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& Programa n° 9 © MUNDO FASCINANTE DOS LIVROS Biblioteca de classe A ecrita € 0 produto cultural por exceléncia. E de fato, 0 resuhado ta0 exemplar da atividade humana sobre © mundo, ue © livre, subproduto mais aeabado da escrita, é tomado como metifora do corpo humano: falo-se nas “erelhas” do lvro, na sua pagina de “rosto”, ‘nos notas de “radapé”, e o capitulo nada mais é do que a “cabego” em lim. Do livro de pedra, ao livro eletré- nico. Das bibliotecas medievais, sagra- das e misteriosas, as bibliotecas aber- tas ao publico e & grande rede de bi- bliotecas ligando leitores de todo o mundo, o homem imprime a sua mar- ca, (rejvelando a trajetéria de seu co- nhecimento. No entanto, a quem os livros e as bibliotecas tém servido? Num pais em que um grande contigente da populagdo nao tem Ocesso 4 escrita e outra grande parte a ela tem acesso, mas néo é letrada, Precisamos questionar o papel da es- cola, institvig&io a que se delega esse Poder —o ensinar a ler e escrever. Série XII - Ensino Fundamental Lede Tfouni O mundo de hoje, dominado pela informagée e pela informatica néo comporta mais uma escola que apri- siona © conhecimento em alguns pou- cos livros, E evidente que as criangas vao @ escola para aprender a ler e escrever e Pora apropriar-se do saber construido a0 longo do tempo pelo homem. Che- gam cheias de sonhos , expectativas e conhecimentos, inclusive sobre a escri- ta e sobre a linguagem escrita: contam historias, fotos, cantam misicas, reci- tam quadrinhas etc. Como, entéo, ‘amordagé- las, em estranhas “familias” de silabas ou em listas de palavras ede frases téo diferentes de tudo que ouvern, véem e falam ? Onde a diversidade de ed Boletim - Programe n° 9 textos com os quais convivemos, para comparar, ampliar © mundo, refletir, fazer descobertas e tirar conclusdes se Ihes é dado um tnico material “de ler”2 Aprende-se exatamente pela divergén- cia e nao pela igualdade. Aprende-se a ler lendo textos e, se como diz Foucambert (1994: 38), ler € um trabalho de detetive, como achar “pistas"no que a escola se thes apre- senta ? Ler € construir significados e quan. to mais lemos, maior rede de sentidos podemos tecer. Ler é dialogar com o autor, com seu contexto histérico, so- cial e cultural, é preencher os vazios de modo impar, utilizando seus “conheci- mentos prévies” ( Kleiman,1989:13 ) “Os diferentes tipos de textos exigem compromissos diferentes por Parte dos leitores e escritores, jé que cada um deles requer procedimen- tos distintos para relacionar a repre- sentagdo simbélica do significado no texto com © conhecimento do usurério ou do mundo, e seus pro- Pésitos ao enfrentar-se com o texto”(Gordon Wells ). Entendendo que a leitura/escrita é base de aprendizagens multiplas na es- cola e que é instrumento de Poderede transformagéo, acreditamos numa es- cola questionadora que oferega uma pluralidade de materiais e de pensa- mentos, uma escola onde o pensar seja © bem maior. Esta discusséo vem embasando, em nossa escola, uma Série XII - Ensino Fundamentol Proposta pedagégica consistente em relagdo 4 leitura e @ escrito, baseada NO processo cognitive do aluno. Nao queremos apenas mudar ou melhorar, queremos mais e, para isso, muitas ve- es, precisamos romper com o instala- do, estabelecendo uma nova Pratica, criando uma nova relagdo professor x livro, professor x aluno, aluno x livroe ensino x aprendizagem, em busca do letramento do aluno e do professor. Para tanto, “navegar é preciso”, estudar é preciso, ousar é preciso e ter uma biblioteca diversificada é fun- damental. Ela deve ser a base de todo © Projeto Pedagégico da escola jé que @ literatura lida com questées éticas, Politicas, sociais e econémicas e que, através da linguagem simbélica, che. gamos, mais facilmente, ao pensamen- to reflexivo, critico e criativo. E imprescindivel que a Escola de Ensino Fundamental seja promotora da alfabetizagdo e do letramento, enten- dendo-se como sujeito alfabetizado aquele que Ié e produz diferentes #i- pos de textos. Em nosso pais, a leitura vai mal, Mas parece que o mercado editorial vai bem se € que podemos dizer isso quando mais da metade de sua pro- dugao é de livros diddticos. Mesmo fa- cilitando 0 acesso aos Poucos livros de literatura editados,colocando-os em bancas de revistas e barateando seus custos, ainda estamos longe de ser uma sociedade leitora. 