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Colegao Zero a Esquerda Goordenadores: Paulo Eduardo Arantes e Ind Camargo Costa, = Desafortunados David Snow e Leon Anderson = Diccionario de bolso do Almanague philosophico Zero a Esquerda Paulo Eduardo Arantes ~ Globalizacao em questo Paul Hirst e Grahame Thompson = Ailusio do desenvolvimento Giovanni Arrighi — As metamorfoses da questio social Robert Castel ~ Os moedeiros falsos José Luis Fiori Poder dinheiro: Uma economia politica da globaliz Maria da Conceigdo Tavares e José Luis Fiori (orgs.) = Terrenos valednicos Perea = Qs éltimos combates Robert Kurtz Consetho editorial da Coleco Zero a Esquerda: Otlia Beatriz Fiori Arantes Roberto Schwarz. ‘Modesto Carone Netto Fernando Haddad ‘Maria Elisa Burgos Pereira da Silva Cevasco Ismail Norberto Xavier José Luis Fiori Dados Intemnacionais de Catalogacto na Publicacao (CIP) (CAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Castel, Robert ‘As metamorfoses da questio social : uma er6nica do saléio/ Ro- bert Castel ;tradugdo de Iraci D. Poles Petr6polis, RJ: Vozes, 1998, ‘Titulo original: Les metamorphoses de la question sociale ISBN 85-326-1954-1 1, Desemprego 2. Salérios 3. Sociologia industrial 4. Tiabalho e| classes trabalhadoras I. Ticulo. 97-s8is cbD-306.36 dices para catélogo sistemé 4, Salétios : Questio social : Sociologia do trabalho 306.36 Robert Castel As metamorfoses da questao social Uma crénica do salario ‘Tradugao: Iraci D. Poleti y EDITORA VOZES Petropolis 1998 INTRODUGAO Pareceu-me que nesses tempos de incertezas, em que 0 passado se esquiva e o futuro é indeterminado, seria preciso mobilizar nossa meméria para tentar compreender o presente. Nao hé divida de que os grandes afrescos, assim como os grandes sistemas, nao esto mais em moda. Mas ser possivel evitar uma grande volta, quando se quer apreender a especi- ficidade do que acontece hit et nunc? Por exemplo, a situagio atual é marcada por uma comogio que, recentemente, afetou a condigéo salarial: 0 desemprego em massa e a instabilidade das situagdes de trabalho, a inadequacao dos sistemas classicos de proteséo para dar cobertura a essas condigdes, a multipli- cago de individuos que ocupam na sociedade uma posic¢ao de supranumerdrios, “inempregaveis”, inempregados ou empre- gados de um modo precétio, intermitente. De agora em diante, para muitos, o futuro é marcado pelo selo do aleatério. Mas o que é uma situacio aleat6ria, e a partir de que cri térios deve ser avaliada? Nao nos esquecamos de que a con- digo de assalariado, que hoje ocupa a grande maioria dos ativos ea que esté vinculada a maior parte das protegdes contra 108 riscos sociais, foi, durante muito tempo, uma das situacGes mais incertas e, também, uma das mais indignas e miserav: ‘Alguém era um assalariado quando nio era nada e nada tinha para trocar, exceto a forca de seus bragos. Alguém caia na condigao de assalariado quando sua situacao se degradava: 0 artesio arruinado, o agricultor que a terra nio alimentava mais, o aprendiz que nao conseguia chegar a mestre.. Estar ou cair na condigio de assalariado era instalar-se na, dependéncia, ser condenado a viver “da jornada”, achar-se sob a1 AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL co dominio da necessidade, Heranca arcaica que faz com que as primeiras formas da condicio de assalariado sejam apenas manifestagbes eufemisticas do modelo da corvéia. Mas, apesar disso, nao est tao distante. Alguém se lembra, por exemplo, de que o principal partido do governo da Ill Repiblica, o Partido Radical, ainda inscreveu em seu programa, em 1922, quando do Congreso de Marseille, “a aboli¢io da condicio de assalariado, sobrevivéncia da escravidao”!? Nao é um empreendimento banal tentar entender como a condigio de assalariado chegou a superar essas fantsticas des vantagens para tornar-se, nos anos 1960, a matriz de base da “sociedade salarial” moderna. Mas tentar compreender isso nao é apenas uma preocupacao de historiador. A caracteriza- g40 sécio-histérica do Ingar ocupado pela condigao de assala- riado € necessdria para mensurar a ameaca de fratura que assombra as sociedades contempordneas e empurra para o pri- meiro plano as teméticas da precariedade, da vulnerabilidade, da exclusio, da segregacio, do desterro, da desfiliacao... Se é verdade que foram reintroduzidas desde h4 mais ou menos vyinte anos, essas questoes se apresentam mais tarde e em re- lacéo a um contexto de protecdes anteriores, depois que, pou- co a pouco, se impuseram poderosos sistemas de protecio, garantidos pelo Estado social, a partir, justamente, da conso- lidacao da condigao salarial. A nova instabilidade, definida e vivida num cenétio de protegGes, é assim absolutamente dis- tinta da incerteza do amanha que foi, através dos séculos, a condigio habitual do que entao se chamava povo. De modo que nao tem muito sentido falar hoje de “crise” , se nao se avalia a exata medida dessa diferenca. O que é que distingue —quer dizer: o que contém de comum e de diferente ao mesmo tempo ~ as antigas situagdes de vulnerabilidade de massa ¢ a instabilidade de hoje, trabalhada por processos de desatrela- mento em relago a nicleos de estabilidade protegida ainda vigorosos? * CL. Nicoles, Le radicalisme, Paris, PUF, 1974, p. 54. 