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CURRICULO FE GENERO uma articulagto urgente Angela Maria Frere de Lima e Souca' (Os estudos de género earacterizam abordagens nfo usuais quando o objeto em andlise & curricul, Geralmente, 0s curiculos so analisados quanto as suas caracterstcas estrutuais ou, quando em uma perspectiva ertica,leva-se em conta aspectos como dindmica de clases, ideologia ot, ainda, a reprodugdo cultural e socal, As teoras criticas de curriculo o definem come wma constusio «que trar as marcas das rlagSes sociais de poder © que reprodu7 a ideologia dominante. Como afirma Silva [A tradigdo eritea em edueagio nos ensinow que 0 euriculo produr formas patculsres de conhesimento de sabe, qu ocutriculo produz dloross divistes focins,idenidades divididas, clases socsis antaginicts As perspectivas mais receniesampliam essa vido: curiulo também produ e organzam ientdades ‘ultras de géaero, dentidades acai, seauas...Dessaperspeciva o cucu no pode ser visio simplesmente coro um espago de tansmss30 de conheciments. 0 uricul esti cenralmenteenvelvido naglo que Somos, aaguilo gus os eras, fagullo que nos teraremeos. © curieulo produs, 0 euicule nos produ. (2001, p. 2, ‘Concondamos com 9 autor quanto ampliagio da visto eritica para dar conta de outras categorias, como o género, assim como a subjetividade, raca, sexualidade, entre outras, que permitam lume abordagem adequada 8 perspectiva contemporinea de anilse dos curriculos, numa visto eritca de Cincia ¢ de Bducago. Essascatezorias sto mais relacionadas as Teorias Péseriticas de Curiculo (Multicuturaismo, Estudos de Género, Fina e Raga, Teoria Queer, Perspectiva Pés-modema, Teorias 'Pés-Estruturalista, Teoria Pés-colonialista) que, centradas na ideia de “mudanga de paradigmas sim os padrOes comsiderados “rigidos” da modernidade, sugerindo o rompimento da Iigica Positivista,teenocritica eracionalsta,Profetizam 0 fim das metanarrativas, que sustentam o sistema totalizante © padronizado. Fundamentadas tcoricamente em Foucault, Derrida, Lyotard, Deleuze, Cheryholmes, dentre outros, afirmam que 0 curticulo nfo toma realidade como ela 6, mas come os Aliscursos sobre ela nos fazem pensar que ela é Mas, apesar de trazer elementos interessantes para andlises curriculares, 0 pensaimento ps-crit 0 apresentaalgumas fragilidades, certa ambigtidade © indeterminagio, que podem prejudicar a perceppo do real; a relativizagio do conhecimento: uma profs hibrics de concepedes que limitam a compreensita do real em sua ttaidade, dene outas. * Professors do Programa de Pés-Graduagto em Educagto— PPGT/UFRA e do Mestrado em Easino, Filosofia ¢ Histria das Ciacias - UFBAVUEFS, Pesgusadora do Nieleo de Estuds Iterdiseiplnares sobre a Mulher ENEIM/UFRA. © Nesse sentido € que optamos pelo pensamento critica no campo do currculo, por acroditar que 6 possvel a mudanca, que a educacio pode dar conta da emancipacio dos suites, que ‘conhscimento liber; que tudo depende do que clogemos como vilido ¢ descartamos como intl para 1 formaglo dos estudantes, Por iso, dizomos que fazer o curricula & uma operagao de poder. Ademeis, cembora a Teoria Curricular Critica tena sido muito debatida nos iltimos anos e critiada, ‘especialmente, por autores e autoras engajadas(os) no pensamento pis-maderno, pode-se dizer que “apesar da propalada crise, a teoia curricular etic constitu a mais produtivatendSneia do campo do ccuticulo” (MOREIRA, 1998, p. 13), Para Boaventura Santos, as caraeteristicas da teria ertca incluem {1 wma preocupaco epistemolinca coms aatezse valida do conbeciments ientiio, uma vocaeao interdsciplinae, uma recusa da iesrumentalizs30 do fonbecimentocienifien a0 servigo do” poder politco © econdmico [] ua ‘concepso de sociedade que peivievia a identlieasto dos eonllitos¢ dos inieresss [Jum compromisso ico que liga valores univerais sos procesos de ‘wansformagdo social (1999p. 9) ‘Concordando com o autor, afirmamos que somente nesse contexto se pode aprofundar as ‘eflexdes sobre as