quem vive em moradias irregulares na cidade Nossa editora passou quatro dias e duas noites em três ocupações de trabalhadores sem-teto no centro da cidade. Conviveu com ratos, baratas, esgoto a céu aberto, fome e escombros. E também com generosidade, boa vontade, política e regras, muitas regras. Encontrou pessoas que se equilibram entre a falta de um teto e a gigantesca expansão imobiliária da capital mais rica do País
UMA DAS OCUPAÇÕES VISITADAS PELA EDITORA DE MARIE CLAIRE, MARIANA
SANCHES (Foto: Manoel Marques)
O interfone toca. A funcionária da portaria checa as imagens produzidas por
câmeras que monitoram a movimentação dentro e fora do edifício. Em seguida, aciona o mecanismo eletrônico que faz o portão se abrir. As correspondências do dia formam uma pilha sobre a mesa. São cartas destinadas às 237 famílias que moram nos seis andares da construção. No pátio interno, meninos se divertem jogando futebol. Alguém aproveita para ouvir um funk em alto volume, enquanto o silêncio, obrigatório a partir das 10h da noite, não se impõe. No salão de festas, uma mesa cuidadosamente decorada com papel crepon azul e bonecos do super- herói Batman faz saber que um garoto completou 8 anos no domingo anterior.
Tudo lembra um condomínio comum, de qualquer grande cidade do País.
Mas o prédio da rua Mauá, 342 é diferente. Assim como outros 30 prédios ocupados por trabalhadores sem-teto de São Paulo, o edifício da rua Mauá é palco do embate entre duas garantias previstas na Constituição: o direito à moradia e o direito à propriedade. A luta não é nova – movimentos sem-teto surgiram na década de 70, acompanhando a transformação do Brasil rural em um país urbano. Mas é cada dia mais urgente, especialmente em São Paulo, onde há 130 mil famílias sem casa – e 290 mil imóveis não habitados. Ou seja, estatisticamente, o problema não existe. Mas, socialmente, ele transborda. A maior parte dos imóveis disponíveis para comprar ou alugar são inacessíveis para a população de baixa renda – o que explica porque 890 mil famílias moram em locais inadequados.