103 Secret eee Boletim - Programa n° 9 Talvez se a situagdo se invertesse, formassemos mais leitores. Ou seré que é co contririo? Se formarmos mais leitores eles reivindicaréo mais livros. Fora os atos de leitura planejades para a turma, o professor precisa se descobrir para os alunos enquanto lei- tor/escritor também e para tal nao exis- tem momentos apropriados; seus atos no cotidiano vao, naturalmente,deixar transparecer isso. No momento em que, por exemplo, ele carrega o jor- nal e comenta algum fato que leu ,de- monstra para que serve o jornal e a imporiéncia de se estar atualizado. Se leva um livro de estudo embaixo do brago , mostra que é estudante a vida toda. Se chega com um romance ou um livro de Vinicius de Moraes ( que tanto eles conhecem como poeta para criangas), pode surpreendé-los com a declaracao de que Vinicius também escreve para gente grande e lendo, em voz alta, um poema ou outro. Uma vez, uma professora me em- Prestou © livro Agosto, do Rubem Fon- seca, e quando o devollvi, frente & tur- ma, os alunos ficaram bastante intri- gados com o livro que tinha o nome do més que acabara de comegar. Uma outra vez recebi um poema sobre um arco-iris com que o dia nos brindava logo no inicio da manhé e, rapidamen- te, todos correram 4 janela, numa for- te demonstragao de que deram signi- ficado ao texto. Ainda num Dia do Mestre, inven- tamos um mural de correspondéncia levamos os alunos para lerem as car- tas, bilhetes e recados que nés, pro- fessores, trocéramos em diferentes ocasides, © que suscitou um projeto de correspondéncia dentro da turma. Tudo isto demonstra que somos leitores e que os textos tém diferentes uses sociais. “E preciso ler. E preciso ler. E se em vez de exigir a leitura © professor decidisse de repente partilhar sua propria felicidade de ler 2A felicidade de ler? O que é isso, felicidade de ler?” (Penac, 1993, p.80) Biblioteca, espago da seducao — ee" Na vida real, usamos uma biblio- teca para satisfazer nosso prazer e nossos desejos. Ali buscamos informa- g6es sem que ninguém nos imponha © que fazer, o que ler, o que escrever. ‘Série Xil_- Ensino Fundomental Que prazer andar entre os livros, ler os titulos em destaque, correr as ™Méos em um ou outro, garimparaquele que © colega indicou e que nao foi en- conirado na livraria ou que parece es- 104 Boletim - Programa n° 9 tar esgotado, encontrar aquele outro que queriamos hd tempo, escondido |lé na mais recéndita prateleira e ter a agraddvel.sensagdo de que ele estava 'a°espreita, esperando por nés, an- sioso para ser levado & nossa casa, quigd & cabeceira de nossa cama. Como é bom folhear as paginas, ler um parégrafo aqui, outro acolé, ler a “orelho", 0 prélogo, buscar informa- ‘g6es-no indice, apreciar a beleza das ilustragdes ( quando houver ), ler um pouco da vida do autor e do ilustra- dor e, as vezes, quem sabe ( ? ) fortui- tamente ler o final da histéria.. Como € bom! Como é bom! Todos esses, gestos de um leitor competente, de um leitor que ali esté Por uma Unica razGo ~ a paixao de ler. Ah! Se nossos alunos puderem também ter esses movimentos na sala, na escola, na vida. Ahl Se eles puderem! Comparar esses atos sociais com © que faziamos, fizemos ( ou seré fo- zemos? ) na escola, j dé para sentir um arrepio na espinha. - Lé, menino! - Vocé, fulano, continua. Ea velha mania de ler-para-fazer- prova, ler-para-responder-perguntas- sempre-iguais,ler-para-preencher- ficha,ler-para-tirar-verbos-substanti- vos-e-adijetivos, ler-para. ‘Série Xil_ - Ensino Fundamental Livro do bimestre. Escolhido pelo professor, ndo pelo leitor — que gran- de