22 INTRODUGAO. E esse tipo de inteligibilidade que eu gostaria de produzir. Se a hist6ria ocupa um lugar importante nesta obra, € da his- t6ria do presente que se trata: 0 esforgo de reentender 0 sur- gimento do mais contemporaneo, reconstruindo o sistema das transformag6es de que a situagao atual é herdeira. Voltar-se para o passado com uma questo que € a nossa questio hoje, ec escrever 0 relato de seu advento e de suas principais peripé- cias. Eo que vou tentar, porque o presente nao é s6 o contem- pordneo. E também um efeito de heranga, ¢ a memoria de tal heranga nos é necessaria para compreender e agir hoje. ‘Mas restituir a memoria de que problemas de hoje? Pro- gressivamente, a anélise de uma relacao com o trabalho veio ‘ocupar um lugar cada vez. mais importante neste livro. Nao era, entretanto, 0 ponto de partida da reflexio. No inicio, havia — e permanece — a intengao de compreender a incerteza dos estatutos, a fragilidade do vinculo social, os itinerarios cuja trajetéria tremeu. As nogdes que tento trabalhar ~ a des- conversio social, o individualismo negativo, a vulnerabilidade de massa, a desvantagem, a invalidacio social, a desfiliagao... = ganham sentido no quadro de uma problematica da integra- 40, ou da anomia (de fato, é uma reflexio sobre as condigoes da coesao social a partir da anilise de situacdes de dissociacao) objetivo cra pois, e continua sendo, dimensionar este novo dado contemporaneo: a presenga, aparentemente cada vez, mais insistente, de individuos colocados em situacéo de flu- tuagio na estrutura social e que povoam seus intersticios sem encontrar af um lugar designado. Silhuetas incertas, 4 margem. do trabalho e nas fronteiras das formas de troca socialmente consagradas ~ desempregados por perfodo longo, moradores dos subiirbios pobres, beneficidrios da renda minima de inser- io, vitimas das readaptagoes industriais, jovens & procura de emprego © quc passam de estégio a estagio, de pequeno tra- balho a ocupacao provis6ria...~ quem sio cles, de onde vém, como chegaram ao ponto em que esto, 0 que Vo se tornar? Essas questdes nao esto entre as que, classicamente, so tratadas por uma Sociologia do Trabalho, ¢ néo € minha in- tengo introduzi-las. Entretanto, tentando ultrapassar a des- 23 AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL ctigdo empfrica dessas situagdes, pareceu-me que a anilise de uma relacio com o trabalho (ou com a auséncia de trabalho, ou de relacées aleatérias com o trabalho) representava um fator determinante para recolocé-las na dinamica social que as constitui. Nao penso aqui o trabalho enquanto relagao téc- nica de produgéo, mas como um suporte privilegiado de ins- cri¢io na estrutura social. Existe, de fato, como se verificaré a longo prazo, uma forte correlagao entre o lugar ocupado na divisio social do trabalho e a participagao nas redes de socia~ bilidade nos sistemas de protecao que “cobrem” um indivi- duo diante dos acasos da existéncia. Donde a possibilidade de construir 0 que chamarei, metaforicamente, de “zonas” de coe- so social. Assim, a associacao trabalho estavel ~ insergao rela- cional sélida caracteriza uma area de integracio. Inversamente, a auséncia de participacio em qualquer atividade produtiva e 0 isolamento relacional conjugam seus efeitos negativos para pro- duzir a exclusao, ou melhor, como you tentar mostrar, a des- filiagdo. A vulnerabilidade social é uma zona intermediéria, instavel, que conjuga a precariedade do trabalho ea fragilidade dos suportes de proximidade. Essas associagdes, é claro, ndo agem de uma forma meci- nica. Por exemplo, para intimeros grupos populares, a preca- riedade das condigdes de trabalho pOde, freqiientemente, ser compensada pela densidade das redes de protesao proximas, propiciadas pela vizinhanga. Sobretudo, essas configuragdes nio sao dadas de modo definitivo. Se ocorrer algo como uma crise econdmica, o aumento do desemprego, a generalizagao do subemprego: a zona de vulnerabilidade se dilata, avanga sobre a da integracdo ¢ alimenta a desfiliacio. A composigo dos equilibrios entre essas “‘zonas” pode assim ~ pelo menos € hipétese que you tentar fundamentar ~ servir como indi- cador privilegiado para avaliar a coesio de um conjunto social num dado momento. Evidentemente, trata-se, como ponto de partida, de um es- quema formal, cuja validade s6 sera confirmada pelas anélises por ele permitidas. Duas observacées preliminares, no entanto, 4 INTRODUCAO para evitar interpretagdes errOneas sobre o aleance de tal cons- trugao. 