quests de ginero dentro da escola, apesar de género ser uma categoria de andlise ‘mais feqientementerelacionada aos estados curiculares dentro das teorins ps-criicas, Como afirma Pacheco (2001, p. $1 as pritins socias,sendo trefa do edueador critic (sc) identifica as injusigas nolas exstenes” "storia ertica esclarece que as priticas pedagdgicas esto relacionadas com A toora rica de curricula, cujaseategoras so ideologia, reprodugio cultural e socal, poder, classe social, capitalismo, rolagdes sociais de produgSo, consciontizacio, emancipaglo ¢ iberaglo, curculo oculto ressténca, esté apoiada na teoria evita mais gorl idemificada com a Slosefia marsista, que teve come nome importante o fikésofo francés Louis Althusser, com a sociologia francesa de Pierre Bourdiew ¢ Jean-Claude Passerone com os teGreos criicos da Escola de Frankfurt, Nos Estados Unidos e Inglaterra, a ri ‘cargo do “Movimento de reconceptualizayio” © da Nova Sociologia da Educasio, liderada pelo 4s toriastradicionas ficou, respostivamente, a sociGlogo Michael Young. Embora essas comentes fizessem a critica ao poder estabelecido, & sociedade capitalista, a suas crengas e valores, aos Estados Unidos ¢ Inglatera, esse processo teve tuna insergio maior nas questies relaivas a0 proprio curiculo como reprodutor das desigualdades sociais. (SILVA, 2001). Dentre esses autores, destaca-se Althusser (1985) que em scu importante trabalho 4 ‘deologia e os aparcthos ideoldgicas de Estado, langou as bases para a critica marxsta da educ cesabelecendo a relate entre educagio ¢ idcologia. Para cle, a permanéncia da sociedade capitalists depende mo somente da reproducdo das rlagdes de trabalho © mcios de producto, mas, também, da ‘eproducio de seus componente idcol6gicos. Esta ilkima seria responsabildade da escola, da igi, 0 a familia © da midia, dontre as quais Althusser (1985, p. 79) desta populagao por um perioda protongado de tempo, O autor s expla: cscola porguc atinge toda a La] um spareto ideoigies do Estado desempenha papel dominant, mato ‘Saber alo esculembs sua misica l poato ea slcacioal Tatas da Escola, a se encarega das ciangas desde 0 Mateaal,c desde Matemal ela hes icula, durante anos, precsamente durante agueles em que a eranga & mais vuerivel, ‘spremida eae o Apareho do Estado familia © © Aparelho do Estado escolar, “aberesescondidos na idolopia dominant (@ fads, 0 edleulo, a histvia natura, 4 eiéacias, « Titeraura), ou simplesmente a ieologin dominate em estado puro (orl, edcaeio civic, lesa). (1985, p. 79). Que mecanismo usa escola para transmitr a ideologia? Acreita-se que a escola ata ‘exatamente através do curriculo, uma vez que este se caracteriza por ser sempre uma seloyio de ‘contidos epriticas dentro de um amplo universo de possibilidades. A depender do que & selecionado, formam-se diferentes tipos de seres humanas, dentro de uma sociedads. Soma-se a este curiculo cexplicito aquele que se desenvolve de modo sul, quase imperceptivel, mas muito mais poderoso: 0 ceurriculo cculto, impregnado dos valores da sociedade que discriminam classes sociais, pessoas de ‘geracdes diferentes e, de modo fundamental, segundo o ponto de vista dest antigo, as mulheres, desde amas tena dade, Nessa perspectva, Silva afirma [] © que se aprende no curiculo oculto slo fundamentalmente atitudes, ompertaments, Yalerese orietagSes que permitem que ciangas joven se ‘justem de forma ras conveninte as estas © hx pauts de fucionament, consideradasinjutas e anli-democritias e, poramte indesejveis, da sociedad ‘apitalista [0 cusiculo ocultoexsina, em geval, o coafermismo, a obec, indivdusism. (2001, p79) Embora Althusser (1985) © Bourdieu ¢ Passeron (1975), enre euros autores, tenam crtiado, de modo contundente, a educagio liberal, 0 curiculo se toma o alve especifico da critica, a pair do pensamento de Michael Apple (1982), cuja énfase nas elementos curriculares lo explictados interesa dl abordagem do curriculo numa perspetiva de género, © pensamento de Apple (1982) esti