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EXCEsso SEM EXCECAO: NCE DO SINTOMA CONTEMPORANEA Raquel Fabris Moscon® APERFORMA, NA CENA O trabalho em causa pretende formular nicalpsicanalitica na atualidadé, conectan gumas de suas caracteristicas com caremos demonstrar como ambos - evidenciam, através de suas formas, os efei te, a saber, 4 p6s-modernismo] Ao longo dos trabalhos na Escola, temos Nos a) to uma arte que possibilita interrogar aspectos dado que o}“psicanali proximado do teatro enquan- do que se passa na cultura, ‘a reconhece na expressio artisti ica a sua propria m: riae busca nela o que excede ao seu proprio conhecimento. Por esse duplo mo- vimento, Freud reconht | recon eu modo, que o artista precede 0 psicanalista” (VILELA e IANNINI, 2012). Dai, assim como se revelam nas diversas expressées artisticas, compreendemos que as modificagdes do contemporaneo incidem também sobre as formacdes do psiquismo, o que, a rigor, convoca a um traba- Iho de leitura a ser feito por parte dos psicanalistas interessados nas questdes proprias de seu tempo. , No que se refere ao teatro, muito vem sendo abordado sobre a transicao entre 0 teatro classico para o contemporaneo. Na passagem do primeiro ao Segundo, podemos constatar transformagées, 0 teatro classico define-se pela montagem do espetaculo constituida a partir da representacao do texto em Palco italiano e mantéma proposta de uma diviséo bem demarcada entre ato- Fes € audiéncia, esta tiltima composta de um ptiblico seleto ocupando o papel de espectador da peca. ane que sa eoteutura pouco a pouco cede lugar a um outro modo de oF (UFES). '9. Psicanalista Membro da Escola Lacaniana de Vitoria, Mestre em Psicologia ESCOLA LACANIANA DE PSICANALISE DE VITORIA | 135 Vito - WA Avon apresentagio teatral, constituin| vezes, a cena se desloca para espacos renos desabitados, como as ruas, hospi tros, Esse remanejamento do espaco, Por sua ve; b de uma nova relagio com a plateia, deslocada de um lugar passivo, daquele que somente assiste, para uma postura de maior interatividade com os atores. Aqui, passa a ter acesso um publico mais amp! personagens na composicao da cena. : / \Antes, no teatro classico, havia uma a demarcacao nitid nitida d da posigao dos | envolvidos, uma. divisdo | clara entre atores & e plateia, uma . Separagao entre, ‘0 territério onde se passava a cena (o interior dos teatros) e o espago publi- co, exterior. Contudo, com o advento do teatro contemporaneo, tais divisées passam a operar de modo menos preciso: ganham destaque apresentagées do tipo performatica, envolvendo, a um s6 tempo e no mesmo espetaculo, 0 te do teatro contemporaneo. Neste, nao raras publicos e abertos, avancando sobre ter- tais, galpde: z, implica 0 estabelecimento .s desativados, dentre ou- Jo e genérico, que se mistura aos pibblico junto com os atores. Em muitas das configuracées atuais de arte, 0 pliblico se dispersa, soma-se aos atores, e nao se restringe ao papel de componente passivo da cena. Agora, ele 6 também convocado a protagonizar o espetdculo e a participar da cena ar- tistica, que pode vira se estabelecer num gesto de improviso, de assalto, cons- truindo-se no mesmo instante em que se efetiva, passando a exibigdo. Isso, por sua vez, pode ser visto como um diferencial em relacao ao teatro tradicional, comumente preparado a partir de ensaios prévios e pela montagem de rotei- ros pré-definidos, sendo, desse modo, mais propenso a representagao do que a apresentacao performatica. Todas essas alteracdes que comparecem no Ambito do cenario artistico sao elementos bastante instigantes para fazermos analogia com outras es- feras em que semelhantes transformagées se introduzem - e, nao por aca- so, correlacionam-se com manifestacdes que se apresentam, de igual modo, na clinica psicanalitica contemporanea. No ambito da clinica, identificamos que certos deslocamentos e até mudancas de estrutura também sao notadas, provavelmente enquanto efeito de um tnico movimento, isto é, deflagrado pela pés-modernidade em suas