'Em primeiro lugar, esse esquema de leitura nao faz exata- mente o corte da estratificacao social. B possfvel haver grupos fortemente integrados ¢ fracamente providos. £, por exemplo, ‘© caso dos artesios numa estrutura de tipo corporativista que geralmente garante, a despeito de saldrios medfocres, a esta- bilidade do emprego e protegdes s6lidas contra os principais riscos sociais, Mais ainda: existe uma indigéncia integrada, ‘como a das populagées assistidas, para a qual a auséncia de recursos suscita um atendimento sob a forma de “protesio préxima’” (capitulo 1). A dimensao econémica nao é, pois, 0 diferenciador essencial, ¢ a questio apresentada nao é a da pobreza, ainda que os riscos de desestabilizacao recaiam mais fortemente sobre os que sio desprovidos de reservas econd- micas. Portanto, se 05 mais abastados nao sio os primeiros concernidos, também nao so necessariamente os mais “po- bres” ou os “mais carentes”. © que se deve evidenciar sao, sobretudo, as relag6es existentes entre a precariedade econd- mica e a instabilidade social*. Em segundo lugar, o modelo proposto nao € estitico. Me- nos do que situar individuos nessas “zonas”, trata-se de escla- recer 08 processos que os fazem transitar de uma para outra; por exemplo, passar da integragao a vulnerabilidade, ou des- lizar da vulnerabilidade para a inexisténcia social’: como sio Se posigdes sociais clevadas podem revelar-se mal assentadas ¢ ameacadas, o modelo proposto pode ser aplical aos diferentes nfvis de esata social Tentetfestlo numa stuagio limite no pice da pirdmide das gran dtzas socas: “O Romance da dalago,arespeto de Piso e fold’, Le Dahan 61 setembro de 1990, lversamente aqui, descreveri os meca- tismos desesabilzadores que leram, em stimocato, mort socal partir ds condo de misertveis da terra vgsbundos dag cociedaden pings: tras aubproletiriosdo comeco da induializagho,"beneiirios” da RM [Renda Minima de nserao} por exenpl. "Sem negar que haa circtlagbes de flaxo em sentido contdro ou, em outros termos, da mobiidade ascendente, Mas, peas ranBox que acabam de Ser presttada, aetme-elsobretudo ds populagoes ameacadas de nval dato social. 25 AS METAMOREOSES DA QUESTAO SOCIAL alimentados esses espacos sociais, como se mantém ¢, sobre- tudo, se desfazem os estatutos? E por isso que ao tema da exclusio, hoje abundantemente orquestrado, preferirei o da desfiliagdo para designar o desfecho desse processo. Nao se trata de uma vaidade de vocabulério. A exclusio é estanque. Designa um estado, ou melhor, estados de privagio. Mas a constatagio de caréncias nao permite recuperar os processos que engendram essas situagdes. Para empregar com rigor tal nogio, que corresponderia ao modelo de uma sociedade dual, setia necessério que ela correspondesse a situagGes caracte zadas por uma localizagio geografica precisa, pela coeréncia 20 menos relativa de uma cultura ou de uma subcultura e, mais freqiientemente, por uma base étnica. Os guetos americanos evocam associagdes desse tipo, e pode-se falar a seu respeito, ainda que a nogio seja discutivel, de “underclass”. Nao che- gamos a tal ponto — ou nao chegamos ainda ~ na Franga. Mes- mo o fendmeno “beur”*, a despeito de uma referencia etnicidade, néo abrange uma cultura especifica. A fortiori, no existe cultura comum aos diferentes grupos de “excluidos”. Em contrapartida, falar de desfiliagio no é ratificar uma ruptura, mas reconstituir um percurso. A nogio pertence a0 mesmo campo semantico que a dissociagio, a desqualificacio ouainvalidagao social. Desfiliado, dissociado, invalidado, des- qualificado em relacio a qué? O problema é exatamente esse Mas ja se vé qual sera o registro das andlises requeridas por tal escolha. Seria preciso reinscrever os déficits em trajet6rias, reenviar a dindmicas mais amplas, estar atento aos pontos de ‘oscilagdo que geram os estados limites. Procurara relacio entre a situacdo em que se esta e aquela de onde se vem, nao auto- nomizar as situagdes extremas, mas juntar o que se passa nas periferias com 0 que acontece cm direcao ao centro. Ja se adivinha tamhém que, nesta perspectiva, a zona de vulnerabi- lidade ocuparé uma posigio estratégica. Reduzida ou contro- lada, permite a estabilidade da estrutura social, seja no ambito * Designa o jovem nascido na Franga, mas de origem érabe (argelino, mar~ roquino ou tunisiano), filho de imigrantes (N.T). 