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A

DECADA REPUBLICANA
A

IlECAilA REPUBLICANA
-V-II. -V-III.
Cons. Candido de Oliveira Barão de Paraná piaeaba
H Justiq:a Elei~ões

.. os ·uT .•ov~
-fJE
-

RIO DE JANEIRO
Companhia Typoqraphica do ijra:;il
Rua dos Inv.üidos , 93

1900
VII

A Justiça
~~-ff,,t
~~\..
A JUST . CA. SOB A REPU'BL'ICA
:,

Tapai as narinas de um animal; elle em-


pregará esforços furiosos para desembara-
çar a cabeça.
Garroteai seus membros ; elle se debaterá
com raha para recobrar a liberdade.
Prendei-o pelo pescoço ou pela perna;
deconerá bastante tqmpo, antes que renun-
cie á tentativa de deswencler-se.
Encerrai-o em jaula; entregar-se-ila á uma
agitação prolongada e incessante.
E' qu e, quanto mais violentas são as res-
tricções impostas aos actos garantidores da
vida, mai's violenta seni tarnbem a resis-
tencia que _suscitam.
(SPENCER - A J11,stiça) .
A revolta brazileira, que, a 15 de Novembro
de 1889, extinguindo a Monarchia, fundou sobre os
seus destroços a Republica Federativa, destaca-se
singularmente das diversas commoções políticas,
que _a Historia registra.
Um povo, racionalmente, não conspira, nem se
entrega á aventura dos movimentos insurreccionaes, -
sinão quando se vê forçado a. empregar esse re-
curso extremo para a conquista de alguma liber-
dade perdida.
Só dess'arte se legitimam as investidas pelas
armas contra o systema constituído.
Comprehende-se a attitude do povo rnmano,
aproveitando a morte de Lucrecia para abolir a
tyrannia dos Tarquinios.
A conjuração portugueza de 1. 0 de Dezembro
de 1640 foi a reivindicação da independencia na-
cional, bem como a Suissa, no
seculo XIV, a Grecia
em 1820, e as · colonias inglezas da America do
Norte, no fim do seculo XVIII, atirando~se .,,.,...-:ao azar-
""'"'
..·--.
~

da guerra civil, eram os paladinos d~ ,;--">·-qs,ãl. t/.].ro'J DA C,J,~·


direito violado. <-,>" "-i'_,,
Como essas, todas as demais explosões" do soffri-
mento popular. ~'-!_s DE. •1.n~-c.:oS
--.. -----=-~
- 10

No Brazil, não.
A psycholog·ia do levante attesta phenomeno
inteiramente diverso.
Possuíamos, ,com o Imperio democratico de
D. Pedro II, o maximo das liberdades, que um povo
póde pretender.
O art. 179 da Carta política de 1824 era quasi
a litteral reproducção da celebre declaração dos
direitos do Homem pelos Estados Geraes de França
na memoravel noite de 4 de Ag·osto de 1789 ..:
· O systema de governo, nessa Constituição de-
cretado, é o mes1110 que tem assegurado á Ing·la-
ternt tantos seculos de progresso e de bem-estar.
Hoje, que são volvido s dez annos depois do
execrando successo, o espírito reflectido pergunta,
ainda attonito, porque se fez o temerario golpe ...
Tudo indicava , na vespera do attentado , que
iam ser pacificamente solvidos os diversos proble-
mas sociaes e economicos, que agitavam a nossa
vida interior.
As urnas, em uma das suas mais livres mani-
festações, acabavam de legitimar o acto pelo qual,
em Junho, fôra entreg1re ao partido liberal a alta
gestão dos negocios.
Não obstante o grande abalo economico, que
adviera da abolição incondicional, a la vonra se
resignára á profunda modificação do regímen do
trabalho , emquanto que o 0-overuo, facilitando-lhe
recursos, a habilitava a supprir, mediante processos
- 11 -
mais scientificos, o braço escravo, de q_ue a lei a
privara.
No Exterior, era o nosso credito cotado a par
do das nações . mais favorecidas. Estava firmada
a forte corrente immigratoria dos capitaes euro-
peus, e o cambio a 27 garantia ás classes consu-
midoras a abastança e a commodiclade resultantes
do baixo preço dos artigos importados.
Sob o ponto de vista politico, havia o gabinete,
no seu programrna, promettido o alargamento da
autonomia provincial, q_ue era o chavão sediço,
em torno do qual eorvejavam os descontentes de
todas as especies, emq_uanto q_ue a commissão de
jurisconsultos, presidida pelo proprio Imperador,
elaborava o projecto do Codigo Civil, com q_ne se
iam mais fortalecer os laços da unidade nacional.
Sentia-se continuado e . incessante o trabalho
reformista .
O Parlamento, convocado extraordinariamente, ·_
mais uma vez demonstraria que os delicados appa-
relhos da Monarchia temperada óffereciam solu-
ções pacificas e legaes a todas a.s crises ...
Um motim de q_uarteis, o despeito de um g·e-
neral, em cuja carreira militar tanto se fizera
sentir a munificencia do Imperante, bastaram para
que se désse a eversão sinistra, cujos effeitos todos
hoje miseravelmente soffremos.
Nem se diga q_ne a indifferença publica, ante
o desfilar dos batalhões · sublevados, traduziu o

~
- 12 -

assentimento d a ' Nação á essa ex.traordinaria


aventura, em que os seus destinos eram jogados.
Bem sabem todos qu·e, em um paiz, onde a
educação cívica não é fortalecida pelo serviço mi-
litar obrigatorio, impossível é a resistencia imme-
àiata contra as classes armadas, que, em momento
de allucinação, se levantam contra o regímen con-
fiado á sua guarda e protecção.
- Si o exercito é o primeiro a pôr-se á testa
da insurreição, como de chofre contel-a?
Demais, havia na proclamação da Republica . o
encantamento .derivado da magia da palavra, uma
como irresistível seducção para os espíritos. irre-
quietos, a que não contentavam os processos lentos,
mas seguros e incessantes da fórma constituída.
Essa é a explicação da inercia nacional, ante
o movimento vencedor.
Aliás, bem mais duramente a qualificara o pri-
meiro ministro do Interior do Governo provisorio ...
Sociologicamente considerada a novernbrada foi
um absurdo; - no seu desenvolvimento e posterio-
res consectarios, ella se tornou o fl.agicio execrando
da noasa sociedade, perturbada em os seus mais
vitaes elementos .
O característico dessa revolução foi, em se-
guida, o systematico rompimento com o passado.
Não bastou aos arautos da demagogia eliminar
o Imperio, banindo in etemum a primeira familia
brazileira.
- 13 -

Mudando violentamente a fórrna de governo,


entenderam que tudo lhes era licito tentar na
faina de destruir os vestigios do passado.
São arrancadas das diversas ruas e praças da
capital as placas cornrnemorativas dos nomes e das
glorias do regtmen condemnado ; dos edificios e
monumentos publicos retiram-se os emblemas da
realeza deposta; ridículos anachronismos attestam,
no Passeio Publico, no Jardim do Campo da
Acclamação e na galeota de D. João VI, a fero~
cidade jacobina, indo o espírito de intolerancia e
o delírio iconoclasta ao extremo de apagar nos
proprios estabelecimentos de beneficencia, fundados
ou custeados pelo Imperador, a effigie augusta de
D. Pedro II ... (1)
Tínhamos, nos variados departamentos do ser-
viço public0, uma legislação consolidada, á que
todos se achavam habituados: sob seus influxos se
accentuára a seriedade nos actos da . administra-
ção, e a severa probidade no manejar os negocios
do Estado, que só a perversidade tresloucada
ousará contestar aos Es,t aàistas do Imperio.
O Thesouro, o Exercito e a Armada, a Justiça,
nos seus diversos degráos, os negocios interiores

(1) A antiga rua da Imperatriz recebeu a alcunha de


Rua Camerino . (?) e a Rua do Regente metamorphoscou-se
em Rua Tobias Barreto.
- 14-

e exteriores, eram presididos por leis systemati-


sã.das e largo tempo experimentadas.
Tanto as fecundava o largo sentimento demo-
cratico infiltrado na propria Constituição, que bem
po1,1de eminente estadista norte-americano enxergar
no baque do lmperio o excidio da unica republica
da America latina. (2)
Nenhuma incompatibilidade real existia entre
os seus textos e os novos moldes impostos aos bra-
zileiros a 15 de Novembro pelo Marechal Deodoro
da Fonseca, em nome do exercito e da armada.
Se unicamente o sentimento patriotico hou-
vesse presidido á inopinada mutação, essas leis
seriam mantidas á espera do pronunciamento so-
berano da Constituinte, já convocada.
Outra cousa resolveu o Governo pro viso rio.
O seu es.forço, emquanto pelo regulamento Alvim
eram apparelhadas as urnas, donde devia surdir
a assembléa unanime, foi alterar substancialmente
a legislação organica subsistente .
Em tempo algum , tanta audacia foi posta a
ser viço do sofrego empirismo revolncionario.
Se o Decreto n. 1 de 15 de Novembro de
1889, enthronisou a Republica Federativa, eram,
a 20 de Novembro, supprimidas as Assembléas
Provinciaes, a 7 de Dezembro, dissolvidas as Ca-
maras Municipaes , e logo, successivamente e sem

(2) O Secretario de Estado Blaine.


- 15 -

intermittencia, abolida a religião do Estado, extin-


cto o padroado, introduzido o casamento civil, refor-
mada a lei das hypothecas, supprimido o Conselho
de Estado,· reorganizado o processo de fallencias,
promulgado um novo Codig·o Penal, alterada a lei
das sociedades anonymas, adoptada a reforma com-
pulsoria, aceita a grande naturalisação, substituídas
as penas de galés, de morte e de banimento e remo-
deladas as juntas e inspectorias commerciaes ! , ..
- Para q_ue desfiar esse longo rosario das dispa- '
ratadas inversões, constantes dos mil e q_uinhentos
decretos numerados dos gestores da dictadura ?
Como em gigantesco kaleidoscopio, toda a vasta
série dos serviços administrativos passou pelo cadi-
nho incompetente dos reformistas sem escrupulos.
A administração da Justiça não podia escapar
.- á sanha subversiva.
_De um lado, era mister contentar os appetites
aguçados dos adeptos mais exigentes.
De outro, o sectarismo estreito e intolerante,
q_ue assignala essa phase a_d venticia, impulsionava
os conq_uistàdores a tudo innovar, mesmo na
delicadíssima esphera do direito privado.
Datam de 1890, e são referendados pelo actual
Presidente da Republica, os actos officiaes, onde
vêm delineados os fundamentos do actual meca-
nismo jndiciario da Federação.
A final transformação foi precedida de diversas
derogações das leis em vigor.
-16 -

Assim, o Decreto n. 1 transferira ao.s Governa-


dores escolhidos pela dictadnra o direito de nomear
os juízes temporarios .
A 18 de Dezembro de 1889 reduzio-se o prazo
das ferias forenses ; a 5 de Julho seguinte foi am-
pliada a alçada dos juízes de paz, e o Decreto
de 19 de Setembro do mesmo anno adaptou ás
cl:l,usas civeis o processo commercial do Regula-
mento n.· 737 de 1850 ...
Foram os primeiros ensaios da reacção contra
o organismo judiciario da Monarchia.
Com o acto n. 848 de 11 de Outubro de 1890,
instituio-se a Justiça Federal, indigesto arremedo
do mecanismo americano, e, logo após, com o De-
creto n. 1030 de 14 de Novembro seguinte, foi im-
posta a esta grande Capital a organização vigente,
cujos desastrados e:ffeitos são agora affirmados em
documento solemne pelo proprio reformador ...
E a imprudente descentralisação, ésboçada nas
fantasias da dictadura, teve sua dulminancia no
Estatuto Politico de 24 de Fevereiro, que,- affir-
mando a dualidade da magistratura e transferindo
aos Estados não só a attribuiçã0 de constituir a
justiça local como a de legislar sobre o Processo
Civil, Commercial e Criminal, - foi o sôpro ger-
minador da intensa anarchia da hora presente.
Nas paginas seguintes vamos examinar o que
tem sido a magistratura brazileira, e como é a Jus -
tiça distribuída sob a influencia desses factores.
I
Regimen anterior

Fazendo do poder judiciario uma das quatro


grandes ramificações da soberania nacional dele-
gada, a Constituição de 25 de Março de 1824 con-
densou em sens arts. 151 nsque 164 normas niti-
damente delineadas, qne garantiam a esse poder
a efficacia da acção e a ampla autonomia no exame e
decisão dos assumptos, sobre que lhe ·c abia prover.
Nes ses textos lapidares se achavam affinnados
os seguintes princípios :·
1. º O poder judiciario seria independente e com-
posto de juízes e jurados, pronunciando estes sobre
o facto e applicando aquelles a lei ;
2. º Os juízes de direito seriam perpetuos, só po-
dendo perder o seu lugar em virtude de sentença;
3.'' O julgamento das cansas se effectuaria em
duas instancias, sendo a segunda e ultima consti-
tuída pelas Relações Provinciaes ;
4. 0 Para a revista das causas julgadas em
ultima instancia, e em que se verificassem nullidade
2 3° VOLU~lP.
- 18 -

manifesta on injustiça notoria, funccionaria o Su-


premo Tribunal de Justiça, -- composto de 17 juízes
letrados, tirados das Relações por suas antiguida-
des, e competindo-lhe:
a) Conceder 011 denegar revistas, pela maneira
por que uma lei ordinaria determinasse ;
b) Conhecer dos delictos e erros de officio dos
seus ministros, dos desembargadores, dos empre-
gados do corpo diplomatico e dos Presidentes das
Províncias (l) ;
e) Conhecer e decidir os conflictos de j urisdicção
e competencia das Relações Provinciaes.
5. 0 Nenhum pleito intentar-se-hia sem prece-
dencia da reconciliação confiada aos juízes de paz
de eleição popular e nomeados pelo mesmo tempo
e maneira porque o eram os vereadores das ca-
maras;
6. 0 Seria licito as partes fazer julgar por juízes
arbitros as suas contendas, civeis ou penaes civil-
mente intentadas.
Sendo o systema de governo firmado pela Carta
Política de 1824 todo de freios e contrapesos, de
modo a poderem ser de prompto contidas as de-
masias porventura praticadas por qualquer d0s

(1) A Lei n. 609 de 18 de Agosto de 1851 mandou qne


os al'cebispos e bispos do Brazil, nas causas que não fossem
pllramente espiritnaes, seriam processados e julgados pelo
Supremo Tribunal ele Justiça.
- 19 -

delegados da soberaliia, a mesma Constituição, a par


dessas condições de independelicia da, ínagist1'atura
imperial, traçou certas 1:egras, que bem se podem
de no minar « as val vulas da segurança -social cón-
tra os excessos da judicatura. »
No5 arts. 154 a 157, ficou mais estatuido: -
a) Que todos os juízes de direito seriam respon-
s'.:l.veis pelos abusos de poder e prevaricações qne
commettessem no -exercício de seu emprego ;
b) Que, por suborno, peita, - peculato ou con-
cussão, haveria contra elles acção. popular, inten-
tada dentro de anuo e dia, pelo pi·oprio queixoso
ou por qualqtier do povo, guardadà a ordem de
processo estabelec~da na lei;
e) Que os juizes de direito poderiam ser um-
dados de uns para oiltros lngares, pelo tempo e
maneira que ainda a lei determinasse ;
d) Que o Imperador como chave de toda a or-
ganisação politic-a, e no exercido do -direito qne lhe
.assi'stia de velar incessantemente sobre a manu-
tenção da independencia, equilibrio e harmonia
<los demais pocleres políticos, poderia suspender os
magistrados por qL1eixas contra elles feitas, prece-
dendo a audiencia dos mesmos juízes; informações
necessarias e · consulta do Conselho de Estado.
De accordci com esses preceitos basicos, as leis
ordinarias posteriores foram , pouco a pouco, des-
envolvendo e completando o pens·amento constitu-
cional ; de modo que, a 15 de Novembro de 1889,
- 20

o levante encontrou a administração da justiça


organizada do segnin te modo : •
I - Na Côrte do Rio de Janeiro , formando por
assim dizer, o vertice do poder judicial, estacio-
nava o Supremo Tribunal de Justiça, composto de
17 Ministros, condecorados com o titulo de Conselho·
e tirados elas Relações pela ordem de suas anti-
gLlidades. Servia-lhe de Regimento· a Lei de 18 de
Setembro de 1828, modificada ou explicada pela
Lei de 22 de Setembro do mesmo anno , Decreto de·
31 de Agosto de 1829, Resolução de 23 de Setem-
bro de 1829, dita de 29 de Novembro de l 830 ,
Lei de 20 de Dezembro de 1830, dita de 16 de
Novembro de 1831 , Decreto de 20 de Setembro
de 1833 , Resolução de 17 de Julho de 18:38, Re-
gulamento de 15 de Março de 1841, Decreto n. 719·
de 20 de Outubro de 1850 e Lei de 26 ele Outubro·
de 1875.
II - Nas provincias , constituindo a segunda.
instancia , despachavam as Relações districtaes, cujo•
numero , sédes e territorios de judsdicção foram
fixados pelo Decreto Legislativo n. 2342 de .6 de
Agosto de 1873, nos seguintes termos :
1. " Relação do Pará e Amazonas, composta de-
. sete desembargadores, com séde na cidade de Belém ..
2. "' Dita do Maranhão e do Piauhy. Sete des-
embargadores. Séde a cidade de S. Luiz.
3.ª Dita do Ceará e do Rio Grande do Norte ►
Séde a cidade da Fortaleza . Sete desembargadores .
- 21 -

4.ª Dit.a de Pernambuco, Parahyba e Alagôas.


'Séde a cidade do Recife. Onze desembargadores.
õ.ª Dita da Bahia e Sergipe. Séde a cidade
-de S. Salvador. Onze desembargadores.
6.ª Dita do Município Neutro , Rio de Janeiro
e Espírito Santo. Séde a Côrte. Dezesete desem-
bargadores.
7 /' Dita de S. Paulo e Paraná. Séde a cidade
. ,de S. Paulo. Sete desembargadores.
8.ª Dita do Rio Grande do Sul e Santa Catha-
rina. Séde a cidade de Porto Alegre. Sete des-
embargadores.
9.ª Dita de Minas Geraes. Séde a cidade de
Ouro Preto. Sete desembargadores.
10.ª Dita de Matto Grosso. Séde a cidade de
Cuyabá. Cinco desembargadores.
11~ Dita de Goyaz. Séde a Cidade do mesmo
nome. Cinco dese~bargadores.
A alçada dessas Relações era de 2:000;J'P nas
causas civeis e de 5:000~ nas commerciaes. Com
a supprnssão dos tribuna.es do commercio, a sua
.autoridade ab rangia o julgamento, em grá.o de
appellação, dos feitos civeis, commerciaes, orph&.-
nologicos e criminaes, movidos no territorio dos
respectivos districtos.
O Imperador nomeava os desembargadores den- ·
tre os 15 juízes de direito mais antigos:;-·(',·opforme
.,, -~, 1·F u. D•
a lista de antiguidade annuab)f n,'te ' re'vist'â• p'é'lo1
Supremo rrribunal de Justiça f d; accordo com o
-- 22 -

Decreto n. 624 <le 29 de Julho .de 1849 e a Reso•


lução Legislativa n. 557. de 26 de Junho de 1850.
O Presidente de cada Relação era escolhido
pelo Poder '- Executivo por tres annos, dentre .os
desembargadores.
Podia ser reconduzido. Tinha o. titulo de con-
selho, cabendo-lhe, como aos demais membros, o
tratamento de senhoria.
Junto a cada um desses tribunaes, servia o .
Procurador da Corôa, Fazenda e Soberania Nacio-
nal, o mais graduado representante llo ministerio
publico, sendo que o da Relação da Côrte officiava
igualmente nas causas affectas ao Supremo Tribu-
nal de Justiça.
Os desembargadores respondiam, por seus de-
lictos e erros de officio, como já foi dito, pe-
rante o Supremo Tribunal, nos termos das Leis
de 18 de Setembro de 1828, de 6 de .Agosto
ele 1873, e Regulamento n. 5.618 de 2 de lVIaio
de 18-74.
III.-P ara a distribuição da justiça em primeira
instancia, era o territorio da Côrte e das Provín-
cias dividido em comarcas, termos e districtos
de paz.
Presidiam ás primeiras os juizes de direito, ma-
gistrados vitalícios, nomeados pelo Imperador dentre
os -bachareis formados em sciencias jurídicas e
sociaes, que houvessem servido .com distincção e,
por quatro annos pelo menos, os carg:os de juiz
- 23 -

municipal e de orphãos ou de juiz substituto ou


de promotor publico.
Conforme a Lei n . 2.033 de 20 de Setembro
de 1871, aos juízes de direito pertencia, no cível
e no crime, a plenitude da jnrisdicção de p'rimeira
instancia, com poucas excepções e especialmente
respeitada a esphera de acção do conselho de ju-
rados, o qual, composto de 12 juízes de facto,
tirados pela sorte dentre 48 igualmente sorteados,
conhecia de todas as causas crimes, com exclu-
são dos delictos de responsabilidade, dos de con-
trabando, dos denominados policiaes, da bancar-
rota, moeda falsa, resistencia, . tirada de presos e
outros enumerados na Lei de 2 de Junho de 1850
combinada com a de n. 3.163 de 7 de Julho
de 1883.
Eram as comarcas classificadas em tres ordens
ou entrancias.
A primeira nomeação do juiz de direito dava-se
sempre para a primeira entrancia, donde o magis-
trado podia ser removido para a comarca de se-
gunda entrancia, depois de quatro annos de exer-
cício, e desta, decorridos tres annos, para a de
terceira entrancia, observadas as regras da Lei
n. 559 rle 28 de Junho de 1850.
A's assembiéas legislativas provinciaés compe-
tia, conforme o artigo 10 § 1 º do Acto Addicional
de 12 dA Agosto de 1834, legislar sobre a divisão
civil e judiciaria da respectiva Província.
.- 24 -

De accordo com esse e outros actos legislati-


vos, o numero das comarcas do Imperio, em 1889,
era o seguinte :
Oôrte . . .... . . .. . 1
Amazo'nas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Pará . .. . . . . .. . . . . .. . . . . .. .. . . . . 15
Maranhão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Piauhy .. . . . . ........... . . . . . . . . 17
Ceará . . ... .. ... . .... . . . . . . . . . . . 27
Rio Grande do Norte. . . . . . . . . . . . . 13
Pernambuco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Alagoas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Parahyba .. . . ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Bahia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Serg·ipe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Rio de ,Janeiro . . . . . ... . .. .. . . . . , . 24
Espjrito Santo ... . . .. . . .. .. . .. · . . 6
S . Paulo. .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Paraná. . .. . .... . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Rio Grande do Sul. . . . . . . . . . . . . . . 32
Santél. Catharina . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Minas Geraes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Goyaz . .. : ....... .. ...... .. . . . · 16
Matto Grosso.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Ou sejam 435 comarcas, comprehendendo 25 6


de 1 ª entrancia, 133 de 2ª e 56 de 3."
Subia a 561 a totalidade das varas, visto como
em certas grandes capitaes (Côrte, Ba hia, Recife,
- 25 -

S. Paulo, Porto Alegre e Belém) havia mais de um


Juiz de Direito.
IV-Nas capitaes, sédes de Relações, e nas
comarcas de um só termo áquellas ligadas por tão
facil communicação, de modo que, num só dia, se
pudesse ir e voltar, a jurisdicção completa da pri-
meira instancia, isto é, o preparo dos feitos e o
seu julgamento, cabia, como já se disse, aos juizes
de direito, sendo, no exercício de suas funcções,
auxiliados pelos juízes substitutos, que o Governo
nomeava dentre os bachareis formados em direito
com dous annos de pratica do foro.
A alçada dos juizes de direito era de 500;t;,,
pertencendo-lhes julgar, em segunda instancia, as
appellações interpostas das sentenças dos juízes
inferiores.
V .-Presidia aos termos, subdivisão das comar--
cas, o juiz municipal, com o direito de preparar
e de julgar as causas até o valor de 500'tP e de
preparar sómente as excedentes a esse valor, e
cuja decisão, em primeira instancia, ficava reser-
vada aos juízes de direito.
Os juízes municipaes eram nomeados pelo Go-
verno dentre os bachareis formados que tivessem,
pelo menos, um anuo de pratica do foro. Serviam
por quatro annos, findos os quaes, podiam ser
re_conduzidos ou removidos para melhores lugares .
Segundo o relatorio do penultimo ministro dr.
Justiça da Monarchia (conselheiro Rosa e Silva)

I
- 26 -

apresentado á Assembléa Geral Legislativa na


4ª sessão da 20" legislatura, o numero de tarmos
do Imperio era de 506, assim distribuídos:
Amazonas . . . ... . .... .... ...... .. 7
Pará . ........ .. .. . ... . . . . . . . . . . 16
Maranhão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Piauhy. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Ceará.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Riu Grande do Norte . . . . . . . . . . . . . 15
Pernambuco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Alagôas ........ .. '. . . . . . . . .. . . . . . 21
Parahy ba. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 23
Bahia. .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Sergipe.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Rio de Janeiro... . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Espírito Santo...... . . . . . . . . . . . . . 9
S. Paulo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Paraná .. .. , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Rio Grande do Su1.. . . . . . . . . . . . . . . 36
Santa Catharina. . . . . . . . . . . . . . . . 12
lVIinas Geraes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Goyaz ...... '. . .. ..... ........... ' 17
Mato Grosso.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
VI.-No ultimo degráo da escala, representando
a intervenção directa do elemento popular na com-
posição do corpo jndiciario, figurava o juiz de paz,
que distribuía a justiça nos distríctos, e cujas
funcções vêm enumeradas no Cocligu do Processo
- 27 -

de 1832 , Leis de 15 de Outubro de 1827, 3 de


Dezembro de 1841 e 2.033 de 20 de Setembro
de 1871.
Esses juizes eram quatro, eleitos por quatro
annos e servindo successivamente segunclo a ordem
da respectiva votação .
A sua competencia, nas causas civeis, era de
100:tJJ; no crime, ju'lgavam as infracções de posturas
mnnicipaes, obrigavam a assignar termos de segu-
rança e bem viver e concediam fian ça provisoria.
r

II

Indole e excellencias da organisação imperial

Tal era, a traç.os largos, a organisação judi-


ciaria do Brazil 1egada pelo Imperio · á Republica
triumphante, graças ás baionetas de alguns bata-
lhões rebellad'os.
Na cupola do vasto edificio, destinado a
manter a unidade do direito e a these da lei, o
Supremo 'l'ribunal, cuja autoridade se exercia or-
denando a revista das decisões injustas ou dos
processos nu1los, para ser restaurado o direito con-
culcado nos julgados da segunda instancia.
Nas capitaes das Provincias, as Relações dis-
trictaes, cuja funcção primordial era, em gráo de
appellação, sentenciar os feitos affectos á sua juris-
dicção pela provocação dás partes, assim consti-
tuindo-se outras tantas garantias contra os erros
judiciarias, porventura commettidos.
Nas comarcas, o magistrado perpetuo, incum-
bido, em uns casos, da plenitude das funcções da
primeira instancia e, em outros, do direito de
30 -

proferir as sentenças definitivas nos processos


preparados pelos juizes municipaes ou substitutos
collocados no primeiro degráo da judicatura to-
gada e aptos para attingirem aos mais elevados
postos. .
Finalmente, quasi ao pé da porta do cidadão,
o juiz de paz, de eleição popular, destinado a
compor as contendas na obra generosa da reconci •
liação ou a solver os pec1uenos pleitos, em que
não se achassem envolvi dos interesses de alta
valia.
Nero faltavam as jnrisdicções privativas que o
systema do governo ou a peculiaridade das causas
reclamavam .
E' assim que o Senado se constituia em Tribunal
de Justiça para conhecer dos delictos individuaes
commettidos pelos membros ela Familia Imperial,
ministros de Estado, conselheiros de Estado e
deputados, durante o periodo da legislatura, e dos
crimes de responsabilidade dos se cretados e con-
selheiros de Estado. (1)
Os conselhos de guerra, em 1. ª instancia e o
Conselho Supremo Militar, na 2 .ª e ultima, jul-
gavam os crimes militares, emquanto que , aos bis-
pos, vigarios foraneos e á Relação Metropolitana

(1) Neste caso era a ac(lusação promovida por uma


commtssão da Camara dos deputados·. Nos outros accmsaclo
o- ProcnradÓr da Corôa e Soberania · Nacional.
- 31 -

pertencia sentenciar as causas de divorcio, de nul-


lidade de casamento e outras de caracter pura-
mente espiritual.
Independencia, capacidade e responsabilidade
- são os tres grandes predicamentos de uma ma-
gistratura racionalmente constituída.
Tanto quanto possível em um organismo social
incompleto, não falhavam esses requisitos á judi-
catura do Imperio.
Era-lhe garantida a independencia pela Con-
stituição politica, consagrando a perpetuidade dos
juizes de direito ; pela lei regimental do Supremo
Tribunal, fazendo depender da antiguidade abso-
luta o accesso ao posto de ministro ; pelo regi-
mento das Relações, a reforma ·ae 1871 e os
Decretos legislativos de 1850 , - fixando uns a
fórma de nomeação dos desembargadores, restrin-
gindo outros o arbítrio do poder executivo na re-
moção dos jnizes de direito, já permittindo-a ape-
nas para as entrancias superiores, já tornando
inalteravel, a não ser por acto legislativo a clas-
sificação das comarcas.
1
Mesmo o dif:ficil problema do noviciado estava
em parte resolvido pela obrigação do estagio qua-
triennal antes da primeira investidura no posto
vitalício.
A capacidade profissional era largamente mi-
nistrada pela exigencia do gráo academico, pela
pratica continuada dos negocios forenses e pe1o
- 32 -
accesso gradual e lento, a que tinha de se
submetter o magistrado duràn"te toda a sua longa
carreira.
Quanto a efficacia da responsabilidade pelos
abusos commettidos no . exercicio do cargo, esse
requisito essencial dos regimens livres não podia
ser melhor consignado do que nos textos da legis-
lação imperial.
O Codigo Penal de 1830 encerra n_umerosos
artigos, definindo as prevaricações, excessos ou
abusos do poder praticados pelos funccionarios da
ordem judicial.
O direito de queixa e de denuncia dimana de
textos explicítos do Codigo do Processo, sendo ·q ue
a propria Constituição de 1824, como já foi pon-
derado, assignalava em seus artigos a acção popu-
lar, que qualquer cidadão podia promover contra
o magistrado achado em culpa.
Accresce que os promotores publicos, nas co-
marcas, os procuradores da Corôa, Fazenda e So-
berania Nacional, perante o Senado, o Supremo
Tribunal e as Relações, eram os representantes
immediatos do ministerio publico e, nesse caracter,
investidos do direito de denunciar os delictos de
responsabilidade e de dar andamento á respectiva
accusação.
E aos proprios juízes e tribunaes cabia juris-
diccionalmente promover a punição dos erros de
offido dos serventnarios inferiores.
- 33 -

E' certo qLrn a legisla.ção não havia attingido


á ultima formula · do seu desenvolvimento socio-
logico.
Si nenhum povo póde ainda pretender tal per-
feição, bem desculpavel é o Brazil por .não haver,
durante a sua curta vida de Nação independente,
solvido todas as difficuldades que se ligam á com-
posição da magistratura e á responsabilidade , de
seus titulares.
Toi!.avia sob a acção do vivaz sentimento demo-
cratico, que sempre dominou o Paiz e a dilatada,
pratica do systema, de dia em dia se accentuavam
as idéas adiantadas nesse como nos outros campos
da actividade governamental.
O Imperio não foi o marco miliario afin-
cado na arena ·do progresso e nem a resistencia
systematica á alteração da ordem estabelecida.
Durante toda a sua existencia , procurou ca-
minhar.
Pelo que toca á reforma judiciaria, nos ultimos
annos da Monarchia,-precisamente naquella phase
ele forte liberalismo, que illuminon os monumentos
parlamentares do segundo reinado, - a Camara dos
Deputados, por proposta do eminente jurisconsulto
Lafayette, adoptara notavel projecto de lei, no qual,
a par de grandes melhoramentos na composição
da magistratura, eram accumulados poderosos re-
cursos de defesa priv.ada contra o perigo dos erros
j udiciarios.
3 3° VOLmlE
- 34 -

A reforma, votada na Camara em 1884 e guar-


daâa nas pastas do Senàdo, ia, eni 1889, ser
approvada definitivamente. (2)
A sedição encontrou-a já preparada para à so-
lução :final.
Nas . mãos dos iconoclastas os seus artigos se
dispersaram, como aconteceu a t<!,ntas outras fe-
cundas tentativas de melhoramento da nossa le-
gislação civil ... (3)

(2) A reforma Lafayette; apresentada sob proposta do


Governo á Camara dos Deputados, foi conv ertida em pro-
j ecto de lei, mediante relatorio elaborado pelo escriptor
destas linhas, e largamente discutida e emendada no de-·
curso da sessão de 1883.
. (3) Nem um só dos projectos guardado s nos archivos
das duas casas da Assembléa Geral mereceu andamento da
parte dos legisladores da Republica.
Tudo repudiar foi o mot'd'orcli-e do levante.
III

A theoria descentralisadora - Os perigos do


excesso-O erro do plagiato americano

Si quando, · na manhã de 15 de Novembro


de 1889, o barrete phrygio substituiu nas fl.am-
mulas dos cadetes da Escola Militar o glorioso
iJ)endão imperial, houve brazileiros que, de boa fé,
.saudaram no advento republicano a arirora da re-
•dempçâo , agora que são decorrirlos dez annos ,
nenhuma illusão é mais . possível sobre os effeitos
da i'evolta vencedora.
A proclamação da Republica não foi .sómente
-obra insigne dá traição e da perfidia.
Mais do que isso, foi um salto inconsciente
-d ado nas trevas, e a sua perniciosidade funda-
mente affectou todas as relações da vida nacional.
A olltros coube a tarefa de indicar q_u al tem
sido a influencia do novo regímen .sobre as finanças)
sobre as liberdades publicas, o bem-estar commum, .
o desenvolvimento do direito e a formação defini-
tiva da nossa sociedade.
- 36 -

O aspecto sobre que nos cumpre considerar a,


situação oriunda do movimento· militar prende-se
exclusivamente á vida judiciaria.
O campo é, no emtanto, vastíssimo e eloquente
a lição dos acontecimentos.
Si foi profunda a inversão operada com o baque
do throno liberal de D. Pedro II, si todos os de-
partamentos da administração soffreram o insulto
anarchico desencadeado sobre o Paiz, pode-se,
sem susto de contestação1 asseverar que, onde mais
se assignalon o desvario demagogico, foi precisa-
mente na repartição da justiça.
E assim deYia . acontecer, desde que a idéa
preconcebida de exaggerado federalismo dominou
os primeiros ensaios da Junta dictatorial.
.O acto n. 1 de 15 de Novembro de 1889, dando-
a cada uma das antigis Províncias, convútidas
em Estados autonomos e independentes, o direito•
de decretar opportunamente a sua constituição
definitiva1 . eleger os seus corpos deliberantes e
governos locaes, foi o mais formidavel golpe des-:
ferido contra a unidade da · legisla'ião patria,
sinão contra a proprja · homogeneidade brazileirar ·
cuja fragmentação era assim officialmente COIJ.-
signada.
Guindados, pela subitanea mutação, aos mais
altos postos do Estado, homens destituídos do pre-
paro politico, -que só se alcança com o prolongado
tirocínio e a larga experiencia dos negocios, - a.
- '37 -

remodelação do Governo teve de se subordinar · ao


.sectarismo estreito · e doütrinarid .
Pretendeu-se, antes de tudo, resolver o pro-
blema desceRtr.alisad.ór.
A errada noção desse coefficiente deu causa
aos mais grosseiros absu-rdos.
A descentralisação, .- diz Fabreguettes na sua
recente obra, (1) -~«não consiste simplesment_e em
t irar ao póder central parcellas maiores ou menores
de iniciativa e de fiscalisl'!,ção · para as confiar ás
assembléas e funccionarios locaes, cuja . influencia
e prestigio se aug01entam dess' arte . Isso seria a
pulverisação ela autoridade e da responsabilidade,
-o que é quasi o contrario da verdadeira des-
-centralisação.
Oentralisar é esforçar ,p ara _q11e toda ·a vida in-
tellectual, economica, :financeira e administrativa
de um povo afflua a um centro unico, ernquanto o
·r esto do paiz enlanguece e· definha.
Para se , impedir essa plethora de um lado e
essa anemia de outro, só ha um meio : é crear
DÍltros centros bastante numerosos para que se pos-
·s am adaptar ao temperamento , aos costumes e
ás tradições de ·urna fracção determinada de terri-
t orio ; e tão impo1~tantes que possam desenvolver
sua acção e tornarem-se focos de via.a, de trabalho

(1) S ociété, Étcit, P ati-ie .


- 38

e de emulação, analogos , guardadas as devidas pro-


porções, ao proprio foco da capital. »
Bem div:ersa foi a comprehensão q_ue desse vasto
problema revelaram os membros do Governo pro-
visorio.
O artificio súbstituio o processo natural do des-
envolvimento da vida local.
Estabeleceram-se duas correntes directrizes-
oppostas e qnasi antagonicas, - os Estados em
luta com a União; - a Capital enfraquecida pela.
Provincia.
Traçada a norma, fructificaram os seus corol-
larios.
O ministro Campos Salles dissolve, logo nos-
primeiros dias, a commissão <rganizadora do Co-
digo Civil, decidindo que ás legislaturas locaes
cabia legislar sobre o direito privado.
Antes de votada a Constituição de 24 de Fe--
vereiro , pelo acto n. 84 8 de 11 de Outubro de
1890, crea-se a Justiça Federal., ao passo que os-
constituintes , no.Estatuto político da confederação ,
transferem aos Estados, não só a faculdade de
organizar os seus tribunaes , como a de legislar-
sobre o processo civil, commercial e criminal.
Estava proclamada legislativamente a bifur-
cação da Justiça e, com ella , a decadencia deste·
importantíssimo serviço, para cuja salvação se
pede 1:1,gora ás tenta tivas revisionistas o anoclyno
remedio.
- 39 -

A multiplicidade das organizações locaes, a par


da dissimilhança do direito judiciarjo, foi, sem
duvida, o mais deploravel dos erros commettidos
pelos corypheus do novo regímen.
Fraccionar a justiça, fazer dell~ duas grandes
secções, com linhas e competencias encontradas,
fórmas differentes de manifestação, funccionarios
divers.a mente nomeados, é romper com os elemen-
tos historicos e tradicionaes da sociedade, que as
revoluções não podem expellir, sob pena de assen-
tarem na ateia a sua obra.
Os theoricos da Federação, obceca.dos pelo
brilho do inesperado triumpho, acreditaram podei·
impunemente submatter a Nação, por elles conquis-
tada, ás normas importadas da civilisação norte-
americana e aos apparelhos delicados de uma
construcção, para que nada nos havia preparado.
Nessa transplantação insensata, prndominou o
mais grosseiro empirismo.
O movimento que, no declinar do seculo passado,
emancipára as colonias americanas, já as achou
fortemente preparadas para a vida descentralisada.
Cada unia dellas tinha, por assim dizer, a sua
estructura individual, suas leis especiaes, seu re-
gímen provincial estabelecido e respeitado, graças
ao largo espírito de tolerancia, que caracterisa as
relações da Inglaterra com as suas dependencias
coloniaes.
No Brazil, succedia precisamente o contrario •. ·
- 40 -

O Imperio era uma forte e necessaria centra-


lisação.
O desenvolvimento historico da nacionalidade
brazileira se operára em condições bem_ diversas
do dos Estados ·unidos da America do Norte.
Si, ao tempo da descoberta e. no subseq_uente
périodo d.a occupação, fôra a terra de Santa Cruz
distribuida entre os grandes · donatarios, o esforço
da realeza em Portugal operou- se depois_no sentido
de, pouco a pouco, rescindir, - pela compra, pelo
direito de successão e outros processos, ,- ·as con-
cessões de D.-Man.oel e de D. João III para outra
ve;r, encorporal-as á corôa. ·
Deu-se, · por .assim diz.e r, um trabalho de re-
·absorpção que durou seculos, . · e cujo resultado
admiravel se revelou a 7 de Setembro de 1822 >
quando, - ao brado de In,clepenclencia, ! - surgiu
inopinadamente do grupo das capitanias a Nação
homogen.ea, regida por . uma s6 lei, e cujas vinte
provincias eram apenas grandes circurrrscripções
a.d ministra tivas ...
O Imperio ce:i:J.tralisado não foi uma creação
artificial ou o producto de · um pensamento pre-
concebido ; appareceu como o resultado necessario
das circumstancias e do momento historico de seu
advento .
A Constituição de 1824, tornando os quatro
poderes politicos o fóco donde irradiavam os ele-
mentos do progresso e da vlila brazileira, não fez
- 41 -

mais dO que assimilar as tendencias então domi-


nantes, e adaptar á nova ordem de cousas o meca-
nismo colonial, que se , ia transformar.
E' certo que, durante os sessenta e cinco annos
de sua duração, accentuaram-se tenazmente as
aspirações descentraJisadorâs.
O povoamento do territorio, gradual e succes-
sivo, embora lento, a acção pers'istente elos agentes
'Civilisadores; a maior diffosão de luzes e outros·
fac.tores, cuja expansão é excusado agora recordar,
tornaram imperiosa a reforma constitucional ope-
rada em 1834.
0 Acto Addicional de 12 de Agosto, creando -
as assemllléas legislativas proviÍ1eiaes, dando-lhes
competencia para legislar sobre a d1visão judi-
'Ciaria das Províncias, foi o passo mais assigna-
lado na senda do desenvolvimento da vida local.
Elle ponde conter os furacões desencadeados
durante os períodos regenciaes e ·salvou a nossa·
unidade politica, que as paixões anarchicas da
época tanto procuraram comprometter.
Si, nos ultimas annos da Monarchia, já se fazia
sentir a necessidade de mais larg·a reforma: e,
no Congresso de 1889, o partido liberal compen-
diára entre as bases do seu programma umá mais
extensa distribuição dos serviços, todavia, a acção
do poder central continuaria fortemente amparada
pelá uniformidade da legislação civil, a par da homo-
geneiclade das normas da manifastação ,da justiça .
- 42 -

Em outros termos, ás legislaturas provinciaes,


bem como aos municípios seria dada · a mais ampla
autonomia no tocante aos seus negocios peculiares,
no emtanto que o governo, depositario directo da
soberania, manteria a integridade de um povo, ainda
em via de sua definitiva formação.
A revolta vencedora, antes brusco produc!o de
paixões mal contidas do que o corollario logico.
· das necessidades sociaes, não quiz ou não ponde
ap prehender a differenciação entre os processos
norte-americano e brazileiro.
A federação, consignada na Constituição de Fe-
vereiro, é quasi um plagiato da America saxonia.
D'ahi, os enibaraços que, continuadamente,
surgem, a proporção que as doutrinas se vão appli-
cando, ele accordo com os princípios theoricos elo
Estatuto político.
As difficuldades crescem de momento p_a ra mo-
mento.
A década percorrida tem sido quasi toda de
abortadas tentativas de acclimação, que tanto nos
tem feito retrogradar, e nas quaes perdemos a nossa
hegemonia continental e, de um povo feliz e livre,
fizemos a sociedade soffredora da hora presente.
E' sobretudo na zona da administração da jus-
tiça que o erro de 1889 mais damnos vai pro-
duzindo.
Si, na plirase de Spencer, o Estado é um mal
necessario, devendo consistir a sua interferencia
- 43 -

antes de tudo, na distribuição da justiça conforme


cada um a merece, as condições para o desempenho
da elevada funcção não podem variar de província
a pr'ovincia, ou de municipio a municipio.
A uniformidade do direito impõe a equipollencia
de seus orgãos.
Estabelecer centros judiciarios subordinados
açs caprichos e volubilidade dos pequenos parla-
mentos estadoaes ; permittir que diversifiquem,
conforme as arbitrarias divisões territoriaes, as ·
regras do funccionamento dos tribunaes, as formas
da investidura e as proprias normas dos julgamentos,
- é levar o cáhos ao campo do direito e, em lugar
de uma jurisprudencia nacional, pulverisar as regras
por que cada um póde reclamar contra as lesões da
sua personalidade e do seu patrimonio.
Nessa irreparavel falta incidia o regímen fede-.
rativo, já creando a justiça exclusivamente federal,
como si o ideal do direito devesse ser assim muti-
lado, - já investindo os poderes locaes da ampla
competencia para a organisação das judicaturas
communs. _
Quando o Imperio Allemão, pela ·promulgação
de seus codigos civil e do processo, rompe com o
tradicionalismo feudal da Germania, e vai tornando
cada vez mais nominal e apparente a linha divi-
soria dos reinos, grão-ducados e cidades livres, que
o constituem; quando, na Confederação Helvetica,
o esforço commum é para o desapparecimento da
-44 -

diversidade , dos codigos cantonaes, -,-'-a re-volução


,buazileira, dominada por heteroclito radicalismo,
rasga as folhas de um passado, que jámais poderá
ser esquecido e, abandonando legislação systema- ·
,tizada e exp.e rimentada, · que apenas reclamava
ligeiros retoques e melhoramentos, anarchisa todos
os serviços, levando a loucura innovadora ao ex-
cesso de armar Estados desiguaes em extensão,
população, riqueza e grào de civilisação, de rega-
lias . e direitos identicos, como si inopinadamente
adviesse para cada um delles, com a fórma federa-
tiva, a capacidade para solver os formidaveis pro-
·blemas da sociedade moderna ! ...
E ·tudo isso foi praticado em nome das regalias
provinciaes e como homenagem á autonomia local!
A experiencia dos dez annos, pelo proprio depoi-
. IDento de alguns dos chefes mais autorisados da
Nova Lei é o mais assignalado protesto contra essa
vesania.
IV

A applicação da doutrina. Total insuccesso

De posse do direito de organi8ar a magistra-


tura e de formular as leis do processo, . ~s ex-
provincias. prestes revelaram a sua. inaptidão p~ra
o desempenho da ardua taref;:t. -~
Si nas constituições estculoaes ficou assignalado o.
principio da independencia do poder judiciario, e
traçadas certas regras tendentes a garantir aos
juízes a sua liberdade de acção-essas normas, .na
pratica, não passaram de audaciosa burla e trefega
mystificação. .
A mesma torrente demagogica que, a 15 de ,!
Novembro, derrocara o Imperfo, aluio pela base o.
principio da autoridade.
Em seu lugar imperaram as soluções pela força ,
como a fórmula caracteristic~ do recem-implantado
regímen.
Os golpes de Estado, os motins militares e as
deposições na praç_a publica constitufram-se meios
nonnaes de governo .
- 46 -

E a lição partiu do Dictador.


