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A cidade verde Os parques de Alphand em Paris om o Regent's Park de Nash, 0 estilo paisagistico aportou no ambiente da metrépole para depois se unir, nas so- nhadoras realizagées de Paxton, a tecnologia mais avan- cada e ao senso de modernidade que dela irrompia. Ambas as questdes - conjugacao do parque a inglesa com a paisagem urbana e emprego dos mais avangados recursos técnicos da época - constituiram a marca registrada daquela que foi a primeira intervengao extraordinaria com a finalida- de de dotar uma grande capital da presenga projetada e difu- sa de espagos verdes. Seu mentor foi Charles-Louis-Napoléon Bonaparte (1808-1873), que governou a Franca com 0 nome de Napoleao IIL. Ele tinha vivido alguns anos exilado em Lon- dres, onde adquiriu uma intensa familiaridade com os parques ingleses; quando foi chamado de volta 4 Franga, achou os jar- dins parisienses rigidos demais, inadequados para exprimir aquela filosofia social defensora da colaboragao entre as classes r, Foi assim que decidiu cha- ene Haussmann (1809-1891) urbana de Paris em- Ges de sociais que ele pretendia mostra mar 0 tenaz prefeito Georges Eug para dirigir o colossal plano de renova¢ao preendido entre 1853 ¢ 1870. Entre as varias interven¢ 495 496 | Projetar o nature: Figura 1 Ficidode verde 1 499 requalificagao da capital, realizadas de acordo com 08 dois ronagens. houve a criagio de uma rede hierérquica de esa, verdes, definidos tipologicamente pelas dimensdes ¢ aes jidades em relagio ao raio de influencia: dois grandes anata destinados a toda, a mpecropole ¢ situados em quadrantes opos- tos; parques de dimensbes menores nos bairros em formagao; pequenos espacos verdes, os squares, dispostos no tradicional centro histérico; e, por fim, arvoredos nas ruas, Em Paris, 0 jardim publico tornou-se a unidade de construgao da cidade, capaz de se adaptar a todas as suas circunstincias topogréficas. O programa teve inicio com a criagao dos dois parques mais amplos, obtidos a partir da conversio de propriedades reais de caga. O primeiro a atrair o interesse do imperador foi o Bois de Boulogne, situado a oeste da cidade: era um bosque de mais de 700 ha atravessado por uma série de caminhos retilineos, cujos trabalhos de transformagio comegaram em 1852. Em uma primeira fase, foi chamado para dirigir a obra o arqui- teto Jacques-Ignace Hittorff (1792-1867), que logo foi substi- tuido, por causa de erros técnicos que cometeu, por um jovem engenheiro, Jean-Charles Adolphe Alphand (1817-1891), que havia sido indicado pelo prefeito para dirigir uma nova estru- tura municipal criada para cuidar do verde urbano, o Service des Promenades et Plantations de la Ville de Paris. A partir de 1860, Alphand teve a seu lado Jean-Pierre Barillet-Deschamps (1824-1873), que colaborou com o desenho dos principais jar- dins e tornou-se o jardineiro-chefe da cidade. Os trabalhos no Bois de Boulogne consistiram na substi- tui¢do dos eixos lineares por alamedas ¢ trilhas descrevendo amplas curvas (figura 2) na escavagao de dois lagos com ilhas na formagao de um sistema de cursos dagua e cascatas com tochas artificiai duzidas com novas técnicas. Essas falsas iais pros mu de pedras eram feitas a partir de fragmentos minerais 0U grant blocos rochosos unidos por cintas metalicas € revestidos com many dos ele- argamassa de cimento, de modo a imitar 4 aspereza —_—_ 498.1 pProjetaro naturezo mentos naturais. No entanto, 0 parque, que se tornou o lugar de encontro da alta sociedade (figura 3), ficava longe demais da zona leste da cidade, onde viviam as classes operarias. O imperador, que tinha a pretensao de proteger as classes traba- Ihadoras, compensou-as realizando uma segunda grande area verde, 0 Bois de Vincennes (figura 4). Os trabalhos, iniciados em 1860, levaram a realizacao de varios lagos guarnecidos de ilhotas e um hipédromo, Os bairros periféricos de Paris, na época ainda em formasio, Ppassaram a contar com trés Parques: os dois primeiros