26 INTRODUGAO de uma sociedade unificada (uma formacio em que todos os membros se beneficiariam de seguridades fundamentais), seja sob a forma de uma sociedade dual consolidada (uma socie- dade do tipo da de Esparta, onde existiriam poucas posigoes intermedidrias entre a dos cidadaos plenos ea de ilhotas fir- memente dominados). Ao contrdrio, aberta ¢ em expansio, ‘como aparentemente € 0 aso hoje, a zona de vulnerabilidade alimenta as turbuléncias que fragilizam as situagGes conquis- tadas ¢ desfazem os estatutos assegurados. A constatacio abrange um longo perfodo. A vulnerabilidade € um vagalhao secular que marcou a condicao popular com oselo da incerteza ¢, mais amitide, com o do infortinio. Dei aeste trabalho o titulo deAs metamorfoses da questdo social. “Metamorfoses”, dialética do mesmo e do diferente: evi- denciat as transformagées hist6ricas desse modelo, sublinhar (© que suas principais cristalizagdes comportam, ao mesmo tempo, de novo e de permanente, ainda que sob formas que no as tornam imediatamente reconheciveis. Porque, é claro, 1 contetidos concretos de nogées como estabilidade, instabi- lidade ou expulsio do emprego, insercio relacional, fragilida- de dos suportes protetores ou isolamento social sio agora completamente distintos do que eram nas sociedades pré-i dustriais ou no século XIX. Inclusive, si muito diferentes hoje do que eram ha apenas vinte anos. Entretanto, € o caso de mostrar que, em primeiro lugar, as populagées que povoam essas “zonas” ocupam, por isso mesmo, uma posi¢ao homéloga na estrutura social. H4 homo- logia de posigdo entre, por exemplo, 0s “imiteis para o mundo", representados pelos vagabundos antes da revolucio industrial, ¢ diferentes categorias de “inempregaveis” de hoje. Em segun- do lugar, que 0s processos que produzem essas situagbes s40 * Para retomar a condenagio emblemética de um vagabundo do século XV, citada por Bronislaw Geremek, “Era digno de morrer como indtil para o mundo, isto 6, ser enforcado como ladrao” (Les Marginauc Purisiens aux XIV et XV* sidcles, Paris, Flammarion, 1976, p. 310). 27 AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL igualmente comparéveis, isto é, homdlogos em sua dindmica ¢ diferentes em suas manifestacoes. A impossibilidade de con- seguir um lugar estavel nas formas dominantes da organizacio do trabalho e nos modos reconhecidos de pertencimento co- munitério (mas, entrementes, ambos mudaram completamen- te) € que ainda constitui os “supranumersrios” de outrora, de ontem e de hoje. Em terceiro lugar que, apesar disso, nao se assiste ao desenrolar de uma hist6ria linear, cuja gestagio das figuras assegure a continuidade. Ao contratio, é surpreendente o mimero de descontinuidades, de bifurcacées, de inovacées que devem ser resolvidas. Por exemplo, € 0 que se dé com esta extraordindria aventura da condicao de assalariado, que pas- sou do mais completo deserédito ao estatuto de principal fonte de renda e de proteées. Sobretudo porque tal “passagem” nio € a irresistivel ascenso de uma realidade promovida & sagragao da historia: no momento da instauracio da sociedade liberal, 0 imperativo de redefinir 0 conjunto das relagoes de trabalho num quadro contratual representou uma ruptura tio profunda quanto a mudanga de regime politico ocorrida multaneamente. Porém, por mais fundamental que tena sido, essa transformagio nao se impés de modo hegeménico e ho- mogeneo. No momento em que a condigio de assalariado livre se torna a forma juridicamente consagrada das relagdes de trabalho, a situagio salarial ainda permanece e, por muito tem- po, com a conotagao de precariedade e de infortiinio. Enigma da promogio de um multiplicador da riqueza que instala a miséria em seu centro de difusao. E, ainda hoje, nao ha como no se espantar com a estranha reviravolta a partir da qual, apés ter sido um sucesso, a condigio de assalariado novamente corre o risco de se tornar uma situacio perigosa, A palavra metamorfose nao é, pois, uma metafora empre- ada para sugerir que a perenidade da substincia permanece soba mudanga de seus atributos. Ao contrério: uma metamor- fose faz. as certezas tremerem e recompée toda a paisagem social. Entretanto, ainda que fundamentais, as grandes mu- dancas nao representam inovagées absolutas quando se ins- crevem no quadro de uma mesma problematizacdo. Entendo 28 INTRODUGAO por problematizagio a existéncia de um feixe unificado de questdes (cujas caracterfsticas comuns devem ser definidas) que emergiram num dado momento (que € preciso datar), que se reformularam varias vezes através das crises, integrando dados novos (é necessario periodizar essas transformac6es) © gue hoje ainda estao vivas. E porser vivo que o questionamento impde o retorno sobre sua propria histéria a fim de constituir a hist6ria do presente’. Se, de fato, é proibido fazer-se um uso do passado que contrarie as exigéncias da metodologia hist6- rica, parece-me legitimo interrogar o material hist6rico com questées que os historiadores nao Ihe apresentaram necessa- riamente, ¢ reorganizé-lo a partir de outras categorias; no caso, categoriassociol6gicas. Nao se trata de reescrever nem derever a hist6ria, mas de a reler, isto & produzit, com dados pelos quais se é inteiramente devedor aos historiadores, um outro texto que, a0 mesmo