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Propostas ao GT de Transição Desenvolvimento Agrário

Câmara Temática da Agricultura Familiar


Consórcio Nordeste
Brasília, 28 de novembro

1. Introdução
A agricultura familiar, produtora de alimentos saudáveis, gera receitas para as unidades federativas,
gera emprego, trabalho e renda. É indiscutível sua relevância para a região Nordeste: segundo o
Censo Agropecuário de 2017 (IBGE) são 1.838.846 estabelecimentos de um total de 3.897.408 no
país. Isso representa 47,2% do total de unidades familiares no Brasil, que ocupam 4.708.670 de
pessoas, totalizando 73,8% das pessoas ocupadas nas atividades agropecuárias no Nordeste
brasileiro. Em proporções reais, o quantitativo de estabelecimentos da agricultura familiar chega a
55%, considerando a falta de regularização dos assentamentos da reforma agrária.

Apesar de sua dimensão e importância na produção de alimentos, nos últimos 06 (seis) anos sofre
um processo continuado e intencional de extinção, desinvestimento e desestruturação das políticas
públicas de apoio a este segmento econômico, a partir da extinção do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), reduzido a uma Secretaria Especial, agregada ao Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), cuja visão predominante indica haver uma única agricultura. Em atos
subsequentes, programas e políticas públicas foram extintos, esvaziados em seus orçamentos ou
tiveram baixa execução. Os espaços públicos nacionais de concertação das políticas, como o
CONDRAF, foram extintos, fechando as portas de diálogo com a sociedade civil.

Diante deste cenário de retrocessos, nos posicionamos por um projeto nacional que garanta a
reconstrução de políticas públicas condizentes com a importância econômica e social da agricultura
familiar e camponesa com a retomada das relações federativas para a promoção de avanços na
melhoria de qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. É preciso ampliar as capacidades
produtivas da agricultura familiar para a produção de alimentos saudáveis e responder às demandas
imediatas voltadas para a população que mais precisa, sobretudo porque o país retornou ao mapa
fome e hoje mais da metade da população se encontra em algum grau de insegurança alimentar e
destes, 33 milhões passam fome.

O momento é de construir as bases do futuro que permitam dar concretude aos propósitos aqui
assumidos. É indispensável pensar o Brasil romper com o atual ciclo de retrocessos e construir um
ambiente político que favoreça o projeto de desenvolvimento econômico e social com a eleição do
Presidente Lula, que já demonstrou em mandatos anteriores a seu compromisso com a agricultura
familiar ao criar os principais programas e políticas para o segmento.

No vácuo de políticas nacionais para a agricultura familiar, cenário este agravado pela crise sanitária
mundial causada pelo COVID 19, criou-se no âmbito do Consórcio Interestadual para o
Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, o Programa de Alimentos Saudáveis – PAS-NE. Trata-se
de uma estratégia do de fortalecimento e ampliação da agricultura familiar na Região, que resultou
de um processo de construção coletiva, aprovado pela Assembleia dos Governadores em julho de
2020 (Resolução nº 009/2020) como referencial para a Câmara Temática da Agricultura Familiar na
articulação técnica e política e elaboração de diretrizes e ações conjuntas objetivando a expansão e o
fortalecimento da agricultura familiar no Nordeste.
Propostas ao GT de Transição Desenvolvimento Agrário

2. Eixos Prioritários do PAS/NE

a. Fortalecimento e Expansão da Agricultura Familiar e Valorização dos Produtos da


Sociobidiversidade;
i. Dinamização das Cadeias produtivas;
ii. Beneficiamento e Comercialização;
iii. Aquisição de Alimentos Saudáveis
iv. Integração das Agências de Defesa Agropecuária
v. Expansão do Acesso aos Serviços de ATER;

b. Fundo de Apoio à Agroindústria Familiar do Nordeste


i. Ampliar e Adequar a Oferta de Crédito à Agricultura Familiar da Região

c. Povos e Comunidades Tradicionais – Regularização Fundiária, sociobiodiversidade e


Inclusão Produtiva;
i. Resgatar e valorizar, nos territórios, as tradições culturais e gastronômicas ligadas às
cadeias produtivas da agricultura familiar.