incidéncias miltiplas, que parece atravessat, A 5 imultaneamente, as artes em geral, assim como as ciéncias, a tecnologia e, naturalmente, o psiquismo. Jean-Pierre Lebrun, em seu livro intitulado a a = confirma essa tendéncia ao realizar uma erg Pees Bam 2008), impactos produzidos pelas'transformagi “ve fixacao. Segundo o autor, as mudanga deixar de ser, incidem sobre a subjetividade, Dado que 0 homem, para a psicanilise, é tributdrio da lin nomenos gerais da vida coletiva nao deixam de ser relevantes _ Ne See que reve as de constituicdo psiquica dos sujeitos ieee ultura. Os efeitos desses desdobramentos sao inevi . peuta de novos fenémenos clinicos e parece er Ne i. wees . nenos p irecdo da organi- zacao de uma economia psiquica peculiar a este momento historico, Com efeito, 4 luz dessas anilises, percebe-se que a cena subjetiva também ¢ reformatada por influéncia dessas modificagdes sociais e, assim, o lugar do sujeito sofre deslocamentos no transito para a pés-modernidade. Se menciona- jnos, de saida, a gradativa desmontagem do palco italiano - entao estruturado, constituido pela divisao rigida entre os lugares em jogo (subdividindo publico e privado e, de igual modo, separando atores e piiblico) ~ foi principalmente para demonstrar que esse mesmo reviramento'sobre lugares tradicionalmente fixos, bem como a habitual articulagdo entre eles, também se reformula em Felagdo a nova economia psiquica, alavancado pelo impulso do capitalismo ul- traliberal, base das sociedades atuais. | . Em linhas gerais, temos que a pés-modernidade € 0 termo que define nossas sociedades ditas avangadas, regidas pelo modelo neoliberal de mercado e pela logica de consumo. Movimento este que provémda derrubada das estruturas fixas, dos enquadramentos dispostos pela ordem, afigurando-se como lugar de fronteiras flexiveis. Nesse modelo, vigora a dissolugdo em relagio aos lugares de _-transcendéncia e de representacao da lei, dos contornos simbélicos ¢ universais, além de outras coisas, um sistema que prioriza'o usufruto da liberdade indivi dual, os movimentos de expressao e, principalmente, a énfase sobre a igualds- \_de, afigurando-se como um regime que valoriza sobremaneita ahorizontalidade entre os membros do grupo em substituicao aestrutura piramidal/hierarquica, | caracteristica das sociedades regidas pelo poder. patriarcal. “le = Ve L ESCOLA LACANIANA DE PSICANAUISE DE VITORA 1137 smodernidade se orienta conforme a uadre tradicional, em que diferenca de lugares, en UA “ i co sobre 0 sujeito, era vista como garan- digo da propria fundacdo do sujeito dividuais e, de ou- por assim dizer. i 16 Podemos assim vislumbrar que p ef como edéncia do simbélit 1. con entre suas vontades in tendéncia derom sustentada pela prec tia de preservacao dolaco social ecom do inconsciente, marcado pela divisao tra parte, submetido as leis da linguag' Vale lembrar que foi nessa conjuntura prece das pelo patriarcado} pelo e evidente pr’ sobre o individuo, que Fre d descobrira a 5 presenga do inco produto d da castragao € 0S ‘sintoma enquanto derivado ¢2 da operacao | do recalque, bsoluto, Na tri a trilha das recentes pesquisas S decorrente da subtragao do gozo a re Lebrun, Charles Melman, Dany- Robert ‘de alguns psicanalistas (Jean: Pierré Doufour), todos eles dedicados ao estudo dos impactos deflagrados pela estru- tura social contemporanea, vemos elevar-se uma divida quanto a destituicgao _gue vigora socialmente em relagao ao lugar de autoridade e legitimidade da lei simbolica. O questionamento os leva a indagar se esses deslocamentos nao ( haveriam modificado a tal ponto 0 funcionamento da economia psiquica que m neo-sujeito, com caracteristicas bem diferentes em, ao Outro simbélico, dente, das sociedades tradi- edominio das leis da cultura sciente enquanto cionais, regi estarfamos agora frente a ul \daquele marcado pela castracao. Baseando-se nas apostas do neoliberalismo e na légica de consumo, visando uma horizontalizagao crescente das relacdes, os autores interrogam se a forma- dio do psiquismo