A 3 de Novembro de 1891, o gtmeral Deodoro ·
dissolve, 111.cinu mílítarí, a Assembléa Constituinte,
que o havia eleito Presidente e que, nos artigos do
Estatuto fundamental, consignára a propria intan-
gibilidade.
Contando por demais com o. valor da sua auto-
ridade, o Generalíssimo não soube acautelar-se em
tempo contra a possível rebeldia.
Acreditava que o demolidor da Monarchia tudo
podia ousar.
O movimento de 23 de Novembro, inicial do
famoso periodo da legalidade, sómente seria uma
surpreza para os que SLlperficiahnente reflectem
sobre a variabilidade dos phenomenos sociologic_os
nas aggremiações con vnlsionadas.
Deposto o proclamador dá Republica, sorte igual
coube a todos os governadores locaes que ou haviam
pactuado com o attentado contra a Constituição ou .
nelle participado pela cumplicidade ex post fa ctum.
Um a um, ou francamente, ante as manifesta-
ções da força armada, - como no Ceará, no Es-
pírito Santo, em S. Paulo, na Parahyba do Norte
e em Pernambuco, - ou sob a pressão das ordens
emanadas do palacio Itamaraty, -como no Rio de
Janeiro, em Minas Geraes, em Santa Catharina,
no Maranhão, - todos esses altos funccionarios ,
embora eleitos por prazos determinados em vir-
tude das Constituições festivamente promtilgadas,
- 47 -

tiveram de acompanhar o ex-chefe do Governo pro-


visorio na imprevista quéda.
Emergiram administrações provisorias em quasi
todas as circumscripções, aguardando que as urnas
eleitoraes, de antemão preparadas, confirmassem,
sempre em nome da soberania nacional, a ordem
de cousas inaugurada pela iniciativa da marinha
ao niando do contra-almirante Custodio de l\iello. ·
A politica das deposições nãu ficou limitada
á substituição dos chefes do poder executivo pro-
vincial.
As proprias Constituições tiveram de ser, na
sua maxima parte, condemnadas.
Por seu tu,rno, o poder judiciario, que ;-. na con-
cepção das cartas, compunha-se de membros ina-
movíveis e independentes, conheceu quão fragil
é o esteio da letra da lei.
Revistos os Estatutos · políticos, seg·uiu-se a
1·azzia da magistratura.
Os tribnnaes da segunda instaà.cia dos Esta-
dos, quasi todos, compartilharam a sorte dos Pre-
sidentes e Governadores .
A reorganisação significou a demissão dos titu -
lares.
Força era que a situação vencedora saciasse
os aguçados appetites de seus partidarios.
- Que melhor presente de festas poderia ,ella
offerecer aos dilectos, além dos postos de desem-
bargador , ministro e conselheiro dos tribunaes?
- 48 -

Nas. declividades, só é mais difficil o primeiro


passo.
Despedidos os Presidentes., recomposto nas ex-
províncias todo o pessoal da magistratura, estava
ferido de morte o principio tntelàr da fodependencia
do poder judiciario.
Não só .as justiças locaes tiveram de se .subor-
dinar ás represalias da politicagem, na sua fórma.
mais rudimentar, como, neste Districto, o proprio
Supremo Tribunal Federal . não escapou á devas.::
tadora vertigem .
Todos se lembram, certamente, de que os mi-
( nistros Barão de Li1cena e Tristão de Alencar Ara-
ripe, sob a ameaça de serem expellidos de suas
sédes pelas ondas demagogi.cas, . tiveram de pedir,
salutar .refügio a extemporaneas aposentadorias.
Volvido o periodo agudo da crise, tornadas mai1:1
raras as deposições violentas, bem pouco melhor
se tornou a sorte da magistratura estacloal .
Si o processo da demissão na praça publica
foi condemna,do, .o acto legislativo passou a _ser a,
fórma engenhosa por que se demittem e se substi-
tuem juízes e tribunaes.
O sophisma legal occupou o lugar da arruaça.
Nenhum respeito pelo direito adquirido ou pelo ·
principio Cé!,rdeal ~a não retroactividade.
Votar a ~·e forma dos textos organicos é permittir
ao executor ó direito de passar em revista o pessoal
da judicatura e discricionariamente substituil-o.
- 49 -

Em muitos Estados ha fornadas successivas de


julgadores.
Assim succedeu no Ceará, no Espírito Santo,
no Paraná e em Sergipe.
Neste ultim'o Estado, o arbitrio do Executivo,
nas suas relações com a magistratura, ascende a
um maximo em nenhuma outra parte cogitado.
Pela Lei n. 120 de 1896, pittorescamente alcu-
nhada lei elos seis vintens, o Governador demitte
o juiz que ousar contrariai-o ou que se deixar in-
spirar por velleidadés opposicionistas.
O Presidente do Tribunal Superior de Aracajú foi •
a mais recente victima da surnmarissima execução.
Causaria assombro a estatística detalhada das
contradanças occorridas neste delicado ramo de>
serviço ·p_ublico durante o decennio republicano.
Póde-se djzer que, com raras excepções, a ma-
gistratura local é hoje o joguete da paixão po-
lítica. (1)
As funcções estão descentralisadas ; impam de
vaidade os Esfa,dos, creando directamente os seus
tribunaes e elegendo o pessoal judicia rio; - mas
a distribuição da justiça ou assume caracter me-
ramente aleatorio pela incerteza das decisões,

(1) Signanter no Rio Grande do Sul, onde .as: St\~ i'f\as) ,.~ ~
J\·V t,,
condemnaçoes- ··
do Jmz ·
Alcicles •
Lima . //,l
patent~~m~ 1 ¼'a1s escan- G;,,,5f,r,-,•
dalosa submissão ao castilhismo desapiedaitͧ;
4
. .6º VOLUME
~"/'
.., V
S ./'

--------
I)
0 s DEp_1·r~~
----- ~
- 50 -

ou é o fructo da interferencia
,_ continua e syste-
matica dos potentados do dia.
Comprehende-se o que, sob a · acção de taes
factores, passou a ser o. corpo judiciaria local.
Juízes dependentes de Governadores e Con-
gressos pouco escrupulosos, com a carreira cir-
cumscripta ao territorio do Estado de que são
funccionarios, supprimido o estimulo qüe advem da
esperança do accesso, vegetam na estagnação da
vida provinciana, sendo mister esforço sobrehumano
para não succumbirem no meio deletedo que ·os
infecciona.
Ha, sem duvida, · para brilho da classe, e como
consoladora promessa de tempos melhores, magis-
trados que, no culto dq dever, sabem collocar•se
em esphera superior a todos os agentes da disso-
lução social.
Esses são o repositorio das antigas tradiçõe~;
aprenderam com o Visconde de Mont Ser:rat a
exercitar o direito de resistencia ás ordens ille-
gaes, inda emanadas dos mais graduados represen-
tantes do poder publico; na toga vêm a veste
sacrosanta do sacerdote da .lei.
São, porém, a minuscula excepção.
Campeia, quasi geral, a mediocridade docil e
submissa.
Aliás , como resignar-se o talento altaneiro e
conscio de seu valor á situação deprimente creada
pelo federalismo ?
- 51 -

Horisonte estreito; limitadas as aspirações pela


orla mesquinha do territorio ; sobresaltos conti-
nuados ante a instabilidade de uma politica cruel ;
quasi não contar com o dia de amanhã, ·si contra-
riar as ex:igencias dessa oligarchia sui generis, que
-vai avassallando as antigas Províncias - eis a
sorte que depara a magistratura, anteposta pelo
levante ao antigo corpo judiciúio do Imperio.
Se, no regímen decahido, a organização judicia-
ria ainda muito deixava a desejar, indubitavel-
mente a magistratura nacional constituia uma forte
aggremiação, a cujos membros era dado aspirar aos
mais ·a i tos postos .
Assim, o juiz de direito podia esperar quasi ex-
dusivamente da acção do tempo attingir ao eminente
lugar de Ministro do Supremo Tribunal e, emquanto
a ascensão final não lhe era permittida, o accesso
nas entrancias e a escolha para as Relações habili-
tavam-n' o a gradualmente percorrer as zonas civi-
lisadas e, variando de posto, melhor se preparar
para o desempenho da augusta funcção .
- Davam-se injustiças? Havia abuso da parte
-do poder executivo, a quem cabia determinar os
accessos e remoções ?
Quem os contesta?
E q nando as excepções bastaram para condem -
n ar a regra?
As leis continham preceitos salutares cohibindo
-0 arbítrio.
- 52

O parlamento livre, a imprensa sem peias


e o proprio tlecóro do Governo formavam a ante-
mural contra o escandalo.
Hoje, não.
O juiz estadual está, adstricto á gleba.
Si o Presidente da Republica póde procurai o,
e dar-lhe a investidura do Supremo Tribunal, os
factos mostram não passar de raríssimo accidente
o exer~icio desse direito.
V
A magistratura dos Estados. Vicias da sua
,c omposição. Mingua das garantias de acerto

E' facil, acceitas as premissas, avaliar o que


vai sendo a applicação do texto constitucional, que
provincialisou a justiça.
Antes de tudo, minguaram as condições de
,capacidade profissional.
Variando de Estado a Estado as fórmas da or-
ganização, em alguns delles as cautelas para a boa
,e scolha foram qnasi inteiramente eliminadas.
Cabe, sob esse aspecto, a prirnasia' á legislação
do Rio Grande do Sul.
Naquella heroica região, tantas vezes regada,
·durante o decennio, pelo generoso sangue brazileiro,
·c ampeia, sem contraste, a orthodoxia comtista.
A Constituição de 14 de Julho de 1891 sym -
bolisa o trinmpho político do positivismo .
As leis complementares que se lhe seguiram,
aliás de pura iniciativa do Presidente, são o co-
;r ollario immediato desta aberração .
- 54 -

Vêde a Lei de 16 de Dezembl·o de 1895, em que-


vem compendiada a organização judiciaria rio-
grandense. (l)

(1) Sáo dignos de transcripção os seguintes topicos do


discurso proferido perante o Supremo Tribunal Federal
pelo Dr. .Pedro Moacyr sustentando na sessão de 6 de-
Dezembro· de 1899 o pedido de habeas - corpus em favor elo·
Dr. Barros Cassal, preso illegalmente por ordem da Jus--
tiça da Comarca do Alegrete.
« Mudaram, porém, agorn os meios empregados. Já não
se procura a estrada para feril-o ; já não se quM assas-
sinal-o á sahida de sua casa; já não se espera uma via-
gem a Sant'Anna, cuja fronteira elle costuma a atra--
vessar. Não.
Agora o apparelho que funcciona no Rio Grande é·
outro.
E' o judiciário.
A. guilhotina trabalha com as molas untadas com um.
novoazeite, funcciona normal e implacav elmente nos tri--
bunaes !
O poder executivo - que é tudo no Rio Grancle
procurou transformar os juízes em uma aggremiação ele-
carrascos!
E foi assim que longa, premeditada e satanicamente·
agarraram a occasião appetecida, quando o Dr. Barros Cassal
defendia um r éo no Alegrete .
Passa a estudar a Constituição do Rio Grande, que está
fóra das leis da União.
O governo alli é executivo , legislativo, municipal, ju-
diciaria e constituinte !
Não póde examinar todas as leis rio-grandenses ; mas
examinará o codigo do processo, servilmente copiado e pes-
simamente traduzido do italiano, do trabalho de Garofalo
e Caselli.
- 55 --

Ahi se acham consignados, entre outros, os


seguintes principios :
1. º - Os juízes de comarca são nomeados pelo
Presidente do Estado, precedendo concurso peranta
o Superior Tribunal, dentre os candidatos que
forem habilitados, sem dependencia de diploma
escolastico ou academico

Examina os arts .. 85 a 93, (lé) que commenta.


Um desses artigos estabelece a indagação secreta, a
verdadeira « deí,assa » das Ordenações, no sén Liv. V.
Demonstra o atrazo e a illegaliclade do meio por que
se fazem • a indagação secreta e summarissima » e a for-
mação da culpa, de onde resulta que juiz póde mandar
prender sem causa, ou indefinidamente um individuo.
Lê o art. 346, que ordena o sequestro elos bens do
individuo processado.
Lê e commenta detidamente diversos artigos do Codigo
rio-grandenso.
Passa a cornmentar o jnry, cujos julgamentos são
· daelos por cinco indivíduos, com voto a descoberto. O réo
absolvido unanimemente, desde que o promotor appelle, _
l
continúa preso !
Cita o caso ele Irinen de Freitas, accusado pelo crime
do artigo 194, tres vezes unanimem ente absolvido e que
continúa preso á espera do quarto julgamento !
Compara o art. 72 § i5 da Constituição, sobre rli-
reito ele defesa, artigo que é violado pelo art. 424 do
Codigo processual rio-grandense .
Lê outros artigos.
« Codigo barbara e despotico ! exclama o hnp etrante.
Oh ! que sanclades se eleve ter dos home~s que tão bem
redigiam as nossas leis l "
(Da Imprensa ele 7 ele Dezembro).
- 56 -

2. º - O programrna do concurso versa sobre as


materias seguintes :
a) Direito Constitucional da União e do Estado;
b) Questões theoricas e praticas de Direito Cri-
minal, Civil e Commercjal ;
e) Le.is organicas judiciarias da União e dos
Estados;
d) Theoria e pratica do processo.
E nada mais.
Asdm, ao passo que nas F'aculdades officiaes
e não offic:raes se procura alargar o estudo das
s ciencias j uridicas, o mais possi vel aproximando-o
do moderno desenvolvimento do direito, basta, em
S. Pedro do Sul, a resposta mediocre a limita-
dissimo questionario para habilitar o candidato á
investidura vitalícia no elevado encargo da dis-
tribuição da Justiça.
As disciplinas preparatorias, o proprio conheci-
mento da lingua vernacula, são luxuosas inutilidades.
O direito romano, donde o no sso tão directa-
mente define, a legislação comparada, á cuja luz
se resolvem arduos problemas, a philosophia, a
historia do direito, a sciencia da administração,
a economia política, só representam, perante a lei
1·io-gtandense, um esteril fardo ou a exhibição de
ridículo pedantismo .. ,
Bastam, para o juiz de direito, as debeis
provas outr'ora exigidas do infirno dos procura-
dores _jndiciaes ! ....
- 57 -

Nem outra cousa era licito aguardar do des~o-


bramento de um Estatuto Constitucional, em que
vem inscripto o segninte artigo (71 §§ 5 e 6).
« Não são admitticlos tambem no serviço
do Estado os privilegios e diplomas escolas-
ticos ou academicos, quaesquer que sejam,
sendo livre no seu territorio o exercício de
todas as profissões de ordem moral, intel-
lectual e industrial . »
« Os cargos publicos civis serão providos
no gráo inferior, mediante concurso, ao qual
serão indistinctamen te admi ttidos todos os
cidadãos, sem que aos concurrentes seja
exigivel qualquer diploma.
« O provimento dos cargos medios será
feito em virtude de accesso por antiguidade
e, excepcionalmente, por merito.
« Os cargos superiores serão de livre no-
meação do Governo, com exclusão tambem
da e:x.igencia de di plorna. »
Infelizmente, esse specimen da teratologia le-
gislativ·a não é singular.
Na maioria elos Estados foram afrouxadas as
condições antigas da capacidade profissional.
Em uns, aboliu-se o estagio ; em outros, - ou
deixou-se ao poder executivo o livre arbítrio na
escolha, ou não se respeitou sequer o limite mí-
nimo da idade.
58 -

E' notorio que, no proprio Estado elo Rio de


Janeiro, o presidente Portella nomeou jtdzes ele
direito de importantes comarcas bachareis imber-
bes, apenas sahidos dos bancos academicos, e, a
esses juvenis. magistrados, sem a pratica dos ne-
gocios, sem a experiencia da vida, sem o conhe-
cimento dos homens e das cousas, foi confiada a
rude tarefa de garantir a liberdade, a propriedade
e a honra de milhares de jurisdiccionados !
Este g-rande centro commercial, a propria séde
do Governo ela União, não escapou á acção dis-
solvente de todos os élos sociaes, que a · novem-
brada
,. exerceu.
O acto n: 1030 de 14 de Novembro de 1890,
com que o actual presidente da Republica preten-
deu perpetuar a sua capacidade codificadora, redu-
ziu ao minimo as garantias de ace rto na escolha
dos magistrados.
Basta, ex -vi do art. 19 desse decreto, para a
nomeação de membros do Tribunal Civil e Crimi-
nal, a graduação em direito e o exercicio por seis
annos de cargos inferiores de judi catura, ministerio
publico ou de advocacia.
Não se tendo fixado as normas porque o exer-
cicio deve ser apurado, o bacharel, que apenas no-
minalmente houver praticado a advocacia durante
seis annos, está habilitado a se1·1 pelo presidente
da Republica, guindado ao dif:ficil posto de juiz
do Tribunal, onde se debatem os mais graves
- 59 -

interesses ela primeira praça commercial da Snl-


America.
O enunciado não é simplesmente co"njectural.
- Quem ignora que o ar bitrio da escolha, . mais
de uma vez, recahiu nos menos capazes?
Dessa relevação de idoneidade àdvem as mais
damnosas consequencias.
Além das delongas inherentes ao excusado jul-
gamento collectivo ·na primeira instancia, ficam as
partes á mercê da inexperiencia de uns, a susce-
pti,bilidade doentia de outros e uma exagerada
noção da autoridade propria, que só é mitigada
pela calma da idade madura.
Inquestionavelmente, muito tem decahido os
costumes judiciarios da Capital.
Ontr'ora, o juiz de direito da comarca da Côrte
representava longa série de serviços prestados no
officio de julg·ar.
As dez varas privativas eram, salvas raríssi-
mas excepções, occupadas por provectos magistra-
dos, que, á dilatada pratica dos neg·ocios forenses,
aliavam a prtidencia e o criterio comprovados
nos postos anteriormente exercidos.
Hoje, si são po ssí veis, si tem mesmo havido
boas escolhas, é, todavia, enorme o arbítrio do
poder executivo.
Nem contra essa exorbitancia ela faculdade de
nomear ha correctivo possível, attenta a liberdade
de acção consignada no referido art. 30 .
60 -

Ainda mais . "


O Supremo Tribunal é, no conceito dos doutores
do federalismo, a garantia mais efficaz das liber-
dades publicas, como que constituindo o elemento
moderador da Repnblica, destinado a velar inces-
,.____.._..., santemente sobre a pureza da fé nova.
· , « Perante a Justiça federal,-d-izia o ministro
Campos. Salles na exposição de motivos. que pre-
cedeu ao Decreto de 11 de Outubro de 1890, -
derimem-se não só as contendas que resultam do
direito civil, como aquellas que mais possam avul-
tar na elevada esphera do direito publico.
Isso basta para assignalar . o papel importan-
tissimo, que a Constituição reservou ao poder judi-
ciario no g·overno da Republica.
N elle reside essencialmente o principio federal;
e, da sua boa org·anisação, portanto, é que devem de-
correr os fecundos resultados que se esperam do novo
regímen, precisamente porque a Republica, segundo
a maxima americana, deve ser o governo da lei.
O organismo jucliciario no systema federativo,
systema que repousa essencialmente sobre a exis•
tencia de duas soberanias na triplice esphera do
poder publico, exige para o seu regular fnnccio-
namento uma demarcação clara e positiva, traçando
os limites entre a jurisdicção · federal e a dos Es-
tados, de tal sorte que o domínio legitimo de cada
uma dessas soberanias seja rigorosamente mantido
e reciprocamente respeitado. ~,
- 61 -

E' assim que, nas vesperas da reunião da Con-


stituinte, se definia o papel reservado á Justiça
federal e se traçavam as linhas divisorias dos dons
organismos.
Parecia que, para o desempenho de tão augusta
missão, deviam ser chamados os homens mais
eminentes da Nação e supprimido o mais possível
o arbítrio do Eleitor.
Longe disso.
A Carta política de 24 de Fevereiro entrega a
nomeação dos j uizes do Supremo Tribuniil Federal ·
ao Presidente da Republica com ;:i,pprovação do
Senado (art. 48 § 12).
A porta para o abuso está, porém, consignada
no art. 56, em virtude do qual a escolha pôde
recahir em quaesquer cidadãos de notavel sabei·
e reputação .
Para o exercício de funcções eminentemente
judiciarias, o texto dispensa a capacidade profis-
sional.
E á sua sombra, puderam, um medico e dois
generaes, ser nomeados durante o governo do l\fa-
rechal Floriano ! . ..
Mais de uma vez, o exerci cio de cargos policiaes
tem sido o crysol, por onde se apuram mereci-
mentos.
Fôra longo, e é excusado para os intuitos deste
trabalho, percorrer, uma por uma, as leis judicia-
rias dos Estados componentes da União.
- 62 -

Nem temos em -tnira escrever um tratado de


direito judiciario local.
Cumpre-nos apenas assignalar a influencia de-
leteria da descentralisação, em tão má hora ope-
rada nesse importante ramo do publico serviço.
Os exemplos apontados são por demais elo-
quentes.
Minguaram as condições .da capacidade ; tor-
nou-se a justiça a succursal proxima do poder
executivo estadoal; é illusoria a independencia
do magistrado ; expandiu-se de modo inaudito a
detestavel classe dos juízes politicos.
E o povo, vexado por impostos crueis, prisio -
neiro na rêde oligarchica, em que estão envolvidas
as ex-Proviucias, nem póde, com segnrança de
exito, reclamar o amparo e protecção, que, só por
euphemismo, lhe foram promettidos.
Ha, -já o dissemos,-um g-rupo illustre ~e ma-
gistrados que procuram resistir a · tantos elemen-
tos maleficos.
Fa7,em do sacerdocio da justiça a sua pre-
occupação de todos os dias.
Esteril luta, em que, cedo, se lhes alquebram
as forças !
A fatalidade do meio, a corrente dos aconteci-
mentos, inutilisam todas as tentativas para o bem.
Desencadeadas a 15 de Novembro tantas más
paixões, o funesto effeito da revolta militar se es-
tendeu a todas as camadas sociaes.
63 -

A administração da justiça não podia escapar


ao contagio.
N i:t encetada obra de demolição, a pedra an-
gular desse templo, -a independencia do poder-
soffreu embate formidavel, que ainda hoje a traz
deslocada do alicerce.
Vieram os dias sombrios, em que a espada
vencedora ditou a lei.
Os élos esphacelados ainda não foram reunidos.
E' preciso que se restabeleça ao todo o equili-
bl'io social para que se firme o direito sobre os
destroços da prepotencia e, do ar bitrio! ....
VI
Cerceamen,to das garantias individuaes.
Mutilação do « habeas corpus >> e de outros
institutos da liberdade

Não é sómente sob o ponto de vista da escolha


dos juízes e da com.posição dos tribnnaes que deve
ser encarado o problema da organisação da justiça
no systema republicano.
As tendei.1cias do novo credo se accentuaram,
desde o inicio, no sentido de se restringirem as
garantias individuaes, de que deve ser o magis-
trado o indefesso mantenedor.
Se, com o estado de sitio substituindo a sus-
pensão das g·arantias da Carta politica de 1824,
ficou infiltrado no direito constitucional do levante
o gernÍen das dictacluras marciaes, as diversas
leis secundarias com que se foi, pouco a pouco,
transformando a antecedente legislação primam,
sobretudo, pelo cerceamento ou o sophisma dos
princípios liberaes af:firmaclos lapiclarmente em
tantos monumentos elo regímen deposto.
5 3° YOLU~[E
- 66 -

Vêde o que acontece com o haueas-corpus.


N~ allndida exposição de motivos de Outubro
de 1890, ponderava ainda o Dr. Campos Salles:
« O mesmo zelo pela liberdade individual pre-
sidiu ás disposições refativas ao habeas-corpits.
As formulas mais singelas, mais promptas e
de maior ef:ficacia foram adoptadas, e como uma
solida garantia em favor d'aquelle que soffre o
constrangimento, ficou estabelecido o recurso para
o Supremo rrribunal Federal, em todos os casos
de denegação de ordem de habeccs-corpu!ii.
Tanto quanto é possível, e dentro dos limites
natural mente ,postos á previsão legislativ a ficou
garantida a soberania do cidadão.
E' esse, certamente o ponto para onde deve
convergir a mais assídua de todas as preoccupa-
ções do Governo republicano. O ponto de partida
para um solido regímen de liberdade está na ga-
rantia dos direitos individuaes. » (1 )
Irrisoria logomachia, que desfaz um simples
relance pelos textos do direito publico da Mo-
narchia ...
-- :Onde, de que forma, a estructura rep ublicana
tornou mais efficaz o recurso de lwbeas-corpus?

(1) O mesmo autor desta tirada é quem , na mensagem


dirigida ao Congeesso Paulista, declarou qne só os Re1)u-
blicanos e adhesistas podiam invo car em seu proveito as
garantias constitucionaes ! ...
- 67 -

Como foram simplificadas as formas do processo


de modo a tornar mais rapida a acção do mag·is-
trado?
E' ainda o titulo IV da parte 2.. do Codigo
do Processo q ue preside a marcha judicial do
poderoso recurso.
Ahi, no art. 342, se detei-mina q_ue - qualquer
juiz dentro dos limites de sua jurisdicção, tem a
obrigação de mandar e fazer passar, dentro de
duas horas, a ordem de hctbects-corpus.
No art. 346, se dispõe que - qualquer ins-
pector de quarteirão, offi.cial ele justiça ou guarda
nacional, a quem fôr apresentada uma tal ordem,
em fórma legal, tem obrigação de ex.ecutal-a ou
coadjuvar sua execução.
Pelo art. 7 5 do Regulamento n. 4824 de 22
de Novembro de 1871, o carcereiro, detentor, es-
crivão ou of:ficial do juizo, que , de qualquer modo,
embaraçar, demorar ou difficultar a· expedição de
uma ordem de hctbeas-corpus, a conducção e apre-
sentação do paciente, além das penas em que
possa incorrer, na fórma da lei criminal, será
multado na quantia de quarenta a cem mil réis
pela autoridade competente.
-Que outras normas, além dessas, compendiou
para a celeridade da concessão, o hodierno direito
republicano?
Nem é verdadeira a affirmação de que o
actnal recurso para o Supremo rrribunal Federal
68 -

constitue uma solida , garantia em favor daquelle


que soffre o constrangimento illegal.
Longe disso, o systema actual torna mais dif-
ficil a interferencia tutelar das instancias supe-
riores ·.
No mecanismo do Codig·o do Processo Criminal
e da Lei n. 2033 da Lei de 1871, o pedido de
habeas-corpus podia ser dirigido, originariamente
á escolha elo paciente, ou ao juiz de direito, on
á Relação do districto ou ao Supremo Tribunal
de Justiça.
Hoje, não.
Excepto casos especiaes, o Supremo Tribunal
Federal só conhece, em gráo de r ecurso, das pe-
tiç.ões de habects-corpus, quando indeflriclas pelas
justiças locaes. (1)
Comprehende-se o qne vai. de vexatorio nesse
cerceamento de competencia.
Já não rara s vezes , tem delle resultado o
prolongamento por muitos di~s da injusta prisão.
Segundo a lei, que o Sr. Campos Salles diz ter
melhorado, o paciente, dirigindo-se directamente
ao Supremo Tribunal, abrigava-se de prompto

(1) O pr ocesso do 1'ecurso é, inn egavelmente, moroso.


Além elo t ermo, exige a resposta elo jui z infer ior , r e-
mess a de autos, etc.
No mechanismo anterior , a apresentação cl.irect a da pe-
tição in vesti a logo o Tribunal da plena competencia para
faz er cessar o constran gimento illegal.
- 69 -

sob sua poderosa sombra contra a desatinada


perseg·ui.ção dos dominadores provincianos.
Agora será preciso, antes de tudo, recorrer á
justiça local, muitas vezes suspeita ou apaixonada.
Ainda mais; si, perante a Côrte de Appellação,
no Distriato Federal, é dado peclir-se o remedio
contra os constrangimentos da liberdade, é, toda-
via, o pronunciamento confiado apenas ao Conselho
Supremo, composto de tres juízes, - ao passo que
a legislação anterior fazia interferir nesse acto de
tão grande alcance todos os membros desimpedidos
do Tribunal da Relação. •
- Significará a reducção consideravel do nu-
mero de juizes - accrescimo de gara}?.tias?
A propria noção de habeas-rorpiis foi profunda-
mente modificada pela recentíssima lei, que veda o
recurso, em se tratando de prisões ordenadas admi-
nistrativamente pelas altas autoridades do Thesouro.
Todos sabem que a jurisprudencia imperial
havia firmado a legitimidade da intervenção judi~
cial, mesmo no caso de prisões ordenadas pelo
Ministro da Fazenda contra os exactores e respon-
saveis pela guarda dos dinheiros publicos. (1)

(1) Sobre a latitude do habeas-co1piis, no dominio da le-


gislação da monarchia é digna de nota a r esolução c1e con-
sulta do Conselho de Estado ele 2 de Outubro de 1889 (Dicwio
O/fi~-ial de 8 de Outubro). E' do seguinte teor:
« O poc1er jncliciario é competente para conhecer dos
recurso::i de habeas-co1-piis_ interpostos a favor de praças
70 -

Ainda em relação·· ás prisões politicas, é va-


cillante e incerta a doutrina do Supremo Tri-
· bunal.
Em uns casos, foi decidido que a cessação do
estado de sitio não bastava, por si só, para a ex-
pedição da ordem de soltura em favor dlts detentos
( actos ·do Marechal Floriano Peixoto) ao passo-
que foi precisamente decidido o contrario no
habeas-corpus em favor dos deputados Alcindo
Guanabara, Barbosa Lima e outros, presos durante
o estado de sitio decretado pelo Dr. Prudente dt7
Moraes.
Após nove · annos de execução da lei constitu-
cional, não se conseguio fixar a latitude e ex:tensão
do formidavel direito consignado a.o Presidente
da Republica. no art. 48 § 15.
Casos de méra intervenção policial têm sido
qualificados como a grc~ve conimoção intestinc~ de
que cogita a lei.
Tem-se estendido aos · movimentos insurreccio-
naes internos a legislação peculiar ao tempo de
i?:Uerra com o estrangeiro.
Foi-se pedir ás obsoletas leis de 1831 re-
medio para a debellação da revolta naval de 1893

alistadas nos corpos policiaes, sem que por este facto invada
a esphera de acção da autoridade administrativa. » Não está
ahi o germen da autoridade da magistratura, conhecendo
de todos os constrangimentos da lib0rdade imlividnal?
- 71 -

e das expedições federalistas do Rio · Grande


do Sul.
Rejeita,ndo o projecto regulador do es_tado de
sitio, l1pprovado pela Gamara dos Deputados, o ·
Senado deixou a porta aberta a essas vacillações
e incertezas da jurisprudencia e permitte · todas as
interpretações, mesmo a . dos que, com o Congresso
de 1894~ converteram a suspensão de garantias
em o jus vitc,e et necis conferido ao Executivo. _
Por seu turno, os casos de fiança criminal vão
sendo notavelmente reduzidos .
Pela Lei de 3 de Dezembro de 1841, cujas ten-
dencias reaccionarias são aliás incontestaveis, a
fiança .era permittida nos crimes, em que o maximo
da pena não fosse:
1 º morte natural ;
2° galés;
3º 6 annos de prisão com trabalho ;
4° 8 annos de prisão simples ;
5° 20 annos de degredo.
A lei ainda recusava o favor aos delinquen-
tes, de que · tratavam os · arts. 107, 116, 123
do Codigo Criminal de 1830 ; aos que uma vez
tivessem quebrado a fiança ou aos réos pronun-
ciados por dous ou mais crimes, cujas penas, con-
sideradas conjunctamente, excedess_em as indicadas
no art. 101 do Codigo de Processo.
Com o Codigo republicano de ~891 (art. 406)
a fiança não é admissi vel nos crimes cujo maximo
- 72

de pena fôr prisão cellular ou reclusão por quatro


annos.
A prisão preventiva abrange actnalmente va-
riado numero de especies, que lhe escapavam no
domínio da legislação da Monarchia.
As tendencias restrictivas das garantias indi-
viduaes não se limitaram. a esse texto do Codigo.
Diversas leis avulsas continuam a accentnal-as .
. Entre todas ella,s, a recente reforma policial, -
que lia de passar na historia desses ultimos tem-
pos como um dos maiores commettimentos contra
as liberdades cívicas, - cerca de tantos embaraços
a prestação da fiança que, bem se póde dizer,
- os effeitos desta são inutilisados na maioria
dos casos. (1)

(1) A Lei n. G28 de 28 de Outubro é o specimen mais


completo ela sinceridade republicana na comprehensão elas
garantias da liberdade incliviclual.
Por essa Lei foram :
1° subtrabiclos da competenci a do jury mais os cri-
mes de fur to, este-llionato e outros enumerados no Livro IT,
titulo VI, capitulo II, secções I e Ill, titulo XII, capi -
tu]os II e IV do Codigo Ponal ;
2° declarados inafiançaveis os crimes de furto de valor
excedente ele 200$000 e os capitulados nos arts. 141 e
1-12 do Codigo ;
3° extincta a fiança provisoria ;
4° clifficultada, pelo exaggerado rigorismo das formul as
a prestação da fiança definitiva ;
f>º negaclo o livram ento sem fiança nos crimes a que
é imposta multa maior de 100$000;
- 73 -

A execução l itteral desse acto reaccionario abo-


lirá, de facto, a fiança pro visoria. (2)
Instituída pela Lei ele ' 1871, como prorupto re-
curso contra o abnso policial1 a fiança provisoria,

6° elevada a tres mezes de lH'Isao o maximo da


penalidacle elo art . 367 do Oodigo, além da multa nell e
cstatuida ;
7° confericla ás autoridades policiaes a faculdade de
pro cessar as contravenções do Livro III, capitulo II e III,
arts. 369 a 371 e 374, lV, V, VI, VHI, XII e XIII art. 399,
princ. § 1° elo Oocligo Penal;
8° restaurado, e·m relação a essas contravenções, o
procedimento ex-officio, abolido desde a Lei 11. 2033 de 1871;
9° eliminado, por assim dizer, o direito de defesa
dos accusados pela marcha ,riolenta do processo, a r e-
dncção do numero ele testemunhas ao ma"lci.mo de tres
e a suppressão ela vantagem do julgamento collectivo pelo
facto ele sómente serem os autos vistos pelo re.lator.
- Que fica sendo, diante clesses textos, a propria Lei
de 3 de Dezembro de 1841, em que o republicanismo histo-
rico viu a franca ostentação do despotismo imperial?
No emtento a Imprensa periodictt, salvo brilhante ex-
cepção , ou applaudiu sem reser,ras o monstruoso com-
m ettimento , ou indifferente assistiu a sua marcha triumphal
nas duas casas do Congresso! ...
Brevemente e com a policia que temos, a execução
da Lei n. 628 será o mais formidavel instrumento de
oppressão official. . .
E dizer-se que a Republica alargou a esphera das
r agalias cívicas ! ...
(2) E assim o decidio o Governo no regulamento ex-
pedido para a applicaçião do art . 5° da Lei, (Decr . n. 3475
de 4 de Novembro de 1899 art. 7).
74

durante os 28 annos·· da sua applica,ção·, foi o


amparo de muitas victimas da injustiça ou da
fatalidade dos acontecü:úent.os.
Nem o foro, nem os tribunaes, reclamavam a
moditicação dos textos que a compendiam.
Bastaram, porém, as velleidades reformistas de
um chefe de policia desabusado para que o Con-
gresso, sem detido exame, apagasse dos textos da
lei a generosa concessão.
vn ·
Annullação do jury erigida em systema.
Tendencias retrogradas para armar a magistra-
tura togada do direito de sentenciar no crime

Onde, porém, mais se assignalaram as ten-


dencias do systema, que o motim militar, em nome
da nação, i_mplantou na terra brazileirn, foi precisa-
mente na composição e competencia do tribunal
do jnry.
A Constituição de 1824 havia estabelecido a
grande differenciação entre a . autoridade do ma-
gistrado e a do juiz de facto .
Os jurados, - diz o art. 152, - pronunciam
sobre o facto, e os juizes applicam a lei.
Era mais uma grande conquista democratica,
pacificamente alcançada pelos fundadores do Brazil
livre.
Aliás, já a Lei de 18 de Junho de 1822 e o
Decreto de 22 de Novembro de 1823 eram a ge-
nese dessa fórma de julga mento para os crimes de
abuso de liberdade de imprensa, sendo os se11s
- 76 -

princ1p1os desenvolvüfos na Lei de 20 de Setem-


bro de 1830.
Foi, porém, em 1832, com a promulgação do
Codigo de Processo Criminal de primeira instancia,
que o jury se converteu em tribunal judiciario
- para conhecer de todos os delictos, excepto os
crimes de responsabilidade dos réos militares e dos
que , pela Constituição, tinham fôro privilegfado.
Veio depois a Lei de 3 de Dezembro de 1841,
que subtrahiu á competencia do jnry os delictos
de responsabilidade para snbmettel-os ao juiz de
direito, a quem deu igualmente attribuição- não
só de appellar das decisões dos jnizes de facto,
quando contrarias á evidencia <los debates e á
prova resultante elo processo, como, aind_a, de exer-
cer, durante a phase do julg·amento plenario, as
faculdades de que são investidos, em França , os
Presidentes das Cours cl' Assises.
Si o Decreto n. 562 de 2 de Julho de 1850
passou para o juiz de direito o julgamento dos
crimes de moeda falsa, roubo e homicídio com-
mettidos nos municípios das fronteiras, a re-
sistencia comprehenclida na primeira parte do
art. 116 do Codigo Criminal de 1830; a _tirada
de presos, de que tratavam os art. 120, 121, 122,
123 e 124 do mesmo Codigo e o de bancarrota;
si ainda, pela Lei n. 1090 de 1860 os crimes de
farto de gado vaccum e cavallar nas fazendas de
criação e de cultura foram subtrahidos da esphera
- 77 -

de acção do jnry,-tudo isso sob a influencia do


forte espirito conservador que presidin aos pri-
meiros aimos do segundo reinado, - a restaura~ão
da autoridade. desse tribunal se effectuon em grande
parte pela Lei n. 3163 de 7 de Julho de 1883.
No ultimo estado da legislação do Imp~rio,
era, cons·eg·uintemente, o jnry o tribunal commum
para a maxima parte dos crimes compendiados no
Codigo Penal .
A sua autoridade sumente não se exercia:
ct) sobre os privilegiados pela constituição
b) nos delictos denominados policiaes;
e) nos crimes de responsabilidade nos fun-
ccionarios pnblicos ;
cl) nos de contrabando, moeda falsa e outros
compendiados no Decreto de 2 de Julho de 1850.
, Assignaladamente, os crimes politicos e os de
abuso ele liberdade de imprensa, . qualquer que
fosse o gráu da pena com exclusão da injuria
contra particulares, figuravam no grupo das es-
pecies delictnosas, affecta3 á sua jurisdicção.
Affirmando no seu art. 72 § 31 a manutenção
da instituição do jnry:- parecia que a Carta de 24
de Fevereiro dera vida constitucional ao tribunal
popular como se achava composto ao alvorecei
do dia 15 de Novembro ele 1889.
Em outros termos , deviam se considerar, como
complementares da Constituição, as leis organicas
relativas á instituição dos jurados.
- 78

Essa é a conclusão imp.osta pela Herme.neutica


Assim, porém, não deci.diram . os serzidores dos
codigos esta.doaes Oll os elaboradores da,s leis de
01 ganisação .
E o exemplo foi dado pelo proprio Governo
da União.
Nesta Capital, é o jury um grande ·mutilado.
Creando o tribunal correccional e a Camara
Criminal do Tribunal Civil e Criminal, o pro-
mulgador do acto n. 1030 subtrahiu dó julga-
mento pelo jnry grande numero de delictos, cujo
conhecimento logicamente não pódia ser retirado
dos j uizes de facto.
Pelo art. 58 do referido Decreto n. 1030,
compete ás juntas t;Orreccionaes processar e julgar
as contravenções, as infracções dos termos de bem
viver e segurança e os seguintes crimes, pre-
vistos no livro. II do Codigo Penal :
i11j nrias verbaes ;
ameaças;
ultrage publico ao pudor (cap. 5°, tit. 8°) ;
simples damno (art. 329 §§ 1 e 2);
contra a segurança do trabalho ;
contra a inviolabilidade dos segredos (arts. 1891
190 e 191);
contra a in violabilida,de do domicilio ( cap. 5 º,
tit. 4 º .) ;
furto de valor menor de 200$000 ;
oftensa physica leve;
- 79 -

celebração do casamento contra a lei, e, em


geral os crimes resultantes de -negligencia , de
imprudencia ou impericia, sem grave consequencia
(arts. 148, primeira parte, 151, primeira parte,
153 § 1, 293, 306).
P or se u turno, a Camara Criminal do Tribunal
Civil e Criminal processa e julga os seguintes
crimes previstús no livro II do Codigo .Penal:
tirada de presos do poder da justiça e arrom-
bamento das cadeias ;
desacato e desobediencia ás autorid,ades;
incendio e damno comprehendidos no paragrapho
unico do art . 148 ;
contra a segurança dos meios de transporte e
communicação, nos casos do art. 149 § 1, 152, 153
e seus§§ 2 e ·3 ;
contrn a sande publica, excepto nos casos do
§ 1 art . 157, paragrapho unico do art. 158·, § 3°
do art . 160 e 161 e paragrapho unico do art . 164;
contra o livre exercicio dos di.reitos políticos;
contra a liberdade pessoal, excepto no caso
do art. 183 ;
contra o livre exercício dos cultos ;
contra a inviolabilidade do domicilio, no caso
do paragrapho nnico do art. 196 (si não resultar
morte);
falsidade de actos publicos;
testemunho falso ;
lenocínio ;
80
adulterio ; ,
parto supposto e outros fingimentos;
subtracção e occul tação de menores, excepto
no caso do art. 293, da competencia da junta cor-
reccional ;
homicídio involnntario;
concurso para o suicídio ;
provocação de aborto, não resultando a morte
da mulher;
contra a honra e boa fama, excepto injurias
verbaes;
damno, no caso dos arts. 326, 327 e 328;
furto, nos casos dos arts. 332 e 333;
estellionato nós casos dos arts. 339 a 340 ;
contra a propriedade litteraria, artiatica, indus-
trial e commercial.
E a recentíssima lei, arrancada á condescen-
dencia do Congresso, em nome de falsas conve-
niencias da administração da policia, levou ainda
mais longe a reacção contra as i ns ti tuições li-
beraes transmittidas pelo Imperio, já armanuo
os delegados ele policia do direito de formar
culpa e preparar processos, já investindo o pre-
tor qnatriennal ela autoridade de julgar, quasi
se m recurso, as contravenções capituladas nos
arts. 367, 369, 376, 391, 399 e outros do Co-
cligo Penal.
E' ainda essa lei que espolia o tribunal do
jnry da competeucia de julgar os crimes de furto
- 81
in ·. toti~m, transferindo- a para a magistratura
togada. (1)
Ainda mais. Si, no decreto organico da jus-
tiça federal (n. 848 de 11 de Outubro de 1890)
foi rnant,ida a integridade da jnrisdicção do jury
relativamente aos crimes sujeitos á competencia
federal, os actos subsequentes têm sido systema-
ticos no empenho de, uma por nma, restringir-lhe
as funcções.
E' assim que a Lei n. 221 de 1894 enumera ta-
xativamente as especies em que o jury intervem.
Como si isso não bastasse, a Lei n. 515 de
3 de Novembro de 1898, uma das mais reaccio-
narias qlrn nesse paiz se tem promulgado, trans-
fere para o juiz de secção o julg·amento dos
cr imes de moeda falsa, contrabando, peculato,
falsificação de estampilhas, sellos adhesivos, vales
postaes e coupons de juros da _divida publica da
União.
Decretada em reg·imen soit disant democratico,
essa lei, no seu rigorismo 1 vai além da de n. 562
de 2 de Julho de 1850, aliás profnndamente modifi-
cada, corno já se ponderou, por diversos actos subse-
quentes e, notavelmente, pelo decreto legislativo
de 1883.