tempo, tenha sua prépria coeréncia a partir de um esquema de leitura socioldgica e seja “com-pos- sivel” com 0 relato dos historiadores. O material em que se apéia minha argumentacao é, sobretudo na primeira parte, principalmente de ordem histérica. Mas est conservado ¢ reordenado em fungio de categorias de anélise que assumo a responsabilidade de introduzir®, ‘ 5 A persistincia de uma questio nao depende da importancia de que possa terse revestido no passado, Por exemplo, a questio de saber seo sol gira em torno da terra, oto conteéio, noblizou, no tempo de Galle, recurs, tsforcosteoléicos floséicos, politicos, cientificose praticosfundamentais. Mas eles evaporaramse depois que a “revolucao copernicana” foi quase tunanimemente aceta e gue o proprio Vatiano admit, recentemente € verdade, ue Galileu tina razio. * Explicit os pressuposts metodoicos desta abordagem in “Problematiza- tion: a way of Reading History, J. Goldstein éd, Foucault and the Whiting of ‘stor today, Cambtdge, Basi Blackwell, 1994, Jean-Claude Passeronresgatou o alcerce epremolégica que jsifien uma posigio como esta, cf. O racocirio Sociolégico,Pet6polis, Vozes, 1996. A saber, que a despeito da dvisio aca- lémica do trabalho, a historia a sociologia (ambém a antropologia)desen- volver um diseurso que se situa sob o mesmo registro epistemolégico, ‘mantendo as mesmas FelagSes com os procedimentos da administracao do teste,etém a mesma base empirica; 60 que Passron chama de “o processo histérico do mundo”. Daf qu os empréstimos reciprocos e os tansportes 29 'AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL “Metamorfoses da questo social”. A “questo social” € ‘uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experi- menta o enigma de sua coesio e tenta conjurar o isco de sua fratura. E um desafio que interroga, pde em questdo a capa- cidade de uma sociedade (0 que, em termos politicos, se chama uma nagio) para existir como um conjunto ligado por relagdes de interdependéncia, Essa questo foi explicitamente nomeada como tal, pela primeira vez, nos anos 1830. Foi entao suscitada pela tomada de consciéncia das condicées de existéncia das populacées que so, a0 mesmo tempo, os agentes e as vitimas da revolugio. industrial. E a questo do pauperismo. Momento essencial aquele em que pareceu ser quase total o divércio entre uma ordem juridico-politica, fundada sobre o reconhecimento dos direitos dos cidadaos, ¢ uma ordem econdmica que acarreta uma miséria e uma desmoralizacao de massa. Difunde-se entao aconvicgao de que af hé de fato “uma ameaga a ordem politica moral”, ou, mais energicamente ainda: “E preciso encontrar ‘um remédio cficaz para a chaga do pauperismo ou preparar-se para a desordem do mundo” Entenda-se isso como o fato de que a sociedade liberal corre o risco de explodir devido as novas tens6es sociais que so a conseqiiéncia de uma indus- ttializacio selvagem. feitos de uma disciplina para outa sio legitimas, caso respeitem as regras ppr6prias de cada uma delas, O respeito a essa regras profbe que aquele que aio € historiador se autorize a fazer a menor modificagio dos dados elabo- rados pela cigncia hiseérica, Nao que essas consteugdes sejam definitivas, ‘mas a sua reelaboragéo depende de procedimentos préprios ao offcio de historiador. Nao entrarei no debate historiogréfico contempotinco, que reintecroga as condigdes de construcio dos dadas hist6ricos. Tomo os tes- temunhos da época eas elaboragées dos historiadores, que estejam em con- seman (om, 9 qhie nie & 0 caso, esforco-me para indicar as divergéncias de interpretagio), para desenvolvé-las entio segundo a configuracao de um outro espace assertérico, o do “raciocinio sociolSgico”.. 7 Vicomte A. de Villeneuve-Bargemont, Economie politique chrétienne ow Recherches sur le paupérisme, Paris, 1934, p. 25. "'E. Buret, De la misére des classes laborieuses en France et en Angleterre, Paris, 1840, 1, p. 98. 30 INTRODUGEO. Ohiato entre a organizagio politica o sistema econdmico permite assinalar, pela primeira vez. com clareza, o lugar do “social”: desdobrar-se nesse entre-dois, restaurar ou estabele- cer lagos que nao obedecem nem a uma l6gica estritamente econémica nem a uma jurisdicdo estritamente politica. O“so- cial” consiste em sistemas de regulac6es ndo mercantis, insti- tuidas para tentar preencher esse espaco. Em tal contexto, a questo social torna-se a questéo do lugar que as franjas mais dessocializadas dos trabalhadores podem ocupar na sociedade industrial. A resposta para ela ser4 0 conjunto dos dispositivos montados para promoyer sua integracio. Entretanto, antes desta “invencio do social” jé havia so- cial. £ 0 caso das miltiplas formas institucionalizadas de rela- es ndo mercantis referentes a distintas categorias de indi- gentes (as préticas eas instituigdes de assisténcia), Mas também os modos sisteméticos de intervencio em