diferenga! Todo mundo lé a mes- ma coisa, goste ou ndo goste.E néo pode nao gostar. Tem que ler. Serd que o que é importante para mim no livro, é importante para 0 ou- tro? Seré que compreendemos uma his- t6ria da mesma forma que o outro? Por que nao reverter essa situagdo? Por que n&o subverter a ordem? Por que no ler-por-prazer? E por que nao comecar pela arru- magGo, pela estética? Os livros podem estar nas estan- tes, em caixas, em grandes cestos, em malas, em bats; podem estar fecha- dos, abertos, entreabertos, sugerindo, convidando. (Na Casa da Leitura, no Rio de Janeiro, é assim e nado dé von- tade de sair de Id.) O importante é que possam tran- sitar entre alunos, pais, professores, inspetores, serventes, merendeiras al- cangando até aqueles que ndo sabem ler convencionalmente. Junto aos livros, ds estantes, cor- po e alma: vida. Nossas histérias, nos- sos medos, anseios, nossas duvidas, nossos desejos, nossos fazeres, dize- res e saberes.Esse € 0 acervo de uma biblioteca. oo 105 Srareaaceroerrearicrerie eres . Boletim - Programa n° 9 Roda de livros “Biblioteca néo é um espago cer- cado de livros por todos os lados, "como diz Nanci Nébrega,com sua experiéncia de trabalho em bibli- oteca. Roda, que roda, E torna a rodar Roda, palavra magica ,com chei- ro e sabor de inféncia. A brincadeira de roda, a roda-gigante, a roda d’égua, roda-piéo, bambeia-pido... Ah! Eu entrei na rodal Ah! Eu entreina rods, eu entrei na roda- danga, eu néo sei dangar! Roda, circulo, mandala Roda de livros também. Como fazemos a roda, rodar? Odque move a roda? Prazer, curio- sidade, seriedade, fascinio, magia? As criancas mexem e (re Jmexem nos livros, mostram aos colegas, con- versam, d&o opiniées, trocam vonta- des e informagées durante um tempo determinado pelo professor que nessa hora liga “suas antenas parabédlicas” Para captar tudo o que esté sendo dito, € feito. Escolhem um livro. Anotam. O re- gistro é importante, pois em qualquer lugar nes responsabilizamos pelo que Série Xil_« Ensino Fundamental See Pegamos. Pode ser individual ov da turma toda. A anotagao é uma ativida- de de muitas aprendizagens, jé que se escreve 0 préprio nome, os nomes dos livros, as datas e ainda se toma conta. to com um outro tipo de texto & tabela. bevam 0 livro para casa e tm o prazo de uma semana para Ié-lo. Léem para eles mesmos, para um irméo, para um adulto. Ou vice-versa. “A roda é um lugar onde tudo pode acontecer e os alunos que quiserem contem, léem ou falam do que leram. Léem o texto inteiro ou parte dele, co- mentam sobre © autor, as ilustragdes, seo livro é parte de uma colegao, entim, escolhem suas Préprias estra- tégics para “vender” o livro, isto é, fazem a propaganda tentando conven. cer os colegas. Nessa hora, o profes- Sor, assim como os colegas, faz inter- vengées, levantando questdes, emifin- do opinides e provocando reflexes. Dependendo de como cada um de- monstra © seu envolvimento com o li- vro, haveré muitos que se elegem para levé-lo e, as vezes, é preciso até “en- trar ne filo”. Afinal, “a propaganda é a alma do negécio.” Nesse troco-troca, tecem muitos textos e entretecem outras tantas re- lagdes Na roda © professor também tem vez. Ele 6 o modelo. Ele |é aquilo que Po ee eee eee Boletim - Programe n° 9 planejou, aquilo que, de repente, vai sero fio condutor do resto da aula, ou da semana inteira. Nao que a sua lei- tura seja sempre para uma tarefa a Posteriori. Pode lersé pelo querer, pelo Prazer. Ele ainda pode sugerir, de quando em vez, c leitura de um tema, de um autor ou um género determina- do, dando margem & multiplicidade de textos que existam na sala. Sugestées de atividades | ———— Aqui vao mais algumas sugestdes de atividades que, além de Prazerosas, considero bastante produtivas, boas situagées de aprendizagem. Algumas dessas atividades jé fo- ram descritas por alguns autores & outras foram elaboradas pela equipe da escola. Todas, no entanto, vem sen- do experimentadas Por nds. Elas nao se esgotam em si mes- mas séo