(1) Gomo já foi dito , o estellionato e outros crimes contra


a propriedade são agora da alçada da camara criminal do Tri-
bunal Civil e Criminal.
6 3° YOLUME
82 -

- Qne tem levado os legisladores republicanos


a dest'arte restringir a acçã,o do instituto, que
encarna uma das primeiras garantias da liberdade
e é o desdobramento judicial da soberania?
Deprehende-se das diversas disposições aponta-
das, e, sobretudo, dos debates parlamentares que
as antecederam, que os directores da política re-
publicana se acham persuadidos da imprestabrn-
dade do jury com a latitude de acção. traçada no
Codigo do Processo.
Vai-se, no espirito dos próceres do levante, ar-
raigando a convicção de que - ou o jury é inacli-
mavel no nosso meio social, ou hão sido negativos
senão perniciosos os resnltados da sua interfe-
rencia.
Os homens que aboliram a monarchia e, apre-
goando as excellencias da fórma federativa, cha-
maram o povo ao desempenho das mais delicadas
funcções, pronunciam a sentença de condemnação
da mais assignalada conquista democrntica.
Veem no julgamento pelos pares quasi um
perigo social, cujo i:emedio só advirá do alar-
gamento do poder da policia ou da magistratura
togada.
Esse é o moderno conceito dos falsos pregoeiros
dá soberania das multidões.
Apressam em eliminar a instituição, que não
ousam melhorar, como corta o indio semi-barbaro
a arvore, cujo fructo não Rabe colher ...
- 83 -

A continua cruzada contra o julgamento pelos


juizes de facto, por si só, caracterisa a sinceri-
1
dact.e dos democratas brazileiros.
Fóra do poder, são os eternos declamadores
contra a severidade das leis ; de posse delle, as-
segurando ao seu artefacto a perpetuidade .das in-
stituições divinas, só têm um ideal - enfraquecer
as valvulas de resistencia contra a oppressão e
a, tyrannia.

Julgamento pelos jurados, verdade de eleição


e imprensa livre, formam, nos regimens repre-
sentativos, a tripode grandiosa sobre que se as-
senta a verdadeira soberania.
Quem o diz, é Guízot, o illustre chefe da escola
conservadora em França.
O jury em todos os paizes, que o adoptaram,
representa uma conquista alcançada á custa ele por-
fiadas lutas e sacrificios.
A Republica brazileira teve a rara fortuna de
receber da extincta Monaréhia essa instituição,
já ha largos annos experimentada, com leis apro-
priadas e conhecidas de todas ae classes sociaes.
Si, pela inferioridade de nossa civilisação e,
sobretudo, pelo pouco escrupulo no alistamento dos
juízes de facto, partiram do jmy decisões em que
o sentimento da justiça foi abafado, em quantas
occasiões não foram os jurados os vindicadores
do opprimido !
- 84 -

Aponta-se a morosidade dos processos e a


indifferença do cidadão pelo exerc'icio desse
direi to como os ,instigadores primordiaes da con-
demnaç~o. (1)
Si assim fôra, ficaria, da mesma sorte, affirmada
a incap1;tcidade do povo brazileiro para a pratica do
governo livre.
O cidaq.ão é chamado parn, com seu voto, inter-
ferir na composição dos poderes legislativo e exe-
cutivo.
Negam-lhe, no emtanto, aptidão para pronunciar
sobre os factos delictuosos como jurado, da mesma.
maneira que . excluiram-n'o do quadro judiciario~
abolindo os jnizes de paz !
Eis como o republicanismo ensina e pratica a
lib_e rdade.

(1) A pessima qualificação dos jurados é a fonte prlu-


clpal da decarlencia da instituiç.ã o.
Em vez de restl'ingir as condições de idoneiclade, tor-
nando mais severas as provas da legislação anterior, o
art. 40 do Decr. n. 1030 de 14 de Novembro de 1890 manda
qualificar como jurados to dos os cidadãos de 21 a G5 annos.
de idacle que souberem ler e escrever e tiverem as quali-
dacles de eleitor !
E' o suffragio universal levado ao organismo judiciario_
Nenhuma exigencia de renda nem de capacidade moral ...
Assim, a mesma indifferença que arreda o cidadão elas.
urnas eleitoraes, leva-o a abrir mão da preciosa faculdade
de decidir da fortuna e liberdade dos seu s pares .
E o remedio que a therapeutiea republicana lembra ó a.
reclucção da competencia do 'Tribunal ! .. .
VIH
O Jury perante a legislação dos Estados ·

Identica, senão mais apurada, é a comprehensão


que do jury e do seu modo de funccionar formam as
legislaturas locaes.
Em vez de manter o julgamento pelos jurados,
nos precisos termos em que o encontrou a Consti-
tuição Federal, accommodando-o apenas aos pro-
gressos e á evolução da sciencia juridica, as leis
estadoaes têm, na sua maioria, ou organisado um.
jury s'l.à generis ou limitado a esphera da auto-
ridade delle em proveito de outras jurisdicções ou
tribonaes.
E' edificante, sob o primeiro ponto de vista, a
legislação rio-grandense.
Nos termos da Lei de 16 de Dezembro de 1885,
compõe-se .o tribunal do jury, no Estado de S. Pedro
do Sul, de 15 membl'os sorteados dentre todos os
alistados ; o conselho consta de 5 juízes de facto,
sorteados dentre os 15 jurados da sessão.
- 86 -
E' presidido pelo juiz d~ direito .
As decisões são proferidas pelo voto a desco-
berto da maioria, sendo licito aos jnizes vencidos
externar os motivos de seu dissentimento.
Os jurados não podem ser recusados.
Cabe apenas ás partes a faculdade de lhes oppor
suspeição motivada, a qual é decidida pelo presi-
dentedo. tribunal, com o recurso de aggTavo no auto
do processo .
Taes são as disposições dos arts. 53, 54, 65 e
66 da referida lei.
E', evidentemente, a negação do systema de
julgamento pelos juizes de facto.
Pluralidade de juízes, voto secreto, livre recusa,
formam ; no conceito de todos os criminalistas, os
principio basicos da instituição.
Essas são as salutares garantias, que, nos paizes
livres , fizeram preferir o jur y ao systema de julga•
mento, em que o juiz togado accumula o duplo
poder de apreciar o facto e de applicar-lhe a lei.
Já o dissemos ; sem o tribunal do jury, sem im-
prensa independente e sem liberdade de eleições -
todo o governo será tyrànnico, inda mesmo que o
revistam as apparencias democraticas.
Nesta Republica brazileira, a suppressão da
imprensa opposicionista pelo assassinato dos re-
dactores, o empastellamento e a destruição das
typographias, com a indifferença,- sinão o assenti-
mento dR. policia,-vão se tornando a lei commum .
- 87 -

E se a eleição é uma audaciosa · burla, dia a dia,


é o jury, por seu turno, annullado ou desvirtuado
em as suas linhas essenciaes.
E' assim que, · passando U:m relancear d' olhos
por sobre a legislação dos Estados, encontra-se em
Minas-Geraes ·o tiibunal dos jurados composto de
32 juiz'3 s.
O jury de sentença é, apenas, de 8 membros
sorteados dentre aquelles.
Escapam á sua autoridade, além das contra-
venções, os crimes de injurias verbaes, ameaças,
ul-trage ao pudor, damno, furto d~ valor inferior a
2oo;mooo, offensas physicas leves, celebração de ca-
samento contra a lei, os resultantes de negligencia,
imprudencia ou imperícia; contra a segurança do
trabalho, a inviolabilidade do segredo, e quaesqnei;
outros delictos, cujas penas não excedam, no ma-
ximo, a um anno de prisão com multa on sem ella.
'I'aes são os preceitos da Lei n. 1S de 2S de No -
vembro de 1891, que, creando os tribunaes correc-
cionaes, su btrahiü ainda ao julgamento do jury os
crimes communs commettidos pelos deputados, se-
nadores, desembargadores, presidentes, secreta.rios
de Estado, - ampliando, em nome da igualdade
civiJ, os privilegios compendiados na Constituição
Federal.
No Espírito Santo , o tribunal se compõe de 24
membros e o conselho de sentença ele 6 jnizes
sorteados.
- 88 -

O jury não julga as contravenções, nem os cri-


mes, cujo maximo de pena seja um anno de pri~ão
cellular.
Desses casos conhece o juiz de direito (Let n. 7
de 28 de Junho de 1892).
Na Bahia, o tribunal popular é dividido em
grande j ury e j nry correccional .
Este, composto de dous vogaes e presidido pelo
juiz preparador, julga as contravenções, os crimes
previstos no livro ~I do codigo penal, designados
no art. 120 da lei estadoal de 15 de Julho de 1892
e, em geral, aquelles a que não fôr imposta pena
maior de um anno de prisão.
E' a policia que prepara o processo.
Nas Alagoas, ha igualmente o grande e pequeno
jury, cabendo a este, constituído por 6 juizes de
facto, julg·ar as contravenções e os crimes a que
não estiver imposta pena maior que a prisão cel-
lular por 6 mezes .
A singularidade da organisação alagoense, con-
stante da Lei n. 7 de 12 de Maio de 1892, é que
das decisões do grande e do pequeno jury cabe
appellação voluntaria para o Tribunal Superior , o
qna.l conhece de meritis.
Em Pernambuco, o conselho de julgamento é
formado por 9 jurados, sendo para cada sessão sor-
teados 36.
Aos juízes de direito e aos de districto incumbe
o julgamento de muitos crimes, que, pela legislação
- 89 -

do Imperio, eram da alçada do jnry (Lei n. 15 de 9


de Novembro de 1891).
No Amazonas, -excepção feita da comarca de
Manáos , -o tribunal do j"ury consta de 32 jurados
e o jury rl.e sentença de 8 (Lei n. 32 de 4 de No-
vembro de 1892 arts. 55 e 56).
Em Goyaz, ha tambem o grande e pequeno jury,
composto este de 6 membros e cabendo-lhe o julg·a-
mento dos crimes afiançaveis, com appellação para
os juize.s de direito. (Lei n. 22 de · 24 de _Julho
de 1892).
Vê-se, por este rapido bosquejo, qual a cara-
cterística das legislações locaes, na parte attineute
ao jury.
Aqui, é circumscrípta a sna acção; alli mo-
difica-se profundamente a respectiva índole, en-
fraquecendo-se as garantias do julgamento pelos
pares.
Visivelmente influenciada pelo positivismo da
Augusto Comte, a revolução brazileira não ousou
supprimir ao todo a autoridade dos juízes de
facto.
Conservando, porém, o jury, as leis de orga-
nisação judiciaria o tem mutilado ou Hludido a
instituição nos seus pontos mais essenciaes.
E não está coneluido o trabalho subterraneo.
A reforma judiciaria, ora em gestação na
camara dos deputados, e eni cuja passagem tanto
empenho mostra o Presidente da Republica, qnasi
90

faz do jnry U:ma peça de oi·namentação, no ava-·


1

dado edificio da justiça local da cidade do Rio


de Janeiro.
· Si converter-se em lei o artefacto official, terá
o jury sómente de funccionar como tribunal de
excepção.
Ser-lhe-hão apenas, afóra alguns delictos polí-
ticos, submettidos os crimes de :
violencia carnal ;
rapto;
homicídio;
infanticidio ;
lesões corporaes graves;
roubo.
Mais uma pennada, e essa reliquia elas velhas
tradições do Irnper:i:o terá o seu epitaphio escri-
pto pelos genuínos representantes da democracia
indígena ...
IX
O acto de julgar. A i ncertes~ das decisões.
As contradicções dos Tribunaes e o caracter
aleatorio das sentenças.

Si detestaveis tem sido as innovações con-


signadas nas leis ele organisação judiciaria, paral-
lelamente escassearam as garantias dó direito dos
litigantes .
Constituídos com tão g·taves defeitos os juizos
e tribunaes republicanos, não podiam demorar os
resultados damninhos.
Antes de tudo, a incoherencia e a contradicção
Iios julgados se accentua, mesmo da parte dos mais
graduados tri bunaes.
A j nrisprudencia é de uma versatilidade ca-
racteristica, de modo que, no dizer do eminente
jurisconsulto Lafayette, hoje, mais do que nunca
« a collecção das sentençaB tem todos os defeitos e
todas as singularidades, que são antes a obra do
instincto cego, á mercê das influencias accidentaes
92 -
e p~ssageiras do que o produc.to da razão humana
illuminada pela sciencia e pela discussão. »
Nas mesmas especies, em casos inteiramente iden-
ticos, os julgados se encontram e se contradizem. (1)
Ha litigantes afortunados, que vêm coroados de
exito as suas pretenções, a par elos infelizes, que
naufragam precisamente em pleitos em tu.do iguaes.
E' opportuno trazer um exemplo, que partindo
do mais elevado collegio judicial da Republica,
servirá de panno de amostra.
David Saxe de Qneirod, subrogado nos direitos
de Manoel Gomes de Oliveira quanto á concessão
de nucleos coloniaes e á introdncção de immi-
grantes, promoveu no juízo seccional uma acção
de indemnis_a ção de perdas e damnos contra a .
Fazenda Publica, por haver o Governo declarado
illegalmente caducos os decretos de concessão.
O Supremo Tribunal julgou, em gráo de recmrso ,
procedente a acção e mandou que, em execução,
se liquidasse o quctnturn das perdas e dctmnos.
Identica foi a decisão proferida a favor da
viuva e herdeiros do desditoso Barão de Serrei

(1) A Cõrte de Appellação - em um feito decide que a


appellação interposta dos despachos que, nos processos exe-
cutivos, desprezam os embargos do r éo, eleve ser recebid a
em seus regulares effeitos. N'outra causa firma regra inteira-
mente opposta (Revista de Jiirispriidencia n. XXVI, pag. 316).
O Conselho elo Tri,bunal Civil na mes1.J.ia sessfLo dá e re-
cusa á mulher o direito ele advogar.
- 93 -

Azul, cobardemente assassinado, em 1894,. peias


forças da legalidctde, e a quem haviam sido con-
cedidos varios· favores e isenções para a fundação.
de burgos agricolas no Estado. do Paraná.
O Tribunal condemnon a Fazenda a pagar
perdas e damnos, de que os prejudicados já se
acham agora indemnizados.
Outro tanto não succedeu ao capitão Custodio
Justino das Chagas e Pedro Bernardes, concessiona-
rios de dez burgos agricolas no Paraná e em S. Pánlo .
Estes, como a Baroneza de Serro Azul, haviam
sido victimas do esbulho administrativo, que ful-
minou de caducidade as suas concessões.
Ao seu pleito assistia identica ratio petendi.
Quando a causa. foi sentenciada, haviam pas-
sado em julgado as duas alludidas decisões .
No emtanto, o mesmo Tribunal, que reconhe-
cera o direito de Dav~d Qneirod e da Baroneza
de -Serro Azul, julgou Chagas e Bernardes carece-
dores de acção !
Dous pesos e duas medidas. (1)

(1) A tibieza a vacillação do Supremo Tr;bunal Fede-


ntl em applicar os textos constitncionaes tem autorisado
as mais cerebrinas interpretações da parte da policia ou
c1os orgãos do poder executivo .
E' assim que continua aquella a fazer impunemente pri-
sões para indagações policiaes ou fóra dos casos ele :flagrante
clelicto, substituindo ou dispensando a acção da magistratura.
Não concadendo o lwbeas-corpus requerido em 1897
p0lo Dr. João Mencles ele Almeida para garantia do clireito
- 94 -

Avultam. factos analogos, -parecendo qne o di-


reito assume um caracter accidentàdo e variavel,
conforme os tempos e as circumstancias em que se
faz a sua verificação.

de livre associação, violado pelo Presidente de S. Paulo


que mandou dissolver o Centro Monarchista d'aquella ci-
dade, a Alta Corte de Justiça Republicana deu azo a que
se corporificasse a singular doutr~na, seg tmdo a qual as
garantias e direitos consignados no Estatuto político de
24 ele Fevereiro só cabem aos sectarios do novo regimen.
E o mais autorisado pregoeiro ele semelhante dispa-
rate é o actual chefe do Estado, que, na sua mensagem
ao Congresso paulista escreveu a seguinte tirada, - repro-
duzida, como ele inteira opportunidacle pelo O Petiz ele 15 de
Novembro ultimo.
PALAVRAS OPPORTUNAS
No dia de hoj e tem ·v erdadeira opportunidade a repro-
ducção das eloquentes palavras do Dr. Campos Salles, quando
presidente ele S. Paulo, em mensagem dirigida ao Con-
gresso elo E;;;taclo, sobr e os boatos de agitação monarchista.
Por ellas se póde bem medir a energia com qne o
emi.nente homem de governo se conduziria, se porventura
algt10m tentasse perturbar a ordem ela Republica.
« Cabe-me , tambem, inteirar-vos dos motivos que me
levaram a fazer dissolver a associação politica denominada
Centro Monarchista, que funccionava desde algum tempo
nesta capital, com o manifesto intuito de promover a res-
tauração do antigo regimen. Nunca commetti a falta ele
du vidar da estabilidade da Republica e ela solidez das no-
vas instituições, o que equivale a dizer que jámais temi
os que a combatem. Mas, nem por isso deixo ele consi-
derar revolucionaria e consequentemente criminosa, em. face
da legislação vigente, essa P.Dlitica, cujo objectivo decla-
rado consiste positivamente na tr.<:tnsformação radical da
- 95

- E o que dizer das delongas e procrasti-


nações?

forma ele governo aeloptaela pela Constituição ele 2-1 ele


Fevereiro, perante a qual é ·vedado aos proprios poderes
da Republica agitar essa questão.
O partido que se constitue para taes intuitos pro -
põe-se evidentemente a um fim criminoso, está fôra da
lei. Os clubs, as forças congregadas, os instrumentos de
combate e todos os meios ele acção postos ao serviço da
idéa reacciouaria são elementos elesor.elelros e anarchicos
destinados a perturbar os interesses conservadores ela so-
cieclade. Ora, o primeiro dever de um governo constitui do,
senão é fraco, é garantir a todos quantos se collocam
sob a protecção de sua autoridade e ele suas leis uma
vida ele paz _e ele tra □ quillidacle, para que cada um. possa
deixar expandir-se a sua actividade como quizer, sem t ro-.
peços, sem sobr esaltos, na grandiosa collaboração da feli-
cidade collectiva.
Combater a anarchia é agir em nome da lei.
Em face destes princípios, é evidente que a medida
posta em execução pela policia obeclecen a uma necessidade
de ordem pnbllca e correspondeu a um fim social.
A questão foi submettida á decisão elo poder judi-
ciario. O tr ilrnn al de justiça do Estado e o Supremo
Tribunal Federal consagram, por seu soberano julgamento
o principio em que se apoiara a acção do_ executivo .
Está, portanto, firmada a doutrina jnrielica e não ba
senão applical-a em sua amplitude, normalmente sob a os-
t.e nsiva r esponsabilidade elo poder publico para cleter a
marcha da política reaccionaria, obrigando-a a desistir de
suas crimino sas tentativas.
Não hesito em affi.rmar que é este o dever ele toclo
aquelle, que se acha investido de uma autoridade em nome
da Republica. »
Que tempos e que costumes !
- 96 -

Os prazos· para o·s julgamentos são taxativa•


meii te designados na lei.
Esta fixa o numero de dias, em que os feitos
têm de ser e.xaminados pelo relator e revisores.
O texto é_letra morta.
As causas dormem na conclusão dilatados
mezes, dando lugar a que se altere a situação dos
litigantes, tornando.:.se, não raras vezes, a sen-
tença do vencedor custosa inutilidade pela impos-
sibilidade da execução.
Até na publicação dos accórdãos e decisões, o
arbitrio substituiu o preceito legal.
Segundo os regimentos dos tribunaes, os accór-
dãos devem ser incontinenti redig·idos ou quando
inuit o trazid.os á mesa ·na conferencia seguinte á
do julgamento da cau sa.
Raro é o caso em que assim se observa.
Têm mesmo decorrido varios mezes entre a
data da sentença e a da sua publicação.
E .não ha conectivo efficai para os repetidos
abusos.
A. irresponsabilidade do funccionario vai-se
tornando a nor ma commum.
Pouco im porta que, nos regimens democr aticos,
seja a responsabilidade dos officiaes publicos uma
das pedras ang·ulares do edificio social.
Si os textos consignam o direito de qu eixa e de
denuncia 1 si é um dos deveres do ministerio publico
promover a r epressão dos erros ele officio, que o
- 97 -

Codigo Penal taxativamente enumera, a condescen-


dencia excessiva, - essa piedade doentia que dis-
tingue a nossa raça e peculiarmente a sociedade
brazileira, - o espírito de classe ou ainda as exigen-
cias da política, que tanto tem contaminado a ma-
gistratura, burlam · todas as tentativas de desforço
legal contra os excessos de poder e as prevaricações.
A regra geral, quasi absoluta, é a improcedencia
dos processos de responsabilidade .
Póde a pronuncia ser excepcionalmente decre-
tada; no plenario, systematica, vinga a absolvi-
ção, pesando inexoravelmente sobre os reclamantes.
da justiça os avultados gastos forenses. .
São ás vezes curiosíssimos os motivos da in -
nocentação.
Em um caso, onde se tratava do abuso com-
mettido por um delegado de policia, que, inva-
dindo a casa particular, prendera arbitrariamente
o morador della, fizera-o conduzir para a estação
policial e sómente o soltara depois de extorquir-lhe
a quantja de 500~000, a titulo de multa, o Pro•
curador Geral da Republica offereceu a seguinte
promoção:
« Entendo que o fundamento da sentença.
appellada, declarando não ter havido inten-
ção nas faltas incriminadas, merece a atten-
ção do Tribunal, visto que o crime tem sna
raiz no característico da má fé, não na
materialidade dos actos.
7 3° VOLmlE
- 98 -

Do processado reconh.e ce-se, a meu vêr 1


que não houve effectivamente intenção de
praticar Q delicto arguido.
Rio, 29 de Julho de 1899. (Assignado)-
Desembargador Manoel Villaboim. >>

Para o chefe do ministerio publico no Districto


Federal, a prisão illegal e a extorsão, com a cir-
cumstancia aggravante de ser esta comrnettida por
um-funccionario publico, podem ser praticadas de
boa fé !
A lei organica da justiça do Districto Federal
substituiu a acção protectora do antigo poder mo-
derador pela providencia consig·nada no art. 138
n. 1 do acto n. 1030.
Ao Conselho Supremo da Côrte de Appellação
incumbe tomar conhecimento das recbmações contra
a demora de despachos, processos ou julgamento,
falta de audiencia ou sessão nos dias marcados e
omissão de outros deveres attribuidos aos juizes
ou a pratica de actos que compromettam os cre-
ditos da administração da justiça ou do magis-
trado, afim de ouvir os arguidos e fazer publica a
improcedencia das reclamações ou resolver sobre
a imposição de alg·umas das seguintes penas disci-
plinares:
Advertencia em particular pelo Presi-
dente;
censura publica em Conselho;
- 99 -

suspensão dos vencimentos até 15 dias,


com ou sem privação do exercicio :
suspensão do emprego com perda dos
vencimentos até um mez.
Não consta. que o Conselho tenha julgado pro-
-üeden te uma só das diversas reclamàções nesse
·sentido submettidas á sua apreciação.
Graças ao desembaraço com que a policia trata
:a liberdade individual, multiplicam-se os pedidos
.de habeas-corpus.
As sessões semanaes do Conselho Supremo são
-quasi exclusivamente reservadas ao julgamento
-de taes recursos.
Ainda vigora o texto da Lei n. 2033 de 20 de
:Setembro de 1891, art. 18 § 3º, onde se lê:
« Em todos os casos, em que a autoridade, ·
que conceder ordem de habeas-corpus reco-
nhecer que houve da parte da que autorison
o constrangimento illegal violação flagrante
da lei, deverá, conforme fôr da sua compe-
tencia fazer effectiva, ordenar ou requisitar,
a responsabilidade do que assim abusou. >}
O preceito imperativo bem raras vezes terá
s ido applicado .
No emtanto, é elle o correctivo mais efficaz
.ás demasias das autoridades sem escrnpulo .
X
Os gastos forenses. Custas. Taxa judiciaria

Costumavam os pregoeiros das maravilhas re-


rpublicanas, nos dias da barata propa.ganda, acenar,
.aos que se deixavam seduzir pelas oucas imagens
da estafada rhetorica, com a transformação admi-
:ravel da. administração da justiça sob a acção do
advento democratico.
A judicatura, -bramiam, - teria de ser con-
iiada sómente aos mais dignos.
As _d espezas com os processos, - esse desespero
-dos litigantes, - seriam, por seu turno, salutar-
mente reduzidas, ao passo que, pela multiplicidade
-dos postos judiciados, o cidadão, na defesa de seu
direito não se acharia em luta com as distancias e
.as delongas do processo.
E' sabido como foram cumpridas as fallazes
;promessas .
E' certo que, aos primeiros assomos do facil
trinmpho, algo se tentou.
- 102 -
As custas, que, no regímen anterior, eram
directamente percebidas pelos magistrados em re-
muneração dos actos e das diligencias que pra-
ticassem, passaram a fazer parte da receita do-
Estado.
O systema emolumentario era, no dizer dos.
evangelistas do levante, deprimente e attentatorio-
da dignidade da magistratura.
O Decr. n. 1030, augmentando os ordenados, fez
dos emolumentos renda fiscal.
Já aqui transparece o sophisma e a astucia.
Com a inversão, nada lucrou o collectado .
Longe disso, o pagamento teve de ser
duplo.
De um lado, o augmento de vencimentos.
e, de outro, a cobrança das taxas pelo The-
souro.
Isso, todavia, não bastou.
O Decr. n. 539 de 18 de Dezembro de 1898r
sanccionado pelo actual Presidente da Republica,.
fez reverter em proveito dos juízes e membros do
ministerio publico as taxas, que lhes consignava
o regimento approvado pelo Decr. n. 5737 de 2
de Setembro de 187 4.
Dado esse exemplo pelo Governo central no to-
cante ás causas agitadas perante a Justiça Federal
e a do Districto do Rio de Janeiro, os Estados vãot
pouco a pouco, voltando ao systema anterior, hypo-
critamente condemnaclo.
103 -

E não foi tudo .


Na faina de arranjar recursos para o depaupe-
rado Thesouro, o Congresrn creou a taxa judiciaria
snbstitutiva.. deis citstas confüclas aos juízes e func-
cionarios do ministerio pitblico.
Essa é a phrase que emprega o art. 1° do
Decr. n. 2163 de 9 de Janeiro de 1895, expe-
dido para regulamentar a cobrança da referida
taxa.
Instituindo, como já se disse , as custas para.
os magistrados, o citado Decr. n. 539 de 1898,
não só manteve a taxa judiciaria, - resurreição
aggravada da dizima de chancellaria, - como am-
pliou-a aos pleitos agitados perante a justiça fe-
deral, della até então isenta.
Accresce que recentíssimo Decreto deu ás
custas dos juízes, escrivães e mais fnnccionarios
o regimento ora em execução, o segundo que, no
prazo de quatro annos, o regímen republicano
. publíca.
Dess'arte, a promessa demagogica da jus-
tiça facil e ao pé da porta se crystalisa no se-
g uinte:
1° custas augmentadas com 50 º / na q nasi
0

totalidade dos actos forenses;


2° taxa judiciaria (1 /4 º/o sobre o valor das de-
mandas), podendo ascender no feito até a impor-
tancia de 300~000;
104 -

3º imposto de sello aggTavado com mais 50 °lo


e incidindo em muitos papeis, d:elle dispensados na
antiga legislação; (1)
4º maior quota de contribuições, por força da
melhoria dos ordenados dos juízes e funccionarios.
Essas alcavalas combinadas tornam altamente
dispendiosos os litígios.
Muitos direitos importantes são sacrificados ao
temor dos gastos judíciarios excessivos.
Composições arrancadas ao receio da condem-
nação nas custa,s e das incertezas da jurispruden-
cia substituem o direito de accionar.
E' evidente a decadencia do fôro, de que cada
um procura afastar-se, ainda a custa de penosos
sacrificios.
Em regra, só nos casos forçados, como nos
inventarios e partilhas, fallencias ou n'aquelles
onde o valor do pleito admitte todas as prodiga-
lidades, - é que as causas são levadas aos tri-
bunaes.
Sobretudo nas liquidações e fallencias é fatal
a intervenção judicial.
Os feitos se eternísam.

(1) Convem a inda refl.ectir que o não pagamento da taxa


do sello importa a nullidade do acto á mesma sujeito .
Assim, sob a influencia fiscal rasgam-se com uma penna-
da na lei elo orçamento os pl'incipios dominadores dos con-
tractos e se introduz na legislação privada. a mais draco-
niana das disposições! ..
- 105 -

Os syndicos, leiloeiros, peritos, ~valiadores,


escrivães e curadores das massas são os devora-
dores do já minguado espolio.
Com a diuturnidade, · o acervo desva,loriza-se,
cabendo aos credores, não raras vezes, ridiculos
rateios de 5 e 6 por cento. (1)

(1) Em regra, não se concluem as liquidações. Passam


as vezes dous, tres e mais annos, antes que sejam os creditos
.classificados. Os minguados rateios são distribuídos depois
do clecurso de cinco e mais annos.
Contam-se talvez por centenas os feitos assim perpe-
tuados.
E' o que acontece com a liquidação do Banco de Credito
Universal,da Companhia Centro I □ dt1strial Nacional, do Banco
-de Minas, do Banco Industrial e Mercantil e a numerosíssima
série das ephemeras Companhias, surgidas da nevrose do
encilhamento. ' ·
Como exemplar acabado da a11archia forense do Distrfoto
Federal, póde ser indicado o processo de liquidação forçada
.da Companhia Jndnstrial de Encaixotamentos.
A liquidação, requerida a 10 de Junho de 1892, foi de-
e,retada a 23 do mesmo mez; o ultimo despacho proferido
nos autos é o de 28 de Junho de 1899, que julgou a classifi-
e,ação dos creditas, isto é, contam0 se mais de sete annos
entre a petição inicial e essa decisão, que não é ainda a final.
Por diversas veze$, o maior credor reclamou contra as
delongas resultantes da desidia dos syndicos, cuja desti-
it1ição pedio.
Nunca foi attenclido.
O acervo apurado consistia na quantia de 1:608$358,
que havia sido recolhida ao Banco do Brazil, em virtude de
execução movida por um dos credores, e em dividas activas
incobraveis, no valor de 8:300$000 - ao passo que o passivo
attingia a 10:061 $298.
- 106

D'ahi a multiplicidade dàs concordatas, feitas


em condições verdadeiramente desanimadoras.
Não ha fé na justiça, que é a ultima espe-
rança que se apaga no coração de um povo.
, O regímen republicano, com seus processos
emp1ncos, ·q uasi derruiu, nos dez annos decorri-
dos, o grandioso edifício judiciario do Brazil. ..

Qne fizeram os syndicos, com a approvação elos Jni:!ies?


Contractaram nm advogado pela quantia ele ·eoo$ ; pagaram
aos peritos do exame de livros 500$_, arbitrados pelo Juiz;
e com editaes e custas consumiram o restante. da somma
apurada! ...
Os credores nada terão de receber, porque da divida
activa nem um só vintem foi arrecadado. Os syndicos, du-
rante a sua gestão, só se limitaram a sacar e despender
a somma recolhida ao Banco do Brazil por um Exequente.
E esse não é nm caso isolado.
Nos tres cartorios da Camara Commercial ha muitos
semelhantes.
XI

O poder executivo e a magistratura.
O desembaraço na violação da lei

Por seu lado, o poder executivo, nas diver::1as


vezes em que tem interferido em assumptos de ordem
forense, concorreu poderosamente para a situação
cahotica e desmoralisadora, a que temos alludido.
O desembaraço na violação da lei toca ás raias
da insensatez.
A pretexto do exercício da faculd ade consig-
nada ao Presidente da Republica no art. 48 § 1
·aa Constituição, as mais audaciosas invasões da
esphera legislativa t êm sido commettidas.
Basta, para prova do asserto, o que occorreu
com os regulamentos expedidos para a execução do
Decr. n. 1030 .
Constam elles dos Decrs. n . 2464 de 17 de Feve-
reiro de 1897 e n. 2579 de 16 de Agost.o de 1897.
Esses dous regulamentos, cuja ementa se in-
screve « Sobre o pessoal da justiça local » e « Sobre
- 103 -

a competencia da justiça loc-al », contém assigna-


lados golpes, não só no sy~tema creado pelo referido
acto dictatorial n. 1030, como ainda na propria
legislação organica anteriormente vigente, e cuja
força obrigatoria continúa, nos termos do art. 83 da
Constituição Federal.
Em detrimento da autoridade das tres carnaras
do Tribunal Givil e Criminal, alargou-se a esphera ~
da competencia do juiz singular.
Foram os pretores investidos do direito de jul-
gar as causas com os outros membros do tribunal
de primeira instancia, -quando o Decr. n. 1030 só
lhes concede a faculdade de cooperar no preparo
dos feitus.
Restringiram-se os casos de recurso, como no ag·-
gravo por damno irreparavel, que, arbitrariamente
se definiu, com derogação formal da Ordenação do
liv. III, tit. 69 e do Deer. n. 737 de 25 de No-
vembro de 1850, art. 669 § 15.
Deu-se ao julgamento das camaras reunidas da
Côrte de Appellação o mesmo effeito que outr' ora
pertencia aos accórdãos das Relações revisoras.
Uma ver. rejeitados os embargos infringentes
ou de nullidade, já não é licito nas execuções ata-
car as sentenças.
O Governo1 ex-provrio JJfarte, transformon-as
em cousa soberanamente julgada.
Passon da competencia do Conselho do Tribunal
Civil e Crimina,l para a da Camara Civil da Oôrte de
10-9 -

Appellação a decisão de diversos aggravos, que


indubitavelmente, a lei organica reservara áquelle
Instituto Juriàico.
Dilatou-se a jnrisdicção pretoria!, ratione Zoei,
introduzindo-se no Districto !federal urna extrava-
gante accumulação de competencias ou anarchica
invasão nas zonas reservadas reciprocamente a cada,
um desses juízes.
E' possível que algumas das modificações tenham
melhorado o serviço forense.
Não serão, toda via, por demais severos os
conceitos relativos ao executor da lei, que, a seu
talante, a viola.
E o mais interessante é que o principal censor
do abuso é o ministro successor do referendatario
do acto illegal.
No relatorio apresentado em Março de 1899 ao
Presidente da Republica pelo Dr. Epitacio Pessoa,
se lê o seguinte (1) :
« Entretanto, apezar dos fundamentos dos
alludidos actos, os quaes se contêm na expo-
sição que os precede, é incontestavel . que
houve exorbitancia da faculdade dada ao

(1) No emtanto esse mesmo ministro, rispido censor


do Dr. Amaro Cavalcante, acaba de violar o Codigo disciplinar
do ensino superior, e a lei n. 221 ele 18.94, negando á
sentença do poder judicial, o effeito de annullar a suspensão
imposta arbitrariamente a um lente da Faculdade do
Medicina! ...
- 110 -

poder executivo no tocante á Slla funcção de


regulamentar as leis.
Assim é que, em succinto confronto de
taes actos com as prescripções :ia lei orga-
nica de 1890, notam-se flagrantes antino-
mias que desnaturam o pensamento da ul-
tima, sobresahindo, entre outras, as relativas
á nomeação de supplente de pretor, de pro-
motor e de curador ; á precedencia de anti-
guidade para as promoções; á incompati-
bilidade de exercício ; ás substituições ; á
designação de escrivães e, especialmente,
á materia de competencia, - de todas a
mais importante.
Julgo, pois, de meu dever propor-vos que,
emquanto o CongTesso Nacional não alvitre,
em sua sabedoria, outra reforma nesse
particular, se restabeleçam, por completo,
as disposições do Decr. n. 1030 de 1890,
que foram alteradas na regulamentação
citada. »
E' a , mais assignalada confissão da anarchia
mental que reina nas regiões of:ficiaes.
Um s·e cretario de Estado põe patente aos olhos
de seu chefe o abuso commettido pelo poder exe-
cutivo ...
Em d.e saffronta da lei, indica o restabelecimento
da norma anterior.
Decorrem mezes.
- 111 -

O acto illegal, e por isso mesmo nullo, conti-


núa inalterado.
No emtanto, os interpretes doutrinaes ·aa lei
vão pacientemente se amoldando · á violação; nas
especies occuri.'entes applicam, sem repugnan-
cia, os textos . invasores e consentem, com a mais
-c ensuravel eondescendencia, que o poder executivo
legisle em assumptos de maxima delicadeza, como
.a competencia funccional de juizes e tribuna,es !
Nem isso é de admirar, desde que, - segundo
é notorio, - collaboraram no attentado altos re-
presentantes da magistratura local.
- Aliás, o que é esse peccadilho venial, em
confronto com os Decretos de 28 de Fevereiro e
5 de Março de 1894, nos quaes o Governo da-
q_uella epoca _sinistra foi pedir ás leis ~e excepção
dos tetnpos 1:egenciaes, e votadas exclusivamente
para a classificação dos delictos militares, o ins-
. :trwnentum regni, que autorisou, dando origem á
famo sa tbeoria do homicidio legal, os assassinatos
do Paraná e de Santa Catharina, de Magé e do
Boqueirão, as execuções summarias ua Imbiri-
beira e a degollação dos federalistas do Sul ?
Esses decretos, cuja approvação foi arrancada
.á pusillanimidade da segunda legislatura repu-
blicana, projectam lnz ensanguentada sobre todo
o período da intitulada consolidação do r_e'g imen_
E' nosso dever transcrevel-os n~ til. pét·.fu\fi'1. f\ 11
ctoria analyse da situação judiciari, d'a·Revolta.
1o
- 112 -

O Decr. n. 1681 de 28 de' Fevereiro de 1894


reza:
« O Vice-Presidente da Republica dos-
Estados Unidos do Brazil :
Considerando que nas circnmstancias, em
que actualmente se acha o paiz não é li-
cito ao Poder Publico deixar de punir im-
mediatamente, e com maximo rigor, os gra-
ves crimes, que attentam contra a consolida-
ção da Republica, o restabelecimento da paz
e a sustentação do principio da autoridade ;
Conside_rando que muitos crimes têm sido
conjuntamente commettidos por militares e
civis, mórmente depois que uma parte da
esquadra allio.u-se aos rebeldes ;
Considerando que a nossa leg·islação tem
assimilado para a punição àe certos crimes
o estado de rebellião ao de guerra externa,
conforme se vê do Decr. n. 61 de 24 de Ou-
tubro de 1838 ;
Considerando que, ainda de conformidade-
com os fundamentos do citado decreto, o Re-
gulamento n. 23 daquella data estabeleceu
que as lei's que regulam em tempo de guerra
são applicaveis nos lugares que se acharem
em estado de rebellião;
Considerando, finalmente, que o art. 1() .
§ 6 da Lei n. 631 de 18 de Setembro de
1851 manda considerar militares todos os
- 113

crimes mencionados no principio do ci-


tado artigo, em todos os seus numeros,
ainda quando militares não sejam os seus
autores;

Resolve :

Artigo unica.-Ficam, desde já, sujeitos


á jurisdicção do fôro militar os crimes que
tenham sido ou vierem a ser commettidos
por militares ou civis, em qualquer ponto
do territorio da União occupado por forças
legae~ ou rebeldes, uma vez que taes cri-
mes estejam enumerados no art. 1º da Lei
n. 631 de 18 de Setembro de 1851, e se
relacionem com a rebellião, que ora confla-
gra o Districto Federal e outros pontos do
territorio da Republica.
O General de Brigada Bibiano Sergio Ma-
cedo da Fontoura Costallat, encarregado do
expediente do ministerio da Guerra, faça ex-
ecutar a presente resolução, expedindo os
despachos necessarios.

Capital Federal, 28 de Fevereiro de 1894,


6º da Republica. - FLORIANO PEIXOTO. -
Bibiano Sergio Macedo da Fontoura Cos-
tallat.

8 3° VOLUME
- 114 -

E o Decr. n. 1685 de 5 de Março de 1894:


« O Vice-Presidente da Republica dos Es-
tados Unidos do Brazil :
Considerando :
Que, pelo Decr. n. 1681 de 28 de Feve-
reiro findo, foram mandados ficar sujeitos
á jurisdicção do fôro militar os crimes defi-
nidos no art. lº da Lei n.631 de 18 de
Setembro de 1851 e comrnettidos durante o
actual estado . de rebellião ;
. Que o principal fundamento daquelle de-
creto decorre do facto de existirem na nossa
legislação disposições que assimilam o es-
tado de rebellião ao estado de guerra ex-
terna;
Finalmente, que nesse estado ou no de
rebellião, em que se acha uma parte do
paiz, os crimes previstos nas leis militares
devem ser punidos segundo a gravidade
das circumstancias :

Résolve:

Artigo unico .-Além ~os artigos defini-


dos no art. 1° da Lei n. 631 de 18 de Se-
tembro de 1851, e aos quaes se refere o.
Decr. n. 1681 de 28 de Fevereiro ultimo ,
serão igualmente punidos de conformidade
com as leis militares, applicaveis em tempo
- 115 -

-de guerra todos os outros crimes commet-


tidos com violação das mesmas leis, du-
r~nte a rebelliào que ora conflagTa o Dis-
tricto Federal e ou.tros pontos do territorio
da União.
O General de Brigada Bibiano Sergio
Macedo da Fontoura Costallàt, encarregado
do expediente do ministerio da Guerra, faça
executar a presente resolnção, expedindo
-0s despachos necessarios.

Palacio do Governo na Capital Federal,


5 de lVIatço de 1894, 6° da Republica. -
FLORIANO PEIXOTo. - Bibiano Sergio Jl1acedo
dei Fontoiirn Costallat. » (1)

Era, por méro acto do poder executivo, a


3.ppli_cação aos paisanos dos artigos de guerra do
~onde de Lippe, em pleno dorninio da Constituição
Federal, cujo art. 72 § 21 aboliu a pena de morte,
reservadas somente as disposições da legislação
militar em tempo de guerra! .. .
Para se aquilatar a monstruosidade do atten-
tado, a que o sophisma e a cavilação serviram
,de fundamento, basta considerar qLrn :
1 º, a Lei n. 61 de 24 de Outubro de 1838 au-
<torisa apenas a mandar observar no exercito, no

(1) A doutrina é cruel, mas a Grammatica não foi menos


s acrificada que a Hnrnaniclade e o Direito.
- 116 -

ca.so de rebellião, as leis militares em tempo de


guerra;
2º, que o Regulamento n. 23 de 24 de Ou-
tubro de 1838, nas tres hypotheses de seu artigo
unico, faz referencia exclusiva á parte do exercito.
estacionada nas provincias em rebellião, que forem
invadidas por forças ' rebeldes, ou que tiver ordem
de marchar para algum dos pontos assim desi-
gnados;
3º, que na Lei n. 631 de 18 de Setembro
de 1851 se cogita apenas de um lado, do caso de
guerra externa, e, de outro, dos delictos de es-
pionagem, de seducção de praças de primeira linha,
policia, guarda nacional ou quaesquer outras que
façam parte das forças do Governo , tanto de mar
como de terra, afini de desertarem para o ini-
migo, ou de seducção das mesmas praças, ou afim
de que se levantem. contra o Governo ou seus supe-
riores ou de ataque ás sentinellas, ou de entrada
nas fortalezas, sem ser pelas portas e lugares or-
dinarios.
Todos esses crimes são punidos de morte.
4 º, que o § 5º do art. 1 º da referida lei mantem
nitidamente r1 difforença entre o réu militar e o
réu pajsano.
Estes são pr0cessados e julgados no fôro civil
e na fórma da Lei n. 562 de 2 de Julho de 1850,
-ao passo que os militares são julgados pelos
conselhos de guerra.
- 117 -

Assim, o dictador legislou não só interpretando


extensivamente o direito penal, como desaforando
os rebeldes civis para submettel-os ao justiça-
men to cruel dos conselhos de guerra.
Publicadas as lngubres resoluções na ves-
pera da rendição da esquadra, e com effeito re-
troactivo, eram o preludio da hecatombe longa-
mente premeditada, que teria de presenciar a
-cidade do Rio de Janeiro, si não fôra a corajosa
attitude do bravo marinheiro portuguez Augusto
de Castilho.
Tratando das revoluções militares, um escriptor,
nada suspeito aos republicanos, escreveu:
« Quando vejo a liberdade guardada por um sol-
dado, penso, a meu pezar, na pomba protegida
pelo abutre. Podem os povos qne commettem essa
imprndencia adoptar as melhores instituições; ces-
sam, cedo ou tarde, ele ser livres; nem a sua pru-
dencia e sabedoria salval-os-hiam da servidão.
As virtudes, que fazem o bom soldado arriscam
matar o bom cidadão. Não se deve esperar de um
exercito o triumpho e a salvação das liberdades
publicas.» (1)
Nada nos é preciso accrescentar.

