io-granelense ela aniázonica, passando para plano
inferior a patria grande e de todos - a patria
brazileú:ci !
Em terceiro lugar, finalmente, e sempre no
desinteressado pensar dos dominadores, lucramos
enormemente com a mudança das institLlições, por-
que com ella integralizou-se a estructura gov erna-
m,ental da America. Como, se porventura, a Ame-
rica alguma cousa houvesse feito, jamais, em prol
do Brazil, para que a imitassemos, ou mais feliz
tenha ella sido, com os seus governos denominados
clem,ocraticos , do que foi o Brazil sob a monarchia.
Como se a historia ahi não estivesse para provar que,
neste continente, a Republica, começando, ao
norte, por caracterisar-se pela mais odiosa das
aristocracias, a da cor e do dinheiro, hoje se as-
signala pela sede de conquistas, cobiçando até a
do nosso rio-mar, e outra cousa nunca foi, tambem
44
ao nortR, no centro e ao sul, mais do que cles-
bragada corrupção e anarchia, onde á tudo e á
todos não avassala a feroz dictadura de caudilhos
ignorantes , cupidos ou sanguinarios !
Sim; blazona o jacobinisnio indígena de haver
completado a integralisação da America, expellindo
uma dynastia consagrada pela tradição e pela
historia, quanto pelas virtudes e civismo do seus
representantes. E para que? Para enthronisar em
cada Estado as · estirpes dos filhos, parentes e
adherentes dos que nelles empolg·aram o poder,
graças ao simulacro de eleições, mercê da violencia
ou da fraude, e que os administram a seu arbítrio,
sem contrapeso, discricionariamente, malbaratando
as rendas publicas, accrescidas á custa da União e
de impostos ex:agerados sem conta, nem medida.
Impostos que vão tornando a vida quasi impossível ás
proprias classes abastadas , e fatalmente as condu-
zirão á bancarrota, já declarada em alguns e n'ontros
apenas adiada, mediante os expedientes Ónerosis-
simos de que já se soccorreu o Thesonro Federal.
Assim, em lugar do l!]lperador aug usto e ma-
gnanimo, que todas as nações cultas respeita-
vam contamos hoje ... 21 cuciques, iguaes na phi-
laucia, e que ou se notabilisam pela força e pelo
dólo, ou cobrem-se de ridículos, provocando a ga-
lhofa mesmo dos nossos vizinhos mais atrazados !
Eis os resultados da empreitada, que illndida
por ·falsos amigos e maus conselheiros, executou
- 4õ -

uma parte da guarnição da cidade do Rio de Ja-


neiro: na maelrug·aela de· 15 ele Novembro!
Aproveitaria., siqner, á classe esse acto ele ir-
reflexão ?
Em 1889 despendia o Imperio 1666. 000 ;f;
com o exercito, 10 annos depois, tendo sido
angmentado pretende-se mantel-o com menos 1./3
daquella importancia.
Só os cegos não veem o que se intenta.
Já não é possível obter do corpo legislativo
e do governo um beneficio, uma vantagem, um
melhoramento para o Exercito. Haja vista a re-
organisação dos Corpos de Engenheiros· e E::i-
tado Maior, ultimamente vetada, e. os . projectos
concedendo vantagens aos reformados compulsoria-
mente e ás familias dos officiaes mortos em Ca-
nudos, que se portaram com bravura - todos
repellidos.
Entre em si cada um elos que têm a honra
de vestir uma farda, desde a praça de pret, rôtft
e faminta fóra ela capital, -desde o sargento, qne
só ao cabo de prolongadissimos annos poderá as-
pirar aos galões ele alferes, atulhados como se
acham os quadros por milhares de promoções ille-
gaes, até o coronel ou o general, obrigado a re-
bater o soldo, á preço de implacavel usura; pondere
que nem ao menos pode confiar na effectividade
de suas regalias, arrastados como já foram não
poucos aos carceres immundos e ao exilio em zonas
1 .•

46 -

pestiferas, - fuzilados outros ·-sem processo, nem


julgamento, sem que até hoje ás desoladas familias
reste ao menos a triste consolação de saberem em
que dia foram assassinados e o lugar em que re-
pousam se us restos queridos.-Em uma palavra, con-
sulte cada militar o intimo da consciencia e ella
dir-lhe-ha que não vale, nà actualidade, o que
valia na vespera de 15 de Novembro.
Nem a gratidão daquelles á quem arrancou
da obscuridade, para collocal-os na cupola social,
adquiria o exercito ! Querem mais provas? Lancem
os olhos para qualquer dos Estados da descon-
juntada Uniã.o e em todos verão um regimento,
ou brigaqa de policia, generosamente paga, bem
armada e municiada. Futuras divisões q_ue se
apparelham e se instruem, não para combater o
inimig·o exterior, que felizmente não temos, nem
rasoavelmente poderemos ter em proximos annos,
- mas para fazer frente e levar dd vencida a tropa
de linha. Só os cegos, - repetil-o-hemos, deixarão
de lobrigar uma perspectiva, que nitidamente se
vai destacando nos horisontes da patria !
Encerravam uma profecia sinistra as palavras,
que relativamente á milícia riograndense do Sul,
escreveu o bravo general Carlos Telles, tão cedo
roubado á patria e á classe de que era lustre. (3)

(.$) Vide J01·nal elo Commercio de 16 de Outnbro de 1898.


X

Saude P1-,1-blica
1NTRO DUCÇÃO.

Não ha infortunio que o Brazil não tenha expe-


rimentado nestes dez annos de amargas decepções,
de desalentos e de tantos contratempos.
Dir-se-ia que todas as forças da natureza
conspiraram-se contra nós e que a propri a Provi-
dencia abandonou-nos á expiação das nossas faltas.
e do~ nossos crimes !
No tocante a salubridade publica, a ferida
aberta em dous lnstros de Republica na popula-
ção desta Capital e em algumas das nossas mais
prosperas provincias é tão profonda como a grande
chag·a das no:;sas finanças, e talve~ sangre com
mais intensidade .
Esta triste verdade, duramente proclamada
em documentos officiaes e da maior circulaçjo_p..or '
eminentes chefes deste regimen, aca; , ~\~.,~ ~s~·--..;;;:z::--
,t(:, ~ ·'
franca e solemnemente confirmada ,tp'êJ'd governo
cl
- 50 -

alistando-nos resignadamente· entre os povos semi-


barbaros do Oriente;
O Brazil fora, entretanto, em todos os tempos,
um dos paizes de maior salubridade deste continente.
Tinhamos é verdade a febre amarella, que
não deixava de ser mancha no sol das nossas an-
tigas instituições ; mas o mor90 circumscrevia-se
de ordinario a dous pontos da nossa costa ma-
rítima e manifestava-s3 com interva1los algumas
vezes longos, sem, adquirir esta permanencia in-
f e9ciosa local, nem tão pouco esta força expan-
siva em irradiar-se. pelo interior e pelo littoral,
que ·apresenta actualmente.
E, demais, a molestia manifestava na ultima
. decada do Imperio grctndes tendencias regressivas,
como veremos adiante, havendo cerca de cinco mil
obitos de nienos sobre o decennio anterior.
E a prova é que até 1889 a nossa bella Capi-
tal podia soffrer sem desar o confronto com todas
as grandes cidades do Velho Mundo, offerecendo
vantagem sobre muitas dellas; o que desgraçada-
mente não succede nestes tempos de luto 'e de la-
grimas que atravessamos!
Nos dous ultimas lustros do Imperio a cidade
do Rio de Janeiro accusava uma media annual
de 29 a 30 obitos por 1. 000 habitantes, alga-
. rismo igual naquella época a9 de grande numero
de cidades consideradas como das mais saudaveis
do Globo.
- 51-

No actual decennio, graças aos brilhantes pro-


gressos da hygiene publica e a policia sanitaria, a
cifra mortuaria tem decrescido ém todas aquellas
cidades do mundo civilizado ele 30 e 281Jor 1.000
a 24 e 19 por rnil hctbitantes.
Entre nós deu-se inteiramente o contrario,
longe de diminuir, aquel!a proporção, subiu verti-
ginosmnente, segundo 1·ezct1n os documentos offi,ciaes,
a, 45 por i. 000 habitantes! ...
Salto este phenomenal na linguagem insuspeita
e sincera do boletim demographico official ( 1898).
E' isso devido a malaria, que duplicou o seü
obituario, a febre amarella que quasi triplicou, a
varíola que continúa com as suas devastações, e
ao beriberi que tem tomado assustadoras propor-
ções, etc. , etc.; em uma palavra, devido ás molestias /

infectuosas ou evitaveis: contra as quaes a hyg·iene ·


moderna dispõe dos· mais -poderosos recursos !
E assim, emquanto todos os grandes centros
vão restringindo de anuo a anno os seus registros
mortnarios, não obstante o augmento da população,
a Capital da nossa Republica menciona uma perda
evitavel nesta decada fatídica de cerca de 56 .000
vidas soore o decennio anterior !
Estudando as causas dessa situação desoladora
veremos adiante que ellas se ligam intimamente a
essencia das proprias. instituições vigentes ; sendo
as principaes dellas decretadas inconscientemente
pela Constituição de 24 de Fevereiro !
52 -
Se os autores da nossa Carta fnndamenta.l
q_uizessem banir de todo a hygiene deste paiz
não fariam obra tão perfeita !
Dahi o enthusiasmo com que ·a febre amarella e
outros morbos transmissiveis têm collaborado com
o. novo regímen na ingloria tarefa da demolição
da nossa nacionalidade !
E de restQ, esta agitação de espirito, este mal
estar geral que a todos cerca e que a todos aca-
brunha, não póde deixar de contribuir para di~-
minúir a força da resistencia do organismo, na.
lucta ingente contra estes inimigos invisíveis -
os germens pathogenicos.
Os responsaveis por essa ordem .de cousas
devem reflectir seriamente sobre o despenhadeiro
em qn.e nos achamos.
Lembrem-se que todo o futuro deste grande
paiz depende do estado de salubridade da sua Ca-
pital; que não póde continuar a ser o esquife da
nossa reputação, .o sarcophago dos. nossos fóros de.
povo civ:ilizado !
Um regímen que abandona. deste modo a grande
cansa da sande publica, que foi sempre a lei su-
prema · entre todos os povos, lavra a . sna propria
condemnação,- é nm regímen funesto!
I

Legislação Sanitaría da Republica, suas _réfor-


mas e reorganizações. Descentralização dos
serviços de hygiene. A Conv~nção sanitaria.

· Proclàrriaaa a Republica, acliava-se em pleno


vigor: a importante· réforma feita · em 1886, pelo
Barão de Mamoré, a melhor orgaiiiza:ção sanitaria
que - temos · tido: Obra da Monarchi.ra~ ·não podia
<;ertamente •ser conservada pelos demolidores de
i5 de Novembro.
A democracia indígena, que acaba de · clerro~
ear, em meia duzia de annos, toda essa gl'ande
-0bra de · civilização e progresso, que tantos sacri-
ficios tinha custado á algumas gerações de bra-
zileiros illustres , não podi,a deixar pedra sobre
pedra: era preciso tambem aniquilar o regímen
sanitario.
A , Primeira modificação que fizeram consistiu
~penas em pequenas alterações no pessoal · das
a·epartições existentes e . no · Instituto de Hygiene ,.
- 54 -

que foi desligado da Faculfü1,de de Medicina e


transferido para a Inspectoria Geral. (1)
A comedia federativa fj_caria porém incompletar
se a administração da hygiene publica não entrasse
tambem em jogo.
Deciararam primeiramente extinctà a Inspe-
ctoria de Hygiene da provincia do Rio de Janeiro;
em seguida foram extinguindo as Inspectorias do
Pará, Amazonas, S. Paulo, Sergipe e Santa Catha-
rina. Em 1892 e 1893 completaram a chamada -
descentralização do serviço sanitario,- com o des-
ligamento das repartições congeneres nas demais
províncias.
Deram aos Estados e aos municípios plena
liberdade de administrar, legislar e organizar a
hygiene; e assim destruíram barbaramente toda
a organização sanitaria do Imperio, quebrando-se
inconscientemente a unidade de acção e a harmonia
de vistas tão necessarias aos serviços da saude
publica!
E todo esse trabalho de demolição era feito
sem ·que nada houvesse sido preparado para
substituil-o !

(1) Decr. n . 169 de 18 de Janeiro de 1890, que faz


pequenas alterações no pessoal do Conselho Superior do
Sande Publica, o qual passou a chamar-se Conselho de Saudo•
Publica, e na Inspectoria Geral de Hygiene; e ó Decr.
n. 372 B (le 2 de Maio de 1890.
- 55 -

Copiaram tristemente a organização sanitaria


da Confederação Argentina, organização tão anar-
chica e viciosa, que acaba de ser repellida por
aquelle paiz . E a mais completa desorganização, a
mais deploravel anarchia é o que temos hoje como
systema sani tario, de norte a sul da Republica.
Com i'elação a cidade do Rio de Janeiro, com
especialidade, começa de 1891 em diante uma serie
de reformas, organizações e reorganizações, desli-
gamentos de repartições, seguidas de fusões de
outras ;. e toda esta contradança acompanhada de
regulament?s apparatosos, os quaes mal acabavam
de ser impressos eram logo reformados ou substi-
tuídos.
A Lei de 30 de Dezembro de 1891 (Lei n. 26,
art. 2°) preceituou que ficassem pertencendo á
Municipalidade desta Capital os encargos concer-
nentes á hygiene e á policia sanitaria urbana, á
limpeza da cidade e das praias, aos serviços que se
referiam ao hospital de S. Sebastião e aos desinfe-
ctorios. Oito mezes depois, antes mesmo de ser
posta em execução esta lei, já era sensivelmente
modificada.
O art. 58 da Lei n. 85 de 20 de Setembro de
1892, que organizou o Districto Federal, fazendo
revertú para a Municipalidade os serviços de hy-
giene, até então subordinados ao ministro do inte-
rior, exceptuou os seguintes : o estudo da natureza
e etiologia das molestias endemicas e epidemicas
e os meios propbylacticos correspondentes; quaes-
quer pesquizas bacteriologicas feitas em laboratorio
especial (Instituto de Hygiene) ; a execução de
providencias defensivas conti·a a invasão das mo-
:lestias exoticas e disseminação das indigenas, na
Capital Federal ; a estatística q_eniographo-sani-
taria e o exercício da medicina e da pharinacià.
Todos estes serviços · continu~riam a cargo da
União ; p·ara orgànizal'-os resolveu · o governo, de
; accordo ainda coin a . referida Lei n. 85, acima
~itada, crear mais duas repartições fedetaes de
sa:ude publica : a Directoria Sanita1:fa, qrte se
-0ccu1)aria da parte do serviço que ficou desligado
da Municipalidade, e o Laboratorio de Bacteriolo-
gia, Bill qt1e se transformou o Institnto · Nacional
<le ,Hygiene.
-E, ·não obstante a determinaç·ão exp1;éssà nesta
lei, o governo• entreg·ou á Municipalidade todos os
·serviços d'e hygiene e· com elles a estação central
de desinfecção e· todo o material de- remoÇã,o dé
enfermos e de antisep-sia; · de sorte que -ficou a
·Directoria Sanitarfa· desde o seu começo. impossi-
bilitada de fazer executar, por completo, a mais
·importante de suas àttribuições : a 'pi·ophylaxia e
-defesa ue·s ta Capital. (2)

(2) Este facto é officialmente ·confirm'aclo no relatorio


elo 111inistro elos' Negocios Inter1o1;es, ele 18913, pa·g. 2·57.
- 57 ·-

Ainda nesse mesmo atino ( 1893); oito mezes


depois que começara a furiccionar a · Directoria
Sanitaria, uma nova lei ( n. 191 B de 30 de Se-
tembro) ligava esta repartição ao Laboratorio de
,Bacteriologia~ formando · assim uma só repartição
sob a denominação de Instituto Sanitario Federa.l.
A falta de uma precisa discriminação de attribui-
ções do novo Instituto, a deficiencia de pessoal
habrlitado e sobretudo de material para a execução
de certos serviços, tolheram-lhe · sempre os passos;
apesar dos esforços do seu illustre director.
Competia ao Instituto; entre outras attribuições,
estndar e fazer pesquizas scientificas com respeito
a etiologia; tratamento e prophylaxia dos morbos
.transmissíveis, a prep1;1,ração de culturas attenú.adas
,e de sôros antitoxicos e· curativos, etc. No emtanto,
jamais ponde elle realizar semelhantes incumben-
,c ias. O proprio medico demographista teve de luétar
,com os maiores embaraços. Em vão o emiüente
director desta repartição . chamava a attenção d.o
governo para a embaraçosa situação · em que · se
achava, e debalde tentou organizar um projecto de
centralização dos serviços de hygiene.

Dn~.ECTORIA GERAL riE RYmÊNE :lYÍuNÍ CIP ~ L. -


A nova reforma désta repartição-creou um c'oiiselhó
munic'ipal de hygiene e assiste1icia publica, com ·o
fim de· formulai· · parecer -acerca dos problemas que
lhes são relativos, ficando o serviço · s'a Íütario , · ã
- 58 -

conta da Directoria. Os encargos desta repartição


limitam-se ao Districto Federal e comprehendem
não sómente a hygiene aggressiva, a prophylaxia
do. meio, como até a hygiene de defesa ; a qual ,
pela lei organica do Districto Federal, tinha ficado
reservada pára o governo da União.
O Conselho Municipal de Hygiene e Assistencia
Publica é constituído por nove membros (seis medi-
cose tres engenheiros), fazendo tambem parte delle
o director geral de hygiene e o director das obras
de viação.
A parte urb.ana do Districto Federal é dividida
em cinco districtos sanitarios e estes districtos
em circumscripções. Cada districto sanitario deve
ter, conforme o regulamento, uma estação com todo
o material necessario ás I exigencias dos varios
serviços.
Infelizmente esta nova organização _municipal,
quasi tres vezes mais dispendiosa do que todo
o serviço sanitario do Imperio, de norte a sul do
paiz, tem tido na pratica a sorte de todas as outras
deste regimen; como veremos adiante.

DrnECTOR I A GERAL DE SAUDE PUBLICA. -Tendo


cessado em 1893 a convenção sanitaria celebrada
· entre o Brazil, o Uruguay e a Confederação Argen-
t ina, e attendendo que o regulamento Mamoré (o de
1886 que ainda regia a Inspectoria de Sande dos
Portos) não tinha mais razão de ser, pelo Decr.. 16 9
- 59
de 18 de Janeiro de 1890, o governo resolveu que
se consolidasse toda a materia, concernente ao
assumpto, em um novo regulamento.
Este regulamento, expedido annexo ao Decr.
n. 1558, longe de consolidar, desorganizou a tal
ponto o serviço de hygiep.e maritima, que a sua
execução veiu dar lugar á constantes reclamações
do corpo diplomatico.
Continuando estas reclamações, o governo da
Republica viu-se forçado, em 1895, a acceder aos
desejos dos representantes diplomaticos, consen-
tindo em realizar quatro reuniões, onde fossem
discutidas ou indicadas medidas indispensaveis ao
serviço sanitario. E, nos dias 20, 23 e 30 de
Abril e 8 de Maio daquelle anno, reuniram-se na
secretaria do ministerio das Relações Exteriores
os ministros da Inglaterra, França, Allemanha,
Republica Argentina, o Encarregado dos negocios
da Italia, os ministros do .Exterior e do Interior
e o Inspector de Saude dos Portos. (3)
Assentaram nas principaes medidas que deviam
S(jr tomadas pelo governo brazileiro, fazendo-se

(3) Determinaram taes reuniões, diZí a Noticia Historica


do Ministerio dos Negocios Interiores, na pag. 24, da Sande
Publica: « as duvidas e reclamações suscitadas pela execução
do Decr. n. 1558 de 7 de Outubro de 189 3, o qual regu-
lava o serviço sanitario dos portos, duvidas e reclamações
para que teve o ministerio das Relações Exterióres de soli-
citar a attenção elo da Justiça. »
60 -

:grande insistencia na construcção de mais dous


lazaretos no nosso littoral ; e q_ue até · hoje a-inda
não existem, apesar de um compromisso solemne
tomado pelo governo !
Em todo o caso, os compromissos assumidos
pelo ;governo da Republica, nestas conferencias,
determinaram o apparecimento da Lei de 10 de
Dezembro de 1896, reformando mais uma vez o
nosso serviço sanitario. · Infelizmente Q effeito em- ·
rnenctgogo não foi completo. Houve apenas algu-
mas modificações no serviço de m.ar e · fusão do
Instituto Sanitario Federal com a Inspectoria Ge-
ral de Sat1de ·aos Portos; formando-se uma só re-
partição denominada Directoria. Geral de · Sande
Pnbliea, em 1~ .de Fevereiro de 1897:
· A Municipalidade do Río dé Janeiro · con.tinua
porém com o seu regímen sanitarió inteir'Ei,mente
independente e os Estados do mesmo modo. ·
· Em data de 10 de Fevereiro de 1897 .foi expe-
dido o regulamento: da nova repartição.
· · ··o- serviço ·de· saude dos portos dos Estados ficou
dividido· em dons ·di'strictos sanitarios, coin séde um
no porto do Recife e outro no de Belém, subordi-
nados- á Directoria Geral de Saude Publica.
As attribuições da nova -repartição são as se-
·gufntes :
« Estudar a natureza, etiologia, tratan;iento
e prophylaxia das molestias transmissíveis que
apparecerem ou se desenyolverem em q_ualqner
- 61 -

localidade da Republica, onde não haja recursos ma-


teriaes ou serviço organizado, para as pesquizas
de caracter technico ou scientifico, que se tornarem
necessarias ; propor ao governo o plano de soccor-
ros sanitarios, que devam ser prestados a qualquer
Estado, mediante solicitação dos respectivos go-
vernos e verificado o caso de calamidade publica;
preparar culturas attenuadas e sôros antitoxicos e
cnr_a tivos, afim de serem fornecidos ás auctoridades
que os reclamarem; fiscalizar os serviços . da me-
dicina e da pharrnacia; organizar as estatísticas
demographo-sanitarias; dirigir o serviço sanitario
dos portos ; confeccionar o codigo pharmaceutico.
brazileiro ; responder as consultas do governo e
prestar as informações que lhe forem exigidas. » ( 4)

Houve pois_, em meia duzia de annos, um ver-


dadeiro delírio de destruição, um não acabar ele
reformas e reorganizações, nm prurido em derrocar
tudo quanto vinha do _Imperio !
O odio á lVIonarchia e o amor ás praticas da
America L atina têm sido a nota predominante no
_espírito dos corypheqs da situação.
Esta cadeia ininterrupta de erros e desastres;
em materia de legislação sanitaria, e principalmente

(4) Regulamento ele 10 de Fevereiro de 18ü7.


- 62 -

a quebra da iinidac1e na organização e na admi-


nistração da hygiene, não podiam dar senão os
funestos resultados que presenciamos e que todos
lamentam.
Não houve mais administração possivel de 15
de Novembro a esta data.
Implantou-se de vez a anarchia por toda a
parte.
E apesar desta longa serie de repartições de
hygiene, a hygiene eclipsou-se de todo em nosso
paiz.
A febre amarella, de affecção exotica que é já
vai se tornando endemica nesta Capital, adqui-
rindo fóros de molestia indígena !
O Brazil tornou-se urna praça aberta á in-
vasão de todas as molestias pestilenciaes.
E , emquanto o governo da União pede licença
aos governadores dos Estados, ou espera pela re-
quisição destes para combinar-se sobre a defesa
hygienica, emquanto os inspectores sanitarios es-
. tadoaes e os representantes da hyg·iene municipal
se degladiam, a epidemia vai ganhando terreno e
percorrendo a sua orbita devastadora.
Dez annos de Republica, veremos que têm sido
dez annos incessantes de febre amarelll:I, ; 20. 700
obitos nesta Capital pelo vomito preto no presente
decennio, contra 8. 864: do decennio anterior !
Pois bem ; depois de dous lustros desta triste
experiencia, o governo republicano, long·e de
- 63 -

reflectir e de recuar diante deste espectaculo ver-


gonhoso _e tetrico, longe de restaurar a unidade e
uniformidade em nossa organização sanitaria , pro-
movendo a revisão da Constituição, que decretou
esta balburdia, que tem produzido tão funestos
resultados, cruza os braços e acha que tudo isso
vai a mil maravilhas !
E em lugar de o:fferecer combate á febre ap:1a-
rella, prefere assignar a nossa interdicção sanitaria,
confessando resignadamente, em um tratado inter-
nacional que essa molestia é um fiagello perenne
nesta Capital e em Santos durante seis mezes de
'cada anuo!
São . estes os termos do convenio sanitario que
acaba de ser firmado e'n tre o nosso governo e o
da Republica Argentina :
« Entre a Directoria Geral de Saude Publica.
do Rio de Janeiro e o Departamento Nacional de
Hygiene de Buenos-Aires, fica convencionado o
seg·ninte:
0
« Art. 1. Desde o dia 15 de Novembro de
cada anuo até o dia 15 de Maio, os navios que
trouxerem passageiros de 1ª classe procedentes
do Rio de Janeiro ou de Santos, ou que tiverem
feito escala naquelles portos, não poderão alli re-
ceber passageiros de 3ª classe.
Art. 2. º Os navios destinados ao transporte de
passageiros de 3ª classe não poderão recebel-os a
bordo sem o attestado official de q ne não se acham
- 64 - ·

affectados de febre., nem se suspeite possam tel- a.


em incubação e que as suas roupas e mais baga-
gens foram lavadas e desinfectadas.
Art. 3. 0 Aos _passageiros de lª classe se exi-
girá um certificado ou documento que prove não
terem molestias que facilmente se confundam com
a febre amarella, e que as suas roupas de uso·
foram desinfectadas.
Este certificado póde set· fornecido pelo medico
assistente das familias ou pelos medicas de que
se trata adiante.
Art. 4.º Dever-se-ha exigir que as Companhias
de navegação não deixem communicar com a terra '
· os passag·eiros, marinheiros ou tripolantes, que
tenham de continuar a viagem, obrigando-os, caso
seja necessario o seu desembarque, á apresenta -
ção dos certificados de sande e de desinfecção ..
Art. 5. º Durante os mezes citados um medico
argentino ou um guarda sanitario idoneo , que
possa desempenhar as funcções de Inspector de-
Saude, deverá viajar em todo o vapor que con-
duzir passageiros.
O ordenado deste Inspector ficará a cargo das
Companhias, que, para fixai-o, deverão entender-se
com o Departamento de Hygiene Argentino.
Art. 6. 0 Nos portos do Rio e Santos haverá ,
uma com missão composta d e um medico argentino
e um brazileiro para procederem á inspecção dos
passageiros destinados aos portos argf'ntinos.
65 -

Essa commissão expeclir á, sem onus para os-


passageiros, os certificados dos exames a que pro-
cederem e visará os expeclidos por medicos par-
ticulares .
Art. 7 . º Em taes condições, os navios que
chegarem, sem que tenha occorrido novidade al-
guma, terão livre pratica, mediante prévia desin-
fecção da equipagem e carga suspeita, no mesmo
navio, para os passageiros de 1 ª classe, comtanto
que tenha mediado o prazo de 6 (seis) dias, pelo-
menos, entre a hora da sahida. do porto brazi-
leiro e o momento em que lhe fôr concedida a
livre pratica.
Os navios que conduzirem passage~ros ele 3ª
classe ficarão sujeitos a desinfecção dos pas sagei-
ros, da equipagem e da carga suspeita no L azareto
de Martin Gal"cia e não poderão ter livre pratica
sem qne tenha decorrido o prazo ele oito dias,
desde a sahida elo porto brazileiro. - E. Wilde. --
Nuno ele Andrade. » (5)

6 que éeste Convenio senão a confissão offi--


cial e solemne da nossa incapacidade para banir
de todo uma molestia evitave1 e exotica?
O que elle representa senão a conseqnencia
logica e inevitavel desta obra ele demolição do
nosso autigo regímen sanitario e a chave ele ouro-

(5) Do Jornc.l elo Gomniercio clé 31 ele Outubro ultimo.


5
com q_ue se fecharia fatalmente, nesta decada fu-
nestissima, a serie interminavel de desastres que
acabamos de registrar ?
Estudaremos mais adiante ~ste assumpto, pondo
em relevo importantes declarações feitas por illus-
tres personagens, que tiveram a responsabilidade
do poder neste regímen.
II

Legislação sanitaria do Imperio; seu regimen


unitario; seus serviços á saude publica.

Não ba paridade possível entre a organização


.sanitaria do Imperio e a actual.
Tínhamos .um systema unitario, como se usa
eip todos os paizes civilizados .e que tão _bons re-
sultados tem produzido ; todas as repartições . de
hygiene das provi_ncias . estavam subordinadas á
um centro director na Côrte do lmperio.
Havia uniformidade em nossa legislação sçi,ni-
taria , unidade de acção e harmonia de vistas em
todos os serviços de hygiene do paiz, formando
um todo homogeneo e unisono , tão necessario aos
interesses da sano.e publica ; e os nossos regula-
mentos gozavam de maior for ça executiva.
O mi_nistro do Imperio apresentava annnal-
mente em seus r elatorios á ,Assembléa Geral Le-
gislativa uma synopse do movimento da sande
publica aqui dçt Capital e de todos os pontos do
- 68 -

Estado, acompanhada dos relatorios das Inspecto •


rias geraes de hygiene e das suas congeneres nas
provincias.
A ultima reforma feita em 1886, pelo Barão
de l\famoré, faz . honra aas estadistas e hygienistas
do Imperio ; era uma boa organização que, apesar
de pequenas lacunas, muito contribuiu para me-
lhorar a nossa situação sanitaria e representa
indubitavelmente um progresso real em relação
a actual.
Havia nesta Capital um Conselho Superior de
Saude Publica, especialmente incumbido de « in-
terpor parecer a cerca das questões de hygiene
e salubridade geral sobre que fosse consultado
pelo governo . »
A administração sanitaria comprehendia o se:-
viço de hygiene de terra e o serviço sanitario dos
portos; o primeiro estava a cargo ela Inspectoria
Geral de Hygiene e o segundo da Inspectoria
Geral ele Sande elos Portos.
Ambas as repartições , com séde na Côrte do
Imperio, tinham por fim não só executar o regula-
mento na parte respectiva á cada um dos serviços ,
como tambem o estudo de todos os assumptos con-
cernentes á sande publica; para o que proporiam
ao governo as medidas que julgassem convenientes
e cumpririam as ordens que delle recebessem .
O Conselho Superior de Sande Publica compu-
nha-se dos Inspectores Geraes de Hygiene e de
- 69

Sande dos Portos, dos Cirurgiões Móres do


Exercito e da Armada, do Director e dos Pro-
fessores de hygiene e de pharmacologia da Fa-
culdade de· Medicina do Rio de Janeiro, do
Presidente da Academia Imperial de Medicina,
<lo Presidente da Camara Municipal da Cõrte,
do Inspector Geral das Obras Publicas, de dous
eng·enheiros designados pelo ministro do Imperio
-e ele um delegado medico da Santa Casa de
·Misericordia.
Este Conselho Superior era presidido pelo mi-
nistro do Imperio; reunia-se ordinariamente uma
vez por mez, ou mais vezes, quando o ministro
o determinasse.
No fim de cada anno publicava-se uma synopse
dos seus traball.10s, onde vinham, em sua integra
os pareceres formulados pelos membros do Con-
selho.
A Inspectoria Geral de Hygiene compunha-se
do Inspector Geral, quatro membros· da Inspectoria
Geral, um secretario medico, um official da se-
cretaria, quatro amanuenses, um porteiro e um
continuo.
Havia 25 delegados de hygiene na.s parochias
urbanas do Município Neutro, sete delegados de
hygiene nas parochias suburbanas e os seguintes
auxiliares ; um medico demographista, quatro
chimicos para os trabalhos de analyse, dous
pharmaceuticos encarregados da fiscalização das
- 70 -

pharmacias e os desinfectadores que fossem ne-


cessarios. (1 )-
Competia á Inspectoria Geral . de Hygiene :
« Fiscalizar o exercício da medicina e da phar-
macia; estudar as epidemias, 'epizootias e moléstias
reinantes; dirigir o serviço da vaccinação e o
estudo dos meios de melhoral-o e desenvolvei-o,
dirigir o soccorro sanitario aos necessitados ;
fazer a policia sanitaria sobre tudo que, . directa.
ou indirectamPinte, interessasse a sande dos habi-
tantes das cidades, villas e povoações do Imperio;
org;anizar as estatísticas demographo-sanitarias;
organizar e aperfeiçoar o Codigo Pharmaceutico
brazileiro. » · (Reg. de 3 de Fev.) . .
As Inspectoriàs de hygiene provinciaes eram
constitui das do . seguinte modo:
Nas províncias do Pará, Maranhão, Pernam-
buco, Bahia, S. Paulo e Rio Grande do Sul havia :
um Inspector de hygiene, dous membros da Inspec-
toria- e um secretario .
Nas cidades e villas mais importantes havia
delegados de hygiene.
As demais províncias tinham um Inspector de
hygiene, e delegados nas principaes cidades e
viilas .

(1) O r egulamento do Serviço Sanitario do Imporio,


de 3 ele Fevereiro de 1886 descreve minuciosamente as atti-i-
buições destes fnnccionarios.
_.:_ 71 -

Era da competencia da Inspectoria Geral de


Saude dos Portos o seguinte:
Dirigir os soccorros medicos aos homens do
mar; fazer a policia sanitariç1, dos navios, · dos
ancoradouros e do littoral; dirigir o serviço das
quarentenas marítimas; e estudar todas as questões
que interessasem ao melhoramento· das condições
sanitarias <los portos.
A Inspectoria Geral de Sande dos· Portos se
compunha do Inspector Geral, quatro ajndántes do
Inspector (todos medicos), um secretario medico,
dons .amanuenses, um porteiro e um continuo.
As Inspectorias de Sande dos Portos provin-
ciaes eram assim constituídas: Nas pruvincias do
Pará7 Pernambuco, Bahia, Maranhão, S. Paulo e
Rio Grande do Sul existiam: um inspector, um
secretario, dous guardas de sande, e mais um aju-
dante do Inspector nas tres primeiras. As outras
províncias tinham um inspector e dous guardas.
Por Decr. n. 8726 de 19 de Fevereiro de
1887 creou-se nos principaes portos maritimos e
:fluviaes das províncias, onde não houvessem Ins-
pectorias, lugares gratuitos de delegados de saude
providos pelos presidentes; como eram os delega-
dos de hygiene, que desempenhariam as funcções
éommettidas aos inspectores de sande dos portos
pelo regulamento de então ( o que ac.o mpanhou o
Decreto de 3 de Fevereiro de 1886, de onde extra-
himos alguns destes dados) .
- 72 -

Os lugares ele membros da Inspectoria Geral


•de Hygiene, ele delegados de hygiene nas paro-
chias urbanas . do Municipio Neutro , de medico
. .
demographista e de chimicos do Laboratol'io do
Estado, eram providos mediante concurso, de con-
Jormidade com o Decr. n. 10332 de 13 de Abril
-de 1889.
Em todas as organizações dos serviços de by-
.giene durante a Monarchia, anteriores á reforma
Mamoré, o systema nnitario fôra sempte o pre-
ferido.
A antiga Junta Central de Hygiene, creada
pela Lei n. 598 de 14 de Setembro de 1851, que
fôra por longos annos .o nosso codigo sanitario,
estendia . a sua acção a todas as províncias, por
meio das antigas commissões de hygiene e dos
provedores da sande publica.

Em princípios de 1886 grassava com certa


força a epidemía de febre amarella nesta cidade.
No primeiro trimestre daquelle anno já tinha
cansado 716 obitos (135 em Janeiro, 234 em Feve-
veiro e 347 em Março ). Posta em pratica nesta
mesma occasião a reforma Mamoré, e executan-
do-se com maxima energia o regulamento de 3
de Fevereiro, o estado sanitario mudou extraor-
dinariamente naquelle mesmo anuo; e tão radical
foi a transformação, que, nos tres ultimos mezes
do anno, apenas registraram-se dous casos de febre
- 73 -

.amarella: um em Outubro, um em Dezembro e


nenhum em Novembro! Mesmo no anuo seg·ninte
apenas houve, no primeiro trimestre, seis obitos
-em Janeiro, 16 em Fevereiro e 19 em Março! (2)
As medidas sanitarias postas em execução du-
rante os annos de 1882 e 1883 , por exemplo, foram
tão estrictamente observadas que, não ·obstante
grassar nesta cidade uma pequena epjdemia ele
febre amarella, o porto ficou inteiramente livre
de infecção. Até aquella data o desenvolvimento
da molestia dava-se simultaneamente em terra e
no mar.
No relatorio do Inspector de Sande dos Portos
· de 1882 vêm consignadas as acertadas medidas que
deram tão auspicioso resllltado.
O exito dessas providencias, diz o eminente
fnnccionario o Conselheiro Nuno de Andrade,
excedeu a minha espectativa « nenhum só caso
de febre a·m arella appareceu à bordo, embora .no

(2) O mesmo pheno:r;neno observou-se .em r elação a ou-


t ras molestias infectuosas - taes como a malaria, a febre
t ypboide, as febres estivaes e o t y pho, cuj o numero de
o bitos, que tinha sido crescido até 30 de Setembro de 1896 ,
diminuiu consideravelmente nos tres ultimas mezes desse anno
e no s mezes de Janeiro, F evereiro e Mar ço de 1897 . O r e-
latorio do ministro do Imp erio, de 1887 (pag. 101) apre -
senta um quadro synoptíco do obituario por molestias zy-
m.otícas que muito honra a organização sanitaria e o serviço
de h yg-ie ne daq_uella época.
--- 74 -

hospital da Jurujuba fossern recebidos1 todos vindos


de terra, 104 doentes da . referida molestia » .
Depois de varias considerações sobre o as-
sumpto conclue;
« A consequencia de tudo que deixo escripto
é que se põde obstar a infecção dos navios, e
tenho o maior. empenho em accentuai- o facto de
q ne, pela primeira vez no Rio de Janeiro, ha
duas epidemias successivas na cidade sem um só
caso de molestia epidemica no porto» . (3)

** *

Todo o material dos serviços de hygiene de


terra e mar que possuimos, todas as .grandes obras
que temos, desde as do abastecimento d'ag·ua até
á rede de_ exgottos; os hospitaes' . e lazaretos
desta Capital e dos Estados, que ainda existem
actualmente, são trabalhos feitos no tempo do
Imperio.
A Republica, nestes dez annos, nem ao menos
tem podido conservar este mesmo deficiente patri-
monio, · que tanto nos custou adquirir. E, a não
ser um ou outro melhoramento de pequena monta

(3) Relatorio do Inspector da Sande dos Portos, annexo


ao relatorio do ministro do Imperio de 1883, pags. 1 e 4.
que ha feito, não tem contribuído para augmental-o,
nem tão pouco para modifical-o, in,troduzindo os
aperfeiçoamentos de valor real, que a sciencia
moderna tem ultimamente aconselhado.
O ajardinamento de nossas praç~s ; a arbori-
zação de grande numero de ruas, a construcção
do matadouro de Santa Cruz, o Lazareto da Ilha
Grande, tudo em fim que . ainda possuímos e que
tem escapado ao revolutea1~· demolidor desta Re-
publica nos vem elo Imperio.
O Instituto Vaccinogenico, o Instituto Pasteur,
o Instituto de Hygiene, transformado hoje em la-
boratorio de Bacteriologia, etc., etc., são ainda
e reações da M:ona1·chia.
Houve alguns trabalhos executados com tanto
brilho naquella época, que ainda hoje constituem
um justo titulo de orgulho para a engenharia
brazileira; e outros, cuja execução muito recom- ·
menda o governo daquelle tempo. Referindo-se,
por exemplo , ao contracto celebrado em 187 7,
pelo ministro da agricultura, com J ose.ph Hancox,
para a execução do projecto de exgottos das aguas
pluviaes de uma grande parte desta cidade, assim
se exprime o ex-vice-presidente da Republica o
Dr . Manoel Victorino, no seu relato rio ao Prefeito
Municipal, em 1896:
<< Este contracto, elaborado como foi , e exe-

cutado como ainda hoje se verifica; constitue


um dos actos mais cuidados de administração
- 76 -

sanitaria, que os poderes publicos no Brazil


registram. » ( 4)
O interesse pela sande publicá fôra objecto
de serios cuidados pelos llygienístas e estadistas
do lmperio, a começar JJelo Chefe do Estado .
O Visconde de Monte Alegre, o Marquez de
Olinda, o consellJ.eiro Maciel, o Barão de Mamoré,
e tantos outros, muito se esforçaram pela sah1-
bridade publica deste paiz.
Os nossos mais eminentes profissíonaes, sobre-
tudo aqnelles que, naquella época, occuparam
posições salientes na alta administração ~a hy-
giene, deixaram traba,lhos .de grande valor, muitos
dos quaes têm larga applicação na actualidade.
E ahi estão os escriptos de Paula Candido, Paula
Freitas; os luminosos pare.cei'es de Souza Lima,
Lavfadio, Ibituruna, Nuno de Andrade, Rocha
Faria e de alguns outros illustres facultativos,
que tanto contribuíram para melhorar as condições
sanitarias daquelle tempo.
Havia sem duvida alg·uma bastante a fazer-se,
durante a Monarchia, em assumptos de hygiene
publica, principalmente no que diz respeito ao
saneamento desta Capital.
Problema complexo e que se liga intimamente á
economia particular, e para cuja solução · torna-se

(4) Relatorios apresentados ao prefeito municipal, em 1896,


pelos Drs."M. Victorino Pereira e Nuno de Andrade, pag. 22.
- 77

mistér o emprego de grandes sommas, não podia


certamente ser resolvido, sem que precedessem .
es~udos serios e fossem seguidos do almejado
exito.
Estes estudos achavam- se felizmente con -
cluidos.
E, todos lembram-se que, nos ultimos annos .
do Imperio, o saneamento do Rio Janeiro era a
magna questão que occupava o espírito de todos
os homens cultos .
Os importantes trabalhos da commissão Revy,
nomeada pelo governo para estudar o problema
sanitario, üe um modo positivo e pratico , são.
além de muitos outros, documentos muito elo-
quentes do zelo que ligavam o Imperador e os
estaclistas do Imperio á questão sanitaria.
E, quando já estes importantes estudos acha-
vam-se bem elL1cidados ; quando o segundo Con-
gresso ela Sociedade de Medicina e Cirurgia,
em Setembro de 1889, cheg·ava a conclusões
muito luminosas sobre o assumpto; quando final-
mente convergiam para tão util clesideratum os
esforços de tantos brazileiroR illustres; surge a
catastrophe de 15 de Novembro, que desmoronou
o grande eclificio de nossa civilização !
Poder algL11n dispoz, entretanto, neste paiz, dis-
cricionarfamente, de tanta força e de tão avultadas
sommas como o Governo Provisorio, sem que hou-
vesse a menor opposição.
- 78 -

'l'odo o nosso patrimonfo, capital e credito,


accnmulados pela velha estirpe dos nossos esta-
distas, em longos annos de uma politica sabia e
honesta, estiveram em suas mãos .
E tudo isso foi pouco para alimentar a for-
nalha do famoso ensilhcmiento !
A Republica Argentina tambem teve a sua
orgia financeira, mas ficaram . alli importantes obras
de saneamento· e grandes melhoramentos materiaes .
Buenos-Aires foi dotada de uma rede de exgottos
magnifica, pelo systema o mais aperfeiçoado o
«tout á l'égout», que melhorou consideravelmente
o seu .estado sanitario.
Aq_ui, da avultadissima somma de mais de seis-
centos mil contos de emissões concedidas, de todo o
patrimonio e do grande credito que nos deixou o Im-
perio, dissipado a mãos largas pela Republica, ne-
nhum real empregou-se no saneamento desta Capital!
E sómente agora, depois gne levaram o Brazil
á mais completa ruina economico-financeira, e
hypothecaram as principaes fontes de renda mu-
nicipaes e federaes; quando a Intendencia não
póde pagar aos se ns proprios funccionarios e a
União os juros da sua divida, faltando até a fé
dos contractos, é que lembram-se de resuscitar
o mallogrado projecto sanitario de 1896 , pedindo
um emprestimo de seis milhões esterlinos para
«sanear e aformosear, por meio de obras de arte ,
a Capital da União ,> .
- 79 -

11.'ão grande e serodio emprehendimento é infe-


lizmente superior ás forças actuaes da Republica;
seria preciso primeiramente sanear as finanças do
paiz e as deste município.
Actu.almente, só a custa dos mais arduos sacri-
ficios para o credito do Estado, poderiamos levantar
uma somma tão crescida, e só o conseguiremos em
condições mais desastrosas do que as do glorioso
funcling-loan. .J

Mas, em que consistia este famoso projecto de


saneamento? (5)
Em sobrecarregar a população desta cidade,
onde a vida já é tão dif:ficil, graças aos onerosíssi-
mos impostos da Republica, com outros e pesados
tributos, que tornariam de todo a subsistencia im-
possível nesta Capital.
E sabem para que?
Para occorrerem as despezas com o serviço de
juros _de um novo emprestimo de seis milhões es
terlinos ; que deveriam ser obtidos mediante hypo•
theca do resto que ainda nos falta hypothecar -
para organizar-se uma grande empreza, afim de
re-alizar melhoramentos e serviços já concedidos a
diversas companhias 1 e que, entretanto, não têm

(5) Projecto n . 54 ele 1899 elo Conselho Municil.)al, sub·


mettido por este Conselho á apreciação do Instituto Polyto-
chnico, por officio ele 18 de Julho ele 1899.