jé ndo encontra sequer as condicdes sociais que garantiriam a possibilidade para a sustentacao do sujeito do inconsciente, uma vez que 0 apa- recimento deste é condicionado pela falta, pela divida com o Outro simbélico, isto 6, pela consentimento a referéncia simbélica, a um lugar de representagao que autorizaria uma precedéncia simbdlica e social em relacao ao individuo. Podemos extrair desses contundentes questionamentos perguntas que, por ora, permanecem ainda guisa de resposta, mas que, no obstante, de- ve-nos suscitar a reflexao. No entanto, esses questionamentos nao significam uma nostalgia apegada ao passado, mas sugerem, por outro lado, uma neces-_ saria atengao ao presente, a fim de identificar as especificidades desses acon- tecimentes e suas interfaces com a clinica, tal como doravante se apresenta ao ‘elcanalitesA Partir disso, cabe-nos poder repensar nossa tarefa na diregao la cura, numa pratica contextualmente posicionada, de acordo com as ques- 1938 | PSICANAUISE ARTE toes requeridas pelas espec cidade, $ do mom _ . ora, o impasse que se coloca hej a | do-sintoma e as proprias condigde l e defini 10 di todo, jé que definido por uma perda fundamental ~e gyg ci divide ~ nao to das socicdades pos-modernas, Para tanto, 6 poco teneia no contex, » € preci: - de que a referida logica discursiva pés-moderna, a. cv! &™ conta o fato ai a busca a todo custoae Iugares, abolindo a dimensio do sujcito subme vez, necessiria A constituicao do enquadre mn A lei da castracio, por sua com 0 teatro contemporane capitalismo de consumo)\ visto que também ai, na subjetividade, 0 desfacelamento do e: , : ni racao horizontalizada dos lugares € verificada. . Sobre o referido|declinio do lugar de ranscendéi Até ha pouco, o social era organizado conformeo. nheci modelo religioso. Reco- a-se que, da mesma forma que era admitida a existéncia de Deus a de um lugar de transcendéncia era evidente. Era a do rei, do chefe, do _pai, do mestre, do professor... era desse lugar que estavamos em con- digdo, quando 0 ocupavamos, de impor interditos com toda legitimida- tle. Veremos como esse modelo foi progressivamente abalado e por que, com a ajuda do advento do neoliberalismo, podemos agora consideré-lo obsoleto, Tudo hoje se passa como se nos tivéssemos libertado nao s6 da necessidade “natural” de ter de lidar com uma transcendéncia con- creta, mas também, no mesmo movimento, do interesse em conservar qualquer transcendéncia. (LEBRUN, 2008, p. 24) [...] a representagao espontanea que faziamos do laco que nos organiza nio 6 mais aquela com dois lugares diferentes, mas, muito antes, a de um sistema e que todos os lugares estdo em igual paridade. Para dizer rapidamente, a rede ~ onde os Ingares sao parita o lugar do topo é evidente. (LEBRUN, rios - substituiu a pird- 2009, p. 38) mide - onde , é jolas sociedades libe- A questo que merece ser considerada € que, quando Téeica linear _ In Jogica mes ais anulam a diferenga dos lugares dispares, PrON Tse que entre o sujeito e o Outro. O que, invariavelmentes re 0 39 _scoun AGANANA DE PICANALISEEVITORA ie _———jeridade . - ste um campo de giteridade, um exterior que € a em uma de suas expres. antes do sujeito ex ante ij ‘ cae esentante do interdi- das le me dimensio do pablico, s, a fungo do pai como agente da castragao ferenciagao entre os lugares: } nder a equivalencia ¢ de uma civilizag do e repr nstituindo uma organiza¢ao das posigdes geracionais e, posigoes = de enunciacao da lei da to ao gozo. A indil planificada, significa empree vrnente, uma desautorizaao do 1Ugar concomitant castragio (LEBRUN, 2009). as andlises de Lebrul sconheci Jago social se apresenta Ci a um entodamento. Ocorre, in, observamos 0 delinear desse processo: Na esteira di s Mas, por néo ser mais re ela amarracio de todos num vazio umbilical, 0 modo de aderéncia a um “todos” completo, mbora na realidade sempre antece gora se apresenta como que criado 0 em proveito do como organizado p omo um simples ‘entao, uma virada: e dente aos indi- viduos, 0 lago social a por