(1) Dnprat, L'Esprit eles R evol,u t,ions, vo]. I, pag. 150.


XII
As leis do processo. Direito formulario

E' difficil, com a variedade das leis decre-


tadas para as 21 circumscripções, em que se dis-
tribue a federação brazileira, mostrar, inda p er
summa capita, em que consiste o mecanismo judi-
ciario, preferido por cada um dos estados auto-
nomos e independentes.
Basta dizer que, si a justiça da primeira
instancia, excepção feita da Capital Federal, foi
confiada ao juiz singular, o enfraquecimento d~s
-condições de capacidade dos serventuarios, unido
á invasão directa ou indirecta da política na vida
judiciaria, tornou numerosos e muitas vezes irre-
mediaveis os abusos commettidos no acto de julgar...
Nem o direito formulario, nem os tribunaes de
recurso, podem sempre corrigir o damno feito.
Na maioria dos Estadog, adoptou-se para os
feitos civeis, salvas ligeiras modificações, o Regu-
lamento n . 737, que já o Governo Provisorio, pelo
- 120 -

Acto n. 763 de 19 de Setembro de 1890, man-


dara observar nas oausas civeis.
Essa unificaçã,o do processo, que, superficial-
mente encarada, parece notavel melhoramento,
foi grave erro.
Pela sua propria indole, e pela pouca varie-
dade nas especies, os feitos commerciaes admittem
marcha bem mais accelerada que as demandas
civeis.
Nestas, as excepções peremptorias por si bas-
tam, em muitos casos, para o ganhó definitivo do
réu, injustamente trazido a juízo.
O regulamento commercial determinou que taes
excepções fossem offerecidas conjunctamente com
a contestação.
Por outro lado, uma unica dilação de vinte
dias, substituindo as quatro autorisadas pelo pro-
cesso civil, nem sempre chegará para a producção
completa da prova testemunhal.
. Infelizmente as acções possessorias, os inter-
dictos são antes regulados pela praxe consuetu-
dinaria e a jurisprudencia dos tribunaes do que por
textos expressos.
Dellas não cogita , e nem podia cogitar, o
Regulamento n. 737.
Adoptando-o como lei geral do processo, os le-
gisladores republicanos não quizeram dar-se ao
trabalho de incluir no Decr. n. 763 um capitulo
complementar, que consolidasse as regras esparsas
121

na legislação portugneza, nas disposições provi-


sorias de 1830, no Regulamento n. 143 de 1842,
na theoria dos tratadistas e na praxe dos tri-
bunaes.
O Ministro da Justiça do Governo Provisorio
limitou-se, nessa importantíssima reforma, a de-
terminar o seguinte:
« São applicaveis ao processo, julgamento
e execução das causas civeis em geral as
disposições do Regulamento n. 737 de 25
de Novembro de 1800, excepto as que se
contem no tit. 1°, no cap. 1° do tit. 2º, ·
nos caps. 4° e 5° do tit. 4º, 110s caps.
2°, 3° e 4º e secções lª e 2ª do cap. 5°,
do tit. 7º e do tit. 8°, 1"" parte.
Continuam em vigor as disposições legaes
que regulam os processos especiaes não
comprehendidos no referido regulamento
(art. 1 º do Decr. n. 763 de 19 de Setembro
de 1890). »

Havia, antes de tudo, pressa de mutilar a le-


gislação da Monarchia.
O que urgia , naquelles dias de surpresas, era
não deixar pedra sobre pedra do quasi secular
monumento, que uma hora de loucura fez ruir.
Pouco importava si os novos moldes traziam
no seu bojo o absurdo ou contrariavam as normas
da logica e do bom senso:
- 122 -

E' por isso que, revogando o processo •civil,


e fazendo delle subsistirem apenas as disposições
legaes que reg-nlavam a,s acções especiaes, o
autor do Dec.r. n. 7 63 não se recordou que
muitas dessas acções tinham o seu formulario as-
sentado não em textos legaes , mas em direito
costumeiro imperfeito.
A casuística forense, que se _pretendeu evitar,
domina ainda muitas relações de direito, sobre-
tudo na marcha das acções possessorias e dos
interdictos.
Assim quanto á fixação das _alçadas.
E' injusto regular pelo mesmo padrão a com• .
petencia dos juizes para o julgamento irrecorrível
dos feitos civeis e commerciaes.
Si os interesses mercantis aconselham que a
alçada· dos juizes da primeira instancia abranja
as cansas de valor de um conto de réis, esse
quantitativo é excessivo em se tratando das de-
mandas meramente civis.
Basta lembrar que, no regímen anterior, era
a alçada das Relações, para o e:ffeito da re-
vista, de dois contos de réis nas cansas civeis,
ao passo que, no commercio, era ampliada até
ciQco contos de réis.
Não tanto a elevação das alçadas como a de-
feituosa composição dos tribunaes de segunda ins-
tancia tornou precaria a sorte dos litígios, ainda
no pronunciamento final.
- 1~3 -

A adaptaçr.o ao novo regimen judiciario do re-


gulamento processual antigo, por si só, patenteia
a escassez de preparo dos Estados para o exercício·
da faculdade que lhes consignou, pot exclusão, o
art. 34 § 23 do Estatuto de 24 de Fevereiro.
lVIultiplicaram os juízes e tribunaes ; elevaram
os seus ordenados e vencimentos.
Era um meio de se alargar a clientella política
dos dominadores. .Y
Quando, porém, tiveram de fixar as condições
do funccionamento do machinismo transformado,
foram buscar quasi todo o subsidio ao direito
·antigo e, nas poúcas divergencias, incluíram
verdadeiras bernardices, como a que consta do
art. 3° da Lei minei_ra n. 17 de 20 de No-
vembro de 1891.
Uma obra didactica a Consolidação do
Processo Civil pelo Conselheiro Antonio Joaquim
Ribas, - é arvorada eiu lei.
Aliás, as legislaturas mineiras, sob a Republica
parece haverem totalmente abandonado as tra-
dições do bom senso e da sisudez, que distinguia
outr'ora os filhos daquella nobre terra.
Só assim se explica o disparatado absurdo de se_
enxertarem nos textos da Constituição do Estado
artigos abolindo - um a aposentadoria dos magis-
trados e funccioüarios publicos, e outro vedando ao
Congresso ordinario tocar, durante dez annos, nas
leis de estatística! ...
-124 -

Só o adhesismo piegas e mettediço que domi-


nou a Constituinte Mineira, podia patrocinar que-
jandas aberrações.
O que prima, sobretudo, nesses artefactos são
as tentativas para a eliminação do jury, como em
outra parte desse trabalho deixamos demonstrado.
E' essa a obcessão quasi fascinadora dos es -
tadistas improvisados pelo levante.
O texto constitucional, que consagra o jury é
antes uma inscripção sepulcral, na phrase ele
eminente org·ão da imprensa, do que a revigora-
ção do instituto imprescindível num regímen seria-
mente democratico.
Accrescentai o cerceamento dos meios de defesa ,
já pela diminuição dos prazos, dando lugar a verda-
deiras sorprezas,já pela eliminação de recursos com-
pendiados no direito judiciario antigo - e, tereis
pallida noção da proces~ualistica provinciana, por
que hoje é opprimida a administração da j nstiça.
No 11iare rnagnu ni de disposições fragmentarias,
em que se vai pulverisando o proprio sentimento da
unidade nacional, merecem especial menção o pro-
cesso federal e a organisação da Capital da Re-
publica..
Com o Decreto dictatorial n. 848 de 11 <le
Outubro de 18 90, audaciosamente imposto á Nação ,
o ministro da justiça do Governo provisorio de-
monstrou não ser o empirismo aldeão o cadinho,
onde se apuram os reformadores.
- ]25 -

Sem o estylo lapidar que caracterisa os codices


legislativos da Monarchia, sem systema e methodo,
-rhapsodia incongruente, ora do direito americano
e argentino, ora dos nossos proprios textos,- esse
decreto, logo falho em sua execução, reclamou, em
seguida, os fundos g·olpes contra elle desferidos
pela Lei n . 221 de 20 de Novembro u.e 1894.
A serodia emenda compendiou todavia quasi
os mesmos defeitos e incongruencias, que se pre-
tendia remediar .
Bastam algumas referencias.
Em cada Estado, convertido em secção judi-
cial, funcciona um unico juiz. _
- Onde maior concentração?
Abrangendo a competencia da justiça federal,
nos termos do art. 60 da Constituição, varios
casos de direito méra.m.ente privado, força é que
nas vastas circumscripções de Minas, Bahia, Per-
nambuco, S. Pa~üo, Pará e Amazonas, as partes
af:fluam á Capital para reclamar contenciosamente
·o reconhecimento de seu direito.
E se o art. 2° da Lei n. 221 creou nos mu-ni-
cipios supplentes do juiz substituto, por demais ·
limitada é a respectiva autoridade, nos termos
do art. 19.
A centralisaç.ão attinge, porém, as raias do
absurdo, tratando-se das causas criminaes jul-
gadas pelo jury ou pelo juiz de secção, na confor-
midade da novissima Lei de 1898.
- 126 -

Segundo o art. 41 do Decr. n. 848, o jury


federal só se reune na Capital de cada Estado.
Isso quer dizer que o facto delictuoso occor-
rido em municípios que distam centenas de leguas
da séde da secção -:- como acontece em Minas
Geraes, Goyaz , Matto Grosso , Pará e Ama-
zonas, - ha de ser forçosamente trazido ao -fôro
especial.
Arrancado, dess'arte, o cidadão do meio de
seus pares, da sociedade onde vive e é conhecido,
_:_ de que elementos de prova poderá dispôr para a
sua defesa, ante essa deslocação e a enormidade
das distanci1ts?
Não é absurdo crear-se um só tribunal de ju-
rados em regiões com 60.000, 40. 000 e 22 .000
legnas quadradas, quaes as que possuem os allu -
didos ~stados ?
-
. Segundo os ultimos dados estatísticos, a po-
pulação de Minas Geraes é superior a 3 milhões
de habitantes; a da Bahia attinge a 2 milhões ;
em Pernambuco, S. Paulo, Rio Grande do Sul e
Ri0 de Janeiro, ella excede de um milhão.
No entretanto, só um tribunal do jnry com .36
membros julga os crimes federaes commettidos em
cada um desses populosos Estados ! . . . (1)

(1) E convém não esquecer que a apuração dos jurados


B feita segundo as prescripções e regulamentos estabelecidos
pela legislação local. (Decr . n. 848, art. 61 ) .
- 127 -

Será essa a justiça commoda promettida pelos


oradores da demagogia? '
- -- Ainda mais .
A ultima lei de 1898 restaurou, <Lmpliando, a
legislação de 1850, que entreg·ára ao juiz ele direito
o julgamento em primeira instaue;ia dos crimes de
bancarrota, moeda falsa, contrabandos e outros.
Não se lembraram, porém, os propugnadores
d a mutilação do jury que , sob a Monarchia, eram
as Provincias divididas em comarcas, a que pre-
sidia um magis trado vitalício.
Agora, não . Cada Estado é uma secção. Ao
juiz estabelecido na sua séde caberá tomar co-
nhecimento dos variados crimes na nova lei com-
pendiados, commettidos em todo o vasto territorio
da sua jurisdicção.
As divei:sas disposições reguladoras do pro -
cesso federal denunciam, igualmente , a precipitação
e pouco cuidado com que foram elaboradas.
E' assim que o Decr. n. 848 , eriçado de lacunas
e logomachias, não cogitou do rapido recurso de ag-
gravo, de que tão beneficos resultados colhem os liti-
g antes fulminados pelos erros da instancia inferioi-.
Dando interpretação extensiva ao preceito do
art. 387 desse decreto , os juízes e tribunaes ad-
mittiam o recurso, nos termos da legislação ante-
rior, como si a exclusão delle feita no capitulo
X LIII, que se inscreve « Dos r ecursos » , não im -
portasse a revogação formal desse meio de defesa.
- 128 -

Procurou a Lei n. 221 dar cunho legal á juris-


prndencia, que assim se ia formando, definindo nos
arts. 54 e seguintes os casos e o processo do aggravo.
Tão obscuras, porém, são essas disposições ;
tão disparatadas as exigencias dellas - que fôra
melhor nada a respeito se innovar, deixando que
o lapso de tempo e a uniformidade no modo de
julgar firmassem a jurisprudencia aceita pelo Su-
premo Tribunal. \
Transparece nas modificações do processo an-
tigo o mesmo espírito acanhado e autoritario, que
qnasi anniquillou o jury.
As excepções foram reduzidas a duas ; suppri-
midos os em barg·os á sentença do Supremo Tribu-
nal em grau de appellação ; reduzida a maioria
dos termos legaes.
Creou a Constituição, no art. 59 n. III, o re-
curso extraordinario interposto da sentença das
justiças dos Estados :
a) quando se questionasse da validade ou ap-
plicação de tratados e leis federaes, e a decisão
do Tribunal do Estado fosse contra ella ;
b) quando se contestasse a vall.dade de leis ou
de actos dos governos dos Estados, em face da Oon-
'
stituição ou dai:; leis federaes, e a decísão conside-
rasse validos esses actos ou essas leis impugnadas.
Todavia, taes restricções e peias são creadas
ao exercício dessa faculdade, que se tornou rara
avis a garantia ahi compendiada.
- 129 -

Para isso, não po:uco contribue a lei citada-


n . 221 de 1894, em cujo art. 24 se dispõe que a sim-
ples interpretação on applicação do direito civil,
commercial ou penal, embora obrigue em toda a
Republica, como lei geral do Congresso Nacional,
não basta para legitimar a interposição do recurso,
. 'i'
limitado aos casos taxativamente indicados no art. 9º
paragrapho nnico, letra e, do Decr. n. 848.
Supprimido o antigo Supremo Tribunal de
Justiça, que na concessão das revistas exercia
uma attribuição ordinaria, constituída, como se
acha, com tão graves defeitos a magistratura dos
Estados, o que resta ás partes sinão resignarem-se -
aos julg·ados tantas vezes erroneos _e iníquos dos
Tribunaes de appellação ?
Era a revista a poderosa valvula, que, manute-
nindo a integridade da lei, amparava as victimas da
injustiça notoria ou da nullidade manifesta do feito.
Af:firmada a existencia das duas justiças, - fe-
deral e local, - o recurso extraordinario devera
curialmente ter a amplitude da antiga faculdade
do Supremo Tribunal da Monarchia.
Limitado, como está, qner pelo texto da lei,
quer pela jurisprudencia, não passa de appara.-
tosa inutilidade.

3° VOLm rn
XIII
O districto federal e a _justiça

O prurido innovador attingio a cnlminancia


,no regimen judiciario imposto ao Districto da ci-
-0ade do Rio de Janeiro pelo Decreto dictat0rial
n. 1030 de 14 de Novembro de 1890.
Sob o Imperio, como já foi expendido, a jus-
.t iça civil e criminal do Município Neutro . era
-di~tribuida pelos seguintes orgãos :
a) Juizes de paz, de eleição popular, julgando
as pequenas demandas e as especies criminaes
·-compendiadas no art. 2º da Lei n. 2033 de 20
-de Setembro de 1871, no Codigo de Processo Cri-
minal e na Lei de 3 de Dezembro de 1841 e seus
rngulamentos ;
b) Juizes substitutos, creados pelo art. 1 º § 1
-da mesma Lei n. 2033, os quaes, jure proprio,
-executavam as sentenças de ·quantia inferior a 500~,
preparavam os processos dos crimes denominados
policiaes e cooperavam com o juiz de direito nos
- 132 -

act.os de formação da culpa dos'•·crimes communs,


até a pronuncia exclusive e na instrucção das
causas civeis, commerniaes e orphanologicas ;
e) Dez juizes de direito, exercendo todos cumu -
lati vamente a j urisdicção criminal e presidindo,
successivamente, ao tribunal do jury:
No desempenho das varas privativas distri-
buíam-se em :
Dois juízes do civel ;
Tres juízes de commercio;
Dois juízes dos orphãos ;
Um juiz da provedoria;
. Um auditor de guerra;
Um auditor de marinha.
cZ) rrribuual d:t Relação, composto de 17 · des-
embargadores . .
· e) Supremo· Tribunal de Justiça, constando de
17 ministros e tendo as attribuições consignadas no ·
respectivo reg_i}nento.
O ideal democrat~co, - a justiça ao pé ela porta ; :
- . por que tanto rugiam o·s demolidores, achava.-se, ·
des·s 'arte, largamente provido.
! '
,:, .
_..,.,

Marcados taxativamente pelo art. 70 do Decr. ,


n. 4824 de 22 ele Novembro de 1871 ,os prazos
dentro · dos quaes os feitos .deviam -ser relatados e
revistos, tinham os litigantes meios efficazes · de
apressar · o · andamento de seus processos.
·E · como, para as varas da Côrte, ·e ram ch'a- .
mados os n1ag·istútdos mais pi'ovectos e distinctos, "
133

é facil aquilatar · o grau de regularidade · á que


ponde attingir a administração da justiça flumi-
nense na ultima phase do segundo reinado
Proclamada a Republica, os homens que assal-
taram as posições, á custa de um motim · militar,
e a que foi estranha a Nação bTazileira, não se
limitaram ao exercício dos poderes indispensaveis
á manutenção da ordem, ernquanto o paiz não fosse
regularmente chamado a pronunciar o definitivo
veredictwni.
Os membros do Governo Provisorio, tirados
uns da imprensa, outros· das classes armadas ven-
cedoras e outros da advocacia aldeã, rep)ltaram-se
preparados para todos os commettimentos.
Pode-se, sem erro, affirmar que as innovações
introduzidas na legislação brazileira, no decurso
do anno de 1890, excederam a todas as demais
votadas' no decurso de cincoenta annos de vida
parlamentar.
Os departamentos da administração publica
· so:ffrerani as mais surprehendentes transformações.
Nem o direito civil ou penal escaparam á
obcessão.
Foram dictatorialmente impostos a este povo,
em demasia tolei:ante, a separação da Igreja e do
a
Estado, plena igualdade dos cultos, o casamento
civil e o vigente Oodigo Penal.
· Antecipando o voto do Congresso, o ministro
da justiça do Governo Pro_v isorio não só decretou
· - 134 -

a dualidltde da justiça, representando duas sobe-


ranias quasi antinomicas e oppostas, como, pelo jái
tão citado Decr. n. 1030, alterou substancialmente
a constituição do poder judiciario no Districto-
Federal.
O fôro fluminense é actualmente uma organi-
sação hybrida e que não tem podido adaptar-se-
aos nossos habitos 1 tradições e meio social.
A justiça de primeira instancia ficou a cargo,
de um tribunal collectivo, dividido em tres cam!\-
ras, composta cada uma de tres juízes.
O pretor, · funccionario quatrienal, importado·
da organisação italiana, occupou nas parochias o-
lugar de Juiz de Paz e do Juiz substituto, com
a alçada de um conto de réis, alargada a esphera.
da competencia, sobretudo em relação aos as-
sumptos ele ordem administrativa.
Surgiu no pseiido regímen democratico o fôro-
privilegiado para os feitos da Fazenda Municipal..
Sobre os destroços do Jury assentou-se, de
um lado, a Camara Crimi_nal do -Tribunal Civil e
Criminal, com todas as lacunas do julgamento pelo
juiz togado e, de ontro, a junta correccional,
onde, em extravagante promis~uidade, votam con-
juntos o Juiz de facto e o pretor.
O Conselho do Tribunal Civil e Criip.inal, con-
stituído pelos Presidentes das tres Gamaras, é-
um . arremedo grosseiro da Charnbre du Conseil
da lei franceza.
- 135 -

Ora funcciona como juizo de primeira instancia


ora como Tribunal de recurso.
Naquelle caracter, profere decisões appellaveis
ao passo que, como segunda instancia, decide
aggravos interpostos dos juizes das Camaras a que
presidem, de categoria igual, abandonada assim
a salutar norma da superioridade hierarchica.
Ao Tribunal da Relação, antepuzeram a Côrte
de Appellação composta de doze membros, divi-
dida em duas Gamaras, - uma para as cansas
civeis e commerciaesJ de valor excedente a 5:000;j'pOOO
julgadas pelo Tribunal Civil e Criminal e pelo
Juiz dos Feitos da Fazenda Municipal e outra,
a Criminal, para a decisão das appellações inter-
postas das sentenças do Jnry e da Camara Cri-
minal do Tribunal de primeira instancia.
Seria quasi nullo o serviço a carg·o dessa
Camara, si não se fossem tornando numerosos os
casos de embargos de nullidade, de que toma
conhecimento a Côrte plena.
Ao passo que na antiga Relação eram as causas
crimas e, sobretudo, os hcibects-corpus despachados
por todos os desembargadores desempedidos, hoje
o Conselho Supremo, composto apenas de tres
membros é que sobre os habeas-corpus delibera
definitivamente.
Para o julgamento dos crimes de responsa-
bilidade . dos membros da Côrte, creou-se uma
jurisdicção heteroclita, em que intervem os tres
- 136 -

Juizes do Conselho e os Senadores do Districto ,


o que importa, de facto, na irresporis'abilidade.
Outr'ora, na Relação da Côrte, havia diversas
turmas para o julgamento das appellações civeis
e commerciaes.
Essa distribuição imprimia maior celeridade á
conclusão das causas e mel~or garantidos ficavam.
os direitos dos litigantes, já pelo relatorio es-
cripto, já pela variabilidade dos julg2.dores.
No mecanismo republicano, são sempre certos
os Juízes.
A turma julgadora é inalteravel, e o rela-
'torio, peça essencial para o pleno conhecimento_ do
processo, só é verbalmente formulado no acto de
julgar.
Basta ligeira leitura do Decr. n. 1030 para
se patentear a su~ imperfeição.
Mal redigido, deficiente em uns artigos, ob.s-
curo ern outros, o acto dictatorial, se fôra litte-
ralmente executado, daria lugar ás mais absurdas
soluções.
Tratando dos juízes do Conselho do Tribunal
Civil e Criminal diz o art. 89 :
« III. Julgam os recursos dos despachos
de pronuncia e decisões sobre habeas-corpus
dos juízes do Tribunal e dos Feitos da Fa-
zenda e das fianças concedidas ou dene-
gadas pelos mesmos juizes ou pretores. »
- 137 -

Ora, segundo o art. 69 da Lei n. 261 de 3


de Dezembro de 1841, cabe recurso:
1 º, da decisão que obriga a termo de bem·
viver e de segurança e a apresentar passaporte ;
2°, da decisão que declara impro,cedente o
corpo de delicto ;
3°, da que pronuncia ou não pronuncia ;
4 °, da concessão ou denegação de fiança e de
seu arbitram ento ;
5°, da decisão que julga perdida a quantia
a fiançada ;
6°, da decisão contra a prescripção allegada;
7°, da que concede soltura, em consequencia
de habeas-corpiis .
E a Lei n. 2033 de 1871 accrescentou os re-
cursos do despacho que não recebe a queixa ou de-
nuncia e da sentença de commutaçã.o de multa .
Sob a legislação do Imperio, conhecia de taes
provocações a Relação do Districto, quando as
decisões eram proferidas pelo chefe de policia ou
juizes de direito e estes1 tratando-se de actos de
autoridade judiciarias ou policiaes inferiores.
E ' bem de ver que, applicando-se no seu rigo-
rismo o art. 89 ri. III do acto n. 1030, o Conselho
não poderia tomar conhecimento, sinão dos recur-
sos que ahi vêm taxativamente enumerados.
Foi preciso que a mal iniciada jurisprudencia
desse interpretação extensiva ao texto, de modo
a abranger todos os outros casos excluídos e que
- 138

o pocler executivo, no art. 17, n. III do Regula-


mento n. 2579 de 16 de Ag·osto de 1897, sanc-
cionasse, com visivel excesso de autoridade, a
doutrina.
- E o que se dizer do methodo de composição
desses tribunaes e das regras de investidura ?
Em outra parte deste trabalho já indicamos
as suas lacunas e vicios.
E' assim que bastam para o pretor dois annos
de equivoco exercício de advocacia.
O membro do Tribunal Civil e Criminal é
tirado dentre os pretores, agentes do ministerio
publico e advogados com seis annos de exer-
cício, emqua nto que, para o accesso á seg·nnda
instancia , si, em dois terços das vagas, prevalece
a antiguidade dos juízes do Tribunal Civil, para
o outro terço basta o arbítrio do presidente <la,
Republica.
Abolida a revista, e sendo de effeitos negativos
o recurso extrnordinario para o Supremo Tribunal
Fe cleral, as questões forenses mais importantes
são abafadas na Côrte, tão defeituosamente con-
stituída.
Accrescentai as delongas insupP-raveis, não
obstante muitas vezes a boa vontade do ma-
gistrado, a irrespon sabilidade , de facto quasi
garantida pela condescendencia ou fraqneza dos
julgadores, as oscillações da jurisprudencia, ond e
se accnrnmulam decisões encontradas, - e ter-se-ha.
- 139 -

a pallida idéa do estado de anarchia, a que chegou


o fôro mais adiantado da Republica. (1)
Vai completar nove annos de execução o De-
creto n. 1030.
Desde o inicio, ficaram salientes as suas lacunas
e anfractuosidades.
Numerosas tentativas, continuadamente adia-
das, não conseguiram ainda modificar legislativa-
mente o peceo artefacto da dictadura.
Si o proprio poder executivo já lhe desferiu
profundos golpes, é a illegalidade pretendendo
corrigir o vicio.
- Será mais feliz o actual governo com o seu
projecto de reforma, solemnemente offerecido ao
Congresso, na mensagem presidencial de 4 de
Setembro e que a 3ª legislatura não poude con-
verter em lei?
Pelo que delle se colhe, des1.tpparece o julg·a-
mento collectivo ela primeira insfancia; é extincto
o Tribunal Civil e Criminal; sito subdiviélidas as
Camaras da Côrte de Appellação e creado o Tri-
bunal de .R evista.

(1) A prescripção dos delictos já se tem op erado pela


demora de autos na conclusão ele Juizes.
A iclade senil foi, em crimes ele alçada, r econhecida
como escusa, e no processo Piazza se julgou que os epi-
thetos - cobarde, devasso e out r os congenel'es não consti-
tuem injuria! Ainda mais, legitimou-se o emprego cl'elles
por parte do offensor ! ! ...
- 140 -

E' quasi a restauração do direito anterior.


Infelizmente, a reforma não offerece as altas
g·arantias da legislação do Imperio, sobretudo no
tocante ao processo da revisão.
Esse poderoso remedio pouco aproveitar,í, desde
que são os mesmos juizes da Côrte de Appellação
que o têm de conceder.
Não perdeu todavia a proposta presidencial o
ensejo de accentuar a tendencia do regímen repu-
blicano para a completa abolição do jnry.
Si ella vingar, longe de ser o Tribunal dos ju-
rados a jurisdicção commum, constituirá meramente
um juízo de excepção.
Eis como, após dez annos de exper-iencia repu-
blicana, se entende e se executa o art. 72 § 31 da
Constituição de 24 de Fevereiro.
Só esse attentado contra as liberdades civicas,
só essa inversão das normas do bom senso tornará
imprestavel qualquer modificação da obra de 1890.
XIV
Despesa com a justiç~ .

Si, sob o ponto de vista financeiro, a bifurcação


do systema jndiciario restringiu os encargos da
União, a economia d' ahi resultante é apparente,
ou, antes, o allivio da despeza nem favorece o con-
tribuinte, nem torna mais folgado oThesouro.
No projecto de orçamento para o exercício de
1890 (o ultimo elaborado pelo ministro da Fazenda
do Imperio) era fixada a despeza judiciari.'.'1 pela
seguinte fórma :
Supremo Tribunal de ,Tustiça .. . ........ . 169: 642$000
Relações .............................. . . 634:808$000
Justiças de 1ª iustaucia ................. . .3 .151:160$668
Novos termos e comarcas . . . ·............ . 373:480$000
Total . .... .......... .. . .. . 4.329:090$668

Correm actnalmente por conta do Thesonro


Federal apenas os gastos com :
Supremo Tribunal Federal ;
21 j uizes de secção ;
- 142

21 juízes substitutos;
21 procttradores seccionaes;
21 substitutos ou ajudantes dos procura.dores;
Oôrte de A-ppellação ;
Tribunal Civil e Criminal ;
Ministerio publico da Capital Federal ;
Pretores; .
Magistrados em disponibilidade.
De accordo com a Lei n. 560 de 31 de Dezembro
de 1898, que fixou a despeza geral da Republica
para o exercício de 1899, a justiça federal custa
828: 642;J't,00O.
Eleva-se a da justiç!l local deste Districto do
Rio de Janeiro a 354:493,000 e, com os magis-
trados em disponibilidade, 280:ooo,ooo.
Accrescentai a esse tot~l de 1. 463: 13 5;t;000 os
gastos com o exercito de juízes estadoaes, com-
prehendendo vinte tribunaes de 2ª instancia, cerca
de oitocentos juízes de direito, outros tantos juizes
municipaes ou substitutos e outros tantos promoto-
res publicos - e podereis, sem exaggero, asseverar
que, presentemente, a má justiça republicana custa
aos brazileiros oito vezes mais que a do tempo do
Imperio. (1)

(1) Só a justiça local dos Estados de Minas Geraes ,


Bahia, Pará e S. Paulo custa · cerca de quatro mil contos
de réis annnaes.
- 143 -

Si são os Estados que directamente pagam


grandP- parte dos juízes, é, todavia, do bolsinho
dos contribuintes que sahem as quotas.
Nos assentamentos do Thesouro não são mais
'inscriptos os membros da magistratura estadoal;
em compensação, teve a União de desapossar-se
das fortes fontes de receita consistentes nos di-
reitos de exportação, imposto de industria e pro-
fissão, transmissão de propriedade e outros com-
pendiados no t exto constitucional, que distribuiu
.as rendas (art. 9°) ou delle derivados .
Esse preito aos exaltados do federalismo foi
um dos mais energicos factores da ruina do
·Thesouro Federal, que, baldo de recursos, pede,
em desespero de causa,. á importação loucamente
tributada supplementos , que ella não lhe póde dar.
Ainda mais. Para refazer o credito tão fun-
.damente avariado, não hesita, o empirismo sem
escrupulo tributar q_uasi todos os actos da vida
-civil, já sob a fórma da estampilha, já arrecadando
taxas de consumo dos artigos gravados J!ela
tarifa aduaneira ou derivados da imperfeita e
apenas inidada fabricação nacional.
Em balde, gemem as classes consumidoras; o
-commercio é a sphyxiado sob o guante de ferro
do Fisco e, quando as suas reclamações chegam
.á casa presidencial, recebe-as desdenhosamente o
-chefe do Estado, exprobrando aos ingenuos peti-
-cionarios a sua falta de patriotismo ! .. .

XV

Conclusão

Resumamos:
Os dez annos de pratica republicana paten-
team, no tocante ao transcendente serviço da admi-
nistração da justiça, os g-ra ves erros commettidos
com a impensada inversão das normas estatuidas
no direito da Monarchia .
A dualidade da justiça, longe de ser, como,
conjecturaram os augures da revolta, a for-
mula fecunda da li.herdade cívica e da garan -
tia dos direitos, produziu os mais desastrados
effeitos.
Deixou o poder central de nomear os magis-
trados nas Províncias. Em contraposição assentou
suas tendas a magistratura política, movida e
organisada ad n1.i tu1n das legislaturas e gover-
nadores, títeres, elles proprios, das oligarchias es-
tadoaes, que vão, pouco a pouco, quebrando todas
as resistencias, avassallando todos os espíritos e
10 3° VOL m H:
- 146 -

tornando-se os omnipotentes fendatarios das cir-


cumscripções confederadas.
O processo civil e criminal é ag·ora reg·nlado
pelas leis da soberania local.
E' a desmembração que começa
O luxo do federalismo affrouxa os laços da
União ; leva a anarchia ao serviço e quebra os
estimulos do proprio magistrado, circumscrevendo
suas aspirações á zona estreita das ex-Províncias.
O corpo judiciaria não é mais uma grande classe
da Nação, tendo a seu cargo vindicar os direitos
inauferiveis dos brazileiros. Elle está fragmentado
em secções estranhas umas ás outms, sem nenhum
ponto de contacto 1 , com processualisticas diversas
que, em lugar da unificação de jurisprudencia, ali-
mentam multi piices meios de decidir os litigios.
Expostos aos desvarios revolucionarios, e
sob a influencia das paixões do mando jámafs sa-
ciadas) sentem os juízes que lhes faltam o forte
estimulo da independencia e as condições de es-
tabilidade, -que unicas os podE:im amparar contra
as insolencias da politicagem. (1)

(1) Ainda agora (25 de Dezembro de 1899) estampa o


Jorncil do Coinmercio nas suas «Varias)) a seguinte edificante
noticia :
« Por noticias de Sant'Anna do Paranahyba sabemos ter
sido alli deposto o agente do Correio, sendo os objectos exis- ·
tentes na agencia arrecadados e guardados em casa do ci-
dadão Luiz Ferraz.
147
E as proprias leis que organizaram esses tri-
1bunaes e juizes abrigam o sophisma por que se
-0s collocam. na dependencia do poder executivo,
insaciavel,, absorvente !

O juiz de direito Dr.Ramos, intimado a passar o exermc10


•do cargo ao supplente, foi obrigado a retirar-se da comarca,
,didgindo-se para Uberaba, de onde dirigiu ao presidente do
Estado, coronel Alves de Barros, o seguinte telegramma:
«No dia 5 do corrente, Eliezer dirigiu-me carta injuriosa,
intimando-me para passar exercício do cargo ao supplente
,que chegara naquelle dia.
Para evitar perturbação da ordem, passei o exercieio e
vim. communicar. Desde o dia 20 de Novembro que a força
se acha de promptidão e municiada sem. motivo. Requisitei
praças para cumprimento do mandado de prisão de crimi-
nosos, negaram, allegando promptidão. Adiei então o jury
,para 28 de Janeiro e suspendi a correição na comarca. As
familias fogem. Eliezer proclama ter carta branca de V. Ex.
l)ara fazer violencias. Conseguiram afastamento dos crimi-
nosos hoje um delegado, denunciado por crime de morte, um
.supplente ele delegado com um irmão criminoso dentro da
cidade, um subdelegado que tem. Antonio Peão, criminoso ele
tl'es mortes, Augusto, cunhado elo subdelegado com o crimi-
noso Benevides, etc. E' a justiça sitiada pelo crime. Dizem
que o motivo por que me obrigaram a passar o exercício é
;para não presidir o sum.mario de culpa do delegado. Antonia
Pelisberta, ré sentenciada pelo jury fo.i posta em liberdade.
Não ha razão política, porque garanto sob palavra _ de
honra não haver opposição ao governo de V. Ex., tanto que
.snffragaram o Dr. Metello. Não sou politíco por índole, pro-
curo cumprir o meu dever, fazendo respeitar a lei. Energia
t enho-a; r esta V. Ex. fornecer garantias. efficazes para anni-
quillameiíto da anarchía actual on determinar o que entender
-deva ser feito. Aguarelo ordens ».
148

A justiça federal, por se[!_ turno, escapa aos,


intuitos dos que a crearam, já pelas lacunas de·
•Bua composição, já pela tibiesa de seus agentes.
e, principalmente pelas contradicções repug·nantes-
de seus julgados.
Nem o Supremo Tribunal Federal consegue·
firmar jurisprudencia sua.
Antes, não raro, corno nos casos de indernni-
sação devida pela Fazenda Publica, tem-se tor-
nado o docil comparsa do executivo na espoliação
dos particulares.
Auscultai o coração da soci~dade brazileira,
não atravez das falsas conveniencias da· facção-
dominante, mas á luz puríssima de acen<lrado·
patriotismo, e concluireis, forçosamente, que o
povo tem hoje, mais do que nunca, sêde e fome
de justiça !
Oberado de impostos, á mercê dos caprichos
dos qne empolgaram as posições e, a seu talante, di-
rigem os destinos do Brazil, como si fôra uma terra
conquistada; vendo, pela queda definitiva e ininter-
rupta do cambio, empobrecer-se de dia em dia, o
brazileiro sente que, na sua luta pela vida, falta-lhe
o amparo consolador e fortificante, que só lhe podia
advir de uma recta administração da justiça . .
- Sem magistratura que a possa proteger, o-
que vale a liberdade con~ignada nos textos ?
Phantasma inane de aspirações mallogradas r
VIII

Eleiç ões
ELEICÕES :,

O Visconde de Almeida Garrett, no poema Consid erações geraes.


- Camões - figura o grande epico portuguez,
do limiar da eternidade, onde se lhe desvendava
o futuro, a carpir a perda da liberdade e a. mina
da Patria.
« Quem (pergunta o moribundo poeta) quem,
quando cahir, de todo, o paterno casal, guardará
a memoria, ao menos, do patrio honrado nome?
Recebe, (continúa em apostrophe) guarda,-gene-
rosa Amazonas, - o legado de honra, de fama e
gloria. Não se acabe na terra -a gloria patria,
nem o nome portuguez. »
Não se realizou, no todo, a prophecia do im-
mortal cantor. O estandarte portuguez, que elle
vira tombar em pedaços da haste da lança esca-
lavrada, foi, de novo, gloriosamente içado ; os
pendões barbaros, a varrerem o oceano, á pôpa
das alterosas naus estrang·eiras, sulcando pelo
- 152 -

esteiro do Gama, foram arrancados e substituídos


pelas quinas.
Camões não morreu com a Patria, como disse
Garrett.
A genial Magna virum parens é prodiga em
Antheus, que do sólo 1 onde pullulam heroes,
haure força1:, para conservar a pujança da raça, da
qual surgiram rebentos, iguaes a Viriato, Men-
des da l\faia, Nuno Alvares Pereira, Affonso de
A!buquerque, Francisco ·de Almeida e João de
Castro.
O patriotismo, - força creadora e impulsiva
desses varões prodigiosos, -morava em seus pei-
tos, como em sacrario o fogo da lampada votiva .
Quando pa.receu quA se lhe ia extinguir a chamrna,
lançava ella seu mais vívido clarão.
A restauraç.ão em 1640 é o ultimo facto culmi-
nante da historia de Portugal. Fôra o primeiro a
consolidaçã.o do reino, após a batalha, do campo
de Ourique e o segundo a fundação da dynastia
de A viz pela victoria em Aljubarrota.
c on servará o Brazil sua Si, neste ponto, não se converteu em realidade
a utonomia? a visão de Camões, acertaria o autor de Frei Luiz
de Souza, no vaticínio, sobre o Amazonas a receber
do Tejo o legado de honra, fama e gloria? Perpe-
tuará a Terra de Santa Cruz as tradições da que
lhe foi mãe-patria? Conservará, por longo tempo,
como nação autonoma, o lugar, que occupa no
continente sul-americano?
- 153 -