apenas algumas idégias. - Coletanea de diferentes mate- rigis impressos: revistas, livros (de his- térias, poemas, fabulas, biogratias, receitas, diciondrios, catélogos, enci- clopédias etc ); folhetos publicitérios, manusis de instrugéo de jogos e de aparelhos elétricos e, claro, © jornal que no deve faltar. ~ Discussdo sobre estes materiais com os alunos, com o objetivo de or- ganizar a biblioteca de modo a faci tar © acesso eo uso. - Confecgao de cartazes e etique- tas para as proteleiras e de listas dos li- vros: por autor/ portitulo / porassunto, Série Xil_- Ensino Fundementol - Anélise de algumas formas de registro e escolha de algumas para o uso naquele periodo. - Reserva de alguns titules para 0 professor ler como uma grande sur- presa. - Convite o pessoas das familias dos alunos e do entorno escolar para contar suas histérias, histérias da trans- formag&o daquela comunidade ou outras historias e “causos”, podendo ser, ainda, uma forma de valorizar o idoso e sua sabedoria. ~ Contec¢io de livros de fabulas, de poemas ou de histérias para dar de presente a outras turmas, a outras escolas ou até mesmo para a propria biblioteca de sala. - Interc&mbio de leitura: alunos de uma turma léem para os de outras tur- mas, néo esporddica, mas constante- menie de forma planejada entre os professores. + Organizagéo de um Recital de Poemas para os pais. 107 a Bolenm - Programa n° 9 - Instituigao da Hora do Conto no escola, uma vez por semana, feita por professores, para toda a escola. - Feira de Livros: organizada por uma editora jlivraria ou pele propria escola, com livros escritos ou reescri- tos pelos alunos. ~ Feira do Troco-Troca: os alunos trocam com 0 colega um livro seu, jd lide, por outro de seu interesse (Isso vale entre professores também). - Cartazes com a escrita das par- tes mais interessantes do livro escolhi- do pelo professor, colocados nos cor- redores ou no patio da escola, crian- do um clima propicio & curiosidade in- fantil. - Visita a qualquer outra bibliote- ca_ou livraria do municipio. “E que eu também sou invento- 1a, inventando todo dia um jeito nove de viver. Eu, Bel, uma tranga de gente, igualzinho a quando faco uma iranga no meu cabelo, divido em trés partes e vou cruzando uma com as outras, a parte de mim mes- ma, a parte de Biso Bia, a parte de Neta Beta. E Neta Beta vai fazer o mesmo comigo, a Bia Bel dela, ¢ com algumo bisneta que néo dé nem para eu sonhar direito. E sem- pre assim. Cado vez melhor. Para cada um e para todo mundo. Tran- ga de gente.” (Ana Maria Macho- do, 1982, p.56). Ah! Em tempo! -e-e ee — Sexta-feira, dia 25 de julho de 1997, quando acabava de escrever esse texto, abri o jomal e li, consier- nada, sobre o falecimento de Sylvia Orthof. “. Que grande artista o mundo esti perdendo!” — diria 0 lobo do Chapev- zinho Vermelho. Em sala, lia noticia com meus alu- nos, falei dela e de sua obra. Procuramos na biblioteca de sala Série Xil = Ensino Fundomental ¢s livros de sua autoria e encontramos: Os bichos que eu tive; Uxa, ora fada, ‘ora bruxa; No fundo, no fundo, Ié vem © tatu Raimundo e Uma velha e trés chapéus. Fiquei feliz porque os alunos, con- tagiados pelo meu entusiasmo, briga- ram para levd-los sendo preciso um sorteio para resolver a questdo. (Imagino se Sylvia, agora, néo anda encantando 0 céu). Olga Guimarées Germano Boletim - Programa n° 9 Referéncias bibliograficas eC KLEIMAN Angela. Texto e Leitor. Aspectos Cognitivas do Leitura . Campinas Pontes, 1989. MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia, Bisa Bel. Rio de Janeiro, Salamandra, 1982. NOBREGA, Nanci. A Ceverna, O Monstro, O Medo. Rio de Janeiro, Casa da Lei- tura, 1995, Série XIl_~ Ensino Fundamental PENNAC, Daniel. Como Um Romance. Rio de Janeiro,Rocco, 1993. TFOUNI,Leda.Letramento e Alfabetizo- G4i0.Sdo Paulo, Cortez, 1995. WELLS,Gordon. Condigées Para Uma Alfo- betizagéo Total .Traducio livre de Yedo Maria da Costa Lima Varlotta,s/d. a 109

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