relacdo a algumas populacées: repressio da vagabundagem, obrigacio do traba- Iho, controle da circulagao da mao-de-obra. Havia pois, entio, no s6 0 que chamarei de “social-assistencial”, mas também interveng6es piblicas através das quais o Estado desempenha- vvao papel de fiador da manutencio da organizacao do trabalho ede regulador da mobilidade dos trabalhadores. Por qué? Por- que uma “questo social” jé se apresentava nas sociedades pré- industriais da Europa ocidental. A interdependéncia cuida- dosamente encaixada dos estatutos numa sociedade ordenada € ameagada pela pressio que exercem todos os que nela nao encontram seu lugar a partir da organizacio tradicional do trabalho. A questao da vagabundagem, como se vera, expressa e dissimula, ao mesmo tempo, a reivindicagio fundamental do livreacesso ao trabalho, a partir do que as relagées de producio vo se redefinir em nova base. Mas, se a “questo social” j& se apresenta antes de sua primeira formulagio explicita no século XIX, nao volta tam bém a se apresentar depois que a problematica comandada pelas peripécias da integragio da classe operdria deixou de ser J, Donzelot, Linvention du social, Paris, Fayard, 19864 3 ‘AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL determinante? E verdade que essa seqiiéncia, que se situa entre a primeira metade do século XIX e os anos 60 do século XX, esti em via de desaparecer. E verdade também que nao ha mais palavra para dar conta da unidade da multiplicidade dos “pro- blemas sociais” que a substituiram ~ donde a moda da nocio de exclusio, cuja indiferenciagio vem recobrir uma infinidade de situacées infelizes sem tornar inteligivel seu pertencimento a.um género comum. Realmente, que coisa partilham um ho- mem que ha muito esta desempregado, recolhido a esfera fa- miliar, com mulher, apartamento e televisio'”, e o jovem cuja cocupacao penosa € feita de andancas sempre recomecadas ¢ de explosées de raiva abortadas"’? Eles nao tém nem o mesmo pasado, nem o mesmo futuro, nem a mesma vivencia, nem ‘0s mesmos valores. Néo podem alimentar um projeto comum € nao parecem suscetiveis de superar sua angiistia por meio de formas de organizagio coletiva. ‘Mas o que aproxima as situag6es desse tipo é menos uma comunidade de tragos que decorrem de uma descricéo empf- ica do que a unidade de uma posigdo em relacio as reestru- turagdes econdmicas e sociais atuais, S40 menos exclutdos do que abandonados, como se estivessem encalhados na margem, depois que a corrente das trocas produtivas se desviou deles, Tudo se passa como se redescobrissemos com angiistia uma realidade que, habituados com o erescimento econdmico, com © quase-pleno-emprego, com os progressos da integragao ¢ com a generalizagao das protecdes sociais, acreditavamos es- conjurada: a existéncia, novamente, de “intiteis para o mun- do”, pessoas ¢ grupos que se tornaram supranumerarios diante da atualizacao das competéncias econdmicas e sociais, Esse estatuto é, de fato, completamente distinto daquele que ocupavam até mesmo os mais desfavorecidos na versio precedente da questao social. Assim, o trabalhador bracal ow operdrio especializado das iiltimas grandes lutas operstias, ex- plorado sem diivida, nao lhe era menos indispensavel. Eur u- ©. Schwartz, Le monde privé des owvrers, Paris, PUR, 1900, "'E Dubet, La galére, jeunes en survie, Pais, Fayard, 1987, 32 INTRODUGAO. tos termos, ele continuava vinculado ao conjunto, das trocas sociais. Fazia parte, ainda que ocupando o tiltimo lugar, da sociedade entendida, segundo o modelo durkheimiano, como um conjunto de elementos interdependentes. Disso resultava que sua subordinacao podia ser pensada dentro do quadro de ‘uma problemdtica da integracao. Isto é: em sua versio “refor~ mista”, em termos de reducao das desigualdades, de politica de saliios, de promogao de oportunidades sociais e de meios de participacao cultural; em sua versio “revolucionaria”, em termos de transformagio total da estrutura social para garantir a todos uma real igualdade de condicao. Mas os “supranumerdrios” nem sequer sio explorados, pois, para isso, € preciso possuir competéncias conversiveis em valores sociais. Sao supérfluos. Também é dificil ver como poderiam representar uma forca de pressao, um potencial de luta, se ndo atuam diretamente sobre nenhum setor nevrélgico da vida social. Assim, inauguram sem davida uma problemé- tica te6rica e pratica nova. Se, no sentido proprio do termo, io so mais atores porque nio fazem nada de socialmente Stil, como poderiam existir socialmente? No sentido, é claro, de que existir socialmente equivaleria a ter, efetivamente, um lugar na sociedade. Porque, ao mesmo tempo, eles esto bem Presentes ~¢ isso é o problema, pois so numerosos demais. Nisso ha uma profunda “metamorfose” relativa a questo antetior que era saber como um ator social subordinado ¢ dependente poderia