Interrogação é esta, que se assenta hoje, qual


mysteriosa esphinge, no liminar do futuro.
Ao · singrar, pela vez primeira, a bahia do Rio lmpressões ele que m pt··i -
de Janeiro, devia o naveganttl qnedai·-se em ex- m eiro entro u a hal1ia do
Ili a rlc Janc irn.
tasi ante a magnificencia do espectaculo, que aos
-0lhos se lhe desdobrava . O remanso desta azu-
lada bahia, as pittorescas ilhas, que a bordam, os
alterosos serros de granito- barreiras das ondas 1 -
por entre os quaes se desenha e avulta o colossal
.gigante de vedra,-• sentinella vigilante, collocada
pela natureza á sua entrada,- offereciam-lhe, em
perspectiva, um quadro imponente de inexcedível
belleza.
Acudiria logo á mente do descobridor a idéa
de uma grande cidade, fundada neste porto de
seguros ancoradouros e ao abrigo dos tufões. Re-
presentar-lhe-hia a imaginação o placido estuario,
coalhado de navios de todas as nacionalidades,
trazendo os variados productos do velho mundo e
levando em retorno os fructos do uberrimo torrão,
q_ue, virgem até ahi, seria vantajosamente culti-
vado pelos braços dos adventícios, attrahidos do
desejo de melhoria de sorte, para a nova terra de
promissão.
Si a Pedro Alvares Cabral houvesse sobre- ,1nizo , que faria Cabral si ,
vindo um somno, igual ao do fabuloso Epirnenides, r eri i d vo, con templa sse n a
noite de 16 d e Agos to uJ limo
ou o arroubo mysterioso do monge Alphus 7 da le- a Ji abia de Bota rogo .
genda allemã, para quem tres seculos de audição
de musica celeste decorreram como a duração de
154 -

poacas horas ; si, acordando desse longo lethargo,


abrisse os olhos na noite de 16 de Agosto deste
anuo, acreditaria, ao contemplar a bahia, que sua
visão passára para a ordem dos factos consumados.
Eis o que se lhe desenharia á vista.
No carregado azul dessas serenas aguas, que
formam a enseada de Botafogo, não longe do sitio,
onde o mallogTado Dntra e Mello fing·ira seu pa-
lacio de Flora, refiectiam-se, como em inflammado
espelho, as irradiações de intensissima claridade,
a jorrai· de illuminadas embarcações, á uma das
qnaes só faltava o cavalleiro para que o phan-
tastico cysne do Lohengrin fosse fielmente repre-
sentado. A superficie do mar era um cambiante
tapete de luz, e o deslumbrante espectaculo
reunia todas as bellezas de harmonica symetria,
todo o apuro do gosto e todo o luxo de orna-
mentação.
Ante essas cascatas de esplendores, que mais
parecíam scena phantastica, do que exhibição real
de maravilhas da civilisação, julgaria o illustre
almirante cumprida a sua previsão. O local, cujo
porto descobrira, havia quatro seculos, e que dei-
xára em estado quasi embryonario entre o mar
e a floresta primitiva, devolvia-se-lhe como cidade
de primeira ordem, como emporio commercial.
Para ahi affluiam as mérces de todas as praças do
,,. mundo. Em seu gremio accumulavam-se as rique-
zas; o Estado, de que ella era capital, figurava
155 -

prospero e :florescente, entre os mais importantes


da America.
Quão profunda seria a magna do descobridor
do Brazil quando lhe ferisse os olhos a luz da
verdade!
Tudo isto é àpparencia illusoria ! Esse fulgor,
que irradia, hoje, sobre a cidade de Mem de Sá,
é devido á presença de um hospede illnstre, que
nos honra com sua visita. O Brazil festeja o Pre-
sidente da Republica Argentina.
O estado do paiz é deploravel. Moribunda a Es t a d o Jastim ave l elo
Brazi 1.
lavoura, cujo principal producto exportavel,-o café,
do Brazil,- deixa insignificante lucro ao fazendeiro;
sobrecarregada de impostos a nossa nascente, limi-
tada e imperfeita industria e o nosso commercio;
oberada a Nação com enorme divida externa, para
cuja garantia já bypotbecou grande parte da renda
aduaneira; desequilibrado o Orçamento, á mingua
ele recursos para a receita, - acha-se o Thesouro
Federal em condições de pennria e o Governo na
impossibilidade de solver os seus compromissos.
Essas avultadas sommas, despendidas em honra
ao Chefe de uma Nação amiga, gravame pecuniario,
a que, por dignidade, não se podia eximir o Brazil,
concorreram para empeiorar a situação financeira.
As acclamações do povo exprimem jubilo de
occasião .
O ruido das festa s proclnz nelle o effeito de
um licor oblivioso.
- 156 - .I
'Jj
Passada, porém, a inflnencia' do anesthesico, re-
surgem mais pungentes os soffrimentos, que a todos
affi.igem.
Cruel ironia do destino !
D pera ri os sem pão . Ao passo que milhares de operarios desfilam,
em alegre prestito, em saudação ao Presidente
da Republica Arg·entina, gemem na miseria outros
milhares de sens companheiros, que o Governo
despediu das officinas e dos arsenaes, privando-os
do preciso alimento para si e suas familias! Os
upiparos banquetes. faustosos bailes, as profusas
salvas, brilhantes illuminações e engenhosos fogos
de artificio, são como braçadas de flores, lançadas
sobre o abysmo para lhe esconderem o boqueirão'.
Cobrem com uma_colcha de purpura o tabido 0orpo
da Patria. Embalde ! Os membros escanifrados
desenham-se atravéz do estofo, que não póde occul-
tú a escaveirada face do inanido enfermo.
Tri bu Lação exagerada e Si a nossa lavoura, industria mãi e maxima,
suas co nsequen cias. lueta exanime em pavorosa crise, o commercio,
que da lavoura tira alimento} curvado sob im-
postos, quasi prohibitivos, retrahe-se e treme ante
o espectro da fallencia.
Aggravando excessivamente os impostos de
consumo, esquece-se o Poder publico que ha um
limite para a imposição,- a taxa fiscal. « Quando
esta taxa, marcada pela capacidade productiva
dos tributados, é excedida (diz Molina ri na
sua Sociedade elo Fiduro, publicada este anuo)
- 157

o prodncto dos impostos dimiuue,_ em vez de


augmentar. Virá um momento, em que a propria
classe .governante começará a soffrer, por causa de
tal aggravação, em seus meios de subsistencia. »
E' erro gravíssimo querer o Governo avolumar
a renda do Thesouro á custa da riq_neza parti-
cular. O proprio Thesouro resentir-se-ha desse
desacerto. Diminuindo os lucros de quem soffre a
carga, agourenta os meios de alargar a produc••
ção, e, . portanto, conspira para escassear a mar-
gem á materia tributavel. A tributação exage-
rada vem a encarecer o producto, pois é causa de
que a importação se faça em menor escala, tor-
nando-se, assim, menor o consumo, sobre o qual
incide o imposto.
Ha um grupo de artigos, e1n que a exa-
geração do imposto procluz grande mal social.
Referimo-nos aos productos pharmaceuticos e dro-
gas medicinaes. Onerando esses prodnctos, que já
são vendidos por alto preço, os poderes publi-
cas não só infringem as regTas da sciencia eco-
nomica, como os princípios elementares da cari~
dade. Ficarão OR medicamentos fóra do alcance
de acquisição das classes necessitadas, cuja mor-
talidade augmentará pela impossibilidade de os
comprar. Ora, em Economia Política, cada vida
humana representa um valor. E o Governo,
que, deste modo, se mostra alheio ao altruísmo,
verá que perde o pajz, com o decrescimento da
- 158 -

população, mais do que _poderiit auferir dos im-


postos aggravados.
Sobre a nossa industria, ainda tão atrazada e
que se debate com tantas difficuldades, despede a
nova reforma tributaria golpe mortal.
Muitas fabricas terã.o de fechar-se, porque o
imposto lbes absorve o lucro . A desapparição desses
estabelecimentos equivale a novas fontes de receita
supprimidas.
Deplora veis condições da Si, por um lado, todos os ramos da actiyidade
Javo ura e elo com mercio.
individual se entorpecem ; si, ante a carestia da
vida,-resultante da grande depreciação da escala
do padrão monetario, - lucta a maioria da popu-
lação com a insufficiencia de meios, e sente o
acúleo das privações; si todos os valores bai-
xam, inclusive o valor predial, - symptoma este
assustador e prenuncio de ominosas crises, -vemos,
por outro lado, que se vai perdendo a noção da
dignidade do Poder Publico.
A nossa legislação prohibe que a Fazenda
Publica transija.
Este salutar preceito salv~guarda o caracter
augusto da soberania nacional. O Estado paga
sempre integralmente as suas dividas .
1.e i, que attenta con ll'a . Ha dias, por lei do Congresso Brazileiro, re-
a dignüfacle elo Pod er Pu-
lili co . centemente promulgada, foi o Governo autorisado
a entrar em transacção com os credores do Es-
tado! Assim, os representantes da Nação, os
custodes das prerogativas e r egalias, iullerentes
- 159 -

ao Poder Supremo, apeiam este Poder do alto pe-


destal, em que está collocado, para nivelal-o ao
particular insolvavel, a quem, como o commer-
ciante fallido, offerece pagar com rebate as divi-
das, sobre •.mjo embolso nunca o credor nutrira
duvida, em vista da respeitabilidade, abonação e
boa fé do devedor.
Acoroçoados por esse e outros exemplos da Situação e aLti.tucle ex_
cepciouaes ele alguns la-
Administração, alguns fazendeiros de uma locali- vradores, em S. Paulo
dade do Estado de S. Paulo reuniram-se em ses-
são e deliberaram, por unanimidade, espaçar para
quando dispuzerem de recursos, a solução dos
creditos, pelos quaes eram judicialmente deman-
dados, e intimar os advog·ados, ou procuradores
dos respectivos credore.s a deixarem de proseguir
nas execuções para cobrança, expellindo-os, por
meios violentos, caso recusassem ausentar-se.
Isto é de summa gravidade.
O desespero arrastrou aquélles cavalheiros á
tão extrema resolnção, que importa em impossi-
bilitar aos credores o haverem o que lhes é de-
vido, amrnllando, por essa fórma, indirectamente,
a acção da justiça e privando os mandatarios de
exercer seus direitos e defender os dos consti-
tuintes.
Deste modo, chegaremos, em breve, ao des-
forço pess.oal do estado primitivo, á abolição do
principio da autoridade e, em ultima analyse, á
desorganisação social.
- 160

Dcprcciaçiio dos irnm n- Da actual geração de lavradores, avergada.,.


vc is n u nes e seu s rcsul- em geral, ao peso de enorme divida, e cujas.
taclos .
safras, após insano traball.J.o, deduzidas as des-
pezas, nem, siquer, lhes subministram o suffi-
ciente para a subsistencia, não é licito ao Go-
verno, bem que a prodncção e exportação do
café tenha consideravelmente augmentado, espe-
rar avultado contingente para accrescer no Orça-
mento geral a verba da receita. Muitos dos
actuaes proprietarios rnraes chegaram á dura
necessidade de abandonar, ou entregar aos cre-
dores as fazendas.
N'alguma dellas, a poderosa vegetação dos
tropicos vai involvendo e destruindo as planta-
ções, de modo que, ao cabo de algum tempo, fica-
rão convertidas em matagaes.
Não pequeno numero de fazendeiro s, na des-
esperança de i-e desempenharem, passaram ás
mãos dos credores as situações, que tão prosperas
se ostentavam, ha cerca de uma dezena de annos,
algumas das qnaes são presentemente explorada s
por laboriosos e mais felizes adventícios.
Caminha em espantosa progressão descendente
a deprecia ção do valor da propriedade ag rícola,
principalmente em S. Paulo. Ha cerca, de um
mez , foi alli vendida por 20:700;fp uma fazenda,
avaliada em 200:000~, e agora, no município de
S. João da Boa Vista, é offerecida á venda por
16:000;tp ontl'a, cuja avaliação foi de 150:000~000.
- 161 -

São facir e obviamente -.ex:plicaveis taes factos


pelas criticas circumstancias da lavoura naquelle
Estado ...
Dentro de limitado espaço de tempo emigra- Exo cl o el e traballrn-
dorcs a!"!ri co la s.
ram · das situações ruraes para fóra do Estado ~
15.000 trabalhadores, quasi todos italianos. Aó
principio, iam em numerosos grupos despedindo-se
çl.os fazendeiros, com o achaque de serem mal re-
tribnidos , e procuravam outros- estabelecimentos
agrícolas, onde recebessem mais vantajosa remu-
neração.
Não podendo, porém, os· proprietarios niraes
attender ·a suas exigéncias, em face do baixo
preço do café, e accordando todos na resolução
de não lhes augmentar o salario, continú.a em
maior escala a retirada desses indispensaveis au-
xiliares da producção.
Dahi o recrudescimento da crise .
Si, n esta capital, o commercio lucta com as
vexatorias e oppressivas contribuições, algumas
-de difficilima fiscalisação, contra as qnaes tem
feito justas reclamações, rarissimamente attendidas
pelos Poderes Publicos, muito mais precaria é a
sua condiç.ão no interior.
Começam os embaraços e as despezas com o Embar::u,~ os do commcr -
cio no interior.
emharque dos volumes, contendo mercadorias.
E' forte o aluguel dos vehiculos, que, quasi sempre,
ficam, horas e horas; á porta, ou, nas immediações
das estações; sob · a acção deleteria do sol., ou da
11 3° YOLUl\lE

.,
- 162 -

chuva e, não raro, voltam para a casa do expedidor,


por não lhes haver chegado a vez da . expedição.
Quantos desses fardos, ou caixas entram em casa
do importador com avarias ou com o contendo
diminuído, on trocado e até vasios ! Pag·am, além
dos direitos geraes, impostos estadoaes.
Addicionadas a estas as despezas de trans-
porte da estação de destino para a. casa do ne-:
gociante comprador, porque preço poderá elle
vender os objectos, de modo que lhe reste algum
lucro?
O resultado de tudo isto é a maior deca-
dencia do commercio fóra da capital e das cidades
marítimas, fallencias frequentes e . fechamento ele
grande numero de estabelecimentos commerciaes.
Dahi o deperecimento de cidades, villas e povoa-
ções importantes, que iam prosperando, de vagar,
é verdade, mas com segurança.
Sem lavoura e sem commercio, -principaes ali-
mentos de sua actividade, - os habitantes dessas
circumscripções, a quem fallecem todos os recursos,
vendo fechado o horisonte da esperança, v egetam
na ociosidade, precursora da indigencia e da mi-
seria. Os que, dentre elles, fizeram algumas re-
servas, transportam-se para outras localidades,
vendendo por baixo preço o patrimonio, herdado
ou ganho com o trabalho, e vão aliuncle procurar,
á ventura, os meios de acção para manter a sua
subsistencia e a dos seus. Baldada, porém, é, na

.
163 -

maioria dos casos, sua tentativa; porque, á seme-


lhança dos ,tentaculos de um polvo gigante, cra-
vados em toda a trama do organismo social, depa-
Tam-se-lhes em toda a parte os mesmos obstaculos
-e impedimentos ao exercicio de suas faculdades
-creadoras e productivas, faltando-lhes campo de
.acção para o trabalho compensador.
Quadro contristador é este; mas infelizmente
verdadeiro ·!
E o peior é que tão cedo não serão restituidas
á Nação Brazileira as condições de lisongeiro pro-
gresso e animador desenvolvimento, em que a re-
cebeu e donde a desaloj0u o movimento revolncio-
nario de 15 de Novembro de 1889.

Diz um celebre escriptor que gravissimo erro Err n ccono mi co de so-


-commette um Governo, tomando compromissos para l11.
·c1·arregar as gc raç ücs
r11 luras.
serem solvidos além da época, em que viverá a
geração de seu tempo,
Esta maxima economica e financeira é a ex-
pressão da mais alta sabedoria.
Aconselha a equidade social que se meçam as
-obrigações pelos recursos, com que se póde contar
no periodo de um quarto de seculo, approximada-
mente. Injusto é que se saque sobre o futuro re-
moto, m axfrné quando elle é incerto e não promet-
tedor; e que assim se arrojem sobre a geração, que
vier depois de nós, os onns, creados pela actnal.
Neste. ,perfunctorio estudo , analytico,
:\ . 'a. qüe - es-:.. -
tam.os. procedendo\ - só: accidentálmente ·nos occupa·--::
mos da·s i circurustancias financeiras do .Brazil. • A
outras · -p·e nnas, · mais -habeis e competeut~s, . ca-b ~
mo?ttar por algarismos, rigorosamente exactosr.,
qü.a.l a· importailcia da ·n ossa divida -p11blica. :
O que é ces.to é que essa divida :cresceu -n'uma
progres·são ·e spantosa nestes ultimos . nove annos,
a ponto de encurgar os l10mbros, não s◊ da actual-
geraçãn e da proxima vindoura, como da ·outra, que
lhe snccederá : A's despezas, .feitas r:om a debella--
ção da -revolta. -de 1893, - contr:ibuir~m muito para
exha-urir -as arcas do -Thesouro : E' vertiginoso· o
sorvedouro que, por essa occasião, se abriu para
escoamento dos dinheiros publicos.
JmpossilJiHdadc de so- E essa affl.ictiva situação irá peiorando, de dia
l ução el os com pr omi ssos par.a -diã. Alienad·as, como em pa1~te o foram e
do Es tado .
ameaçam: sel-o no todo, as fontes principaes da
renda permanente do paiz: já presentémente t ão
reduzidas; desequilibrado, como está, o Orçamento-
pela -- díminuição da receita-, que não póde· ser
dotada com verbas. novas ; escasseando progressiva-
mente os recursos ·precisos, já não dizemos para
a amortizáção da- ·divida externa , mas até para o
pagamento dos juros della, - resolver-se-ha, final•
mente, a crise na bancarrota, de que é-triste pre-·
1-udio a ·moratoria , sob cujo reg'im-en ·nos _achamos.
· Na seg·nnda. metade do _s~cnlo p·a ssado escrevia.
uin · p_olitico ~ francez a outro : « Chegou tun :navio
165
cai'.1~egado de ouro-. Por'qúe me ·não éleste tão agra-
<la vel noticia ?
}>

Aquelle ouro não representava riqueza real para


.a França., poís Iião era o pteç0- da produoção _agTi-
cola commercial ou manufactureira .do p·aiz, e· sim
mercadoria, importada para exploração commerciaL
Si, hoje, entrasse em -nosso porto um navio,
abarrotado do precioso metal, extrahido ,de jazidas
nacionaes por ·ordem e. conta do nosso . governo, e
com elle fosse paga toda ·a nossa divida externa,
nem por isso melhoraria muito a situação. ·
Dentro de poucos anno:s, ficaria o Thesonro,
de novo oberado, pois lhe adviriam novos com-
promissos, qne não poderia solver e que engra-
vesceriam com o correr do tempo.
Só a vara de condão de um Merlin lograria Só e.la f ec unrl a ç ão do
fazer que a . terra abrolhasse em messes fecundas, sol o p rnvé m a riquez a
nacional.
- caudaes poderosas da riqueza das Nações. E
,como não é possível a realisação desse prestigio,
resignemo-nos ao estado de estagnação das forças
geradoras da cultura productiva, appellando para
as transformações, que nos . trará o futuro .
. Accresce a todos · estes males a lamentavel
posição de quasi todas - as ex-Pr·o vincias, .hoje
Estados da União . .Em alg·uns delles, corrio em
Sergipe, e principalmente no Espírito' Santo, é
desanimador o estado de pennria dos cofres e
at-rozes os soffrimentos da população pela carencia
de meios para manter a vida.
-- 166 -

E' verdade que a União, cedeu aos Estados


o producto de alguns impostos ; , não foi, porém,
dotado o Orçamento geral dos recursos necessa-
ric,s para compensar os que lhe tiravam, ficando,.
dest'arte, desequilibrado. Os Estados, no emtanto,
resentindo-se da influencia dos males economicos,
que flagellam todo o paiz, estendem braços para.
o Governo Federal, que não póde soccorrel-os, e
attribuem-lhe os soffrimentos, de que são victimas.
Conclir}Gcs poJit'icM () Pouco a pouco, se vão afrouxando os laços,
economicas do s Es tad os que ligam os Estados á União. Desesperando do
da Uniiln.
auxilio dos Poderes Geraes e, não podendo man-
ter-se, fazem alguns d'elles entrever planos de
alliança entre si, quebrando os vínculos da União.
Outros, que se julgam capazes de se sustentar
por si, formando Estados independentes, invocam ~
como fundamento de sua separação, as diver-
gencias, que surgem entre elles e o Governo•
Federal e a intervenção indebita deste em sua.
politica e administração.
H.ecc i.os e peri gos da ~e- Oxalá não passem de velleidades tão funestas
paraç,:i,o.
idéas ! Po:stas ellas em pratica, marcariam o inicio-
da dissolução deste Paiz, fadado a mais altos des-
tinos. A grandeza, a supremacia de nossa Patria
está ligada á sua integridade. Envidem os que a.
governam todos os esforços para conservarem unido
este grande Todo. No momento, em que qualquer
Estado romper a solidariedade da União, des-
apparecerá toda a garantia da existencia una e ·
- 167 -

soberana da Republica. E nosso principal cre-


dor, vendo enfraquecer-se a garantia das enor-
mes sommas, que emprestou ao Brazil, quando
Nação unida e forte, talvez, na deficiencia de
outra moeda, procure embolsar-se com valores
territoriaes.
E quem sabe si, em taes emergencias, outras
Nações, que almejam o domínio de certas zonas
privilegiadas de nossas ferazes terras, não virão
despenhar-se, quaes colossaes abutres, sobre a
presa, em que, ha tanto tempo, hão posto mira,
prendendo-a, para sempre, nas garras ?
Afaste Deus de nós tão horrenda calamidade !
Dirigida por cidadãos, cheios de encendrado
patriotismo, sob as vistas de um Chefe, como o
fin~do Imperador D. Pedro II, ia nossa Patria
adiantando -se progressivamente, cabendo-lhe in-
contestavelmente o predomínio na America do
Sul. Essa hegemonia ninguem a punha em du-
vida. No equilibrio político sul~americano regu-
. lava o Brazil o fiel da balança.
Rebentou, porém, subita e inesperadamente,
o cataclysmo político, que a abalou até aos fun-
damentos, fazendo-a recuar no estadio do pro-
gresso com a força. de uma remora, ext.raordina;-
riamente repulsiva.
A nuvem negra do separatismo, que surg·e no
horizonte e traz no bojo a destruição, póde, de
um momento para outro, transformar-se em cyclone
arrasa.dor, qu~ .vana (1.a fçi,ce (ia terra a naciona-
lidade brazileira ..
· ];>oss~m estes r,ec~ios, .r ep.e timos, encontrar-se
apena,s no domínio das impressões- terroristas !

~-;as reformas, a que metteu hombros a . Re-


publica, quebrando todas . as grandes unidades
nacionaes, . abriu larga porta ao ar bitrio.
· Entre as anomalias , que mostram em seus le-
gisladores ausencia de senso jurídico, impressiona
a disposição da lei . do Orçamento, já em vigor
desde 1° de Julho ultimo, annullando os contractos ,
que não pagarem sello, , ou que ,0 pagarem insuffi-
cien1.e.
J\llonstr uosa commi nação . E' tão monstruosa, esta comminação, são tan-
tos os perigos e damnos, que de sua applicação
podem advir, que causa assombro haja sido ap-
provada numa Gamara, onde tem assento Am-
philophio, :Montenegro, Felisbello Freire e José
Augusto de Freitas e num Senado que, entre
SB'US membros, conta juris~onsultos · como Ruy
Barbosa, Gomes de Castro e Bulhões Jardim .
O correio e o telegrapho Que _importa, porém? Na sofreguidão de en-
não cons titu em fontes de
renda.
contrar elementos para angmentar a receita, não
olham a meios. Nem é de admirar tal desvio da
parte de legisladores, que , entendem ser o tele-
grapho · e o correio fontes de renda, quando em.
todos os paizes civilisad.os, esses dois serviços,
,c teados só. p~ra ç_o111m,odi<iade. do • poyo, ·sã.o ,- sujei-
.t os.. a t.~xas jnsigI;1ificantes. :0' qu~ alli ::;e coru-
preb.ende qu,e da · multiplicidade e rapidez das
communic.ações postaes .e telegraphicas de:flue o
.desenvolvimento dos diversos ramos de . commer~io
e industria, se.não mais compensador este resul-
tado, do que o do .angmento da. renda daquella
c9ntribuição, -a1~g:i:nento que .nem ,sempre se ve-
rifica, porque a exageração da taxa traz dimi-
nuição nas remessas de cartas e telegrammas.

No domínio da administração publica, após a


phase do Governo Provisorio, que pela excepcio-
na)idade das circumstancias, era omnipotente, não
são poucos os casos de ,injustifica v_eil? .actos dis-
cricionarios. Assignalaremos, entre outros, o que
nomeou par a membro do Supremo rrribunal C Fede-
ral a um medico, b~m que notavel pelo talen.to e
illnstração, e dois militares, posto que de alta
patente e laureados. por .s er-v iços.
Outr'ora,, essa elevada magistratura só podia Ab s urd a i n ter pretação
ser occup ada por baühareis ou dou,tores em di- el o texto da Cons ti tuição
so lJTe a cscollia el os ,o-
~eito, que, tendo praticado por u~n anno, eram gaes elo s upr emo Tribunal.
uomeados . promotores . de justiça ou juízes muqi-
cipaes, passando, decorridos um ou . mais qua-
triem;iios de exercicio, a juízes de direito, .e, em
seguida, d'entre os. quinze mais antigos destes,
a Desembargadore.s, escolhidos um a um, na lista
- 170

que o Ministro da Justiça su-bmettia ao Chefe do


Estado. Só posteriormente a esta investidura
podia o Desembargador cheg·ar por antiguidade
absoluta a Ministro do Supremo Tribunal de Jus-
tiça. Hoje, não é preciso que o cidadão percorra
os degraus dessa escala hierarchica para que habi-
litado entre naquella elevadà corporação judiciaria.
O capricho de um despota, em consequencia
da interpretação dada a esse ponto da reforma
judiciaria, póde aforar qualquer leigo em jurispru-
dencia nas honrosas cadeiras daquelle Tribunal.

Acto arbitraria do Pre- Na serie dos abusos, indicadores da propensão,


. feito do Di stricto Fed eral.
que para a prepotencia se tem manifestado no
actual regímen, sobreleva a resolução autorital'ia
do actual Prefeito do Districto Federal, reduzindo
de dez por cento os vencimentos dos funccionarios
municipaes, o que equivale a um imposto sobre
esses vencimentos.
Entendeu o Chefe do Poder Executivo Mu-
nicipal que devia, a todo o transe, executar o
plano de reducção da despeza, que se impoz
no programma, contido na respectiva mensagem.
E, como a maior parte da receita da Intendencia
é consumida no pagamento da legião dos em-
pregados, assentou de e:ffectuar córtes nessa
verba. E essa medida, que mui fracamente póde
influir na debellação do deficit municipal, é de
- 171 -

desastrado effeito nesta quadra, em que os infe-


lizes funccionarios, insufficientemente retribuídos,
estão a arcar com a penuria, pela carestia da vida.
Quando a lei é assim franca e abertamente
violada; quando os actos da autoridade revestem
manifesto caracter despotico e não soffrem cor-
rectivo da parte dos poderes, constituídos para
guardas e fiscaes da liberdade do povo, certamente
a polilha da dissolução vai lavrando, fundo, pelo
corpo social. Cavea,nt ! As grandes feridas, aber-
tas no Direito por aquelles, que devem ser os
seus mantenedores, si não recebem a inflicção da
lei, incorrem fatalmente na sancção moral. Perde
o direito á confiança e ao respeito do publico a
autoridade, que converte em lettra morta o texto
da lei protectora da.s regalias do cidadão, sub-
stituindo á norma obrigatoria suggestões da pro-
pria vontade. Quebrado pelo executor da lei o
vinculo moral, propaga-se pelas turbas o mau
exemplo, e cada um se julga no direito de des-
-obedecer á autoridade, que ensinou a pratica da
funesta doutrina.
Da insubordinação nasce a anarchia. Não ha
fugir á tal conclusão.
Só quem não medita a historia, póde desco-
nhecer a irrecusavel logica dos factos e as per-
niciosas consequencias, que ás Nações acarreta o
desrespeito e menosprezo ás leis por parte das
autoridades, incumbidas de executai-as.
- 172 ~

I n formações o ffi e ia e s De outra pratica,: cuja .d eploravef' autoria cabe


não ve rdacl ei.ras· addu zi.das ao .Prefeito. dó Dist'ricto Federal,-nos dá' conheci-
:parrdnmlamen .t ar um i; eto.
mento o veto,· .p or esta autoridade opposto á Lei do
Conselho -Municipal de 7 de .Outubro ultimo, que
revogou.o Decr. n . .496 de 27 de Dezembro, de 1898:
Da autorisação, que este· Decreto conferira ao .
a,ntecesrwr .do actual Prefeito para a reforma das
repartições municipaes, já se tinha usado, achan-
do-se, por isso, extincta.
Entende o Conselho . que autorisações . desta
ordem importam delegação de poderes, a qual o
Pnder Legislativo Municipal não póde conferir, em
face da , lei org·anica da Municipalidade.
Com tal. revogação não esteve de .accordó o
Prefeito, . que pretendia e pretende sup.primir al-
gumas das actuaes repartições, no seu conceito,
inuteis ou g-ravosas aó Orçàmento.
Fazendo, neste sentido, considerações . para_
motivar o veto, indicou como uma das repartições
a snpprirnir o Instituto Profissional do sexo fe:-
minino. No desejo vehemente de condemnar este
Instituto como um onus aos cofres Municipaes,
allegon S. Ex. como razões justificativas da ex-
tincção, factos, que careciam de verdade. _
Provou-se a inexactidã:o •desses factos, e então
declarou o Prefeito que não . teve tempo' de ve.ri-
fi~ar as informações prestadas; a respeito delles,
pelos seus subordinados!•!
E' originalíssima essa affirmati va . .
·Em. ' tenipo · aJgum de nos::;a admiriistráção se.
registrn.u .p.rocfüiimentn · .d-e :tão ·odio:so caracter. · l
E, quando . se ' considera· ·que os factos; inseri.:.:
dos nas · razões do veto, .são ·affirmad.os · p:o r ·emi:.
nente autoridade, qual o Chefe do Poder Executivo
Municipal; quando se refl.ecte qué essas razões
são endereça-das . aõ Senado, e ·d evendo ·este ·nellas
acreditar, p'óde pronunciar um voto approbatorío,
qtte· ferirá · os · direitos · de terceiro - victim.a da
inexactidão.-cliega-se a acreditar qLrn as altas .. no-
ções, não só da justiça e da honestidade, como as
elo decoro e ·probidade soffrem nm eclipse, q_ue •
ameaça tornar~se total.
E' . tempo ·de • chamai· pai'a estas phenomenaes.
obliterações do senso moral e 'político da autori-
dade a intervenção benefica do Presidente da
Republica. O Chefe do Estado não póde appro-
var os abusos de quem parece querer eliminar a
verdade das .tradições · bureau craticas do Brazil;
de que~, sob pretextó de fiscal dos cofres muni-.
•. cipaes, e em rio me da liberdade, se toi·na réo de
taes inexactidões e arbitrariedades.
, Lembr·e-se ,o Sr. Presidente da Republica qne , .
si as arbitrariedades e os erros · apontados, e
outros de igual jaez, não· forem i·eprimidos, lan-
ça1·ão :seu ·sombrio refle:im sobre a suprema admi~.
nist-ração . ·
· Ao esclarecido espírito ·do Chefe dá Nação.•
repug·ila; de cértQ, a ·solidariedade implicita com os ·
- 174 -

actos alludiclos, os quaes, posto que singulares e


esporad-icos, levam a recear que os estr&.ng-eiros
suspeitem existir no governo de nossa terra ten-
dencia para mandarinato.

Imos paulatinamente perdendo as grandes con-


quistas da liberdade, alcançadas no velho regimen.
Lei draconiana para re- Acaba de passar no Senado o projecto n. 122
iPl'essão de crimes. de 1898, que regula a repressão de certos crimes
e contravenções. .Já Ruy Barbosa e Oandido de
Oliveira na Imprensa e no C01nbate provaram, á
evidencia, com o vigor de poderosa dialectica, appli-
cada aos principios de Direito, que essa clamo-
rosa reforma nos faria retroceder para um passado
remoto.
Tiveram éco na consciencia publica os pro-
testos desses dois antistites do Direito Patrio e os
de alguns membros do parlamento, que impugna-
ram a perigosa innovação. Passou, porém, o pro-
jecto liberticida, - desmentido formal ao espírito de-
mocratico, alardeado pelos próceres da Republica.
Sob o fundamento de defender-se a sociedade da
gatunag·em, que sobre ella se espraia como on,da
invasora., essa Lei ag:gravou draconicamente as
penalidades nos crimes contra a propriedade, re-
vestindo as autoridades policiaes de poder dis-
cricionario para attentarem impunemente contra
as regalias do cidadão. Não pode servir de
- 175 -

justificação, nem siquer de excusa a esse atten-


tado contra a liberdade individual, a allegação de
serem excepcionaes os casos, que alcança a nova
sancção legal.
E' deploravel que neste fim de seculo , quando
o Direito Penal vae attingindo, em todo o mundo
civilisado, o apogêo da perfeição, se aliste o Brazil
na retaguarda dos povos da livre America pelo
facto da promulgação de ' uma Lei, que é anti-
these das theorias ultra-liberaes, consagradas na
Constituição da Republica .
« Ha, diz A.dolphe Goste, · republicas arbitra-
rias, que em relação ás liberdades effectivas, estão
muito abaixo de certas monarchias liberaes. »
Estas palavras, escriptas em Fevereiro do
anno corrente, quadram perfeitamente ao Brazil,
que enveredou pelo tortuosa senda do arbítrio,
ferindo no coração a liberd~de , á cnja sombra
prosperava o Imperio sul-americano.

E' só por méro espírito de antagonismo , ar- Dcstrutçrw de tudo, que


remedo do que dominou em França, depois de lemb re o r egimeu deca-
11ido .
proclamada alli a Republica, que se póde explicar a
repugnancia e antipathia encarniçada, que os ho-
mens do novo regímen mostram ás cousas e pessoas
do regímen decahido . Nem tão pronunciada foi
a aversão, que na quadra do Terror os jacobinos
exprimiam em textos de lei, proscrevendo tudo,
- 176 -

q,ue lembráss·e ·a · con<lemnada, superstição · ela rea- .


lez;a. -Pretendem a:nn:iq:ú.ilar as · tradições, trnnéar
a. Histbríá, quebràt o élo; que -prende o presente
ao passado. . ,; · '·
Houve quem lembrasse a eliminação da estatua
de Pedro I, como si a · este não coubesse a gloria;
d.e sér o · foridádor da nossa Independenci a; como
si fosse · possivél riscar dos patrios :annaes o glo-
rioso facto, : que tornoil: ·o Brazil Nação ·autonorna,
e o nome de seu autbr. · ·
. A França Republicana conserva , os ·monurnen- 1

tos, erigidos pela · realeza. Campeia n'uma praça a


estatua de Henrique IV. Restabeleceu-se a columna·
de V €ndôme, · encimada pela :fig·ura de Napoleão,•
que a Communa lançara· por terra ein ·seu delírio
exterminador. Conservam seus títulos nobiliarios
os d'iplomatas, que nos tem enviado o Governo
Francez.
A Constituição Republicana Btazileira, porém,,
não contente com extinguir os títulos e as con-
decorações, prohibiu o uso das distincções confe-
ridas ; pela Monarchia para recompensar serviços.
E não mandou · re·stituir as . fmportancias, que ao
Thesoutó foram pagas por essas honras. O furor
contra todas ás recordações do extincto systema
de Governo chegou a pon:to de mandarem arran-
car do gradil, que fecha o .jardim do Campo da
Acclámação, ·as pequenas chapas, representando
as- insígnias · da realeza; e · substitrtil-as por outras.,
- ]77

Attenta-se, deste modo, contra a verdade his-


torica. Privando-se aquelle jardim dos sig·naes
symbolicos, que attestam a época de sua criação,
e fazendo crêr que data de periodo posterior a
1889, incorre--se num anachronismo e perpetra-se
a grave injustiça de desligar-se daquelle melho-
ramento a memoria ,do ImpE:rl'.l.dor.
lVIais flagTante é a ingratidão para com a Au- ·
gusta Princeza, que firmou a aurea lei da aboli-
ção do captiveiro em nossa terra. Retiraram seu
nome da - Praça-Isabel a Redemptora. Não con-
seguirão, porém, apagaJ-o do livro da immor-
.t alidade, onde fulgura, na apotheose da gloria,
entre os dos grandes bemfeitores da humani-
dade, que symbolisam acrysoladas virtudes e idéas ·
sublimes.
A justiça da posteridade, resgatando esta culpa
dos contemporaneos, sensibilisará no marmore
e no bronze a recordação da inclyta senhora,
qile preferiu perder o dfadema, em perspectiva, a
-cingil-o um <lia, marcado com o ferrete da es-
cravidão.
As gerações futuras, que não receberam di-
rectamente a outorga desse beneficio, - trimnpho
esplendido da liberdade, e que é, na realidade o
complemento da emancipação do povo brazileiro, -
colherão seus · fructos e, cobrindo de bençãos a
heroína da redempção, julgarão severamente o van-
dalismo do presente.
12 3° YOLmrn
178
Abandono do casco do Para prova de quanto se menosprezam hoje
vapor Amct aon as.
as relíquias do passado,. que fallam de nossa gran-
deza e testificam nossas glorias, basta lembrar o
· abandono do Amazonas, navio de madeira sob as
ordens do Almirante Barroso, que na memoravel
batalha de Riacbuelo metteu a pique tres vapo-
res inimigos, produzindo nelles com a proa os
mesmos estragos de um aríete. Esse vaso de
guerra, cujo nome foi tambem o do titulo nobi-
liario do heróe, que o commandava naquelle inolvi-
davel combate fluvial, deveria, quando estragado,
passar pelos precisos reparos, para ser conservado
como viva recordação da gloriosa batalha, que
anniquilou a esquadra paraguaya. E quando, de
todo, se tornasse imprestavel, cumpriria guardar-
se-lhe o casco em qualquer canto do arsenal de
marinha, e sempre com o maior desvelo a li-
vrai-o de avarias, até que a acção corrosiva do
t-empo o consumisse. Que edificante e grato seria
contemplar-se o theatro, em que figurara o deno-
dado almirante no dia da victoria ! Que esti-
mulo não despertaria nos corações dos nossos
intrepidos officiaes de marinha essa homenagem,
prestada ao immortal emulo de Nelson e Farragut,
que brilha na pleiade gloriosa da armada nacional
como estrella de primeira grandeza !
Em vez, porém, dessa honrosa aposentado-
ria, teve o pobre Amazoncis o mais lamentavel
destino.
- 179 -

Enca.lhado, em nossa bahia, onde já um dia, á


volta do Paragnay, entrára orgulhosamente em-
bandeirado, ensombrando com o victorioso pavi-
lhão a face do oceano, offerece elle agora á furia
-<ias vagas, que outr 1 ora ante elle se aplainavam,
.suas entranhas de ferro, que, de dia para dia,
vão sendo dilaceradas e destruídas . Fervem os
·é stos naquelle cavername. Redomoinha o marn-
l ho nos vãos das multipla::; e complicadas peças
daquelle machinismo, que, dirigido por habeis e
-experimentadas mãos, effectuava as evoluções; con-
ducentes a victoria. Recuando em cachões espu-
mosos, o vagalhão, que se desfaz, vencido, nos
flancos · daquella rija estructnra, solta lugubre
mugido, que é como o derradeiro arranco do mi-
s erando navio .
. Que differença des~e desprezo ao acolhimento, Con trap osição el o proce-
dado pela Inglaterra ao casco da Victory de Nelson, di mento ela Inglatena ao
do Brn,zil.
em cujo tombadilho cahiu ferido e morreu o famoso
.almirante britannico, na batalha de Trafalgar !
Em Dezembro de 1803, dois mezes depois d'esse
,combate naval, o maior, que no mundo se ha ferido,
foi a Vi ctory recolhida ao porto de Spithead, e
d'ahi enviada a Portsmoutb, para s·e r concertada.
De 1808 a 1812, reconstruida e reapparelhada,
foi utilisada em varias commissões.
Em 1844, achando-se muito velha, projectaram
em Portsmouth desmanchal-a. A imprensa, porém,
tal opposição fez a essa idéa , por ella acoimada
- 180 -

de- sacrilegio naval-que o almirantado britan--


nico mandou apparelhal-a para ficar nas docas-
d'aquella cidade, « emquanto dnrasse o lenho de
seu casco, na conformidade dos desejos de todos.
os corações inglezes. »
Em 1844 S. M. a Rainha Victoria, acompanhada.
do príncipe Alberto e da real comitiva, foi expres--
samente a Portsmonth para vjsitar a memoraveL
nau, no dia anniversario da · victoria de Trafalgar.
Recebida a bordo, percorreu todo o navio,.
demorando-se detidamente no tombadilho, onde,.
sobre uma chapa metallica, circumdada de riquis-
sima corôa de louros, leu em voz alta a commovente·
inscripção, alli affectuosamente gravada : Here·
Nelson Fell. (Aqüi cahiu Nelson).
D'aquella corôa colheu Sua Magestade duas.
folhas de louro, que cuidadosamente enthesouron
em sua carteira, dizendo que as guardava em signal:
de preciosa lembrança do Heróe.
Em seguida, mostrou desejos de vêr a roda do-
leme do navio, afim de apreciar a legenda, que no-
contorno se mandára resaltar em caracteres de ouro .
Transportada ao lug·ar, ahi, em alta voz e com
emphase, leu a inscripção commemorativa dou ltimo-
signal de combate do grande almirante, palavras
que ficaram consignadas na Inglaterra, como em
legenda de guerra : Englar1;d expects every man will'
do his duty. (A Inglaterra espera que cada um
cumpra seu dever).
- 181 -
Descendo, finalmente, á camara, examinou a
Qlrna funeraria, que fôra pintada no local, em que
Nelson exhalou o ultimo suspiro, e onde, por sobre
.a bandeira de almirante e circuladas de outra
·,riquíssima corôa de louros, se leêm estas palavras:
Here Nelson Died. (Aqui morreu Nelson).
Nessa occasião, em meio do mais profundo si-
-.Jencio e depois de alguns minutos, occupados em
triste scismar, não ponde Sua Magestade conter
,as lagrimas, que, irrompendo-lhe dos · olhos, lhe
-orvalharam a augusta face.
Por muitos annos, até então, e d'ahi em diante,
-o commando da Victory, em Portsmouth, só era,
-como honroso galardão, conferido a officiaes da
.armada britannica, que haviam combatido em Tra-
falgar, sob o commando de Nelson. Actualmente,
.ainda ella presta duplo serviço á marinha inglezaJ
-quer na qualidade de navio-escola de artilheria, no
mesmo porto, quer como poderoso incentivo patrio-
tico e reliquia ad ceternam, memoriwn.
A nau Vi ctory foi peregrinamente decantada
-em 1843 pela graciosa poetisa ingleza Miss Sewell
no bello poemeto-rrrafalgar,-do qual os marinhei-
TOS de navios de guerra ou mercantes não cessam
de repetir em suas cantigas os seguintes versos
,de sublime apostrophe :

O' thou proud Vessel ! whose tremenclous claim


S' welJ prov'cl to Victory's splendid name !
182 -

Que bello exemplo, dado a<:) mundo


,. pela sobe-
rnna da poderosa Nação! Exalta-se o Chefe de
Estado, que assim tão nobremente honra e sagra
os eminentes vultos nacionaes. Rendendo tal preito·
de homenagem ás relíquias commemorativas da
gloria de seus grandes homens, gloria que é
tambem nacional, justifica a rainha Victoria o
amor, que, da abundancia d'alma, lhe vota e tes-
temunha o. povo britannico, e é traduzido em eR-
pontaneas e calorosas acclamações.
O God save the queen encontra nos corações bri-
tannicos écos tão sympathicos, quanto o-Rnle, Bri-
tania - de seu hymno patriotico, quando lhes
accendia os brios nas electricas vibrações da voz.
da Catalani.
Descreve-nos JVIontaigne alguns solda<los roma-
nos, que successiYamente iam contemplar Belisario,
reproduzido na téla, em estado de cegueira, inva-
'lidez e miseria. Nas feições de cada um dos que
tinham visto o quadro desenhava-se tristeza e
desanimo. E' que se lembravam dos louros, que em-
ramavam a fronte do seu general, ao voltar trium-
·phante das campanhas contra os Persas, Vandalos
e Ostrogodos. Ainda lhes soava aos ouvidos o Io
triumphe J no momento, em que o rival de Narsês.
atravessava no plaustro as ruas , apinhadas de povo~
jubiloso até ao delírio pelas victorias do heróe .
Não tivera Justiniano a for ça d'alma neces-
saria para resistir ás snggestões da inveja e
- 183 -

d esprencler de si as malhas da rede de intrigas e


calumnias, armadas contra o trinmphador. Deixou
no abandono o illustre cabo da guerra, que lhe
sustentára e consolidára o throno .
.si a tão laureado general coubera aquella sorte,
(pensavam aquelles homens) qual deviam esperar
os obscuros soldados, que sob sua ,bandeira haviam
militado? Não valia a pena o sacri:ficio, pois ~ rele-
vantes serviços davam castigos, em vez de recom-
pensas.
Impressão semelhante á desses militares ante
seu chefe, tão injustamente tratado, deve pungir
a alma dos bravos marinheiros nacionaes, ao verem
desconjunctado pelas vagas o navio, em que um
dos mais gloriosos almirantes da campanha para-
guaya, dirigindo as manobras com genial pericia
e imperterrito valor, alcançou uma das mais assom-
brosas victorias navaes dos tempos modernos.
N' alma dos nossos esforçados of:ficiaes de ma-
rinha, muitos dos quaes são verdadeiras glorias
nacionaes, não pó de arrefecer o amor da patria por-
cansa da indiferença, com que são tratadas as relí-
quias, ligadas ao nome e aos feitos gloriosos de seus
heróes. A Patria não é culpada da ingratidão dos
governos. Hão de, por certo, continuar na faina de
bem servir, redobrando de energia e de heroísmo.
Não podem, po1·ém, abster-se de lastimar que
se deixe perecer, como co1rna inutil e sem valor, o
casco do navio . de guerra, em que um ele seus
184 -

mais illustres companheiros praticou proezas extra-


ordinarias e que está ligado, como sombra ao corpo,
ao nome e· ao heroismo desse •valente almirante.
Salvaram, é verdade, e recolheram ao Museu
Naval a figura de prôa e a roda do leme do celebre
navio. O mastro, em que outr'ora tremularam os
llistoricos signa~s do inclyto Chefe, foi, por ordem
do Sr. almirante Alves Barbosa, hasteado no tro-
pheu da Escola Naval, sita na ilha das Enxadas.
Deixou a habitual incuria perder-se a insígnia
do Cruzeiro, com que fôra condecorado aquelle nobre
vaso de guerra. Em vez della, orna hoje a roda
do leme a commenda da mesma ordem, que fôra
concedida ao destemido vice-almirante J aceguay,
em premio de seu rasgo de valor na. passagem de
Humaytá.
Oxalá, possam ainda arrancar-se da voragem,
em que o mar os vai pouco a pouco absorvendo, os
restos do casco e do machínismo do Amazonas ;
e que o governo queira, si for possível, recompol-o
e guardal-o como deposito sagrado e honroso tes-
temunho do apreço a um dos immortaes servidores
da Patria.
Nobre exe mplo elos Es- O Congresso dos Estados Unidos da America
tados-Unidos da Amer icrt
elo Nol'le rocon s tnünrlo ,L
do Norte ordenou a reconstrucção da corveta Hctrt-
Capila nea de Farragut. fórcl, a famosa capitanea do almirante Farragnt.
Nessa reconstrncç.ão, que importou em 350,000
dollars, só se ponde aproveitar a decima parte
do primitivo material. Conservaram-se, porém, as
185 -

fórmas exteriores do navio e as divisões interiores


da camara daquelle almirante com todos os moveis,
de que usava.
A Hartforcl, assim reconstruida, é destinada a ·
servir de escola de recrutas.
Peça o nosso Governo ao Congresso, si deste
não partir a iniciativa, os recursos para essa pie-
dosa reparação do Amazonas . Aproveitem-se com
:recolhimento, os fragmentos, que ainda por ventura,
houver de seu lenho. E bem merecerão da Patria
prestando esse culto a um filho, que de tanta g-loria
a encheu.
Por onde andará o Alagôas , em que o legen-
dado almirante lVIaurity forçou a passagem de
Humaytá? Quem sabe si não acabará como o
Amazoncts? . ..

Na insaciavel sede de desarraigar as institui- Cl'irn c de lc,m-c i vili sação.