fundamentalmente ligado a0 papel ideoligico do sais geral, especialmente os trabalhos de Bourdieu, Althusser e de Raymond Williams, para analisé-lo ertieamente. ccuricul, Nas suas reflexses, cle toma a teoria ef Partindo do pressuposto de que a educagao no & um empreendimento neutro, o educador, come sujeto ative no processo,esté totalmente implicado, conscientemente ou m num ato politico. Assim, no ato ccativo & necessirio relacionar os processos que ai ocorem com as formas de ‘conseiGncia que dominam una sociedade industralizada como a nossa, Neste tipo de socidade, [1s formas bisicas como slo organizadase rg as istinigdes, as pessoas € ‘o modos de produ, distibugio e consumo = conrolam a vila cull Is n inclu prteas cotiianas como a5 escols, 0 ensino © 06 curicuos que nelas se eneonttam. (APPLE, 1982, p.10)- Nossa perspectiva, as relagdes entre educagto e estrutura econdt cconhecimento e poder precisam ser compreendidas. Ao analisar 0 papel da escola na reprodupio © le imagto dos valores da sociedade, Apple (1982) chama a atencio para o fato de que © conlecimento ¢ 0s valores simbélicos sio cestruturados no espago escolar de forma a assegurar © controle social e cultural. A escola seria, portato, uum espago de legitimagia dos mecanismos de controle ideoligica necessirio para a ado, como forma de poder estruturante, define na escola os papéis de género de modo mareadamente manuteng2o do poder pelos grupos hegembnicos ~ do ponto de vista aqui discuido, 6 pat iscriminatéro, ‘Como forma de manutengio do status uo, a escola conribui para a desigualdade socal © de género através de uma organizagBo intema que permite distribu diferentementetipos especticos e conbecimentos, além de principios normativos que fazem as desigualdades parccerem uma coisa natural, Nesse sentido, parece natural meninos serem mais habeis em Materdtica, enquanto meninas scriam incapazes de realizar © pensamento ldgico. Assim, é necessirioanalisar tanto aquilo que esti cexplicilamente colocado, os programas, os sistemas de avaliagio, as metodologias uilizadas, como 0 ceuriculo cculto, © conjunto de normas e valores implicitamente trnsmitidos pola escola e que nfo fazem parte dos programas oficais, Esse curriculo oculto contribui para mascarar os confltos que fazem parte do processo do aprender, do processo de busea do conhecimento e do prOprio processo de construgto do conhesimento © ensino do consenso, além de reforgar uma postura inadequada, de neutalidade do conhecimento, contribui para uma imagem do confito como algo indesejével. Em relagio a isso, Apple (1982) afirma que se supde que © conflito entre grupos de pessoas seja inerente © fundamentalmente mau ¢ que se deveria envidar esforgos no sentido de climini-to dentro do quad cestabelecido de inttuigdes, em lugar de se vero conto ¢ a contadi come "forsas propulsoras” bisicas da sociedade, O-euriculo acuto nas esolas, para Apple, [LJ esabelece uma rede de suposgdes que, quando ineriorizadas pelos estudantes, ‘cterminam os limites d lepitimidade. Esse proceso & realizado nlo tanto pelos txemplos exlicitos que meotram 0 valge negativ do conflto, ras pla ausencia (quase total de exemplos que most « importincia do ccaflto ilectual © ‘ormatvo em reas de contceimente (1982, p. 132) Ainda dentro de uma visio critica dos modelos curiculares, 0 pensamento de Paulo Freire (1970) se impde, embora ele no tenba desenvolvide uma torizagio dente do campo das tcorias de curriculo. No entanto, seu trabalho discute questdes fundamentais de currculo, como, por ‘exemple, a idenifcagio do que se deve ensinat. n Dois conceitos importantes emergem da obra de Frein: a educagdo bunciria, caracterizada como ua visio que concche o canhecimento como consitude de informacdes que sfo transferidas doa) professor(a) para ofa aluno(a) exégeno aos sujetos envolvidos no processo, © a educagdo problematizadora, altemativa & primeira, que assume uma definigdo fenomenolégica do conhecimento, uma vex que consider 0 ato de conhoecr