tornar-se um sujeito social pleno. A ques. to, agora, sobretudo, é amenizar essa presenga, tornéla dis- reta a ponto de apagécla (esse €, como se verd, todo 0 esforco das politicas de insereio em pensar no espaco de um refluxo das politicas de integra¢ao). Nova problemitica, pois, nas ndo outra problematizacao. Com efeito, nio se pode autonomizar a situagdo dessas populacSes postas A margem, a no set para ratificar 9 corte que se denuncia pretendendo lutar contra a exclusao. A volta hist6rica proposta mostrara que o que se ctistaliza na periferia da estrutura social —sobre os vagabundos antes da revolugao industrial, sobre os niseraveis” do século XIX, sobre os “excluidos” de hoje—inscreve-se numa dindmica 33 AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL social global. Hé af um dado fundamental que se impés, du- rante a pesquisa, através da andlise que proponho da situacio dos vagabundos, e sua licao vale para hoje: a questdo social se pie explicitamente as margens da vida social mas “questiona” © conjunto da sociedade. Hé ai uma espécie de efeito bume- rangue pelo qual os problemas suscitados pelas populagoes que fracassam nas fronteiras de uma formagao social retornam, para seu centro. Conseqiientemente, quer entremos na socie- dade “pés-industrial”, quer mesmo na “pés-moderna” ou como se quiser chamé-la, ainda assim a condigio preparada para os que esto “out” depende sempre da condicao dos que estio “in”, So sempre as orientagées definidas nos centros de decisio — em matéria de politica econdmica e social, de gesto das empresas, de readaptacies industriais, de busca de com- petitividade etc. ~ que repercutem como uma onda de choque nas diferentes esferas da vida social. Mas a reciproca é igual- mente verdadeira, a saber, 0s poderosos € os estaveis nao esto colocados num Olimpo de onde possam contemplar impavi- damente a miséria do mundo. Integrados, vulnerdveis ¢ desfi- liados pertencem a um mesmo conjunto, mas cuja unidade é problemitica. As condigdes de constituigao e de mamutengao dessa unidade problemética é que devem ser interrogadas. Se a redefinigao da eficécia econémica e da competéncia social deve ser paga ao prego de se por fora-do-jogo de 10, 20, 30% ou mais da populacio, ser possivel falar ainda de pertenci- mento a um mesmo conjunto social? Qual € 0 limiar de tole- rancia de uma sociedade democrética para o que chamarei, a0 invés de exclusio, de invalidagio social? Tal é a meu ver, a nova questao social. O que é possivel fazer para recolocar no jogo social essas populagGes invalidadas pela conjunturae para acabar com uma hemorragia de desfiliacao que ameaca deixar exangiie todo o corpo social? ‘A questao apresentada desse modo é também a questao do Estado, do papel que 0 Estado pode ser chamado a desem- penhar nessa conjuntura. O Estado social (direi, porque evito falar de “Estado providéncia”) constituiu-se na intersecgio do mercado e do trabalho. Foi cada vez mais forte 4 medida que “ INTRODUGAO cram fortes as dinamicas que regulava: o crescimento econd- mico ea estruturacdo da condicao salarial. Se a economia se reautonomiza e se a condigao salarial se desagrega, 0 Estado social perde seu poder integrador. Mas aqui também pode se tratar de uma metamorfose mais do que de uma retracio. Quan- do alguém se dé o trabalho de reconstruir as peripécias que ele atravessou, evidencia-se que nio esta inscrita no céu das idéias uma forma inica de Estado. A conjunturaapésa Segunda Guerra Mundial péde dar, sobre a articulacio do econémico e do social entio elaborada, uma versio satisfatoria o bastante para ter tido a tentacio de se pensar como quase definitiva. Todos sabem que hoje nao estamos mais na era dos compromissos sociais permi- tidos pelo crescimento. Mas 0 que isto quer dizer? Estamos, sem davida, diante de uma bifurcagao: aceitar uma sociedade in- teiramente submetida as exigéncias da economia ou construir uma figura do Estado social a altura dos novos desafios. A aceitacao da primeira parte da alternativa nao pode ser excluf- da, Mas poderia custar o desmoronamento da sociedade sala- tial, isto é, desta montagem inédita de trabalho e de protegdes ‘que feve tanta dificuldade para se impor. Emile Durkheim e os republicans do fim do século XIX ‘chamaram de solidariedade esse vinculo problemético que as- segura a complementaridade dos componentes de uma socie~ dade a despeito da complexidade crescente de sua organizacao. Bo fundamento do pacto social. Durkheim reformulava-o nes- ses termos no momento em que o desenvolvimento da indus- trializago ameacava solidariedades mais antigas que ainda deviam muito’ reprodugao de uma ordem baseada na tradi¢a0 eno costume. No raiar do século XX, a solidariedade deveria tornar-se um assumir-se voluntirio da sociedade ¢ o Estado social, fazer-se seu fiador. Na aurora do século XXI, quando as regulacdes implantadas no contexto da sociedade industrial estio, por sua vez, profundamente abaladas, € 0 mesmo con- trato social que, sem diivida, deve ser redefinido a novas ex- pensas, Pacto de solidariedade, pacto de trabalho, pacto de cidadania: pensar as condigées da inclusio de todos para que possam comerciar juntos, como se dizia na época do Tluminis- mo, isto 6 “fazer sociedade”. 