eles, sem gitime uma qualquer subtracao de goz: nada mais que le; nenhuma referéncia ao que precede pode mais do coletivo. Com efeito, ser invocada, De agora em diante, s6 importa que os membros da comu- nidade funcionem em unissono, e € obriga¢! jo para cada um aderir ao conjunto que fard as vezes de reconhecimento. (LEBRUN, 2008, p. 39) © teatro da cena contemporanea coincide com 0 ato Dado esse desenrolar, 1m pai que abandona seu lugar do pai desabando do palco. Um pai destronadi de protagonista e se perde em meio a geral. Em razao disso, podemos observar que essa operacio deflagrada pelo pés-modernismo tem consequéncias psi- quicas notdveis e que sao percebidas na clinica, especialmente a partir das patologias destacaveis como fendmenos da atualidade. ee ie . a le o sujeito constituir-se a partir de uma historicidade, de localizar-se com base em uma genealogia e de narrar sua eX- periéncia a partir da posigao que ocupa em relagao ao Outro que o constituiu, cujos primeiros representantes sao os pais. tenant a ee da experiéncia fora desde antes notada por Walter aroument Pp ja em 1936 ele escreve um texto chamado O narrador, no qual as a reo Progressivo desfecelamenta) da experiéncia na vida do ho- , apartado da historia ante a velocidade e a instabilidade de suas 140 | PSICANALISE & ARTE eferéncias. Para esclar 1 referén iG Ccer a respeito disso, \Benja a ocasi /|Benjami soldados oe tent “oem que retornaram da primeira pee ee 2° Silencio dos mara = pees 0 e os combatentes regressar; Ta aura mui once que a ‘am absolutamente mud <8 mundial. Ele relata ra, justamente quando, a ocasiio do retorno, s, °S apés viverem a gue; Se r contar. Contucdo, o trauma das trincheiras havia erie sae HYeS8eM Muito quebra de quaisquer referéncias familiares, — ‘amanho que provocara a e, por conseguinte, a impossibilidade a sua transmigegs en Pea 0 vivido gerado pelo singular acontecimento, os combat de total choque, nao conseguindo, portanto, t experiéncia passivel de ser compartilhada, is aes ; nsmisso. Em razio do impacto entes encontravam-se em estado ransformar o que viveram em uma to é, convertend ai i y SOvertendo-a em narrati Essa obstrucao para articular o traumatico em alguma possivel rativa. Tepresen- tagao é 0 que permite a alguns estudiosos da atualidade, a exemplo de Marci Seligmann-Silva, afirmarem que o homem contemporaneo vive crmanene mente sob os efeitos traumaticos de uma catastrofe, na medida om queconoa 0 fio com a tradi¢ao, ocasionando uma ruptura com sua propria histériae _ sua meméria! Segundo essa perspectiva, de dernidade, o hur preende-se que, na era da pés-ma- ano esta gravemente silenciado, em.pleno choque, portanto. No contexto clinico, constata-se como cada vez mais precaria se apresenta ainscricao dos sujeitos pés-modernos dentro de uma estrutura simbélica pre- cedente, oferecida pelos significantes de seus antecessores, ou seja, os pais. | Assim, trata-se de uma dificuldade da constituigao da fantasia, adescrenca em relacdo ao referente simbélico, acarretanda um grave impedimento de elaho- rar, através da representagao ficcional, o lug o sujeito frente A ordem signi- ficante. Sem dispor desse primeiro corte que a fantasia realiza constituindo o eu (dimensao do privado) e 0 Outro (dimenso da alteridade),|o sujeito perma-_ nece indeterminado, sem borda. , Entendemos que tal problematica esta vinculada ao incentivo nésmadente de i a izagaodeum negagao da castragéio, A queda dos referentese, de igual modo, valence un it a i insigni: jutro, ideal de sujeito liberado, que se sup6e, portanto, livre das insignias do i 6 dade ancora-se na co- é,de suas marcas significantes constituintes. A pos-modemidade ee oria de que é possivel ao sujeito autorun . qualquer restrigdo de goz0, anenhum cam- a _ , mercializago de uma crenga ilus sem que sej ario submeter-se su! * 4 to aa ee eee aca de individv0 prevalece sobrepujando a concepca0 10 exteri i prépri ideia de inal’ . -Poexterior a si proprio. Aideia e implica o ago com 0 Outro. ar jament de sujeito, uma