ções fundamentaes da Monarchia, commetten a
Republica, log·o que foi proclamada, um crime de
- lesa-civilisação cujas desastrosas consequencias
sobre o futuro do Brazil são incalculaveis: - aboliu
a religião do Estado. Ao labaro do Cbristoi ao
sacro-santo balsão, sob cuja sombra nascêra e
medrara a rrerra, que da Cruz tomara o nome,
succeden o guião de uma lleteroclita propaganda,
que, nem siquer, poude constituir seita em qual-
quer paiz do mundo. No cimo da haste, onde se
desfralda hoje a nova insígnia da nacionalidade
- 186

brazileira, está escripta ( abstrusa originalidade ! )


a legenda do positivü:imo.
A. Republica, dominada pelo frenesi iconoclasta
de renegar, em tudo, a solidariedade com o passado,
professa o atheismo. E' um Estado sem Deus.
Proscreveu-se das escolas a instrucção religiosa.
Só o clero, si o quizer, ou os chefes de familia
poderão ensinar o catechismo e as praticas do
culto catholico. Na geração nova vã.o, pouco a
pouco, entibiando, até que se extinguam, a fé e o
amor - elementos primordiaes da formação da fa-
milia e da ordem social. Inocularam na mocidade
o virus da impiedade. Imbuídos nas doutrinas, qne
pregou A.ugusto Comte, já ennevoado pela neuras-
thenia o pujante cerebro, que produzira os immor-
taes livros sobre mathematicas, esquecem muitos
filhos d'essa geração o caminho, por onffe, ao lado de
seus progenitores ou directores espirituaes: seguiam
para a igreja, afim de assistirem á celebração do
sacri:ficio incruento. Riem-se dos simples, que se
descobrem ante a efflgie do Crucificado; riem-se
das mãis piedosas, que conservam a vela ou a
lamparina accesa ante a imagem da Virgem Imma-
culada, on do santo de sua devoção, e até do sa-
cerdote, que leva a hostia consagrada e os santos
oleos ao agonisante. Em vez de professarem res-
peito ás cousas santas, veneradas pelos pais, escan-
dalisam com o sarcasmo ás tradicionaes ceremo-
nias, que taxam de pueris e ridículas superstições .
- 187 -

Dahi a violação dos mais sagrados deveres, pres-


criptos pela moral sublime do Christianismo. D'ahi
a dissolução da familia e a perturbação da socie-
dade, de que as familias são as cellulas.
Disse e repito que, abolindo a religião do Es-
tado, commetteu a Republica um crime de lesa-
ci vilisação.
« Todas as civilisações ( diz Henry Mazel, cujas
opiniões transcreveremos muitas vezes textual-
mente) têm sido religiosas, e não foram civilisa-
ções sinão porque foram religiosas ... As grandes
formas religiosas são os princípios cardeaes ne-
cessaríos, sem os qnaes se dissolveriam, de repente ,
as sociedades civilisadas,- compostos instaveis ».
A civilisação é baseada na crença e é á do Ao Chr is ti an ismo eleve-se
Christianismo que deve o mundo actual os seus a civilisaçfto do mundo.
progressos.
O Christianismo é o eixo da civilisação. Elle
trouxe ao mundo um principio novo, o amor activo,
«que das feridas abertas no flanco do Homem-Deus
. jorrou sobre . a humanidade a pura fonte de um
baptismo regenerador».
O geuio hellenico sentira o desejo do verda-
deiro e a concepção do justo, chegando á glo-
riosa · realisação do bello. Faltou-lhe, porém, esse
novo elemento fecundante e, por isso, estiolou-se.
Roma, que fazia consistir no orgulho guerreiro a
alma da sua existencia nacional, f~ch.ad,Q~ ·ott c-yplo
de suas conquistas, marchava par ·,.,a. •à.ecadencia,
- 188

e só começou a erguer-se quando a doutrina de


amo r do Divino Mestre exerceu sobre ella sua
in'fiuencia.
Marco Aurelio, o mais notavel e estrenuo sec-
tario da escola de Zeno, reproduziu no seu -
Eis heaidon a noção da justiça e do dever, - noção
arida, rigida e austera. - Era o estoicismo ; era
a moral abstracta, erma de sensibilidade affectiva,
despida da su.a ve effusão, q ne nos arrasta ao cum-
primento do preceito com abundancias d'alma e
impulsos espontaneos do coração.
<< Perante a caridade ( diz ainda o mesmo es-
criptor) peccar não é sómente fazer injuria ao
soberano justo; é offender o infinito divino e o
amor absoluto. Aberta está a fonte das doces la-
grimas, desconhecidas a Epicteto e a Marco Au- •
relio e que, desde o apparecimento do apostolo
Pedro, manaram dos olhos dos -,antos e das santas.
Abriu-se tamb8m o futuro ás consequencias infi-
nitas de cada merito e demerito, eternidade de
delicias ou de angustias. São, deste _modo, relega-
das a Deus as a;lmas nobrés, e muito mais for-
temente, que outr'ora; pela idéa pura do justo e
pelo amor, e as almas menos nobres pela pro-
mes:Sa do jubilo eterno e pelo terror dos tormentos
sem fim . .Ahi está a originalidade do _Christianísmo
e a origem da nossa ci vilisação ...
De então em diante, o homem, face a face com o
Homem-Deus,-hostia adoravel e juiz temeroso, -
- 189 -

sentiu que se lhe apurava e exasperava a con-


sciencia individual ; a responsabilidade infinita
perante Deus devia . eng·endrar a indomabilidade
absoluta ante os outros homens. Nascia assim da
propria consciencia o sentimento da honra e, esses
sentimentos, ennobrecidos e fecundados pelo amor
vão ser a base, sobre a qual, ainda hoje, rep@u sa a
civilisação . ..
As aggremiações sociaes1 que hão desapparecido,
extiguiram-se por falta de amor; as que, actual-
mente, existem medem seu progresso pela inten-
sidade de amor, que nellas domina. »
O orgulho é a antithese do amor e foi esse
reprovado sentimento a causa da decadencia do
mundo antigo.
A lei da igualdade evangelica fraternisára os
homens. O escravo encarava, de frente e sem tre-
mer, o senhor. A consciencia moral da responsa-
bilidade e de. vida d'além tumulo, em que cada
um deveria ter a · recompensa do merito ou o
· castigo do demerito, creára a energia moral e
impuzera freio aos transbordamentos das cruel-
dades dos despotas, que tremiam ante o Juiz
inexoravel.
A autoridade dos Cesares cedia á dos Papas e
Bispos.
A.ttila embainha a cimitarra ante Leão I, cin-
g ido de suas vestes pontiticaes e manda suspen-
der o saque.
190 -

Sustentados pela fé, nutricl.os pelo divino amor,


centenas de milhares de martyres affrontavam e
venciam a morte nas garras das feras e nos mais
cruciantes supplicios. Era pelo amor e ·pela crença
que morriam esses confessores da mais santa das
religiões. « Nada mais fidedigno, que o testemunho
dos que se deixam degolar (disse um padre da
Igreja). »
A autoridade dos Bispos e dos virtuosos varões,
que illuminaram em· França o tenebroso período
. merovingiano, salvou a civilisação, prestes a sub-
verter-se no cháos, oppondo • barreira á invasão
dos barbaros.
Remigio, a cujos pés curvou a fronte o orgu-
lhoso Sicamhro, para « adorar o que queimára e
queimar o que adorára », creou a França; Boni-
facio creou a Allemanha; Agostinho a Gran-Bre-
tanha; Patrício converteu a Irlanda em Ilha dos
Santos; Isidoro de Sevilha reduziu a Hespanha á
fé commum.
« Dos dois contemporaneos (pergunta Mazel),
qual o maior-Pepino o Breve, ou Bonifacio, Jus-
tiniano ou Gregorio? Apesar dos Narsês e Beli-
sarios, a obra do Imperador cabe em ruínas e a
do Papa, - a triplice conversão dos Gallos, Lom-
bardos e Inglezes, -ainda dura.»
Quatro quintos do globo pertencem ao Christia-
nismo. Vão, progressivamente, aug·mentando na
ig-reja as crenças espontaneas e conscientes e os
- 191 -

individualistas religiosos. Tudo induz que d' ah i


brotará o novo Renascimento, semelhante ao da
Idade Media, e mais fecundo parn a civilisação
em seus resultados.
E'. de esperar que, em futuro não renioto, se
effectue a reunião de todas as Igrejas Christans
e que « a concepção da cidade de Deus, a qual,
(ua phrase de um grande escriptor contemporaneo)
nunca deixou de ser considerada como a verda-
deira chave da Historia » se converta n'uma es-
plendida realidade ...
O Parlamento das religiões em Chicago é, tal-
vez, o primeiro passo para este admiravel duello
das almas, que, um dia, se levantará no universo,
e que o sagaz Tocq ueville parecia já ter adivinhado
quando dis~e: - « Estou inclinado a crêr que
nossos netos tenderão, de mais a mais, a não se
dividir senão em duas partes: - uma, sahindo
do Christianismo e outra entrando no seio da Igreja
Romana e (acrescenta o escriptor, que o cita) de
_ uma Igreja Romana vivificada, ampliada e ver-
dadeiramente catholica. »
O Catholicismo corresponde a sen nome- é uni-
versal. E' a religião dos genios, corno Shakspeare e
Bnrns. J ones e a das classes humildes;. elle penetra
e domina, tanto nas almas ternas e fracas, como nos
pujantes cerebros.
Professaram-n'o os Romanos, os Germanos, e
os Slavos; os povos heroicos e os povos fracos.
- 192

Para as almas simples, timoratas e infantis do


povo são de poderoso e:ffeito moral a esperança da.
recompensa e o receio de castigo na vida d'além
tumulo, bem como as exterioridades· do culto.
São-lhes preciosas as . imagens, os rosarioi>, as
relíquias, os canticos sacros, as procissões.
Que impressão mais efficaz para o recolhimento,
do que a do espectaculo da lampada, a arder soli-
taria e quasi inapercebida, na silenciosa capellat
onde está g·uardada a consagrada partícula? Quem
não sente a fé penetrar-lhe os seios d'alma e
levar-lhe aos olhos o orvalho do coração, ao ouvir
os écos das sagradas litanias, ou das lamentações
da Pa.ixão resoando no ambiente do templo, onde
se ennovellam as espiraes do incenso, cortadas pela
luz tremula dos cirios? Quem não experimenta
· salutar contrição ao ouvir o badalar da campa,
q_ue annuncia a passagem do Sacramento? Quem,
a não jazer na paz do peccado, deixará de curvar·
a fronte e murmurar o pmnitet ante o moribundo,
que rec.ebe a ultima absolvição e o viatico para
a jornada, de que não se volta?
Lui z xr e o sagr ado Em um dia de Fevereiro de 1766 atravessava
v ia tico.
Luiz XV a Ponte Nova. Antolha-se-llle um padre 1
que trazia o viatico. Desce -da sege o . Rei e·
ajoelha. « Viva o Rei! » brad'ou em delírio a popu-
' agglomerava. Nesse momento ganhou
lação, que se
mais o monarcha no espirita e no coração do povo,
do que em todo o tempo anterior de seu reinado ..
- 193 -

Coube-lhe, então, com justiça o appellido de -Bem .


amado - que lhe haviam dado, outr'ora.
Na classe média -e na inferior ferve, ainda hoje,
acrysolada a fé, que na linguagem popular cha-
illam- de carvoeiro. Entre as pessoas da classe su-
perior ainda se conservam, aqui e alli, algumas
scentelhas da crença de nossos avoengos, que é o
legado mais precioso, por elles transmittido. Por
mais encendrada e sincera, porém, que seja es!"a
crença, achando -se banido das escolas o ensino
religioso e separado da Igreja o Estado, que ne-
nhuma religião professa, vai a mocidade envere-
dando _pelos caminhos da impiedade, e, segregada
de Deus, será um elemento dissolvente da socie-
dade, quando, mais tarde, houver de representar
papel nos publicos negocios.
A impiedade, pois, lavra hoje, como o con- Vai tairc, \Yalpolc e
tagio da peste, no org·anismo social. Os exemplos Rou sseau..
perniciosos a cabarão, afinal, por apagar a fé nos
chefes e adherentes das familias.
O grande --walpole; para não ouvir as conti-
nuas invectivas dos philosophos da Encyclopedia
contra o Christo, refugiava-se na Chartreiise . Con-
tinuava, porém, a repercutir por todos os angulos da
França o brado: Esmagai o infame,- brado, soltado
pelo diffamador, ou antes, calumniador de Joanna
d' Are. O infctme era o Homem-Deus, cuja moral
sublime e santa regenerara o mundo , e que compro-
vara sua doutrina com os actos de sua vida illibada.
13 3° VOLUi\lE
- 194 -

Ao In.,fame havia Voltaire -dedicado em Femey,


perto do castello de sua residencia , um templo
catholico com esta inscripção :

Deo erexit Voltaire.

Corroborando o dito de uma escriptora, que em


espirituoso trocadilho affi.rma ter sido melhor que
Rousseau morresse sem Confissão, parece-me, toda-
via, que em um dos livros do philosopho de Gene-
bra ha um trecho, que resgata todos os seus erros.
E' aquelle, em que escandalisado, talvez, com a
blasphemia de seu emulo, affirma que - si a vida
e a morte de Socrates são de um sabio, a vida
e a morte do Christo são de nm Deus.
"'\Valpole, vendo a calligem da impiedade cer-
rar-se no horisonte da França _e sentindo que a
escuridão se ia progressivamente condensando nos
espírito:3, em que mais vivo scintillara o raio da
fé, manifesta no seguinte topico de uma de suas
cartas a impressão, que lhé causara o aspecto ela
sociedade de então.
« Já não sinto, ao vü1itar as igrejas e os con-
ventos nem metade do prazer de outr'ora. A con-
sciencia de que está dissipada a visão; a falta de
fervor, tão necessario em tudo quanto é religioso,
imprimem a estes sítios a physionomia de theatros
condemnados á destruição. Andam os frades a
calcurriar de um para outro lado, como si não
- 195 -

devessem alli permanecer. E o que me parecia meia


luz sagrada não passa de carregad1:1, treva. >>
Ha nestas palavras como que uma revelação do
quanto as doutrinas subversivas tinham fovadido
-os sacros asylos, de quanto o sopro esterilisador do
scepticismo e da neg·ação do Homem -Deus disse-
-cara as almas dos ministros do altar.
Aterrorisados das consequencias de suas dou- Os plülosopll os da Ency-
,t rinas sobre o povo, os proprios encyclopedistas clopedia .

recuavam ante sua applicação. Diderot, no proje-


-cto ele instrucção publicct para a Russia confessa
« que o atheismo, feito para um pequeno numero de
espíritos, não convém a uma sociedade. »
Orgulho estolido ! A consciencia, transparecendo.
lucida e imperiosa, naquellas palavras, condemnava
a theoria corrnptora, · que elle e seus collegas .fin-
giam abraçar e sustentar, só para manterem a
supremacia de propagandistas innovadores e ades-
trados nas subtilezas da dialectica e nos brilhantes
sophismas, com que embaiam e deslumbravam in-
. telligencias ermas de estudos serios.
Exímios architectos de ruínas foram esses I 1111 n e n e i a !la religião
pseudo-philosophos) que, durante a Revolução Fran- sobr e o csp iril o llo povo.

-ceza, despertaram os instinctos ferozes da mul-


tidão, arrojando-a em massa á Bastilha e ás Tu-
lherias, ás barricadas 1 ao incendio e ao saque, e
fazendo brotar desses bandos de feras, ebrios de
sangue e devastação, as monstruosas figuras da
demagogia.
- 196

Em seus pobres casebres vive o povo) resignado ,


soffrendo privações, a braços com as enfermidades.
Entrai na alcova humida, estreita e sombria, onde
sobre um catre, á que está sobreposta rôta e im-
munda enxerga, agonisa, entre andrajos, uma cri-
ança, que a miseria reduziu á anemia e á inanição.
Carece o aposento dos trastes e utensilios indispen-
saveis ; não lhe falta, no emtanto, o registro ou
a imagem da Virgem Immacu1ada, ante a qual
treme sumida luz de lamparina. A mãi, em transes
de agonia,, mais pungentes, que os do filhinho, já
quasi asphixiado pelo cirro da morte, ergue os
olhos, rasos de lagrimas, para a Consoladora dos
afflictos, a supplicar-lhe, em fervida prece, não a
vida do moribundo, que já tem vidrados os olhos e
sim a g·loria, um lugar no coro celeste, ao lado dos
anjinhos, que o vão transportar nas azas anri-
brancas á presença d' Aquelle, que, em seu peri-
grinar no mundo, dizia: « Deixai que venham a
mim as criancinhas. »
Ensina-lhe a fé que este mundo é de transi ção
e que, depois de nosso breve transito por elle, irão
encontrar-se na patria celeste aquelles, que se
amaram durante o ex ili o.
Esta fé, que vem elo Evangelho, funda-se na
esperança de uma bemaventurança sem limites . .
E' por isso que, sem murmurio, supportam na terra
os inditosos o peso da oppressão; é por isso que elles
beij am a mão, que os punge com o aguilhão da dor.


- 197 -

Porque não se queix:am essas victimas da miseria


humana? « E' porque, na phrase de um eloquente
escriptor, em falta de pão do corpo, lhes sobra o
pão da alma, - a esperança. Sim, a esperança do
•c éu, a esperança de um mundo ideal, que paira
acima do mundo real, como um pavilhão de oiro
acima de lamacento paúl ; a esperança da verda-
deira. patria, dessa patria, onde já não ha fadigas ,
nem lagrimas, nem dôres ; a esperança, seu susten-
taculo , sua consolação, seu futuro-a esperança,
bem supremo, de que os philosophos tentam, a todo
•O transe, prival-os . O que lhes resta e o que não
possuem os philosophos, é a santa poesia da igreja,
os cantos de tristeza e os hymnos de jubilo, o cyclo
das festas, que variam e aformoseam o anno. O que
elles têm é o campanario da terra natal ; o cemi-
terio, onde dormem os pais e aonde vão rezar; é o
crucifixo, a imagem do Homem-Deus, cujas mãos,
cujos pés e lados cobrem, entre lagrimas, de ar-
dentes beijos. Possuem o que vós não tendes, -
' homens do mundo e livres pensadores- o verda-
deiro bem, o thesouro inestimavel, que subsiste
inteiro, ainda quando sôa o sino dos agonisantes,
o thesouro, contra o qual é impotente a propria
morte- a Fé. Em torno de cada choupana vol-
tejam os anjos do Christo, os anjos que, ao
verem os desgraçados afastar dos labios o calix
da amargura, os decidem a bebel-o até as fézes,
com calma e resignação. »
- rns
E os apostolos da descrença; zombam dos pobres 1
que tiram o chapén ao passarem em frente a uma
igreja; que despendem suas pequenas economias na
compra de azeite para a lampada da Virgem Mãi:
ou de fl.ôres para depor-lhe aos pés. E querem
arrancar a fé e a esperança, ancoras extremas, que
os salvam do naufragio no tempestuoso oceano da.
vida!
Na sua vaidade de homens da sciencia, os
campeões da Razão desprezam o que chamam feti-
chismo dos ig·norantes e superstições incompatí-
veis com as luzes do seculo !
Vão caminho errado l
Deixem ao povo os bentinhos, os rosarios, os-
cirios, a devoção . No dia, em que cessarem de
haurir no manancial da fé a esperança da vida,
immortal, onde lhe sejam compensados por uma
eternidade de gozos immateriaes os soffrimentos
da vida presente , esses infelizes1 que são o nu-
mero, tomarão estreitas contas aos que lhe arran-
carem o unico e derradeiro conforto.
O sen tim ento r eli gioso é Não se illudam ! Afastando o povo de Deus--
o I.reio da anarcllia.
fonte do dever, _da ordem e da. obediencia - abrem-
lhe a estrada vertiginosa da anarchia.
Cautela ·1 A miseria assoberba o povo e a peior
das revoluções sociaes é a da fome. Essa gente,
que pintaram assistindo bestialisada á proclamação
da Republica, e que.) af:firmam os republicanos ,
tem nas veias xarope, em vez de sangue , no dia em
- 1H9 -

que lhe faltar o pão para alimentar o corpo, lem-


brar-se-ha dos que a espoliaram do pão do espirito.
O desespero lhes converterá ·em metal fundido esse
frio líquido, qne lhes circula na economia. Não
haverá, então, barreira á explosão de sua colera e
tremenda será a represalia !
A Historia imparcial, confirmando o julgamento
dos contemporaneos, reserva sentença condemna-
toria para os que orfanaram o Estado da religião
catholica, apostolica, romana, penhor de nosso pro-
g-resso.
Que transbordamento de :flagellos vai produ-
zindo e ha de produzir a irrelig·iosidade ! Si ainda .
o Racionalismo não levou a audacia ao ponto de
resuscitar a Deusa Razão e a cortezã Théroigne
de Mirecourt, ha tendencias em certos espíritos
para divinizar a Clotilde de Vaux, - Egeria ideal
e platonica do Pontifice do Positivismo.

Emquanto, porém, não dá esses frnctos de mal-


dição a arvore da impiedade, que vai crescendo no
local, d'onde arrancaram a da cruz, lança e estende
raízes no solo brazileiro outra planta damninha,
que medrou no terreno vulcanico da Revolução
:B'ranceza.
Filho adoptivo de outra seita, de igual nome, o
jacobinismo desenvo'lven-se entre nós e irradia
como tlm polypo .
- 200 -

O jacobinismo, sua ori- Jacobinismo é a opinião dos jacobinos, isto é , a


ge m e influ e n c i.a em
França .
expressão de ardentes opiniões democraticas, que
se procura; fazer triumphar por meio da força.
O club jacobino originou-se das reuniões dos
deputados aos Estados Geraes, nas quaes previa-
mente assentavam sobre os assnmptos a discutir.
Foram os da Bretanha os promotores dessas
reuniões· no Club Bretão, mais tarde conhecido
por-Club dos amigos da Constituição. - A' ella
pertenciam, entre outras notabilidades, La Fayette,
Robespierre, JYiirabeau e Talleyrand. Congregados,
ao principio, em Versailles, passaram, depois, para
o convento de S. Jacob (de Benedictinos) na rua
Saint Honoré, donde a denominação de jacobinos.
Conspirações da côrte, dos padres e dos nobres
foram causa de apparecerem nas Províncias di-
versas associações de propaganda revolucionaria~
as quaes se :filiaram ao Club de Pariz.
Estas filiaes chegaram a cerca de mil, espa-
lhando-se por toda a França. O nucleo da rua
Saint Honoré tornou-se o Grande Oriente das as-
sociações jacobinas.
Houve um schisma, do qual resultou a fun-
dação do Club dos F euillants (Frades Bernardos),
que não ponde lutar com o dos jacobinos.
Formava este um como Conselho de vigilancia
sobre os homens politicos, cujos actos en1..m sub-
mettidos á censura, julgados e conclemnados, segundo
os princípios da seita. As denuncias, continuamente
- 201 -

recebidas de seus numerosos agentes, concorreram


para accentuar o caracter escrutador e sombrio,
que o dominava, e que a influencia, sempre cres-
cente de Robespierre azedava, além do que se
deveria esperar.
Augmentou tanto o poder desse Olnb, que no
funeral de Mirabeau, o seu presidente caminhou
de par com o presidente da Assembléa Nacional,
e qnando Dumouriez foi nomeado ministro, n'elle
compareceu para pôr na cabeça o bonet vermelllo
e declarar-se fiel jacobino.
O Bouche de f'er, orgão de .F'ouché, Bonne-
ville e outros illuminaclos, amaldíçoando a auto-
ridade moral da s:rande associação, disse: « A
autoridade dos jacobinos - só ella - é quem faz
os decretos, governa por si a cidade, compõe o
corpo eleitoral, dispõe de todas as recompensas.
A' Assembléa Nacional só é permittido promulgar
decretos, por esta sociedade votados na vespera.
E' · medonho, execravel, jesuítico, atrever-se al-
. guem a dizer, como os agentes jacobinos: - Fóra
de nossa igreja não ha salvação. Patriotas, que
vos reunis sob suas bandeiras, não vêdes a into-
lerancia de vossos senhores e a especie de adoração,
que elles exigem de seus escravos? >>
Não era facil a entrada para esse Club. Res-
pondia o candidato a um questionario e na mesma
sessão, ostensivamente, votava-se a sua admissão,
ou rejeição.
- 202

No dominio do Terror estas rejeições valiam


como certificados de incivismo, e os não acimittí-
clos eram levaclos ao cadafalso.
Por morte de Robespierre, encerron-se o grande
periodo jacobinista e grande parte de seus adeptos
morreu na guilhotina .
Fechado no dia da execução de Robespierre,
abriu-se, mais tarde, sem, toda via, dispor da
mesma força e influencia; até que, em 17 94,
a Convenção decretou a suspensão de suas
sessões. Finalmente, as Cormnissões de Sctl1)a ção
pitblica e Seguran ça geral ordenaram que cessasse,
de todo.
Tentando-se reabril-o, extinguiu-o o Directorio
em 1799.
O Tcr:ror em Fran ça . O ja,cobinismo está, de tal modo, ligado ao
rrerror, que, tratando-se daquelle, não podemos
deixar de definir o que este é, na essencia, e o
que foi em França.
O Terror não foi mais que um longo estado
de sitio, a decretação de medidas extraordinarias,
com suspensão das regalias constitucionaes, para
defesa da Patria em perigo.
O regímen do Terror em França data, verda-
deiràmente, de 5 de Setembro de 1793.
Opinião de Lal'OU SSC . « Os espíritos (diz Larousse) achavam-se su-
perexcitados por uma serie de acontecimentos
notorios; as revoltas federalistas e realistas, sem
fallar da eterna Vandéa; o assassinato de Marat;
- 203 -

Lyon em plena rebellião ; Tonlon entregue aos


ing1ezes; o paiz inundado de assignaçlos falsos ;
a coalisão de toda a Europa contra a França ;
os novos revezes na Vandéa e nas fron -
teiras; ·as crises produzidas pela agiotagem ; as
trahições, as conspirações, os pedgos - tudo
contribnia para exaltar os animos e sublevar
as coleras.
Os realistas, convencidos de que a França ia
ser esmagada pela Europa, reproduziam-se em
manifestações provocadoras, mesmo no centro
de Pariz, nos theatros e em toda a parte.
Quando seus partidarios entregaram Toulon, a
97 de Agosto, romperam em jubilo impudente.
Este acto monstruoso de trahição pôz a França
em tal excesso de exaspero, que os proprios
modera d os reclamaram medidas de extrema
energia, meios de terror. Esta palavra formi-
davel já havia sido pronunciada pelo indulgenf,e
Danton.
Cada vez mais sombria tornarl;l., -se a situação.
A extrema carestia dos generos de subsistencia,
o monopolio dos cereaes, a falta de trabalho e a
propria fome deram ensejo a tenebrosas manobras
realistas.
A 4 de Sete1nbro invadiu uma porção de ope-
rarios a praça de Gréve, bradando : Pão, Pão !
Era tal a irritação, que até a Communa se julgou
amea,çada.
- 204 -
Terri.veis m eclidas . ~o dia seguinte, a Convenção, igualmente exci-
A concenLTação.
tadissima, accedeu ao pedido dos reclamantes, de-
cretando:
<< 1. º - a criação de um exercito revolucio-
nario, destinado a reprimir os monopolistas e os
aristocratas e tambem ·a acarretar alimentos á
capital;
2. º - a pena de morte contra a agiotagem sobre
os assignados, contra os padres rebeldes, etc.
3. º - a divisão do Tribunal revolucionario em
4 secções, para celeridade dos julgamentos;
4. º - o relatorio do Decreto, que prohibia as
visitas domiciliarias durante a noite;
5. º - a apresentação de Brissot e outros Gi-
rondinos ao rrribunal revolucionario;
6. º- a depuração, pelo Conselho da Communa ,
das Commissões revolucionarias, estabelecidas em
toda a parte para a vigilancia e prisão dos sus-
peitos;
7. º - r. gratificaçã.o de 40 sous aos cidadãos
pobres, que estivessem presentes ás assembléas de
secção, reduzidas a duas por semana.»
Esta medida tinha por fito impedir os contra-
revolucionarios de agir sós, em nome do povo, nas
reuniões de secção.
Taes providencias, contendo meios de terror,
tanto mais horríveis, quanto eram concebidos em
termos va.gos, foram completados pela famosa Lei
dos suspeitos (17 de Setembro). Eram suspeitos os
- 205 -

. partidistas, considerados amigos da tyrannia ou


do federalismo, os ex-nobres, que não houvessem
adherido a Revolução, etc.
Além disso, as Commissões de Salvação publica
e Segurança geral se completaram com homens de
terrivel energia; porque a aspiração geral do mo-
mento era a concentração dos poderes, agindo por
meios extremos.
Assignalou-se o periodo do Terror pela exe-
cução da Rainha e dos Girondinos e por medonhas
repressões em Lyon, Marselha e na Vandéa, etc.;
pelas prisões dos suspeitos e por numerosas condem-
nações á decapitação ; pela proscripção dos revo-
lncionarios impetuosos (os cltamados Hebertistas);
pela elos inclu,lgentes de Danton e -seus amigos.
Vejamos 1 mais detidamente, o papel do jacobi- Op in iucsl o llrc ó jaco lJi-
nismo e do Terror em França. nisrno e o Terror.
A França actual não póde ser explicada sem
a Revolução de 1789, cuja filha é. lVIas essa Re-
volução, de grande alcance para aquelle paiz e
para os povos latinos, deve ser apreciada á luz de
imparcial criterio e não pelo prisma da paixão.
Altas e generosas idéas a presidiram.
Foram, porém, licitas, justos e legítimos os
meios, empregados para pôr em pratica taes idéas?
Era necessario, para que ellas vingassem, empregar
o rrerror?
Eis o que vamos q.emonstrar, julgando os
factos e os homens do tempo perante a Historia,
- 206 -

auxiliando-nos dos conceitos de juizes compe-


tentes, e principalmente da autoridade de Henry
1\fozel, cujas opiniões citaremos muitas vezes e
outras transcreveremos textualmente . .
« Nunca houve em França, diz Sainte-Beuve,
.annos mais bellos, que os doze primeiros do rei-
nado Luiz XVI .»
Com effeito: «A partir de 1753, a população, até
esse tempo decrescente ou estacionaria, foi, pouco a
pouco, augmentando. De 10 milhões, que era, na
época da Regencia subiu, no dizer de M. de La-
vergne, a 16 milhões, e segundo 1\f. Randot a
30 milhões,-triplo da da Grã Bretanha, conforme
opinava Necker. DtJla sahiram os grandes exer-
citas de . 1793. » -- « As classes ( refere Albert
Babeau), apezar da hiernrchia, entre ellas exis-
tentes, eram menos divididas, que hoje. Mau grado
os impostos e as privações, a população não era
desgraçada; pois, sendo subjectiva a felicidade,
depende menos das condições exteriores, que de
sua percepção. » Esse estado de venturosa paz
é roborado pelos archivos e pelo testemunho
de escriptores estrangeiros, como Rigby 1 Wal-
pole, Arthur Young· e Moor~. ANNOS DE OURO
(golden years) era 0 nome, com que se chris-
mára, áquem e além da Mancha, aquelle período.
Em 15 annos o commercio exterior subiu, de 500
milhões a um billião . Era a immigração rica,
que, no dizer de Le Play, afrancesava nossas
207 -

colonias, algumas das quaes faziam a inveja dos


Inglezes.
«Nestes ultimos tempos, escrevia Arthur Young_,
não sem despeito, os progTessos do commercio ma-
rítimo têm sido mais rapidos em França, do que
na proprÜL Inglaterra; Bordeaux é mais povoada
que Liverpool.»-« Em nenhuma das épocas, que se
seg·uiram á Revolução, disse Tocqueville, a pros-
peridade desenvolveu-se tão rapidamente, como nas
que a precederam.
Coincidiu com a .e xpansão dessas forças activas
o apparecimento de grandes homens, como Lii.voi-
sier, Jouffroy, Cabanis e Mesmer, homens, cuja
superioridade intellectual justificava o titulo de
..,-----. educadora da, Europa - dado a França-, titulo,
que não tardaria a perder, pois ia passar á Alle-
manha. » «Inexactamente attribuem á Revolução
as grandes mudanças nas artes e nos costumes.
Essas mudanças são coetaneas do período, á que
nos estamos referindo. lVIéhu1 e David, glorias da
. musica e da pintura, floresceram sob Luiz XVI.
A Revolução matou tres quartos dessa multidão de
illustres ornamentos das sciencias e das artes.
Os que restaram foram bastantes para illustrar o
período revolucionario. » (Lavergne).
Cresceu tambem, na mesma quadra, o amor
das publicas liberdades. « O que é velho em
França não é o despotismo, e sim a liber-
dade. » O movimento de 1789 não se poderia
- 208

realisar sem precedentes geradores. » - Mme.


de Stael.
« Bem extranho seria que tão nobres virtudes
prosperisassem em sólo, donde houvesse· desertado
a liberdade. » (Tocqneville) << Verificava Joseph
de Maistre a mescla da liberdade e autoridade,
de leis e opiniões, então existente, persuadindo
ao estrangeiro, subdito de monarchias e viajante
em França, que elle vivia sob outro governo, ig ual
ao de sua patria ~>. E M. Clomageran accrescen-
tava que « a opinião publica era, ao mesmo tempo,
mais esclarecida e poderosa, do qne jamais o fôra
em época alg uma, antes que lhe centuplicasse as
forças a imprensa periodica. »
« Na expressão ele N ecker, a maior parte d9s
estrang·eiros comprehendem difficilmente o que é
este poder invisível, que domina, até nos paços elos
reis. » - « .lYiais nos apraz fallar a frctncos que a
servos, dizia o proprio soberano; é para nós motivo
de gloria o governar uma nação livre. » Mais de
cem annos após a Revolução, podia 'l1ocqueville
escrever: « Erro grave acreditar qne o antigo
regímen foi de servilismo e dependencia . Havia
nelle mais liberdade, que em nossos dias. )> No sen-
tir do citado M. ele Lavergne, parece demonstrado
que a França fizera mais progressos de icléas nos
quinze annos anteriores a 1789, que nos 25 pos-
teriores, opinião, com que está de accordo M. de
Molmeri, quando affirma que si a Revolução não
- 209 -

tivesse irrompido, as reformas, que se lhe attri-


buem, teriam sido proseguidas no que ellas têm
de util, tornando-se effectivas e com caracter defi-
nitivo. Accrescenta M. Babeau que a mór parte·
dessas reformas, completadas em nossos dias, ha-
viam sido preparadas no seculo XVIII. Mesmo
sem a Revolução, haveria o tempo feito germinar
e desenvolver as sementes · plantadas.
A ter de desapparecer o antig·o regímen, era.
preferível que não fosse por meio do Terror, ca-
bendo aqui repetir-se a este respeito a pbrase
melancolica de Jean Reynaud: « Era preferível es-
tarmos na vespera de 1789. »
Preparado daquelle modo o futuro, cumpria.
a os directores da opinião deixar crescer e ama-
durecer os fructos d:1 seara, que fôra semeada.
Começára e ia em caminho a evolução.
Cabia aos que tinham a responsabilidade do
poder a obrigação de orientar o espírito publico
e dar proyidencias para complemento e conso-
lidação das reformas iniciadas. Era occasião
de fazerem convergir as forças para a ig·ualdade
politica, acabando com os ultimos resquícios do
feudalismo, relativos á nobreza senhorial, res,
tabelecer as :finanças e reorg·anizar os poderes
publicGs.
Em vez, porém, de favorecer a evolução, o ja-
cobinismo provocou e realizou a Revolução. Foi
este o seu maior crime.
14 3° VOLUME
- 210 -

Nem de attenuante, siquer,. lhe servem os dois


pretextos, que adduzem para justifical-a - o des-
calabro das finanças e os abusos dos nobres contra
as liberdades publicas.
O deficit orçava por 56 milhões. Com os re-
cursos crescentes, fornecidos ao erario pela renda _
dos impostos sobre a industria e o commercio, que
se haviam fanto desenvolvido no período alludido,
não era difficil debellal-o em proximo futuro. « Si
M. Necker (escrevia Mirabeau a la Mark) tivesse
sombra, ao menos, de talento e intenções perversas,
obteria em oito dias sessenta milhões de impostos,
cento e cincoenta milhões por emprestimo e, no
prazo de 8 dias, estariamas dissolvidos. » - Que
paiz este (reflecte o proprio Necker) onde, sem
impostos e com simples objectos, que quasi não se
sentem e percebem, se póde extinguir um deficit,
que tanto rumor causa na Europa. - «Como assim?
( exclamava em 1788 Claviere) . lfaria a França
bancarrota, quando, figurando tudo pelo peior, nunca
foi tão rica! »-« E' inconcebível (pondera Dupont
de Nemours) que um imperio tão poderoso e es-
clarecido, dispondo de tantos recursos, e cuja
prosperidade crescia todos os dias, cahisse por
causa de cincoenta e dois miseraveis milhões de
libras . Luiz, o Estado, a França podiam ter sido
salvos por mil modos, todos facilimos. »
O segundo pretexto ( abuso senhorial dos no-
bres) não é mais plausível e procedente. A rasoura
- 211 -

da igualdade ia tudo nivelando, de facto e de di-


rnit_o. Os escriptores jacobinos, que tratam deste
ponto, exag·geram tudo, desnaturando o caracter
da nobreza e amplificando os defeitos, aliás em
:grande parte ridiculos, da aristocracia de sangue.
Não passam de mera phantasfa, filha de precon-
~eitos, as accusações, que M. Gravier de Cas-
sagnac faz á nobreza de nutrir planos machiave-
licos contra a realeza . e o clero. São do mesmo
valor o"s designios, que M. Aimé Cherest empresta
á nobreza contra o povo . Grande parte da nobreza
convivia com os philosophos da Encyclopedia,
applaudindo nos salões e nos theatros os gracejos
s acrilegos contra o altar e jogando epigrammas ao
throno e á sua propria classe. Nas reuniões da
alta sociedade tinham precedencia aos grandes
nomes nobiliarchicos os dos homens de lettras, de
segunda e terceira ordem, sem que os preteridos
se dessem · por molestados com taes preferencias.
No espírito desses mesmos philosophos ope-
r ava.-se grande modificação, quanto ao odio, com
que tratavam e invectivavam a realeza e a fidal-
guia. Diderot, autor dos versos, em que revelava
instinctos canibaes contra os reis e os padres,
c ujas entranhas desejava elle tecer ern cordão para
.estrangnlar os reis, ia á Rnssia cumprimentar
Catharina II e levava-lhe presentes .
Voltaire lisonjeava o grande Frederico da Prus-
sia e hospedava-se em seu palacio .
- 212 -

Nem um, nem outro hostilisava os nobres.


O barão de Holbach, que pretendia provar a
eternidade da materia, não renunciava o titulo-
nem as prerogativas.
Os nobres, pois, tinham ido, pouco a pouco,
fraternisando, em grande parte, com a burguezia.
e perdendo seus habitos de intransigencia, a sua
altivez de raça.
A Revolução estava, na realidade, terminada
em 4 de Agosto de 1789, e nunca (no conceito
de Georges Foorster) houve outra tão perfeita, que
menos sangue custasse. « Não ha ( escrevia Mira-
beau a la Mark, em 30 de Janeiro de 1790) exem-
plo de tão grande abalo com tão pouca despeza. »
« O maior sacrHicio dos constituintes ( gracejava
Burke) foi, naquelle tempo, o das fivellas de seus.
sapatos.»
Na opinião de M. Lavergne, a noite de 6 de
Agosto não teve a destruir para os nobres mais
que o direito de caça e de pombal.
Nunca houvera classe, menos defensora de
suas regalias, que a nobreza de França. O antigo
regímen tendia a desapparecer, de todo; e, sem
a emigração armada, que aliás não foi apressada,
nem geral, não se teriam sentido os ultimos esfor-
ços da aristocracia franceza em prol dos poucos
privilegios, que lhe restavam.
As Assembléas podiam ter facilitado, dirigido
e coordenado as reformas, sem para isso forçarem
- 213 -
,<J paiz a atravessar o - mar vermelho - phrase,
-em que Esquirós caracterisa a Revolução. Exem-
plar do poder da evolução tinham os Estadistas
do tempo nas instituições inglezas.
« A Historia (diz M. Henry Doniol) não censu-
rará a Republica Franceza, por não haver des-
·co berto processos, como os que depois della se
.applicaram, nem por ter deixado de praticar os
.meios, que, sessenta annos mais tarde, a Austria
imitava dos reinos de Wurtemberg e Hesse; ha de,
.sim, exprobrar-lhe a culpa da rejeição de outros
processos, dictados pela equidade e que ,- ao tempo
<laquelle movimento, existiam, e a recusa de se-
.g uir exemplos, que se deviam tornar preciosos
para os legisladores pelo seu bom exito, já
.attestado.
A reforma :financeira estava quasi terminada;
ia completar-se pela proclamação da . igualdade
perante o imposto. De cincoenta milhões, em que,
na data da abertura dos Estados Geraes, impor-
tava, avolumou-se o deficit em proporções colossaes;
só a emissão dos assignados subiu a quarenta e
oito milhões. E isto não é seniio parte da catas-
trophe financeira, mais formidavel, que a Histo-
ria registra. A concordata e a Lei de 21 de Abril
de 1825 repara.,vam parte das espoliações ; a ban-
carrot!), do terço consolidado, que se elevava a
1 . 900 milhões, foi esquecida por todos os ren•
deiros.
- 214 -

De · ha um seculo para cá,'· tem tido a França


bases para restabelecer suas :finanças · e reconsti-
tuir seus capitaes; não reparou, porém, a perda de
seus inestima veis thesouros historicos e artisticos;
Quanto á reorganisação dos Poderes Publicos,
o mesmo naufragio. Não houve liberdade, que a.
Republica não violasse legalmente . Violou a liber-
dade religiosa pela constituição civil do clero ;
a de associação pelas leis prohibitivas das re-
uniões profi.ssionaes; a do trabalho e do .commercio
pelo maximo e extremo do regímen prohibitivo .
As quatro Constituições revolucionarias formam
novos erros e perigos, principalmente a de 1791 ;
mãi de todos os excessos posteriores. Qualifica
Laferriére a parte administrativa d'ella como
Constituição do Est3do e não legislação liberal ,
trazendo , além disso, em seu bojo a anarchia
legal, pois outra cousa não é o investir os con -
selhos locaes nos poderes de policia geral, que ,
unicos, lhes deviam ter sido retirados. Ella pre -
parou o·despotismo terrorista, deixando no coração
do paiz uma Assembléa unica, sem freio nem .fis-
cali~ação .
Longe iríamos, si quizessemos consignar todos
os desacertos dos revolucionados a respeito da
reorganisação dos poderes publicos. Arrancaram á,
França as tradições, impedindo-a de crear 1,1ovas .
A persistP.ncia do espírito jacobino veda-lhe o
apresentar soluções parciaes, - rep resentações da
- 215 -

maioria ; referendum local ; responsabilidade dos


administradores; equilíbrio dos poderes publicos
- soluções admittidas presentemente ein outros
paizes. Sob este aspecto, está a França na reta-
guarda dos povos cultos.
« A Revolução Franceza (disse Prévost Para-
'
. dol) creou uma sociedade, de que ainda procura
o governo. »
Fundar uma sociedade não era o que á França
cumpria, e sim organisar um governo. Para con-
stituil-o errou o caminho. Não consultou o espí-
rito publico; não estudou os costumes do povo.
Tudo o que não é costume é, em leg·islação, uma
criação artificial.
A politica jacobina ensaiou fundar uma socie-
dade artificial, - sociedade religiosa pela . consti-
tuição civil do clero, sociedade igualitaria pela
força da partilha successoral.
Assim, pois, em vez de realizar e completar pela
evolução, as reformas, inspiradas pelo sentimento
nacional quanto ás finanças, aos direitos senhoriaes
e á organisação política, o jacobinismo, desconhe-
cendo as leis do progresso humano, perturbou a
ordem social, creando a violencia e o terror.
Comparados com os horrores do período revo- Comparação entre cruel-
clades tradicionaes e as da
lucionaria, agorentam-se as monstruosidades, que qu adra do Terr or.
mancham os annaes da humanidade.
Dá-nos . Gioberti noticia de um feroz slavo,
de nome Vlad, que tinha entre seus instrumentos
- 216 -

•de supplicio um enorme talheT, com que mandava


trinchar, para se recrear com o estrebuchar e
·OS ais da victima, o desgraçado, que lhe cahia
_ ,em desagrado. Em certa occasião, esse execra-
vel vayvode reuniu em seu palacio consideravel
numero ,de pobres, aos quaes fornecera roupa e
-calçado; fel-os sentar á bem fornida mesa, re-
.galando-os, a portas fechadas, com lauto ban-
quete. Subito, irromperam dos quatro cantos do
salão as labaredas de violento incendio, adrêde
preparado para queimai-os vivos, e, de facto,
ficaram carbonisa.dos os corpos dos · desgraçados
convivas.
Ainda não se riscou da memoria dos contem-
poraneos a medonha lenda do rei dos Achantis,
que mandava trucidar milhares de seus subditos,
para hume·decer com o sangue delles a argamassa
dos muros de seu palacfo.
Houve na idade media certo bispo, que fez
ligar um homem ao cadaver de outro, já em de-
composição e enterrai-o vivo com esse cadaver.
Gilles de Rais sacrificou á sua bestial concupis-
cencia cerca de mil crianças, cujos cadaveres man-
dava arrojar a um grande poço.
Os autores de;,sas abominaveis crueldades, ante
quem a figura de Nero-typo tradicional dos mon-
stros-desmaia e se amesquinha, são menos odio-
sos que os assassinos da princeza de Lamballe, da
santa Mme. Elisabeth e de Gilbert.
- 217 -

Esses e outros factos, que escandalisam a con-


sciencia universal, são aberrações excepcionaes da
natureza humana, constituindo casos isolados, sin-
gulares, attenuados pelas circumstancias predispo-
nentes do tempo, do lugar e de condições sociaes,
peculiares ou de occasião, em que foram pratica-
dos . Todos têm o caracter de individualismo ; não
formam sede, nem são reiterados.
Foi um pugillo de loucos, que pôz em scena Porque não r eag to a
Fn1.nça contra o· proto-
os repetidos actos de canibalismo, escriptos com gonis tas do Terror .
sangue na llliada scelerum do Terror. Os mais
exaltados jacobinos sahiram da classe dos homens,
que se divertiam em compor boiits rimés e em
formular humildes petições ao rei. Abandonando
essas futeis distrac~ões, ergueram-s~, de repente,
quaes insaciaveis verdugos, para guilhotinar, me-
tralhar, queimar e afogar tres milhões de homens .
E os bandos de assassinos passeavam incolu-
mes por entre os pais , irmãos, e filhos de sua::;
victimas, que, por sua vez, seriam victimas no dia
seguinte.
E completaram sua obra de destruição, sem
que contra elles se organisasse 'resistencia, (que
pouca bastava a anniquilal-os), sem que dos
ossos e do sangue dos trucidados nascesse um
vingador.
O punhal ultriz de Carlota Corda}' - Judith
sem sectarios, - em vez de ser o desp ertador da
justiça ultrajada, serviu de pretexto e occasião para
- 218 -

accender, cada vez mais intensa, . a furia da turba


sequiosa de sangue. ·
Apen.a s se lhe oppuzeram os debeis obstaculos
de revoltas militares, das quaes só merece menção
a da Vandéa.
Em nenhuma outra Nação de Europa poderia
lançar tão fortes raízes a maldita planta do ja-
cobinismo, alastranclo-se, a ponto de converter-se
em pragal. Nos paizes da lingua ingleza ella fene-
ceria logo, á mingua de humits, ou antes, não che-
garia a abrolhar. Os primeiros Terroristas seriam
alli lynchados, como o foram em 1790, em Londres,
os importadores das idéas jacobinas, ou em 1881
os anarchistas em Chicago.
E como, pois, se explica que em França vinte
milhões de burguezes e paisanos se deixassem levar
ao matadouro por alguns bandos de perversos, agen-
tes sinistros da morte ?
« E' que em França (diz Mazel) por antigas
causas predisponentes, estava extincta a energia
d'alma. As classes superiores haviam esquecido o
dever de guias do povo e as inferiores estavam
deshabituadas da acção livre e responsavel. ..
Si , a França tivesse conservado suas institui-
ções da Idade Media, - as assembléas locaes,
o jury, o voto dos impostos, - si houvesse ainda
lá o gosto da acção individual, nunca teria
supportado a monarchia absoluta, nem a Revo-
lução. N'este presnpposto, pode-se dizer que,
219 -.