35 AS METAMORFOSES DA QUESTAO SOCIAL. Nota sobre o comparativismo A problematiza¢io que sera desenvolvida na primeira par- te diz respeito, em principio, a uma vasta parte da Europa a este do Elba: a area geogréfica da “cristandade latina” que se tornou “a Europa de todos os scessos”, para retomar ex- presses de Pierre Chaunu', bergo da dupla revolugao indus- trial e politica cuja heranga dominou a civilizagio ocidental. No entanto, comporta especificidades nacionais irredutiv Por duas razes pelo menos, era impossivel assumir a respon- sabilidade pelo conjunto: a amplitude do material a trabalhar ea incapacidade de submeter-se as exigéncias de uma aborda- gem seriamente comparativa em tal escala. Privilegiou-se, pois, a andlise da situagao francesa. Apesar disto, nao se trata de uma pesquisa puramente circunscrita a Franga. De um lado, porque foram realgadas as correspondén- cias com outras situagGes (de modo aparentemente paradoxal, sio mais visfveis quando se remonta no tempo, antes da con- solidacio dos Estados-nagdes: a metade do século XIV e 0 inicio do XVI, por exemplo, revelam analogias surpreendentes quanto as estruturas da assisténcia e as formas da organizacio do trabalho em todo esse espaco europeu). De outro lado, porque constantemente me referi As transformacdes corres- pondentes da sociedade britanica e porque, freqiientemente, as levei em conta (esse paralelo nao pretende ter o rigor de uma verdadeira anélise comparativa; visa somente a sugerir um jogo entre as semelhangas e as diferencas para ajudar a evidenciar constantes’). Enfim e sobretudo, uma anilise desse tipo supde, quanto propria possibilidade, que realmente exis- tam constantes no tempo e no espago, a despeito das ou gracas "P Chaunu, Histoire, science sociale: La durée, espace et homme. l'époque ‘moderne, Paris, SEES, 1974. ® Como mostra FJ. Hobsbawm (Lire des révolutions, trad. f. Pacis, Fayard, 1970), tragar o paralelo entre a situacio na Franca e na Inglaterra é part cularmente sugestivo, uma tendo sido o epicentro da revolugio politica e 2 ‘outta, oda revolugso industrial, 36 INTRODUGAO as diversidades culturais e histéricas. “Constantes” nio signi- fica a perenidade das mesmas estruturas mas, sim, homologias has configuragdes das situagdes e nos processos de suas trans- formagdes. Porém, nesse estigio, trata-se de uma petigéo de prinefpio que deve, agora, enfrentar a tarefa de organizar a diversidade hist6rica. Demodo esquematico, poder-se-ia dizer que minha anilise € muito amplamente “européia” até a Renascenca, inclusive. Em seguida, freqiientemente faz referéncias a situacao inglesa até o fim do século XVIII. Além disso, era impossivel assumir © problema da diversidade dos Estados sociais e da especific dade da situacao atual nos diferentes paises da Europa ociden- tal (teria sido necessario, alids, incluir na andlise a situagio nos Estados Unidos). Para designar em poucas palavras a posi¢ao subjacente ao meu propésito, que poderia prevalecer-se de Karl Polanyi": os Estados sociais dos paises ocidentais respon- deram a um desafio comum, o da industrializagao e dos fatores de dissociagao social que ela acarretava; mas, evidentemente, 0 fizeram em ritmos distintos, mobilizando suas tradigbes na- cionais ¢ levando em conta as diferentes forcas sociais presen tes em cada contexto. Contudo, o debate permanece no plano lum pouco metafisico e depende de anilises comparativas pre- cisas dos diferentes contextos nacionais, que ainda devem ser amplamente promovidas* K, Polanyi, La grande transformation. Auc origines économiques et politi- ques de notre temps, tr. f. Paris, Gallimard, 1983, “Anualmente, este debate se desenvolve sobretudo a partir das posigbes ditas “neo-institucionalistas” (State-central approach), que acentuam a heteroge- npidade das ttuagGes nacionais e o papel especfico dos Estados edos agentes, lo Estado; cf. RB. Evans, D. Rueschemeyer, T. Skocpol, Bringing the State back, in, Nova York, Cambridge University Prete, 1985, Apresentagio das dliferentes posigdes em presenca, in F-X Merrien, “Etat et politiques sociales: Contribution 3 une théorie ‘néo-institutionnaliste™, Soctologie di travail, n° 9/90, 1990, Para uma comparacio dos fatores que dirigem o nascimento ¢ ‘o desenvolvimento dos Estados sociais, cf P Flora, A.J. Heidenheimer (eds,), ‘The Development of Welfare States in Europe and America, New Brunswick ‘Londres, Transactions Books, 1979. 37

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