eram completamente novos, enquanto 0 terceiro resultou da refor- eo. ae 1861, amplamente redimensionad®, falsas ruinas criadas por Carmontelle hg, comm a iam juntamente com novos espelhos espléndido gradeado, Prados ligeiramente ondulados ¢ um Contribuiram para formar um dos mais «2 apital (f; Totalmente novo, paaee F © Par -C ii Z tado-em torme de oye 428 Butes-Chaumont, foi implar nO século anterior, elegantes, Jardins da ¢. Aicidade verde 1 agg Figura 3 Figura 4 lhos irregular, na periferia nordeste da cidade (figura 6).Os oe Bs foram iniciados em 1864 e concluidos em 1867, oe F oe tis abrigou a Exposico Universal, foi entao que 0 : ee €m toda sua beleza agreste e singular, com suas rocl woverdest lago anular e pontes arrojadas. A implantago do espé igens ate 0 4 500 | Projetor a NORNET «ns dese OF Frquter0 00 PO Figura 5 deu em n torno do Impe ct fc maispitoresco por ponente contraforte calcario, tornado ainda um minucioso trabalho de modelagem des Perfil, e no , topo de = gue © qual foi colocado um pequeno templo-bel cone cena. Em torno desse outeiro transformad? em ilha, a » estendia-se um “se i i um lago inteiramente artificial, bordel Aicldade verde 501 sua vez por um caminho de veiculos. O lago era alimentado or um riacho que brotava de uma cascata, em meio a adi miravel ruta artificial adornada de falsas estalactites ¢ grande prof deextravagantes protuberancias. A agua era bombeada dali nt ser distribuida aos diversos cérregos que desciam dos releyos, como num sistema de irrigagdo. Duas pontes arrojadas, uma tra- dicional de alvenaria, mas altissima, e outra suspensa por longos tirantes de ago, davam acesso a ilha e contribufam para enrique- cero cenario extremamente pitoresco que, de cada ponto, ofere- cia novas € surpreendentes vistas (figura 7). 0 proprio Haussmann foi obrigado a admitir que seu pro- tegido Alphand talvez tivesse exagerado na busca de efeitos ro- manticos, mas o parque de Buttes-Chaumont representou uma das mais elevadas criacOes da arte dos jardins no século XIX, no qual o virtuosismo técnico ea fantasia se misturaram, dan- do vida a um jardim paisagistico urbano de admirdvel eficacia. Uma réplica dele, o Parc Montsouris, foi realizada a partir de 1867 nos novos bairros da zona sul: na parte em que se aplaina Figura 7 auttes ‘Chavmant 6 Paris, itografia, ¢ 1870. Visto woo 02 pEssOrO: Porguk —_ —h 502 | Projetar a naturezo Fequiienco os pasagem e Jos sores ck aencosta de uma suave colina foi escavado um lago, alimenta. do por um riacho que descia de uma Pequena Cascata artificial entre as rochas. A rede de conexdes era muito articulada, como em todos os parques parisienses do periodo: um caminho peri. metral, que conectava os varios acessos, constituia um Passeig panoramico, amplo o suficiente para poder ser Percorrido dy. rante as caminhadas dominicais das familias, enquanto uma tede de trilhas de menores dimensées atravessava toda a drea, No compacto tecido urbano da cidade histérica, foram in- troduzidos pequenos jardins, chamados squares, termo deriva. do do inglés, os quais propiciavam um respiro ao denso espaco edificado. Foram executados dezessete squares na cidade velha € sete nas zonas suburbanas, quase todos compostos como pe- quenos jardins paisagisticos, com extensdes relvadas, rochas, Pequenos espelhos-d’égua em torno dos quais circulavam os caminhos e paisagens em miniatura, formando salas de visita frescas e itteis 4 cidade (figura 8). O Ultimo ponto do programa de criagao do verde urbano foram as arbres dalignement, aleias colocadas ao longo das ave- Nidas e contornando as pracas da cidade. Haussmann preocu- Pava-se muito que as ruas fossem dotadas de cobertura verde, mesmo contra o parecer de engenheiros municipais que consi- deravam que as érvores, mantendo o terreno ttmido, deteriora- Fav © fevestimento das novas ruas onde, pela primeira veo s° fazia uso de asfalto, Para sustentar o Alphand organizou jardineitos, encarr Programa de enverdecimento de Paris, um verdadeiro exército, de