(.
8.0

sido postos em pri:l.tica, porqt~e não se obriga estns.


emprezas a cumprirem os seris contractos .
Se alguma cousa pudesse ser tomada a serio-
neste regímen e houvesse boa vontade em melhorar
as condições sanitarias desta grande cidade, uma.
vez que a levaram ao estado lastimavel em que
se acha e perderam as melhores occasiões de ex-
ecutarem um plano completo de saneamento, ainda
podiam, sem sei; preciso appellar para grandes sa-•
crificios,' conseguir muita cõusa.
Bastava proceder-se a uma revisão-nos exgottos,
entrando-se em accordo _com apropria companhia,.
encarregada desse serviço, extinguir completa-
mente os cortiços, promovenrio a coristrucção de
villas operarias e lavanderias nos suburbios, dar•
nos agua em abundancia e policia sanitciria severci.
Mais-tarde, á proporção que as nossas finanças
melhorassem, iriamos então realizando paulatina-
mente outras obras complementares de um plano
çle ant.emão traçado e executado com persistencia
e seriedade.
Relatam as ultimas revistas de medicina e hy-
giene, que os norte-americanos sanearam a capital
de Cuba, incendiando diversos bairros; parte da
valente e.idade ficou reduzida á cinzas, mas a
febre amarella desappareceu.
Basta, pois, que a Republica continue a sua
obra, encetada ha dez annos, - acabará por sanear
esta Capital e todo o Brazil !
III

. Parallelo entre os dous regimens sanitarios .


Resul~ados da federalisação da hygiene
publica. O cholera. A peste bubonica.

Façamos agora detalhadamente a analyse dos


dous systemas sanitarios, o parallelo entre a nossa
organização antes de 15 de Novembro e a actual;
e vejamos qnaes os fructos que nos tem produzido
esta ultima .
Apesar _das numerosas · reformas que so:ffreu em
meia duzia de annos, o actual regimen sanitario .
é a - anarchia organizada, - como quasi tudo nesta
Republica .
. · Em lugar de um systema homogeneo , obede-
cendo á um centro director, contamos hoje vinte
organizações di:fferentes nos Estados, e mais duas
nesta ci_dade, cada uma das quaes agitando-se em
uma orbita diversa, sem um centro de gravidade.
Apenas a hygiene dos portos escapou, de algum
modo , ao desmembramento geral ; não por falta de
6 4° VOLUME
- 82 -

vontade dos nossos legisladores, mas porque os


interesses internacionaes não o perinittiam.
A Municipalidade do Rio de Janeiro tem o
seu serviço sanitario inteiramente independente da
Repartição federal ; de modo que sómente nesta
Capital ha duas administrações dos serviços de
hygiene de terra, obedecendo cada · uma dellas á.
um centro differente.
Nos Estados reina então a mais completa des-
ordem. A' Repartição federal de hygiene só cabe
interferencia nos serviços dos portos ; a hygiene
de terra continúa a cargo das administrações es-
tadoaes e municipaes, onde a politicagem tudo
absorve e não offerece tempo a que se cuide da
saude publica.
Na grande maioria dos Estados o serviço de
hygiene acha-se entregue ás municipalidades, ex-
cepto nas capitaes, onde o governo estadoal exerce
a superintendencia e só em épocas anormaes · é
que póde intervir nos municípios.
Alguns partilharam o seu serviço e a auctori-
dade sanitaria, entre o Estado e o município, na pro-
pria capital, como em Pernambuco, Amazonas, etc.
Em muito poucos Estados assumiu o governo
estadoal a direcção exclusiva da hygiene publica.
No terreno da pratica a maior parte delles
pouco se interessam pela sande dos seus habitantes.
Na maioria das ex-províncias, ha apenas alguns
funccionarios encarr,egados dos serviços de hygiene,
- 83 -

sem elementos de acção ; - agentes esses que, de


quando em vez, são substituidos por outros da po-
litica do riovo governador. Estados ha, como o Rio
Grande do Sul, por exemplo, em que qualqtter
indivíduo, por m,aís boçal que seja, pócle praticar
livremente a medicina e a pharmacia !
E o que é mais edificante em tudo isso é que
o corpo diplomatico e os agentes consulares instam
frequentemente por informações a respeito da
sande publica nos Estados, para as transmittir
aos seus respectivos governos; mas, como o go-
verno da Republica desconhece absolutamente o
que se passa nos Estados a respeito de hyg·iene
publica, vê-se na contingencia tristíssima de não
poder fornecel-as !
Com effeito, em seu relatorio de 16 de Março
de 1896, diz o illustre director do ex-Instituto
Sanítario Federal :
« Afim de habilitar o Governo Federal a sa-
tisfazer á reiteradas solicitações dos agentes con-
sulares e diplomaticos estrangeiros acreditados
junto Ro nosso governo, recommendastes aos gover-
nadores e · presidentes de Estados, que enviassem
á este Instituto uma relação do obituario das ca-
pitaes respectivas, bem como commnnicassem por
telegramma o apparecimento de molestias transmis-
síveis, dando todos os esclarecimentos necessarios
sobre a marcha dellas e providencias L.ygienicas
. adoptadas. »
- 84 -

«Como tive occasião de informar-vos por Offi-


cio n. 534 de 5 ele Dezembro de 1895, apenas-
algim,s Estctdos acudiram,, e isso mesmo de modo·
deficiente , ao -vosso pcdriotico appello . »
A ultima epidemia do cholera-morbus que tive-
mos, em 1895, no valle do Parahyba, veio pôr mais-
uma vez em relevo a pessima organizaç.ão sani-
taria da Republica e as grandes vantagens que r-
sobre ella, offerecia a nossa organização antiga.
O governo da União viu-se forçado a intervfr
nos Estados flagellados pelo cholera, nomeanclo·
uma commissão de distinctos facultativos para..
organizar um systema de defesa adequado ás cir-
cumstancias.
E os Estados, que não podiam ir em auxilio-
da população, por falta absoluta de um serviço.
organizado, longe de auxiliarem as autoridades.
sa·n itarias federaes, creavam-lhes os mais serios.
embaraços.
O cholera, comquanto muito mais benigno do-
que nos primeiros tempos em que appareceu entre-
nós, apresentou quasi a mesma marcha de outr'ora,
quando a hygiene não dispunha dos elementos
prophylacticos de hoje.
E taes foram os attritos entre as auctoridades
estadoaes e as federaes que o governo, depois de
ter extinguido quasi de todo a epidemia, viu-se-
forçado a retirar a commissão, para ver em se-
guida o cholera recrudescer novamente.
85 -

No seu importante relatorio, o Dr. Azevedo


Sodré, illustre professor da nossa Faculdade e chefe
da commissão sanitaria federal, nomeada para com.-
bater o desenvolvimento do cholera naquella época,
,d escreve minuciosamente os g-randes embaraços
-com que se enfrentou nos Estados victimados por
aquella epidemia.
Neste importante documento, grande parte tran-
,scripto no relatorio do ministro dos Negocios In-
teriores, de 189ô, o illustre professor profliga ener-
gicamente o estado de dissolução a que se acha
-reduzido o systema sanitario da Republica, nestas
palavras cheias de verdade e justiça :
« Grandes foram as difficuldades com que tive
de luctar no desempenho da tarefa que me com-
mettestes, sobrepujando a todas a deficiencia de
material e a má organização da hygiene publica
no Brazíl. Cada vez mais robustece-me no espi•
rito a idéa, que sempre sustentei, sobre a orien-
tação que se deveria imprimir á organização sa-
nitaria em nosso paiz. Quando, após o advento
da Republica, os nossos poderes publicos, domi-
nados pelo prurido de federa ção a outrance e de
imitação das praticas e systemas americanos, ten-
taram entregar aos Estados e á ' Municipalidade
do Districto Federal a organização e direcção dos
'Servi ços ele sande publica, quebrando-se dest'arte
.a unidade de acção e a harmonia de vistas que
presidiam a direr..ção delles no Imperio, eu e o
- 86 -

meu collega Nina Rodrigues, pelas columnas do


Brazil Medico, protestamos contra tal projecto, mos-
trando sens inconvenientes e salientando as van-
tagens de uma organização federal centralizada
no que dissesse respeito á hygiene de defesa e á
legislação sanitaria, com descentralização execu-
tiva sstadoal. .. »
« Apesar de tudo isso, os poderes publicos en-
tregaram aqui na Capital á Municipalidade todos
os serviços de hygiene e com elles o material de
defesa, que pertencia ao governo; deram aos Es-
tados a .faculdade de legislar e administrar a
hygiene como bem entendessem, e nós assistimos
hoje ao triste espectaculo do desmoronamento, sem
concerto ulterior, da organização sanitaria do Im•
pei'io, que, apesar dos seus defeitos , era miâto
mais adequada a prestcw serviços e representava in•
. contestavelmente wn progresso sobre a que actual-
m,ente possuimos. . . >;
« A necessidade que teve o governo federal de
intervir, organizando um systema racional de pro-
phylaxia, sua intervenção e. consequentes attritos
com as auctoridades sanitarias estadoaes ; a con-
tingencia em que se vin ele · abandonar o campo
de acção, terido conseguido o desapparecimento
quasi completo do mal e assistindo em seguida á
sua disseminação, devido á falta de harmonia na
direcção dos serviços ; a necessidade de intervir
mais tarde no Estado do Espírito Santo , a pedido
- 87 -

do respectivo governador; a impossibilidade em


que se. tem achado de fornecer informações que
diariamente lhe são solicitadas pelos agentes con-
sulares estrangeiros, etc., tudo isso falla bem alto
contra a nossa organização sanitaria e demonstra
o atrazo e a anarchia .que reina nos assumptos
de hygiene publica no Brazil. »

« E' realmente para l!i-mentar que o Brazil


:ficasse reduzido ás condições do Afaga:nistan ou
Belouchistan, tendo os paizes civilizados necessi-
dade de commissionar medicos para estudar entre
nós a marcha das epidemias ' e fornecer-lhes as
convenientes informações. »

« Se não fossem as noticias dos jornaes diarios,


noticias não raro eivadas de paixão e parti-pris,
muitas vezes desmentidas e confirmadas succes-
sivamente, p.em mesmo saberíamos quaes os novos
fócos cholericos formados e a marcha que vai
seguindo a epidemia. Quanto ao precisar o nu-
mero de acommetti<los e de fallecidos, bom será
desistir de tal empreitada. »

<<Se insisto, Sr. director, neste assumpto, mais


talvez do que devera, é para que :fique bem
consignada a minha opinião a respeito da actual
epidemia de cholera, e vem a ser: - que ella
ter-se-bia circumscripto aos fócos de origem, de
- 88 -
onde seria extincta em pouco-tempo, sem a ·disse•
minação ulterior a que todos assistimos e sem a
perda de centenas de vidas preciosas, que todos
lamentamos, se outra fosse a organização sanitaria
brazileira. » (1)
Finalmente, o proprio ministro dos Negocios
Interiores, o Dr. Gonçalves Ferreira, eín seu re-
latorio de 1896 (pag. 262), transcrevendo esta ·
parte do relatorio d~ chefe da commissão sani-
taria federal, que acabamos de citar, assim
conclue:
ccA pratica de administração tem me conYencido
da grande conveuiencia que resultaria da unificação
e centralização dos serviços de hygiene publica.
Em materia de sande 'publica o regímen nnitario
impõe-se; quasi todos os paizes civilizados têm
comprehendido esta verdade e procuraram unifi-
car e centralizar seus serviços sanitarios. Ainda
ultimamente a Republica Argentina, que tinha
organização sanitaria mais ou menos igualá nossa
reformou-a, adoptando o typo unitario. Por occa-
sião da epidemia do cholern morbus que se des-
•envolveu nesta Capital e nos Estados de S. Paulo,
Minas, Rio de Janeiro e Espírito-Santo, diversos
episodios occorridos e as difficuldades oppost.as

(1) Relataria do Dr. Azevedo Sodré, chefe da Commis-


são Sanitaria F ederal, transcripto no relatorio do ministro .•
-dos Nego cios Interiores em Abril de 1896, pags. 251 a 260.
- 89-'-

a execução de um plano racional . e scientifico de


. defesa, como se póde verificar pela leitura do
excellente relatorio do chefe da com:missão sani-
taria federal, vieram pôr em evidencia. os de-
feitos da nossa organização sanitaria. » .•.
« Tendo porém os Estados e o Districto Fede-
ral, de accordo com o regimen . politico estatuido
pela Constituição de 24 de Fevereiro, 9rganizado
os seus ·serviços de hygiene, mui difficil seria,
sinão mesmo impossível, realizar a centralização
completa dos serviços de sande publica. »

PESTE BuBONICA. - O apparecimento da peste


do Oriente em Santos veio mais uma vez pôr em
relevo a incapacidade do regímen sanitario, esta-
belecido pela Constituição de 24 de Fevereiro, seus
vicios profundos e a absoluta necessidade que ha
de revogal-o.
A peste bubonica appareceu na cidade do Porto
em Junho de 1899.
Portugal impediu que a molestia se frradiasse
pelo Reino; toda a Europa poude evitar a invasão
do terrivel flagello, inclusive a propria Hespanha,
cujos habitantes estavam mai"s ameaçados pela vi-
sinhança de Portugal.
Da America, apenas o Brazil, o Paraguay e a
Republica Argentina não conseguiram obstar a
visita do tenebroso hospede !
90

Entretanto, está á frente da direcção da Re-


partição sanitaria da União o mesmo profissional
que nos tempos do Imperio ponde impedir, em
peiores . circumstancias, que o cholera-morbns in-
vadisse o Brazil !
Em fins de 1884 e em 1885, o cholera, depois
de ter acommettido a França e devastado_a Halia
e a Hespa11ha, veio ao novo continente e propagou-
se á Confedern.ção Argentina, á Republica do Uru-
guay, ao Paraguay e a quasi toda a America
do Sul, em uma palavra. Sitiado deste modo pelo
terrível morbo pestilencial, o Brazil conseg·uio no
emtanto evital-o conservando-se incolume e com-
pletamente indemne, mesmo em suas fronteiras
mais freqüentadas !
Tão rapidas, tão acertadas e uniforme~ foram
as medidas · prophylacticas adoptadas em todo o
paiz, desde as fronteiras ameaçadas até o littoral
e tão seguro e harmonico o plano de defesa sa-
nitada posto em pratica, que nenhum só caso de
cholera appareceu em territorio brazileiro !
Estavamos bastante ameaçados.
O 11latteo Bruno, que partira de Genova com
destino a Montevidéo, foi, em fins de Outubro de
1884, repellido do porto daquella cidade, por terem
apparecido diversos casos de cholera a bordo.
De volta, fez mais uma tentativa para entrar
aqui, na bahia do Rio de Janeiro; mas foi ·ener-
_g icamente repellido.
91 -
O governo imperial mandou-lhe levar, fóra da
. barra, todas as provisões . necessarias para a via-
gem e o Matteo Briizzo teve de voltar para a
Italia, onde soffreu rigorosa quarentena, depois d~
ter perdido 19 doentes de cholera, das quarenta
pessoas que foram acommettidas.
Foi necessario fazer-se fogo sobre o navio recal-
citrante, para obstar a sua entrada em nosso porto.
Que differença daquelles tempos para os de hoje!
O parallelo entre os dous factos é bastante ex-
pressivo e vem mais uma vez demonstrar que com
estas instituições não ha funccionario , por maiores
que sejam as suas habilitações, nem por mais bri-
lhantes que possam ser os seus precedente;:;, que
consiga evitar a interminavel serie de desgraça s
que tem .cahido sobre a nossa patria, a~ós o grande
erro de 15 de Novembro!
A peste indiana apre~entou-se no Porto, em
princípios d.e Junho, e sómente de 14 ·para 15 de
Agosto foi que a nossa ~epartição federal de by-
giene teve communicação of:ficial da sua existen-
cia naquella cidade, quando já tinham atracado
ás Dócas de Santos 16 vapores, todos vindos de
Leixões l (2)

(2) « Inquestionavelmente as peoviclencias sanitarias


adoptadas pelo Governo para defender o Brazil ·da peste
apparecida no Porto foram postas em pratica no dia 15
de Agosto, visto como foi á 14, á noite, que tivemos a
primeira noticia official ela existencia da molestia alli.
- 92 -

Onde estavam e o que faziam os nossos agentes


consulares e diplomaticos em Portugal?
Segundo o inquerito procedido em Santos pelo
Dr. Pereira das Neves, por ordem da Directoria
Geral de Saude Publica, verificou-se que a peste

« A 5 de Setembro, e sómente então, chegaram-nos docll-


mentos comprobatorios de que, desde J iinho, havia peste
em Portugal.
As hesitaçõe;; elo diagnostico, as divergencias dos pro-
ftsf'ionaes, o natural erro humano do quod vo liimus, - e,
talvez, circumstancias analogas ás que se deram em Santos,
retardaram o reconhecimento positivo da entidade morbida
do Porto, comquanto a 12 de Julho o Dr. Ricardo Jorge
houvesse assegurado, em documento official, que os casos
obser vados « tinham notavel semelhança com a peste » e a
28 do mesmo mez certificasse, com estudos concludentes, que
a molestia devia ser « classificada peste bubonica. »
O que é indubitavel é que até 14 ele Agosto não sou-
bemos ele tão si11istro acciclente no Porto nem tivemos
sciencia alguma de qlle reinava alli uma molestia « nota-
velmente semelhante á peste bubonica. »
Ora, de 4 de Julho a 14 de Agosto atracàram ás ~ocas
de Santos os segllintes vapores todos vinclos ele L eixões:
Columbia, Tiicuman, Mécloc, Rosario, D esterro, Malange,
Ebro, Oolonia, Assuncion, Schcenbui·g, Oorclouan, Amazonas,
Taypiis, Pm·ahyba, Itapai-ica e Ciwier.
Estes navios sahiram do porto inf ectado ( que para nós
-era ainda limpo) com passageiros, bagagens e cargas sus-
ceptiveis e fomm recebidos em lim·e pratica nos portos
nacionaes !
Como se podel'ia presumir que trouxessem elles o con- ,
tagio ig1ioi:aclo ? "
( Relatorio da Directoria Geral ele Sande Publica, apre-
sentaclo em 1 de Novembro de V:99 ao ministro elo Int,e-
dor e publicado DO Jonial ele 2 elo mesmo mez).
- 93 -

existia em Santos desde Setembro, qne foi pre-


cedida de uma epidemia de bnbões, de grande
benignidade, (que grassava desde 18 de Agosto),
e de duas niortandacles de ratos; sendo a primeira
epizootia na segunda quinzena de Julho e a se-
gunda em 2 5 de Setembro.
O chefe da commissão sanitaria estadoal levou
alguns destes factos ao conhecimento da Directo-
ria de hygiene de S. Paulo.
Os primeiros exames bacteriologicos, feitos por
ordem da Repartição estadoal, foram negativos e
sómente de 16 para 17 de Outubro a bygiene es-
tadoal teve a confirmação microscopica da exis-
tencia da peste em Santos.
E até o dia 16 de Outubro a Directoria G"eral
de Sande Publica e o governo da União ignora-
vam absolutamente todos estes factos, elos quaes
só foram sabedores após um inquerito posterior-
mente feito !
As auctoridades sanitarias de S. Paulo não se
dignaram levar estes factos ao conhecimento do
chefe da Repartição federal de hygieue !
E assim, a 17 de Outubro corre a noticia da
declaração of:ficial por p1:1,rte do governo ele S. Paulo
da existencia da peste em Santos, declaração
publicada no dia seguinte pelo Diario Of.ficial
daquelle Estado.
.....-:--~
Tendo alarmado o paiz e o mund0~ - ,- "'\ll\~:cl@;i
ração da presença da peste orie, t0-~'im Santos,
- 94 -

o governo de S. Paulo deix:ou que as commuui-


cações entre aquella cidade e o resto do Estado
se fi.zessem durante muitos dias, sem que fosse
tomada a menor precaução hygienica !
De modo que, se por um lado eram adoptap.as
energicas e acertadas medidas pelaDirectoria Geral
de Sande Publica, com relação a defesa hygienica
do littoral, por outro lado nada se fazia para prote-
ger os habitantes da capital de S. Paulo, do interior_
daquelle Estado e dos Estados circumvisinhos !
Mesmo nesta Capital, sómente a 25 de Outubro
começara·m as inspecções sanitarias e a desinfecção
das bagagens dos passageiros vindos de Santos,
medidas a principio incompletas e mal executadas.
A Camara Municipal de Santos não se con-
formando com a palavra official do governo de
S. Paulo, nem tão pouco com o conceito do labo-
ratorio bacteriologico daquelle Estado, mandou vir
desta Capital um bacteriologista.
A União por sua vez teve de enviar um outro,
por parte da Repartição Sanitaria Federal.
E assim a peste bubonica foi reconhecida official-
mente em Santos, a 17 de Outubro pela bacteriolo-
gia estadoal, a 25 do mesmo mez pela bacteriologia
municipal e a 27 pelo bacteriologista federal.
E então tivemos de contemplar este pittoresco
espectaculo :
Os representantes da hygiene municipal em
Santos em frequentes attritos com a commissão
- 95 -

sanitaria estadoal ; o bacteriologista municipal a


profligar, em documento official, a incuria e os des-
mazelos dos agentes da hygiene estadoal; estes
por sua vez a denunciarem aquelle por ter levado
culturas vivas do bacillo de Yersin para um hotel,
onde estabeleceu o seu laboratorio ; o governo da
União a enviar um emissario á S. Paulo para
combinar e receber o plcwet do Governador a
respeito das medidas a tomar; este .a nomear
:fiscaes para acompanharem, em suas visitas do-
miciliares, os medicos estrangeiros sem diploma
legalisado, por terem se recusado a denunciar
os casos suspeitos.
E, finalmente, as Gamaras Municipa.es do inte-
rior a cornmetterem toda a sorte de extravagancias
em assumptos de hygiene !
Os famosos esg1úchos, que serviam de tortura aos
passageiros nas cidades do interior de S. Paulo, em
occasiões de febre amarella e de deleite aos man-
dões das localidades, puzeram-se logo em funcção.
Estamos informados, diz um dos jornaes de
S. Paulo: « de que algumas cidades do interior,
servidas por estrada de ferro, estão praticando a
desinfecção dos passageiros que, procedentes desta
capital, nellas desembarcam. E, oú por carencia
dos meios necessarios para isso ou por desconhe-
cimento de como é feito o serviço de desinfecção,
algumas dellas praticam verdadeiras crueldades
levadas pelo pavor da peste.
:- 96 -

Em Jacarehy, por exemplo, informam-nos que,


tendo a municipalidade resolvido aquella medida
preventiva, logo no dia immediato desembarcou
alli um pobre preto, que, posto completamente nú,
em pleno largo da estação, foi nesse estado bar-
baramente queimado com as irrigações desinfe-
ctantes, e sua roupa como sua bagagem i_nteira-
mente inutilisadas, incineradas ! >>
Profligando esta ordem de cousàs assim se ex-
prime o insuspeito Jornal elo Coininercio; em seu
numero de 21 de Outubro:
« Repetimos o que hontem lembramos ; o chefe
do serviço sanitario da União só teve e tem do
seu delegado em Santos, as noticias sanitarias
que lhe transmitte a commissão ou junta estadoal.
Consta até que não foi permittido áquelle funccio-
nario federal visitar os enfermos suspeitos reco-
lhidos ao hospital de isolamento.
« Essa prohibição, se com effeito houve prohi-
bição, é tanto mais extranhavel quanto o Dr. Luiz
Faria, Ins-pector de Sande 'do porto de Santos,
tinha por dever do seu cargo, de conhecer do estado
sanitario desse porto e o que é mais, no caso occur-
rente, de dar as informações que delle solicitavam
o Sr. Presidente da Republica e o Director Geral
de Saude Publica.
« E' um incidente este que deve suggerir me-
ditações nos que vêm na Constituição de 24 de
Fevereiro de 1891 os mais graves inconvenientes
- 97 - ·

para o futuro e para a grandeza da Republica


e indicam a necessidade da revisão. O chefe da
nação brazileira não tem ·pela . Constituição nem
auutoridade, nem poderes, para providenciar sobre
a defesa sanitaria do paiz, sem accordo, e diga-
mos francamente, sem o pla cet de um chefe de
Estado autonomo, mas que com o _P residente· da
Republica 'frate de potencia · á potencia em objecto
de tamanha magnitude que interessa a nação
brazileira.
<< E' impossível a unidade de acção na lucta
com epidemia tão devastadora, como é a peste
com esse fraccionàmento de soberanias territo-
riaes, melindrosas e cheias de susceptibilidade na
sua acção constitucional.
« Em todo o caso, se não lhe foi prohibido,
o que é certo é que, perante a Constituição de
24 de Fevereiro, a anctoridade sanitaria federal
em Santos para ver e examinar os doent~s suspei-
tos precisava e precisa de licença das .auctorida-
des sanitarias estadoaes, aliás bem apparelhadas
para o bom desempenho da sua commissão. » .
Repercutindo-se o alarme por todo 0 paiz é
então que se manifesta, em toda a sua extensão,
a . anarchia, nota predominante destas instituições.
As auctoridades sanitarias dos Estados inva-
dem logo, sem a menor cerimonia, as attribnições
do _governo da União e algumas çhegam mesmo a
decretar quarentenas para os navios . procedentes
7 4° VOLUME
- 98

do Rio de Janeiro e Santos, ,o que é privativo da


Repartição federal de hygiene !
O Inspector de hygiene do Rio Grande d0
Sul é .o primeiro a invadir as attribuições do
governo federal, decretando uma quarentena de
dez dias para as procedencías desta Capital e. de
Santos!
Em seg·uida, as auctoridades sanitarias esta-
doaes de Santa Catharina e as do Pará exhorbi-
tam igualmente das suas attribuições; a imprensa
officiosa chama a attenção do governo pata pôr
termo a este abuso dos Estados e o incita á rei-
vindicar os seus direitos, invadidos pela sobe-
rania estadoal !
Por acto de 19 de Outubro o Sr. Prefeito
do Districto Federal, adiantando-se ao governo
da União, abrio um credito extraordinario de
80:O00:t/l000, para installar-se nesta Capital- um
serviço provisorio. de fabricação do sôro anti-
pestoso.
No dia 20 .do mesmo mez foi convidado. o
Sr. Barão de Pedro Affonso para encarregar-se da
installação e direcção do novo laboratorio ; sendo
provavel diz o Jornal: « que o illustrado medico
faça uma rapida excursão á Et,1.ropa, afim de
adq nirir apparelhos necessarios ao refel'ido es-
tabelecimento, que deverá estar prompt9 para
prestar os serviços a que se destina nó •. p_razo
de 90 dias. »
- 99 -

Dez dias depois, o illustre cirurgião publicava


nos principaes jornaes desta Capital a seguinte
-d eclaração :

« infelizmente, a difficuldade de obter a con-


-cessão de 1tns pardieiros velhos e imprestaveis exis-
tentes na , Quintei da Boa Vista, S. Chrz·stovão, eni
local apropriado á installação dos laboratorios,
tem-me obrigado a ficar ern unia inactiviJ,ade que
me contrariei e inaoimnoda.
« Si, pois, o publfro confiante jidga q_ue alguma
-c ousa já se está fazendo no que diz respeito á fabri-
cação do sôro , está i1~felizm ente ern completo engano,
porqitanto a falta do local tem-nos impedido ele dar
começo a este serviço.
« Receio muito qite a peste bubon-ica possa explo -
dir nesta cidade e com esse at-J_azo, independente
de meus desejos, estejamos desprovidos completa-
mente do sôro, principal meio de combater a mo-
iestia, e que carece de ser cuidado com tanto mais
urgencia quanto, como é sabido, a sua preparação
.exige cetto prazo. »
Ainda um mez depois desta declaração não se
tinha encontrado uma situação apropriada para
.a installa.ção do referido Instituto ; e soménte a
6 on 7 de Dezembro , ponde o distincto operador
partir para Eüropa em procura dos apparelhos
salvadores !
/
IV

Hospitaes e material sanita.rio. Como se cor-


rigem as faltas da Monárchia. 4 hygiene
da nossa Capital. O r~gimen sanitario nos
paizes civilizados.

Por Decreto Leg·islativo de 11 de Novembro


·de 1892 foi o governo auctorizaclo a installar laza-
retos no Pará, Pernambuco e Matto-Grosso; porém
só se tratava de construir o de Pernambuco .
Antes de assentarem definitivamente sobre o
local em que devia ser installado o lazareto, já
tinham gasto 1.000:000;tt,, dos 1.500:000;tt, concedidos
pelo credito n. 1310 A de 8 de Março de 1892.
E' o proprio ministro do Interior Dr . Gon-
çalve·s Ferreira quem o diz em seu relatorio de
1895, e acrescenta mais as seguintes palavras :
« Avultou tanto a despeza por causa da in-
decisão havida a cerca ela escolha definitiva do
local em que devia ser construido o estabeleci-
mento sanitario marítimo no referido Estado; pois
- 102 -

que, a princ1p10 indicado o porto de Tamandàré,.


foi por aviso de 27 de Setembro de 1893 desi-
gnada a ilha de Fernando de Noronha; e, mais .
tarde, quando já · muitas obras estavam realizadas
alli, por acto de Julho do anuo passado, fixou-se-
novamente o mencionado porto de Tamandaré para
séde do .Lazareto.» (1)
Estavam suspensos os trabalhos por falta de
verba, quando, em 1895, o governo, attendendo,
ás reiteradas solicitações do corpo diplomatico,
comprornetteu-se á construir . mais de um laza-
reto no littoral. Tentou-se
. então .continuar
.
com
as obras do lazareto de Pernambuco, exgoton-se
de novo o credito .votado e lá estão suspensos os
trabalhos desde 1897 !
Demos agora a palavra ao actual Sr. mi-
nistro dos Negocios Interiores, o ·Dr. E. Pessoa:
« Notificados os ditos agentes diplomaticos da
resolução do governo de prover a constrncção dos
lazaretos referidos cuidou-se do de Pernambuco .
As verbas votadas pelo Congresso Nacional para,
as obras projectaà.as attingem á somma de réis
2.600:000;itJ, mas não se achando terminadas ellas
em Dezembro de 1897, e sendo mister despen-
der-se ainda avnltaida quantia para o seu com-
plemento, julgou conveniente . o meú . antecessor

(1) Relatorio do Dr. Gonçalves Ferreira, ministro dos


Negocios Interiores - 1895, pag. 257.
- 103 -

suspendel-as, até que o Poder Legislativo dispu-


zesse sobre os -fundos precisos. »
« O relatorio de 1898 expõe miudamente à
questão ,: mas o silencio do Congresso creon sério
embaraço ao governo, que se vê onerado com a
responsabilidade de um compromisso solemne e
sem os meios de desobrigar-se. della. » (2)
Referindo-se á deploravel situação do es•
tado sanitario desta Capital, diz o Dr, Manoel
Victorino, ex-vice-presidente da Republica, na
pag. 7 do seu relatorio ao Prefeito Municipal,
em 1896:
« Os nossos brios de nação culta e livre sen-
tem-se de · vez em quando magoados com as ~us•
peições impertinentes com que assoalham e. maldi-
zem o infortunio que pesa sobre a graD;de cidade.
Já uma vez, em nota collectiva de diversas poten-
cias, pedio-se ou antes exigio-.<:e do Braz il a con-
strucção de um lazareto ; não será de admirar
'que se pretenda um dia dictar, como recente-
mente no Cairo, o . saneamento, como medida de
interesse internacional, reclamada por intervenção
diplomatica. » (3)

(2) Relatorio apr esentado ao presidente da Republiclli


pelo Dr. E. Pessoa, ministro do Interior - 1899, pag. 252.
(3) Relatorio apresentado a 31 de Agosto de 1896 ao
prefeito municipal pelo·s Drs. M. Victorino Per('ira e Nunu
de Andrade, pag. 7.
- 104 -
Descrevendo os nossos hospitaes assim se ex-
prime ·o Dr. Amaro Cavalcante, - ex-ministro do
Interior, em seu relatorio de 1898 :
« O hospital marítimo de Santa Isa.bel é o
unico estabelecimento nosocomial regularmente
installado que a administração sanitaria possue .
O de Bom Despacho na Bahia e o de Tatnoca no
Pará são construcções inadequadas e que preci-
sam mesmo assim de concertos indispensaveis . >>
« Nos outros pontos da Rep1.1blica as enfer-
marias que existem não se acham em condições
de prestar serviços. »
Como este muitos outros documentos of:ficiaes
poderíamos apresentar, em que se confessa o de-
ploravel estado a que estão reduzidos os nossos
estabelecimentos nosocomiaes e todo o material
sanitario de terra e mar; principalmente nos
Estados .
Com louvavel franqueza assim se manifesta o
actual ministro do Interior:
« Os passageiros que se destinam a portos do
norte e sul da Republica levam os germens para
as localidades do destino; e infelizmente não temos
dispositivos adequados ao perfeito isolamento dos
enfermos que chegam aos mesmos portos. »
« Os hospitaes marítimos dos Estados não ser-
vem; só o da Bahia, hospital do Bom Despacho,
está em condições de . prestar-se ás exigencias de
uma epidemia reduzida . Em nenhum outro Estado
105 -

existe estabelecimento apropriado ao tratamento


de doentes de molestia transmissível. »
« As consignações orçamentarias votadas para
esses hospitaes, como o seu quantüati vo está in-
dicando, destinam-se sómente a conservação dos
proprios nacionaes em que deveriam elles ser ins-
tallados, mas não podem evidentemente fazer face
ás despezas de um instituto nosocomial por es-
cassez em demasia.»
« Não temos desinfectorios regulares, por falta
de apparelhos , defluindo disso que o expurgo
effectuado a bardo de um navio, que cliegue em
condições precarias de hygiene, _é tão perfunctorio
que nenhiima tranqiiilidacle incute no animo das
1Jroprias auctoriclades que a elle procedem,. >>
« Naturalmente se exceptuam as desinfecções
quarentenarias praticadas no lazareto da Ilha
Grande, as quaes são rigorosas e completas; mas
nos outros pontos do paiz nenhuma desinfecção
inspira confiança bastante.»
« A carencia de material aproveitavel para
essas operações sanitarias; as constantes
,. restricçõe s
orçamentarias q ne custeiam o serviço de sande
publica; a desig·ual repartição de vencimentos dos
fuccionarios em uns casos e a sua manifesta exi•
guidade em outros, estão motivando pronunciado
desanimo entre empregados, cuja responsabilidade
augmenta na proporção que se lhes negam os
meios de resgnardal-a , e preveem um mundo de
106 -

censuras a observai-os, quando pot' uma contrarie-


dade da. sorte não puderem preservar o territorio
nacional de uma epi'demia pestilencial exotica.» (4)
Já em seu relatorio do anno passado o Dr. '
Amaro Cavalcante, ex-ministro do Interior, assim
se manifestava em relação ao material do serviço
de sande do.s portos :
« O material destinado ao serviço sanitario
marítimo é escasso e precisa de ser augmentado
e melhorado. No porto da Capítal, como nos de
S. Paulo, Bahia, Pará e Pernambuco, cuja im-
portancia póde ser aferida pelo movimento de
embarcações, já indicado, não existe um só des-
infectorio fluctuante, como não ha uma nnica en-
fermaria movel para o transporte de enfermos.
As lanchas e escaleres das visitas estão quoti-
dianamente occupados no serviço regulamentar,
que é feito de sol a sol, de modo que em cir-
cumstancias · extraordinárias, torna-se mister o
fretamento de embarcações, ás vezes por preços
exaggerados, pàra attender-se ás urgencias do
soccorro ma ri timo . » (.5)
~

Não ha duvida que temos á frente do serviço


sailitario maritimo um funccionario competente

(4) Relatorio do ministro dos Negocios Interiores-1899,


pags. 20 e 251.
(f.i) Relatorio do ministro dos Nego cios Interiores-
1898, pag. 416.
- 107 -

e que tão bons serviço-s tem prestado a este paiz, o


actual Director da Repartição federal de hygiene .
Mas, por maiores que sejam os seus esforços
e dos seus dignos companheiros, muito pouco po-
derão conseguir, com este material sanitario que
acabamos de descrever, na defesa hygienica de
um littoral tão vasto como o nosso.
Será com estes navios de movimento difficil e
vagaroso de nossa esqÚadra, que havemos de impor
o respeito ás nossas prescripções prophylacticas?
'
* **
ESTADO SANITARIO DA CIDADE. -O coração da
Capital da Republica está repleto de cor tiços e
cortiçoides, cujo numero tem augmentado consi-
deravelmente nestes ultimos annos.
O lixo e toda a sorte de dejecta accnmulam-se
as vezes dias seguidos nestes casebtes, zombando
da policia sanitaria e constituindo grandes fócos
de infecção, onde os gennens-fermentos encontram
magnifico meio de cultura e proliferação'.
As novas construcções obeclecem muito pouco
aos preceitos hygienicos, sobretudo quanto ao pre-
paro do solo, que é ele todo desprezado entre nós.
As ruas desta Capital ahi estão, sujas, mal
calçadas, offerecendo ao estrangeiro um attestado
tristissimo do nosso atrazo e -imperdoavel deleixo
em assumptos de hygiene. Existem ruas, e não
- 108 -

são poucas, que, apesar de bem edificadas, ainda


não puderam ser calçadas, não obstante reitera-
das reclamações do publico. Outras ha, cujas ema-
nações sordidas dos exgottos e das sargetas são
muitas vezes fataes aos transeuntes.
O canal do :Mangue continúa obstruído, mal
tratado, com mais de uma ponte ameaçando ruina
e interceptada ao transito publico. Os pantanos e
charcos encontram-se por toda a parte da cidade.
O estado actual dos ex.gottos nesta cidade con-
stitue um dos' fócos de infecção urbana e mesmo
domiciliar, na opinião dos mais illustres hygie-
nistas.
Todavia, apesar dos grandes vicios de instal-
lação que apresenta a nossa rede de exgottos, e
do seu systema antiquario para a época, ainda
poderia nos prestar bons serviços se houvesse com-
p1eta impermeabiliclade nos canos e nas juntas,
ventilação süJficiente e, sobretudo, se a compa-
nhia City Impro?.?einents cumprisse estrictamente
todos as clausulas elo contracto.
Uma revisão n·os exgottos desta Capital é, com
effeito, de urgente necessidade. (6)

(6) Por clecreto n. 3540 de 29 de Dezembro ultimo ficou


a companhia auctorizada a introduzir alguns melhoramentos
importantes dentro do prazo de 3 a 9 annos; responsabili-
sando -se a cumprir diversas clausulas dos contractos ante-
riores, que até hoje não foram sa"tisfeitas, devido aos emba-
raços financeiros d.a Companhia, com a baixa do cambio.
109 -
A falta d'agna torna-se cada vez mais sen-
sivel nas estações calmosas e o governo repu-
blicano, longe de procurar captar novos ma -
nanciaes, está auctorizado pelo Congresso á ar-
rendar o serviço de abastecimento d' agna desta
Capital. De modo que, em uma cidade como
esta, de um clima quente, em condições de as-
seio pouco lisongeiras, e que precisa d'agua em
abundancia, como base de todo saneamento, lem-
bra-se o Corpo Legislativo de entregar á uma
exploração industrial o principal elemento da hy-
giene publica !
Iremos ter agua á hydrometro , em doses ho-
meopathicas naturalmente, e a preço elevado.
Muito terão a ganhar com isso a febre ama -
rella e as demais molestias infectuosas.
Em Bruxellas, onde a mortalidade era de 30; 3
por 1. 000 habitantes ( de 1869 a 1873 ), depois dos
melhoramentos e especialmente depois da distri-
buição d'agna em abundancia e por rreço muito
modico á população, a propor ção da mortalidade
desceu á 21, por 1.0 00. O mesmo deu-se ulti-
mamente em Buenos-Aires, onde a mortalidade
diminuiu consideravelmente, sobretudo depois da
.maior distribuição d'agna potavel.
A « fiscalização da alimentação publica, do
consnmmo das · b ebidas natnra.es e artificiaes ; o
fabrico destas, precedendo o competente exame
bacteriologico », é um dos artigos do regulamento
- no -
da hygiene municipal. Entretanto, ainda não
ha um laboratorio de bromatologia naquella re-
J>artição.
Ha alguns annos, a esforços de um distincto
facultativo, a municipalidade mandou vir da Eu-
ropa todos os· apparelhos necessarios a um labora-
torio bromatologico. Vieram realmente todos elles,
lentes, microscopios com objectivas de grande
força, etc.
Ficaram aqui, na Alfandega, muito tempo, oxi-
dando-se e estragando-se, e, consta, que ainda
hoje se acham encaixotados os apparell1os do mal-
logrado instituto de bromatologia !
Longe iríamos se fossemos enumerar as faltas
de que se resente a pratica da nossa _hygiene mu-
nicipal.
Se fossemos relatar os attentados contra a hy-
giene, que se nota diariamente no matadouro, no
mercado, em todas as habitações collectivas, etc.,
fatigaríamos o leitor.
Os serviços de assistencia publica e de policia
sani taria não são ainda uma . funcção seria entre
nós ; ou mais claramente, não temos assistencia
publica, nem policia sanitaria.
Não são os grandes melhoramentos materiaes
os principaes factores do saneamento. Crescido
'
numero de cidades elevem os seus fóros de salu-
bridade mais ás medidas permanentes e estricta-
mente executaclas de polícia sanitaría, do que
- 111

propriamente aos grandes melhoramentos mate-


riaes. (7)
Esta má nota de insalubridade de que gozamos
no exterior, desgraçadamente corroborada pe~o in-
feliz caso do Lombardia, e tão. exaggerada pelos
nossos visinhos, . é sobretudo obra da Republica,
como provaremos adiante, e da sua descentrali-
zação ou dissolução dos serviços de hygiene.