d. Segurança Hídrica e Gestão dos Recursos Hídricos


i. Assegurar a Continuidade dos Programas de Acesso a Água para Abastecimento Humano

e. Fortalecer o Protagonismo Feminino

3. Propostas Gerais
i. Defendemos a recriação de um órgão gestor das políticas públicas da agricultura familiar e
da reforma agrária, denominado Ministério da Reforma Agrária, Agricultura Familiar e
Alimentos (MIRAF), como forma de reestabelecer o projeto nacional que garanta a
reconstrução de políticas públicas condizentes com a importância econômica e social da
agricultura familiar e camponesa, estabelecendo relações federativas para a promoção de
avanços na melhoria de qualidade de vida e sustentabilidade ambiental;

ii. Estruturar, no âmbito do MIRAF, o Programa de Alimentos Saudáveis - PAS BRASIL,


enquanto estratégia de integração das ações de fortalecimento da agricultura familiar,
considerando Eixos Prioritários de atuação:

4. Eixos Estratégicos – PAS Brasil


I - Acesso a água e ampliação da segurança hídrica, com foco na produção de alimentos
saudáveis

i. Promover aporte de recursos, no orçamento de 2023, aos Programas P1MC e P1+2, coordenados
pela ASA, como também pelos Estados, considerando que há uma demanda reprimida de

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aproximadamente 350 mil famílias para cisternas de 1ª água (consumo humano) e de


aproximadamente 800 mil famílias para segunda água (produção de alimentos);
ii. Apoiar a ampliação da perfuração de poços tubulares e construção de pequenas adutoras, em
parceria com os Estados;
iii. Ampliar a implementação de sistemas de reuso domiciliar, a fim de possibilitar o uso sustentável
da água para produção de forragem (alimentação animal) e de alimentos com vistas a
soberania alimentar das famílias rurais;
-
II. Apoio à transição Agroecológica e Produção Orgânica em arranjos produtivos e sistemas
familiares:
a) Assistência Técnica e Extensão Rural
i. Recompor e qualificar a oferta dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural dos Órgãos
Oficiais nos Estados e Ater Complementar, adotando um novo formato para a contratação dos
serviços de ATER, em substituição as chamadas públicas; e integrando a abordagem
agroecológica e territorial, como instrumento de afirmação da presença do Estado junto à
agricultura familiar, valorizando suas dinâmicas socioprodutivas;
ii. Para a execução das políticas de ATER, considerar as demandas específicas de mulheres rurais,
populações tradicionais e juventude rural;
iii. Adotar os territórios rurais como unidade de planejamentos das ações de ATER, fortalecendo os
APLs; estimulando a transição agroecológica e fortalecer as estratégias de acesso aos mercados

b) Acesso a Crédito
i. Promover ações de ATER voltadas ao financiamento qualificado e uma melhor estruturação
produtiva das unidades familiares de produção e elevar o Ticket Médio do Crédito Pronaf
na Região Nordeste, especialmente do Pronaf Agroindústria; estruturação do
armazenamento de água e de forragens;
ii. Estabelecer estratégia de crédito orientado, vinculada à produção de alimentos saudáveis sob
uma abordagem agroecológica – qualificar os serviços de ATER para qualificar o acesso ao
crédito;
iii. Possibilitar o custeio agrícola e pecuário no Agroamigo (Pronaf B) em até 100% do valor da
operação;
iv. Considerar a renda bruta anual prospectada (renda futura) no instrumento de crédito para
o enquadramento na linha de financiamento e não na renda do ano anterior estabelecida na
DAP/CAF;
v. Estabelecer condicionantes para os agentes financeiros para estimular a aplicação dos
recursos em linhas de crédito estratégicas tais como Agroindústria, Agroecologia, Jovens,
Mulheres e Semiárido.

c) Modernização e mecanização da produção - tecnologias poupadoras de mão-de-obra;


i. Criar um Programa de Modernização e Mecanização da Agricultura Familiar, que aponte para
adoção de tecnologias que possam contribuir para ampliar ainda mais a vocação de produtora
de alimentos saudáveis inerentes à agricultura familiar

d) Apoio a certificação Agroecológica e orgânica


ii. Fomentar os processos de certificação da produção orgânica e agroecológica, como forma de
incentivar os sistemas alimentares a adotarem parâmetros de sustentabilidade, como meio
de subsidiar a transição agroecológica;

III. Apoio ao Cooperativismo solidário e às agroindústrias familiares

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i. Promover ações de ATER voltadas a promover o fortalecimento do cooperativismo e do


associativismo da agricultura familiar e ampliar sua capacidade de beneficiamento e
processamento de alimentos – ampliar programas de fomento e acesso ao crédito Pronaf
Agroindústria;
ii. Promover a oferta de suporte técnico-gerencial às organizações da agricultura familiar, de modo a
superar as deficiências de gestão fiscal e contábil, dentre outras;
iii. Criar um Fundo de Apoio à Agroindústria Familiar e instituir um Banco de Projetos que oriente a
modelagem de uma linha de crédito que ocupe o vazio deixado pelo Subprograma Agroindústria do
Pronaf;