inseparivel daquilo quo se conhece. Par cle, cconbecer envolve comunieag, interao de subjetividades, [Nese sentido, Frere se aproxima claramente das teoras pés-riticas de curiculo, embora utilize termos como “contetdos programiticos” ¢ tenha dado énfase & importincia dos especialisas das diversas disciplinas para a defingdo do que seria significaivo. Um fato de grande significado ma obra de Freire, especialmente em Pedagogia do Oprimido (1970), é a sua visio de que es grupos dominades tém uma posigle epistemolégica privilegiada, visio esta adotada por multas teéricas feminitas que inspiram este artigo. As mulheres, por exemplo, historcamente dominadas, possuem informagSes sobre o processo de dominasBo a que os dominadares nto tém acesso, (0 currculo, entendido como processo, é, portanto, marcadamente ideoligico, definido cm relagdes de poder; & exercicio de poder, por exemplo, definir 6 que é relevante © 6 que é descartivel para constar dos programas curiculres; decidir as estratégias pedaghgcas a serem postas em pritca e, finalmente carmeterizam a nossa sociedad, produzir de modo sistemitico ma escola as assimetsias de género que os Estudos de Género em Curriculo? ‘Go relativamente poucas as investigagBes sobre curriculo © género, Em artigo recente, Moreira (2001) report, apenas, is autoras Carvalho e Vianna (1999), Paraiso (1995) ¢ Souza (1999). Quando acontecem, geralmente revelam o “silGncio ensurdecedor” da escola, de educadores & de stores em relagio as assimetrias, aos diferentes trtamentos para meninos © meninas, aos preconcsitos es discriminacdes contra as mulheres, consttuindo-se currculo em aco, ¢ até mesmo © curriculo formal, um verdadero artefito de género. Alguns desses estudos revelam priicas pedagégicas discriminatGrias e refrradoras dos esteretipos de género que inferiorizam as mulheres no campo cognitivo (LIMA E SOUZA, 2003; RODRIGUES, 2007); apontam livros diditicos ‘mareados pela invisibilidade feminina (PINHO, 2008); analisam a formagio docente na perspeetiva de sgéncro (LIMA, 2005; 2008); destacam a importincia da escola na construcio de idontidades ‘masculinas @ femininas (FAGUNDES, 2005; LOURO 1997, 2005); falam das experigncias de CARVALHO, Mala P, VIANNA, Catia P. Movimenios scsi pr educa: invnbidde dos gnc, CCadernos de Pesquisa, 107, p. 79-96, 1999; SOUZA, Jone F. Gimeno ¢ ‘stars iptcabes pn eco nani Trabalho areanindo na 22 Rn NG, 1939, PARAISO. Massy. Glnero aa formagio dela profesrfa: campo de sléwio do curicla? ‘Trabathoaprsentndo ma 18° Reaido Amul da ANPEA Coca, MG, 195, n professoras no ensno fundamental (CARVALHO, 2001; GAMA, 2004, MOREIRA, 2008); alm de se referiem A presenga maciga das mulheres no univeso da educas8o, anaisando ou no as causes & ‘05 efeitos dessa presenga na produso ds sujetvidades em formagao na sala desl. Alguns.estudos rocentes também revelam a existincia de_priticas podagdvicas iscriminatirias no seo de dseplinasespciicas, come &o caso de Cicias ~ MORO (2001); CRUZ (2008); CRUZ & LIMA E SOUZA (2007), nesses casos, os relatos apontam questées que ineluem prstras diferencias da profesor em rego a meninos & menias, restates das experincias de sun ida, Os estudos rvelam que clas levam para a sla de aula, mma contibsigdo marcante para 0 ‘curiculo ocult, todas as suas expecta ras em relagdo aos meninos meninas, que esperam deles © delas comportamentos estreotipados, ignoram expresses de sexualidade, apregoam uma dupla moral ‘egida pelo sexo: meninos podem, meninas nao podem. [esse sentido, 0 curriculo em acio & mais significative do que intervengGes pontuais ‘representadas por cursos de atualizagio sobre sexualidade e gnero, por exemplo, para falar da nossa Pritica em extensto universitiria, Nessas oportunidades, o que se vé € uma imediata sensibilizago das professors e professores que, imodistamente, reconhccem as armadilhas representadas pelos de Educacio, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007, 6

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