· desde o seculo XIV, am3idurecia naquelle ·- paiz


o Terror .. »
Um .•, dos elementos, que fez abortar a Revolução,
foi, na \ gpinião de Quinet , a tolice. Com effeito_;
sem toliJ~ não ha f~natism~, e sem este não ha
terror . Intrigas da côrte, o parlar sem criterio
das Assembléas, foram causas secundarias da Re-
volução ; a causa primaria foi o movimento de
' multidão. A populaça, instigada por malvados,
que lhe envenenaram nas vísceras o odio instin-
ctivo contra os nobres e o clero, foi pelo fana-
tismo arrojada, como catapulta, de encontro as
columnas, em que se firmava o antigo regímen .
D'ahi o caracter destruidor do movimento.
Faltou, de todo , aos bons a pequena dose de
energia, .que possuíam, e a loucura furiosa centu-
plicou as forças dos peiores . O proprio Mirabeau,
que confessava poder transformar em féra uma
besta inoffensiva, soltou o freio á sedição, re-
digindo a Constituição civil. Os homens de 17 89
· são ôs mesmos de 1793 ; supprimindo o governo
senhorial, não procederam á reformas liberaes , e
obedeceram s.ó mente á paixão revolucionaria .
« Todo o constituinte encerra um jacobino ,
( dissera Ri varo!). »
Esta idéa é tambem a de escriptores de crenças
políticas oppostas .
« A Convenção é a legitima herdeira da Con-
stituinte (escreve 1\1. Edm. Champron) e Taine : .
- 220 -

« Em geral, o g·ermen de-· todas as leis da Con-


venção está na Constituinte.
Este predominio da turba no movimento é
uma das mais grav~s consequencias do jacobi-
nismo. Elle accusa o enfraquecimento das energias
individuaes .
De toda a revolução sahe a victoria da mul-
tidão; o poder desta, ha cem annos, cresce e con-
solida-se em França. Cada vez mais se enfraquece
a acção consciente e combinada para ceder o es-
forço ao fluxo torrencial. Vai o cidadão perdendo,
-de dia para dia, o gosto e a arte da iniciativa e
da livre associação, inclinando-se ante a força
exterior.
O j a~obinismo não é só o estigma do passado ;
é o cancro roedor do presente e do futuro. Ha
cem annos que morremos por effeito do Terror,
diz um publicista, porque seu triste magnetismo
continúa a enlanguecer a alma de cada nova ge-
ração.
Ha um seculo, é a grande crise jacobina a
causa de torras as nossas convulsões e fraque-
zas... Cada mudança de regimen tem equivalido
a um recúo, e nesse periodo a nossa historia
nada mais contém que uma longa decadencia ...
Mesmo durante o apogeu de Napoleão I a grande
Nação era menos solida, que alguns annos antes da
abertura dos Estados Geraes. O jacobinismo, effeito
de condições anteriores, veiu a tornar-se causa
- 221. -

(e quão poderosa, efficaz e viva)! das condições pos-


teriores da França. Ha cem annos, que esse paiz
não passa do reflexo de uma sombra e da pro-
j ecção de uma legenda revolucionaria» .
Desde o começo da Revolução, cada actor
della retrata-se em seus escriptos, narra e ex-
. plica, a seu modo, o papel, que representou em tão
grande drama.
Os escriptores estrangeiros, levados por esses Suspeiç,ões rios es cripto-
res contem poraneos da Re-
dados, suspeitos de parcialidade, endeosam o mo- volução Franceza.
vimento, que lançou por terra o velho edi:ficio
monarchico e proclamou os direitos do homem.
Alguns enthusiasticos fidalgos de S. Petersburgo
abraçam-se nas ruas. Em Tubingen, sabendo que
ruira o secular .baluarte da tyrania, Schiller,
Hegel e Schelling plantam, para solemnisar essa
memoravel data, uma arvore da liberdade.
Todos, inclusive Joseph de Maistre, surprehen-
didos pela snbita catastrophe, explicam o mor-
ticínio, como os apologistas do Terror, pela cor-
. rupção do clero e da nobreza.
Foi sob a Restauração que nasceu a legenda re-
volucionaria, reflectindo-se sobre a historia, escripta
por parciaes juízes, contemporaneos da revolução.
Thiers e Mignet, sem que approvem os excessos
do Terror, pintam-n'o, todavia, como inevitavel e
dão a seus propugnadores proporções, quasi he-
roicas. De anno para anno, cresceu a lenda, che-
gando, em 1.830, á sua plena expansão.
222
J uizos apaixo nados sobre E' esta a época dos Messias, prophetas e
Robespierre.
apostolos de todo o genero. De todas as diva-
gações revolucionarias desse tempo, avulta a de
Buchez, extranha combinação de catholicismo e
terrorismo, do Evangelho e Contracto Social. Ahi
é Robespierre posto no rol dos santos.
« Quem menos imperfeito que Robespie1\ J
(pergunta o Procurador Geral Cabet) ; quem dispõe
de maior capacidade, antecedentes, qualidades,
virtudes, philosophia, moderação, humanidade,
principias de ordem .e dedicação patriotica ? »
Fórma Robespierre o centro da _o bra de Louis
Blanc, historiador, que não consultóu outnis docu-
mentos, além dos massas do British Museum. An-
tes da aununciação do - homem verde-mar, na
expressão de Carlyle, tudo é confusão e sombra,
sómente esclarecida pelos raios de luz, que pro-
jecta seu perfil, affeiçoado em lamina de punhal,
estivesse, embora, esse perfil collocado no mais
obscuro recanto.
Ante os encomios., prodigalisa_dos nesses quatro
volumes ao grande protagonista ' do Terror, per-
gunta o leitor estupefacto si é de um homem ou
de um Deus que falia o historiador.
Taes e taes phrases applicam-se ao deputado
de Arras ou ao Me·ssias de N azareth ?
O proprio Lamartine cedeu á fascinação, pois
na Historia dos Girondinos qualificou de - gran-
diosos, os desígnios de Robespierre, de divino
- 223 -
o seu mobil, de meritoria a sua acção, de con-
stante e absoluta, qual immolação antiga, a sua
dedicação.
Si atê o recto senso do genial autor do Jocelyn
so:ffreu esse eclipse na apreciação moral de Nero
da Revolução Franceza, não é de admirar o côro
de elogios emphaticos de seus apologistas, como
Esquirós, o hagiographo dos terroristas, Villiaumé,
o moralista e Ernest Hamel, cuja admiração pelo
Incorruptível chega á idolatria.
Lamartine, porém, renegou aquelle juízo quando,
assistindo a um dos mais agitados motins da plebe
parisiense, disse « ter visto na rua a sombra de
Robespierre .»
Danton, o Indulgente, tem igualmente seus
admiradores , como é Carlyle, que se deixou sedu-
zir por esse « Huno de estatura de Godo - em
quem para elle se encarnava a populaça nllulante ,
movediça e rugidora nos dias de tumulto.»
E' inexplicavel a cegueira desse notavel Inglez, Danton e La martine .
. illuminado pelas admiraveis doutrinas de Burke,
o mais importante dos _e scriptores, cujas idéas
sobre a Revolução transpiram bom senso e ver-
dade.
Carlyle cerra os olhos aos holocaustos, provo-
cados por Danton, e proclama-o - genio gigante.
Michelet reserva tambem todas as sym.pathias
para_ Danton, que qualifica - a energia da França
t ornada visível, o grito do coração da patria .
-224 -

A lembrança de Danton é ,hoje o proprio centro


da religião positivista.
Até 1848 foi triumphal a marcha da lenda
revolucionaria. A revolução de Fevereiro della
nasceu. De novo, a França conheceu a anarchia.
Recrudesceram os tumultos da populaça ; rios de
sangue ensoparam o sólo, que já bebêra o do neto
de S. Luiz.
« Vergonha sobre mim ! ( dizia então Lamartine
ante as scenas, de que eram theatro as mas de
Pariz); quiz amnistiar os apologistas da Revolu-
ção e condemnei-me a mim proprio. »
Começa, então, a historia critica do jacobinismo
e do Terror. Barante, Carnét, Poujonlat e, mais
que todos, Gravier de Cassagnac, que deu o pri-
meiro golpe na lenda dos Girondinos, escrE;Jvem
livros anti-terroristas.
Qninet, finalmente, vinte annos após a publica-
ção do trabalho historico de Michelet, descarrega
no jacobinismo o mais formidavel golpe.
Os primeiros livros de Tocqueville e de Le Play
fazem justiça á velha França; a delicadeza do
antig·o regímen revive nos estudos historicos dos
Goncourt} e o Terror, tão idealisado pelos seus
sectarios, apparece aos olhos da geração presente,
despojada dos ouropeis phantasistas, em sna repu-
gnante e detestavel nudez. Os discursos philoso-
phicos de Renan compensam-nos a tristeza, que
nos invade, ao vermos o afferramento, que tinha ao
- 225 -

phantasma revolucionario o formoso espírito do


poeta das Orientaes.
M. Albert Babeau, á testa de outros escripto-
res illustres, resuscitou com suas verdadeiras rou-
pagens o passado, que a- lenda revolucionaria
havia enfeitado.
Hoje, o velho ideal jacobino, destacando-se do Concl emnação el o jacobi-
n lsmo por Paul Bourge t.
nevoeiro, quasi mythico, em que jazia envolvido, é
apreciado na clarividencia do criterio historico.
Elle só tem por defensores uns ignorantes theoristas
academicos, ou politicos interessados. Quem se dis-
tingue pela nobreza d'alma e largueza de vistas
concorda que actualmente convem, segundo affirma
Paul Bourget, « desfazer methodicamente a obra
da Revolução Franceza. »

Para prova de que a França actual está longe


do individualismo, e que ainda hoje, dez annos
passados sobre o centenario da grande Revolu-
ção, continúa ella a clcissificar, basta lembrar o
desenlace, que no Conselho de guerra de Rennes
teve a causa Dreyfns - objecto da anciedade
universal.
Uma vez concedida a revisão do processo e
verificado que nenhuma prova militava contra o
accusado, quem esperava outra sentença, que não
a de absolvição ?
]5 3° VOLU ME
- 226 -

1110.uencia elo j aco l1l- Pois bem! A geral e:spectativa foi illudida. No
n i s mo sobre o processo fim. do seculo XIX e na terra, em que fulge no
Drey[us.
zenith o sol da civilisação, um alto Tribunal, legal-
mente organisado., commette a mais flagrante injus-
tiça, de que ha memoria depois da condemnação do
Nazareno. E tanto aos jnizes pungiu a consciencia,
que elles proprios intercederam perante o chefe
da Nação para que não fosse applicada a pena de
degradação , -ferrête de infamia, que haviam infli-
g·ido á victima e á sua descendencia.
Que nuvem offuscou os olhos _dos vog·aes do
Conselho para não verem lucidamente os factos ar-
g·uidos, em sua conformidade com a lei? Que pres-
tig·io occasionou o desvio de seu recto senso pelas
tortuosas azinhagas da iniquidade?
Foi o espírito de classe, foi esse vicio do ata-
vismo, proprio ao regímen administrativo, ultimo
resquício das castas antigas, que a Revolução teve
por fim, mas não conseguiu destruir, e que , exis-
tindo em França em estado latente, se manifesta
alli, cada vez que as paixões populares são super-
excitadas.
Em muitas circumstancias (diz o Sr. Auguste
Coste num livro, que acaba de sahir dos prelos)
obedecemos á deploravel propensão de estendermos
as responsabilidades a toda uma classe de homens,
em vez de as restringirmos a certos indivíduos,
como fôra justo . As agitações provocadas pelo
negocio do Panamá e pela revisão do processo
- 227 -

"Dreyfus são disso demonstrações singulares. Nessas


,duaR occasiões não se limitaram a pronunciar a in- ·
-dignidade de tal, ou tal pessoa.
A proposito do Panamá culparam os parla-
mentares e os judeus. Quanto a Dreyfus, os pro-
testantes, os intellectuaes, e « no campo adverso »
-0 Estado-maior do exercito, os generaes, üS je-
suítas, etc. E por mal de peccados « toda esta
gente dá margem e objecto ás accusações, porque
nas categorias sociaes muito assignaladas ha um
-espírito de corporação, que dita a se us membros
uma solidariedade voluntaria, e que os incita a
,sustentar-se mutuamente, até nos actos, em que
é inutil ou desg-radavel o defenderem-:,e. »
Ao jacobinismo, cuja influencia ha retardado
·em França a expansão do individualismo, deve
.ser attribuido esse pernicioso effeito do espírito de
•classe, que, desta vez, levou o exercito á consum-
mação de um escandalo, tão deprimente, que des-
t ituiu a França da primàsia <los pov·os latinos e
póde ser considerado ~orno um symptoma de pro-
xima rlissolução. Perde o direito ao predomínio
uma Nação, em cuja consciencia parece ter-se
apagado a noção da justiça.
A não ser Zola, que si já não houvesse per-
petuado seu nome na historia da litteratura, teria
ganho a immortalidade como novo Pedro Eremita
da grande cruzada em prol da caridade e da ju1:,-
.tiça . ultrajadas e da victima insonte; a não ser
228 -

o venerando senador Scbenrer-Kestner, á cuja.


consciencia illibada se deve a primeira revelação-
da verdade e que já recebeu a corôa da gloriai
reservada aos espirit"os de eleição; a não ser a
abnegada imparcialidade do recto general, que·
não hesitou em romper a odiosa solidariedade do-
espirito de classe n' aquella horrível conspiração,
contra a hoste da mentira; a não ser a voz elo-
quente de Labori, que tão alto elevou o sacer-
docio da lei na defesa do accusado, -podia-se re-
ceiar que a nuvem do obscurantismo dominasse, de·
todo, o horisonte da França.

Eis o que foi em França o jacobinismo, o


Terror, o período revolucionado e as suas con-
sequencias sobre o presente e o futuro claquelle-.
paiz.
O jaco bin ismo no Brazil. A que titulo e para que fim querem tra,ns-
plantar para o Brazil esse joio pernicioso , que só,
tem servido para estiolar as . plantas uteis, em que
se immiscniu ?
E -quem pretende infeccionar nossos costumes.
e nossas instituições com o veneno dessa lethal
mancenilheira?
Ha, entre nós, como houve e ainda existem
em França, certos pseudo-racionalistas, que pro-
fessam heterodoxas doutrinii.s. ~~ O racionalista com-
pleto (diz o autor, a que acima fizemos referencia}
- 22.9 -
não se pôde fundar legitimamente sinão sobre o
eonhecimento dé sciencias -organicas, e sua appli-
cação, sufíicientemente generalisadas. » Ora a qiul-
tidão, o povo propriamente dito, é, na quasi tota-
lidade; ignorante, e raros entre os estudiosos, pro-
i.fissionaes ou nãQ, podem conhecer aquella theoria
-e suas applic~ções. O maior numero terá recebido
noções incompletas, meia instrucção, seguindo ní ore
pecudum, os apostolos das idéas, que não sabem
sustentar.
Tentam trilhar as veredas, abertas pelo enge-
íllhoso reformador Claude Bernard, e, roçando ape-
nas pela superficie de suas idéas, sem aprofunda-
Tem seu systema, desgarram-se em cerrado matagal,
,c uja sahida não ha guia, que possa mostrar-lhes.
Esses racionalista_s improvisados attrahem, á
-semelhança de fogos fatuos, para o brejal de sua
.abstrusa escola os ignorantes, que applaudem o
,que é novo, bem que o não entendam.
Enchem a bocca com as palavras - liberdade, Odio injustificavel aos
i gualdade e fraternidade, - propagam em ôcas e que defendem o antigo
regímen.
futeis declamações o odio, não só ás instituições
-decahidas, como a quem, ao passado regímen, prestou
o apoio, que em suas forças cabia. Sebastianistas-
,é- o appellido zombeteiro, com que apresentam ao
!POVO os que, não declarando adherir á nova ordem
politica, defendem o ultimo reinado contra apôdos,
invectivas e calumnias. E nesse sentido, mentindo
á Historia, desnorteando o povo e açulando os
- 230

maus instinctos, crearam uma seita, que olha como-


inimigos da Republica e a quem se deve · negar
pão, agua e asylo, os que não vierem nominal-
mente alistar-se Rob a bandeira da Republica.
Para os . triumphadores do dia é crime a atti-
tude pacifica do cidadão, que não renegou as in-
stituições,· sob cujo regímen serviu_ a Patria e
que acredita serem . as verdadeiras garantias do,
progresso. Crime ainda maior é o defender o cida.-
dão a si, as instituições e os que a repres·e n- ,
tavam, contra injustas e quasi sempre aleivosa&
accusações.
Ou guardais silencio (dizem) ante o libello-
diffamatorio, ou vos suffocaremos a voz, que pro-
testa pela tribuna da imprensa, unica, que vos
resta, pois o parlamento vos está fechado . Peior
que a mordaça da censura prévia, tereis o empas-
telamento, a destruição dos typos, o incendio das.
typographias. · Fóra, monarchistas ! Estais entre os ·
republicanos 1 como os judeus no ghetto de Roma.
Racca maranatha ! Longe de vosso espírito a,.,
velleidade de restabelecerdes os fóros e os creditos.
da antiga e condemnada superstição dá realeza.
E essP- odio estranho e injustificavel, reve-·
lado, mais de uma vez, por actos de violenta per-
seguição, vai, de dia para dia, tomando incremento.
E a seita dos inconscientes e perversos, atiçada.
pelos coripheus do novo . apostolado republicano ,.
tomou o nome dos fanaticos ultra-democratas da.
- 231 -

França, que, pelo facto de se reunirem no Convento


de São Jacob, eram conhecidos por jacobinos.
A sanha desses democratas exaltados, illudi-
dos pelos demolidores do passado, que, em nome
da liberdade, ensai&.vam o povo na pratica da anar-
chia, traduziu-se 1 muitas vezes, em ameaças ávida
e á propriedade dos indigitados inimigos da insti-
tuição, em gritos sediciosos e em apupadas.
Por occasião da revolta de 6 . de Setembro de
1893 tripudiou o jacobinismo. Pareceu-lhe chegado
o momento de evocar o espectro terrorista para
projectar a pavorosa sombra sobre o Brazil, e
principalmente, sobre a Capital Federal.
Já, em quadra proxima, havia elle sondado o
terreno, publicando, sob a assignatura de um àe
seus mais ferozes agentes, longa lista de funccio-
narios, que pelo unico facto de haverem servido
sob o regímen proscripto, eram considerados como
adversos ao novo governo, e, portanto, deviam ser
exonerados e substituídos por amigos da situação.
A . espionagem-protheu, que tornava a figura do
commensal e do companheiro tle bond e de pa-
lestra, levava. ao carcere, ao degredo .
A diffamação sem provas e sem processo era
decretada por verdadeiros ukases.
Depois das ba,rbaras deportações de 1889, tão Horrores ·praticad os pelo
arbitrarias, quanto inuteis, vieram os encarce- jacobini sm o .
rarnentos de 1893 e 1894, effectnados em virtude
das denuncias de uma legião de famelicos esbirros,
- 232 -

que espoliavam as victimas. - -Quantos perseguidos


não pereceram na Casa de Detenção, por enfer-
midades, alli adquiridas ou aggravadas por falta
de recursos, adrêde negados? Quantos supplicios
inq_uisitoriaes se infligiram, desde o envenena.-
mento pelos gazes deleterios das materias fe-
caes, até a asphyxia pela cal! Quantos arcanos
de horror não guardam as Ilhas do Boqueirão,
das Enxadas, do Governador, a praia de Mag·é e ·
outros pontos, onde foram executados pelo fuzi-
lamento milhares de cidadãos? Que dolorosa his-
toria a immolação em Santa Catharina do Barão
de Batovy e seu filho, a d? filho do constructor
naval Trajano de Carvalho e a dos dois Lorenas !
Que requinte de canibalismo no trucidamento do
Barão do Serro Azul e outros desgraçados no ki-
lometro 65 da estrada de ferro de Curitiba á
Paranaguá ! De quantas scenas de sangue, cuja
atrocidade gela de pavor, foi theatro o Rio
Grande do Sul !
Incubado, por algum tempo, sob cinzas dolosas,
urdia o jacobinismo nas trevas as malhas da rêde,
em que devia colher e embaraçar todas as for-
ç~s de resistencia, afim de que pudesse campear
ovante.
Fizeram explosão, finalmente, as suas tenebrosas
machinações com o assassinato do Coronel Gentil
de Castro e da aggressão, em boa hora frustrada,
ao Visconde de Ouro Preto, - attentados, que uma
- 233 -

peça official de alta significação declarou-que não


podiam ser evitados, porque fôram obra da indigna-
ção do povo!
Não tendo a justiça tratado de punir os autores
daq_uelles crimes, alçou o collo a seita destruidora
e ousou conceber o plano do assassinato do Presi-
dente da Republica.
Fanatisado por agente subalterno do jacobi-
·nismo, que declarou ter procedido por ordem e
instrucções de outros, tentou um infeliz soldado
aquelle crime, não conseguindo vibrar contra o
Sr. Prudente de Moraes a arma homicida, por-
que se lhe antolhou, a desvial-a, o benemerito
general Bittencourt, que morreu victima de sua
dedicação.
Aprouve á Providencia o mallograr aquelle in-
gente esforço do jacobinismo, cujo exit.o seria, por
-certo, o desfraldamento da bandeira negra do Terror
nesta capital, e o começo de um cyclo de reacções
san.guinarias com o cortejo de todos os horrores da
anarchia .
Condemnando os réos do nefario attentado, salvou
o jury a nossa querid1;1, Patria de horríveis catas-
trophes.
O jacobinismo, porém, não está morto. Sente-se,
de vez em quando, seu sopro lethal, arripiando,
como um vento de morte, a epiderme ao organismo
social. Parece que, deixando a velha divisa, dis-
farça-se agora sob o mote da concentração.
- 234 -

O que nos causon dolorosa s_urpreza foi o appello,


que, ha dois annos, fez ao Terror um militar de
alto posto, notavel pela sua intelligencia e habi-
litações.
Terror, porque? Quem machína contra a actual
ordem de cousas? Os monarchistas? Esses assistem,
resignados 1 ao victorioso desfilar dos dominadores da
época, carpindo, desolados, a decadencia da Patria,
e erguem supplices mãos ao Altissimo para que se-
compadeça desta terra, baptisada com o nome da
cruz, cujo symbolo sagrado foi proscripto pela Re-
publica. Ninguem, d'entre os chamados, por irrisão 1
sebastianistas, conspira contra as actuaes insti-
tuições. São monarr,histas platonicos ; a sua pro-
paganda não vai além das raias de uma ardente-
aspiração. Ainda mesmo que alguem tentasse, dire-
ctamente e por factos, restabelecer a realeza, pesaria
eterno, o anathema da humanidade sobre quem, no
momento actnal da dvilisação, restabelecesse, para.
punil-o, o laboratorio de hecatombes, o Maelstron
de sangue, chamado Terror, já estigmatisado pela
Historia. A ephemeride, que assignalasse a decre-
tação do Terror, teria a significação do - Mane 1
Tece], Phares - do prenuncio da queda do Estado.
E concluamos com estas palavras de Henry
Mazel, escriptas para a França e que nos são per-
feitamente applicaveis: « A lenda revolucionaria é
a · cansa psychologica de nossa baixeza. Emquanto
a França não houver vomitado todo o seu veneno
- 235 -

jacobino, irá afundando no lodaçal elo odio e da


inveja.
Não é impunemente que um paiz rende culto Profügação magistral dü
jacobinismo e el o Terr or
aos gigantes de 1789 e 1793. Estes homens foram pelo illu stre deputado Ver-
peior cousa que atrozes, foram ineptos. E a tolice gue el e Abreu.
nos Deuses é mais perigosa, qne o phrenesi. Querri
não desprezar esta decada historica não sabe o
que é grandeza d'alma. »
Escrevíamos estas linhas quando lemos o dis-
curso, que um dos mais notaveis e velhos repu-
blicanos brazileiros proferiu na Camara dos Depu-
tados, fazendo tambem appello ás execrandas
idéas, que acabamos de profligar.
O orador foi apoiado por alg·uns outros col-
legas.
Deu esse facto lugar a que um dos Deputa-
dos da nova geração, o Sr. Vergne de Abreu, em
eloquente e inspirado improviso, onde, de par
com a correcção e elegancia da phrase, brilha o
vigor da dialectica, patenteasse em quadro ico-
nico toda a hediondez do Terror, hoje verdadeiro
anachronismo.
Tão valente foi a argumentação do joven Depu-
tado quando assignalon, á luz da critica historica,
o r eal caracter do Terror e do jaco binismO na
actualidade, que forçou ao silencio os propugna-
dorei;; das idéas subversivas .
Fica ess:e discurso nos Annaes como um fanai
para esclarecer olhos fascinados.
- 236 -

Possa o Dr. Vergue de ~reu representar na


política e no governo de nossa Terra o papel,
que lhe cabe, e a que o chamam seus talentos
e bern orientada educação litteraria. Será S. Ex:.
a égide viva contra as machinações do novo
Evangelho Negro !

Attentaclos contra a li- A esta longa serie de consideraçõeíi, tendentes


berdade elo voto .
á indicar os escolhos, em que pode naufragar a
nau do Estado, poremos remate, assignalando a
degenerescencia de uma das princip'aes liberda-
des, que se liga essencialmente á vida política da
Nação. Queremos referir-nos ao systema eleito-
ral. A eleição é orgão principal, pelo qual falia,
e se exerce a soberania do povo na escolha dos
manda.tarios de seus direitos ; é o grande estalão
por onde se mede a liberdade.
Para assignalar os defeitos da legislação actual
sobre esse importante assumpto, seja-nos licito en-
trar numa perfunctoria analyse de genesis nacio-
nal, passando á historia da legislação eleitoral
do Brazil, desde a Independencia até hoje, com-
parando :finalmente os resultados da eleição sob
o regímen monarchico com os que tem dado a
Republica.
Descoberto o Brazil, tratou a metropole de
povoai-o. A primeira leva de gente, que para
aqui veio, compunha-se, em quasi sua totalidade,
- 237 -

de aventureiros, vagabundos e criminosos, conde-•


mnados a degredo. A essa leva seg·uiram-se outras
do mesmo jaez.
Homens como esses, sem moral, de genio irre-
quieto e turbulento, só tinham por alvo a satis-
fação de desenfreada cobiça. As primeiras folhe-
tas de ouro, os primeiros diamantes, reveladores
da immensa riqueza mineral desta nova Golconda,
exaltaram-lhes os ambiciosos instinctos. O desejo
de enriquecer, a facil preço, levou-os á explora-
ção das minas e dos leitos dos rios, na qual
empregavam os indígenas, por elles reduzidos á
escravidão. A. cnl~ura do solo foi, portanto, despre-
zada e concentrados os esforços na mineração dos
metaes preciosos.
A' escravidão do Indio juntou-se a do Afri- Escravidão do ind ígena
e do africano.
cano, cuja importação para a nova colonia, faci-
litada pela respectiva situação geographica, foi
crescendo, de dia para dia, até assumir formida-
veis ...._enchanças. Estenderam-se as transacções do
littoral para as regiões do interior, onde pene- .
traram os faiscadores e os escravistas.
A explornção das minas influiu desastrosamente
sobre a moralidade da população colonial, infil-
trando-lhe a corrupção, cujos pessimos effeitos per-
duram no presente .
Em torno aos donatarios das capitanias, - ex-
tensões territoriaes concedidas a donatarios com
poderes discricionarios, - fervia um enxame de
- , 238 -

aventureiros, que enchiam à administração pu-


blica de funccionarios pervertidos e rapaces.
Influencia do trafico elos O trafico dos negros não tinha por fim a in-
negros sohre os costumes troducção de. braços para o trabalho colonial;
-e sobre a Jamüia do colono.
constituía a mais abominavel das especulações
mercantis, cujo resultado era a invasão de um
pessimo elemento ethnico para deturpar a raça
e um germen de desmoralisação para a familia
do colono.
Assim, a sacrílega fome de ouro, que tantos e
tão favoraveis · canaes achava para espraiàr-se,
desviou da lavoura os braços dos colonos, dos ín-
dios, dos escravos africanos e da _popl1.lação adven-
tícia, que affluia ao Brazil.
Si nas origens de nossa nacionalidade não
dominasse os animas tão fatal obsessão, os habi-
tantes do uberrimo solo conquistado teriam plan-
tado os alimentos necessarios á sua subsistencia,
criado rebanhos, de cuja lã, po1; elles manufactu ~
rada se vestissem, seguindo a marcha dos povos
agricultores e pastores. Em breve, a producção
em incremento, seria exportada, dando lugar ao
escambo, iniciando·-se assim o comrnercio, que
logo se desenvolveria .
« Melhor teria sido ( escrevia Southey) que
os diamantes houvessem ficado nos leitos das tor-
rentes das montanhas on sob os pés dos selva-
gens ; melhor teria sido que o Governo portngnez
houvesse pedido seus redditos a outras fontes, ou

/
- 239 -

que delles houvesse prescindido, do que recorrer


a um systema, que tem o mal por origem e fim;
systema, que ha produzido a crueldade e a injus-
tiça no governo, a mentira e a prevàricação no
povo, a trahição e a suspeita, o crime, a ruina e
a miseria. »
A escravidão, que deshonrára o trabalho, en- Erro da m etrop ole em
nrw crcar n a co lo11i a a
riquecia aos grandes proprietarios, plantadores da vocação do traballrn agrí-
canna de assucar e do fnmo, contribuindo para col a .
lhes augmentar o luxo e habitual-os, cada vez
mais, á preguiça e á inacção. As cidades e po-
voações do littoral, onde se concentravam as ri-
quezas, provenientes da especulação mercantil, a
que se entregavam tambem a nobreza e o clero,
nadavam na opulencia, ao passo que as povoações
do interior jaziam em morna apathia, e estranhas
áquelle progresso.
EsFa vida, que o movimento mercantil trazia
.aos nucleos das transacções e que não irradiava
para os pontos fóra do littoral, de modo que a
seiva nutritiva circulasse por todos os membros
do corpo social, gerou a illusão de uma prospe-
ridade nacional, toda fictícia.
O povo acostumou-se ao imposto indirecto,
-cujo ag~ilhão não se faz sentir. A renda
das Alfandegas, que ainda hoje forma mais de
quatro quintos da dotação do Estado, pro-
-duziria o necessario para cL1stear as despezas
publicas.
- 240 -

O Governo Portuguez, fechando os portos do


Brazil aos navios, que não procedessém da metro-
pole, só para que dalli se provesse a colonia
dos objectos ne~cesEarios á sua manutenção, che-
gando, no ip.esmo egoistico e anti-político intuito,
a prohibir, sob penas severas, as mais elementares
profissões manuaes, - só tinha em mira o locuple-
tar-se com o ouro e as pedras preciosas da terra,
cujo descobrimento devia a Cabral, sem se pre-
occupar com a cultura do vasto e feracissimo terri •
torio de sua conquista.
Não envidou a metropole o menor esforço para
crear a vocação do trabalho rural ou manufa-
ctureiro. Despertando nos primeiros povoadores do
Brazil o amor á agricultura, veria o solo, bem
fecundado, pagar, de sobra., a fadiga do cultiva-
dor, tornando-se a c,olonia abundante celleiro, capaz
até de abastecer o estrangeiro.
Limitou-se, porém, ·a favorecer a industria
mercantil, que se tornou a unica fonte de
receita para sustentar os encargos do governo
colonial.
DesdR então até o presente, o imposto indirecto,
que não é sentido pela massa da população e que
é cobrado, principalmente, nas Alfandegas e Mesas
de Rendas, mantém o Brazil no estado de cousas
do tempo colonial.
« Os negocios do governo (diz o Conde von Stra-
ten Ponthoz) foram desviados da classe tranquilla
- 241 -

e tornaram-se nas cidades do ' littoral o patri-


monio das classes agitadas, compostas da popula-
ção, que os empregos coloniaes tinham attrahido
ao Brazil, das profissões liberaes e de todas as
categorias sociaes, de quem as occupações manuaes
não constituíam o meio de vida. Ora, essa ultima
classe era numerosa. »
A cavilha mestra da receita do Orçamento do
Brazil será o imposto territorial, incidindo sobre
as vastas e extensas zonas cultivadas deste im-
menso paiz, onde só as riquezas naturaes do valle
do Amazonas, intelligentemente aproveitadas, for-
neceriam ao Estado inexhauriveis recursos; onde
a Mesopotamia, formada em Goyaz pelo Tocantins
e Araguaya, mais . fertil do que primitivamente
o foi a que demora entre o Tigre e o Euphrates,
offer ece aos formosos rebanhos do mais pujante
g·ado vaccum do mundo em quantidade sufficiente
para abastecer o Brazil, campos de inexcedível
feracidade.
O cultivo da terra, iniciado com o melhor
exito nos Estados Unidos da America do Norte,
logo após a introducç.ão dos Europeus naquelle
paiz, si praticc1,do e desenvolvido no Brazil desde
o seu descobrimento, de par com a industria ma-
nnfactureira, por immigrantes laboriosos e morali-
sados, ter-nos-hia, de ha muito, conduzido ao re-
gímen das taxas directas, em tãó diminuta escala
hoje existente.
16 3º· YOLUIIE
- - 242

Estorços dos R taclís ta Desde a fundação do Imperio, os eminentes


do Imper io em promover
a coloutstwão do Brazil.
varões, que lhe dirig·iram os destinos, applicaram
attenção e esforços para augmentar a população
com o poderoso contingente do estrangeiro.
Era seu fito pedirem ao velho mundo agentes
de producção agrícola, aptos e sãos, que viessem
dar impulso á nossa industria mãi. A introducção
de braços robustos e activos, não meras machinas
de trabalho e · sim instrumentos habeis da fecun-
dação do solo e augmento da producção, foi a
constante preoccupação dos Estadistas brazileiros.
Desde que a immigração util se :fixasse no paiz,
servindo de centro de attracção a novos exodos
do paiz de origem, - estaria resolvido o problema
da lavoura e creado o assento de nosso ver<ladeiro
systema tributario .
Falharam varios systemas de colonisação, como
têm falhado em outros paizes novos. Era preciso
preparar o terreno para fixar o movimento da emi-
gração espontanea. E' o que os governos da mo-
narchia iam fazendo, nunca abandonando seu fito
principal. As estradas de ferro rasgavam os ser-
tões e approximavam os centros productores; orga-
nisavam -se muitas casas de recepção, hospedagem e
auxilio; davam-se aos immigrantes direcção e des-
tino para que achassem emprego á sua actividade.
Esperava -se· da acção demorada, é verdade,
mas infallivel do tempo, a frutificação dos esforços
do Governo no sentido de encaminhar a torrente
- 243 -

immigratoria, que nos trouxesse poderosa coope-


ração para a nossa agricul_tura.
Hoje nada parece fazer o Governo para a
propaganda da colonisação. Mais do que nunca,
precisam os lavradores de coadjuvantes ruraes.
Elles vão escasseando, sem que se trate de prover
esta grande necessidade.
Cada vez mais distanciados nos vemos, pois, o i,nposi.n indi ro cto .
do imposto directo, que seria um principio de
ordem para .o Estado. E' um grave inconveniente,
uma fonte de males o habito, em que está o
povo brazileiro de pagar seu g·overno com o pro-
dueto de impostos indirectos, de que não sente
o peso. « Si este imposto é fornecido pelas Alfan-
degas (diz Straten Pontboz) os preconceitos popu-
lares favorecem-lhe a permanencia e ag;gravação,
que parece attingir apenas os estrangeiros. »
Constituído o lmperio e, sendo certo que a
riqueza se concentrava no littoral, fallecendo no
interior, foi o Orçamento geral obrigado a nu-
trir-se daquella riqueza. Veiu, deste modo, o
salario publico em auxilio da insufficiencia dos
cabedaes privados para estabelecer o censo elei-
toral e o de eleg·ibilidade.
« Os financeiros brazileiros, continúa Straten
Ponthoz, extrahiram sna obra das conjunctnras
-do paiz. Antes de tudo, soffriam a imposição de
uma necessid?.cie ; as consequencias della permane-
ceram essencialmente moveis, como suas causas,
- 244 -

ao passo que a: Constituição t1rava dessas mesmas


conjnncturas um 'p rincipio immuta vel: o emprego
publico tornou-se uma das bases dessa ohra: e o
salario um dos moveis do e:x:ercicio dos direitos
políticos . . . A nova organisaç.ão re.clamava o
apoio das classes mais esclarecidas e activas;
cumpria multiplicar seus interesses, ligados á con-
solidação da nova na'c ionalidade. A esta neces-
sidade veiu juntar-se a inefficacia das posses e
cabedaes particulares para formar um censo elei-
toral e de elegibilidade. As classes·, cujas ne-
cessidades de subsistencia deviam pesar sobre o
Orçamento, achavam na Constituição suas pro-
prias · necessidades mudadas em causa indirecta.
de prerogativa.
Foi assim que, no Brazil, o salario publico
encontrando estas diversas circuinstancias do
estado do paiz, se t ornou o movel supremo do
governo.'
O saJario pubJj co co m o A violelicia das eleições é um dos resul-
elem ento per turbador .
tados da tendencia do salario publico para con-
verter-se em principio dominante da applicação
das instituições. Não se derivando o ,impulso elei-
toral do interesse das classes laboriosas e tran-
quillas, implicadas no imposto, e sim das attra-
ções do Orçamento, fazem-se as eleições para con-
seguir o emprego, ou para conserval-o. A elei ção
vai no encalço da funcção publica e o funccio-
nario quer dominar . a eleição . A actividade e a.
~ 245 -

agitação de. toda a fracção, qne vive do salario,


movem-se _neste circulo fatal; d'ahi nasce o con-
flicto das regras. da eleição e dos interesses, que
não tem sómente a conquistar ou a defender sua
influencia politica, e sim tambem o verdadeiro
patrimonio de suas necessidades.
Em taes circumstancias succede, frequente, que
os homens procuram proteger-se pela violencia
contra os males, de que os ameaça a applicação
reg·ular das leis ou sua insufficiencia.
O impos~o directo, que será uma das conse-
q_uencias da exploração do solo, tenderá inces-
santemente a converter o Orçamento do Estado
n'um principio de ordem, emquanto que hoje é
um principio de agitação, pois o faz pesar sobre
o trabalho. Esse imposto chamará os verdadeiros
representantes dos contribuintes á :fiscalisação daR
despezas, ao passo que hoje o mesmo Orçamento
não actna senão como uma attracção de partilha
para abandonar os negocios aos adherentes das
autoridades locaes ou das,. facções » .
A valorisação do solo para creação da materia Lei Torrem;.
tributavel do imposto territorial não tem sido
como cumpria, o objectivo dos Estadistas da . Re-
publica. O illustrado Sr. Dr. Ruy Barbosa, com-
prehendendo a necessidade vital do paiz e- que-
rendo satisfazel-a, tentou applicar ao Brazil o
systema Torrens, que trazia nas entranhas a so-
lução do grande problema social da actualidade,
- 246 -

- a mobifüação do valor imrq_o biliario. Para esse-


fim mandou redigir, sob suas immediat as vistas,
o De.e reto, que foi promulgado sob n. 451 B em
31 .d~ Maio de 1890, - um dos mais perfeitos do
actual decennio.
Como ensaio, concedeu a tres cidadãos o di-
reito de realizar nesta Capital a medida contida
naquelle Decreto, armando-os dos meios indispen-
sáveis á effectividade de . tão import,1,nte melho-
ramento. Sen snccessor negou á Companhia, que
tentou pôr em pratica a reforma, as providencias
necessarias para traduzil-a em facto 1 providencias
garantidas pelo Governo em um contracto so-
lenrne, assjgnado na Directoria Geral do Conten-
cioso do · Thesouro Federal, ex-vi do Decreto da.
concessão. Ficou, assim, lettra morta nas paginas
da legislação essa util innovação, que em paizes,
nas condições do nosso, ha sido fonte de prospe~
ridade, e perdeu-se o ensejo para fundação do re-
gimen definitivo das taxas directas sobre a base
da terra cultivada.
Augmento do J:uu Ct.;icma- Respectivamente á diminuição gradual da classe,
lí smo. Escandalo s ad mi - que vive do salario publico, o procedimento dos
nis trativos.
.actuaes Estadistas ha sido diametralmente op-
posto ás conveniencias publicas. Em vez de iremt
pouco a pouco, reduzindo o funccionalismo, crearam
novas legiões · de empregados, para cuja · actividade
inventaram categorias de serviços, e o que é ma.is, .
multiplicaram as · aposentadorias de funccionarios
- 247 -

válidos, muitos dos quaes recebem ordenado e grl:l,-


tificação, dando-se, entre outras anomalias, a de
se contarem no rol dos inactivos quatro inspecto-
res da Alfandega desta capital, todos na pleni-
tud.e de suas forças physicas e intellectuaes.
Deste modo, para ganharem novo reforço elei-
toral, fizeram recuai· para um porvir, ainda mais
longinquo, a reforma que, expungindo o Orçamento
de pesados encargos, prepararia novo systema de
eleições, mais proprio a exprimir a verdadeira
opinião nacional. Posto em pratica o regimen das
taxas directas, concorreriam ás urnas os contri-
buintes, que, velando sobre o product_o dos impos-
tos, cujo peso sentiriam, escolheriam para represen-
tal-os cidadãos de sna confiança como fiscaes das
despezas publicas, para as quaes elles eleitores
co·ntribuiriam com valiosos contingentes. Afastado,
assim, do pleito eleitoral o elemento dependente,
inquieto, perturbador, seriam as eleições a ex-
pressão da verdade, pois representariam o pensa-
mento e a vontade autonoma de classes indepen-
dentes.
Seria essa reforma um passo agigantado para
constituir ou firmar o caracter da nossa naciona-
lidade e assegurar os seus destinos. Tão salutar
mudança nos habitos e costumes do povo brazi-
leiro asseg·uraria a sincera coo'peração das classes
conservadoras na grande obra da unidade na-
cional.
- .248 -