***
Ha mais de meio seculo que as tendencias dos
paizes civilizados têm sido para a uniformização
da legislação sanitaria e a centralização da admi-
·nistração dos encargos da sáude publica.
Já na p_rimeira conferencia internacional de
Pariz em 1851 tinha-_se estabelecido o principio
das medidas uniformes.
Mesmo nos paizes de · vasta extensão territo-
rial, como a Allemanha, Austria e a Italia, tem-se
procurado centralizar a direção das repartições de

(7) Em mais de uma cidade de Cuba tem-se conseguido


ultimamente a extincçião quasi completa da febre amarella
sem recol'rer-se a grandes melhoramentos materiaes . Entre
outras medidas, pela irrigaçião profusa \lo pavimento das
ruas com clesinfectantes. E emqnanto àlli assim se proce-
dia aqui na Cap ital da União, observa com justa razão o
Dr. Pires de Almeida, se mandava sustar esse serviçio
e vendia-se em hasta publica o seu material 1
- 112 --;-

hygiene, fazendo com que as administrações locaes


obedeçam á uma direcção superior.
Na França, de. 1848 em diante, adoptou-se o
regímen unitario, creando-se o Comité consultatif
cl'hygiene piibliqiie.
Todas as administrações locaer:;, desde as Com-
missions d'hygiene publiqne das capitaes dos can-
tões, até os Conseils d'hygiene publiqne et de salu-
brité dos districtos e dos departamentos, obedecem
ao acêno director da administração central, sob a
jurisdicção do ministro do interior.
Na Prussia, onde a organizaçãa da policia sani-
taria é admiravel, a administração da hygiene é
tão centralizada que ha até o ministerio dos cul-
tos e dos negocios :ri:J.edicos . O ministro é o chefe
supremo do serviço sanitario em todo o reino .
Logo que se organizou a Confederação Germa•
nica creou-se alli o serviço sanitario superior. Em
1875 installou-se o - Reichsgesnud~eitsandt, -
grande conselho superior de sande publica, encar -
regado ao mesmo tempo de contribuir para o adian-
tamento da sciencia, por meio de pesquizas origi-
naes ; onde tanto se tem celebrizado o eminente
professor Koch.
A Inglaterra, que é o paiz por excellencia dos
governos locaes ( self government ), ha mais . de
tres quartos de seculos que adoptou o typo uni-
tario; e desde 1876 que tem uma centralização
sanitaria exemplar .
-- 113 -

Na Italia, onde havia grande descentralização e-


completa de~ordem na administração sanitaria, o go-
verno foi tratando, depois da unificação do paiz, de
uniformizar os serviços de hygiene, e, em seguida
á epidemia do cholera ~m 1884, centralizou comple-
tamente a administração_sanitaria de todo o paiz :.
fazendo votar o codigo sanitario, sanccionado em
1888, e creando a « Direcção da sande publica».
lVIesmo na gTande republica norte-americana,
cuja organização politica e até o proprio nome
copiamos servilmente, tem havido uma grande
tendencia para a centralização dos · serviços de
sande publica. E ultimamente creou-se o conselho-
nacional de hygiene ( Ncdional Board of He ctlth).
Finalmente, a propria Confederação Argentina,
reconhecendo os graves inconvenientes da sua eles--
centralização sanitaria, abandonou-a completamente
por occasião da ultima epidemia do cholera em
1894, coordenando e uniformizando todas as suas-
prescripções em um systema unico de propbylaxia,
para todas as províncias e territorios da Confe-
deração, inclusive a propria capital ; ficando todos
os serviços de hygiene, sem excepção alguma, sob
a direcção superior elo « Departamento Nacional"
ele Hygiene » .
E, emqnanto todas as nações assim procedem,
uós fazemos inteiramente o inverso; - destruímos
::i. unidade para plantar a desordem, e escrevemos-
em nossa bandeira ordem, e p rogresso !
s 4º VOLUJIE
V

Hygiene militar. Hygiene naval. Hygiene das


prisões

Hv.GIENE lVIlLITAR. - No Brazil a hygiene


militar tem tido a mesma sorte que a publica
-em geral.
Os quarteis, hospitaes, arsenaes e fortificações
que possuimos são ainda os . mesmos do tempo
da lVIonarchia ; notando -se que, naquella época,
-e stavam em muito melhores condições de conser-
vação, asseio e prophylaxia do que actnalmente,
apesar elos gTandes progressos que a respeito se
tem feito nestes ultirnos annos.
O relatorio do honrado general, que occupa
:actualmente a pasta da guerra 1 é um documento
importante, que expõe á luz da evidencia o quanto
este regímen, que diz ter vindo para corrigir
os erros do Imperio, tem menosprezado QS nego--
d os militares, principalmente em assnmptos de
hygiene.
- 116 -

Na pagina 38 deste relatorio lê-se: « Seja-me


licito ponderar-vos que o abandono em que jazem
as fortificações para a defesa do nosso .extenso
littoral, quasi todas ainda dos tempos coloniaes,
impropriás, portanto, ao seu destino, ante o apP-r-
fei çoamento da artilheria e dos explosivos modernos,
o lastimavel estado de conservação dos edificios
nesta Capital e nos Estados, destinados ao aquar-
telamento das tropas e áos serviços sanitarios,
muito mal situados e improprios aos fins, sem as-
accommodações precisas, desprovidos de conforto
e infringindo os preceitos mais comesinhos da hy-
giene : - pedem o solicito exame do Poder Legis-
lativo, no empenho de attender-se ao insufficiente-
numero de quarteis e hospitaes que possuimos e
ao estado de franca decadencia de nossas for ti -
fic ações. »
Mais adiante diz o mesmo ministro (pag . 55):
« O estado em que encontram-se os edi:ficios onde
estão installados os hospitaes e enfermarias mili-
tares é inteiramente analogo ao dos quarteis des-
tinados á força publica. »
Na verdade, o hospital central é ainda o anti -
quíssimo estabelecimento do morro do Castello, que
a bem da salubridade publica devia estar fechado .
O novo hospital Central ele S. Francisco Xa-
vier está muito atrazado em sua construcç.ão e
não offerece as condições exigidas pela hygien e
contem poran ea.
- 117 -

E, o que é sobretudo inacreditavel, é que n ão


l emos cdnclct umi corpo ele enferm eir os. Os enfer-
meiros são os proprios soldados, de vez em quando
substituidos por novas praças, que nunca trataram
de doentes!
Os enfermeiros , diz ainda o ministro da,guerra :
•« praças tiradas dos eorpos que servem nessas en-
formarias, para ellas entram e sahem, com pre-
j uizo do serviço, quando t êm adquirido certo pre-
paro, para serem sub stituídas por outras que em
geral não têm as •necessarias aptidões. »
« Estes inconvenientes :poderão ser facilmente
removidos se dotar-se a Direcção da sande com
um corpo de enfermeiros, para o que é necessaria
a auctorização do Poder Legislativo. » (1)
Os officiaes são tratados no mesmo edificio que
a s praças ; e os doentes tuberculosos promiscua-
mente nas mesmas enfermarias, ao lado de outros
enfermos de molestias differentes, que podem ser
facilmente con tam.i nados.
E ste grande attentado contra a hygiene infe-
lizmente ainda se vê na propria Santa Casa da lVIi-
sericordia, . nos ultimos dias de ste sec ulo !
Se esta desastrada pratica é hoje um crime nos
hospitaes civis, com maioria de r azão nos hospi-
taes militares , em virtude da tendencia especial

(1) Relatorio apresentado ao Pr esidente da Republica


polo Ministro da Guerra - 1899.
- 118 -

do soldado em ser acommettido pelas molestias


transmissíveis ou infectuosas.
Todas as vezes que a varíola se manifesta nesta
Capital, é dos quarteis que ella ·parte e se irradia.
por toda a cidade.
E' um facto de observação, em que são nna-
nimes as nossas auctoridades sanitarias.
Já em 1892 o Inspector de hygiene e o medico•
demographista davam o grito de alarme sobre este
assnmpto. (2)
Os relatorios do Instituto Vaccinogenico, do
ex-Instituto Sanitario Federal (Annuario de 1895),
t~m chamado a attenção do governo para este facto.
E ainda ultimamente a Directoria Geral de Sande
Publica, no boletim demographico de 1898 (pag. 9}
assim se exprimio :
« Cumpre dar realce a um pormenor curioso,
de que a observação tem demonstrado - serem
os quarteis os fócos principaes de irradiação da
varíola entre nós. >>
Realmente,· não sómente os nossos quarteis de
policia, e do exercito, como principalmente as esta-
lagens, habitadas pelas familias dos soldados, são
centros de infecção variolica desta cidade.

(2) Relatorio da Inspectoria Geral ele Hygiene , annexo


ao relatorio elo ministro elos Negocios Interiores ele 1892,
pags. 20, 81 e 82.
119 -

A falta de completo expurgo sanitario nos


compartimentos e habitações a:ffectadas, especial-
mente a pessima pratica de ser pe1·mittido que
assentem praça indivíduos não vaccinados, são
os factores capitaes deste deploravel estado de
cousas.
Não é sufficiente effectuar-se com rigor o iso-
lamento do varioloso e a desinfecção dos compar-
timentos infeccionados; é preciso ·q ue fiquem com-
pletamente assepticas as habitações affectadas,
como principalmente vaccinar-se e revaccinar-se
todas as pessoas que habitarem as cfí.sas e aloja-
mentos contaminados.
A terrível epidemia de · 1891, que fez 4000 vi-
ctimas nesta cidade (das qnaes 1500 crianças de
O a 5 annos), teve francamente por ponto de par-
tida os aquartelamentos militares.
Ainda na ultiwa expedição de Canudos, os nos-
sos soldados foram bem victimados, na capital da
Bahia, pela varíola que dos quarteis passou a con-
taminar á cidade.
Nos exercitos europeus, principalmente na Al-
lemanha, é hoje facto raríssimo apparecer um caso
de varíola !
Por occasião da revolta da esquadra, vieram
do norte grande numero de recrutas que não ti-
nham sido vaccinados, nem suas familias ; e toda
essa gente forneceu forte combustível á epidemia
- de 1895.
- 120 -

Os paroxismos annuaes da febre amarella já


~onstituem uma infelicidade para o nosso paiz, mas
as devastações produzidas pela varíola, depois de
uma das mais brilhantes conquistas da medicina,
constituem uma vergonha para o governo, ou corno
diz o Dr. Aureliano Portugal - uma deshonra
para o Brazil.
A obrigatoriedade da vaccinação e revaccinação
e a sua execuçãó em regra é o unicó meio que nos
poderá garantir de um flagello, já banido dos paizes
-civilizados.
A Inspectoria Geral do Serviço Sanitario, hoje
-d enominada Directoria de Sande, tem luctado com
grandes embaraçôs, desde que o paiz fantasiou-se
em Republica, por falta de material destinado a
attender as necessidades do seu mister. E' a· partir
de 1896 que o actual Sr. ministro da guerra, então
-quartel-mestre-general, pede ao ~ overno q_ne for-
neça material sanitario, em que não nos achamos
preparados, quer vara a pciz, quer parél a gnerro.,
o qne é mais grave, como diz o illnstre general.
Em of:ficio dirigido ao Inspector geral do ser-
viço sanitario do exercito, pelo coronel inspector
do material, em 25 de Janeiro de 1896, e transcripto
no annexo C do relatorio do Sr. ministro da guerra,
lêm-se as seguintes palavras :
« Em cumprimento ao determinado pela Repar-
tição do Quai:tel-Mestre-General, em of:ficio n. 940
de 8 de Maio proximo passado, cabe-me de.clarar,
- 121 -
como já fizestes sentir no vosso ultimo relatorio,
que não existe depqsito e portanto material sani-
tari-o para satisfazer as necessidades do serviço .
Peço-vos porém licença para fazer algumas consi-
derações, que julgo opportunas e necessarias:
« Sob o ponto ele vista do material sanitario a
Nação não está preparada para o serviço em tempo
de paz, e o que é mais grave ainda, menos para o
de guerra. Dada ordem para a mobilização, expe-
dição ou entrada em campanha de uma brigada,
divisão ou corpo de exercito, assistir-se-ha ao ·triste
e doloroso espectaculo de, durante a marcha, ficar
o soldado estropeado ou doente, entregue ao pes-
soal medico, mas sem um carro que o transporte,
provido dos recursos cirurg·icos, therapeuticos e
hygienicos, o llospital portatil que o abrigue ; pois
que não possue o serviço sanitario material mo-
derno, excepto nesta Capital alguns carros deno -
minados ambulancias e que, destituídos do conforto
necessario e por não conterem material cirurgico e
therapeutico, estão destinados a ficar abandonados
no primeiro dia de marcha de qualquer batalhão ;
tal é o seu peso bruto! O custo de cada nm desses
carros (4:300:ii\000) é superior ao da carrnagem de
cirurgia franceza, mais leve, contendo 1850 cura-
tivos e do preço de 3.500 francos. »

« Com effeito, não será na hora do com-


bate, marchas, etc., que será adquirido material
- 122 -

sanitario (e porque preço!) . para milhares de ho-


mens! Durante as operações militares em-Nitherohy
(1893 e 1894) comprou-se iodofonnio a 100$ o kilo,
quando custava 19;/t, ao Estado, fornecido pelo La-
boratorio Chimico Pharmaceutico Miljtar. Todas as
vezes que o governo concorre ao mercado, o com-
mercio aproveita-se da occasião para auferir lucros
extraordinarios. » (3)
E ainda por falta de verba não têm sido atten- .
didas as solicitações do illustre ministro a contar
de 1896 até hoje !
O Laboratorio Chimico Pharmaceutico Militar
acha-se igualmente em deploravel situação, desde
a parte do edi:ficio em que está installado, que
ameaça mina, até a falta de pessoal habilitado e
os machinismos que, além de muito deficientes,
estão quasi inutilizados.
As differentes secções do serviço estão instal-
ladas em compartimentos acanhadissimos, sem
mesmo offerecer as proporções uecessarias ás exi-
gencias menos importantes, especialmente a parte
em que se fabricam os prodnctos chimicos, a ponto
de não permittir que se trabalhe simultaneamente
em mais de um producto.
Os apparelhos e todo o arsenal mecanico estão
estragadissimos, exigindo prompta substituição.

(3) Relatorio do ministro ela Guerra-189B; Annexo C,


pags. 4 e 5.
- 123 -

Não ha, em uma palavra, paridade alguma entre


o que era outr'ora este estabelecimento e o estado
a que está reduzido actualmente ; impossibilitando
o desempenho das funcções a que foi destinado,
fabricando apenas a quarta ou quinta parte do que
podia fazer, mesmo por falta quasi absoluta de
pessoal habilitado !
No em tanto, outr' ora aquella repartição sempre
dispoz de um numerosissimo corpo de operarios
habilitados, e todos elles educados no proprio
estabelecimento ; como judiciosamente observa o
Sr. Ministro da Guerra em seu relatorio (pag. 57).
Na Europa a hygiene militar é estrictamente
observada,_ desde as. condições physiologicas do
individuo, no dia em que se alista nas fileiras do
exercito, até o campo de batalha.
A capacidade physica do soldado, o seu domi-
cilio nos quarteis, a sua alimentação, os exercícios
militares e gymnasticos, a vestimenta, a educação
militar 1 etc., são sempre pautados pelas prescri-
pções as mais severas da hygiene.
Antes do combate, durante a batalha e depois
da lucta, as leis da hygiene são sempre observadas;
e só assim é que se póde ter unidades de combate
capazes de entrar em acção.
Nos exercitos europeus não se aceita um sol-
dado antes de vinte annos, e as relações entre o
talhe, o peso e o perimetro thoracico são condições
- 124 -

essenciaes para o engajamento do soldado; e em


geral são nos indíviduos de talhe mediano que se
encontram as mais robustas praças; pois a força
de resistencia depende especialmente da harmonia ·
existente no desenvolvimento de todas as partes
do corpo.
O diametro da cavidade thoracica, principal-
mente se considerarmos as suas relações com o
peso e o talhe do corpo, é um dos dados impor-
tantes ' a observar, porque a capacidade respira-
toria é um dos elementos que determinam a força
real do individuo. Os melhores soldaclos são os de
23 a 30 annos, idade em que o organismo humano
tem attingido todo o seu vigor e adquirido o seu
maximo de força.
Os soldados fracos, nial constituídos são tantas
uniqades Je combate perdidas, e só servem para
encher os hospitaes, como dizia o grande Napoleão .
De sorte que, além de serem uma carga para os
cofres publicos, são forças que perde a communhão
civil, onde poderiam prestar bons . serviços.
Foi em grande parte devido ao vigor dos seus
soldados que os allemães entraram, em 1870, em
Pariz; e que Bonaparte levou a sua agnia sempre
victoriosa ás Piramy~es , á :Marengo, lena e Aus-
terlitz.
A hygiene dos quarteis, sobretudo .nos paizes
quentes e sujeitos ás manifestações do impalndismo,
como o nosso, deve ser objecto do maior cuidado
- 125 -

ela parte dos poderes pnblicos; mesmo em beneficio


da população geral.
Não ha, principalmente nestes tempos da
sr.uule e fraterniclacle 1 hyg·ieue alguma em nossos
quarteis e arsenaes; e. nem mesmo temos edificios
snfficientes para o aquartelamento das tropa;:;.
A Republica elevou o effectivo do exercito,
de 13. 000 homens, que era no tempo do Im-.
perio, á 28.000.
Apesar dos claros que existem em todos os
batalhões, a agglomeração que se nota actua.lmente
de grande numero de praças e officiaes em compar-
timentos sem a capacidade hygienica sufficiente,
além de viciar o ar, facilita immensamente a pro-
pagação elas epidemias.
O estado sauitario dos nossos estabelecimentos
de educação militar era muito mais lisonjeiro no
regímen subvertido.
Na educação do soldado possue a hygiene
uma grancle influencia ; tanto na educação phy-
sica, como na intellectual, e até mesmo na edu-
cação moral.
A educação militar não tem sómente por fim
fazer vigorosos soldados para as exigem.ias da
guerra, officiaes babeis na tactica militar e no ma-
nejo das armas, ella visa principalmente o lado
moral elo militar e aconselha-o que seja tão gene-
roso e humano depois da victoria, como valente e
intrepido durante o combate.
. ,

- 126

Não é sómente a edu~ação physica e a disci-


plina militar, como principalmente a educação
moral, pela qual _o soldado se sacrifica pela sua
patria, que faz a grande força dos exercitos ..

HYGIENE NAVAL. - No que diz respeito a


hygiene, a nossa armada tem sido ainda uma
das mai@res victimas da Republica.
O governo ha se descuidado completamente
de todos os assumptos -concernentes á hygiene
naval. Aqui o abandono é . ainda maior do que
no exercito.
As accommodações no Hospital de Marinha
são tão deficientes que, como diz o proprio mi-
nistro da Marinha, « a lotação das enfermarias é
excedida pelo numero de enfermos, que, agglome-
rados, confundei:n,:-se, sem ser obedecido o regí-
men das especialidades das mDlestias por secções
determinadas.» (4)
Isso porque o governo cedeu parte do hospital
para o aquartelamento do batalhão de infanteria
de marinha.
Ha quasi absoluta falta de material sanitario,
como no exercito.
A pharmacia, durante o regímen vigente, tem
estado sempre desprovida do necessario; e

(4) Relatorio apresentado ao Presidente da Republica


.pelo ministro da Marinha, 1899, pag. 52.
127

continúa, por falta de verba, a não ter drogas, nem


medicamentos snfficientes para o fornecimento da
esquadra!
O proprio Hospital de Marinha vê-se frequente-
mente em embaraços, por falta de medicamentos,
para satisfazer as suas prescripções ; como se póde
verificar no relatorio do ministro (pag. 51).
Além de outras molestias evitaveis, a tuber-
culose e em particular o beriberi têm feito grandes
estragos na armada.
Os navios da nossa esquadra, seja devido a
deficiencia de pessoal pa.ra gnarneeel - os, seja
devido á outras causas, estão em condições mui
pouco lisonjeiras de asseio e de hygiene. Em 1897 a
Trajemo chegou a tal ponto de insalubridade, que
grande parte de sua g·uarnição foi acommettida de
beriberi ; a ponto de ser precis.o recorrer á um
completo expurgo sanitario, feito pela actual Dire-
ctoria Geral de Sande Publica.
O hospital de beribericos em Copacabana, para
onde são enviados quasi todos os doentes da ar-
mada, a:ffectados desta molestia, além de se achar
em pessimo estado de conservação, com o madeira-
mento todo arruinado, está muito mal localisado.
Ha mesmo deficiencia d'agna potavel.
O velho edificio está situado na encosta de
uma montanha, em lugar escarpado, muito quente
e bastante humido ; o que já por si constitue um
dos factores favoraveis ao desenvolvimento da
128 -

molestia, como o proprio ministro faz notar em


seu relatorio.
Um dos redactores da « Tribuna », orgão
g·enuinamente republicano, assim descreve o las-
timavel estado deste estabelecimento, quasi a
desabar:
<< Basta dizer que justamente o 1 º andar do
edificio, onde estão montadas quatro enfermarias,
acha-se escorado por um systema de vigas que
não farão mais do que atrazar r
de poucos dias
o momento em que um tufão mai::i forte desabe
todo o sobrado , qu·e se apoia em parte, sobre um
paredão de pedra, já por sua vez fendido. O tecto
do ultimo andar está deslocado de pollegada e
tanto, e as paredes de tabique aqui e aUi apodre-
cidas e empenadas são o fragil recurso á divisão
das salas. » (5)
E taes são as pessimas condições hygienicas
deste hospital qne os indices mortuarios têm
sido avultaclissimos, sobretudo nestes quatro ultimos
annos.
De 1890 a 1895 succumbiram de beriberi nas
enfermarias de Copacabana 149 marinheiros ; de
1896 a 1898 foram sepultados 337-mais do dobl'o
nestes tres annos do que nos seis annos ante-
riores!

(5) Da Tribima , do 1° elo Agosto .


-· 129 -

Ao todo 486. fallecimentos devidos ao beriberi,


nestes nove annos em nossa marinha de guerra.
Ao passo que nos -ultimas quinze annos da
Monarchia ( 187 4 a 1888) apenas falleceram de
beriberi, em toda a cidade do Rio de Janeiro,
300 pessoas r
Em 1896, o beriberi fez succumbir nas enfer-
marias de Copacabana 101 indivíduos, oli 28, 8 °/
0

dos beribericos entrados para o hospital; em 1897


falleceram 133, ou 22 , 6 °fo; e em 1898 foram _
victimados 103, ou 20 °fo.
\
No anno de 1897, o numero do obitos por
esta molestia ·at_tingiu, em toda a cidade, á 300
· pessoas, das quaes 133 pertenciam a guarnição
de nossa esquadra !
De modo que, se em relação a população ur-
bana a proporção da mortalidade por beriberi foi,
naquelle anno, de um obito, para 3,800 habitantes,
na marinha de guerra foi de 1 para 33 indivíduos,
dentre as 4.000 pessoas de que se compõem os
quadros navaes !
O que é realmente assustador e merece seria
attenção.

HYGIENE DAS PRISÕES. - No tocante á hygiene


das prisões nem é bom fallar.
E' um verdadeiro descalabro a ausencia quasi
absoluta de hygiene ~ de limpeza, que se nota nas
prisões da capital da Republica.
9 4° VOLUME,
- 130 -

Durante os esta(los de sltio a falta de asseio


tocou ao seu auge ; consta que algumas pessoas
presas, por suspeitas como tendo ligação com a .
revolta da esquadra, falleceram miseravelmente,
sem assistencia medica, na Casa de Detenção ;
improvisada em prisão por crimes politicos. Muitos
outros sahiram d'alli e de outras prisões com a
sau.de compromettida, pelas emanações deleterias
daquelles sordidos cubiculos.
Nos snbterraneos da Ilha das Cobras e em
outros calabouços immundos, estiveram enclausu-
rados brazileiros dos mais distinctos, ~m lugares
humidos, infectos , com grande deficiencia de ar
e de luz !
Quando appareceu a peste bubonica em São
Paulo, a Secretaria do Interior officiou á da Jus-
tiça, pedíndo vrovidencias no sentido de, com a
maior urgencia, ser evacuado o xadrez da corpo
policial, o qual se achava em deploraveis condi-
ções bygienicas, conforme lhe representou a Di-
rectoria do Serviço Sanitario .
. · No interior dos Estados ha então absoluta falta
de hygiene e de limpeza nas prisões. As cadeias
desses lugares, como tivemos .occasião de observar
de norte a ,sul da -Republica, são ordinariamente
constituídas por dous ou tres quartos no rez do
chão, muito humidos, sem luz e ar ,sufficientes
e em geral muito sujos . ~a cadeias que são
verdadeiros antros imm11ndoos; onde é impossível
- 131 -

penetrar-se, taes as exhalações ·mephiticas· qne


-se desprendem. O desgraçado q_ue é ahi recluso,
-0u morre antes de cumprir a sentença, ou sahe
,com a saude para sempre compromettida !
Basta citarmos alguns exemplos :
« A cadeia desta cidade, diz o delegado de
!b.ygiene de S. · Paulo de Muriahé, ordinariamente
muitíssimo frequentada, carece dos mais rudimen-
tares preceitos da hygiene. Consta de dous aca-
nhados quartos, cuja cnbagem é insnfficiente para
-o numero de indivíduos que nelles vivem; dotada
,de pouca luz e nunca recebendo a menor visita
- dos raios directos do sol. E' uma inhabitavel
vocilga, onde grafüle numero desses infelizes,
.antes de cumprir a sentença que lhes deve ser
dictada pelos homens, expia com a morte a pena
-dos ·s eus crimes. » (6)
· Refere o relatorio do delegado de bygiene de
Alfenas:
« Não existe aq_ui cadeia, mas sim um casebre
immunclo, sem ar e sem lnz e completamente des-
titnido da mais elementar condição hygienica ;
-no qual é verdadeiramente perigoso penetrar-se,
taes as emanações deleterias que dahi se des-
prendem.

(6) Relatorio do cleleg·ado de hygiene de S. Paulo de


Mnriahé, anuexo ao relatorio do Director de Hygiene, de
J\IIinas , 1896, pag. 45.
- 132 -

Um anuo de prisão em tal lugar corresponde


a 1 O; e é preciso ter - uma constituição de ferro,.
para não sahir de tal cadeia com a sande para.
sempre perdida. » (7)
Como este muitos exemplos poderiamos citar de-
varias localidades de S. Paulo, Rio de Janeiro,
etc. E se isso acontece nos tres grandes Estados-
meridionaes e na propria capital · da ' Republica,_
o que não · se passará em Piauhy, Goyaz, Matto-
Grosso, etc. ?
Em algumas povoações do interior os delegados--
de policia levam o arbítrio a tal ponto, que, a
pretexto de não terem soldados para guarnecer-
as prisões correccionae.s , - fazem uso do tronco,
- onde os pobres desprotegidos, pelo mais futi1
pretexto, vão saborear as delicias deste re-
gímen.
O qne não é muito de admirar quando a pal-
matoria já fez época na capital da Republica!

(7) Relatorio do delegado de hygiene de Alfenas, an-


nexo ao relatorio do Director de Hygiene ele Minas, 1896-,.
pag. 30.
VI

A mortalidade do Rio de Janeiro nos dous


regimens. Estatísticas Demographosanita-
rias. Um decennio fatal

Por occasião da discussão, na Camara dos Com-


:ruuns, da lei geral para a protecção da saude pu-
blica em · 1876, o - Public health Act, - que
.serve hoje de modelo á todos os paizes, Disraeli
· pronunciou estas eloquentes e judiciosas palavras:
•« A sande publica é o pedestal onde repousam
.a felicidade do povo e o poder da Nação . E o
interesse pela hygiene publica é o primeiro dever
-de um llomem de Estado ».
I)e feito, não ha problema mais importante e
-que se · lig·ue tão intimamente ao futuro do nosso
paiz, ao povoamento do solo e a exploração das
nossas riquezas naturaes do que o saneamento
-desta Capital. A febre amarella, tão explorada
pelos nossos visinhos como arma de guerra contra
-nós, é hoje o espantalho da immigração e o rnaioi-
- 134 -

obstacillo ao nosso progresso. A Allemariha e a,


Italia, po"r mais de uma vez, U\m probibido a.
immigraçãÓ para o Brazil. Entretanto, a terrível
epidemia de . febre amarella que houve em 1871
em Buenos-Aires, fez 13.761 victimas; cifra muito-
superior a todos os obitos que o typho icteroide
causou no Rio de Janei-ro, nos ultimos 13 aunos.
do Imperio ! (1. 743 obitos de mais).
Quem estudar, todavia, com espírito obser-
vador, o movimento da sande publica nesta Capital,
. de 1889 em diante, reconhecerá facilmente que-
não só o .estado sanitario tem se aggravado sen-
sivelmente, que as fórmas agudas e super-agudas.
da malaria _: os accessos perniciosos - tornam-se
mais numerosos, como ainda que os paroxismus
da febre amarella snccedem-se com menores in-
tervallos, adquirindo intensidade e expansão nunca
vistas nos decennios anteriores.
Antes de 1889, o typho americano limitava-se á,.
alguns pontos da nossa costa marítima, a excepção-
de Campinas que foi invadida em 1888. Eram
as cidades do Rio de Janeiro e Santos os 11ontos
ordinariamente acommettidos em todo. o paiz. « A
febre amarella não sobe a serra» dizia-se naquelle·
tempo, e o proprio professor Torres Homem, tle·
glóriosa memoria, a considerava uma molestia do,
littoral.
E' que naquella época tinha-se sempre o cuidado,
de internar immediatamente os immigrantes uas.
- 135

estações calmos:ts; as prescripções da policia sani•


ta.ria eram observadas com maior zelo, a defesa •
prophylactica, homogenea em todo o Estado, e o
systema unitario que possuíamos permittiam uma
acção mais prompta e ef:ficaz.
Veiu a Republica; e a política dos novos mol-
des criminosamente c0nsentia que, durante o estio,
grandes levas de immigrantes se accumulassem
nos portos do Rio de Janeiro e Santos, e ahi pel'-
manecessem _por muito tempo; transitando pela
cidade, em completo desabrigo e em pessimas con-
dições de asseio.
Este facto reproduzio-se todos os annos, desde
1890, e só cessou em 1897, quando o serviço de
immigração passou a ser feito por conta dos Es-
tados. O resultado não se fez esperar, a febre
amarella, além de outras enfermidades, augmentou
de virulencia, duplicou o obituario desta cidade
e irradiou-se pelo interior dos Estados .
Combustível de primeira ordem, o elemento
immigratorio ateava o incendio aqui no Rio de
Janeiro e em Santos, e o propagava em seguida por
todo o interior e pelo littoral; abrindo um claro
immenso em nossa população e levando o panico
e a dor por toda a parte. E não obstante os pro-
testos dos nossos mais auctorizados hygienistas,
contra a permanencia na cidade destas levas de
immigrantes, os estadistas da Republica continua-
vam a contemplar indifferente e criminosamente
'
as · chammas desta fogueira annual da febre ama-
rella, como outr'ora aquelle imperador latino o
incendio de Roma !
Rc1.ro é hoje o ponto do valle do Parahyba,
nos Estados do Rio e Minas, do oeste de S. Paulo,
da zona da matta em Minas e do Estado do Espí-
rito Santo, que não soffra quasi que annualmente
a fatal visita do typho icteroide.
Os prejuizos qt1e soffrem os quatro importantes
Estados do sul com a completa paralysação do
commercio, durante a quadra epidemica, são avul-
tadissimo:s, sem fallar no grande contingente de
preciosas vidas que se perdem.
Além do typho americano, a malaria, a varíola
e o beriberi têm contribuido poderosamente para
o lastimavel estado 8anitario de algumas das
ex-províncias neste ultimo decennio.
As estatísticas demographo-sanitarias entre nós
resentem-se da falta de recenseamentos, que tradu-
zam realmente a nossa cifra censitaria. O recensea-
mento de 1849, estimou a população do Rio de Janeiro
em 205. 905 habitantes, o de 1870 em 235. 381, o
de 1872 em 274.972 e o de 1890 computou-a
em 429. 848. Este ultimo, publicado cinco annos
depois de feito, é de todos o mais deficiente.
Todos elles apresentam lacunas sensíveis em
sua confecção e nenhum exprime a força numerica
real da nossa população. Ainda mesmo com a
majoração de 10 º/ que é insufficiente, obtemos
0
,
- 137 -

os algarismos 226.495 para a população de 1849 e


472.832 habitantes para 1890, algarismos estes
que ficam aquem da realidade. Além disso, _as irre-
gularidades que notavam-se nos registros eccle-
. siasticos . observam-se ainda no registro civil.
Ora, sendo a demographia a applicação da es-
tatística ao estudo collectivo do bomem e de seus "'
attributos, resulta que estes não podem ser ainda
ex:actamente apreciados entre µós, á luz dos re-
cursos scientificos, emquanto não tivermos o censo
exacto da população . . Todavia, os processos indi-
rectos de que se servem os demographistas , desde
o tempo do Imperio até hoje, (tendo por base o
ultimo recenseamento official, o de 1890 e os
anterioras) estabeleceram uma cifra annual para
a nossa população, nesta cidade, que, senão ex-
prime exactamente a realidade, approxima.-se um
pouco. Segundo estes calculos, das nossas repar-
tições sanitarias, a população de 1889 era estimada
em 537 .000 habitantes e a de 1899 em 7 50.000.
Se estabelecermos um~1 media, segundo os dados
dos boletins demographicos, para a população do
Rio de Janeiro, no ultimo decennio da lVIonarchia,
J 880 - 1889, obteremos o algarismo de 486. 000
habitantes ; e o de 650. 000 para o periodo de-
cennal de 1889 a 1899.
Ha portanto um accrescimo de pouco mais de
35 º/0 da população destes dez ultimas annos sobre
o decennio anterior .
!t

- 138 -

No emtaúto, as estatistieas demograpL.icas têm


apresentado nestes dous lustros de Republica coe-
fficien tes annuos de mortalidade tão a vnltados,
que não estão em proporção com o augmento da
população. A mortalidade tem aligmentado accen-
tuadamente; a febre arnarella, o impaluclismo, as
• enterites infantis e o beriberi, especialmente, to-
maram grande expansão demoiraphica em nossa
nosographia local. . Algumas destas molestias fize-
ram nestes dez annos muito mais do duplo dos
obitos do decenn io anterior.

***
FEBRE AMARELLA.-Desde 27 de Dezembro
de 1849, em que o typho icteroide apresentou-se
pela primeira vez no Rio de .Janeiro, até 15 de
Novembro de 1899, ha feito esta molestia 54.64:9
victimas; sendo 33.959 de 1850 a 1889 (40 annos),
e 20.690 de 1890 a 1899 (10 annos)!
MORTALIDAD E ANN UAL DE TE RMINAD A P E LA FEBRE AMARE L LA
NO R IO DE JANE IRO DE 1850 A 1899

Annos Obitos Annos Obitos


1'850 . ...... .. ... . 4.160 1860 ... . ..... . . . . 1. 249
1851. ..... . ... . . . 471 1861 .... . . . . .. . . . 247
1852 . .. . ·. ....... . 1 . 943 l t62 . .. ........ . . 12
1853 ...... . .. . .. . 853 1863 ........... . . o
1854 . . .... . : .... . 21 1864 . . .. . . . .... . . o
1855 ..... . .. . ... . o 1865 .. . ... . .... . . o
1856 ... .. . . ..... . o 18116 . .. . . .. .. .. . o
1857 . . .. .. .. . ... . 1.425 1867 ...... . . . ... . o
1858 .... . .... . . . . 200 1868 . ....... . ... . O.
1859 . . . .... .. .. . . 500 1869 ... . ........ . 274
10 . 173 1 . 782
- 139
Annos Obito s Aunos Obitos

1870 ............ . 1.118 1880 .. .. .... .. .. . 1.623


1871. . .. . ... . ... . 9 1881. . . ...... . . . 257
1872.... . .. . ... . 295 18&12 .. . ......... . 502
1873 . ... .... . . .. . 3.659 1883 . . .... . . . . . . 1.606
1874. . .. . .. . .... . 84.1 1884 .... . ... . ... . 640
18 75 .... . . . ... . . . 1.308 1885 .. .......... . 445
1876 . . .... ... ... . 3 . 476 18t:'6 . ........... . 1.446
1877 ..... . ... . .. . 2S3 1887 ...... . ..... . 137
1878 .. . . . . ..... . 1.177 1888 .. . . .. . . .... . 754
187 9......... . .. . 974 1889 . . . ......... . 1.454

13 . 140 8.864

Annos Obitos

1890 .............. . .. . 719


1891. . .... . . . : . ...... . 4 .456
1892 .... .. .. . ...... . . . 4.413
]893 ................. . 742
1894 . .. . ...... ... . .. . . 4. 715
1895.... . ........ . ... . 818
1896 . .. .. ........... . . 2.900
1897..... . ..... . . . • . . · 159
1898. . ·· ,· ........... . . 1.078
1899 (até 15 de Nov.) .. 690
20.690

As tres maiores epidemias desta terrível en-


fermidade que tivemos, antes ele 1890, foram a
de 1850, que produzin 4.160 obitos; a de 187 3,
que fez 3.6n9 victimas; e a de 1876, cujo obi-
tuario foi de 3 .4 76 pessoas .
Nos annos de 1855, 1856, 186 3, 1864, 1865,
1866, 1867 e 1868 não houve um só obito por
febre am"arella. E nos annos de 1862 e 1871, o
numero de obitos foi de 12 e 9 em cada anno .
- 140 -
A part-ir de 1877, notava-se que a mortalidade
por febre amarella estava diminuindo sensivel-
mente. E tailto assim, que as maiores epidemias
que se succederam até 1889 apresentam uma _cifra
de obitos muito inferior áqnellas tres primeiras :
foram a epidemia de 1880 com 1.623 obitos, a de
1883 com 1.606 e a de 1886 com 1446, e final-
mente o anuo fatal de 1889 com 1.454 obitos. (1)
E' de 1890 para esta data, no período genui-
namente republicano, que esta Capital tem sido
flagellada pelas tres maiores epidemias de febre
amarella, de que ha exemplo entre nós:
li epidemia de 1891 com 4.456 obitos .
» » 1892 » 4.413 »
« » . 1894. >> . 4. 715 »

Produzindo nestes tres annos fataes um total


de 13. 584 victimas , algarismo muito superior a
toda a mortalidade por febre àmarella nos ultimas
treze annos elo Imperio !
Agora vejamos detalhadamente o obituario
por esta molestia nos ultimos nove annos da
Monarchia e em seguida nos nove annos do

(1) Estes algarismos são extrahidos do boletim demo-


graphico especial, pnblicado em 1898 pela Directoria Geral
de Sat1de Publica. Segundo as estatísticas demographicas do
lmp erio são muito menores : 1.336 obi tos para a epidemia de
1883, e l.Olb obitos em 1886.
141

actual regímen, tendo em vista a população de_


cada anno:

Annos População Obitos


1881 .. ..... .... . .... . 440.000 257
1882 .. . . . .............. . 451.000 502
1883 ............... ... . . 463 .000 1. 606
1884 ................... . 474.000 640
1885 ... ...... . . ..... ... . 486 .000 445
1886 .... ... . .... . ..... . . 498.000 1.446
1887 ... . .... .. .......... , 511.000 137
1888 . . .... . ............ . 523.0UO 754
1889 .. ... ....... . .. .... . 537 .000 1.454
Somma._.................... . 7.241

Annos Pop11lação Obitos


1890 ............ . ...... . 550 .000 719
1891 ............... . ... . 564.000 4.456
1892 . .. ................ . 578.000 4.413
1893 ................... . 592.000 742
1894 . . ....... .. .... . ... . 617.000 4.715
1895 ............ . ... ... . 633.000 818
1896 ...........•....... • 650 .000 2.900
1897 .................. . 679.000 159
1898 .... .... ..... ..... . . 750.000 1.078
Somrua ..................... . '20.000

· Por estes dados insuspeitos, tirados dos bole-


tins demographicos da actual Directoria Geral de
Saude Publica e do ex-Instituto Sanitario Federal,
se v.ê que sómente o typho icteroide, nestes nove
annos, abdu um claro na popuiação do Rio àe Ja-
neiro de 20.000 obitos, contra 7 .241 fallecimentos
dos ultimos nove annos da Monarchia. Differença
para mais, de 12. 7 59 obitos. E, convém notar que,
se fossemos fazer o parallelo pelas estatisticas do
- 142 -

Jmperio; a differença ainda s(;lria maior - 6. 847 in-


humações para 20 .000 !
Sómente nos annos de 1891 e 1892 , em que esta
molestia tomou um caracter pandemico, continuando
de um anno a outro ~em interrupção, com extra-
ordinaria virulencia, fez ella 8. 869 victimas !
Referindo-se a este paroxismo desolador da febre
amarell~, em 1891, dfa o Dr. Aureliano fortngal,
medico demograpbista em seu relatorio ele 1892 :
« A que attribuir esta crise violenta e até
certo ponto inesperada, quando a influencia do
meio climaterico, como já o demonstrámos, não póde
explicar, quando mesmo nossa historia demographo-
sanitaria demonstra que suas tendencias no ultimo
decennio eram, regressivas? » (2)
Finàlmente, o excellente bol'etim demographico,
publicado em 1898 pelt Directoria Geral de Sande
Publica, depois de fazer notar que os coefficientes
de mortalidade por febre amarella tendem a avultar1
as~im se exprime :
« O diagramma n. 4 ensina que de 1889
até 1898 a mortalidade por febre a.marellu tem
notavelmente angmentado. Neste decennio ainda
incompleto foram registrados 17 .539 obitos devidos

(2) Relatorio da Inspectoria Geral de Eygiene , de 1


de J aneiro de 1~91 a Maio de 1892 ; apresentado ao mi-
n i.stro elo Interior pelo Sr; Dr. Bento Gonçalves da Cruz ;
pag. 77.
- 143 -

ao typho icteroide contra 8.473 do decennio an-


~erior. » (3)

DA MORTALIDADE DETERMINADA PELA FEBRE AMARELLA , MEZ


A MEZ, DURANTE O DECENNIO REP.UBLICANO (189U A 15 DE
NOVEMBRO .))E 1899)

ANNOS Ul90 1891 1892 1893 1894 18% 189 6 1897 1898 1899 TOTAL
- - - - - - - - - - ---
Janeiro .. . .•. • 57 51 1006 . 3 371 27 525 28 22 99 2189
Fevereiro ...• 103 357 1290 27 1350 41 723 33 90 170 4184
Mm·ço .. . •.• . 187 1026 1504 87 1929 86 993 37 255 204 72H
Abril. •....• . 169 960 410 119 649 141 477 30 287 91 3293
Maio ..••• . .. . 109 6UO 147 164 277 104 133 17 186 48 1785
Ju.nho ...• . ... 38 421 35 136 102 77 36 6 78 25 954
JuU10 . . .. . . .. 32 190 H 71 H 51 20 3 65 11 461
Agosto . ...... 6 IOtl 1 48 12 29 9 34 10 255
Setembro .••.• 4 62 1 28 3 23 4 1 19 1] 156
Outubro .. . ..• 1 5 105 1 9 2 17 4 13 14 170
Noven1hro . . .. 1 9 195 2 13 . . .. 56 7 300
Dez emliro ...... l 10 891 13 218 635
- 383
-
Total. .• 719 4456 4412
- 1 87
-- G 166
742 4715 818 2901 159 1078 690 20696

Assim, durante o governo da Mona1°chia a


febre àmarella conservou sempre o ·seu caracter
de molestia exotica e como tal nunca deixou de
ser considerada em todos os documentos o:fficiaes,
inclusive na Convenção internacional, ratificada
a 3 de Agosto de 1889.
De 1889 para esta data, no decurso de todo
o 1rnriodo clecennal da Republica, dá-se uma com-
pleta revir:wolta na marcha desta molestia.
EHa torna-se endemica, estende-se, sem solu-
ção de continuidade á todo o decennio !

