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A ciência por trás da intuição - e como

ela pode nos ajudar a tomar decisões


Valerie van MulukomBBC Future
 6 agosto 2018

Imagine o diretor de uma grande empresa anunciando uma importante decisão e


justificando-a com base na intuição. Isso seria visto com incredulidade. Não é óbvio que
decisões importantes devem ser pensadas cuidadosa, deliberada e racionalmente?

De fato, confiar na intuição geralmente traz má reputação, especialmente no mundo ocidental,


onde o pensamento analítico tem sido constantemente promovido nas últimas décadas.
Gradualmente, muitos passaram a pensar que os seres humanos progrediram do ato de confiar no
pensamento primitivo, mágico e religioso para se fiar na lógica analítica e científica. Como
resultado, as emoções e a intuição são vistas como falhas, até excêntricas.

No entanto, essa atitude se baseia no mito do progresso cognitivo. As emoções não são respostas
assim tão burras que sempre precisam ser ignoradas ou até corrigidas pela aptidão racional. Elas
são avaliações do que você acabou de vivenciar ou pensar sobre - nesse sentido, elas são também
uma forma de processamento de informação.

A intuição ou o instinto também são o resultado de vários processamentos que ocorrem no


cérebro. Pesquisas sugerem que o cérebro é uma grande máquina de previsões, constantemente
comparando a informação sensorial e as experiências atuais com o conhecimento depositado e as
memórias de experiências passadas. Cientistas chamam isso de "estrutura de processamento
preditivo".

Isso assegura que o cérebro está sempre preparado para lidar com as situações da melhor forma
possível. Quando há uma incompatibilidade (algo que não foi previsto), seu cérebro atualiza o
modelo cognitivo.

Essa compatibilidade entre os modelos anteriores (com base em experiências passadas) e


experiências atuais acontece automática e subconscientemente. As intuições ocorrem quando seu
cérebro estabelece combinações e incompatibilidades (entre o modelo cognitivo e a experiência
atual), mas isso ainda não chegou ao não chegou ao nível da consciência.

Por exemplo, você pode estar dirigindo por uma rodovia no escuro ouvindo alguma música,
quando de repente você tem a intuição de dirigir mais perto da faixa que divide a pista.
Continuando na direção, você percebe que evitou um enorme buraco que poderia ter causado
grande dano ao carro. Você fica feliz por ter confiado no seu instinto mesmo que não saiba de
onde ele veio. Na realidade, o carro que está longe na sua frente fez um desvio parecido (pois
nele estavam pessoas locais que conhecem a estrada), e você percebeu o movimento mesmo que
não conscientemente.
Quando você tem muita experiência em uma área específica, seu cérebro tem mais informação
para combinar as experiências atuais com as do passado. Isso torna a intuição mais confiável. E
significa que, assim como a criatividade, sua intuição pode melhorar com a experiência.

Diferenças entre análise e intuição

Na literatura psicológica, a intuição geralmente é explicada como um ou dois modos de pensar,


junto ao raciocínio analítico. O pensamento intuitivo é descrito como automático, rápido e
subconsciente. Por outro lado, o pensamento analítico é lento, lógico, consciente e deliberado.
Muitos explicam a divisão entre o pensamento analítico e o intuitivo como dois tipos de
processamento (ou "estilos de pensamento") opostos, trabalhando como uma gangorra.
Entretanto, uma recente meta-análise - uma pesquisa na qual o impacto de um grupo de estudos
é medido - mostrou que o pensamento analítico e o intuitivo não são correlatos e podem ocorrer
ao mesmo tempo.

Assim, embora seja verdade que um estilo de pensamento provavelmente pareça dominante
sobre o outro em qualquer situação - em particular o pensamento analítico -, a natureza
subconsciente do pensamento intuitivo torna difícil determinar exatamente quando ele ocorre, já
que muita coisa acontece sob o guarda-chuva da nossa consciência.

De fato, os dois estilos de pensamento são na realidade complementares e podem funcionar


como em um concerto - com frequência empregamos ambos simultaneamente. Até pesquisas
pioneiras podem começar como um pensamento intuitivo que leva cientistas a formular ideias e
hipóteses inovadoras, e depois elas seriam ou não validadas por rigorosos testes e análises.
Além disso, enquanto a intuição é vista como desleixada e imprecisa, o pensamento analítico
pode também ser prejudicial. 

Em outros casos, o pensamento analítico pode consistir simplesmente em justificativas tomadas


após um evento ou racionalizações de decisões baseadas no pensamento intuitivo. Isso ocorre por
exemplo quando temos que explicar nossas decisões sobre dilemas morais. Esse efeito levou
algumas pessoas a se referirem ao pensamento analítico como um "secretário de imprensa" ou
"advogado interior" da intuição. Muitas vezes, não sabemos por que tomamos decisões, mas
ainda assim queremos ter motivos para essas escolhas.

As falhas da intuição

Então será que deveríamos nos basear apenas na intuição, já que ela ajuda nossa tomada de
decisão? É complicado. A intuição se baseia em um processamento evolutivamente mais antigo,
automático e rápido, é vítima da desorientação, como de tendências cognitivas. Esses são erros
sistemáticos do pensamento, que podem ocorrer automaticamente. Apesar disso, familiarizar-se
com um viés cognitivo comum pode ajudar a identificá-lo em ocasiões futuras.

Da mesma forma, como o processamento rápido é antigo, ele pode estar um pouco desatualizado.
Considere, por exemplo, um prato de donuts. Mesmo que você se sinta compelido a comer todos
de uma vez, é improvável que precise dessa quantidade enorme de açúcar e gordura. Entretanto,
na época dos "caçadores-coletores", estocar energia era um instinto sábio.
Emocional
Por isso, para cada caso que envolve uma decisão baseada na sua avaliação, considere se sua
intuição mensurou a situação. Trata-se de uma situação evolutiva antiga ou nova? Ela envolve
inclinações cognitivas? Você tem experiência ou expertise nesse tipo de situação? Se for
evolutivamente antiga e envolver tendências cognitivas e se você não tiver experiência nela,
então é melhor confiar no pensamento analítico. Do contrário, sinta-se livre para usar seu
pensamento intuitivo.

Está na hora de parar a caça às bruxas da intuição e enxergá-la pelo que ela é: um estilo de
processamento rápido, automático e subconsciente que pode nos dar informações muito úteis que
a deliberação analítica não pode. Precisamos aceitar que o pensamento analítico e o intuitivo
deveriam ocorrer concomitantemente e ser pesados um contra o outro em decisões difíceis.

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