vez que este ultimo necessariame! i 0 wl boo ESCOLA LACANIANA DE! psICANALISE DEVITORIA | ns termos de performatividade do sintoma? ‘um exemplo que los parecet opor- ersonagem de nossa ‘odificagées implicam em de um caso clinico, anhos é levado um certo Pt m ue caminhos é leva ra elucidar aq a admitir 0 papel fundamental de seus anteces- tuigdo. Sera importante também destacar quais de relagdo com o Outro social, dimensdo Oqueessas mi Veremos, por meio tuno pa experiéncia/ quando se recu sores em sua propria consti ‘as consequéncias disso em termos dbli tanto. alteridade e lugar do piblico, por : ; ‘Abordaremos aqui um caso de psicose, no qual essa negagao oa cag ao ma pessoa que rejeitava aceitar o extremo. Trata-se do caso de u a aquele que foi imposto a sua revelia pelo Outro, e que visavaa todo custo alterar sua identidade a fim de escolher, por sua conta, um nome para ser chamado, Pretendia designar por seu arbitrio um personagem mais adequa- doa simesmo. Ocorre, porém, queele tinha absoluta certeza de que isso poderia 5 de um simples gesto: rasgando seu documento e imprimindo um novo nome, que, em relacdo ao original, s6 preser- vava as iniciais. Dizia, entdo, que nao pertencia a familia biol6gica e dela sequer reconhecia um sé trago, que ele nao tinha nada a ver com essa gente, além de se referir aos mesmos como “aquela familia estranha de gay: Naturalmente, desse posicionamento resultavam intimeros problemas em sua vida cotidiana, a comecar pela dificuldade de ingressar nos espagos publi- cos, uma vez que o requisito obrigatério para autorizagao do sujeito no social é seu documento de identidade. Entao, devido a sua oposigao em utilizé-lo, ele se mantinha cada vez mais isolado, segregado por tempos em um hospital psiquiatrico onde sua conduta era associada como um delirio praticamente incuravel. De fato, tratava-se de alguém que tinha tanta certeza de que era possivel substituir facilmente o nome de nascimento, sua origem, que resistia ao coe de trabalhar simbolicamente, através do tratamento analitico, seus incomodos em relagéo ao papel que Ihe fora atribuido na trama familiar, do Heaters irda uma vez Portodas. Nesse entice, seu apelo ao — sperava que viesse o reconhecimento de suas exi- Outro é levada a seu proprio nome, ser feito apenas por sua decisdo € atravé: nite, “gays”, pois o sujeito em questdo o pronunciava “gais” 20 Chamou-nosatencao este sign Isso faz mencio, on 7 Iso fr a peso nia, com “g4s" (que, portugués corrente, costumamos também pro- muni con a 3G: tomarmos uma das acepgdes do termo gas, encontramos referéncia a0 Muido, volatil; curiosamente atributos que so comumente utilizados para qualificar as ca- racteristicas do sujeito na pés-modernidade. 142 | PSICANALISE & ARTE gencias em torno da alteragdo do nome.'Ao nao aceitar pelo outro, ogue propunha era uma ners na oie inno “ge que a dimensao publica passou a ser convocada nes -dos lugares. Observa- «pnstituigao do sujeito, porém, de maneira invertida: “ Caso, a se engajarna sp individuo. Toda essa torgdo que instaura a suprem ee do sobre o piblico é prépria do contemporaneo.s Ppodemos notar que a demanda aqui é no sentido de requere: ai reconhecimento ptiblico onde o privado nao operou de forma efi Site ‘s tituigao da cena da fantasmatica. O que quer dizer que, ao recusarter wn iit simbolicamente com 0 fato de ser tributario da linguagem, ane pelo Outro, 0 que se propde nesse caso é uma inversao na relacao an oO exte. rior (publico), que € chamado para atender e completar uma imagem narcisica. Apesar de tratar-se de um caso de psicose, essa ideia é coextensiva ao 50 se tem visto em geral nos sujeitos de hoje. Na contemporaneidade, o desen- quadre simbélico acrescido da baixa disponibilidade ao trabalho de elabora- 40, feito através de uma anilise, em torno dos significantes constitutivos, faz com que a cena privada, cada vez mais, passe a invadir a dimenséo pablica em jmento de uma imagem faltante, ou de uma nomeacao que, : vontades premacia do individuo priva- ‘busca do recon