(3) Boletim especia l da secção clemographica ela Di-


rectoeia Geral da Sande Publica, 1898, pag . 5.
- 144 -
E apresentando annualmente, sem excepção de
um só anuo, o paroxismo estival de Novembro a 3~
de JHaio, começajnstamente esse paroxismo (coinci-
dencia notavfll !) a 15 de Novembro de cadaanno! ...
Do parallelo destas estatisticas, resulta á luz
da evidencia, que o typho icteroide, durante o
Imperio, desappareceu inteiramente por duas vezes
do sólo brazileiro ; de modo que passamos de uma
vez dous annos (1855 e 1856) e de outra ·yez seis
annos (de 1863 a 1868), sem um só caso . da ter-
rivel molestia;
2º, Que durante mais tres annos (1854, 1862
e 1871) quasi qne não tivemos ainda a funebr_e
·visita, pois nelles apenas registraram-se 21, 12
e 9 casos em cada anno ;
3º, Que no decurso de seis annos (1861, 1869,
1872, 1877, 1881 e 1887) apresentaram-se apenas
casos esporadicos (cujo numero de obitos oscillou
entre 13.5 e 395} não havendo propriamente epi-
demia ; ao todo 17 annos sem febre amarella, ou
com um numero muito reduzido de casos;
4°, Que nos ultimos dez annos da Monarchia
a marcha da febre amarella era sensivelniente re-
gressiva, em relação ao decennio anterior, havendo
uma differerrça de quasi 50 º/ para menos (8.864
0

obitos para 13 .140 da decada anterior) ; não


obstante o augmento da popula<;ão ;
5º, Que no decennio republicano (1890-1899)
o espectro amarello domiciliou-se de todo nesta
I

- 145

Capital, · e :f:lagellou .esta _população incessante-


mente, apenas com excepção de tres mezes em
todo o período decennaL; _
6°, Que houve um salto formidavel, phenornenal
pode-se_ dizer, no obitnario deste decennio sobre
os dous lustros anteriores, havendo um accrescimo
de 11.826 obitos (20.690 contra 8.864) !
De sorte que só o .opitnario determinado pelo
typho icteroide foi, nesta decada funesta, 150 º/ 0

superior ao dos ultimos dez annos da Monarchia !

MALARIA.-0 . mesmo phenomeno observa-se em


relação ás · manifestações da malaria. No longo
período de 30 annos (1868-1898) falleceram nesta
Capital 32.012 pessoas victimadas pelo impalu-
dismo. Neste total cerca. de-14.000
.. , .
obitos - .
deram-se nestes nove anno.s. (1890-1898). Pela se_-
guinte tabella vê-se que os coefficientes annuos
de mortalidade pela malatia têm 1wnltado consi-
deravelmente, neste ultimo decennio :

De 1872 - _1880 (9 annos) .............. .. · 6. 710 obitos


» 1881- 1889 » ••.••..•••.. . ••. 8. 597 »
)) 1890 - 1898 » - • · -··............ 13.918 »

Entre o primeiro e o segundo período ha


apenas uma differença para mais, neste ultimo,
de 1. 887 obitos; ao pássõ" q_l1.e entre o 2° e o
3° período ha um salto formidavel de 5.-321 obitos
á mais.
10 4 . 0 VOLUME
- 146 -

O boletim demographico especial de 1898. (4)


dividiu o longo decurso de 1868 a 1898 em 4 pe-
riodos desiguaes, e faz ·notar em cada um delles
médias sempre crescentes ; pondo sobretudo em
evidencia o extraordinario salto do obituario no
intervallo de 1891 a 1898, relativamente aos pe-
ríodos anteriores ; como se vê nesta tabella do
5° diagramma do boletim ofíicial :

1° período 1868-1876 (9 annos) ........ . 6. 278 obitos


2º » . 1877-1881 5 » ........ . 3.861
30 >) 1882 - 1890 9 » ........ . 9 . 197 »
4° . >) 1891-1898 7,5 » •• • •••••• 12.217 »

Total (até 30 de Junho de 1898).... 31.553 >)

Medias annuaes:
1- º período . . ... . ............. . .. . 696 obítos por anno
2º ;, .................. .... . 721 » D 8

1.021 )) )) »
1.628 » » »

Accrescenta o boletim demographico official:


« Aquellas medias traduzem uma realidade na
sua expressão absoluta ; mas convém considerar
o assumpto no sentido dividido porque a differença
da média do 3° período do diagramma (1882-1890)
para o 4º (1891-1898) representa indubitavelmente
um salto formidavel de 1,021 para 1,628. »

(4) Diagramma n. 5 do precedente boletim.


- 147 -
Os accessos perniciosos contribuíram podero-
:Samente para augmentar o obituario nestes nove
ultimos annos. Nos annos de 1891, 1892, 1894
e 1895 as manifestaçõei;1 superagudas da malaria
foram em extraordinario numero.

A TUBERCULOSE é ainda a moler.;tia que apresen-


ta-se em primeira linha no obituario diario desta
,Capital. Muito mais lethal do que a malaria e a
febre amarella, ella tem sempre occupado o pri-
meiro lugar, no longo período de 40 annos.
As maiores cifras attingidas nos registros ne-
•crologicos, pela tuberculose são ainda as deste ul-
timo decennio. Em 1890 fez 2.200 obitos; em 1891
- 2.350; em 1895 e em 1897 - 2.450 em cada
.anno; e em 1896-2.650; em 1898-2.536; alga-
rismos estes a que nunca chegou esta enfermi- ·
<lade antes de 1890.
De 1859 a 1889 (30 annos), a tuberculose fez
nesta Capital 59.292 victimas.
A partir de 1890 a 1898 (9 annos), tem feito
,succumbir cerca de 21.10; pessoas.
Estes algarismos seriam ainda muito mais avul-
tados se não fossem grande numero de attestados
inexactos de obitos, que fazem passar por moles-
tias de natureza differente verdadeiras modalida-
des agudas da tuberculose.
Não ha duvida qne, apesar destes elevados coef-
:fi.cientes mortnarios, a mortalidade por tuberculose
- 148 -

já foi relativamente maior, ·em vista do augmento


da população; o que absolutamente não tem acon-
tecido em relação ao typho icteroíde, a malaria,
ao beriberi e as enteri tes infantís.
E' preciso todavia notarmos que, justamente
nos dous . nltimos lustros, a prophylaxia e o tra-
tamento da tuberculose têm recebido grande luz ;
a hyg·iene individual tem offerecido vigoroso com•
bate á esta terrivel enfermidade, limitando dia a
dia os seus estrag·os. H:1 hoje na Europa uma ver-
dadeira campanha contra a tuberculose. Na Al~
lemanha, Suissa, Italia, etc., os governos e as as-
sociações têm construido nos campos , em altitude
conveniente, hospitaes e sanatorios para o trata-
mento dos doentes pobres ou abastados, affectados
por esta molestia. E estas curas ele ar tornam-se
cada vez mais numerosas e animadoras (1 4 º/ 0 de
curas absolutas e, 70 º / 0 de curas relativas).
Entre nós nada se tem feito, e os tuberculo-
sos ainda são tratados nas mesmas enfermarias-
que os outros doentes !

V.A.RIOLA . -A população dos Estados continúa


a pagar doloroso tribut0 á esta enfermidade. E
ainda no 1:1,nno pa~sado, nesta Capital, a varíola
devorou numerosíssimas victimas.
No anno de 1895 succumbiram no Rio de Ja-,
nefro 1865 pessoas, e em 1891 a cifra das victi-
mas feitas pela variola elevou-se á 3944, a maior
- 149
-conhecida até hoje nesta cidade, superior em
587 obitos a da grande epidemia de 1887.
Entretanto, em todo o Imperio Allemão falleceram
naquelle mesmo anno (1891), de varíola, apenas
41 pessoas!
Na Allemanha, antes de 1874, havia mais de
100. 000 obitos annualmente devidos á variola.
Só em 1874 os obitos de variolosos foram na razão
de 252,72 por 100.Q00 habitantes. Desta data em
diante, porém, depois que um decreto legislativo
tornou a vaccinação e a revaccinação obrigatorias
e rigorosamente executadas, desappareceu o terrí-
vel fiagello, e hoje póde-se considerar a varíola
banida da Allemanha.
Facto identico tem-se dado na Inglaterra, Di-
namarca, Romania e até na Republica Argentina.

BERIBERI. - No tocante ao beriberi é verda-


deiramente assustadora a marcha que tem tido
esta molestia aqui no Rio de Janeiro, depois
de 1888.
De 1874 a 1889 tivemos apenas nesta cidade
800 obitos por beriberi. De 1890 a 1898 a
mortalidade por esta molestia elevou-se a 2 .350
pessoas ; alg·arismo quasi tres vezes maior em
nove annos, do que · nos 16 annos precedentes.
E' infelizmente na guarnição da nossa esqua-
dra, como já o dissemos, que o beriberi causa
maiores damnos, é della que tem sabido o mais
- 150 -

avultado contingente para o obitnario desta moles-


tia. Dfa o boletim especial demographico, acima.
citado :
« Emquanto no decurso de 1874 a 1888 a mor-·
talidade global por beriberi foi de cerca de 300
pessoas , no anno de 1889 e nelle só o numero de-
obitos attingin a 500. »
« A differença consideravel da mortalidade-
póde ser bem avaliada comparando-se aqnelle
periodo de 14 annos com o decennio de 1889'
a 1898. »
« Num total de 3.161 fallecimentos pertencem
ao decennio referido mais de 2. 8 50. »
« Estas indicações nnmericas fallam tão . alto ,.
que nenhum ·commentario se faz preciso para evi-
denciar o novo perigo imminente. »
« Quanto mais se adiar a adopção de provi-
dencias efficazes para coactar o desenvolvimento-
do beriberi nesta Capital, tanto maior será a diffi-
culdade a vencer no momento da crise e mais.
incerto o exito dos esforços. »
Mas adiante diz o eminente Director Geral da.
Repartição federal de hygiene :
« O diagramma do beriberi é basbante sugges--
tivo ; as medias quinquenaes têm saltado de 5 para,
15, 48, 2~4 e 308 ! » (5)

(5) Do mesmo boletim acima cita do, pags. 9 e 10..

' I
- 151 -

MoRTALIDADE DAS CRIANÇAS . - A mortalidade


das crianças no Rio de Janeiro é em geral con-
siderada como muito crescida.
« E' enorme a mortalidade das crianças no
Rio de Janeiro. Não existe nesta Capital um ser-
viço siquer rudimentar, de assistencia infantil. »
São palavras estas do relatorio apresentado ao
Prefeito Municipal, em 1896, pelo Dr. Manoel
Victorino.
Procedendo á uma revisão integral nas estatis-
ticas anteriores, a Directoria Geral de Sande Publica
verificou que era exagerada esta apreciação.
Em um lapso de tempo de 40 annos (1859-
1898) falleceram nesta cidade 486 .197 pessoas,
das quaes 118 .429 crianças, o que realmente não
é muito exagerado em relação a mortalidade in-
fantil em Londres, Buenos-Aires, Montevidéo e
algumas outras cidades.
Todavia, se o obituario infantil não é tão avul-
tado no Rio de Janeiro, como se acredita geral-
mente, é tambem fóra de duvida que ainda neste
decennio os registros demographicos accusam uma
mortalidade infantil muito mais elevada do que
nos decennios anteriores.
Em 1891 succumbiram 3.522 crianças de um
dia a 1 anno; 2. 965 de 1 a 5 annos e 722 de 5
a 10 annos ; ao todo · 7. 308 obitos infantis. Em
1892 a mortalidade das crianças foi tambem bas-
tante crescida. O mesmo facto deu-se em 1893 ,
- i52

considerado · o - mais saud_a vel do ultimo quin-


quenio, e principalmente em 1894 e 1895, em
que a cifra geral dos nascimentos foi inférior a
dos obitos.
Em 1895, além de 1.147 nascidos mortos, a
lethalidade infantil de O a . 5 annos orçou em mais
de 5.400 obitos, representando quasi um terço da
mortalidade geral daquelle annó, que foi nesta ci-
dade de 18 . 226 obitos; e apenas houve 14.517
nascimentos !
Em 1897 falleceram nesta Capital 4.192 crianças
.de O a 5 annos , para um total mortnario de 13.287
pessoas! Neste mesmo anuo foram registrados 13 . 907
nascimentos, dos quaes 666 indivíduos falleceram
de O a .1 anno. De sorte que o movimento ascen-
dente da população do Rio de Janeiro seria quasi
nullo se não fôra o elemento immig-ratorio annual.
Ora, .a torrente irrimigratoria tem se limitado
consideravelmente nestes tres ultimos annos, sobre-
t ud.o a immi~ração espontanea com capital; de-
vido já a miseria economico-financeira á que nos
achamos reduzidos actualinente, já a má reputação
,sanitaria de que infeliz1nente gosamos no exterior .
Os proprios jornaes portuguezes aconselham aos
seus conterraneos que procurem de preférencia a
Africa .
Que .futuro aguardará pois esta Capital se ·con-
tinuar este imperdoavel desleixo, esta criminosa
indifferença pela sande dos seus habitantes?
·- 153

A população do Rio de Janeiro já estaria m nito


acima do dobro da actual se outro fosse o seu es-
tado sanitario; tão profundamente aggravado neste
ultimo decennio !

***
MORTALIDADE GERAL - A Directoria Geral de
Sande Publica, em seu boletim de 1898, apresenta
o seguinte quadro com relação a mortalidade geral
do Rio de Janeiro de 1859 a 1898, em um pe-
riodo ele 40 annos, distribuindo-a em quinquenios:
1859 - 1863 ................. . 45.607 obitos
1864- 1868 .... . ............ . 41.933 ))

1869- 1S73 ... . .......... . .. . 51.479 »


187 4--1S78 ... . ..... .. . .... . . 57.230 »
1879-1883 ................. . 53.002 »
1884-1888 ........ . . . . . .... . 54.959 »
1889-1893 ............... . . . 82.934 »
1894- 1898 . . ........... . ... . 81.327 »

Coordenando estes algarismos em períodos


decennaes é que melhor se poderá apreciar
despenhadeiro em que nos achamos de 1889 a
esta ~data:
1859-1868. . . .. . . . . . . . . . . . . . 87.540 obitos
1869- 1S78. . ..... . . . ... . . . . 108.709 »
1879-1888 . . . . . . . . . . . . . . . . 107.961 »
1889-1898................. 164.261 »

Por estes quadros vê-se:


1. º Que no segundo quinquennio (1864-186 8)
houve uma diminuição na mortalidade desta Capital
- 154 -

de 3 .67 4 pessoas, cujas vida_s foram poupadas·, não


obstante o augmento da população;
2. º Que a mortalidade geral do Rio de Janeiro,
de _1879 a 1888, nos ultimas dez annos integraes
do Imperio, tinha diminuido, havendo nm saldo
de 7 48 vidas sobre a decada anteriora, não
obstante o augmento da população
3. º Que neste ultimo decennio, 1889-1898, os
coefficientes aunuos de mortalidade deram um salto
formidavel, phenomenal mesmo, conforme a phrase
expressiva do boletim official;
4. º Que o sexto quinqnennio _de 1889--1893 .
apresentou um accressimo exageradíssimo de
27. 97 5 obitos sobre o lustro anterior; e que ainrla
o 7º quinquenio (1894-1898) apresenta um aug-
mento quasi igual de 26.368 sobre o penultimo
quinquennio; e que finalmente nesta ultima decada,
de saude e fmternidade, houve 164. 000 obitos,
contra 107 .961, dos dez arinos anteriores, o que faz
ao todo uma perda evitavel de 56.300 vielas neste
decennio f atcil !
As estatísticas mortnarias de todos os paizes,
onde ha hygiene, mostra que em todas as cidades,
1
depois dos _melhoramentos que a sciencia tem
introduzido, nestes -ultimos annos, a mortalidade
ha decrescido progressivamente, a despeito do
augmento da população.
Em cidade alguma do mundo civilizado, mesmo
em períodos epidemicos os mais calamitosos, tem-se
- 155 -

visto um salto tão alto de 27 .97 fi obitos de um


lustro a outro.
Esta gloria estava desgraçadamente reservada
para nós, no actual regímen da saude e frater-
nidade.
E este acrescimo phenomenal é sómente devido
ás rnolestias infecciosas, isto é, ás mc,lestias evi-
·taveis !
Tendo em vista a população estimada em cada
anno, os coefficientes de mortalidade no Rio de
Janeiro apresentam, segundo os calcnlos do bole-
tim official da Repartição federal de hygiene, os
seguintes algarismos por l. 000 habitantes:
2° guinquennio 1864-1868.. .. . . . . . . . . 22 ,9
4° >) 1874-1878 ... .. . . . ... . 31,3
6° )) 1884-1888 ...... . . . . . . 30,1
7º » 1889- 1893 ... . .. ..... . 45,4 (6)

Vê-se, portanto, que, tomando em consideração o


augmento da população, no quinquennio de 1889 a
1893, a mortalidade cresceu na razão de 15,3
por 1.000 habitantes! E mesmo no 8º qninquennio ,
o menos mortífero da Republica, a proporção é
ainda muito avultada ( 45 por 1000) pois neste
pequeno período houve ainda 81.327 obitos ;
apenas 1.607 menos do que no terrivel quinquennio

(6) Boletim demographico especial de l Eüf', ela Dire-


ctoria Geral de Saude Publica, pag. 13 .
- 156 -

anterior, e 26.368 obitos de. mais sobre o ultimo


lustro da Monarchià !
A febre amarella, a malaria, a tuberculose, a
variola e o beriberi victimaram nestes nove annos
(1890-1898) i no Rio de Janeiro, cerca de 65.000
pessoas.
Se addicionarmos a mortalidade provocada pelas
outras molestias infectuosas, os obitos do cholera
em 1895 e todos os casos de molegtias zymoticas
do ultimo aun o, chegaremos á um, algarismo muito
superior á 7'0.000 obitos, por molestias infectuosas
ou evitave'is, neste clecennio f atidico !
E é justamente nestas molestias que a hygiene
tem conseguido as suas mais brilhantes victorias,
reduzindo a mortalidaq.e, em todos os paizes civi-
lizados, nestes ultimos afinos, á menos de metade!
De 1864 a 1888 no longo periodo de 26 annos
a média annual da mortalidade no Rio de .Janeiro
é1calculada em cerca de 28 obitos por 1.000 habi-
tantes, algarismo este igual ao de grande numero
de c_idades que passam pelas mais saudaveis, e in-
ferior ao de muitas outras dotadas de grandes me-
lhoramentos materiaes.
A _mortalidade em Berlim, onde se rende um
vercladeiro culto a hygiene, tem sido de 27 obitos
por 1.000 habitantes; Bruxellas, de 1869 a 1873,
contou uma média annual de 30,3 por 1.000; Buenos
Aires,. de 1887 a 1890, tem tido nma mortalidade
na razão de 27 ,59 a 29,99 por 1.000; Nancy, onde
- 157 -

o obitnario era de 30 obitos por 1.000 habitantes,


só depois dos nltimos melhoramentos reduzia-se este
algarismo a 26 poii 1.000.
Na cidade de Pariz a cifra annual dos coeffi-
cientes de mortalidade de 1860 a 1885 oscillou
entre 30,22 a 23,92 por 1.000, o que dá uma
méd_ia, mais ou menos igual z. que se apurava
nesta cidade, nos cinco ultimos lustros elo lmperio.
Já não nos referimos á Napoles e a Marselha, cujas
cifras mortuarias foram superiores á nossa na-
quella época.
A razão de 28 obitos por 1.000 habitantes, que
· registramos naquelle longo período de 26 annos, era
quasi ign.al á de toda a Allemanha de 188 1 a 1890
e igual ao obituario deste paiz de 1850 a 1880
(28 por 1.000); igLrnl a mortalidE!,de da Austria
( 28 pot; 1. 000) e inferior a mortalidade da Italia
de 1872 a 1890, cujos coef:ficientes annuos foram
de 30,68 a 26,38 por 1.000 habitantes.
Se tomarmos isoladamente os dous quinquenios
de maior mortalidade da Monarcbia : o 4º e o 6°,
acima referidos, mesmo assim a cifra mortnaria
não se distancia muito da mortalidade daquelles
paizes. (7)

(7) Em 1886, o coe:fficiente ele mortalidade nesta ca-


pital foi de 30, 7 por 1.000 habitantes, cifra esta igual a de
Municb, Breslau, Veneza e Havre. Ao passo que, .como
muito bem faz notar. o boletim demographico claquelle anuo,
- 158 -

Se durante o lmperio podíamos fazer, sem o


menor receio,. o parallelo entre ·a mortalidade do
Rio de Janeiro e a das grandes cidades da Europa
e da America, em' algumas dell_as com muita vanta-
gem para nós, apesar de não dispormos de notaveis
melhoramentos materiaes, o mesmo não podemos
fazer actualmente, neste eclipse por demais pro-
longado, porque passa esta infeliz patria.
Com effeito, em todas aquellas cidades e em
todos os paizes que acabamos de citar, cuja mor-
talidade era superior ou egual á desta Capital,
a cifra mortuaria desceu nestes ultimos tempos,
graças ás boas prescripções hygienicas e ás obras
de saneamento, de 28 e 30 por 1.000 á 24 por
1.000; e em alguns mesmo a 21 e 19 obitos por
1.000 habitantes, nãe> obstante o grande augmento
da população.
Aqui na Capital Federal deu-se o inverso, além
de nada se haver feito em m_a teria de saneamento,
destruíram e anarchizaram todo o regímen sani-
tario, e o obituario elevou-se de 29 e 30 por
1.000, qiie era no tenipo do Imperio, á 45,4
por 1 . 000 sob a Republica !

em 1885 os coefficientes mortuario:s foram em Varsovia, de


31,2 por 1.000 ; em Praga, de 32; Marselha, de 37,7;
Barcelona de 38,1 ; de Nice, tão afamada pelo seu clima
ameno e saudabilíssimo, de 38,2 por 1.000 habitantes -
Relatorio do Barão de .J'famoré, 1887 ; pag. 102.
- 159 -

E' um dos factos raros nos archivos deniogra-


phicos deste seculo !
Mesmo naquellas cidades, onde havia grande
mortandade, devido as más condições de sanea-
mento, como Nancy, Marselha, Napoles e algumas ·
outras, os indices mortuarios, depois dos uit-imos
melhoramentos, diminuiram sensivelmente; não
obstante o augmento da população.
Buenos-Aires, na qual as más condições de salu-
bridade alimentaram em 187i a terrivel epidemia
de febre amarella, a que já nos referimos, tem
apresentado uma sensível diminuição nos seus re-
gistros necrologicos, nestes ultimos annos . Na ca-
pital Argentina a mortalidade em 1890 era de 29,9
por 1.000, egual, como vimos a do Rio de Ja-
neiro, no periodo monarchico; mas de 1891 em
diante a cifra mortuaria reduzio-se bastante :
24, 32 por 1.000 em 1891 e 1892 e 22 por 1.000
em 1893, apesar do grande augmento da população
que recebeu ultimamente.
Em Pariz, de 1876 para esta data, a morta-
Jida.de soffren grande diminuição : de 27, 90 por
1.000 , que era em 1875, desceu de anno a anno,
e já em 1895 a proporção era de 20, 69 obitos por
1.000 habitantes.
As medidas sanitarias executadas em Bruxellas
foram seguidas de tão grande exito, que a r azão de
30 por 1.000 foi decrescendo progressivamente e já
em 1895 era de 21 por 1.000.
- lffO ~

N'a Inglaterra, . depois da promulgação da lei


sanitaria, em 1876, os coefficientes annuos de mor-
talidade minguaram accentuadamente. De 22,
19 por 1.000, que era an_tes de 1876, a media
· annual veio a 19,08 por 1. 000, n9s dez annos
que seguiram-se á esta lei. E em 1896 a proporção
era a penas de 18 por 1 . 000.
Na Allemanha, onde a hygiene é -tomada no
maiE alto apnço pelos poderes publicos, os regis-
tros demogrnphicos accusam u.ma sensível dimi :
nuição no obituario, a partir de 1841. .Os índices
necrologicos eram em 1845 - de 28,2 por 1.000;
cada vez menores desta data em diante, apre-
sentam, de 1891 a 1894, uma media de 24,8 por
1.000. Em Berlim, especialmente, a mortalidade
por febre typboide apresenta uma diminuição . con-
sideravel. De 1870 a 1874 o numero de obitos
por aquella molestia era de 9, 7 por 10 .000 habi-
tantes; de 1885 a 1888 a proporção estava redu-
zida á 1,4 por 10.000, isso mesmo -por causa da
grande mortalidade de cria.nças de O a -1 anno .
,t··'
Esta attenuação consideravel que se nota nos
archivos mortuarios de todos os grandes centros,
nestes ultimos . annos, é particularmente devida
a grande reducção da mortandade por molestias
infectuosas.
Na Italia, onde as molestias infectuosas accu-
sam sempre um algarismo elevado nos registros
mortuarios, depois de 1887, ·em que a lei sanitariç1,
- 161

organizada por A. Bertain foi posta em execuçãor


centra.lizando os serviços de hyg·iene em todo o-
Reino, o obituario por taes molestias tem soffrido-
uma notavel reducção. De 95 por 10. 000 que-
era em 1887, esta proporção tem diminuído de anno-
a anno, limitando-se em 1894 a 69, a 84 obitos.
por 10 .000 habitantes.
A mortalidade por molestias infectnosas era na
Inglaterra, de 1861 a 1870, de 42,54 obitos por·
10.000 ; de 1880 a 1889 este algarismo ficou cir--
cumscripto a quasi metade (24,52 por 10.000). Em
Bruxellas, durante 20 annos (1864 a 1883) as mo-
lestfas zymoticas victimaram na razão de 7, 7 por·
1.000 e hoje apenas succumbem 2, 7 por i.000 por
taes enfermidades.
Se considerarmos mesmo os algarismos abso--
lutos dos registros necrologicos das cidades e
paizes citados, veremos airida que os indices mor-
tuarios, com especialidade nestes ultimos annos,
longe dé augmentarem, têm decrescido accentua-
damente, não obstante o augrnento da população.
Em Pariz, por exemplo, em 1886 falleceram
55.110 pessoas ; daquella data em diante os in-
dices mortuarios foram baixando de um anuo a.
outro, e em 1895 o numero de obitos era de 51.618
pessoas; 3.492 fallecimentos de menos do que em
1886. Entretanto, a populaçito de Pariz naquella
época era de 2.344,550 habitantes e em 1895 de
2. 494,305 .
11 4 ° VOLUME
- 162 -

Ora, no Rio de Janeiro ; para só nos servirmos


dos algarismos officiaes da Republica, a mortali-
dade geral foi nos dous ultimos lustros integraes
do Imperio de 107. 961 fallecimentos e no actual
decennio (1889-1898) subio á 164.261 obitos_; o
que faz uma perda deploravel de 56.300 vidas, as
quaes podiam ser poupadas se os detentores do poder
não abandonassem de todo a grande causa da sande
publica !
VII

Os debates a respeito da Convenção sanitaria


Declarações importantes

O Convenio sanitario, celebrado em Outubro do


an11,o passado, entre o Brazil, a_Republica Argen-
tina e a do Urugnay , despertou grandes debates na
Imprensa desta Capital e na .Acaàernia ele .Ll !feclicina.
O illustre Director Geral de Sande Publica foi
-0 alvo para onde convergiram todas as settas dos

impugnadores deste infeliz ajuste; quando o obje-


,ctivo principal devrrja ser a situação desoladora
-em que se acha a gTande Capital, no tocante a
hygiene publica, determinada principalmente pela
anarchia do systema sanitario , e pela desidia e
criminosa indifferença dos governos que temos
tido nestes dez annos !
A nova Convenção é, fóra de duvida, a con-
fissão _solemne, em um tratado internacional, da
incapacidade e impotencia deste regimen, para en-·
xotar a febre amarella do nosso littoraL
- 164 -

Ella mostra que a Republica teve a habilidade


-de fazer com que se tornasse endemica ou perenne
nas duas importantes cidades uma molestia que
era exotica entre nós ; deix:ando que · se implan-
tasse permanentemente no solo desta Capital um
inimigo que por duas vezes desappareceu de todo, ·
do territorio brazileiro !
Este convenio nos deprime e nos . humilha não-
pelo facto da confissão em si, que é real, e é pheno-
meno que todos observamos e cujas consequencias-
sentimos diariamente; mas pelo attestado fornecido
pelo nosso- governo ao mundo: de que o facto ver -
gonhoso não só é verdadeiro, como ainda que não tem
esperança de que seja outro o nosso estado sanitario ;
de que a febre amarella fez e fará incessantem·e nte
parte da nossa nosog-raphia local , pois tornou-se
a companheira inseparavel das novas instituições t
« Baseei-me nas estatísticas deste decennio » ,
disse por varias vezes 1 com louvavei- franqueza, o
illustre Director Geral de Sautle Pnblica.
Respondendo ao seu digno collega o Sr. Dr _
Azevedo Sodré na A caclemict ele M edicina àeclara 1
o Chefe da Repartição federal de hygiene:
« O convenio reconhece a exist enc·ia dct f ebre amar ella·
rliirante s eis mezes. nas cidades do Rio ele Janeiro e Santos .
Essa ex istencia é facto inquestionavel e o proprio Dr. Soclr&
o affirmou no seu cliscnrso ultimo.
Assignalei como base do convenio o período elecennal
ele 1889 ci 1898 ; são 10 annos ele observação, t empo ele
sobra para as inducções. )>
165 -

« Pois bem, no periodo de 1889 a 1898, em que anno o


Sr. Dr. Sodré não vio a epidemia da febre amarella no Rio
.de Janeiro? (Pausa).
Em nenhum ; e foi neste periodo de 10 annos em que a
molestia exotica reimportada em 1869 reinou no Rio de Ja-
neiro com intensidade maior . ou menor, que os autores do
c onvenio basearam seus calculos. ))
Ü · eminente Redactor-chefe da I1npre.nsa, foi
quem primeiro analysou, em uma serie de impor-
tantes editoriaes, a nova Convenção, sendo os
princ.ipaes pontos de sua arguição os seguintes :
' 1. º A confissão feita por nós mesmos de que
a febre amarella é, durante seis mezes no anno,
o estado ordinario do nosso littoral.
2. A falta de bilateralidade, igualdade e re-
0

ciprocidade, condições essenciaes á toda a Con-


venção.
3. º Que na melhor das hypotheses o ajuste
se limita a baixar de 4 a 2 dias o período da qua-
rentena.
Finalmente, o honrado Sr. Ruy Barbosa con-
due o seu energico editorial com as seguintes
palavras:
" Mas, além dessas consequencias, r esalta outra, não
menos importante : é que de 16 de Maio a 14 de Novembro
ficaremos entregues, como dantes, ao arbítrio argentino
em materia ele imposição desse vexame ás procedencias
brazileiras. Nem se qualifique de imaginaria esta suppo-
sição, visto que ternos exemplos desse rigor em Buenos-
Aires após o mez de Maio e muito antes do de Novembro.
Em 1893, verbi gl'atia, com uma estação aliás excellente, já
em Setembro _vigorava no Prata a quarentona.
- 166 -
Eis, em essencia, pois, o que obtivemos com a assom-
brosa convenção: durante a ·metáde do anno a quarentena.
ao bel prazer do governo de Biienos -Aires; durante a outra.
metade a quarentena ao sabor dos medicas argentinos; e,
quando escaparmos ao talante de uns e do· outro, a qua-
rentena ele dous em vez ele quatro dias. ·
E a troco deste ganho é que o governo brazileiro acaba.
de nos prnclamar officialmcnte a séde da febre am~rella,
enterrando pa1'.a sempre o nosso nome, e fulminando o nosso·
éommercio, a nossa riqueza , a nossa civilização com um,
golpe fatal.
Mente, pois, essa alcunha ele convençüo, que lhe pu-
zeram. Gonfisscio · será, falsa confissão ele uma assacadilhai.
hostil. Mas convenção, nunca. E' um acto iinilateràl, em
que uma das partes dita á outra o recibo de um baldão.
E ' . uma lei do interesse argentino, promulgada em terri-
torio brazileiro. E' um instrumento vergonhoso de abdi-
cação e subalternidade, a qu e só se conceberia o nosso-
assentimento com o ferro na garganta, após uma guerra era
que fossemos vencidos e desarmados .,)
A esta argumentação do Redactor da Imprensa;
respondeu o Sr. Director Geral da Sande P ublica,
nestes termos, pelo Jornal elo Comm,ercio de 6 de
Novembro:
·« Eu desej aria ·que os criticas a que me refiro clisses-·
sem, em qiie anno, desde 18S9 até 189S tivemos um mez de
Dezembro, de Janeiro, de Fevereiro, de Março, de Abril e·
de Maio sem febre amctrella !
· Em relação ao mez de Novembro só em 1894 o obi-·
tuario não registrou caso algum dessa molestia.
Ora, para a prefixação do prazo do art. 1° do convenio,
procedeu- se do niodo seguinte:
1°, tomou-se para base · do calculo um largo período,
natiwalmente o transacto mais proximo, e esse foi o do•
decennio de 1889-1S9S ;
- 167 -

2°, verificoii-se que de Novembro a Maio do anno se-


guinte a molestia aiigmenta de extensão, constituindo-se
invariavelmente o paroxismo;
3°, notou-se que de Maio a Novembro ella decresce,
sem desapparecer por completo, havendo uma excepção
uriica nos mezes de Agosto e Outubro de 1897, em qne
não houve obito registrado ;
4°, firmoi,-se que os mezes de Fevereiro, Março e Abril
são sempre os mais crueis e representam o apogêo da exa-
cerbação paroxistica ; e
5°, concluiii-se que, no período indicado de 1889-1898,
o dito paroxismo teve lugar, constantemente, de Novembro
a Maio.
Estava, ou não, achado com segurança e honestamente,
o elemento da inducição, que é o a posteriori comprovado?»
« Salta aos olhos que a determinação de prazo para a
cxect1ção periodica de nm serviço sanitario é indispensavel
á administração do mesmo serviço; e salta ainda aos olhos
que esse prazo deve ter um inicio.
Por antro lado, as medidas de prophylaxi.a applícaveis
aos incidentes previstos e esperculos, que se procura evitar,
deixam se:m pre margem para eventualidade : - a molestia
póde começar depois do inicio do prazo, como póde começar
antes clclle, e a incerteza em disposições administrativas é
intoleravel.
Os impugnadores do Convenio entendem que a fixação
do prazo atte11ta contra a honra do Brazil, e a « Conven-
ção fatal» é um instriinicnto vergonhoso ele c,bclicação e s1.ibal-
terniclcule.
Não, não. O que attenta contra a honra do Brazil é a
propria febre amare1la, é o seu alastramento pelos Estados
da Republica, é a mortandade que ella tem produzido ; é,
sobretudo, o descredito que nos trouxe ele . indifferentes ao
mal qne nos consome, de resignados ao vexame doloroso de
não termos ainda emprehendiclo a guerra ao inimigo que
nos opprime e tambem insulta o nosso patriotismo em cacla
verão que sobrevem; o que attenta contra a honra da patria
- 168 -

não é, nem póde ser jámais, a confissão dÕ soffrimelito e o


legitimo empenho de minorar-lhe ·os effeitos. ii (1)

(1) « Recapitulando o já exposto, e antes de passar aos


outros artigos do convenio, observarei :
10, que o prazo de 15 de Novembro a 15 de Maio repre-
senta a diiração do paroxismo estival da febre amarella no
Rio de Janeiro, verificada documentalmente pelo exame dos
registros, em cada um dos dez annos ·do período, immedia-
tamente anterior, de 1889 a 1898 ;
2°, que o convenio restringe as providencias sanitarias
.argentinas a esse p eriodo de Novembro a Maio, siistando
consegúintemente as quarentenas de Setembro a Jnlho, pré-
viamente impostas;
3°, que rediiz de 10 a dous dias, no maximo as ditas
quarentenas, dispondo que dentro desses doiis dias se façam
as desinfecções, para que o navio tenha livre pratica ao cabo
de seis _dias, contados do 1nomento da partida de porto bra-
zileiro;
4°, que evitei a interrupção do trafego marítimo nos
portos do Brazil durante a crise epiclemica estivctl, abolindo
os annuncios, cartazes e avisos que na Europa se distri-
buiam: sobre a insalubridade da nossa terra ;
5°, que embora seJ°a Biienos Aires qit e se defencle e o
Rio de Janeiro qiie ameaça, o convenio poiipci aos navios
sahidos de porto brazileiro um tempo precioso de quaren-
tena, uma despeza consideravel de estadia, uma aggravação
notavel de fretes, como poupa ao commen;lio nacional os
onus resultantes de taes precali;ios e que sobre elle pesavam;
6°, que nas condições, infelizmente verdadeiras, da insa-
lubridade fluminense durante o tempo decorrente entre 15
de Novembro e _15 Maio, o convenio exprime, nos termos do
seir. art. 7°, o maximo ele vantagens que poderiamos obter
no tocante ás relações de administração sanitaria entre o
Brazil e a Repub1ica Argentina » •
(Do Jornal elo Commercio de 6 de Novembro de 1889).
- 169 -

Levada a questão para a Acacleinia de Medi-


cina, impugnaram o Con venio os professores Aze-
vedo Sodré e Manuel Victorino .
Depojs de varias considerações sobre a inoppor-
tunidade do ajuste, o ex-vice-presidente da Repu-
blica accusa-o de consultar mais os interesses
éommerciaes da Confederação Argentina do que
os nossos, e senão fosse assim, diz o Dr. Victorino
« S. Ex. não teria omittido cousas que foram cuida-
dosamente afastadas pelos nossos habeis visinhcs.
Este ajuste pode-se dizer unilateral, não ha reci-
procidade de favores, de concessões. »
« O Sr. D r. ·Niino de Andr·acle.-Nem visou a isto.
O Sr. Dt·. Manoel Victorino.-Mas devia. Vou mostrar a
V. Ex. como todas as convenções visam a esta r eciprocidade .
Em primeiro lugar V. Ex. sabe que uma convenção feita
nos termos desta é uma diininutio capitis evidentemente.
O Sr. Dr , Niino dr: Andrade . - D e que ?
O Sr. Dr. Manoel Victorino .-Dos in_teresses brazileiros,
da propria nacionalidade brazileira .
O Sr. Dr. Nuno de A11drade.-De ql~e modo?
O Sr. Dr. JJ!Ianoel Victorino.-Todas estas convenções
foram sempre impostas para defesa dos povos cultos contra
os povos semi-barbaras. V. Ex. sabe a historia de taes con-
venções, desde 1851 até 1897; é a clefesa da Europa contra
o Oriente, prova-o Proust, na obra que escreveu com este.
titulo.
Mas o que estes povos fizeram foi o que V. Ex. não fez;
foi disfarçar a notificação compulsaria em um direito mutuo,
e o que o Oriente fez, foi ·o que nós não fizemos, aceitou
as medidas que as potencias européas lhe impuzeram, mas
não se humilhou em subscrevei-as ...
- 170 -

E' principio geral estabeleci~o desde a primeira confe-


rencia de Veneza, em 1892: o b-atamento applicc.vel aos navioft
deve ser regidado pelo seii estado sanitario á chegcicla e. não
pelo esfoclo elo po1·to de proceclencia, qiie dá sómente indicações,
indicações p reciosas sem diivida, porém qiie não ]Jassam ele
indicações. E ' este, diz Proust, o principio novo sobre o qual
repousa a prophylaxia internacional JlliOderna. Armado com
esta conquista e aceitando o compron1isso mutuo da notifi-
cação compul.;oria, relativo a todas as molestias epidemicas
ou prestiJenciaes, nós não tínhamos necessidade de fixar iim
período perigoso, de limites artificiaes ou arbitrarios, con-
fessando a nossa impotencia sa11itaria pela permanencici ,e
exctccrbaçâo de uma molestia evitavel, decretando a nossa
interdicção hygienica, sujeitando-nos á humilhação de re-
conhecer a degradação de saucle marítima dos mais conhe-
cidos e importantes elos nossos portos.
O S1·. Dr. Nu no de Anclrade.-Humilhação porque?
O S1·. Dr. J1:fonoel Victorino.-Ha de permittir :-é uma
humilhação. ".
Depois de referir que é facto unico na historia
essa confissão, que nem os Estados Unidos da
America do Norte puderam arranca,r de Cuba; que
nós aceitamos o facto como elle é, em sua bruta-
lidade fatal, recfonhecemos e o damos não como
eventualidade, objecto de uma notificação com-
pulsoria, mas como interdicção rhythmica, degTa-
dação sanitaria periodica de um porto, conclue o
ex-vice-presidente da Republica, com as seguintes
palavras q_ue mostram o quanto S. Ex. acha-se
desilludido deste regimen, de cujo governo, desceu
lrn pouco tempo:
e< As situações como as nossas são muito diffi.ceis e hoj e
para se exercer qualquer funcção publica, ou ter . qualquer
- 171-

rosponsabilidacle do governo, é realmente preciso possuir


eoragem cívica superior ou então uma i11cqnsciencia ingenim
e adniiravel dos perigos e clifficiilclacles .·
Tive dolorosa experienc ia e foi ella qiie creoii para mim
esta sitiiaçcio ele espirita que me fcrz inqitirir hoje iinicct e
exclusivamente elos interesses de minha patrict. Além disto
V. Ex . sabe qiie no cónvencionftlisino official realiza-se, fre -
qtienternente o pctrci·doxo de qite a verdade é o qiie não se
clíz e não se vê.
O Sr. Dr. Nimo ele Anclrctcle . -No entretanto, t enbo
dito a verdacle inteira.
O Sr. Dr. Jllfonoel Víctorino . -O que eu ele claro é que
póde havee difficuldades que tenham sido vencidas por este
convenio qt1e a V . Ex., por dever de seu cargo, não seja
licito revelar.
O Sr. D r. Nuno de A11clracle. -Declaro qu e dellas não
previ, nem recebi comm_issão alguma elo governo para entrar
em ajuste elo convenio . .
O Sr. Dr. lVIanoel Vfotori110.-Depois ele ter-me occupaclo
elos interesses commerciaes .elevo dizer ainda -que a conven-
çáo consulta muito mais aos interesses sanitarios e políticos
elos Argentin os do que aos nossos.
O que se fez na Convenção foi para clefencl el-os, logo o
interesse supremo do salir,s populí é ela Republica Argentina
e a prova é que V . Ex. não fará extensivas as praticas ela
Convenção aos outros Estados da Republica que têm tanto
interesse e direito de vida como qualquer paiz estrangeiro.
O Sr. Di·. Nitno ele Andrade clá um aparte.
O 81". Dr. .Manoel Victorino. - Devia impedir que a
minha triste patria, fiagellada pela secca, pelas luctas intes-
tinas e pelo fanatismo no set1s sertões, por t udo quanto a
concepção do Jnpiter tonante tem inventaclo para perseguil-a
fosse fiagellacla, como. o anuo passado pela febre amarella
transportada elo Rio de Janeiro ; clevia crear a mesma defesa
para todos os portos proximos, elo Santa Catharina, Paraná, Rio
Grande, porque o que ficou estabelecido em toclas a.s con-
venções até hoje realizadas é que todas as relações com a
- 172 -

circumscripção a:ffectada .deviam-. ser envolvidas nas mesmas


medidas. Foi quando Madras e Calcuttá defenderam-se do
cholem contra Bombaim que se chegou á demonstração da
impossibilidade da realização de quarentenas. » (2)
Respondendo a esta eloquente oração, o Sr. di-
rector geral de saude publica, em brilhante allo-
cução, chei~ de duras verclades, · demonstrou que
não foi o primeiro a confessar em documento offi-
cial, que o typho icteroide tinha-se tornado ende-
rnico ultimamente n·e sta Capital.
Do seu importante discurso, publicado no Jor-
ncü de 12 de Dezembro ultimo, merecem especial
menção os seguintes topicos :

« Vou referir o que se passou - na _Commissão de sanea-


mento com toda a exactidão e invocando o depoimento dos
dous illlIStres collegas citados. •
Em nossa primeira reunião, bastante desacoroçoado
pela inutilidade das tentativas anteriores, representadas nos
trabalhos de grande numero de commissões de medicos e
engenheiros, nas opiniões expressas em associações scienti-
ficas como esta e o Club de Engenharia, nos desejos frequen-
temente manifestados nas antigas Fallas do Throno e nas
Mensagens presidenciaes, nos reclamos da imprensa, ponderei
ao nosso illustre Presidente: « Não creio que o saneamento
se faça _a gora, e a nomeação desta commissão parece-me
visar apenas fins eleitoraes. O nosso relatorio vai ser des-
tinado ás traças dos archivos. >> A imprensa r eproduzia e
commenton esta phrase. « Precisamos ( continuei ) saber se

(2) Estes topicos são extrahidos elo Jm·nal ele 5 e G


de Dezembro ultimo, onde encontram-se os dis cursos dos
Drs. Nuno ele Andrade e Victorino Pereira .
- ]73 -

nós, que não temos actividades vadias, fomos convidados


para prestar um real serviço ao paiz, ou se se quer ex-
plorar a nossa boa vontade, incluzindo-nos a collaborar em
scenographias inuteis. »
O illustre Presidente da Commissão, do alto posto que
occupava no poder e na nossa confiança, deixou cahir ele
seus labios estas declarações tranqnilisadoras: « Na . quali-
dade de membro do Governo, eu não faria parte desta
commissão, se não tivesse certeza que, desta vez, o sa -
neamento será realizado. Trabalhemos, pois, para des -
obrigarmo-nos deste encargo pesadíssimo. »
Acrmlitei, cheio de esperanças e com· sinceras alegrias,
que não trabalhariaroos infructiferamente, e que o sanea-
mento se effectnaria.
0.;; meus collegas sabem que elle não se fez! >>

e< Não se dem ittem reRponsabilidades de certa ordem.