operarios € a egado da tarefa de plantar e manter as Pécies vegetais, Com a finalidade de obter resultados imedia- tos, também foram transplantados para os espacos urbanos de cunts i perfetamente adultos, ransteridos dos boss Darilet ey el veiculos aprepriados,concebids es em posica Schamps, que permitiam transportar o exemp! Posisdo vertical, com o tortio da raiz inteiro (figura 9)- A cidade verde | 503 Figura 8 t fonimetria MSSe oo 4 + -aracteristicas As arvores utilizadas tinham caracteristic i ndante, apre- viam crescer rapidamente, oferecer sombra abu precisas: de- isténcia as doengas. A Sentar um aspecto compacto e grande resistencia a pisos Sscolha tecaiu sobre os olmos, castanheiras-da-india, 5041 projetar a noturezo Seer eee ee Fequretura ca povsogyt & 7 na época eram dificilmente aletadas, ilias, preferidos porque i ee Nas ruas mais estreitas, onde s¢ jas especificas. Pe or patologias especi por patolog nvolvimento da copa, foram usados acacia, ntos ¢ até catalpas e quiris; ja as squares (, vegetagao exdtica, como bananciras, lata gia um menor dese! falsos-plitanos, ailar ram decoradas com nias e palmeiras. Seti Foi de particular interesse nesses jardins a insergao de uma gama completa de artefatos padronizados e fabricados em sé rie: gazebos, quiosques, gradeados, bancos, suportes para car- tazes, pequenas fontes, protedes para troncos (figura 10). 4 recorréncia desses elementos reforgava o sentido de unidade c, portanto, de ligagao dos jardins ao sistema urbano. Ao mesmy tempo, sendo em sua maioria construidos com novos mate. riais como 0 ferro fundido, eles veiculavam uma nova imagen de modernizagao na cidade, espelhando assim noyos sentidos na vida urbana, na qual a contemplagao da natureza vinha sen do substituida pelo seu consumo. E os parques se adequavam a isso: técnicas horticolas, efeitos compositivos, aplicagées tecnoldgicas confluiam para construir um cenario apropriade para receber a cada vez mais apressada e distraida populagio metropolitana. Para definir 0 estilo compositivo desses jardins, nos anos seguintes & sua realizacao foi cunhado o termo “pai sagistico moderno’, evocando a fonte original de inspiragio © a0 mesmo tempo, o sentido de modernidade que desejava afirmar. Alphand também vinculou seu nome a uma iniciativa edi ‘ental de grande repercussio: entre 1867 e 1873, sairam em fas ciculos os dois volumes de Les promenades de Paris, obra que apresentava @ epopeia da criagdo dos parques parisienses. AS eS pranchas de admirdvel qualidade gr i as por diversos artistas, fizeram deles U” rodut Produto de arte e a0 mesmo tempo um manual para os 4& Partamentos técnicos dos Sy aes grandes municipios, favorecende ® Vastissima difusio da obra. : : in roe. SN 4 paaadun se Se Be aot acum) 9 oldu A fama das realizagées parisienses impulsionou também o éxito de muitos projetistas franceses que gravitaram em torno de Alphand. Apés ser jardineiro-chefe da municipalidade pari- siense, Edouard Francois André (1840-1911) teve uma impor- tante carreira internacional: realizou diversos parques em paises da Europa e escreveu varias obras, como o significative Traité Général de la Composition des Parcs et Jardins, de 1879. Do mes- mo circulo profissional era Jules Charles Thays (1849-1934), que emigrou para a Argentina e foi nomeado em 1891 diretor do ser- Vigo municipal de parques de Buenos Aires. Nesse cargo, realizou um admiravel sistema de parques puiblicos e vias arborizadas na capital argentina, que rivalizava em extensao com aquele de Paris. Os parques de Olmsted e Vaux nos €stados Unidos Na segunda metade do século XIX, a questdo da formago dos parques piblicos interessou nao apenas a Europa, mas ‘ambém a algumas grandes cidades dos Estados Unidos, prin- “Palmente as da costa atlantica, Estando definitivamente en- Figura 10 €lementos de ‘mobilirio urbong 0 Square des Gotignotles em Poris, (ein Jean-Charles Adolphe Alphand, les jpromenades de Paris, 1867-1873)

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