A extraordinaria expansão,, que o actual regí-


men deu ao salario publico aug:mentou, porém,
os defeitos e os perigos das eleições e retardou,
por muitos annos, a nossa reg eneração política.
Bistoria e analyse per - Estudemos a historia das eleições no Brazil ,
Iunctoria da legislaçã.o elei- .
toral br azileira. desde a fundação do Imperio até hoje, e ass1gna-
lemos a decadencia desse elemento da nossa vida
politica.
A historia da legislação eleitoral, no período
do regímen monarchico constitucional, traduz um
constante esforço do legislador, no meditado em-
penho de conseguir a effectivà representação ·aa
soberania ~acional, pela independencia do votante
e eleitor, conscientes elos publicos interesses.
Estas idéas capitaes inspiraram-n'o, em todas
as leis, modificações e reformas que, · successi va,
mas intervalladamente, decretou e produziu, ém
relação a este importante assumpto , procurando,
sempre conciliar a inflexibilidade dos princípios
liberaes com os reclamos da experiencia social.
Assim, ao tempo em que, sem precipitação, fixava.
e alargava o pensamento da capacidade política,
estendendo-a ao maior numero , até o limite do suf-
fragio universal, substituída a elei ção indirecta, ou
de dois graus, pela eleição de um só gTau, ou di-
recta, pela consagração do principio das incompa-
tibilidades, e, por um coujuncto de medidas , exclu-
sivas de indebitas influencias, - levantava barreiras
á fraude e ao consequente falseamento da eleição.
- 249 -

A historia da legi~lação eleitoral, no periodo


do regimen nionarchico, manifesta o esforço inde-
fesso e constante do leg·islador, para firmar sobre
a verdade . da eleição o regímen representativo,
consagrado pelo pacto fundamental da Nação Bra-
zileira.
Com prehende-se a magnitude da tarefa, q_ ue, de
direito, coube realizar aos tres ramos do Poder
legislativo, no intuito de ·estabelecer aq primor-
diaes condições de um regimen politico, inaugu-
rado, após tres seculos de regimen colonial, que
enraizara nos costumes publicas os vicios, inhe-
rentes ao governo metropolitano.
Ainda a 7 de Março de 1821, D. João VI,
em meio dos acontecimentos que, em breve, (24 de
Abril) determinaram seu regresso a Portugal, ex.-
pedia instrucções para a nomeação de deputados
ás côrtes portuguezas, que, consoante ao methodo
adaptado pela Constituição hespanhola, devictrn 1·e-
gular todo o reino-u,nido ele Portugctl, Brazil e
Algarves.
Mas o Principe Regente, D. Pedro, que, sem
embargo do pensamento, manifestado pelas côrtes
portuguezas, declarára, a 9 de Janeiro de 1822,
fiwr no Bmzil para beni ele todos e f elicidcide geral
da nação, creou pelo Decreto de 16 de Fevereiro,
desse mesmo anno, um conselho de procuradores
g·eraes das provincias do Bra.zil, nomeados pelos
eleitores de parochia, congregn,dos nas cabeças de
- 250 -

comarca. Eram apüradas as ~leições -pela camara


da capital da provinda, conforme a maioria de
votos, e, no caso · de empate, pela sorte, se-
guindo-se em tudo as Instrncções de 7 de :Março
de 1821.
Por este Decreto, aliás revogado pelo de 20 de
Outubro ele 1823, mas em que já transluzia a boa
nova da Independencia, o Conselho, que creava, · e
para cuja reunião bastava o concurso dos dele-
gados, os procuradores de tres províncias, devia
ser presidido pelo principe regente, que o convo-
cava, espontaneamente, ou, solicitado, prévia-
mente -consentia em sua reunião.
O procedimento do governo portugue_z, que-
rendo impedir, de facto, acc.e lerava o movimento,
já iniciado, da Independencia do Brazil, e o Senado
da Cama,ra do Rio de Janeiro, que offerecel'a '10
Príncipe Regente o titulo de - Defensor perpetuo
do Brazil, a 3 de Março de 1822, instava pela con-
vocação de uma Assembléa Constituinte.
De facto, a 23 de Junho foi ella convocada,
expedindo-se, a 17 do mesmo mez, instrucções, em
que se estabelecia a eleição indirecta, escolhidos
os eleitores dos deputados pelo povo de cada uma
das freguezias, sob a presidencia do presidente do
Senado da Camara on dos vereadores.
Em geral, era reconhecido o direito do voto a
todos os cidadãos, casados ou solteiros, não filh0s
familias, tendo vinte annos, ou mais, -uma vez que
- 251 -

tivessem um anno de residencia na fregnezia, em


que q.eviam votar.
Dissolvida a Constituinte, a 12 de Novembro
de 1823, pelo Decreto de 17 do mesmo anno e mez,
mandou-f,e proceder á nova eleição de deputa<los,
pelo inethoclo esfobelecido nas Instnicções de 1.9 de
Junho do anno anterior, combinado com o Decreto
de 3 de Agosto desse mesmo anno. Antes, porém,
q_ue a nova assembléa se reunisse, foi um projecto
de Constituição, redig·ido por uma commissão de
10 membros, e apresentado ao povo, por inter-
medio das Camar<1,s ( municipaes) que o approva-
ram, sendo jurado e proclamado como Constitui ção
política do Imperio, com -a data de 25 de Março
de 1824.
Toda a legislação, anterior á Lei de 19 de
Agosto ele 1846, representa o período embryo-
nario da eleição. Por así:iim dizer, não ha qua-
lificação.
Votam todos os cidadãos acti vos; as listas são
formadas para cada eleição; esta é de dois, ou
mais graus, como se vê nas de Instrucções de 7
de Março de 1821 e no Decreto de 26 de Mai,ço
de 1824, pelo qual se elegeu a Constituinte.
Comprehende-se o empirismo deste processo,
em q_ue a fraude tudo poderia conseguir, sinão
fôra a singeleza e boa fé daquelles tempos primi-
tivos da nossa vida representa~iva.
252 -

Com a Lei n. 387 de 19 ~de Agosto de 1846


começou a qualificação permanente.
Apurando as juntas de qualificação, com recurso
para o Conselho Municipal e deste para a Relação
do Districto, os votantes, que tinham de _escolher
os eleitore_s, ficou firmada a base do exercício do
voto.
Todavia, a fórma indirecta da eleição, a lista
·c ompleta e a vasta circumscripção eleitoral, que
abrangia a província inteira, tiravam ao voto a
sua espontaneidade, snffragando o eleitor a um
candidato, de quem, muitas vezes, nem noticia
tinha . Accresce que, interpretada com.o foi a renda
1iq11ida de 100;/P, de que cogitava a Constituição
de 18:J4, importava isto o suffragio universal,
pois nem os analphabetos eram excluídos. Qmtsi
nenhumas entm as incompatibilidades, pelo que,
foi, muitas vezes, factor decisivo na eleição a in-
fluencia official dos candidatos.

Com a Lei n. 942 de 9 de Setembro de 1855


foi introduzida a eleição uni-nominal. .
Orearam-se os circulos; as juntas de qualificação
se organizaram, mediante eleição pelos eleitores e
supplentes, intervindo, assim, a minoria nos actos
qualificador e eleitoral.
Foi creado o sup:t,lente de deputado e alar-
gou-se a esphera das incompatibilidades, não se
253 -

permittindo q_ue fossem votados no districto de sua


jurisdicção os Presidentes de Província e seus
secretarios, os com.mandan_tes de armas e generaes
em chefe, os inspectores da Fazenda· geral e. pro-
vincial, o chefe de policia, seus delegados e seus
subdelegados, os juízes de direito e municipaes.
Era mais um passo para a - liberdade do voto.
O Decr. n. 1082 de 18 de Agosto de 1860
organizou os districtos de tres deputados, alar-
gando, dessa arte, as circumscripções eleitoraes e
quasi extinguindo a representação das minorias,
que os círculos de um deputado garantiam.
Manteve a qualificação, conforme a Lei de
1846, cujos defeitos são evidentes.
Com a Lei n. 267 5 de 20 de Outubro de
1875 fez-se profunda inversão do regimen elei-
toral, cuja principal base era, até então, a Lei
de 1846.
Continuou, é certo, a fórma de eleição indi-
recta. Introduziram-se-lhe, no entretanto, as se-
guintes notaveis alterações:
1. 0 A qualificação dos votantes passou a ser
permanente ;
2. 0 O cidadão uma vez alistado Iião podia ser
excluído, sinão em casos taxativamente indicados e
por sentença do poder júdiciario;
3. 0 .A cada votante expedia-se um titulo, me-
diante o qual aquelle exercia o seu direito, inda
que não estivesse incluído nas listas da chamada;
254

4. º A eleição passou a ser· por . provindas, vo-


tando cada eleitor em dois terços do numero de
. deputados a eleger, applicando-se o mesmo pro-
cesso para a eleição dos eleitores de parochia ;
5. º O circulo das incompatibilidades foi mais
alargado, esboçando-se os primeiros rudimentos da
incompatibilidade parlamentar. ·
Não obstante todos estes incontestaveis me-
lhoramentos, - os partidos na primeira execução
da Lei, - cavilaram-n'a, conseguindo, mediante o
rodisio, eleger e-amaras unanimes.

Reclamada instantemente pelo accôrdo una-


nime dos dois partidos constitucionaes, a eleição
directa ou de um só grau, teve ella f\Ua procla-
mação na Lei de 9 de Janeiro de 1881, que foi ,
sob a Monarchia, o mais assig·nalado passo na con-
quista da verdade eleitoral.
Exigindo a prcva do censo e fazendo do alis-
tamento um acto puramente judicial, com recursos
directos para os tribunaes, essa Lei excluiu do
voto as classes analphabetas e o proletariado que,
;;ob o regimen antecedente, eram o instrwnenta
regni dos emprezariós eleitoraes.
Com o circulo uni-nominal e a exigencia do quo-
ciente eleitoral, essa Lei garantiu a representação
da minoria. Com a sua leal execução puderam sei'
derrotados ministros de Estado . .
- 255 -

Accusaram-na de Lei restrictiva dos direitos


politicos, por entenderem ser por demais severa a
prova da renda.
Com a reforma parcial de 1883 attenden-se, em
parte, a essa censura, por se ter alli alarg·ado a
esphera dos alistaveis, assim como augmentado os
casos de incompatibilidade parlamentar e elei-
toral. Por assim dizer, aboliram a interferencia
directa do elemento official na composição do Par-
lamento.
Essa Lei, como alguem disse, valia, uma Con-
stituiçãó, pois que, organisado o corpo eleitoral
permanente, e creados os pequenos circulos, todas
as opiniões podiam fazer-se representar ; a com-
pressão gov_ernamental ficou, de facto, annullada.
Tanto assim o comprehendeu o Governo Pro-
visorio, que, para a eleição da Constituinte, teve o
cuidado em revogal-a e expedir, em seu lugar, o
Regulamento Alvim, promulgado pelo Decr. n. 511
de 23 de Junho de 1890, o qual é o mais auda-
cioso attentado, commettido neste paiz contra o
direito eleitoral.
Por esse Regulamento ficou nas mãos do g·overno .
a nomeação dos deputados e senadores, uma vez
que as intendencias nomeavam as mesas de qua-
lificação e apuradoras. Todos sabem que, dissol-
vidas as Camaras mnnicipaes, os governadores
dos Estados e o Ministro do Interior, puzeram á
testa dos municípios, pessoal exclusivamente seu.
256 -

Dispensou-se a · renda para -o exercício do voto,


cabendo este a todos que pudessem assignar o
nome.
Isto importav-a a · victoria das multidões inca-
pazes.
A eleição tornou a ser por Rstados, votando
cada eleitor em lista completa.
Era o esmagamento ·da opposição.
Supprimiram-se, litteralmente, as incompatibi-
lidades, de sort~ que, todos os ministros, todos os
governadort;Js, grande. numero de comrnandantes
militares, de magistrados e os chefes de ·policia,
tiveram ingresso na Constituinte, que foi uma ver-
dadeira confraria de empn:gados publicos.
O Regulamento Alvim legalisou, por assim
dizer , a fraude, supprirnindo os fiscaes , que a Jei
Saraiva havia creado e só permittindo intervir . no
processo do escrutínio, - os mesarios, delegados
das intendencias.
E' as~im, que se explica o sere.m excluídos do
Parlamento os homens mais nota veis do paiz ,e que
ainda mi vespera dispunham de vasta clientela
politica.
Havendo a Constituição Federal determinado
que se procedesse, quanto antes, á decretação de
uma nova lei de eleições, para esse fim promul-
gou-se a Lei n. 35 de 26 de Janeiro de 1892,
que tem presidido a escolha dos membros da se-
gunda e terceira legislatura ao Congresso.
- 257 -

Ahi bem pouco se melhorou o processo cogi-


tado no Regulamento Alvim .
Crearam - se, é certo, os districtos eleitoraes
ele tres, quatro e cinco deputados ; restaurou-se
o voto incompleto, votando o el eitor .em lista de
dois, tres e quatro nomes; adoptaram-se algumas
ligeiras incompatibilidades eleitoraes.
O alistamento continuou, porém, a ser uma
empreitada dos politiqueiros de profissão.
Dispensada a renda, basta para ser eleitor a
condição unica de saber ler e escrever, que, aliás
a fraude sabe burlar.
A qualificação dos votantes assumiu o caracter
aleatorio dos primeiros tempos. Ontr'ora, porém,
si, na eleição primaria intervinham as massas in-
conscientes, os eleitores de parochia que escolhiam
os deputados e senadores, formavam um corpo
selecto e com capacidade oastante para exercer
o suffragio do seg·undo grau .
Agora, não.
Ma.ntida a eleição directa sem a peia salutar
do censo, mais do que nunca domina a tyrannia
elos corrilhos .
E' assim que, o famigerado P. R. F., de que
dispunha a seu alvedrio um habilíssimo chefe elei-
toral, conseguiu fazer para a actual legislatura
uma Ca.mara unanime.
E' assim que, neste Di.stricto Federal, o voto
das parochias mais adiantadas em civilisação e
17 3° VOLUME ·
- 258 -

ri,iueza, é supplantado pelo 11leitorado camponio


do Triangulo, donde, á ultima hora, vêm sempre
surprehendentes exhibições· da sensibilidade re-
publicana em materia de eleições.
Como, porém, não apparecer esse resultado, si
ainda os membros da Intendencia e Conselhos
Municipaes, distribuem os Districtos em secções
eleitoraes e escolhem os mesarios? !
São as commissões formadas de cinco mem-
bros e dois supplentes que revêm annua1mente o
alistamento anterior, organisando listas, - que se
remettem á commissão municipal, composta _do Pre-
sidente da Camara Municipal e dos Presidentes
das commissões seccionaes.
Dispõem estes, definitivamente, do alistamento,
embora haja recurso das decisões desta commis-
são para o Juiz Seccional e para o Supremo Tri-
bunal Federal. Comprehende-se o largo arbítrio
das Juntas, attendendo-se ás formalidades da in-
terposição do recurso e á necessidade de uma
prova, nem sempre facil de ser produzida.
No acto de eleição, são estes mesarios os es-
crutadores e apuradores, podendo sem que se lhes
vá a mão, falsificar a leitura das cedulas e o
lançamento dos votos.
Pouco, ou quasi nada, aproveitou a instituição
dos boletins.
Nas apurações finaes, esses documentos são des-
prezados; a impunidade dos falsarios fabricadores
- 259 -

de actas acoroçôa a reincidencia, ao passo que as


depurações pelo Senado ou pela Camara são hoje
um facto commnm.
Sob este aspecto, destacam-se pelo luxo do
escandalo a recente eleição senatorial do Rio-
Grande do Norte e a que se effectuou no districto
de Juiz de Fóra, em Minas-Geraes.
N aquella, o candidato Fagundes só ponde ser
reconhecido pela approvação de duplicatas in-
formes, de actas falsificadas in totwn e graças a
todo o genero ele violencias e excessos praticados
pelo Governador.
Quanto a eleição de Juiz de Fóra a Camara
rasgou o diploma elo Dr. Antonio Spiridião Gomes
da Silva , suspeito de monarchismo, para dar in-
gresso no seu recinto ao representante do jacobi-
nismo mineiro.
Hoje ', na maioria dos Estados, não ha
eleição.
Vêm ao Congresso os designados da policia e
dos mandões locaes.
O povo facilmente se vai accommodando a esta
ordem de cousas.
O absenteismo das urnas tornou-se norma
commum .
Não vota a decima parte do eleitorado. Quando,
nas actas se attesta concurrencia numerosa, ficai
certo que o excesso de voto é forgicado a bico
de penna.
- 260 -

A Lei de 1892, com o seu 1)rocesso imperfeito,


escancara as portas da fraude, que como já clis-
semos, é pela impunidade acoroçoada.
Si assim acontece com as eleições- federaes,
póde-se avaliar o que fazem os Estados na escolha
dos seüs congressos e municipalidades.
Como a justiça, é a eleição hoje variavel de
Estado a Estado, e em muitos lugares, de muni-
cípio a município.
Ha, assim, uma multiplicidade de processos,
cada qual mais illusorio.
Com.prehende-se o que de taes factores se
póde colher.
Os adversarios da situação são litteralmente
asphyxiados; quaesquer velleidades opposicionistas
de prompto supplantadas .
Em Sergipe, ainda ha pouco tempo, dispunha
o coronel Valladão de todos os postos of:ficiaes e
de representação. Era o suzerano da terra.
Bastou que rompesse a hostilidade do presi-
dente Garcez para que aquelle tudo perdesse.
No ultimo pleito, pouco mais de uma centena de
votos conseguiu, quem em 1894 fC:ra eleito quasi
por acclamação.
O Congresso1 os chefes republicanos, não querem
comprehender que sem verdade eleitoral este re-
gímen é a peior das tyrannias.
E' certo que está tentada uma nova reforma ,
constante do projecto n. 100 de 1899.
- 261 -

A principal novidade introduzida é o voto


cumulativo , como meio de garantir a representação
da minoria.
E' ainda um artificio, que naufragará, por ser
inteiramente dissonante dos nossos habitos e tra-
_dições.
O eleitor, sitiado pelos candidatos, raras vezes
reservará todos os seus votos em beneficio de um só.
Surdem igualmente os meios coercitivos para o
comparecimento dos eleitores,-o que tirará á elei-
ção a espontaneidade, que é a sua belleza e força.
Como specimen rla orientação dos directores da
política actnal, basta lembrar que um dos expe-
dientes, indicado pelo g·eneral Glicerio para for çar
a presença de eleitores, é a privação dos direitos
civis.
Resurge, assim, a morte civil do regímen abso-
luto e com uma latitude, nunca até então cogitada.
O projecto n. 100 parece condemnado. A nova
legislatura vai ser eleita pela mesma defeituosis-
•Sima legislação de 1892.

Quanto á execução d6ssas leis, que a Republica As eleiçõe · rcpuJJlicanas


julgadas pela Carn ara dos
apregoa como palladios da liberdade dos cidadãos D cputaclos Llescle 1891 até
em materia eleitoral, ouçamos dos proprios eleitos 1899. - Ex t r a e to s dos
, l ?t'M W~.
pelo ::,ystema dellas as apreciações, que na Ga-
mara dos Deputados fizeram. Os trechos dos dis-
cursos, que se seguem, são extrahidos dos· Annaes
- 262 -

respectivos e assignalam os pTincipaes escandalos


eleitoraes, praticados desde 1891 até hoje.
Sobre · o parecer, que approvon as eleições
de 16 de Julho de 1892, reconhecendo um de-
putado pelo Estado de Ceará, disse o Sr. Mar-
tinho Rodrigues, na sessão de 12 de Setembro
de 1892:
<~ ••• a chamada eleição, de 16 de Julho foi
uma farça menos digna, á qual o eleitorado dei-
xou de comparecer.
Os 14 ou 15.000 votos, com que se diz eleito
o candidato diplomado, não são verdadeiros. Essa
eleição, como as outras, á que se procedeu no
Ceará a 29 de Maio para as camaras municipaes
e a 10 de Abril para o Congresso estadoal, foi
feita Cl bico ele penncl.

Srs. membros da commissão de poderes: diz-se


que o regímen republicano é o regímen da ver-
dade, moralidade e da justiça !
« ~i é assim, esta eleição não póde ser appro-
vada, porque ella representa a mais audaciosa
violação da lei, a mais vergonhosa fraude, por-
ventura posta em pratica neste paiz, mesmo nos
tempos do imperio, tão malsinados pelo republi-
canismo puro dos situacionistas. »
- 263 -
O Sr. Zama na 122ª sessão em 11 de Ou-
tubro de 1892 sobre ~leições de Minas, assim
se exprimiu : « A Camara é soberana na verifi-
cação; póde lançar fóra d'aqui o deputado, mais
legitimo e legalmente eleito. O que a Camara
não póde é fazer deputados os que têm mi-
noria de votos. Mas expulsar aquelles, que têm.
maíoria . de votos, si lhe convem, é direito seu
e dé todos os paizes. »
Antes disso, dissera o mesmo Sr. Zama : -
A commissão, de quinhentas e tantas actas
apurou apenas 136. E' preciso que ::i, Gamara con-
fesse que as eleições não podem. ser feitas a sabor
dos mesarios, dos eleitores, ou por leis revogadas.
Todas devem ser feitas pela Lei n. 35 de Janeiro
deste anno. »

. O Sr. Aristides Maia, na 120ª sessão em 8


de Outubro de 1892, sobre eleições de Minas
fallou nos seguintes termos:
- « Diz-se que nunca venceremos uma eleiçã'>
em Minas, porque não temos maioria. Esquecem-
se os que assim falhtm do modo por que elles
e seus amigos arranjam essas maiorias. »
O Sr. Martinho Rodrigues na sessão de 31
de Maio de 1893, ( 2P sessão) sobre eleições
no Estado do Amazonas - disse : - << Que o
simples exame ocular, o mais perfunctorio lance
- 264 -

de vista sobre as actas desta eleição, conven-


ceria os mais incredulos, os mais obcecados, de
que a eleição foi tudo - menos o producto da
vontade livre e espontanea do eleitorado; que
não é mais do que o resultado da habilidade dos
illustres governistas, que se incumbiram, como é
muito cotnmnm actuaJmente, de falsificar as actas
no seu proprio g·abinete. »
E o mesmo Sr. Martinho accrescentou : «·Não
precisa fazer um appello aos sentimentos demo-
craticos da Gamara; não precisa dizer-lhe que
carecemos de um grande exemplo de moralidade
neste regirnen da Republica , no qual (cousa admi-
ravel ! ) nas eleições não ha . votos; ha votados,
mas não existem votos. Parece um verdadeiro
absurdo uma Republica sem voto; pois é o que se
dá actualmente neste paiz. Para ser deputado, pre-
sident e ou governador de Estado, feitor de estado,
ou cousa semelhante não é preciso o voto. Basta o
apoio da força federal, basta o apoio do Vice-Pre-
s~dente da Republica para ser tudo is~o, dispen-
sando perfeitamente o apoio da opinião nacional. >>
O Sr. Justiniano de Serpa, na 22"' sessão em
1 º de Junho sobre eleições do Ceará, reconhecendo
deputado o major Benjamin Liberato Barroso,
disse: -« A eleição, a que allude o parecer, não
foi, nem póde ser considerada urna eleição. Concre-
tisa o maior desrespeito á opinião do meu Estado
e chega a assumir as proporções de um crime.»
- 265 -

E mais adiante:-« E' i.nconcebivel maior atten-


tado á lei. Dir-se-bia que se procnrára proposi-
talmente trazer á alta apreciação da Gamara uma
prova inclestructivel e irrecnsavel do amordaça-
mento da consciencia nacional e da arrogancia dos
que têm o poder.

Ha ahi quem possa contestar a indifferença tlo


povo · por tudo, que se refere á Republica, que elle
acolheu com enthusiasmo e applauso? Que signi-
fica essa abstenção em massa, aqui na Capita, Fe-
deral, como em . quasi todos os Estados da União?
Como explicar esse abandono das urnas, sinão
pela certeza, que tem o povo, de que ha outra
vontade superior á sua vontade,· de que existe
uma força, que esmaga todos os seus direitos?

Em quasi todos os Estados, a maioria do povo,


não concorre aos pleitos ; não ha mais o interesse,
que em outros teµ:ipos tomava na escolha dos seus
representantes.

O eleitorado, em maioria contrario á política


do governo, não confia nas mesas eleHoraes,
de invenção do illustre candidato diplomado.
Além disso, o receio de incorrer nas iras do
poder fez com que a quasi totalidade dos cida-
dãos se abstivesse do pleito.· N'um tempo, em
que não ha garantias, em que ninguem se sente
- 266 -

seguro, a melhor política, pareceu a todos, é a


abstenção·.
. . ' . . . . . . . . . . ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . »
O Sr. Epitacio Pessoa, na 42ª sessão em 30
de Junho de 18931 sobre eleições no Rio Grande
do Norte, disse: - « Um dos maiores males, que
se tem feito á Republica, tem sido justamente a
falsificação do voto popular.
A consequencia fatal deste erro ou antes
deste crime, já se vai fazendo sentir de modo con-
tristador nas abstenções systematicas, no des-
. prestigio dos corpos electivo~, na desmoralisação
de certas organisações estadoaes, nas recrimi-
nações, que explodem a cada canto contra a Re-
publica, e que muito podem concorrer para a
impopularidade do regímen.'>

O Sr. Cupertino de Siqueira, na sessão de 5 de


Junho de 1894, sobre eleições de Minas Geraes,
assim se exprime: « Acabo, Sr. presidente, de re-
ceber uma certidão dos eleitores qualificados em
um dos municípios do 9º districto de Minas, e du-
rante alguns minutos, confrontando-a com a re-
lação dos eleitores, que assignaram no livro de
presença (tomando apenas uma freguez.ia) encontro
nas primeiras linhas de assignatura nada menos
de cinco nomes de cidadãos, que votaram, sem que
- 267 -

jámais tenham sido qnalificados. Esse vicio se dá


em todo o mnnicipio.

Nós, os representantes. da maioria, S1~. Presi-


dente, conseguimos nossas eleições ew Minas, por
uma votação, que representa a vontade legitima
do eleitor~do, sem lançar mão de meios indeco-
rosos da fraude desbragada, que temos notado em
alguns districtos, onde ha triumphado a oppo-
sição. E' uma questão toda de moralidade. »

O Sr. Augusto Severo, na sessão de 15 de


Junho de 1894, sobre eleições da Bahia, disse :
«_ Foram feias, feissimas mesmo, as eleições do
1 º districto da Bahia, no que concerne principal-
mente ao deputado votado em 4° lugar .
Ha concertos de acta, que foram feitos á 7 de
Março, quando o processo eleitoral não póde ser
interrompido sob nenhum pretexto.
Esses e muitos, Sr. Presidente, são de livros
de originaes, o que não tem razão de ser, porque
em regra o que se concerta são copias e traslados. »

O Sr. Benedicto Valla~are:::;, sobre eleições de


Minas-Geraes,nasessão de14deMaiode 1884, disse:
« A honra de am };los os candidatos está empe-
nhada na verificação deste facto eleitoral: é ou não
uma fraude a chamada. eleição ele Muzambinho?
- 268 -
Declaro com toda a franqueza á Gamara que,
si fôra candidato pelo 12º districto, não quereria
ter assento nesta casa sem verificar esta desgra-
çada questão de Muzambinho; ju1gando indigno
de mim um assento nesta Camara, se não se ve-
rificasse a verdade da eleição de Muzambinho.

A Camara ouviu a exposição do Sr. Lamartine:


comrnetteu-se um grave ·attentado; fez-se a elei-
çã,o, mas não se lavrou a acta immediatamente,
lavrando-se posteriormente a sabor e seg·undo os
interesses dos fabricantes.

Essa acta encerra um attentado ou crime. Se-


gundo a acta, o Sr. Lamartine nessa secção teve
59 votos, o Sr. Costa Machado tres e não cento
e tantos . ,>
Ouçamos o Sr. Nilo Peçanha, na sessão de
28 de Maio de 1895, . sobre a eleição no Estado
de Alagôas : - « A eleição de Alagoas é fraudu-
lenta, é falsa; dil-o quem compulsou todas as
actas e todos os documentos, que instruíram o in-
querito parlamentar. Nem quer o récohhecimento
de nenlium dos candidatos, que pleteiam a cadeira
do 1 º distdcto. Nenhum delles representa o sen-
timento e a maioria dos seus concidadãos.
Nulla é a eleição de Santo Antonio da Boa-
Vista : 77 eleitores, vencendo distaúcias e diffi-
culdades, foram á séde do município de Mnricy e
269 -

protestaram contra o processo eleitoral clandes-


tino e falso !

Nulla é a eleição de Jacnhype, onde um dos


candidatos teve numero de votos superior aos dos
cidadãos qualificados no districto. A certidão do
Conselho da intendencia accusa 120 eleitores que
ficaram reduzidos a 70, devido a mortes e mu-
danças. Ora, se :i!6 eleitores protestaram contra a
falsidade · da eleição, como podia ter um dos can-
didatos 64 votos?

Nullas são as eleições de Maragogy, onde


as mesas fnnccionaram até a apuração, com falta
de dois mesarios, vicio insanavel, profundo em
materia de jurisprudencia eleitoral. »
Eis um trecho do discurso do Sr. Martins
Junior, na sessão de 8 de Maio de 1897, sobre
a eleição de Pernambuco :
« Defendeu o qne podia defender, e quanto á
nullidade da eleição de Ipojuca, exhibiu uma certi-
dão do secretario da Oamara Municipal, com firma
reconhecida pelo tabellião de Ipojuca e com a firma
deste reconhecida pelo tabellião do Recife, dizendo:
- « Os livros que aqui estão contêm trinta e tan-
tas assignaturas, e as actas, que aqui estão contêm
149 votos! » Outra certidão diz: « O livro con-
tém 40 assignatnras, a acta 13H votos ! »
- 270 -

A fraude é completa, palpavel; a Oommissão


viu documentos, que não podiam absolutamente
deixar de merecer fé, e de outro lado, as pro-
prias actas da eleição ; verificou a fraude pelas
actas de Ipoj uca, como póde testemunhar um dos
dignos membros da Oommissão. »
Outro trecho do Sr. Luiz Domingues, na sessão
de 4 de Outubro de 1897, sobre eleições em Ma-
ranhão: - « E' preciso trazer ao conhecimento da
Gamara, para ficar consignado nos annaes do Con-
gresso, que o illustre candidato contestante disputa
o mandato em uma eleição, que não pleiteou e em
que não ,foi candidato.
Assim é que em tempo publicou o directorio
do s,eu partido que- este não concorria ás urnas
nas eleições de 4 de ,Julho, de que se trata, e a
principal, sinão unica razão foi que não confiava
no criterio e justiça desta Gamara na verifica-
ção dos poderes, em vista do procedimento della
no julgamento das eleições em Dezembro. »

O Sr. Marcos de Araujo, na sessão de 3 de


Dezembro de 1898, sobre eleições no Ceará, disse:
- « Além de ter havido violação evidente do es-
crutinio secreto na 2ª e 4ª secções de Pacatuba,
porquanto os presidentes das mei3as annunciaram
o resultado das eleições :tnteR de abrirem as
cedulas, houve falsificação do resultado da eleição
- 271 -

da ia secção, o que é evidente e verifica-se da


authentica, remettida á secretaria da Camara,
salienta.ndo-se a falsidade pelo confronto della
com a que juntou , como documento, o candidato
Dr. José Avelino, differente da primeira em muitos
pontos e na parte essencial do numero dos votos
obtidos.
1

Vou dizer algumas palavras sobre as eleições


de Acarahú. S. Ex. o Sr. Casimiro da Rocha,
considera boas as eleições das 1 a, 3ª, 4ª e 5ª
secções, quando do exame das actas se nota que
a sua simulação foi completa. S. Ex., porém ,
só aceitou a nullidade da 2ª secção.
As copias das actas- da 1ª , 3ª e 4ª secções
foram conferidas e concertadas no dia 3 de Julho e
o officio da remessa de uma tem a data de 8 de
Julho e os das duas primeiras de 3.
As actas da 5", Jurityanha, que foram conferi-
das, concertadas e assig·nadas por escrivão a cl hoc,
tem como o officio de remessa, a data de 1 º de
Julho, contra a expressa disposição dos artigos da
Lei já citados, havendo, além disto 1 .um protesto
contra esta ultima eleição.

Em S. Francisco, apezar de serem todas as


eleições videntemente nullas por fraudes e alista-
mentos nullos e apparatos de força, o Sr. Dr. Ca-
simiro da Rocha considerou-as todas válidas, com
- 272 -

excepção sómente da de Santo Antonio do Aracaty-


Assú, secção esta que foi sempre considerada per-
tencente ao 3° düitricto, e agora por artificio foi
dada como 8 ª secção de S. Francisco, quando
S. Francisco não tem 8 secções !
As actas da secção de Tururú, consideradas
boa8 por S. Ex., não foram assignadas pelos mem-
bros da mesa, nem transcriptas, conferidas e con-
certadas.

Passo á analyse das eleições de Campo-Grande.


Ahi, Sr. Presidente, o nobre autor do voto em se-
parado considera válidas as eleições; entretanto
todas ellas são simulacros de eleições, o que se
conclue do estudo detido de cada uma das actas
de per si . . ...... . .... . . . ...... .. .......... .

Em Porangaba, 8. Ex., considerou válidas as


eleições da l ", 2\ e 4 ª secções e , não havendo
ahi mais que duas secções, não sei onde S. Ex.
foi encontrar uma quarta secção chamada Almas ,
quando Almas pertence a Camocim ! Com relação
ás duas secções existentes, alem de não terem sido
transcripta.s as actas das respectivas eleições,
houve .vicio na organisação das mesas; porquanto,
comparecendo tres mesarios, immediatamente cha-
maram dots eleitores, que tomaram parte na eleição
de presidente e secretario , contra expressa dispo-
sição da Lei.
- 273 -

Além disso, para estas eleições serviram alista-


mentos, julgados nullos, conforme certidão do se-
cretario da jnnta eleitoral, alem. de outros muitos
vicios, com.o os já apontados relativamente a simu-
lação das actas.
Passo a tratar das eleições de Redempção.
Nesse municipio, Sr. Presidente, S. Ex., o
Sr. Casimiro da Rocha, considerou boas as elei-
ções da l& e 3ª secções.
Foi este município um daquelles, em que se
deram maiores irregularidades, além das trope-
lias, havidas por contar o governo estadoal com
as mesas.
E' assim que, eleitores não foram admittidos a
vot.ar, como consta dos documentos exhibidos, e
protesto, a que se refere a copia da acta da eleição
da 1 ª secção .
Na 3· secção um fiscal retirou-se, antes de con-
cluídas as eleições, deixanclo, portanto, de assignar
as actas, por causa dos tumultos, provocados e
praticados por capangas armados, havendo até
derramamento de sangue. »
Ponham-se agora em parallelo os productos das
eleições do Imperio com o·s da Republica e verão
que outr'ora os eleitores mandavam ao Parlamento
a escól das classes illnstradas e preponder~n te~._
Varões sagrados pela.opinião, verdadeiro~/ sy{p1bo,\~s;
na relig·ião do patriotismo - honravam s-uccessiva-
mente as cnrús do Senado e da Camara,i ternporaria.
18
- 274 -

Nunca o recinto daqnellas augustas Assembléas


foi conspurcado pela presença de um mémbro in-
digno, sobre quem pesassem imputações torpes ou
desair.osas.
O cadinho da eleição só dava ouro de lei. Não
podiam passar por elle 'as escorias das nullidades
intellectnaes e muito menos a das torpezas e abje-
cções, por mais que pesassem na balança política .
E' qne o Brazil era um paiz moralisado, cujas leis
representavam a codificação dos costumes.
E o que tem produzido o censo de elegibili-
dade nestes dez annos de dominio republicano?
Dantes havia o embaraço da escolha para citar
os grandes oradores, os habeis politicos, os lu-
zeiros da sciencia e· da administração, que tomavam
assento no Parlamento; hoje, sem fazer offensa a
ninguem, alli são raríssimos os nomes illustres .
Em face de todas estas demonstrações de nossa
decadencia, é · dif:ficil responder pela affirmativa á
interrogação, que, no começo deste escripto, formu-
lamos do modo seguinte :
« Perpetuará a Terra de Santa Cruz as tra-
dições da que lhe foi Mãi Patria? Conservará, por
longo tempo, como nação autonoma, o lugar que
occupa no continente sul-americano? »
E' certo que dorme no seio de vastíssimo sólo
do Brazil muita riqueza incubada e que o tra-
balho pôde ainda converter este paiz numa terra
de promissão, numa immensa seara, numa fonte
- 275

inexhaurivel de producção . Onde, porém, as for ças


vivas _para fecundação do sólo? Urgem os compro-
missos e fallecem os meios de solvel-os. Diminue
a riqueza particular, sugada em alta escala pela
ventosa de absorventes alcavalas. O paiz de-
bate-se na penuria, ou antes na miseria, pre-
cursora da fome. O Governo não trata de acudir
á lavoura em crise. Em vez de dar providencias
para abrir novos mercados ao café brazileiro 1
cujos quatro quintos são consumidos pelo:;; Es-
tados Unidos da America do Norte; em vez de
empregar os meios de augmentar para o agri-
caltor o preço do precioso producto agrícola e
diminuil-o para o consumidor estrangeiro , assiste
em censuravel inercia ao espectaculo affiictivo
da miseria do prop.nctor agrícola e não presta
ouvidos ao grito de agonia de nossa primeira
industria.
Temos esperan ça, porém, de que este paiz ainda
em g-rande parte inexplorado, cheio de seiva, exu-
berante de for ça vital , não está conclemnado á
sorte dos povos envelhecidos e gastos, que já per-
correram seu cyclo social. Siwsw n , corda ! Fé e
patriotismo ! Compenetrem-se os Poderes publicos
do Brazil da importancia de sua missão e, remo-
vendo os obices, que vedam ao carro do pro-
g-resso o caminhar pelo estadio do . futuro, clesen-.
volvam os elementos de riqneza, de que, até agora,
não souberam aproveitar-se .
- 276 -

A Republica, desconhecendo o papel socioio-


gico da religião, prescindiu em sua lei funda-
mental desse essencial factor da civilisação. Re-
negando a Deus, procurou apagar na alma do povo
a Fé - fonte de nobres sentimentos e de ener-
gia, que leva ás acções meritorias.
Enfraqueceu assim a Nação. Tem de expiar
esse grave crime.
Si, obedecendo ás hodiernas tendencias absor-
ventes, offender p~r leis e actos attentatorios da
liberdade, a autonomia dos Estados, afrouxando,
dest'atte, os vínculos da União ; si não oppuzer
barreiras ao espírito de usurpação, manifestado
em varios pontos, empregando meios efficazes para
manter nossa integridade - preparemo-nos para
um futuro de hordveis provações, cuja ultima. pliase
será a sujeição do . Brazil ao jugo de estrang·eira
tutela.
Após a perda da crença, virá a da autonomia.
Oxala não possa um dia o brazileiro dirig·ir
ao Gigante de Pedra a apostrophe ~o cantor de
Y-Juca-Pyrama:

« Porém, si algum dia, fortuna inconstante


Puder-nos as crenças e a patria mudar,
Arroja-te ás ondas, soberbo gig·ante,
Innnnda esta terra, desloca este mar ! >>
- 277 -

EPILOGO

Na crypta de S. Vicente de Fóra, jazigo dos


reis de Portugal, em Lisboa, ergue-se um tumulo
recente, que encerra o cadaver embalsamado de
D. Pedro de Bragança, segundo Imperador do
Brazil.
Na noite de 15 de Novembro de 1889, o mo-
uarcha, com. Sua Magestade a Imperatriz, a Prin-
ceza Imperial D. Izabel_, o principe consorte
um de seus filhos, ficou detido n ~esta capital no
Paço da cidade, sob a vigilancia de sentinellas,
alli postadas por ordem dos proclamatlores da
Republica.
Dois dias depois, a horas mortas da madru -
g·ada, fizeram-n'o embarcar no A.lcigôas , vapor
mercante do Lloyd Brazileiro, que, armado em
guerra 1:eguíu, barra fóra, levando-o caminho
do exílio.
Alguns dias mais tarde , fitava pela vez ex-
trema, melancolico olhar de · despedida no sideral
Cruzeiro, que ia_ desapparecer do horison:te .
- ~78 -

Em Dezembro de 1889, na cidade do Porto, viu


morrer, victimada por torturas moraes, a virtuosa
esposa, que lhe fôra anjo de conforto.
Pungido pela saudade da Patria, á cuja gTan-
deza e prosperidade consagrara, em meio seculo
de reinado, todos os affectos de sua alma, todos os
instantes de sua existencia, nunca exhalou dos labios
li.ma queixa , siqner, contra os que lhe pag·aram com
feia ingratidão seu dedicado patriotismo .
Conservando no semblante sereno e no límpido
. olhar a antiga magestade, lembrava o Imperador
o retrato homerico, que do a.ncião de Pylos nos
faz a Illiada. A sua heroica r,esignação, acrysolada
no martyrio·, reffectia-lhe na veneranda fronte as
irradiações de uma aureola.
Vedaram-lhe o regresso • a seu paiz natal, a
quem outorgara to,las as lil;>erdades, deixando-o
grande, forte, unido e respeitado poi· todos os Es-
tados ci vilisados.
Na effusão do entranhavel amor, com que o
estremeceu, fez transportar á Europa uma pouca de
terra; extrahida do solo brazileiro, para encarnar o
ataúde, em que devia sér conduzido á derradeira
morada. E com effeito : Seu coração, já enregelado,
esse coração cujas fibras haviam estalado com as
pulsações das mais cruciantes angustias, repousa
hoje unido a ·esse punhado de terra da Patria,
pela qual sempre palpitou, afervorado, ~té ,o der-
radeiro anceio . .
27fl -

Engolphado, hoje, no oceano de gloria im-


mortal, e escoimado das leves manchas da materia,
seu alto espirito, contemplando o esphacelamento
do Brazil, roga ao Altíssimo cubra com o pallio de
sua misericordia os architectos da nossa ruína, e
infiltre nos que dirigem os _ destinos da Patria
algumas scentelhas do santo patriotismo, que lhe
valeu o titulo, já pela Historia justificado, de Pri-
meiro Cidadão Brazileiro.
INDICE

SETIMA PARTE

ccandicl.o d.e Oliveira)

A JUSTIÇA

A JUSTIÇA SOB A REP UBLICA... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7


. I. Hegirn enanterior . . . . . ..... .. ...... . . . .......... . . 17
II. Ind ole e exce ll encias (la organisação imperial. ._. . . 29
Jl I. A Llrnor ia clesccnlralisadora. Os perigos do excesso.
O erro cl o plagia to americano. . ......... ... ..... 35
IV. A ap pli car;ão da Dou tl"ina. To tal insuccesso ...... M>
V . A magis lr a tura elos Es tados . Vicias da sua com-
posição. i\Iin gua das garantias de acerto. . . ..... 53
VI. Ce l'cca rn e nto das garanticLs inc1ividuaes . Mutilação
do IJ alJcas•corpu s e ele outros institutos ela liber-
dad o . . . 65
Vl 1. An nu ll aç:ão cio .J ur y cr igirla cm sys te nrn . Ten dencias
rcl.rogra, las parn armal' a magistrat ura togada elo
rlir cito ele se nten cia r no crim e . ....... . . . .... . 7ó
Ylll. O .Tur pcranlc a lcg is lar;ão cios Estados . .. . .... .. . 85
JX. O acto rl e jnl g:t r . A in certeza el as decisões . As con-
t1·ruJicções rios Tribu11 acs e o cal'ac tcr a leatorio
das scHl.en1;:1 s ... 91
- 282

X. Os gastos. for e nses . Cu ·tas . Taxa.. judi.ciaria . 101


XI. O poder executivo e a magistratu ra . O clcse rnbaraço
un violação da l ei. ........... 107
X'U . As leis do procesw. Dire i Lo fonnu la r io.... .. . . ... 119
Xlll. O Dis lri c to Jrcclcral e a Jus ti ça.... ... ... .. . l:3l
XIV. Despesa com a jus tiça ... .. . .. . ......... . . ..... . ldl
XV. Con clu são ......... .. ..... ... . .... . .. -.. . . . . . . .. .. . 145

OITAVA PARTE

< Barão d.e Paranápiacaba)

ELELÇÕES

Eleições . . . . . . . . . . . . . . . ... .. ........ . .. ..... ... . 151


Epilogo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277

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