Mas vou mostrar a V. Ex. que em documento official de
maior valor, tuclo quanto ha de mais official, que tem a
maior divulgação e é conhecido e commentado em todos
os paizes, se affirmou claramente o que o Convenio apenas
insimí.a. E' a Mensagem presidencial ele 1S96, quando V. Ex.
era Vice-Presidente ...
O Sr. Dr. Manoel Victorino : - Não sou responsa-
savel pelas opiniões do Presidente.

E1s o que diz a Mensagem :


c< Não foi lisongeiro, infelizmente, o estado sanitario
desta Capital e de alguns outros pontos do territorio da
Republica, durante a r ecente estação calmosa. A epidemia
da febre amarella endemica no Districto F'ecleral e que se
manifef'tara desde alguns annos em certas localidades dos
Estados mais proximos , ircadion- se e attingin diver sos
centros de população, apesar dos cuidados e providencias solí-
citamente empregados pe]as auctoridades federaes e locaes.
Para obviar a essa calami dade, que tanto prejudica o
Paiz sob todos os aspectos, impõe-s e como incleclinavel a
174 -,-

necessidade de sanear-se a Capital da União, fóco _pri-


mordial clci molestia. »
.... . ..... ... . . .... . ....... .. ............ . . ......... . .
« O Dr. Manoel Victoriuo collocou a questão em terreno
extremamente escabroso. Uma das tres soluções eram as
possiveis: ou calar, ou negar, ou uoufessar.
Calar seria tornar-me connivente com o proprio desar,
seria a equivalencia do suicídio; negar era faltar á probi-
dade pessoal e expor-me ao sarcasmo do estrangeiro, qne,
nesta cidade cosmopolita, vê tanto como qualquer de nós
e conhece tudo quanto se passa. E depois por qne razão
negar se tantos documentos valiosos affirmam o que o Oon-
venio não disse mas deixa que se perceba? 'renho o tela-
torio do Sr. Dr. Manoel Victorino, ao qual S. Ex. se
referiu ha pouco e peço licença para ler :
« A febre amarella, importada . para o Brazil, aqui se
manifestou a principio com intervállos .longos e cessação
completa e absoluta de quaesquer casos; depois mais amiu -
dadamente, até assumir a persistencia infecciosa local com
aggravações e generalisações epideinicas qiie desta Ccipital i1'?'ct-
dicim e propagwn o mal, por via terrestre, seguindo o percurso
das estradas de ferro, e, por yia marítima, contaminando os
portos, para os quaes a navegação clirecta e frequente é o
vehiciilo de transmissão ela perigosa enfermidade. » ·
Em seguida, affirma o meu eminente collega que « desta
sorte a Capital fica sendo ii1na terrível ameaça não só para
aquelles qiie aqiii aporfoin ou residem na estação ccilinosa,
como para as populações marginaes das linhas ferreas, etc.»
Isto que S. Ex. escreveu não significa a - degraclação
sanitaria - a que no seu discurso alluc1io?
Declarou mais S . Ex., referindo-se ao porto do Rio de
Janeiro:
cc A immi.gração espontanea e com capitaes restringiu-se
sensivelmente; a grande bahia, um elos melhores e maiores
portos do mundo . . : é lioje evifoda pela siia insalubridade e
pela triste celebriclacle elo funebi·e lençol elas siias agiias. »
. . ..
... ' . . . . . . . . . . ' ......... ' .. . ..... ' . ' . . . . . . ..... .... '~
- 175 _:_

O Sr. Dr. Niino ele Andrade: - Ainda mais. S. Ex.


escreveu o que vou ler, e que responde victoriosamente
á sua accusação sobre o prazo do Convenio. Tratando da
insufficiente expansão commercial desta cidade, diz S. Ex. :
« Não influem pouco para isso as nosscis epidemias pe-
rioclicas.
Diwante seis mczes elo cinno o cornmercio se paralysa,
foge o estrangeiro, r etiram-se os filhos dos outros Es-
tados, etc ... »
Era, pois, o illustre Presidente da Commissão de Sa-
neamento, o Presidente do Senado e Vice-Presidente da
Republica, o Professor de uma Faculdade ele Yledicina quem
assim escrevia. Para S. Ex. as suas opiniõ es não impor-
tavam uma - degradação das nossas condições sanitarias
- nem as confissões do seu relatorio poclel'iam constituir
uma - huniilhação !
O Sv. D I". lvlanoel Victorino: - Sem cluvida; era um
trabalho sociologico, um appello aos meus compatriotas ;
não era uma transacção com o estrangeiro.
O Sr. D r. l'hmo ela Andrade : - Pois esse . trabalho
scientifico serviu de base scientifica para o Convenio !
E como S. Ex. fez esse appello aos seus compatriotas?-lan-
çando mão ele recursos que nunca empreguei e, espero-o,
jamais emprngarei, qual o da intimidação com a intei·vençâo
estrangeira para o saneamento do Rio de Janeiro ! ( Sen-
sciçcio ! )». E termina lendo um trecho, que já citambs no
IV Capitulo deste trabalho.
Uma vez proclamado, ern documentos of:ficiaes,
por diversos governos deste regimen, que o Dis-
tricto Federal é um fóco endemico da febre
amarella, onde ella assurnin a persistencia infec-
ciosa local, irradiando-se pelo littoral e pelo inte-
rior, tornando-se esta Capital uma terrível ameaça
a todo o paiz; e visto que tão solemnes decla-
rações acabam de ser plenamente confirmadas pelo
- 176 -

governo actnal, em uma Ooilvenção intei;nacional,


os Estados da Republica terão, com maioria de
razão, o direito de pedir ao governo federal que
lhes conceda igual defes~ sanitaria.
Já em 1898 escrevia o illustre Inspector de
hygiene do Recife, em seu luminoso relatorio ao
governador de Pernambuco:
« E' nm facto de todos conhecido, que em plena
devastação de e'xtensas e m ortiferas epidemias
de febre amarella no sul, nunca o governo federal
auctorizou ou permittiu aos Estados a menor pre-
caução, a mais lig,eira medida prophylactica contra
a importação do mal . Os paquetes trazendo pa-
tente bruta ( porque as cartas de sande desses
navios devem accusar necessariamente a existen-
cia da epidemh, figurada para qualqi.rn1· daquelles
portos) têm livre pratica, mesmo no caso de obito
a bordo, depois de uma illusoria desinfecção. Esta
é a regra seguida até hoje; e quando as aucto-
ridades locaes solicitam das federaes medidas de
precaução, taes medidas não podem ser tomadas,
porque o governo federal, não julga opportnno
concedel-as.
« Factos desta natureza já se tem passado
em Pernambuco, sem que possa remediar os seus
inconvenientes ou prevenir as desastrosas con-
seq nencias que delles podem decorrer » .
Defendendo a Convenção, disse um dos nossos
mais distinctos demographistas, pelo Jornal do
- 177 -

Gommercio, que tratando-se dos interesses sanita-


rios das populações a noção de patriotismo é substi-
tuida por uma outra mais elevada e mais sublime
- a noção da humanidade.
Pois bem, é em nome da humanidade que os
nossos Estados dirão ao governo-concedei ig·ual-
mente a nós brazileiros, os mesmos direitos de
defesa que concedestes aos estrangeiros !
Ainda são de hontem os factos occorridos re-
lativamente a convenção sanitaria, que em 1887
celebramos com o governo argentino e o da Repu-
blica do Uruguay, convenção que só foi ratificada
em 3 de Agosto de 1889.
O governo brazileiro cumpriu estrictamente
todas as c1ausulas daqueJle trataclo.
O mesmo não se deu com a Republica Argentina
que commetteu as maiores arbitrariedades; e, taes
foram os excessos praticados e a falta do cumpri-
mento das disposições estipuladas no convenio, que
o governo do marechal Floriano viu-se forçado a
denunciai-o em 1893.
Com taes precedentes qualquer que seja a van-
tag·em que nos possa advir deste novo ajuste, elle
será ephemero e dará os mesmos resultados que a
convenção anterior.
O Director Geral de Sande Publica, com . a
lui; dos factos e dos algarismos, demonstrou que
o convenio em questão baseou-se na historia sani-
taria desta decada e que traduziu com effeito a
12 4. 0 VOLUME
- 178--:--

tristíssima verdade, já proclamada officialmente em


notaveis documentos, por eminentes chefes t:].esta
Republica.
S. Ex. preferiu confessar, a faltar a verdade ou
calar-se; como declarou na Academia ele Medicina.
O governo não tem, entretanto, desculpa em
preferir uma confissão desta ordem á dar combate
a febre amarella; e em estabelecer de preferencía
a defesa hygienica da Republica Argentina á pro-
teger a sande dos habitantes do nosso paiz !
A Santa Casa de Misericordia dispõe de magni-
fico serviço funerario, dirão os proceres destas
instituições!
Ha pouco mais de um anno, lemos em jornal
francez a seguinte e interessante noticia :
Importante negociante marselhez, que viajava
frequentemente para o Egypto, gozando de alguma
intimirlade com o Pachá dissera-lhe: Senhor! Venho
prevenir a Vossa Alteza para q_ue torne as suas pro-
videncias : a peste está fazendo grande mortandade
no Oriente e já está bem proxima do Egypto.
Não tem duvida, respondeu-lhe o Pachá,-não
me apanhará descalço : já mandei abrir tres mil
sepulturas ! ...
VIII

Da Saude Publica nos Estados

Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, temos


tido occasião de contemplar e admirar este vasto
paiz, onde a natureza ostenta-se em. toda a sua
magestade e apresenta, em suas variadas e mUlti-
plas manifestações, um dos mais grandiosos pano-
ramas que possue o nosso planeta.
As encantadoras paizagens deste extenso lit-
toral, da nossa flora, destas florestas seculares,
o sublime espectaculo que o:fferecem as nossas
serrania8, os nossos caudalosos rios, com suas
pittorescas e encantadoras cachoeiras,- toda essa
grandeza, em uma palavra, de que fomos dotados,
devia despertar no coração b1·azileiro um pouco
mais de amor a esta terra, que só elle não sabe
apreciar!
Quem contemplar, com e:ffeito, este maravi-
hoso scenario e lembrar-se· de que a Providencia,
como que ciosa da sua obra, deu-nos desde o berço
- 180 -

da nossa nacionalidade inst-ituições que garantiam


a unidade e o progresso desta terra, - e ver que
este povo se mostrou incapaz de possuil-as, con-
sentindo que as desmoronassem, para plantarem a
anarchia e a miseria em que nos debatemos hoje,
ficará estupefacto, senão aparvalhado, duvidando
do · equilibrio das proprias fac:uldades !
Eramos um paiz homogeneo e civilizado, onde
· a vida corria facil e havia uma estrada larga a.
todas as aspirações liberaes.
O Brazil destacava-se, em alto relevo, das
outras nações ibero-americanas, que estão em lucta.
permanente entre a anarchia e o despotismo.
Quebraram a unidade em tudo; transformaram,
as nossas antigas províncias em feitorias, entre-
gues, em sua grande maioria, á uma trindade de
politiqueiros, que constituem as dynastias que se,
revezam na~ mais altas posições do paiz, por um
systema sui generis da vitaliciedade.
já não existe em nossas províncias aquella
convivencia amena e expansão jovial , ;;9.ue nota.-
vam-se na familia br::i.zileira, aquelle bem estar e
tranquillidade pelo dia de amanhã.
Os homens de bem, os que têm talento, os-
espiritos cultos, os caracteres independentes vi-
vem sequestrados, como exilados em sua propria.
patria !
As mais altas posições só chegam, em geral,
para os individuos doceis, <le pouca ou nenhuma.
~ 181 -

~ultura intellectual e não poucas vezes para as


nullidades de todo Ó genero.
A politicagem impera ern toda a sua plenitude,
com o longo cortejo das façanhas que constituem
:a essencia do regim:en.
As difficiildades da vida e as maravilhas desta
Republica têm abatido o caracter nacional e im-
plantado a descrença e o indifferentismo em todos
-0& espiritos !

Nas grandes crises geologicas porque tem pas-


sado o nosso planeta, como nas agitações e trans-
formações politicas de todos os povos, as aguas
tornam-se turvas, é verdade, mas readquirem cedo
a transparencia primitiva; entre nós ellas per-
sistem cada vez mais lodosas e é isso certamente
um dos factores capitaes desta infecção moral da
nossa atm~sphera política, muito mais perniciosa
do que a produzida pelos micro-organismos pa-
thogenicos.
No meio desse desbarate geral e do prolongado
,carnaval que assistimos, o que ha de ser a hygiene
publica nos Estados ? Vejamos.
182 -

ESTADOS DO NORTE

Já temos nos referido por diversas vezes á de-


ploravel situação sanitaria á que se acham redu-
zidas algumas das nossas antigas províncias, e
isso em grande parte devido a anarchia a que
ficaram entregues todos os serviços de hygiene de
terra, - a mercê dos caprichos das múnicipalida-
des, dos governadores e dos congressos estadoaes .
O Brazil foi sempre um paiz bastante saudavel.
As antigas províncias e sobretudo, as suas cidades
e povoações do interior sempre distinguiram-se por
sua incontestavel salubridade.
A não ser a malaria, a varíola e o beriberi, que
affectavam de preferencia certas zonas das nos-
sas províncias septentrionaes e a tuberculose que
existe em toda a parte do Globo, as demais mo-
lestias infectuosas não eram muito · frequentes em
nossas províncias.
- 183 -

Houvesse hyg·iene, um pouco mais de interesse


pela saucle publica, que nenhum paiz apresentaria
· maior grau de salubridade do qne o nosso.
O beriberi que limitava -se a fazer as suas es-
car_amuças em certos pontos do littoral de algumas
provincia::;, taes como o Maranhão, Pará, Amazonas
e Espirito Santo, e de algum modo nas capitaes
da Bahia e Pernambuco, tem se estendido ultima-
mente á diversos Estados. (1)
A malaria apresenta-se mais a vontade, sob
as suas modalidades as mais variadas, desde as
intermittentes simples até as fórmas inveteradas
da cachexia pal ustre.
As variedades agudas e superag·udas- os acces-
sos perniciosos - têm igualmente tido maoir des-
envolvimento nestes dez ultimos annos em algumas
capitaes.
A febre amarella, outr' ora rara no Pará e em
Manáos, apparece quasi todos os annos, occa-
sionando, algL1mas vezes, estragos já sensíveis na
população marítima.

(1) Em uma monographia que publicamos em allemão


em 1896 sobre os phenomenos oculares no beriberi (Ueber
Augenstõrungen bei Béribéri-Kranken) apresentamos um
certo numero de observações, colhidas no decurso de 12:
annos, em que o beriberi affectava ora o apparelho motor
ocular, ora o n ervo optico, ora o apparelho psycho-optico .
Ja nas pags. 387 a 400 da nossa obra sobre os «Estados
Pathologicos e suas Manifestações Oculares » offerecemos.
algumas observações bem interessantes a este respeito.
- 184 -

A cidade de Manáos, diz -,o Dr. Alvares Pereira,


deputado estadoal e director da Repartição de hy-
giene, a proposito das devastações alli produzidas
pela varíola, - está suja, sem rede de exgottos,
com todo o lixo depositado no littoral, a apodre-
cer, fermentando á acção da luz solar, a maior
parte das casas construidas em manifesta opposi-
ção as regras de hygiene, etc. (2)
A' capital do Amazonas tudo falta, com effeito,
em relação a hygiene publica, desde a organização
até o material sanitario.
Não tem um hospital de isolamento, a não ser
um pequeno barracão sem condição alguma de hy-
giene e muito distante da cidade (Umurizal), para
onde o transporte de alimentos e de medicamentos
torna-se difficilimo.
Não ha um instituto vaccinogenico.-Mandam
vir a polpa vaccinica da Inglaterra, da França e do
Rio de Janeiro, a qual chega sempre deteriorada,
ou pelo menos bastante attenuada. E é esta uma
das razões porque a varíola tem causado grandes
devastações nestes ultimos annos.
Não tem um matadouro, pois o tal curro que
alli existe devia ser incinerado a bem da saude
publica; não tem finalmente uma rede de exgottos !

(2) Relatorios do secretario dos Negocios do Interior


das r epartições de estatística e archivo publico do Estado
do Amazonas, 1898, pag. XXVI.
- 185 -
O proprio hospHal, construido no tempo
do Imperio, é hoje pequeno para o numero de
lloentes e está em muito más condições de
hygiene.
No tocante ao serviço sanitario da municipa-
lidade é desoladora a absoluta falta de hygiene
que se nota nos igarapés, no mercado , nas praias
e nas proprias ruas e praças da cidade, como se
póde verificar nos relatorios das auctoridades sa-
nitarias, transcriptos no do secretario do Interior
daquelle Estado, em 1898.
O • curro, lugar onde fazem a matança de gado
em Manáos , é um dos maiores fócos de infecção
que alli existe; o cano de exgotto está ordina-
riamente obstruído, dando lugar a decomposição
de materias organicas, que servem de cultura aos
germens pestilenciaes. E estas frequentes obs-
trucções têm provocado o desenvolvimento de fe-
bre::; em todo o pessoal daquelle estabelecimento,
desde os serventes e os magarefes até o adminis-
trador e seus ajudantes, - que ainda hoje eoffrem,
dize.m os medicos do matadouro, as consequencias
do mal alli contrahido !
Com taes elementos não é possível que o es-
tado sanitario daquella importante capital não
tenha se aggravado -bastante.
De facto, em uma cidade de 38.000 habitantes
só no anno de 1897 houve 1.373 obitos, dos quaes
502 occasionados pelo impaludismo !
- 186 -

Daquelle total mortua.r-io 545 obitos eram de


crianças.
Depois da malaria, o beriberi occnpa a pri-
meira linha no obituario.
E' na vasante dos rios, que o impaludismo mais
se desenvolve, em grande parte por falta de lim-
peza nas praias e nos igarapés.
Nas pequenas colonias proximas a Manáos ha
épocas em que. não se conta uma só casa que não
abrigue um doente.
A~ recahidas são nellas frequentíssimas, gra-
ças a miseria em que vive aquella pobre gente .
E segundo af:firma, em documento official, o dele-
gado de hygiene muitas familias na colonia Oli-
veira Machado, na Cachoeirinha, etc, passam o
dia febricitantes, sem terem durante um e dous
tomado um caldo siquer ! (3)

(3) A frequencia e intensidade dos casos de febre são


ainda aggravadas pela falta de alimenta 1ão, pela. fome ! Não
só na colonia como na Cacli:oeirinha ha familias inteiras que
passam o dia febricitantes, sem terem durante o dia tomado
um caldo... Em varias casas vi a familia toda agrupada
sobre uma immunda este.ira, soffrendo · o accesso da febre,
tendo apenas para comer um pouco de carne secca de
infima qualidade e farinha amarella excessivamente grossa .
Vi uma mulher com dous filhinhos dentro de uma rede,
todos febricitantes, s em terem comido cousa algt1ma desde
a vespera, e quando um dos pequenos pedia agua insi~ten-
temente, levantava-se ella com passos vacillantes, náo da
febre de 38,2, mas ela fome, para dar o que o seu filhinho
pedia! Muitas destas scenas foram peesenGiadas por varias
- 187 -
Entretanto, no Amazonas ha dinheiro para
tudo, para a constrncção e manutenção de theatros
magestosos e para todas as fantasias e proezas
proprias do regímen . Só não ha para curar-se do
saneamento da sua capital !
Nos tres ultimos annos do Imperio a província
do Amazonas tinha uma renda media annual de .
2.088:000:t)I000.
· Graças ao elevadíssimo preço a que tem chegado
ultimamente a borracha, ao grande desenvolvimento
que tem tido a sua extracção e ao augmento exage-
rado das taxas fiscaes, assim como ao imposto de
exportação, que pertence hoje ao Estado, aquella
renda attingiu em 1896 a 13.l09:312;j/') 700 e no
exercicio de 1896 a 1897 a 14. 877:933:tti976.
Tudo isso se evapora com rapidez. Em 1897
a verba d iv ersas despezas e os creditos extraor-
dinarios andaram em 5.507:494;til892 !
A excepção do que se gastou com o serviço
de abastecimento d'agna, ne m um :real tem sido
applicado ao saneamento da futurosa cidade, nem
ao menos pa,ra dotal-a: dos melhoramentos os mais
elementares que exige a salubridade publica !

pessoas. Os soccono s p ecnrnanos não chegavam p ar a os


pobres da colonia, apesar de terem siclo distribuiclos 18:000$ .
Raríssimos na Oachoeirinha participaram de taes soccorro s !
São palavras do relatoeío do Dr. H. Lop es de Campos ,
delegado de hygiene e que vêm t rnnseriptas na pag. 176 do
relatorio do secl'etario elo Interi or de 1898.
1.88

O Estado do Pará, apesar de ser a sede de um


dos districtos sanitarios maritimos, ainda não p,os-
sue um lazareto .
Um pequeno hospital, construido ·no período
monarcbico para variolosus na ilha de Tatuoca, é o
que finge alli de lazareto; apesar do celebre com-
promisso, que o governo republicano assumiu perante
o c.orpo diplomatico, de mandar construir mais dous
lazaretos em nosso littoral, como já relatamos.
A. febre amarella, que ontr'ora atacava um
ou outro ponto do vasto littora.l do norte e limita-
va-se ordinariamente a fazer algumas escaramuças
nos estrangeiros recem-chegados, apparece hoje
em quasi todo o littoral.
As capitaes do Ceará, Pernambuco e Bahia
8ão ~commettidas quasi que annualmente pelo
vomito preto; se bem que em um numero limi-
tado de casos.
E não se limita sómente á costa marítima,
á vai se estendendo á alguns pontos da costa
fl.uvial.
No Espírito Santo, com especialidade, rara é a
cidade que não tenha recebido a funebre visita da
febre amarella ; e algumas vezes mal aquella mo-
lestia termina a .sua 1ugubre trajectoria, já a va-
ríola e a malaria apresentam-se em scena !
A cidade da Victoria, a quem a natureza
dotou de uma das mais bellas bahias deste conti-
nente, está em muito más condições de bygiene.
- 189 -

Além daquellas enfermidades o beriberi é alli


endemico desde muitos annos e ultim:imente tem
se estendido á quasi todo o Estado.
O sali~s populi suprema lex é cousa de que
muito pouco se preoccup,a a ~e publica.
Diversas capitaes não têm serviço de exgottos,
nem mesmo de abastecimento de agua.
E as poucas cidades que os possuem - são tra-
balhos ainda feitos no tempo do Imperio.
rrodos os melhoramentos que existem nos Es-
tados do norte, no tocante a saude publica, com
raríssimas excepções, vieram da Monarchia.
A Republica não caminhou um passo para
diante; e um ou outro trabalho que ha empre-
hendido está incompleto ou com as obras suspen-
sas por falta de verba. E isso depois de ter-se
gasto immenso dinheiro !
A. Na-ção vive no emtanto acabrunhada por im-
postos os mais vexatorios e tudo é pouco para a
manutenção da longa cauda de thuriferarios das
dynástias estadoaes .
Nada chega para attender aos melhoramentos
os mais indispensaveis.
O povo que pague e que se livre das epidemias.
Alguns Estados emittiram apolices (de ·2q/J e 5~)
para com o producto dellas realizarem certos me-
lhoramentos reclamados pela bygiene.
Infelizmente nada conseguiram, apenas perde-
ram o tempo e o dinheiro !
-190 -

O lazareto de Tamanchtré, em Pernambuco,


cujos trabalhos acham-se suspensos desde 1897,
ainda está com todas as obras por acabar .e algumas
por começar, depois de ter-se gasto 2. 600:000W .
E segundo o orçan;iento feito pelo engenheiro offi-
cial, ainda são precisos 2. 568: 260$295 para a
conclusão das obras! (4)

(4) Tendo o ministro do Interior expedido um aviso


em 1897 ( 30 de Outubro), formulando diversos quesitos
ao illustre engenheiro Dr. Eugenio de Andrade e pergun-
tado, ·entre outras cousas, se a parte construida permittia
desde já a installação de um serviço sanitario mesrno provi-
sorio, obteve a seguinte resposta:
« A parte construida não póde, em caso algum, . àdmittir
urn_a installaç_ão immediata do serviço de purgação de qua-
rentenas.
« Q,uer se trate de um serviço definitivo, quer se co-
gite de uma installação provisor.ia, é indi spensavel que a
medida prophylactica, que se traduz pela sequestração do
individuo suspeito, se applique · por completo no que con-
cerne aos rigores sanitarios. »

« Ao lazareto de Tamandaré faltam justamente alguns


desses elementos indisp ensaveis, e 11ão seria facil sup-
pril-os com os recursos Jocaes. O pão, a carne e outros
generos de pl'imeira necessidade só di:fficilmente e a inter-
vallos· r elativamente . grandes poderiam ser forn ecidos pelas
povoações visinhas »
Em uma palavra, todas as obras estão por concluir e
algumas ainda por fazer, taes como a construcção de um
hospital para molestias communs, de um novo galpão para
a 3a classe, da lavanderia, etc .
191

O serviço dos exgottos nas poucas capitaes,


a 'l uem os governos do antigo regimen dotaram
deste melhoramento, está quasi de todo abando-
nado e é uma ·ãas maiores vergonhas da Repu-
blica.
E isso devido não só á falta de fiscalização,
como principalmente a baixa do cambio, o que ha
contribuido para que as emprezas não possam dar
cumprimento aos seus contractos.
A « Recife Drainage », na capital de Pernam-
. buco, lucta com os maiores embaraços financeiros
e tem se descuidado quasi completamente de suas
obrigações.
A grande escassez de agua, que se nota em
todas as capitaes do Norte a Snl, é tambem um
dos principaes factores da deploravel situação
destes a p parelhos sanitarios.
Todos elles, deficientes para o perimetro das
cidades e antiqua.rios para a época, estij,o em tal
abandono que constituem mais uma ameaça do que
um beneficio á salubridade publica.
A este respeito a capital da Bahia acha-se
ainda em peiores condições do que o Recife.

O distincto engenheiro, no orçamento que faz das cles-


pezas que são necessarias para a conclusão do lazareto,
orçamento que vem exarado n·a pag. 423 do relatorio do
ministro do Interior, em 1898, conclue que é preciso ainda
despender-se 2. 568:260$295 para o complemento das obras,
isto é, quasi o dobro do qite }á se tem gasto alli !
192

Do calçamento das ruas pode-se dizer de todas


estas cidades o que diz das ruas do Recife o Ins-
pector de hygiene de Pernambuco « não ba um
metro quadrado de superficie, sem um buraco capaz
de arrebentar eixos e molas dos vehiculos. »
O serviço de limpeza das ruas, da remoção do
lixo, do matadouro, todos os serviços de hygiene
em uma palavra, estão em condições deplorabi-
ssimas !
E o que é mais doloroso, para aqnelles que têm
amor a esta patria, é que tudo isso vai de mal a
peior !
Primeiro, porque nestas províncias não ha ver-
dadeiramente instituições sanitarias, apenas alguns
funccionarios encarregados de velar por um certo
numero de posturas sobre hyg·iene, preceitos que
a politicagem não deixa cumprir quando attingem
algum c0rreligionario, como confessa em seu rela-
torio o digno Inspector de hygiene de Pernambuco.
Segundo, por que estes pobres funccionarios,
por melhores que sejam os seus esforços, são fre-
quentemente manietados no perennal confl.icto das
autonomias, qne constituem a essencia destas in-
stituições !
A esphera de acção, por exemplo, das aucto-
ridades sanitarias federaes nos Estados é muito
restricta.
E, depois, não ha um codig·o sanitario, uma lei
geral que trace os limites dos funccionarios dos
- 193 -

três poderes ; de modo que não se sabe onde-


começa, ou onde termina a competencia de cada.
um delles.
Q'uando a auctoddade sanitada est adoal tem de
recorrer á federal, encarregada da hygiene marí-
tima, esta nem sempre está auctorizada a attender
com promptidão á suas solicitações muitas vezes
urgentes; precisa consultar ao governo da União,
que de ordinario só responde tardiamente. E peior
ainda se é o funccionario federal que recorre ao
estadoâl.
Acontece, por exemplo, entrar em um dos
portos do Norte um vapor, trazendo um ou mais
doentes de febre amarella ou de outra affecção
contagiosa, indivíduos que iàm mesmo com destino
áq uelles portos e que adoeceram a bordo ; o com-
mandante do navio quer deixal-os em terra, mas os
hospitaes e as auctoridades sanita.rias .terrestres
não aceitam-nos, nem podem aceitai-os, por ir de
encontro isso aos regulamentos das repartições sani-
tarias estadoaes e municipaes. Os delegados sanita-
rios màritimos, por sua vez, vêm-se embaraçados ,
ou por falta de hospital de isolamento, ou por falta
de auctorização do governo federal para abril-o, sem
previa sciencia do ministro.
A regra, diz o InspectÓr de w~ ~~~~i~'~~-~~~~-
nambuco , (em seu relatorio de · não
. a solicitada auctorização com a eza .q ue o a
snmpto requer. »
13
- 194 -

Ha llllS quatro annos ~traz, relata o distincto


Chefe da Repartição sanitaria estadoal de Per-
nambuco, o Dr. R. Galvão, nas pags. 6 e 7 de seu
relatorio, de 1898 : « tambem não foi possivel
obter-se resposta immediata do respectivo minis-
tro, quando um paquete portug-uez desembarcou
aqui dous doentes de febre amarella vindos do
Rio. Pediu-se com toda a urgencia auctorização
para abrir-se o lazareto do Pina; e como não
viesse · resposta e o comm.andante do paquete de-
clarasse que abandonaria os doentes em uma
lancha no Lamarão, visto como tinha de seguir
sua derrota para a Europa, o governador então,
sob sua responsabilidade e por acto arbitrario,
mas perfeitamente justificavel e deante dos pe-
rigos que ameaçavam a cidade, mandou abrir o
Lazareto. »
« Tres dias depois, quando o paquete já devia
andar proximo de S. Vicente e um dos doentes já
havia sido enterrctclo, responde · o ministro ... per-
guntando quanto era preciso para abrir-se o Laza-
reto !. .. »
« Estes factos reproduzem-se frequentemente
todas as vezes que daqui se pede para o Rio qual•
quer providencia urgente, mesmo em outros ramos
de serviço. Ainda ha pouco tempo deixou-se de
arrecadar o imposto de fumo á falta do respectivo
sello ; e mais recentemente ainda teve lugar o caso
estranho e unico ela suspensão elo trajf go de imia
- .195 -

i mportcmttJ via ferrea , â j cilta de grax a e carvão,


apesar dos reiterados telegrammas do director, que
nunca poude obter resposta antes de tomar a gra-
vissima medida de fazer cessar o movimento da
linha. »
« Se passarmos aos municípios do interior, a
situação resume-se nisto: muito ou pouco que arre-
cadem elles, por meio de orçamentos vexatorios e
inconstitucionae::;, tod.a a_renda é exclusivamente
destinada ao pagamento de fünccio~arios que, por
via de regra, são cabos eleitoraes ao serviço düs
chefes politicos locàes, quando não são estes
mesmos chefes, seus filhos e parentes proximos os
proprios empregados.
« Esta é a historia de todos os municípios deste
Estado, a cujo governo os prefeitos e as influencias
politicas se dirigem pedindo dinheiro á proposito
de tudo; especialmente quando apparecem peque-
nas epidemias, causadas muitas vezes pela falta de
limpeza, decorrendo da incuria e desidia dos que
devem fazer cm:npdr as posturas e ainda devidas
aos pessimos costumes hygienicos das ·populações
r11raes. »
Tendo o Director do ex-Instituto Sanitario
Federal se dirig·ido aos governadores estadoaes e
ás anctoridades sanitarias em 1896, para que lhe
remettessem uma pequena noticia sobre o grau de
salubridade das respectivas capitaes, ou alguns
dados nest!3 _genero, apenas de quatro capitaes
- 196 -
obteve alguns esclarecimentos e est~s mesmos in-
sufficientes.
Foram de S. Paulo e Onro Preto, no sul ;
Maceió e Recife, ao norte!
A repartição de hygiene da Bahia respondeu
dizendo « não poder acudir ao appello feito por
não ter os serviços em questão definitivamente
organizados. »
A elo Pará respondeu n,os seguintes termos:
« E' nosso desejo estreital' as nossas relações
com o Instituto que tão sabiamente dirigis, ápro•
veitando o ensejo para pedir o vosso auxilio nesse
sentido . A nossa repartição vai entrar . breve-·
mente em. completa reorganização; por e::,sa occa-
sião teremos · o prazer de enviar-vos o regulamento
e bem assim os boletins estatísticos do Laboratorio
de Analyses e Bacteriologia». (5)
Este officio tem a data de ] º de Maio ele
1896 ; até 1897 o Instituto Sanitario Federal
nada recebêra !

(5) Annuario de Estatística Demographo-sanitaria, pn-


blicaclo ejn 1897, pelo Dr. Bulhões ele Carvalho, clemogra-
phista do ex-Instituto Sanitario Federal, pags. 6 e 7.
- · 197

II

ESTADOS DO SUL

· E' nos · Estados meridionaes que a situação


,sariitaria mais tem-se aggravado neste ultimo
.<lecennio !
A febre · amarnlla, que até 1888 circmnscre-
. via-se ao littoral, acommett_eu · Campinas naquelle
mesmo anno e irradiou-se, especialmente de 1890 .
. em . diante , por diversos pontos do interior ele
S. Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Espírito Santo
e de ani;i.o a anno extende os seus funestos domí-
nios á novas localidades, de terra e mar.
Só a cidade de Santos, cuja população é apenas
Bstimada em 38.000 habitantes, perdeu nestes dous
lustros de Republica cerca de 7 .000 pessoas pelo
typho icteroide, numero igual á toda a mortali-
dade, nos nove ultimos annos do Imperio na cidade
do Rio de .Janeiro, cuja população era naquella
época de 550. 000 habitantes!
Se addicionarmos os demais obitos por febre
. amarella que tem se dado nestes dez annos em todo
- "198 -

o Estado de 8 . Paulo, n:;t matta ele Minas, nos


Estados do Rio de Janeiro, E1?pirito Santo· e Paraná.
veremos que a cifra obtida vai acima de 35.000
mortes - algarismo superior ao total mortuario em
todo o paiz por aquella molestia nos ultimos qua-
renta annos da Monarchia !
O anno de 1889 foi com effeito o mais fatal para.
este paiz; ao lado da Republica, trouxe-nos muitos
outros fl.agellos, que são o complemento do grande
erro de 15 de Novembto.
A peste e a miseria não tardaram em visitar
as nossas mais prospe'r as províncias, onde a lucta.
pela vida vai se tornando cada vez mais difficil.

ESTADO DE S. PAULO.- A Lei n. 240 de 4 de


Setembro de 1893, que reorganizou o serviço sani-
tario do Estado, pa~tilhou-o entre o · Estado e o-
municipio.
Inspirada no respeito á autonomia municipal
que · a Constituição consagra, diz o director do-
Serviço Sanitario de S. Paulo, -« ~sta divisão não
deu os fructos que della se devia esperar, e bem
poucas foram as camaras que comprehendendo o inte-
resse que devem merecer as questões attinentes . á
sande public'a, zel9'ram della com o devido cuidado.
O abandono em que se achava quasi que por toda a
parte o serviço de hygiene, impnnha como uma ne-
cessidade imprescindível a intervenção do Estado.
A Lei n. 432 de 3 de Agosto de 1896 veio
199 -

satisfazer esta aspiração, habilitando o governo


com maiores poderes para intervir alli onde se :fi-
zesse precisa sua influencia. » (1)
Entretanto, neste mesmo relatorio o illustre
director reconhece quão fallazes eram as suas
esperanças.
Na pagina 9 do importante documento, apre-
sentado em 1897 ao secretario do Interior, vê-se
claramente que a nova reforma pouco ou nada me-
lhorou no cahos que reina 'por toda a parte - este
estado de anarchia -decretado pela propria Con-
stituição da Republica.
« São bem conhecidas as condições deploraveis
da maioria das nossas cidades do interior, onde ao
completo desprezo que mostram as populações pelos
mais rudimentares preceitos da ·hygiene, vem jun-
tar-se não raro a incnria e a indifferença com que
encaram as camaras as questões referentes a sande
publica. E' esse incontesta velmente o factor princi-
pal e que mais voclerosarnente tem concorrido para
o desenvolvimento das epidemias que periodica-
mente nos assaltam » ..•
« Infelizmente sem quererem ver que a gra-
vidade da situação reclama no interesse de todos

(1) Annexo II ao relataria apresentado ao Sr. Pre-


sidente do Estado de S. Paulo em 15 de Março de 1897
pelo secretario elos Nego cios do ~nterior, pag. 5
- 200 -

úm esforço serio com mum, afim de sanear-se as


nossas cidades e· varrer dellàs de uma vez o :fl.agello
que tantos males nos tem causado, algumas camaras
municipaes, ao envez de congTegarem-se em torno
do governo, prestando-lhe todo o seu apoio e con-
curso para facilitar a tarefa em qne se mostra
-empenhado, arnwrn a resistencict e, 1nelindraclas,
procuram , por um: mal entenclicio sentim,ento ele
autononiia, embctraçar e crear obstaculos á siw
intávenção para execução daquillo que ellas não
.qu,izerwn ou n ão puderam fazer. »
« A centralização do serviço de bygiene é idéa
vencedora por toda · a parte, e nem de outra sorte
-comprehende-se que possa ser esse serviço e:fficaz,
e dar o resultado que delle se deve esperar. »

« Se porém passada a quadra epidemica, volver


.a ficar entregue ás camaras municipaes :tão impor-
tante serviço, e tivermos sómente de agir por occa-
sião das explosões epidemicas, quando a molestia,
aproveitando as condições favoraveis ao seu desen-
volvimento, houver creado di:fferentes fócos, então .
teremos de continuar a ·assistir á essas manifesta-
ções periodicas, qne cada vez irão tomando maior
desenvolvimento. » (2)
A secção demographica do serviço sanitario de
S. Paulo vive em lucta continua com os escrivães

(2) Relatorio precedente, pags. 9 e 10.


201 -

'dó registro civil, com as camaras municipaes e


até mesmo com o pessoal das officinas typogra:-
phicas para poder dar o boletim mensal. (3)
A mortalidade na capital de S. Paulo foi em
1892 de 4.312 obitos, em 1893 de 4.817, em
1894 de 4.610, em 1895 de 4.654 e em 1896 de
6.613.
Não ha duvida que em vista do augment.o pro-
gressivo da p1)pulação este -accrescirno não é exa-
gerado.
Mesmo assim, nota-se _que o que faz crescer o
obituario naquella capital é o grande contingente
das molestias infectuosas ou . evitaveis, que têm
tomado grande desenvolvimento.
E com os bons recursos de que dispõe a admi-
,nistração sanitaria em S. Paulo, a melhor a:ppare-
lhada de todas, é de admirar que toda esta longa
série de a:ft_ecções infecciosas, que registram as
estatisticas demographicas daquella cidade, longe
de diminuir, como acontece ultimamente ein todos
os paizes cu}tos, tenha tido consideravel augmento.
A diphiteria, o beriberi eram, ha ,dez annos,
molestias quasi que desconhecidas em S. Paulo, e
actualmente já vão se estepdendo por todo o Estado .

(3) Relatorio apresEmtado ao Director Geral do Ser-


viço Sanitario de S. Paulo pelo Dr. J. Serva - 1895,
transcripto no relatorio do Secretario do Interior - 18fl6,
pags. 77 e 78.
- 202

A. febre typhica espe_cialmente . tem tomado


n_e stes dez annos um grande desenvolvimento na
capital, onde esta molestia e a tuberculose occu-
pam sempre a primeira linha do obítuario.
A grande maioria das febres daquella cidade é
de caracter typhoide, como tem sido demonstrado
pelo encontro frequente do bacillo de Eberth.
O numero de obítos occasionádos por esta en-
fermidade está na razão de 2 por 1.000 habitantes.
Em 1897 a febre typhica produziu 413 obitos sobre
um total mortuario de 5. 719 pessoas, o que corre-
sponde a 7 ,2 por cento, ou a decima q_uarta parte
do obituario total.
E' avultadissima a mortalidade de crianças em
todo o Estado principalmente na capital.
Na grande maioria das cidades e povoações do
interior de S. Paulo a mortalidade elas crianças
está na razão de 50 °/ da totaliclade dos obitos,,
0

isso devido especialmente as affecções · do apparelho


gastro intestinal !
Em 1896 houve na cidade de S. Pau1o 3.326
obitos de crianças sobre um obituario de 6.306 ; -
52, 73 °Jo.
No anno seguinte deram-se 3.067 obitos in-
fantis, para um total mortuario de 5. 719 pessoas;-
53,6 °/o da mortalidade geral !