nao se deu ps Sem poder contar com a representacao simbélica para dar amparo asua existéncia e facilitados pela oferta do gozo pronto a ser conquistado por meio de objetos e ideais, os sujeitos da atualidade buscam fazer umd unidade como exterior, almejando encontrar lugar no ‘iblico através da colagem em identi dades imagindrias, prontas, ofertadas pelo ) consumo. Adimensao publica, no lugar daalteridade e da diferenca, passa aternesse momento a fungao de unt duplo imaginario] refletindo em seu conjuntoasoma de personagens indiferenciados entre si. No texto O espetdculo como meio de subjetiv tia Rita Kehl destaca que 0 desenraizamento Co! Poraneos, desprovidos de suas referéncias simb subjetivamente, fazendo-os presas faceis do to imagem. Isso, sem diividas, é exatamente que vez que a estrutural insatisfaga0, disparando a e satisfatérios € 0 agdo (2003), a psicanalista Ma- nstatavel nos sujeitos contem- licas, os torna desamparados talitarismo & da captura pela pretende 0 capitalismo, uma descola- sucessiva colagem € oducao. i jona a pr gem nos objetos supostament que impulsi P ESCOLA LAGANIANA DE psICaNitisEDEVITORIA | 143 do, emergem sujeitos que buscarao se diferenciar entre si pela idan, .sse modo, . a nant reer no mercado, as quais ficam somente tificagao po! ara A de serem capturadas Pp ; : rl aespera ndendo, ainda que por tentativas Parciais, a fice ‘vel 4 condicdo humana, ns disponive aliviar o sujeito da falta de seus referentes simbélicos primordiais, suspe aind gunta sobre a existéncia eo mal-estar inevit hn aan des, somos conduzi¢ : No intuito de finalizarmos nossas quest ——— mais pela clinica, nossa biissola conden de Herta para trazer : anillise de alguém que esclarecia muito do que meppe fentando) introduzir até agora, Era um paciente que dizia 0 quanto seus pais estiveram Bees de sua vida, 9 pai tendo 0 abandonado ainda na infancia, enquanto a mae, conforme suas préprias palavras, “estava sempre envolvida em festas pros uae) todos os {finais de semana, sem excecao. Nesses momentos, eu precisava gritar para ser escutado, e as drogas foram um meio que encontrei para existir. A minha vida toda foi assim, como nao tive ninguém para me ensinar, eu sentia que preci. sava guiar a vida sem ter sustenta¢Go, por tentativa e erro. Precisava usar a droga no intervalo entre todas as coisas que tinha que fazer, porque eu nao sabia como fazer. Agora estou aqui porque sinto que preciso é de uma direcao”, Sobre isso, Jean-Pierre Lebrun, uma vez mais\ mostra como essa falta do forte para adesao ao discur- referente simbélico acarreta uma inclinacao mai so do mestre, do capitalismo e da ciéncia..O autor lanca uma interrogacao em torno desse ponto: De fato, esses sujeitos assim construidos, porosos, sem verdadeira co- Juna vertebral, flutuantes, inteiramente tributarios do ambiente, muito influenciaveis, nao nos permitem fazer o retrato-robé de um sujeito - se € que se pode falar de sujeito visto o que dele resta - um excelente con- sumidor? (LEBRUN, 2008, p. 214) A partir do exposto, o que podemos entrever 6 que os holofotes se acendem sobre 0 sujeito contemporaneo, mostrando como ele se apresenta aos olhos dos outros, esclarecendo que seus excessos tém origem na‘falta de um lugar de. excesdo, lugar dos significantes primordiais transmitidos pela historia. Na au- Séncia desse roteiro em maos, o sujeito, quando chamado A ago, nas ocasides em que € requerido imediatamente a inventar, sem ensaios, uma performance Sobre 0 vazio, sai de cena e faz apelo a entrada de um diretor, ou de um mestre 144 | PSICANALISE & ARTE contudo, se lugar de represey tag do, quem Pass; sejamos dire para que cionados orem se mostra Na ferramenta subversiva, aco, oe +8 contra desenha para 0 homem consumido de Rosso t eI ecdo totalitari $20 totalitarig. 0 pensar agu, riara grande te = ndénci; ~ ™MPo, cia que se Referéncias BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, artee isto olitica: ensai rae historia da cultura. 7, ed. 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