IV. Acesso a Mercado


i. Restabelecer do ponto de vista estrutural e orçamentário o Programa de Aquisição de
Alimentos – PAA e criar mecanismos de apoio aos Estados e Municípios para ampliar as
compras institucionais, conforme previsto em Lei, através do PNAE e de órgãos públicos
Federais;
ii. Ampliar a ação do MAPA no sentido de fortalecer os Sistemas de Inspeção Municipal (SIM),
voltados às agroindústrias de pequeno porte e produção artesanal, estabelecendo parcerias
com os Consórcios Públicos Intermunicipais – vide experiência do Estado da Bahia;
iii. Desenvolver ações que permitam o aumento da capacidade da agricultura familiar no acesso
aos mercados privados – agroindustrialização, agregação de valor e estruturação de uma
plataforma de informações da agricultura familiar - banco de dados unificado, sobre a oferta
de alimentos oriunda da agricultura familiar, a exemplo do Sistema Regional de Informações
da Agricultura Familiar do Nordeste - SIRAF/NE;

V. Promover o Protagonismo de Mulheres e Jovens nos processos produtivos e gestão


organizativa da agricultura familiar
i. Estruturar no âmbito do MIRAF espaços de proposição e gestão de políticas públicas
voltadas à promoção do protagonismo das mulheres e jovens nos processos produtivos da
agricultura familiar.
i. Promover ações para favorecer o acesso ao crédito pelas mulheres, com elevação de ticket
médio, diminuindo as desigualdades de gênero.
ii. Combinar ações de fomento produtivo e crédito rural com o objetivo de contribuir com a
promoção da autonomia econômica das mulheres rurais;
iii. Recompor e ampliar o Programa de Fomento Produtivo para a agricultura familiar no
âmbito do novo Ministério (atualmente no Ministério da Cidadania), com prioridade na
concessão para mulheres rurais e populações tradicionais;

VI. Promover o acesso à terra


i. Promover uma intervenção fundiária consistente e integrada com as ações de fomento à
produção, arrecadando as terras devolutas, regularizando as áreas públicas ocupadas por
particulares, ampliando a oferta de áreas para assentamentos e regularizando os territórios
tradicionalmente ocupados.

VII. Controle Social


i. Reconstituição da participação popular na gestão pública através das Conferências Nacionais
e Conselhos, Comissões e outros instrumentos de controle social, com destaque para: Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea); Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf); Rede Nacional de Colegiados Territoriais e a
Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo).

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5. Propostas Complementares

I. Fortalecer a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PSAN) e o Sistema


Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan);

II. Fortalecer os Programas Estaduais de Aquisição e Distribuição de Sementes;

III. Retomar os investimentos do PAA Sementes da CONAB e do Programa Sementes do


Semiárido coordenado pela Articulação no Semiárido – ASA;

IV. Consideramos fundamental a retomada dos Territórios Rurais como unidade de


planejamento e integração das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento rural
sustentável, dinamizando os sistemas de produção, promovendo a vocação para produção
orgânica e dos sistemas agroecológicos e agroflorestais;

V. Promover uma ampla revisão no PRONAF e no Sistema de Aplicação de Crédito Rural que
possam gerar um amplo processo de transição agroecológico e fortalecimento do uso das
tecnologias sociais adaptadas à realidade da agricultura familiar do NE;

VI. Fortalecer a ATER nos Territórios com recorte étnico e de gênero, priorizando o incentivo
a tecnificação através de novos equipamentos e tecnologias adaptadas a realidade agrária e
social da agricultura familiar;

VII. Promover um forte apoio a agroindustrialização de produtos da sociobidiversidade


articulado a um ousado programa de apoio ao cooperativismo solidário e acesso aos
mercados privados, priorizando os mercados de proximidade (como as feiras e centrais de
comercialização da agricultura familiar) e a retomada e fortalecimento das compras públicas
institucionais;

VIII. Restabelecer os recursos dos Programas de Implantação de Infraestruturas Hídricas,


ampliando a segurança hídrica das comunidades através das tecnologias sociais (primeira e
segunda água), a perfuração de poços com utilização da energia solar; sistemas simplificados
de distribuição de água; adutoras e outras infraestruturas hídricas de pequeno e médio porte;

IX. Promover uma revisão e adequação do Cadastro da Agricultura Familiar, enquanto


instrumento de acesso as políticas públicas, possibilitando a participação dos órgãos
estaduais de ATER, movimentos sindicais e organizações de apoio à agricultura familiar na
sua operacionalização e controle social.

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