SANTOS. - A laboriosa cidade de Santos tem


sido uma das mais fiagelladas pelas molestias
- 203 -
infectuos:ts no clecennio vigentfl, especialmente no
primeiro qninquennio (1891 a 1895).
A febre amarella, a malaria, a tuberculose e
a variola são as entidades morbidas que maior
numero de victimas fazem.
Santos tem uma população ele 38. 000 habitan-
tes e no emtauto nestes nove annos apresentou
o seguinte quadro mortuario, onde só o typbo-
icteroide occupa um espaço consideravel :
Annos Obitos J)Ol" Obitttario
febre amarellrt Total
1889 ..... . ..... 627 1.712
1890 .... . ...... 51 896
1891. . . ........ 1.019 2.477
1892 . .......... 1.823 4·254
1893 ... .. ...... 1.668 3.524
1894 .. .. ... ... . 172 1.440
1895 ........ .. . 1.058 2 .574
1896 .. .. ....... 435 1.780 .
1897 ...... . . ... 34 1.459
1898 ........... 343
Somma ....... 7.230 20 .116 (4)

Por esta tabella_, que é ,official, vê-se que a


febre amarella representa mais de um terço de todo
o obituario, chegando mesmo · em alguns annos
a representar metade ou qnasi metade do total
d'aqnelle.

(4) Relatorio da Commissão do Serviço Sanitario em


Santos, apresentado ao Director Geral do Serviço Sanitario
de S. Paulo pelo Dr. Tolentino Filgueiras, 1896. O obitua-
rio total de 1898 foi superior a 1. 500 obitos.
- 204 -

Reunindo aos obitos po:i,: esta molestia todos os


outros determinados pelas demais molestias infe-
ctuosas, taes como tuberculose, febres eruptivas, ma-
laria, febre typhica, diphiteria, erysipela infecciosa,
septicemia, coq uelnche, beriberi, etc.,.ver-se-ha que
dous terços dos inhumados naqnella importante
cidade, sobretudo nas épocas de febre amarella ou
varíola, são victimados pelas molestia zymoticas
ou evitaveis !
O que quer dizer - se alli hoqvesse hygiene,
Santos seria a cidade mais saudavel de S. Paulo
. e uma das mais saudaveis do Brazil !
A variola, que de 1886 a 1890 tinha feito apenas
396 obitos, fez succnmbir de 1891 a 1895, 96 5 pes-
soas; fazendo só no anno de 1892, ·863 mortes.
Quando o Estado dispunha dos maiores recur-
sos pecuniarios, em virtude da grande alta a que
chegou o nosso principal próducto de exportação ,
os detentores do poder nunca se lembraram do
sanearnen to da importante cidade, que, ao mesmo
tempo que exportava café para o exterior, enviava
tambem a febre amarella para o interior.
E sóm ente agora que o futuroso E stado se
acha em lucta· com a maior •crise financeira e eco-
nomica que tem atravessado, é depois que a febre
amarella abriu o seu vôo tenebroso por quasi todo
o Estado, é que se lembraram de nomear uma
commissão para estudar as medidas necessarias
ao saneamento de Santos.
- 205 -

Pantanos e terrenos alaga diçoE;i encontram-se


qnasi no centro da cidacle.
Havia tal escassez de agua, até Agosto
do anno passado, que frequentemente ficava a
população privada do precioso liquido durante
muitos dias seguidos. E, mesmo depois que
inauguraram o novo reservatorio na serra do
Cubatão, um telegramma para, S. Paulo dizia
que o povo era mais perseguido pela falta d' agua
e pela agua de má qualidade do · que pela peste
bubonica !
O lixo accum nl a-se nos fundos das · casas, e
nas proprias mas e praças durante muitas horas
seguidas.
Santos, como o Rio de Janeiro, sempre primou
pelo grande numero de cortiços e estabulos ; mas
de dez annos para cá . este numero tem crescido
extraordinariamente.
Uma famosa Companhia de .M elhoramentos,
com quem a Camara Municipal contractou o ser-
viço de exgotto, fez taes obras e liga tão pouca
importancia aos seus compromissos; q ne a situa-
ção dos exgottos daquella cidade é talvez a causa
principal do desenvolvimento das epidemias ulti-
mamente supportadas pela população.
'rodos estes factos que acabamos de assignalar
são plenamente confirmados pelos documentos offi-
ciaes, em seguida transcdptos, e que vão muito
além das nossas allegações.
- 206 -

As construcções que sê vão levantando pela


cidade, diz o Dr. F. de Q. Carneiro 'Mattoso, digno
inspector sanitario, em seu relatorio « continuam
a não obedecer a um plano hygienicó, o que facil-
mente poderia dar-se, se a Oamara Municipal qui-
zesse pôr em pratica nm bem combinado systema de
posturas. ~,
« Não ha o ·menor. preparo do terreno e conti-
nuam a fazer casas com accommodações sem ar e
luz. As ruas e ·praças da cidade jazem em estado
pouco hygienico, apesar -das reclam ações feitas á
municipalidade pela commissão do serviço sanita -
rio. O serviço da varredura das ruas e remoção
do lixo das casas particulares, serviço a cargo da
municipalidade, continua a ser pessimo e feito sem
cautela alguma. O lixo fica depositado durante
horas e horas nas ruas, soffrendo a acção do calor
e desprendendo um odor bem pouco agradavel. O
Cerniterio de P~quetá, condemnado pela commissão
sanitaria e pela propria Oamarn Municipal, conti-
nua aberto a enterramentos». (6)
No peritnetro da cidade veem-se extensas qua-
dras de te11renos baix:os e alag·adiços, onde atiram
o lixo e todas as irnmnndicies. Noutras quadras,

(5) Relataria do Dr. F. de Queiroz C. Mattoso, apre-


sentado ao Chefe da Cornrnissão do Serviço Sanitario ern
Santos e tl'anscripto nas pags. 63 e 69 deste relatorio -
1896, annexos todos ao do secretario do Interior do Estado
de S. Paulo - 1896.
- 207 ~

diz o proprio inspector sànitario o Dr. Mendes Costa,


em seu relatorio - o matto cresce cerrado e as val-
las cheias de agua putrida e estagnada que lhes
serve de fecho, constituem verdadeiros fócos bacte-
riologicos e, pelas emanações que exhalam, tornam-se
intoleraveis aos moradores adjacentes. (6)
Este espectaculo vê-se em diversos pontos do
perímetro da propria capital da Republica!
Um dos factores mais poderosos da insalubri-
dade de .Santos é a grande escassez do abasteci-
mento de agua.
A municipalidade não obriga a companhia, en-
carregada desse serviço, a cumprir as clausulas
do contracto, de modo que mesmo nas casas de um
só andar, até quatro mezes atraz, o consumidor,
que paga para ter agua, era obrigado a despeza
diaria de uma pessoa para fazei' funccionar uma
bomba situada no rez do chão, como informa em
seu relatorio o illustre chefe da commissão sani-
taria daquella cidade. (7)
Mesmo nas casas terreas torna-se quasi inutil
intimar aos proprietarios a collocação de caixas de
agua para lavarem os apparelhos sanitarios, porque
a agua nunca os attinge, como confessa o proprio
inspector sanitario no alludido documento :

(6) Relatorio do Dr, Mendes Costa, inspector sanitario


em commissão, 31 de Dezembro de 1895.
(7) O mesmo relatorio, transcripto · na pa'g. 50 do rela- ·
torio do Chefe da Commissão Sanitaria de Santos, 1895.
- 208 -

« São realmente desesperadoras as circumstan-


cias da popnlação durante uma epidemia e em pleno
verão1 q_uando a agua falta completamente por
alguns dias.
Devido- a escassez desse liquido, tivemos, ha
alguns mezes, occasião de presenciar bem trist e
espectacnlo.
_l\fanifestando-se incendio em algumas casas ter-
reas da rua Bittencourt e comparecendo prompta -
mente o pessoal de bombeiros, e~te viu-se forçado a
cruzar os braços, isto é, praticamente nada fazer,
porque não houve meio de conseguir levar a agua
aos telhados das casas incendiadas ! » (8)
O serviço de exgotto em Santos é uma irrisão;
serviço daq uella ordem seria preferi vel não possnir.
Na situação em que se acha actualmente, a rede
de exgotto daquella cidade é um dos maiores fócos
de infecção , que alli existe. ·
Por est as palavras de um officio do mesmo chefe
da commissão sanitaria estadoal á municipalidade,
vê:.. se até que ponto tem chegado o desleixo nesta
pessima rede de exgottos ·:
« Cidadão.-Attendendo a.o. vosso a.mor pela sa-
lubridade da cidade , que é vosso berço natal, e ao
vosso ,cargo de presidente da municipalidade, venho

(8) Relatorio . do Direetor Gera] do Serviço Sanitarío


de· S. Paulo (p ags. 40 e 41) annexo ao relatorio do Secre-
tario do Interior do Estado de S . P aulo , 189G.
- 209 -

por este reclamar-vos contra o mau estado dos ex-


gotto.s desta cidade, e a desidia criminosa da Com-
panhia Melhor::tmentos. Esta , além de faltas gTaves
no cumprimento , do . seu contracto, como bem o
sabeis, abandonou completamente o serviço, pois·
não se encontra pessoa ·com quem se possa entender
a respeito, além de que a parada ela casa de 1na-
chinas, como tivemos hoje occasião de verificar em
companhia do illustrado chefe da commissão de
saneamento, e seus dignos ajudantes, é disso mais
uma prova. »
« Nesse estabelecimento apenas foram encon-
trados dois empregados, um delles machinista, que
nos disse estar ella sem funccionar desde fins de
Junho » (dois mezes é meio!)
« Comprehendeis, facilmente, que este facto
traz comsigo a replecção dos collectores, galerias,
etc., demonstrada pela sahicla ele líquidos pelo ladrão,
? que é completamente vedado pelo contracto feito
com a municipalülade. O perigo que poderá advir
d.isso não é preciso vos esclarecer para que tomei::,;
as providencias energicas e immediatas que se
fa~em urg·entes, para livrar a população desta ci-
dade de mais um flagello. » (9)

(9) Relatorio precedente, pag. 40. O corpo legislativo


de S. Paulo já a11ctorizou o governo claquelle Estado are-
formar completamente o serviço de exgottos de Santos ; mas
até hoje continna aquella situação vergonhosa, não obstante
frequentes reclamações do publico e da companhia elas Docas.
<1° VOLU~IE
210 -

O illustre engenheiro Dr. 'Fuertas consignou


em seu relatorio os grandes vícios de installação
e funccionamento destfl detestavel rede de exgottos.
Entre outras cousas diz na pag. 77 daq_uelle do-
cumento :
« Os resultados da inspecção feita na estação
de machinas ( da Companhia) e nos canos de ex-
gotto provam que a agua do subsolo penetra nes:;,es -
canos em grandes quantidades, e vice-versa - os
canos deixam extravasar seu contendo no subsolo,
polluindo-o.
Não póde haver uma revelação mais grave do
que esta, em documentos officiaes ! (10)

(10) Ha ruas como a de S. Leopoldo em que ha mesmo


cont1;adeclive nos encanamentos de alguns predios.
Muitos predios mesmo em ruas . centraes da cidade
t êm latrinas assentes sobre vallas, apesar de frequentes
intimações do inspector sanitario em commissão, e isso
porque a companhia não attende as solicitações dos pro-
prietarios. Mesmo em muitas casas já ligadas á rede de
exgotto e providas daqnelles apparel.b.os o proprio inspector
sanitario tem verificado a existencia de latrinas collocadas
sobre vallas, como se via ainda ha bem pouco tempo e se
vê ainda hoje nas ruas de S. Bento, S. Leopoldo, Marquez
de Herval, Frei Gaspar, Praça Andrada e algumas outras
ruas.
Os moradores oppunham-se ao fechamento destas la-
trinas, porque as da companhia, ficando obstrnidas muito
frequentemente e não tendo agua suffi.ciente para a des-
carga, torrÍavam-se intoleraveis e até perigosas pelas ema-
nações mephiticas que exhalam.
- 211 -

INTERIOR DE S. PAULO. -O typho amarello que


tinha-se manifestado em Campinas em 1888, e alli
cansado grandes damlios, não tardou em ir contami-
nar as cidades e povoações visinhas e mais tarde em
irradiar-se por grande parte do florescente Estado !
E' assombroso o prejuízo que resulta para o
cominercio e 'a população, deste fl.agello terrível,
que desapparecerá certamente no dia em que
houver hygiene e governo neste paiz.
Cidades das mais prosperas e importantes do
_o este, como Campinas, Rio Claro, S. Ca,rlos do
Pinhal, Descal vado, Mogy-mirim, Casa Branca, etc.
têm sido visitadas diversas vezes e algumas quasi
que annualmente pela fatal enfermidade !
Já não é sómente o oeste, diversas cidades
do norte do grande Estado vão pagando o seu
tributo ao germen amarelligeno.
Ha lugares em que a molestia tem sido au-
tochtone nestes ultimos annos, pela reviviscencia
dos germens restantes de epidemias anteriores.
Belém do Descalvado é um destes ; teve uma
epidemia em 1889 que demorou-se dois mezes,
uma em 1892 que durou cinco mezes, uma em 1893
que grassou durante cinco mezes e outra em 1894:
cuja duração foi de tres mezes e meio.
A primeira destas epidemias fez succumbir
24,76 º/ dos doentes e a ultima 34 º/o•
0

Quanclo a molesFa já não póde ser occultada


e enceta francamente a sua tarefa destruidora
- 212

é que apparece uma commis-sã.o sanitaria, nomeada.


pela administração estadoal.
A municipalidade, que. vê nisso um ataque á
sua aut0nomia, long·e de · auxilial-a, crea-lhe os
maiores embaraços. Algumas commissões foram
despedidas na p1:opriá estação; ao des,e mbarcarem;
e houve mais de uma que só por misericordia divina
escapou de ser aggrediua · physicamente ! (11}
E eis o regimen ela saucle e fraternidade !

(11) Em 1896, estando a futurosa cidade de S. Carlos


do Pinhal sob a imminencia de uma nova invasão epide-
mica, pela sua proximidade de Araraquara, onde grassava
com grande intensidade a febre icteroide, a Directoria Sa--
nitaria de S. Paulo enviou áquella cidade o Dr. Evaristo
Bacellar, inspector sanitario, afim ele estabelecer a hygiene-
defensiva.
Esta medida longe de ser aceita pela camara muni-
. cipal daquella cidade, diz o Dr. Vieira de JYiello em seu
relatol'io : - despertou naquella corporação animosidade
contra o Governo e a Directoria Sanitaria, a tal ponto que ·
o inspector sanitario foi recebido na estação por um fiscal
da Intendencia que lhe declarou serem alli desnecessarios
os seus serviços, podendo regres:iar logo que lhe approu-
vesse. »
Grassava nesse mesmo anno uma forte epidemia de·
febre amàrella na cidade do Rio Claro, quando o inspe-
ctor sanitario estadoal recebe um telegramma ela Directo-·
ria Sanitaria pondo a sua disposição 10:000$ para auxi-
liar as despezas contra o mal.
Conhecedor desse telegramma, diz o Dr. Evaristo da.
Veiga, inspector sanitario : « o cidadão intendente muni-
cipal declarou-me que se abstinha d~ continuar a auxiliar-
a commissão e que não se envolvia mais na lucta contra·.
213

ESTADO no R10 DE JANEIRO. - Este Estado foi ·


·o primeiro que organizou o seu serviço de assis-
tencia publica; de sorte que quando o governo da
União declarou extincta a antiga Inspectoria de
hygiene que alli mantinha o Imperio (Decr. n. 554
de 19 de Setembro de 1891), já o Estado do Rio
tratava de precaver-se.
Entretanto, só em 1897 (Dec. estadoal n . 384
-de 19 de Junho) 'foi que regulamentou-se o serviço
-da estatística demogTapho sanitaria !
A carencia de dados que nã·o são remettido s
·p elos escrivães do registro civil , como acontece
nos poucos E stados onde . ha este serviço ; causa
-0s maiores embaraços a.os demographistas, tor-
nando as estatísticas muito incompletas e de-
ficientes .
O Esta,do do Rio, cujas cidades eram outr' ora
tão prosperas e que sempre primaram, .em sua
grande maioria; por um certo grau de limpeza
,e asseio em snas ruas, figura ig ualmente· entre

:a epidemia, como tinha feito desde a sua apparição, por


,jul gar que a r emess a ele clinheiro ao· inspe ctor sanit ario
-offen dia a clig-niclacl e da Gamara. Jl
E, emqnanto a epidemia este ndia-se por t oda a cicl aele,
.abria-se um confli cto s erio entre a nmnicipalielacle e a com-
n;iissão sa_:nitaria, a qt1al foi avisada elo qlle se preparava
-qu alq t1er movimento contra ella ; e tudo isso por uma
que:5tão ele clinheirn ! . Annex o II elo r el. do secr etario elo
Interior, de S. P anlo, 1897.
214 -

as victimas da falta de hygiene e · da incuria,


que constituem o estado normal na Republica.
0antagallo, Rezende, Parabyba do Sul, Vas-
souras, Macahé, etc., têm sido visitadas diversas
vezes pelo vomito preto, ao qual algumas dellas
deveram os dolorosos sacrificios.
Em documento official apresentado na -primeira
parté deste trabalho, já vimos que o cholera~
morbus, que appa.rece~ no valle do Parahyba · em
fins de 1894 e que podia ser logo extincto alli
mesmo, com os recursos de que dispõe a hygiene
moderna, estendeu-se a diversos Estados, graças
tão sómente á organização ou desorganizaçã.o ~a-
nitaria com que luctamos hoje.
Campos passava por uma cidade saudavel e
realmente nunca foi assaltada pela febre amarella,
apesar de estar tão proxima do littorai e desta
Capital.
Neste ultimo anno aqnella prospera cidade teve
a desgraça de possuir duas ou mais camaras muni-
cipaes a funccionúem ao mesmo tempo.
Ora, sendo as camaras municipaes da Repu-
blica, na judiciosa e insuspeita opinião do illustre
Director do Serviço Sanitario de S. Paulo, incon-
testavelmente o f actor principal e que mais podero-
set1nente ha concorrido parei o desenvolvimento da s
epideinicts qMe periodiccirnente nos assaltam , é facil
avaliar o quanto não ~offreria a florescente cidade
fluminense com esta duplicata de camaras !
- 215 -

Devido á grande baixa do cambio, ontra, des-


graça qne nos trouxe a Republica, a empreza, que
alli existe encarregada do serviço de exgotto e abas-
tecimento d'agna viu-se quasi forçada a suspen-
der o funccionamento .de suas ínachinas, por lhe
recusar .o Estado novos auxilias ; chegou mesmo
a suspender por alguns dias todo o serviço, o
que faz periodicamente.
Campos já tem pouco declive para o bom func-
cionamento da rede de exgottos, já sentia escas-
sez d'agua para a franca lavagem desses apparelhos,
imaginerse pois o espectaculo que se apresenta
naquellas occasiões e o quanto isso não ha oontri-
buido para o desenvolvi.m enta das manifestações
epidemicas e endemo-epidemicas, que ultimamente
tem victimado aquella florescente cidade.

MrnAs.-A antiga Inspectoria de Hygien.e da


província, apesar de desligada do governo da União
por Decr. n. 713 de 23 de Janeiro de 1892, con-
tinuou a funccionar até 1895, regida ainda pelo
Decreto federal n. 169 de 18 de Janeiro de 1890.
E sómente a 23 de Julho de 1895 '(Lei n. 114)
foi que o Estado de Minas organizou o seu ser-
viço sanitario, regulamentado pelo Decr. n. 876
de 30 de Outubro daquelle anno.
O serviço de hygiene feito pelas camaras mu:
nicipaes é em geral muito descurado, como re-
conhece o proprio secretario do Interior em seu
- 216 ,-

relatorio (12) e como se dá em todos os municí-


pios da Republica.
Minas é um dos Estados mais flagellados pelas
moles tias infectuosas nestes ultimos dez annos.
Antes de 1889 e de 1890 a febre amarella era
molestia desconhecida naquelle importante Estado.
Os micro bios do typho icte11oide vieram escol-
tan<'lo os immigrantes recebidos do Rio de Janeiro e
estabeleceram-se no uberrimo territorio mineiro,
que sempre foi conhecido como uni dos mais sau--
daveis do paiz.
Cataguazes e Leopoldina p~esenciaram verdà.:.
deiros hecatombes. As primeiras epidemias que se
manifestaram naquellas importantes cidades foram
das mais devastadoras.
Em Leopoldina · o panico chegou a tal ponto
que com g-rancle dif:ficuldade encontrava-se quem
fizesse transportar os cada veres para o cemiterio.
E de 1890 a esta data a febre . amarella pro-
pagou-se por quasi toda esta vastíssima e flores-
cente zona da matta, trucidando barbaramente
toda aquella população laboriosa que tanto tem
contribuído para o progresso do Estado.
Só no anno de 1895 succumbiram 2. 000 pes-
soas em toda a matta (Relatorio do secretario do
Interior de 1896).

(12) Relataria apresentado em 189G ao Presidente de


MLnas pelo secret:1rio elos Negocios Interiores , pag. 16.
- 217 -

A variola continúa a fazer as suas explosões


periodicas em todo o florescente Estado. Em 1895
assolou 18 municipios !
O impaludismo que é endemico entre nós, como
em toda a America desde os . tempos coloniaes,
tem-:-e apresentado em certas quadras do anno
com maior violencia, de modo que os accessos
perniciosos têm sido muito mais frequentes do
que outr' ora.
ToJos estes phenomenos, que se observam
igualmente em alguns outros Estados depois de
1889, explicam-se facilmente pela grande falta de
bygiene que se nota na maioria das nossas ci-
dades e povoações, ausencia absoluta de policia
sanita ria.
O Dr. Guilherme Peixoto, commissionado pelo
governo de Minas para dirigir o serviço de des-
infecção, em 1895, em importante cidade da matta,
flagetlada durante sete longos mezes por uma das
mais mortíferas epidemias de typho icteroide de
que ha exemplo em Minas, assim se exprime no
~eu relatorio :
« O serviço da limpeza _publica é comple-
tamente desconhecido nesta. cidade. Ha aguas
estagnadas, ha lixo, ha capim crescido, ha ani-
maes mortos em adiantado estado de decompo-
sição, ha mau cheiro, ha aterros feitos com
palha de ca.fé podre, fornecido por um engenho
que funcciona bem no coração da cidade ; só
- 218 -

não ha quem se compade'ça da sande dos seus


habitantes. >> (13)
Em grande numero de cidades e villas do in-
terior do Estado as latrinas são cavadas no sólo,
a poucos metros de distancia, muitas veze.s, dos
poços ou cisternas, donde retiram agLrn para os
labores domesticos, <:.omo se dá em todos os outros
Estados, sem excepção.
No em.tanto, os municípios dispõem actnalmente
de maiores rendas, que só têm servido , co mo em
todo o Brazil 1 para alimentar a politicag·em local.
Em Minas, como nos poucos Estados q_ne ten-
taram estabelecer um serviço demographico, as
grandes irregularidades e lacunas do registro civil
não permittem a confecção de estatísticas clemo-
grapho-sanitarias.
E a prova vemol-a no relatorio elo director de
Hygiene do Estado, o Dr. F. P. Barbosa:
« Ha districtos no Estado mesmo no mnnici-
pio da Capital, em q_ue não ha escrivão , e outros
em q_ue, tendo escrivão, não tem registro, porque
esse funccionario não tem livros p ara fazer os
lançamento s, q_ ne em sna maior parte, são sem -
pre defeituosos ; ora porq_ue o individuo que foi

(13), Relatorio apresentado ao Director de Hygiene , an-


nexo ao ralatorio apresentado ao Presidente do Estaclo de
Minas, pelo secretario do Interior em 1896, pag. 68 c1o an-
nexo · E .
- 219 -

fazer a declaração não sabia responder a todas


questões do registro, ora ( nos casos do registro
de obitos) porque não houve assistencia medica,
nem verificação de obito, que figura no registro
como tendo sido cansado por - fogo selvagem,
morte natural, parto, etc. (14)
Algumas cidades, de accordo com a Lei n. 145,
contrahiram emprestimos garantidos pelo Estado
para as obras de saneamento. E, como só . po-
dem contrahil-os nos termos do paragrapho unico
do art. 79 da Constitnição do Estado, resulta que
os munfoipios que dispõem de pouca renda , que
são justamente os que mais precisam de sanea-
. mento, ficam privados dos beneficios daquella lei,
que só favorece aos que dispõem de grandes re-
cursos ! Mas o que é sobretudo interessante e
bem caracterisa esta admiravel republica é o facto ,
unico 'n a historia dos povos civilizados, de ter o
actual presidente de Minas acabado com o serviço
sanita.rio do Estado, suppriniindo cdé a repartição
r:le hygiene, a qual cessou àe existir desde o anno
passado! ...
Apenas dois ou tres municipios possuem um ou
outro fnnccionario encarregado de zelar sobre algu-
mas posturas a respeito da hygiene ; isso mesmo

(14) Relatorio do · Dr. T. P. Barbosa, Director de Hy-


giene em Minas, 1896, annexo ao relatorio do secretario dos
Negocios Interiores, pag. 7.
~ 220 -

por conta da respectiva mimicipalidade e sob as


ordens desta.
A funcção do Estado limita-se actualmente
em nomear commissões medicas pará soccorrerem
as localidades :flagelladas pelas epidemias !

ESTADOS DO EXTREMO-SUL.- Em virtude do


art.- 3 . 0 das disposições transitorias da Carta de 24
de Fevereiro, e em vista do disposto no Decreto
Legislativo n. 438 de 11 de Julho de 1891, as
antigas Inspectorias de hygiene qne funccionavam
nas províncias do Paraná, Santa Catharinà e ,Rio
Grande do Sul foram desligadas da administração ·
federal, pelos Decrs. ns. 967 de 1 de Agosto de_
1892, 700 de 24 de Dezembro de 1891 e 1216 de
17 de Janeiro de 1893.
E a~sim desappareceram aquellas repartições,
que tão bons serviços nos haviam prestado.
O Estado do Rio Grande Sul facultou em sua
Constituição - o livre exercício de todas as pro-
fissões, independente de qualquer titulo ; de modo
que qualquer pessoa póde alli exercer livremente
a medicina, a pharmacia e a c~rurgia !
Por ahi já se póde avaliar o que é a hygiene
publica naqnella vasta circumscripção do territorio
brazileiro - e o que será nos ?tltros dois Estados
do extremo sul, que se inspiram na política do
grande Estado meridional.
- 221 -

O charlatanismo; que já era dos grandes males do


paiz, tornou-se uma verdadeira praga em todo o sul.
Se o doente escapa da molestia, difficilmente
escapa1:á do charlatão. -
O que aliás não é de admirar, quando na propria
capita1 da União - os spiritas, as benzedeiras, os
magicas e os fornecedores de passes rnagneticos, en-
costam os medicos e adquirem formidavel cTien-
tela, e da melhor gente desta terra !
Bella republica: adoravel democracia esta, onde
para ser sapateiro, ·pedreiro ou ferrador é preciso
conhecer bem o ofncio, menos para exercer-se a
medicina, ser estadista, ministro ou senador !
E é o mesmo paiz, que durante_ sessenta annos
passou como habitado por um povo civilizado !
As nossas cidades elo sul sempre gozaram durante
o extincto regímen ' de -fóros de muito saudaveis.
De 1889 á esta data todas ellas têm soffrido,
com muito menos intervallo elo que outr'ora, o
funesto assalto de, um certo numero de molestias
infecto-contag·iosas, e sem que- a hygiene publica
lhes opponha grandes obstaculos. As febres exan-
thernaticas (tendo •á frente a varíola), a febre
typhica, a turberculose, a dysenteria, a malaria, a
influenza, adquiriram grande incremento.
A febre amarella, até então desconhecida no
extremo sul, de 1889 em diante dizimou por
diversas vezes Antonina, Paranagná, S . Fran-
cisco e Desterro.
- 222 -

Antes de 1889 e de 1890 não se conhecia em


Curitiba a escarlatina, a febre deng·ue, a influ-
enza, etc., que trouxeram . tambem fortes contin-
gentes ao obituario destes dez annos. Como estas
affecções, a febre miliar e a diphiteria eram des.-
conhecidas outr'ora naquella bella cidade. Foram
levadas pelos immigrantes, graças a absoluta falta
de hygiene com que é feito o serviço de seu
desembarque e installação no Estado, como em
todos os mais da Republica..
A varíola tinha grassado em Curitiba ha mais
de meio seculo, quando era ainda aquella cidade
a cabeça da quinta comarca de S. Paulo.
Daquella data até 1889 nunca mais fez alli
uma só victima, nunca apresentou-se nem mesmo
esporadicamente.
Em fins de 1889, algumas praças de infanteria
recem-chegadas do Rio de Janeiro levaram o ger-
men da molestia para aquella capital, e, apesar de
todas as prov;idencias tomadas, estendeu-se por
toda a cidade, assumindo assustadoras proporções
e perdurando até Outubro de 1891 !
Foram acommettidos 2.011 indivíduos, cuja
mortalidad~ subiu a 15 °fo .
As crianças pagaram forte tributo; eram quas1
.todos filhos de polacos - e falleceram na razão
de 80 °/o• (15)

(15) Dr. J. Drumond dos Reis, These inaugural -1898.


- 223 -

A partir d'aquella data a variola tem feito


diversas incursões, sempre sob a forma epi-
demica, e ainda no anno passado victimou bastante
a florescente capital do Paraná, assim como diver-
sas cidades do norte e . sul do paiz.
A escarlatina, que é actualmente endemo-epi-
demica no Paraná, explodiu em 1890 naquelle Es-
. tado e devastou principalmente a capital até 1891,
conjnnctamente com o sarampão e a varíola.
E em Set_e mbro de 1895, graças a compla-
cencia de deixarem desembarcar em Paranaguá
uma familia vinda de Buenos-Ayres, com crianças
acommettidas de escarlatina e de deixarem-na se-
guir para Curitiba, sem que ao menos tomassem o
menor cuidado hygienico, aquella febre exan the-
matica vibrou novos golpes na população do líttoral
e daquella capital, e prolongou . os seus estrago~
até Novembro de 1896.
O hospital de isolamento conservou-se fechado;
e foi apenas devido aos esforços da classe me-
dica e da caridosa e humanitaria sociedade curi-
tibana, que a epidemia não tomou maiores pro-
porções, diz o Dr. D. Reis.
A hospedaria de immigrantes, em Curitiba é
ordinariamente o ponto de partida de grande nu-
mero de molestias transmissíveis, que têm alli se
apresentado nestes ul~imos annos.
Quem vin uma hospedaria de immigrantes na
Republica viu quasi todas. ·
- 224 -

Ellas primam, em geral, pela negação a mais


completa da hygiene, a começar _pelo immigrante.
A influenza trazida pelos colonos, irrompeu
em 1890 nos alojamentos dos immigrantfls e irra-
diou-se por toda a cidade.
Em 1891 houve nova explosão da molestia,
mas de:ssa vez com muito mais intensidade e disse-
minação, e, qnasi que pode-se dizer, que a ninguem _
poupou em Curitiba, segundo affi rma o Dr. J ayrne
dos Reis, illustre clinico alli residente. O Dr. Tra-
jano, notavel clinico naquella capital, avalia em
15 .000 pessoas as acommettidas, havendo uma
mortalidade de 6 °/ !
0

Familias inteiras inclusive os criados guar-


davam o leito ao mesmo tempo, sem terem quem
fosse á pharmacia, ou procurar um medico !
A febre typhica e a dysenteria são muito fre-
quentes nos tres Estados do Sul, devido em grande
parte as aguas de cisternas e a absoluta falta. de
hygiene nas margens dos corregos urbanos, onde
as auctoridades sanitarias consentem que se faça
despejo dos detritos organicos.
Em Curitiba, de 1890 a 1898, tem havido seis
epidemias de dysenteria; e é justamente quando
as aguas tornam-se lodosas e escassas que estas
molestias ir.ais se desenvolvem.
A bella capital do Paraná, o Desterro e muitas
cidades importantes do Rio Grande do Sul ainda
não possuem encanamentos d'agna nem rede de
- 225 -

exgotto, apesar do tão apregoado progresso que


emprestam aos Estados !
O lixo em todos esses Estados, é atirado, como
se faz na totalidade das nossas· cidades do norte
e do centro, ora nas portas da povoação, ora em
pleno perimetro urbano, para servir ele aterro aos
lugares baixos, a exemplo do que ~inda hoje se
vê na capital da Republica!
Os phenomenos de fermentação que se desen-
volvem são fac.tores importantes para a manutenção
dessa situação sanitaria, que acabamos de des-
crever.
No Rio Grande. do Sul, a escarlatina, a dysen-
teria e principalmente a ·febre typhoide e a tuber-
culose manifestam grandes progressos nestes ultimos
annos, segundo attesta em sua ultima mensagem
o illustre presidente daquelle Estado.
A importante cidade de Porto Alegre , uma das
mais bellas deste paiz, ainda não ponde ter um
serviço de exgottos, nem mesmo de encanttmento
d'agna; problemas estes que estão entregues, diz
o presidente, - ás cog·itações da administração
municipal.
E' bem verdade, Qonfi.rma o Secretario do In-
terior « estarem ainda domiciliadas entre nós, fa-
zendo victimas continua e desapiedadamente, certas
molestias transmissíveis ; e considero complicadis-
simo o problema do saneamento da nossa capital,
por achar-se ligado a melhoramentos materiaes a
15 4° VOLUME
- 226 -

•Cargo da municipalidade, os- quaes por serem dis-


pendiosíssimos, serão certamente um tanto retar-
dados. » (16)
Com os elementos de que dispomos actualmente
disse, em seu relatol'io, nos ultimos dias do g·overno
do Sr. Prudente de Moraes, o Director do Serviço
.Sanitario do Paraná « não podemos nos antepor ~o
desenvolvimento das molestias infe~to-contagiosas,
nem mesmo attenual - as, e teremos de assistir
inactivamente a sua marcha devastadora. Mas é-
.de suppor que com a mudança do governo federal
as cousas melhorem, a nossa moeda se valorise
·e então possamos montar um bo.m serviço de des-
infecção ».
E ainda mais desalentadora do que e~sa é a
linguagem de todas as auctoridades sanitarias dos
Estados, em seus relatorios.
Todas ellas do Amazonas ao Rio Grande, com
·duas ou tres excepções, se lastimam pela abso-
luta falta dos elementos mais comesinhos da hy-
giene publica, até mesmo de hospitaes de isola-
mento, pois os poucos que ainda existem ou estão
em ruínas ou em deploravel estado de conser-
vação !
E, a exemplo do distincto Chefe do Serviço
Sanitario de Curitiba, todos esperam pela subida

(16) Relatorio do Dr. João Abbott, secr etario dos Nc-


.gocios elo Interior e do Exteriol'; Porto Alegre, 1899.
227 -

do cambio, para ver se assim podem ao menos


adquirir alguns apparellios de desinfecção
E sempre o espectro financeiro a apparecer em
t odos os infortunios deste regímen !
Se é por_esse lado que esperam vir a salvação,
o melhor é resig·narmo-nos e pedirmos a Deus
Todo Podet·oso, qné se compad.eça de nós e nos
livre das epidemias !
Todos os recursos e todos os systemas the-
1·apeuticos já foram exgottados pelos doutores das
nossas finanças. - Os palliativos do Sr. Rodrigues
Alves, os drasticos do Sr. Bernardino de Campos,
as tisanas antidiabeticas do Sr. Felisbello Freire
-e toda a sciencia homooopathica do illnstre Sr. Mur-
tinho não produziram o , effeito desejado.
E, por ultimo, a~é o recurso extremo de . que
lançam mão os cirurgiões em situações desespe-
radoras, - a int~rvençã.o do fogo - foi de todo im-
proficua.
E já uma vez disse o pai da Medicina, - qu-ce
vero ignis non sanat , ea insanabilia reputara
-0vortet !
228 . -

III

DA VARIOLA E DA VACCINAÇÃO NOS ESTADOS


E DA OPHTHALMIA DOS RECEM-NASCIDOS

Um elos grandes flagellos que maiores claros


tem aberto na população do nosso paiz, desde os
tempos coloniaes até hoje, é a . variola.
"' O unico Estado onde ella exerceu menos intensa-
mente a sua acção devastadora, n~stes dez annos,
é S. Paulo, especialmente na capital.
Em_ todos os mais, quer os septentrionaes,
quer os meridiónaes, a variola continúa a fazer
estragos mais sensíveis do que no periodo mo-
narchico ..
O serviço de vaccinação é uma verdadeira irri-
são em todos os Estados, já devido ao desleixo das
massas populares, já principalmente aos governos
estadoaes e municipaes, que abandonam de todo
o interesse pE)la vaccinação.
Apenas nas capitaes dos Estados ha reparti-
çêtes encarregadas desse serviço ; isso mesmo nos
- 229 -

principaes. O povo muito pouco as procura e · ellas


por sua vez deixam-se frear em paz.
QLrnndo ha uma explosão da varíola é que então
lembram-se de mandar vir a lympha apropriada
para vaccinarem.
Ha lugares do interior onde não é com facili -
dade que se obtem a polpa vaccinica; mandam vir
e sempre tardiamente do Instituto Vaccinogenico
do Rio de Janeiro, de modo que quando come-
~am a vaccinar já a variola tem feito grandes
colheitas erp. vidas preciosas. Muito poucos se
revaccinani .
Nos Estados do -Norte especialmente muito
pouca gente nos lugares do interior se inocula.
·Haja vista os recrutas que para aqui vêm afim de
encherem os claros do exercito; são logo acommet-
tidos pela varíola. E o que é ainda mais entriste-
cedor é o grande numero de cegueiras incuraveis
que ha em todos os Estados determina<las por esta
moles tia.
Em algumas províncias do Norte, onde clinica-
mos, 30 °lo, dos ceglls tinham por causa a vadola.
No Ceará, Maranhão, Sergipe e Rio Grande
do Nort.e ·esta proporção subio a 32 °/~ e na Pa-
rahyba do Norte a 33 ºlo•
No Estado de Minas o nosso registro indica
25 º/
0
; no Paraná 16, 5 º/o e em S. J?aulo 18 º/o.
Nos Estados do Espírito Santo e Santa Catha-
rina a proporção era muito crescida.
230 -

.A grande maioria dos -cegos eram pessoas de


côr, com especialidade as crianças. O que deter-
mina a cegueira são ordinariamente cicatrizes na
córnea (leucomas).
Em nossa obra sobre os « Estados Pathologi-
cos do Organismo e Suas Manifestações Oculares, »
pltblicada em 1889, já chamavamos a attenção-
dos hygienistas para este importante assumpto .
(pag. 218).
No regimen monarchico, comquanto houvesse
sensíveis lacunas no serviço da vaccinação, não
se póde contestar o interes:3e que sempre tomaram
os poderes publicos a este respeito.
Já em 1820 expedia-se a 12 de Fevereiro,
circulares aos governadores das capitanias, or-
denando o estabelecimento de instituições vac-
cinicas.
Por Decreto Legislativo de i,2· de Setembro de
1826 foi sanccionada a resolução da , Assembléa
Geral; que auctorizava o governo a fazer todas as
despezas necessarias para a vnlgarisação da vac-
cina em todo o Imperio. Foi este até o primeiro
acto importante da legislação sanitaria do Brazil
independeu te.
Mesmo no petiodo regencial, ap·esar das agi-
tações políticas daquella época, os poderes publicas
nunca se esqueceram de tão importante ramo da
hygiene. Em 10 de Novembro <le 1831 a Regen-
cia expedia uma nova, circular recommendanclo aos
231

presidentes _de província, que expedissem as ordens


necessarias para que se puzesse em actividade o
emprego da vaccinação e que se remettesse a Se-
cretaria do Estado uma lista annual de todas as
pessoas vaccinadas. ·
Em 1845 (Lei n. 369 de 18 ele Setembro, art. 2°,
n. 30) ·foi o governo auctorizado a reformar o In-
stituto Vaccinico da Côrte e a estabelecer institutos
congeneres em todas as províncias, subordinados
ao do Rio de Janeiro .
De conformidade com o regulamento que acom-
panhou o Decr. n. 464 de 17 de Agosto de 1846 o
pessoal do Instituto tinha por fim não só o estudo
e a pratica da vaccina, como o seu melhoramento
e propagação.
Havia o Inspector Geral e uma junta vaccinica
nesta Capital, junta que era presidida pelo In-
spector e da qual faziam parte seis vaccinadores
e um secretario.
Na capital de cada província havia um com-
missario vaccinador provincial ; em cada muni-
cípio um commissario vaccinador municipal e
commissarios vaccinadores parochiaes em todas as
parochias on povoações onde houvesse pessoas
habilitadas, que desempenhassem taes funcções.
A introdncção da vaccina animal, grande
melhoramento, devido a iniciativa do Barão
de Pedro Affonso, data ainda do período mo•
narchico.
. - 232 -

Com a descentralização,_ do serviço sanitario


tudo cahiu por terra, e o serviço vaccinico como
todos os outros passou para os Estados.
Apesar de todos aquelles cuidados da nossa
legislação sanitaria no tempo da l\fonarchia, _a va-
riola fazia de vez em quando grandes estragos; um
pouco menos entretantü" do que nestes dez~ultimos
annos. ·
DA ÜPHTHALMIA nos RECEM-NAscrnos.- Um outro
assumpto importantíssimo da hygiene publica e para
o qual ha dez annos que chamamos a attenção dos
poderes competentes, e que tem sido de todo aban-
donado neste paiz, é a defesa prophylactica contra
a ophthalmia virulenta dos r_e.cem-nascidos. Esta
terrivel enfermidade é a maior causa das cegueiras
incura-v-eis entre nós, como outr'ora o foi em todos
os paizes, antes das medidas preservadoras . que se
empregam actualmente.
Na longa e penosa peregrina ção que :fizemos,
durante dez annos por todos os Estados do Bra-
zil, excepção de Goyaz e Matto Grosso, ficamos
assombrados do grande numero de cegos in-
curaveis que ha por todo o interior das nossas
ex-prov1ncias, em conseq1rnncia da opbthalmia dos
recem-nascidos. Grande numero de crianças com
os olhos completamente inutilisados, por falta de
prescripções hygienicas ao nascer, e que vêm
mais tarde servir ele encargo a, familia e aos
asylos.
233
Nos Estados do Norte com especialidade viam os
diariamente dezenas de pessoas robustas completa-
mente cegas por tal moles tia.
Entretanto, de todas as molestias infectuosas
ou evitav.eis, a ophthalmia dos recem.- nascidos é
aquella contra a qual a hygiene dispõe · dos mais
poderosos recursos, de modo a poder-se evital-a
absolutamente !
Na Suissa, na Allemanha e na Inglaterra, onde
ha um quarto de seculo esta molestia causava ainda
grandes damnos, é rarissim·o apparecer um só
caso de cegueira por ella provocada!
Em nosso trnbalbo sobre os phenomenos ocula-
res na pathologia geral e especial (pag. 363) apre-
sentamos em 1889 um resumo das principaes me-
didas prophylacticas a este respeito, empregadas
em todos os paizes civilizados e mostramos como
todos elles, a frente dos quaes se achavam a Ingla-
terra e Austria, tinham conseg·uido banir este
terri vel flagello. (1)

(1) Estados Pathologic.os e suas manifostaç.õos oculares


pelo Dr. J. Corrêa de Bittencourt, 1889, pag. 3G9.
IX

Orçamento Sanitario

A verba votada em 1888 para o serviço da


saude publica em todo o paiz no exercicio de
1889, o ultimo do Imperio, apenas atting·ia a
1. 325:499$164, e era assim distribuída :
Inspectoria Geral de Hygien e ... . .. . ... . 231:710$000
Inspectoria Geral de Saude dos Portos .. . 203 :440$000
Lazaretos e hospitaes marítimos .. . : . ... . 50:442$500
Limpeza ela ciclacle elo Rio ele Janeiro ... . 627 :906$664
Irrigação ela ciclaclc .... ..... ......... .. . 100:000$000
Soccorros publicos . . ........... . .. . ... . 112:000$000
Laboratorio do Estado .. .. .... · . ....... . 60 :000$000
(1) 1. 325:499$164

Com a Republica este algarismo sobe a uma


altura extraordinaria.

(1) Relatorio apresentado a Assembléa Geral Legis-


lativa pelo Conselheiro Ferreira Vianna, ministro do Imp erio,
pags . 172 e 173.
- 236 -
Só o serviço de hygiene, a cargo da mummpa-
lidade nesta capital, custa annualmente ao povo
2.933.:400;tpOOO, sem fallar nos creditos extraor-
dinarios, em épocas anormaes, como por exemplo
o anno passado e este anuo com a installação do
Instituto de fabricação do sôro antipestoso, etc.
O orçamento federal votado para o exercicio de
1897 consignou a verba de 1.223:291:,PSOO para o
serviço sanitario marítimo e a de 118:367:tt, para
o Instituto Sanitario Federal, o que faz ao todo
1 . 3 41 : 6 5 S;tt, O O O. E o orçamento para o exer-
cício d.o anno passado reduziu estas duas verbas a
910: 523:tll, consignada á Directoria Geral de Sande
Publica; na qnal se transformaram aqtiellas duas
repartições federaes.
Temos tido portanto de 1897 a esta data uma
despeza media annual ordinaria de 1.l26:090;tt,750
com a repartição federal de hygiene, que addicio-
nados a_os 2. 933 :4oo;mooo do serviço municipal
de hygiene e assistencia publica elevam-se a
4.059:090;t/l750 annuaes, que se gastam com as des-
pezas ordinarias da sande publica nesta Capital
e nos portos !
Já não nos referimos ás differentes verbas que
têm havido, consignadas a diversos reparos e me-
lhoramentos no lazareto da Ilha Grande, hospital
de Santa Isabel, hoje Paula Candido, compra de
material sanitario, custeio dos hospitaes de isola-
mento em épocas anormaes, etc_. , etc.
- 237 -

Deixando pois de parte as despezas extraordi-


narias, _vemos que a União e a municipalidade do
Rio de Janeiro dispendem, sómente no serviço de
hygiene desta cidade e dos portos, 4.059:090~750,
qüando o Imperio fazia todos estes serviços e
mais o de hygiene de todas as provincias, em
s_eus ultimos annos, com a diminuta s01nma de
1.325:499~164 !"
A verba soccorros publicos, qne era orçada
naquella época em 112:000;tJ, mais ou rnenós, ordi-
nariamente pouco excedia disto, principalmente no
que tocava a defesa hygienica contra a invasão
epidemica.
Em 1886, ouvido o Conselho de Estado Pleno,
e de conformidade com a Lei n. 3140 de 30 de
Outubro de 1882 (art. 20) foi aberto um credito
extraordinario de 500:000~, para occorrer as despe-
zas imprevistas, determinadas pelas medidas pro-
phylacticas contra .a invasão do cholera morbus.
Em 1887, de conformidade com a mesma lei,
abriu-se nm outro credito de 206:552;tfl213 para o
mesmo fim que o precedente.
Em 1888, ouvida ainda a Secção dos Negocios
do Irnperio do Conselho de Estado, houve nm cre-
dito snpplementar de 202:905~379, pelos_ Decrs.
n. 10012 e 10176 de 1 º de Fevereiro.
Em 1889, um outro credito extraordinario de
2.000:000;tJ, foi aberto, mas para occorrer as des-
pezas com a grande sêcca que assolava o Ceará,
- 238 -

a Parabyba, o Rio Grande do Norte e outras _pro-


víncias do Norte.
De sorte que, os creditos supplementares que
por conta da verba soccorros publicos eram appH-
cados nos serviços de hygiene- publica nos ultimos
annos do Imperio apresentam uma média annual
de 300:000:t/l mais ou · menos_. que sommados aos
112:000;t/J consignados no orçamento para soccorros
publicos representam 412:000;J7,000.
O serviço de sande publica custava , pois, ao
Brazil, na ultima decada do período monarcbico ,
incluindo todas as despezas . extraordinarias nas
épocas epidemicas, l.625:4_99;ftil64 annuaes, aproxi-
mativamente.
E com esta diminuta quantia fazia- se o servi ço
de hygiene não só desta Capital, como de todas as
províncias e de todo o littoral.
Do advento da Republica até hoje, além das
consignações destinadas no orçamento para a verba
soccorros publicos, que têm oscillado entre 100 a
500:000;tp 1 os creditos supplementares e extraordi-
narios, abertos por conta daquella verba e desti-
nados qua_si que exclusivamente ás medidas preven-
tivas e repressivas contra as epidemias , represen-
tam uma.media annual superior a 2.000 contos . (2)

(2) O ministro do Interior o Dr.Gonçalves Perreira em seu


relatorio, apresentado em 1895 ao P1·esid ente ela Republica,
avalia igualmente em mais de 2. 000:000$ a média da despeza
da verba «soccono.3 publicas» nes tes ultimas annos . pag . 315 .
- 239 -
Sómente no anno de 1892, além das differentes
verbas consignadas no orçamento·. para os serviços
federaes de hygiene no valor de 1. 003: 500;/1)000,
os creditos supplementares abertos por conta da-
q_uella verba e outros tambem destinados ao
serviço de · hygiene, excederam de 6 . 400: OOO;tJJ,
que addicionados ao algarismo precedente fazem
7 .403:000;i»OOO, gastos em sua quasi totalidade
naque1le anno com o ·serviço de hygiene da
União .
Com effeito, o Decr. n. 770 de 22 de Março
de 1892 abriu um credito extraordinario ao mi-
nisterio do Interior de 3 . 000:000;/f), para as des-
pezas com soccorros e providencias sanitarias. nesta
Capital ; o Decr. n. 1158 de 2 de Dezembro do
mesmo anno abriu outro eredito supplementar de
3 .000:000;ai á verba s·occorros publicos; e mais
o credito de 1.204: 000~ auctorizado pelo Decr.
n. 720 de 29 de Janeiro de 1892, destinado ás des-
pezas do ministerio do Interior coin varios serviços
de hyg·iene, limpeza da ddade e com os Vencimentos
de alguns g·overnadores, emquanto a cargo da
União sendo que a maior parte da somrna foi
destinada a . hygiene (3).
Já não levamos em conta o que se tem gasto em
reparos e melhoramentos dos hospitaes e lazaretos

(3) Relatorio elo ministro dos Negocios Interiores Dr. F .


Lobo, - 1893, pags, 375 a 377.
- 240

por conta da verba Obras-e os 2 .600:000;i.t, vo -


tados pelo Congtesso parà a construcção do la-
zareto de Tamandaré, ainda por concluir.
Levando portanto sómente em consideração os
200:000~, que é media da verbé:l. annual de soc-
corros publicos neste periodo , e mais 2.000:000;i)')
de creditos supplementares á esta verba, todos
applicados ao serviço de hygiene, e addicionando
estas duas parcellas ::i.os 4.059:000~ annuaes , dis-•
pendidos com às despezas ordinarias das duas re-
partições de hygiene desta Capital ( Federal e
Municipal), chegamos a 6. 25 9:090;itl750, que clis-
penderam a União e a m.nnicipalidade do Rio de
Janeiro annualmente no serviço de hygiene desta
Capital e dos portos-contra 1.625:499~164 que
se gastava no ultimo decennio do Imperio em todo•
o Bra zil !
E isso afóra as despezas extraordinarias por
conta da Municipalidade.
Convem notar que estamos fazendo o parallelo
desta decada com a ultima da l\fonarchia; porque se
compulsarmos os balan ços do Thesouro, desde 1850
a 1889, ver-se-ha que as despezas com as rubl'i-
cas «sande publica, melhoramento do estado sani-
tario, repartições de hygiene, hospitaes, lazaretos,
dissecamento de pantanos » apenas montou nesse
long·o período de quarenta annos a 29.686:722~126 !
(Vide 1. 0 volume da Decada , pag. 29).
O que dá uma media de 740 : 000:tP por anno t
241 -
Se passarmos aos Estados ficaremos estupe-
factos do que se gasta com o serviço de sande
publica, para manter esta deploravel situação sa-
nitaria que acabamos de descrever.
O Estad~ de Minas, apesar de ser um dos mais
assolados pelas epidemias, é dos qrie menos despen-
dem. Tem tido entretanto uma despeza media an-
nual,neste decennio, de 500:000:t)I000,e só por causa
da verba soccorros · publicas, que tem oscillado
entre 320:000;fti a 451 :-000~ annuaes, commissões
medicas e pequenos melhoramentos na capital;
sem incluir as despezas que correm por c.ón.ta da
hygiene municipal, nem o que se tem consumido
com a installa ção do serviço de exgottos e com a
r ede de abastecimento d' agua na nova capital.
A verba «soccorros publicos» do Estado orçoL1
por 420:437;t/J509 em 1894, e 451: 57 6;Jí\109 em
18 95. (4)
No E stado do Rio as despezas com · a hygiene
publica são muito mais ,crescidas .
O orçamento fixado pela Lei n. 372 de 20 de
Dezembro de 1897 para o exercício de 1898 con-
signou as seguintes verbas :
Directoria de hygiene e assist encia p ublica . 186:500$000
Soccorros pnblicos ..-.... . . .... .. .. . . ... . . . 676:000$000
Som ma . .. .. . . . . ... . . . . .. . .... . 802:500$00

(4) Relatorio do secr et ario dos Negocios do Interipr, de


Minas, 1896.
]6 4° VOLUME
- 242 -

O Estado de S. Paulo ,_é de todos o que mais


dispende com. o serviço de hygiene ; tem uma or-
ganização apparatosa na capital.
O orçamento votado alli para 1.897 consíg·nou,
as seguintes verbas :
Serviço sanitario ... .. . ....... . . . .. . . . 995:000$340
Soccorros publicos ... ... ............ . . 300:000$000

Mas, a1ém. destes trezentos contos votados


para soccorros publicos foi ainda insufficjente o
credito de 600:000~ ; sendo requisitados á se-
cretaria dos negocios da fazenda naquelle anno
2.229:692:ftll74, só por conta da verba- socor-
,1' ros publicos - ; como se póde verificar na pag.
46 do relatorio apresentado em 1898 pelo illustre
secretario dos negocios interiores. ( 5)
Convém notar que o anuo de 1897 não foi dos
mais calamitosos para S. Paulo. O quinquennio
de 1891 a 1895 foi muito - mais flagellado pelas
epidemias; conseguintemente aquella verba devia
ser muito mais avultada.
De todas as verbas do _orçamento do interior
em S. Paulo a mais onerada é sempre a de
soccorros publicos; - uma das que mais pesam
no orçamento do Estado.

(5) Relatorio apresentado ao Presidente do Estado ele


S. Paulo pelo Dr. Mello Peixoto, secretario elo Interior,
pag. 46.
- 243 -

Assim, sómente o Estado de S. Paulo tem consu-


mido annualmente, quantia superior a 3.224: 600;//>
-desprezando as fracções, com a bygiene publica;
.o que quer dizer que tern despendido mais, nesta,
deccida f aticlica, do que gastoii o Iniperio nos iil-
timos dez annos de sua existencia, com todos os
serviços de saude publica, de todo o paiz !
Isso sem computar as despezas com as obras
de saneamento, e nas que correm por conta dos
municípios daquelle futuroso Estado e · que são
bastante avultadas na época epidemica.
Sommando as despezas feitas pelos cofres es-
tadoaes nestes tres Estados (S. Paulo, Minas e
Rio de Janeiro ) temos 4. 586: 100;//> 'annuaes,
-que addiccionadas aos 6.259:090:t/>, em que im-
portam as despezas com as duas repartições sa-
nitarias da Capital da Republica (a Federal e a
Municipal) attingem a avultadissima somma de
1 O . 845: 190$000 - ann uaes !
Algarismo superior a todas as verbas ordi-
narias do orçamento do ministerio do Imperio, nos
ultimas tempos da Monarchia, e sete vezes supe-
rior ao que se gastava naquella época com todo o
s erviço de hygiene do paiz ! (inclusive as despezas
feitas em phases epidemicas) !
Em alguns Estados é muito diffi.cil saber-se ao
eerto quanto se gast:;i, com a sande publica, porque
a lém das verbas para esse fim votadas pelo con-
. gresso estadoal ha os creditas extraordinarios por
- 244

conta da verba soccorros pubJicos, parte dos quaes


destinados a defesa hygienica. ,
No Amazonas, por exemplo, gastou-se com a
hygiene estadoal no exeicicio de 1896 a 1897
92:022;tll249.
Alli só a verba cliverscts clespez as attingiu, em
1897 a 4. 255:704;1ti686 e os creditos extraordinarios
abertos naqnelle anno subiram a 1. 251:790;ttl206 . .
Parte. destas verbas
.
é consignada a soccorros
publicos nas pp.ases epidemicas do anno. E convem
notar que tudo alli está ainda por fazer-se. A
não ser a rede de abastecimento d'agua, não ha
um só melhoramento no tocante a sande publica
feito neste regímen.
Infelizmente, não podemos conseguir os relato-
rios de fazenda dos outros 15 Estados, cujas des-
pezas que correm por conta da hygiene tambem
não incluímos em nosso calculo.
Seria curioso vêr-se a quanto orça o que se
applica annhalmente naquelles Estados com o ser-
viço sanitario, principalmente no Rio Grande do
Sul, Bahia, Pernambuco e Pará, onde os dispendios
não devem ser pequenos.
E se fossemos sonimar o que corre por conta
da hygiene municipal em toda a Republica iríamos
muito longe !
Mas, nem isso nos seria facil, porque nem
todas as municipalidades t êm a sua escripta em
ordem.
- 245 -

No seu relatorio, de 31 de Dezembro de 1897


ao Chefe do Departamento do Interior no Estado
do Amazonas, diz o il1 ustre Sr. Dr. Justiniano
Serpa, superintendente municipal em Manáos-que
nos primeiros dias da sua gestão procurando saber
ao certo a divida passiva do município, não lhe foi
possível porque esta não estava consolidada, nem,
. havia escripta, que habilitasse indical-ct senão com,
segurança pelo rnenos approxirn ativarnen te ! ( 6)
Mas, não desacreditemos as nossas instituições!
Ellas têm sido isso mesmo em quasi todos os
paizes e em todos os tempos.
Diog·enes já comparava a Republica Atheniense
a um burro devorando a sua propria cauda .
E Ma.rio foi chorar sobre as ruínas de Car-
thago as desgraças de sua patria !

(6) Relatorio do secretario do Interior e das repar-


tições de estatística e archivo pnblico do Estado do Ama -
zonas, 1898, pag. 37. ·
X

Considerações finaes

O que, entretanto, se tem feito para combater


esta vergonhosa sitnaçã,o que vimos de descrever?
Em lugar de estabelecerem medidas sanitarias
permanentes, de nniformisarem e centralizarem
todo o serviço sob uma só direcção, e de man-
terem um rigoroso policiamento sanitario, sobre-
tudo no que diz respeito a hygiene domiciliar,
occupam-se ós Estados e os municípios em se hosti-
lizar e commetter os maiores disparates em as-
sumptos de hygiene.
Os E stados de S. Paulo, Minas e Rio de .Janeiro
gastam todos os annos sommas avnltadissimas em
soccorros ás localidades acommettidas pelo fl a -
gello icteroide; mas ein pura perda, para verem
no anuo segnfote novas explosões da molestia,
pela revivescencia do germen, que fica no solo ou
na alcova do doente!
- 248 -

A grande maioria das capitaes dos Estados e


a quasi totalidade das nossas cidades . do interior
não possuem encanamentos de agua nem serviço
de exgottos. Em geral pouco ou nada observam os
mais elementares preceitos da hygiene.
Em todos os Estados ha dous habitos, que são
bastante per_niciosos e que muito têm contribuído
para a propagação e recrudescimento da febre
amarella, da febre typhica, da dysente~·ia e de
muitas outras molestias transmissiveis.
O primeiro é o pessimo systema das latrinas
cavadas no sólo dos quintaes, já ctivado de outras
antigas fossas, :ficando o poço ou cisterna de onde
retiram agua para uso domestico, e algumas vezes
mesmo para beberem, sujeito a ser facilmente
contaminado.
O segundo, que . existe até nas capitaes , dos
nossos melhores Estados, é o de consentirem as
auctoridades sanitarias, que sejam lançadas -nas
margens e dentro dos corregos que atravessam
as cidades e povoações · todas as immundicies ·
urbanas.
O proprio vom.i.to dos enfermos acommettidos
de febre amarella é atirado ora nos corregos , ora
nas fataes fossas e até mesmo no fundo das casas !
Os quintaes são ordinariamente o receptaculo
de toda a sorte de excreta e detritos organicos, qué
servem para repasto. dos ·ga.llinaceos e diversos ani-
maes domesticos.
- 249 -

A maioria das construcções dos predios em


nossas cidades . do interior continúa a ser feita
sem · o menor cuidado pela saude dos que devem
habital-os .
•Grande numero de casas terreas rec·ebem dire-
ctamente do solo toda a humidade, e com o sys-
tema de alcovas sem ar sufficiente e sem luz,
não são accessiveis aos raios bemfazejos do sol.
No tempo do Imperio, quando as municipalidades
não dispunham das rendas que desfructam hoje,devido
aos moderadissimos impostos daquella época, e os
seus presidentes exerciam as respectivas funcções
gratuitamente, havia mais asseio e limpeza nas ruas
e um pouco mais de interesse pela saude publica.
Conhecemos alguns municípios dos mais impor-
tantes do interior, que tendo apenas, no periodo
monarchico, um parco rendimento de 50 a 70:000;tp
annuaes, :fizeram com isso diversos melhoramentos,
como calçamentos de ruaR, abastecimentos d'agua,
ajardinamentos de praças, etc. ; e realizaram
todos estes trabalhos sem ser preciso recorrerem,
cio credito.
Estes mesmos municípios dispõem actualmente,
graças
.
ao regímen de extorsão em . vigor, de rendi-
mento superior a 400 e a 600:000$ , contrahiram
emprestimos no valor de 2 a 3.000:000~, e apenas,
apresentam maus exgottos e ruas sem calçamento!
E são de tal ordem as taes obras de sanea-
mento, feitas sem a competente :fiscalização, que
- 250 -

a febre amarella continúa , d-o mesmo modo,. a fazer


as suas devastações quasi annuaes !
E' o que temos observado, mesmo em excel-
lentes cidades onde ha algum interesse pela saude
·publica, como Campinas, Leopoldina, · etc., etc .
.Alguns outros municipios gastaram o producto
de mais de um emprestimo e, depois de alguns
annos de lucta improficua, viram-se forçados a
ficar com as obras suspensas por falta de verba,
já tendo sobrecarregado a população com os mais
pesados tributos!
Investigando em todos os Estados, que percorr.e-
mos, as c~usas· do grande desenvolvimento das mo-
lestias infectnosas nestes ultimos dez annos, nota-
mos que ellas se prendem tambem, em grande parte, ·
ao pessimo systema com que é -feito o serviço da im-
migração, desde o desembarque do colono até a sua
installação nas famosas hospedarias de immigrantes :
Os colonos, em sua grande maioria arreba-
nhados nas praias de Napoles, Genova e outras
cidades do littoral da Italia, e entre . as classes
inferiores da Polonia, Hespanha, et~., vêm agglo-
merados na prôa dos navios, offerecendo o espe-
ctaculo a,~ mais completa miseria e sem condição
alguma de asseio e de hygiene.
Muitas vezes, mesmo á bordo, quer na viagem
para esta Capital, quer na desta Capital para os
Estados, manifestam-se a influenza, o sarampão, a
escarlatina, a diphiteria, as gastro-interites, etc.
- 251. -

Desembarcam nos nossos portos sem que sejam


sempre tomadas as medidas prophylacticas neces-
sarias, p'ara evitar o desenvolvimento daquellas
molestias.
Outras vezes, trazem incubados todos os ger-
mens pathogenicos, ou a propria molestia em es-
tado latente.
Escoltados, deste modo, por um numero infi-
nito de microbios de- toda a natureza - são ins-
tallados em alojamentos sem ar, sem luz e sem a
cubagem precisa para contei-os, e absolutamente
-~em que houvesse sido observada a menor precaução
bygienica t
. As hospedarias de immigrantes nos Estados,
em sua grande maioria, estão hoje transfiguradas
em verdadeiros armazens ou trapiches de colonos,
onde essa pobre gente fica agglomerada, como se
fossem mercadorias. '
Os que chegam doentes não são em geral iso-
lados, vivem todos promíscuamente nesses cubí-
culos e alojamentos pouco asseiados, collocados
ordinariamente em ruas bem frequentadl;l,S !
As familias ou os lavradores, que vão visita.r
esses estabelecimentos, no intuito de contractar
pessoal para serviço domestico ou rural, trazem
dalli os germeris infecciosos, já na roupa, já no
proprio colono que engajaram, o quai leva muitas
vezes comsigo uma molestia em incubação e que
vem contaminar toda a familia.
- 252 -

E se, nestes· dois ultimos annos, algumas das


molestias infecciosas têm de algum modo di-
minuído, em certos pontos , do interior , é isso
resultado menos dos cuidados bygienicos, do que
da grande restricção na introducção de immi-
grantes. Depois que este SE,lrviço passou a ser
feito por conta dos Estados elles o abandonaram
quasi de todo. (1)
Quando apparece o typho amarello em uma
localidade do interior procura-se occultar os pri-
meiros casos, já para não afugentar a população,
para não prejudicar o commercio, ou porque o
doente tem horror aos hospitaes de isolamento,
quasi sempre improvisados e sem condições al-
gumas de hygiene. E o medico. que denuncia o
primeiro caso é sempre mal visto por um certo
numero de indivíduos, que enxergam nisso um
clescredito para a cidade.
E' sómente quando as explosões do flagello
manifestam-se em diversos pontos da localidade e

(1) Na propria hospedaria da Ilha das Flores, na


Capital da União, e que n estes . dous ultimos annos tem-
se achado em condições r egulares de hygiene, é raro o
anno em que não appareçam alli diversos casos de febre ama-
r ella. Só em Janeiro de 1892 foram acommettidos 205
immigrantes, entre 4.525 que alli se achavam ; e aind a
em Dezembrn do anno passado houve alguns casos . E
1-ia dous annos que PO\' lei orçamentaria foram supres-
sos os lugares de medicos , pharmac eutico e enfermeiros
daq uella hospedaria!
- 253 -

as victi'mas suGcedem umas ás outras, que trata-


se de estabelecer a defesa prophylactica, a qual
vem sempre tardiamente ! .
E' então que chegam da capital do Estado
commissões de hygiene, que têm de lucfar contra
tres flagellos ao mesmo tempo : os melindres da
municipalidade, os precoriceitos populares e a febre
amare1la, como acabamos de ver em diversas
localidades de S. Paulo.
O modo como é feito o serviço de isolamento
e de desinfecção não inspira confiança alguma,
nem mesmo aos proprios facultativos que o dirigem.
E só quando a molestia está bastante adiantada
em sua marcha recolhe-se o doente ao hospital,
onde vai quasi sempre fallecer !
A propria cidade de Campinas não tem um
hospital de isolamento em condições hyg·ieuicas. ·
O hospital que alli existe para esse fim (o do
Fundão), além · do nenhum conforto, é um atten-
tado contra a salubridade publica.
Depois que termina a epidemia em uma dessas
localidades, retiram-se as commissões sanitarias
estadoaes e fica ele novo ci hy,c;iene entregue á
municipalidade.
Volta tudo ao desleixo habitual, até que
uma nova explosão desperte ontra vez aR atten-
ções !
A hygiene domestica é cousa que devia merecer
mais cuidado das nossas auctoridades sanitarias;
- 254 -

pois é na alcova do doent~, nesses famosos cor-


tiços com especialidade, que ficam os germens de
grande numero de molestias infectuosas, para frn-
ctificarem mais tarde, quando apparecem outros
elementos favoraveis ao seu desenvolvimento.
Mesmo nas nossas melhores cidades o systema
de construcção é pessimo e não rn guardam as mais
simples prescri_pções hygienicas.
O preparo do solo, pedra angular de todo o
edificio da hygiene domiciliar, é de todo aban-
donado entre nós ; edifica-se sobre verdadeiros pan-
tanos, abafados com lixo, quando muito.
Grande numero de porões, mesmo nesta
Capitál, são verdadeiros charcos, quando chove.
A hygiene urbana deve come_çar pela construcção
do predio ,e pelo proprio material de construcção.
E cumpr_e não nos esquecermos que não é
sómente a febre amarella qµ:e temos a combater ;
outros flagellos mais lethaes, comqnanto menos
ruidosos, como a tuberculose, e as modalidades dif-
ferentes da malaria, do beriberi, etc ., devem mere-
cer a nossa attenção.
Infelizmente, aqtli entraram os germens da di-
phiteria, -d-a peste, da febre miliar, da febre den-
gue, da influenza, etc.
E' verdade que tendo a Lei fundamenta] do
novo regímen quebrado a unidade na defesa hy-
gienica , como em tudo mais, permittiu que estas
numerosas republicas de microbios indígenas e
- 25!'> -

exoticos invadissem o interior e fossem estabelecer


tambem os seus congressos por toda a parte!
E, depois, havendo plena liberdade no exercício
de todas as profissões, independentemente de diplo-
ma, aprendizagem ou habilitações, era muito natural
que toda esta infinita colonia de micro-organismos
viesse com maior ardor exercer livremente a sua
missão; tanto mais quanto estes inimigos invi-
síveis são provectissimos na triste tarefa da des-
truição do organismo humano!
Não queremos com isto dizer que não houvessem
grandes faltas no serviço de hygiene mantido pelo
Imperio.
Havia, como ainda 'hoje as lia nos paizes os
mais civilizados.
E' tradicional a nossa desidia em assumptos
de hygiene.
Tínhamos porém alguma cousa e boje nada nos
resta !
Existia muito mais interesse da parte dos po-
deres publicas.
A auctorida.de sanitaria, quer de terra, quer
do mar, fazia e podia fazer exercer a sua acção
em todos os pontos do paiz, sem attritos cóm os
poderes provinciaes e municipaes, porque a di-
recção era só uma para todo o territorio nacional.
Em uma palavra, contavamos uma boa orga,
nização e uma legislação sanitaria de primeira
ordem.
256 -

E hoje~ nada disso po~~uimos !


Dá - se com as nações o mesmo phenomeno
observado diariamente nos individuos, em relação ·
·a immunidade de que gosam em face dos morbos
transmissíveis.
A.s pessoas robustas, bem constituídas, resistem
muito mais á invasão dos germens pathogenicos
do que os individuos fracos, depauperados, traba-
lhados pela miseria e pelas difficuldades da vida.
E' justamente o que acontece aos brazileiros
em sua collectividade; - é o caso da nossa patria.
Outr'ora forte, bem organizada e animada por
instituições que mais se adaptavam _aos preceitos
da hygiene, gosava de maior força de resisten-
cia, para lnctar e reagir contra as molestias in-
fectuosa,s. ·
O valor moral das instituições constituía um
grande poder antiseptico, que conservava este paiz
indemne da infecção até de microbios muito mais
perniciosos do que os da febre amarella !
Não são estas medidas incompletas e nem sem-
pre bem applicadas, que hão de trazer o sanea-
mento das nossas cidades.
A hygiene do solo, da agua, do ar, a bygiene
domiciliar e urbana, · são medidas complementares
umas das outras e a todas ellas ·deve presidir o-
m,ais severo policiamento sanitario.
Não é com essa indifferença musul mana e re-
laxamento das nossas municipalidades, nem eorn
- 257 -

palia ti vos e pnl verisadores, que havemos de nos


libertar das gar,ras do abutre da febre amarella !
TLulo isso é uma long·a cadeia, cujos élos se
prendem uns aos outros lig~ndo-se uma das ex-
tremidades ao Rio de Janeiro e a, Santos e a
outra ramificando-se por todo o interior.
Como sanear, ;pois, esta ou aquella localidade,
sem que haja um concerto unisono em todas as
prescripções, sem que os municípios e os Estados
sujeitem-se a um centro director e se estabele-
çam medidas permanentes, estrictamente obser-
vadas desde o littoral até o interior?
O saneamento deste grande paiz é um pro-
blema bastante complexo e muito difficil de ser
resolvido com o estado actual das cousas.
Seria preciso sanear as proprias institnições 1 -
suas finanças, suas leis e seus habitos.
E sanear um a republica. . . é cousa da qual
mnguem ainda cogitou !

- - - ----- - -

17 1!º VOLU~IE
•.
XI

Municipalidade
MUNICIPALIDADE DO RIO DE JANEIRO

O Município ! ... Palavra que evoca em todos


os povos a memoria das suas origens, as glo-
rias ela sua organisação política em sociedade
0ivilisacla. Ao Município convergem todas as na-
cionalidades ; delle sahira,m os Estados, nelle se
gerou Roma, o Município magno, urbs et orbis;
por elle se isolaram da barbaria as cidades da
Italia e os burgos da Germania, tornando-se fortes
e poderosos contra os mais fortes e os mais po-
derosos Imperios.
Quem definiu o Município, cellula das nações
e dos Estados, synthetisou em formula scientifica
os factos que fizeram as nações e os Estados na
sua convergencia ao primitivo organismo social.
A cellula nutriu-se na liberdade de todos, forta-
lecendo-se na independencia de cada individuo,
opulentou-se no trabalho da communhão; desenvol-
veu-se, expandiu-se, surgindo completos nas suas
262

fnnc9ões, os orgãos q_ne ,continha em embryões


prestes a evoluir.
Diminuídos os municípios pelo complemento da.
sua missão providencial, absorvida a patria pe-
quena pela patria grande, ainda ficaram elles
através dos seculos na estructura cellular, canali-
sando a seiva que mantem a vida das nações e
as faz florescer e dar os fructos q_ue o progresso
humano cada dia torna melhores. rrerra povoada
sem municípios é terra de barbaros ; povo que os
não tem em seu 01'ganismo politico é povo sem
direitos, inculto, ignaro.
A liberdade é fabrica tão alterosa, tão pesada,,
que para mantel-a, para tel-a em equilibrio sempre
estavel, são indispensaveis as solidas e fundas
assentadas do rnunicipio.
Democracia sem município é a mais affrontosa.
das mentiras que a cobiça, a maldade. e a vena-
lidade dos homens podem lançar a uma aggre-
miação política . O Município, sendo a propria,
vida do povo pelo povo e para o povo, o regí-
men democratico não é mais do que a amplia-
ção daq_uelle ao paiz que a lei escripta chama
- democracia.
Não é a palavra que faz a cousa, mas o acto,
ou antes a acção dos· homens na gerencia de seus
proprios negocios . Se elles não a têm, nem ha
Município, nem povo livre, e menos ainda demo-
cracia verdadeira .
·-· 263

Se o regímen imposto ao Brazil em 15 de


Novembro de 1888, ha dez annos, fosse a demo-
cracia pura do rotulo que lhe deram, se não foss,e
o· que tem sido, a exploração da fortuna por em-
.
prezas de audazes, a instituição municipal no
'
Brazil teria o mais importante papel na repre-
sentação dos direitos e dos interesses da colle-
ctividade nacional de que seriam os municípios
valiosas parcellas.
Assim não foi, assim não tem sido. Os fautores
do levante novembrista não visavam á liberdade
da patria, que escravisaram, mas p1·ocuravam o
caminho da fortuna facil e rapida; muitos a alcan-
çaram sobre ·as ruínas, malbaratando o opulento
acervo que a lVIonarchia ' deixava á carniça dos fa-
mintos desqualificados na sociedade. Os municípios
foram-se na alluvião dos escombros da existencia
livre e laboriosa do povo brazileiro. Os destruidores
nada edificaram que . substituísse os monumentos
esboroados pelo vendaval, nem cuidaram em nive-
lar o terreno para as obras novas que abrigassem
os cidadãos e lhes pe.rmittissem conforto para o
trabalho de reconstrucção da patria espesirihada.
Por todo o Brazil ficou a desolação, por todo
elle permaneceu a • devastação ; ruínas no solo,
amarg·uras e tristezas na alma.
Tal a Boabdil, a covardia só deixara olhos para
chorar como mulher a perda da independencia qlle
não soubera defender corno homem.
- 264 -

Os povos como os individuas


,.
expiam nos pro-
. prios soffrimentos as culpas que tiveram. O povo
brazileiro soffre cruamente, neste periodo de cas-
tigo, a sua fraqueza de um dia.
Más a . expiação é o caminho da redempção ;
approximemo-nos pela sinceridade dos nossos actos
da hora da reparaçãoJ fortes do nosso direito, e
avidos de rehaver as perdidas liberdadef,. A li-
berdade, porém, não se consegue nunca por dom
gracioso; · os povos que a gozam, a conquistaram
pelo esforço do seu civismo e pelo valor do seu
braço.
A esperança não jaz perdida emquan to a honra
perdura .

II

A Republica de 15 de Novembro de 1889 não


quiz municipios nem desejou munícipes . Para
aquelles era mistér possuir. fé nas idéas que não
passavam de prégões de arruaças; para estes não
havia cidadãos na nova grey, que se creava no
cháos das especulações da Bolsa e na exploração
da fortuna publica.
A instituição municipal portugueza, represen-
tada. nos Senados da Camara que sabiam des-
aggra var os povos e resistir a El-Rei e aos
seus delegados, quando soffrer abusos era dever
.- 265

e obedecer, a primeira lei, havia tido no Imperio


organisação menos efficiente na politica; é certo,
porque á representação nacional foram dados outros
orgãos mais poderosos e mais conformes ao regi-
men moderno, que deve manter o municipio sem
atrophiar nelle o .sentimento da patria de todos,
da pç:ttria grande'. 'riveram, porém, as municipa-
lidades poderes bastantes para praticar o bem e
tantos que muit'as attingiram ao abuso da politi-
cagem, descurando dos beneficios que podiam e
deviam realizar.
De entre todas, a municipalidade da Côrte por
muitos annos foi o centro a que se dirigiram os
esforços patrioticos pela liberdade. Sabida daquelle
Senado da Camara que a 9 de Janeiro de 1822
soube prender o inclyto Pedro á causa da Inde-
pendencia do Brazil, e affirmar a solidariedade do
augusto herdeiro dos B rag·anças com os patriotas
guiados por José Bonifacio, a Illma. Gamara lVIu-
nicipal, que por taes feitos na éra da Liberdade
merecêra aquelle titulo e o de Muita Heroiea e
Leal para esta cidade, administrára, nem sempre
sabiamente; mas quasi sempre honestamente a ca-
pital colonial tornada Côrte do lmperio. A cidade
de S. Sebastião do Rio de Janeiro tal qual é ,
fez-se do seu benemerito trabalho.
Os recursos eram minguados, as necessida-
des muitas; tudo havia a crear, material e moral-
mente.
- 266 -

Traçada sem nenhum pl~no esthetico, de casas


propos~talmente acanhadas, sem forma e muitas
vezes destituídas da menor preoccupação archi-
tectonica, de ruas tortuosas, estreitas, sem ar,
sem luz, sob este céo esplendido, a cidade do Rio
de Janeiro assemelhava-se mais. aos velhos burgos
da Europa medieval, obrigados á vigilancfa con-
tinua de uin assalto sempre imminente, do que a.
uma cidade creada no seculo da Renascença em
que a ai-te surgia nas mais insignificantes obras.
As assentadas topographicas da cidade de Es-
tacio de Sá faziam e fazem da sua reconstrucção
trabalho difficilimo, proeza de Alcides. Cercada
de montanhas, fraccionada por outéiros que lhe
interceptam a ventilação, lev.antada sobre es-
treitos valles, tão baixos que as aguas dos montes
os transformam em panes, a administração tinha
de refazer a natureza do sitio em obras possíveis
á arte humana, mas de dispendio consideravel de
capitaes que não havia e nem um povo novel
podia ter.
Entretanto a Illma. Camara Municipal em
poucos lustros, applicando cautelosamente os seus
parcos snbsidios, traçoLl novas rnas e praças, cal-
çou as antigas, e as modernas, .c uidou dos edificios ,
ela via-publica e do conforto elos municipes. Tudo
o que ainda persiste e tudo qua.nto foi malbara-
tado neste decennio de tristezas e de dores, della
se originou. Não lhe accrescentaram melhoria
- 267 -

alguma, nenhum eclificio ergueram que attestasse


aos vindouros a lembrança e os serviços de uma
época; derramaram, sim, sobre os mnnicipes todos
os males que nasr,em da corrupção, fi_z eram ruínas
do que era susceptivel de reparação e ensinaram
com a hypocrisia da palavra a descrença e o sce-
pticismo do povo de que se disseram mandata rios.
As municipalidades re:flectem a moral de uma
nação, a municipalidade do Rio d.e .Janeiro, eri-
gida á força àe baionetas - Capital Federal -
diz o qne é todo o Brazil depois daquelle dia
fatal, cuja lembrança pesa sobre os brazileiros com
todas as agruras da sua desdita. Aqui do_m inam
a sordicia nos costumes políticos, as fraudes e
os feitos no processo eleitoral, os desvios crimi-
nosos na administração . (1) Não é esta uma syn-
these da verdadeira situação de todo o Brazil ?

(1) A proposito das fraudes no processo eleitoral vem


a pelo citar algumas palavras dum opusculo publicado em
Dezembro de 1899 pelo Sr. Alvarenga Fonseca, Direc.:tor
Geral da Secretaria do Conselho Municipal, e intitulado -
Pela Verclacle Eleitora l!
Eil-os: « Acabemos de vez com essa camaradagem, que
tem havido tão incompatível com a impol'tancia de assumpto
tão grave.
Acabemos com isso, se é que queremos ter uma re-
presentação genuinamente re.presentante do povo, dos altos
e verdadeiros interesses elo povo, e não elas baixas e peque-
ninas conveniencias elos corrilhos. Acabemos, ele vez,· com
268

III

Por extravagante acaso foi naquelle vasto rocio


da cidade do Rio de Janeiro, que a mais gloriosa
geração de brazileiros chamou Campo da Honra,
que a 15 de Novembro de 1889 a traição pro-
duzia a sua obra, foi ali que qualificaram
D. Pedro II « tyranno descrido ~,, a sua augusta
familia « raça de despotas », e os marechaes Deo-
doro e Floriano redemptores da nação, fundadores
da Liberà,ade ! Não cabe aqui lembrar os nomes
dos outros libertadores e apostolas; o que foram
e o que são esses homens conspícuos « liberaes »

o triste espectacu1o de collocar acima da expressão da


vontade popular, que quer discernir e escolher os seus em-
baixadores - os representantes de seus desejos, de suas
necessi dades e de suas aspirações - o poder magico da
Eureka ou do Almasso bom e macio, ele sucia com 'os pro-
duetos do Soennecken ou elo Mallat, do Stephens ou elo
Sardinha ! Por Deus acabemos, de vez, com a triste pratica
de querer provar que ·um bico de penna, em mãos ele ar-
tista habil, vale por um partido forte, grande, uniclo e
respeitado. "
Não se póde, sem grave o:ffensa á verdade, chamar es-
tylista ao Sr. Fonseca, mas a exact_idão de seus assertas
é manifesta. As ultimas eleições e o ridículo processo ela
respectiva apuração - em qt1e um _candidato se diplomou a
si proprio - deixaram provadas a influencia decisiva da
penna Mallat, do apagador Eiireka, e, de certo, da propria
substituição dos livros.
- · 269

sabe-o sobejamente o povo pelos espinhos da sua


afflicção .
Foi naquelle recinto que a providencia do go-
verno do Imperio fizera esplendido e florente jar-
dim, a um canto nú, fóra do parque, em frente
á grande obra do reinado, a via ferrea que ca-
minhava na devassa do sertão, levando a prospe-
ridade com o trabalho ás mais ferteis terras
brazileiras, que o levante novernbrista formou os
seus bandos em armas.
Bem proximo estava o paço da Camara Mu-
nicipal, a Casa do Povo, o lagar a que outr'ora
acudiam os « homens bons » para cuidar da CI-
dade e de seus habitantes, mas o paço municipal
achava-se vasio. Não havia povo a collaborar e
menos ainda para fazer a obra que se inculcava
ser da nação. O simulacro da revolu ção não conse-'
guio ter nem mesmo por momentos um sjmulacro
de povo . Quando os capitães do assalto cogitaram
nessa falta da enscenação da trageclia, mal pu-
deram arrebanhar nas ruas alguns aventureiros,
prestes a quaesquer emprezas vossiveis de dar
dinheiro, para juntal-os mesmo das janellas do
paço municipal a dar os vivas, pobres comparsas
expelliclos para a rua ao acabar a scena.
Os agaloados libertadores se expandiam de
franqueza á medida que a passividade da massa
ia sendo mais contricta. O « povo » da manhã de
15 de Novembro não existiu tres dias; o Governo
270 -

Provisorio tornou do corpo arnorpho dos adhe-


rentes, que corriam á carniça dos empregos e
das g'orgetas e fez uma municipali_dade carioca,
á sua imagem . Nem eleição, nem delegação ; da
Illma. Camara Municipal com as suas gloriosas
tradições de desinteresse e de civismo, compoz
uma Intendencia á moda bispano-americana, com
Intendentes · remunerados · e de mãos livres para
todos os negocios.
O Imperio poupara a bolsa dos contribuintes,
ce1:to de que as economias dum povo moderno pre-
cisam de applicações nas industrias e em outros
departamentos de trabalho util ; tornara o :fisco
pouco pesado ao povo, cujo bem estar a ganancia
administrativa não devia perturbar ; fôra solicito
pela formação da riqueza publica , procurando
sempre evitar que directores e funccionarios menos
escrupulosos ·a defraudassem, praticas que a mu-
nicipalidade republicana aboliu, talvez pelo seu
resaibo da « tyrannia que a Republica vencêra ».
Os novos habitos contrariavam os antigos.
A Intendencia foi omnipotente como o « Pro-
visorio », ~eu creador. Poder Legislativo e Poder
Executivo, preparava as leis dictadas pelo momento
applicando-as com o lhe aconselhava o interesse.
O Poder Moderador do Itamaraty não lhe impedia
a acção e o Marechal Deodoro, doente, alque-
brado, fallava pela bocca da sua gente, ouvia pelos
ouvidos dos seus companheiros. Toda essa bella
- 271 -

sociedade se embebia nas mais fagueiras esp'e ranças


de poderio e de riqueza ; a Intendencia cresceu
e floresceu nesse meio em que só havia uma in-
famia a evitar - o ser pobre .- e uma só virtude
a cultivar - ter dinheiro nos bolsos, porque a sua
procura no labor honesto era longa, fastidiosa e
muito sebastianista.
Epoca dourada em que o ouro- desappareceu,
epoca de negociatas felizes, epoca risonha para os
vicias, cheia de negruras para a virtude !
Os tortulhos que germinaram na podridão de
15 de Novembro, avolumaram-se, enfunaram-se e
do seu repasto nojento se envenenaram os muní-
cipes e se infeccionou o Município.
Empolgados os contribuintes pelas mãos des-
carnadas dos aventureiros, famintos de riquez&s e
.avidos de g_ozos, não se lhes permittiu nem o di-
reito de escolher mandatarios, nem o de olhar para
-0 emprego do seu din beiro_.

IV

O que tem sido o município do Rio de Janeiro


neste doloroso decennio não ha brazileiro que o
não sinta, não ha patriota que o não lamente, não
ha munícipe que delle se não envergonhe. Por toda
parte a mais desenfreiada politicagem, em todos os
-serviços, muitos de organização heteroclita, a mais
- 272 -

impudente desidia, em toda a administração o des-


prezo formal da logica, da opinião 8, não raro, do
dever. Como a fortuna ajuda os audazes, muitos
pseudo prepostos cariocas atting·iram-na, prompta
e facil.
Ensinou o marquez de Maricá que as revolu-
ções actuam nas sociedades como o vendav,ll nas
agi.tas· tranquillas-fazem subir o lodo á superficie.
A nossa sociedade apr13nden a verdade da lição
do philosopho com os acontecimentos seguentes
a 1889.
Na ordem moral nada se edifica de grande e de
estavel sem a fé nas idéas, sem a convicção ele
um dever. Os exploradores da Republica procla-
mada pelo exercito, pela armada, corpo policial e
corpo de bombeiros em nome da nação, mas contra
ella, só tinham interesses e a cobiça de lucros e
de riquezas sem trabalho e sem talento; sobrava-
lhes a esperteza.
Entregue a municipalidade aos negocios dos
políticos formados na ousadia das arruaças felize s,
o município tornou-se uma verdadeira távola; im-
postos e taxas pesadíssimos sobre os contribuintes,
contractos e novações de compromissos de gordos
rendimentos .
Uma das primeiras emprezas foi a da Ferro
Carril do Jardim Botanico. A sabedoria e discrição
do governo monarcbico já havia resolvido a bem
do povo e da boa moral que o serviço publico dessa
- 273 -

companhia prestes a expirar, fosse posto em con-


currencia para ser deferido a quem melhores van-
tagens offerecesse ao publico. Isto não convinha
e a Intendencia dos moldes republicanos se apr~s-
sou a innovar, sem concurrencia · de especie al-
guma, o contracto com a mesma companhia, noto-
riamente constituída em lucrativa operação de
Bolsa. A Companhia de S. Ohristovão seguio-lhe
as peg·adas e pelo mel)mo processo não tardou a
alcançar identico favor.
A quem enriqueceram taes negocios? o povo
delles nada auferiu. Poucos a.nnos mais tarde as
referidas companhias não g·anhando para dar ele-
vados dividendos aos portadores de acções desdo•
bradas, pois que a primeira concessão permittira
o desdobra.mento, empregaram expediente igual ao
de que haviam lançado mão em 1890 e o resul-
tado foi o mesmo.
Os representantes do povo acharam que a e_ste
cumpria avolumar os lucros das companhias. E
como esse, os negocios esbanjadores dos dinhei-
ros dos contribuintes foram immensos e, portanto ,
dif:ficil é arrolal-os.
A imprevidencia, a ignorancia e o desaso con•
corriam com a sede de fortuna.
A pretexto de que a carne verde era excessi-
vamente cara, ci bem elo povo a Intendencia republi-
cana inventou um exquisito processo administra-
tivo: adquirir boi caro para vender carne barata .
18 4° VOLUME
- 274 -

Foi o periodo aureo dos ma:·chantes e commissa-


rios de Santa Cruz que aug-mentavam as riquezas
na razão directa da misei·ia da municipalidade.
Po_r ·fim o negocio ~e dif:ficultou e o povo veiu a
pagar a carne verde por preço ainda maior, ficando
a divida municipal onerada em milhares . de contos
de réis. As emissões do Thesouro Federal ser-
viram ainda desta vez par;:i, o pagamento do ·
deficit.
A questão da carne resuscitou, porém, num
contracto novo , com o monopolio, para que os pro-
ventos não fossem mingt~ados. E esses proventos
têm sido taes, o onus dos consumidores tamanho,
que em menos de tres annos o contracto passando
por tres firmas deixou a todas, em luvas sómente,
cerca de sete mil contos.
Como enunciar a serie de semelhantes successos?
Elles reduziram a Municipalidade do Rio de Ja-
neiro á suspensão de pagamentos, ao descredito, á
indigencia, ao abandono dos serviços necessarios.

A vasa que o 15 de Novembro trouxe á su-


perficie da sociedade fluminense espraiou-se, como
era natural, na municipalidade. A pobreza política
acudia ás portas da Intendencia em busca de pi-
tança que promettia ser copiosa ; cahira,m sobre o
- 275 -

,espolio d_a l\fonarchia com·. tal voracidade que em


,breve delle nada mais restava.
Os políticos, ou antes os politiqueiros, que to-
. u:iararn á sua conta explorar o Rio de Janeiro como
cousa propria, repartiram pela faminta e:lientella
-todos os empregos municipaes, e como eram poucos
multiplicaram-nos e sendo indispensavel pagar a
essas legiões, que sem pecunia recusavam serviços,
decuplicaram os antigos impostos, áearaú1 outros,
-esmagaram, em summa, o contribuinte.
Despendendo-se nove decimos da receita muni-
dpal com o funccionalismo, ,que na maior parte
gosa do extravagante privilegio de vitaliciedade
e da inamovibilidade, cousa alguma sobrou para
-obras municipaes. A cidade é o que se vê na im-
mundicie e no desprezo pelas commodidades e bem
estar dos munícipes. (2)

(2) Quando tratamos tão ligeiramente da iri:lmundicie no


Rio de Janeiro, estavamos longe de suppôr que se tornaria
ella a causa efficiente da demissão do Sr. Cesario Alvim do
-cargo de Prefeito. Na occasião em que revíamos as pri-
meiras provas do nosso rapido estudo agitava -se forte po-
lemica entre o Sr. conselheiro Dr. Nuno de Andrade e o
general Dr. Cesari@ Alvim sobre a questão do lixo. O suco
cesso assumin o caracter typico nas cousas do regímen e
julgamos de bom aviso trasladar o artigo publicado no
Com1ne1·cio ele · s.· Paulo de 4 de Fevereiro, sob a epigraphe
- Bisca em f ainilict, assignado por Terencio, collaborador
político elo denodado orgão monarchista. A transcripção
dispensa -no s dos commentarios.
- 276 -

Actualmente, digamol-o se!Il rebuço, só_se cuifüt.


de melhoramentos quando estes encerram vanta-
gens menQs confessa veis. Nesta democracia o povo
é uma perfeit'.1 figura de rhetorica para os políticos ,
e uma verba de receita facil para os especuladores.

« Já pertence ao dominio publico . o facto escandaloso


de ter sido . aceita a demissão que. do cargo de prefeito do,
districto federal Óffereceu ao Sr. presidente da Republica
o Sr. Cesario Alvim, facto motivado pelo procediÍn(mto do
,1
Sr. Epifacio Pessoa, que ponde, afinal, dar expansão aos
seus rancores, clifficilmente contidos.
Historiemos os successos, para que o leitot' tire por si
mesmo as mações. .
Ha mezes, o Sr. Cesai·io Alvim, tendo noticia de que o-
superintendente da limpeza publica · e particul::l,r não procedia
de perfeito accordo com as leis inillildiveis da mo·r al, exo-
nerou-o. Esse individuo, entretanto, tinha e tem a fortuna
rarcJ, de ser amigo estremecido do Sr. Epitacio (de quem 3,té·
foi padrinho de casamento) que por elle muito se interessava;
o proprio prefeito, ao demittil-o, communicou ' em carta r e -
servada, delicadamente, ao Sr. Epitacio, os motivos que for-
a
çaram extrel)la· medida: o resultado de um inqueri to que
deixara provadas umas tantas prevaricações.
O Sr. ministro do interior não perdoou ao prefeito esse
golpe desfeçhado contra o amigo, e, desde. então, as relações.
entre os dous altos funccionari.os da Republica tornaram-so
tensas, não ·occultava o Sr. Cesario essa situação e a mais
de uma pessoa disse: « despedindo o tal .homem da limpeza;.
abri a minha porta de sahida . »
Por todos os meios buscou o Sr. Epitacio uma desforra;
a snpposta biibonica forneceu-lhe o pretexto. Pelo intempes-·
tivo decreto · de 13 d~ Janeiro, . o governo resolveu cbamar
a si. a directoria de hygiene municipal, collocanclo-a sob a
jurisdicção ela Directoria Geral de Sande, a:fim de . melbor

·- 277

A Prefeitura já não póde pagar as suas cohortes


.,de funccionarios, já lhes deve ordenados de mezes
vencidos ; sobrecarrega o contribuinte, mas q di-
,nheiro não entra em quantidade que chegue e os
-emprestimos q_ue se succedem todos os aünos em

garantir os interesses da população ameaça.da; as providen-


cias, porém, que advieram dessa notavel medida limitaram-se
até hoje, talvez por modestia, á nomeação de doze com-
missarios extraordinarios, .prodigamente retribuidos. O alvo
manifesto do decreto era ferir · o prefeito que , tendo pedido
exoneração não a obteve, resignando-se a permanecer no
-cargo.
Agastou-se com isto o Sr. ministro do interior; agas-
tou-se, mas não desanimou. Estava reservado ao Sr. Dr. Nuno
,de Andrade triste papel em todo esse negocio; o illus·tre di-
rector da sande passou a doei! instrumento do Sr. Epitacio.
E não pode allegar a inconsciencia da missão; o talento do
reputado clini-co não pcrmitte essa circumstancia attenuante;
foi, pois, com pleno conhecimento que S. S. agiu, satisfazendo
.as suggestões do Sr. ministro do Interior. _
Os officlos, eivados de impertinencias, dirigidos pelo
Dr. Nnno de Andrade ao Dr . Torres Cotrim, clirector da
hygiene municipal ,- seu cunhado e amigo; o ultimo dos g_uaes,
por intermedio do Sr. Epitacio, visavam a pessoa elo pre-
feito. Em data de 29, o Sl'. Cesario Alvim pulverisou as
.accutlações endereçadas á Prefeitura , quanto á desidia nas
-providencias em beneficio da saúde publica, e, tratando do
ultimo officio sobre a limpeza das praias e remoção do lixo,
salientou o pivot da questão.
Merecem ser transcriptas as Hnhas do Sr . .Alvim: são
uma analyse feliz dos tempos que correm. Gryphamos os
trechos mais typicos.
« Passo agora, Sr. ministro, em conclusão, a apreciar
a terceira reclamação do Sr. c1irect0r geral de Sande Pnbliqa,
278

taxas onzenarias pouco capital liquido propor-


cionam. O Prefeito é obrigado a entrar em con-
cordata com os credores, dand0-llles pelas·- contas
um pouco de rrioeda corrente e muitos títulos.
depreciados.

que me veiu por vosso intérmedio, em officio n. 26 de 22 d<>


corrente. ,
« Refiro-me ao serviço ele limpeza das praias e remoçá<>
do li~o, que se cliz irregular e feito de modo incompleto e-
prejudicial ao estado sanitarfo do littoral, como vos exprimis.
« Exhibo-vos, sob o n. 7, por copia, a informação que
me prestou o director superintendente do serviço de limpeza
publica e particular, profissional de competencia e do inte-
gridade moral sem su1:>erior. Elia vos tranquillisará e ao
Sr. Direetor de Sande que tambem quer essa Repartição .
« O .que é _possível se fazer nesse custoso ramo de ser-
viço publico, que inesperadamente teve a Municipalidade de
chamar a seu cargo, tem-se feito sendo hoje muito diminutas
as reclamações populares contra a sua execução.
« Talvez por mal informado, ou por força das vossas
multiplas é importantes funcções, não estejais ao corrente
do que se tem dado com tal serviço, dispendiosíssimo para.
a Municipalidade, e acrediteis que elle está com a primitiva.
e desastrosa organisação qne ilJudído lh'o dei, quando aban-
donado pela empreza particular que o explorava.
«· Não, Sr. Ministro,
« Ha mezes já que demitti o primeiro superintendente,
que me foi apresentado e iiistantemente recoinniendado por pes-
soa conspicita, tão intet·essacla que eleve set· e o é nati,ralmente,
co.ino eu, na elevação elos creditas administrativos dct R epiiblica.
« Esse ex-funccionario, que não hesitei em despedir,

desprezando considerações, que talvez a outros detivessem,


e, resistindo a solicitações de 1Jocleroso pafrono, que não vem
a pelo descobrir-vos, praticou as prevaricações compendiadas
·279 -

Examinemos, porém, o que succedia antes do


levante de 1889. Em 1886 a arrecadação dos impos-
tos foi de l.354:712;tt,242; em 1887-1.404:0í8~506;
em 1888-l.627:285;til435. A despeza fixa,isto é, a
do pagamento de todo pessoal e custeio de serviços

no memorandwrn junto sob n. ·s, que rubrico, bastando-me


destacar pa1'.a aqui duas.
« Alugára uma casa para estação á Companhia Indus-
trial _do Rio de Janeiro, quando ella exploeava o serviço
de limpeza publiba e _particular, pela quantia de 200$000
mensaes.
« Transformado depois em superintendente· desse mesmo
serviço, por conta da Municipalidade,que l)J.e pagava 1:000$
mensaes, dando-lhe eu toda a liberdade de acção, nem só
elevou para si o aluguel do predio a 300$, como ob e siibre-
pticiamente melhorou-o com reparos, na importancia de 3 a 4
contos, sahidos por conta da Municipalidade, da qual era
preposto ! ·
« Usou carro e fardou cocheiro á custa dos cofres mu-
nicipaes, dos quaes só no mez de Junho sahiu a somma de
1:190$ para aprimoramento desse regalo, á disposição quasi
sempre de pessoas estranhas ao serviço publico.
« Como vereis do memorandum, ha outros escandalos
de igual, senão maior gravidade.
« No goso de minha plena confiança, e superintendendo
uma repartição de caracter provisorio, dei-lhe a faculdade
discricionaria de organisar como entendesse. todo o respe-
ctivo pessoal, que no seu tempo custava cerca de 36:000$
mensaes, mais do que presentemente !
« Esclarecido agora, Sr. MLnistro, me fareis a honra de
ponp11,r com as vossas advertencias á requisição do Sr. Di-
. rector de Sande, sobre wni serviço ein qice, se l~ . z , c ;,ua;i.;:.t;;': : : : : : : : : ~ -
.cações que (t minhct confiançcc em terceiros rne -~:1{,.\~ 1i~&. ww-DA
ceber desde logo, resgatei a culpa pela e · , · rSi promptidão
280

importou em 1886 na quantia de 697:305;f/l498;


em 1887 na de 7 55:131,374; em ·1888 n11 de
705:672,935. A despeza com os melhoramentos
elevou-se em 1886 • a 657:406;i't>745; em 1887 a
648:947;/Jl132; em 1888 a l.021:612;/ft500.

com ·que castiguei o culpado e pela indifferença em que me


tem encontrado a má vontade de seus patl'onot;.
« Tranqnillisae-vos, Sr. Miui:stro, sobre o serviço da· lim-
peza publica e particular, ciijo soro é mitito appeteciclo.
« Resistirei mantendo no exercício do 1ilevado cargo que
occupo as minhas tradlções de homem publico, edncaclo na
velha escola da honra e do dever. ·
« Ainda qiianclo sob a atmosphera moral vicicicla em qne
v ivemos, anele tiielo convida á f'oi-·tiina e ao goso meiterial, qite
se procurei por todos os m eios, mesmo que, de senso obliterctclo,
me parecesse qiie 7iavict percprriclo imi longo ceiminho errado,
o poiico qiic f eliz mente m e sobrei ele existencia não dar-ia. para
iima mitclança ele ritmo e ele viclet. ·
Sande e fraternidade. - José Cesario ele F ctrici Alvim. »
O Sr. Epitacio não gostou da linguagem decisiva do
prefeito e devolveu-lhe o officio ; dahi o telegr-amma do
Sr. Alvim ao Sr. Campos Sanes pedindo a sua demissão,
dos termos elo telegramma, porém, transluz a certeza elo
Sr. Cesario de que o chefe elo Estado não annuiria ao
pedido dando assim plena satisfação a moralidade admi-
nistrativa.
Comprehen.de-se, portanto. a esttlpefacção geral, quando
appareceu ptlblicada o nomeação elo Sr. Conselheiro Antonio
Coelho Rodrigues para p ubstituto elo Sr. Alvim.
Em toda essa historia hoave um jogo curioso, verda-
cleira bisca em familia : um padrinho ele casamento ( Sr.
Gary) ; um afilhado e amigo (Sr. Epitacio) ; dons cunhados
(Srs. Nuno e Cotrim). Faltou a dama para maior complemento
da farça.
- 281 -

A divida passiva da Illma. Camara Municipal


<lá Oôrte era, então, de cerca de 4. 000:000;i'/\, re-
presentados em a polices do juro de !;í º / 0 , e em, titu-
los de .d ividas e contractos, despendendo a Munici-
palidade com esse serviço 400: 000;/1) na média
annual.
Ag·ora vejamos o que disse o Prefeito do Distri-
cto Federal em sua Mensagem de 2 ·de Março de
l 898 : « Em Agosto de 1889, a Camara Municipal
--do Rio de Janeiro levantou o en1prestimo Morton
Rose, valor nominal de 5.000:000;,IP, typo 79, res-
gate em 41 sorteios, o ultimo dos quaes será no dia
1 de Agosto de 1931. O juro e amortização dessa
divida, ao cambio actual, importa em cerca de
1. 000:000$ por anno. Com o saldo desse emprestimo
-e com as contribuições das companhias do Jardim
Botanico e de S. Ohristovão pela pro rogação dos
seus contractos, ponde .a Intendencia pagar todas
as . outras dividas que tinha, o que parecia abrir

Mas o caso não pertence sómente aos commentarios


i>legre:,,, os periodos do Sr. Cesario Alvim põem a nú a mi•
,seria moral em que vivemos, quando ministros se interessam
<!Om desespero por individnos que, segundo affirmaçãó pu-
blica, prevaricam !
E o Sr. Campos Salles, deferindo a demissão que lhe
pediu -o seu antigo collega do GoveTno Provisorío, sanccionou
a condncta publica e particular · do Sr. Epitacio.
Como tudo is;:;o é deploravelmenfe :vergonhos o : o sôro
do lixo invadindo as cumiádas do poder e nivelando os
caracteres ás suas condições de immunclicie ! »
282 -

para o Districto uma ern de prqsperídade. Aconteci-


mentos, porém, succederam-se desde então, alguns
bem extraordinarios, que alteraram por muito o
regimen municipal, e perturbaram profundamente
as suas finanças.
~< Das causas que nos ultimas exerci cios têm
produzido constante, progressivo e inqú.ietador
desequiliorio entre a receita e a despeza, umas vem
indicadas nos relatorios e mensagens dos meus il-
lustres antecessores, outràs a saoedoria do Conselho
snpprirá. Basta neste documento recordar que em
1894 contrahio-se um emprestimo de 5.000:000;tt,,
em 1895 outro de 14.000:000:tP, em 1896 terceiro
emprestimo de 20.000:000:tP. Tal é a orígem da
divida interna consolidada de 25.000:000;tt,, em
títulos de 200;t)I , cotados a 150:tt, immobilisados
nas carteiras dos bancos, e cujo sei·viço exige
annualmente 2 .163:200;tt,. A administração actual
tambem contrahio um emprestimo, quasi anteci-
pação de renda, de 3. 000:000;t;J, pagaveis no correr
do exercício.
« Dado que as previsões orçamentarias se rea-
lizem, do que é licito duvidar, a receita do cor-
rente anno será de 17 .656:436:tb. Deduzidos para
as dividas externa e interna cerca de 6.000:000;/j)
e para o pessoal 10. 000 :000~, restam l .162:634;f!J
p cira toclas as outras despezas, inclusive contas em
atrctzo nct iinportancia de mais de 4. 000:000';/!) ,
condemnações judiciaes que se elevam a sommas
- '283 -

consideraveis, desapropriações
., decretadas e algn-
mas ex1g1veis desde muitos annos, etc.
· Quanto é dado basear calculos sobre dados por
sua natureza vacillantes e incertos, tenho para mim
que será ávultado o DEFICIT no corrente exercício, e
receio a sua progressão de anno para anno.»
A marcha progressiva .que atemorisava o Pre-
feito em Marçp de .1 898 realizou-se; a insolvabi- ·
lidade é tão manifesta no Districto Federal como
é' evidente na Federação. (3) E para isto de certo

(3) Do Relatorio, lido a 1 de Março do corrente anno


pelo prefeito conselheiro Coelho Rodrigues, destacamos os
seguintes períodos que eloquentemente attestam a indigencia
da fortuna municipal.
« A principiar das finanças, que são a pedra de toque da
administração e da politica, vim encontrai-as em tão lasti-
mavel estado que sem uma reacção immediata, continuada,
criteriosa e prudente, iremos ter fatalmente á bancarrota.
« Para proval-o bastará vêr que da receita, calculada

· em 19. 229:400$ pelo orçamento em vigor, apenas se arre-


cadou 17. 709:076$446, ao passo que a despeza, calculada
em 17. 741:203$333, subiu a 23 . 418:585$199, o que im-
porta um cleficit de mais de sete mil contos ou exacta-
. mente de 7 .197 :795$420.
" Para fazer face a esta enorme differença o meu
antecessor contrahiu dois emprestimos no valor de ... ; ..
4. 800:000$ e obteve da Companhia Villa Isabel o dona-
tivo de 1. 000:000$, cujo p1'oducto não bastou para supprir
o clefied do exercicio, o qual excedeu áquelles recursos
extraordinarios em mais de 1. 300:000$000.
« Aquelle deficit, accumulado com os anteriores, como
vereis do resumo, que dou adiante, do Relatorio do director
- 284 -

co ncorreu o augmento desvaira.do do pessoal, cujo


numero excede em muito a dois mil !
Actualmente, segundo a ultima lei orçamen-
taria, sanccionada pelo Decreto prefeitura] n. 658
de 4 de Janeiro de 1899, possue a Municipalidade ·

da Fazenda, prodrrziu uma divida f!nctuante de quasi


9.000:000$, a q11al, se fór addicionada á importancia da
r·eclamação, feita pelo governo federal ao municipal, em
21 de Julho de 1898, póde elevar-se a Réis 15:000:090 $
e, talvez a mui to ,mais •
« Por outro lado, a · divida fundada já sobe a muitas
dezenas de milhar de contos .
« Do. emprestimo externo já pagamos até hoje a
quantia de 6. 963 :831$9.43 e ainda devemos E 860. 625 que
correspondem a mais de 26. 000:000$, graças ao cambio .
que temos e provavelmente havemos ele ter, emquanto
este ramo de negocio fór, como é entre nós, um. mono-
polio dos bancos estrangeiros.
-E note-se que sendo o valor nominal desse desas-
trado emprestimo de 5. 000:000$, produziu elle menos de
4.000:000$, ao typo de 79 °/o, o qtie nos deve pôr de
sobr eaviso contra emprestimos externos.
Do emprestimo interno, contrahido em 1896 com o
Banco da Republica, já pagamos 6.489:356$700 e ainda de-
vemos 36. 773:021$300 de capital e juros.
« Nestas condições, seremos forçados a recorrer mais
uma vez e já a novas operações de credito e carecemos
antes de recorrer aos capitalistas, de provar por factos
que estamos dispostos a reformar os vícios clironicos, que
reduziram a taes apuros a nossa administração ~unicipal.
« Se a direcção, que ella tem dado ao Governo deste
Districto, fosse dada por um . particular aos seus bens,
já os se us parentes lhe teriam dado um ' curador por
prodigo. ,,
285

(incluindo a secretaria do respectivo Conselho)


22 directores, 10 snb-directores e secretados, 43 che-
fes de secção e administradores, 19 thesoureiros,
fieis e almoxarifes, 108 officiaes em geral, 109
amanuenses, 76 auxiliares, copistas e zeladores,

Mais abaíxo _diz ainda S. Ex :


« A historia do nosso orçamento nrnnicipal é a mesma
dos nossos clefi,cits verti ginosos, que vão-se multiplicando
pelo tempo , como o peso pela distancia, de um modo assus-
tador para todos os contribuintes e pa,ra quem quer que
não esteja interessado no statib qiw .
« Uma ligeira inspecção elo quadro elas despezas mnni-
cipaes mostra que dois terços da sua receita são para o
fünccionalismo, de modo que, deduzida esta verba, e adrli-
cionada a elo ~erviço elas dividas fundada e fluctuant e, não
restam n em 25 °/o para os melhoramentos materiaes de que
tanto ·precisa esta cidade, q ne seria uma das mais bellas e
mais salubres do mundo, se fos (le devidamente cuidada.
« Na propria Directoria de Obras, cuja especialidade
são esses melhoramentos, a . verba elo pessoal excede a do
material, do modo que nacla mais natural do que ficar muitas
vezes o primeiro sem poder trabalhar, á falta ele materia
prima.
(< .E m- tal caso, cada um de nós , administrando seus
bens, não hesitaria em di spen sar o pessoal, até que adqui-
risse . ma teria prima, com que pudesse utilisar a mi\o ele
obra ; mas, se o Prefeito o fizesse , seria accusado de crime
ou de arbitrio ; porque quasi to~os os funccionarios muni-
cipaes são vitalícios ou se consideram taes.
« Ainda mais : a maior parte dos membros do magis-
teeio consiclera-se inamovível; tem direito ao augmento quin-
quenal elos seus vencimentos, ainda que as r endas munici-
paes diminuam ; e ao aluguel de casa para morar, além ele
contarem tempo de serviço dobrado ou t riplicado (segundo
\

- 286 -

16 inspectores escolares, 81 O 1?_rofessores em g·eral


e mestres, 68 medicos e commissarios de bygiene,
26 engenheiros,· 58 agentes em geral e escrivães,
337 guardas, feitores, serventes e jardineiros, 15
porteiros e ajudantes, 47 contínuos, 8 procuradores
e of:ficiaes de justiça. Ao todo 1772 empregados ! ,
Não incluindo bedeis, copeiros, cozinheiros, desin-
fectadores, cocheiros, jornaleiros, dentistas, ma-
chinistas, marinheiros e mais pessoal abundante,
embora de nomeação menos graduada.
E com toda essa móle de gente despendem os co-
fres municipaes a somma annual de 10.676:253;tti333 !
A isto se deve accrescentar os honorarios dos

as accumulações que tiverem) ; antiguidade anterior á no-


meação effectiva, para a aposentadoria, no fim de certo
tempo, e tudo isso iê'em prejuízo do montepio. E , corno se
tudo isso não bastasse, têm vinte mil réis por cabeça de
cada alumno que preparam para os exames finae s.
« Nos proprios casos em que as leis municipaes parecem
permittir ao Prefeito a demfasão de alguns raros fo □ ccio­
narios, elJa deve ser precedida de outras penas, que com-
petem a superiores imrnediatos e independentes do mesmo
Prefeito ; porque são vitalicios e pi·etendem ter aos seus
cargos politicos direitos adquiridos, iguaes aos civis de pro-
priedade ou cl.e credito.
~ Dest'arte, o representante do Pocler Executivo Muni-
cipal está reduzido pelo Legislativo a um Rei constitucional
de Sieyes, impotente para fazer o bem, só podendo fazer o
mal e sitiado por auxiliares temíveis e mais poderosos, ou,
pelo menos, iguaes ao Ministro do P·rince Caniche, - de
modo gne o Prefeito seria apenas inutil, se não custasse
tanto ao mmlicipio , .
- 287 -

intendentes e o do Prefeito na importancia de


222:000;J)')OOO.
No derradeiro orçamento votado pela Illma.
Camara Municipal da Côrte, em 1889, estabele-
ceu-se para a secretaria a quantia de 33:200;».');
nos tempos actuaes a repartição correspondente é,
suppomos, a directoria do Interior e E'statistica
que consome 225: 800:t;IOOO. Ainda no referido
orçamento á Directoria de Obras destinaram-se
34:000:t;IOOO; hoje ella gasta 523:200;f;,; com o Ma-
tadouro se despendia 300:000;J)'), actualmente a
importancia monta a 473:900;f)l, reunida a despeza
do Entreposto de S . .Diogo. A verba dos aposen-
tados é que attinge a proporções nunca sonhadas :
de 9:061:t;I (tal foi a somma votada pela Illma~
Camara em 1889) passou' a 443:000;ft,OOO ! (4)

· (4) Como simples curiosidade inserimos aqui o orça-


mento de despeza municipal votado em Outubro de 1889
para o aúno de 1800 (pagina 27 do Boletim da Illma. Ga-
mara Municipal da Côrte, mez de Outubi•o de 1889) e a lei
orçamentaria de despeza para o exercício de 1899, lei pro-
rogada para o exercício de 1900.
Orçamento de 1890 -:
1. Secretaria ........... . .... . 33:200$000
2. Contacloría . ... . . .... . .... . . 21:000$000
3. Thesouraria .... . .......... . 10:600$000
4. Contencioso ... . ........... . 12:000$000
5 . Directoria de Obras ....... . 34:000$000
6. Fiscaes e obras ........... . 83:000$000
Rs ....... .. . 193:800$000
- 288 -

A eloqnencia esmag·adora dos algarismos em


confronto suppre qualquer commentario; o publico~
que nos lê, tirará ·por si mesmo as illações.

Transporte. .. . . . . 1B 3: 800:i!OOO
7. Matadouro . . .. .. ..... .... . . 3 00: 000$000
8. Necroterio . . .. . . . ... ...... . 4:S00$000
g. EmpTegados aposentados .. . . 9:061$000
10. Bibliotheca ... . . . ......... . 10:400$000
11. Escolas ~Iunicipaes .. . .. . . . . 70:000$000
12 . Tombamento .......... . ... . 10:600$000
13 . Fiscalisação de vaccas . . . . . . 7.200$000
14. >> de inflammaveis. 1:800$000
15 . Aferição e carimbo . .... . .. . 22:661$059
16. Exame medico de generos
alimenticios ....... . ·. . .... . 3:600$000
17 . Fóros ele terrenos occnpados
pela Gamara .. .. .......... . 1:500$000
18. Calçamentos e conservação
de estradas ..... . .... . .... . 220:000$000
19. Jardins e Pmças .. . .. .. . . . 12:000$000·
20 . Cw, tas judiciam; .. .... . .. . . 96:000$000
21. Expecliente e publicaçõ'es .. . 35:000$000
22. Eleições e Qualificações ... . 2 :000$000
23. Restituições . .. . . . . . . .... . 5:000$000
24. Porcentagem á Alfandega .. 3:000$000·
25 . Amortização e juros ele em-
prestimo .. . .... ....... . .. . 250:000$000
26 . Obras novas ..... . .. · ..... . 350: 000$000
27. Eventuaes . . . . . .. ... . ... . 22:720$073,

Total ......•....••• 1 . 631: 043$132


- 289 - ·

Talvez nos contestem as proposições·, allegando


que no regímen monarchico a Municipalidacfe não

Agora o_ de -1899 :
1. Conselho Municipal. ... .... . 248:000$000
2. Secretaria do Conselho . .. . 234:000$000
3. Prefeito ....... .... .. ..... . 42:000$000
4 . Gabinete do Prefeito .. .. .. . 36:600$000
5. Directoria Geral do Interior
e Estatística ... . ......... . 225:800$000
6. Archivo . .... ... . ........ . 101:400$000
7. Inspectoria de caça e pesca .. 372:200$000
8. Directoria de Fazenda . . ... 682:400$000
9. Agencia do imposto do gado. 5_8:000$000
10. Directoria do Patrimonio .. . 129:400$000
11. Almoxarifado .. . ...... .. .. . 24:600$000
12. Directoria Geral de Instruc-
ção Publica . . . .... . ...... . 443:000$000
13. Instrucção Primaria ..... . . . 2.847:000$000
14. Escola Normal. .. .. ... ·. .. . 275:640$000
15. Instituto Commercial. . . .. . . 345:393$333
16. Instituto Profissional para
meninas ..... . ........... . 154:540$000
17. Instituto
. Profissional
\
.... . 540:400$000
18. Directoria Geral de Hygiene. 106:200$000
19. Policia Sanitaria . .... . 439:600$000
20. Instituto Vaccinico . . . . ... . 74:520$000
21. Inspectoria de Isolamento e
Desiufecç,ão . .... . ... . .... . 231:300$000
22 . Transportes de doentes por
via marítima ...... ... . .. . 59:760$000
23 . Hospital de S. Sebastião .. . 149:600$000
24. Casa de S. José .. . ....... . 308:600$000
25. Asylo S. Francisco de Assis. - 117:600$000
· Rs . .. -. . . 8 . 247:553$333
l9 4° VQLU~lE
- 290 -

possuía os serviços qtte boje lhe ê:abem. Este argu-


me·n t o, porém, nã'o -colhe, ·pois em primeiro-logar a;

Transporte ........ . 8. 247:553$333


26. Matadouro ............ . .. . . 449:700$000
27. Entreposto de S. Diogo .. : .. 24:200$000
28 . Cemiterios mnnicipaes ... . . . 88:400$000
29. Laboratorlo de Bromatologia. 6G:000$000
30. Limpeza publica e particular; 400:000$000
31. Agencias da Prefeitura . . ... . 881:200§000
32. Directoria de Obras e Viação. 523:200~000
33 . Contencioso . . . . . . . .... . .. , . 97:600$000
34 . T.heatro municipal . . ... . .. . . 30:000$000
35. Aposentados .. ._............ . 330:000$000
36. Amortização e jmos de em-
prestimos .... .. ..... . . ; . . . 3. 007 :200$000
37. Pagamentos de fóros ....... . 110:500$000
38. Calçamentos .............. . 1 . 000:000~000
39. Obras novas .............. . 1.160:000$000
40 . Restituições ..... . ... .. .. : .. 40:000$000
41 . Snbvenções .......... . . .. . . 110:000$000
42. Montepio municipal. ...... . . . 18:000$000
43. Cálçàmento na · Gavea .... . . . 75:000$000
44 . Conservação das e~tradas da
Gavea e Tijuca ........... · 116:250$000
45 . Planta cadastral ........... . 250:000$000
46. Divida passiva ............• 200:000$000
47. Construcção e· reconstrncção
de estradas suburbanas .... 200:00.0$000
48. Reconstrncção do patrimonio
do theatro municipal. ...... . 200:000$000
49 . Eventuaes ....... . ... , ..... . 120:000$000
50 . Por execução da lei de 3 de
Novembro de 1898 ..... .. . . 15:000$000
Totl;l.l . . ,, ... , ... ,, .. 17. 753:803$333
291 ~

despezct é phenomenal, e, em segundo, os serviços


são tão mal executados que não inspiram a menor
confiança. ( 5)

Não incluímos a verba do extincto fe,d,,agogiiim; n_;i,


importancia de :,6:400$000.
O projecto d·e orçamento para 1900-1901 assign~lava
um deficit superior a mil contos, causado pelo augmento
de 25 e 30 °/o nos ordenados de alguns cabos . elettoraes.
Esse projecto não foi approvado, graças á energica · oppo-
sição do honrado in~endente Dr. Azevedo Lima.
Parecerá descabida a · citação niinuciosa de todas as
verbas de despeza, mas o leitor, ao p ercorrel-as, não deixará
de pasmar ante a incrivel exorbitancia de -muitas, mormente
considerando que nenhum dos ·servi_ços corresponde ao sa-
crificio dos dinheiros com elles· consumidos.
(5) Para corroborar de modo incontrastavel a nossa affir-
inação ha o decreto de 13 de Janei~'º de 1900, q1}e .transcre~
vemos.
« .Áttendendo a razões de interesse commum e ouvido
o Prefeito do Districto Federal, reso.lve intervir nos actos
da administração local, referentes _ à defeza sanitaria da
Capital da Republica, cessando a competericia das müorida-
des muuicipae,:; quanto ao objecto de intervenção e ficando
a Directoria Geral de Sande Publica investida da direcção
dos serviços de hygiene na me,:;ma Capital, de accordo coni
as disposições do titulo IV do regulamento mandado executar
pelo Decreto n. 2.458 de 10 de Fevereiro de 1897. - ~M.
Ferraz ele Campos S alles. - Epitacio ela Silva Pessoa .»
E' obvio que se o Governo confiasse na Directoria de
Hygiene Municipal não expediria o referido· decreto.
· Alem desse acto, ha -a opinião, emittida com louvavel
franqueza pelo -p refeito Coelho Rodrigues em seu recente
Relàtor;o. S. Ex. analysa com verdadeiro-escrupulo todos os
serviços, deixando patente o estado des olador das repartições
292

VI
.. ,
O que sobra desses desastres na ordem rna.terial 1
dessas ruinas na ordem moral ? A apathia, o ser-
vilismo e o scepticismo.

mumc1paes. Merecem transcripção as suas palavras sobre


a Insti.-ucção Publica, com qu·e são despendidas sommas
enormes.
« Ná,o podendo sobrn a instrucção ·publica adiantar, por
emquanto, mais do que fez meu antecessor no seu relatorio
de 1° de Setembro do auno findo e no qual vos exp_oz minu-
ciosamente os males que observou nesse ramo de serviço
publico, tão complexo e cheio de di.fficuldades praticas,
limitar-me-hei a solicitar a vossa attenção para algumas
reforml'!,s de caracter urgente, relativas ao magno as-
sumpto, nutrindo a convicção de que o tempo tenha levado
a convicção a todos os espíritos chamados a collaborar
nas medidas imperiosas e inadiaveis que tendem a pro-
ver de remedia ao estado · de conf'usâo e anarchia em qiie
se acha · entre nós a instrucção p1-iblica, devido á legislação
viciosa que infelizmente ainda vigora e cuja perniciosa
influencia a pratica -tem, infelizmente, demonstrado á sa-
ciedade. ~
« Os serviços ela instrucção, clacla pela Miinicipaliclade
deste Districto, constituem actiialnicnte onus pescidissimo sem
vantagéns cori·espondentes e offerecem a pers1Jectiva ele muito
maiores clispenclios no futuro. »
Vê o_leitor que as no..ssas affirmações .p erdem o caracter
de . particlarismo interesseiro para só exprimirem a mais
indiscutível verdade. Aos nossos argumentos junctamos a
palavra das auctoridades actuaes, mu.itas vezes mais calo-
rosas_na demonstração das ruínas.
293 -

As praticas · menos escrupulosas escravisaram


a primeira municipalidade brazilefra aos interesses
mais 11eprovados. No Pão de Assucar bem se podia
pregar o cartaz de J ugurtha - isto é de quem
mais .der!
Que desanimo e que abandono ! . As ruas que
outr'ora eram o centro de circulação ,em que o
commercio prosperava, em que lojas e armazens
se desafiavam pelo esplendõr da orname·n tação pará
attrahi-r os transeuntes, hoje quasi sem consumi-
dores jazem ermas, os negociantes nem mais podem
supportar a~ despezas da .illuminação de suas casas,
o povo cahín em miseria tal, que muitas vezes se
vê forçado a não adquirir o ne.cessario á sua
subsistencia. Em contraste com e5sa penuria ha
a opulencia dos que empolgaram o Rio de Janeiro.
E', como dissemos, a . desolação de Boabdil
chorando como mulher, os bens que não . soubera
defender como homem .
Rememorando o passado feliz nestes dias de
dôr e de desgraças, o :fluminense curte com o
atroz arrependimento, que lhe corróe o coração,
o crime de um dia de fraqueza e de abstenção.
Sente, apt·endendo na acerba saudade do re-
gimen de paz, de ordem , de liberdade e de tra-
balho, que o cidadão nunca deve descurar da
cousa publica, que os negocios publicos são os
seus proprios negocios, que a patria está tambem
no seu lar.
-- 294 -

O servilismo é. dõr- mais , cruciante do que a


maior dôr physica, porque · anacei·a as :fi.bra·s do
nosso corpo e fl.agella .ao mesmo .tempo as ca1;nes
de entes queridos, merecedores do nosso amparo
que lhe não damos pela impotencia da nossa pro~
pria · abjecção. ;
Dia . fatal que nos trouxe as miserias destes
dias, 'hora tremenda em que nos tornamos presa de
homens que nos ext.orq uirain a liberdade e · os ·di~
rei tos: expiamos agora em cada dia, em cada b,ora,
ern cada momento a sordidez da nossa existencia .
Excidat illa dies cevo !
INDIOE

NONA PARTE
(General Cunha Mattos)
EXERCITO

Causa e fim do levante de 15 de Novembro .. .... .. . 7


II Augmento dos so ldos, reforma compulsaria e outros
processos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
III Os novos planos de organisação ; promoções ; re-
forma do ensino militar... . . ... .. . . . . ... .... .... 29
IV Os resultados j á colhidos ; perspectiva do futuro. . . . 39

O_ECIMA PARTE'
cDr. Corrêa B itt encourt)
SAUDE PUBLICA

lN'l'JlODUCÇÃO . . . .... . ..• , .. ... . . • ....• . . . ....•.. , . . . • . . . . . 49


Legislação sanitaria da Republica ; suas reformas e
reOTgan isações. Descentrali sação dos serviços de
hygiene. A Convenção Sanitaria.. ...... ......... 53
II Legislação sanitaria do Imperio ; seu regímen uni-
tario; seus serviços [t sande publica ... , ... .. . ·. . 67
Ill Paralle~o entre os dous regimens sanitarios. Resul-
tados da federali sação da hygiene publica . O cho -
lera. A peste bubonica........ .. ... ... ....... . . 81
- 296 -

IV HosJ_iilaes ê material sanitario. Cgmo se corrigem as


falta~ da iVIonarchia. A hygiene da rrossa Capital.
O regímen sarritario nos paizes civilisados . .. . .. 10.L
V Hygiene mili.tar. Hygiene naval. Hy!fiene das prisões l 15
VI A mürtalidade do Rifu de Janeiro nos dous regimens.
Estatísticas demographosanítarias. - Um decen-
nio fatal. . . ..... . ...... . ... . ...... ." . . . . . . . . . . . . . 133
VII Os debates a respeito da Convenr;ão Sanitaria. Decla-
racões importantes ....... . ... -, .... . ....... . ..... 163
VIII Da Saude Publica no_s Estadus.... . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Estados cio Narte . ....... : . . . . . . . . . . . . . . . . . . l 82
Estados do Sul .............. . ....... ,....... 197
Ill Da varíola e ela vaccinaç,ão nos Estados e da
ophthalmia dos recemnascidos . . . . . . . . . . . 228
IX Orr;amento Sanitario.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
X Considerações finaes.. . . . ..... . . . .......... · .... . . 247

DECIMA PRIMEIRA PARTE


(Frederico J\'.lartins) ·

iVIUNICIPALIDADE

l\'lunicipalidade do Districto Federal ............. . . . 261 á 294

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