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A REFORMA URBANA E O SEU AVESSO: Algumas consideragées a propésite da modernizagéo Sérgio (Centro de Estidos Hist6ricos RESUMO Com crise urbana vivida pela cidade do Rio de Janeiro no final do séeulo XIX, emerge um conjunto de reformas de conteddo autoritério que pretendeu_controlar © discipli- nara populagdo pobre: Este artigo gnalisa’ as conotagées politica-ideo- lGgices dessas reformas urbanas. do Distrito Federal na virada do Século* ian Fundaglio Casa de Rui Barbosa) ABSTRACT An urban crisis agitated Rio de Janeiro at the end of the nineteenth century giving rise to a set of autho- Fitarlan reforms aimed at control and discipline over the poor people of the sity. This essay emphasizes the political end ideological implications bf these urben reforms. Porque és @ avesso do ayesso do ayesso do avesso Caetano: Veloso =O presente trabalho foi apresentedo no Seminério Rio Republicuno, pro- moyido pela Fundacdo Casa de Rui Barbosa © poli io Lamarao foi nosso debatedor ma ocasific, a quem agredecemos nares is utilizadas. Anite Falher encarre- 1984. SE; pelos comentérios feitos. Ana Maria Leo1 faram parte substancial das fontes por ni Rio-Arte, em outubro de ‘Pedzo Paulo Soares levan- gowss da dalilografia do texio. Somos, gratos aos trés, bem como a todo o Eorpo de pesquisadores do, Centro de Estudos Histéricos, da Fundagio Casa Se Rui Barbosa, com quem discutimes alguns aspectos do trabalho #0 longo Ge sum elaboracko. Para evitar que o texto se tornasse excessivamente extenso, deixamos para incluir em, um trabalho. pasterior a contribuicio propercionada pelas vatias pesquisas jé nenhuma expressas. laboradas cobre o tema em questo. Finalmente, ‘das pessoas ‘acima iencionadas ¢ responsivel pelas idéias aqui ——————————— [Rev Bras. de Hist, |S. Paulo | v. 5 0° 8/9 | pp. 159-195 | set. 1984/ubr. 1985 | Alguém que circulasse pelas ruas do Rio de Jatieiro no uk timo quartel do século passado nao precisaria ser um arguto obser- vader para pereeber que um dos mais graves problemas que asso- lavam_a cidade na ocasiéo era oda insalubridade. Centro nervoso lo pais, 0 Rio de Janeiro desfrutava & época da condicdo privile- giada de capital comercial, financeira, polttica, administrativa ¢ cultural do Brasil. Esta condicao, entretanto, se assegurava, por um lado, 0 direito da cidade proclamar-se vitrina das virtudes nae cionais, impunha-lhe, por outro, o epiteto de um dos maiores focos de epidemia do mundo. Na primeira metade dos anos 1890, num cémputo com outros dezenove_centros urbanos, 0 Rio de Janairo ocupava a incémoda posigéo de sétima cidade mais insalubre, como se pode verificar pelo exame do quadto abaixo: Quadro 1: Mortelidade comparada de diversas cidades com o Rio de Janciro (exclufdos os natimoxtes) Cidades ‘Anos —Popullaglio Coeficiente de’ mort. em 1,000 hab. Madri 3291 482.816 36.4 Moscow 1895 753.469 356 Caleuta 1895 486.460 355 Lisboa 1891 245.850 348, ‘Marselha 1891 406,919. 306 Bombaim 1895 821.764 304 Rio de Jansiro 1895. 600.000. 284 Budapeste 1895 566,022 26,0 Nova loraue 1895 1.860.700 23.5 Viena 1895 1.495.768 Ba Buenos Aires 1895 665.854 225 Paris 1895 2.424.705 m3 Roma 1895 465.565 208 Bruxelas 1895 507.985 198 Londres 1895 4.392.346 198 Berlim 1895 1.734.492 194 Copenhagen 1895-333. 714 185 Montevidéu © seu depto. 1894 226.440 a7 ‘Amsterdam 1895 451.493 74 Estocolmo 1895 259.304. 170 Fonte: Anuétio de Sstatistica Demdgrafo-Sanitéria do Distrito Federal e Algu- mas Capitais do Brasil — 1895, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1897, p. 60. 140 [7 <.. Bosngas como a febre amarsla © varola entre outa, en; 7 fermidades que matavam os hebitantes do Rio de Janeiro do final do. séoulo passado, quando assumiam caracteristicas de epidemia, ceflavam vidas nz mais na grandeza das dezenas e das centenas. mas dos milhares. Em 1869, a febre amarela produziu_um_saldo de 272 mortos, a6 pass que nd ano sequinte, ela vitimaria 1.118 abitants im. 1873, este numero se clevaria para 3.659, Patingir a-cifra_de-4.852 em 1804, De variola morreram 921 pessoas em 1872. No ano sepuinte, cla mataria 1.629 meradores Ga cidade, mais 2.175 em 1878, outtos 3.357 em 1887 e, por fim, 3.944 em 1801. © impaludismo ¢ 2 tuberculose eram respon- siveis por imimeras mortes. Do primeiro faleceram 607 pessoas em 1872, 1.049 em 1873, 2.056 em 1889 ¢ 2.294 em 1896; a fuberoulose, por si s6, era’ responsivel pelos alarmantes indices de 5.086 cbitos om 1871, 9.018 no ano seguinte e, Finalmente, 13.487 Lem 1891, Os dados révelam no apenas que o Rio de Janeiro era_uma cidade ciclicamente visitada por diversas moléstias, _como_também {ital ade Per seaside ripido ~eresclment9 ures miictensurbanosem_prosesso_de_répido_crescimento Mean por idéntica experiéncia, O adensamento, populacional, Passavam Ber humana geravam, como subproduto as enfermidades de massa, as epidemias, realidade presente nas cidades que ingres- Savam na dren da modernidade ¢ da industrlalizacio. A populacto inglesa, per exemsplo, dobro no periodo compreendide entre 180% C1851, 0 mesmo ocorrendo nas. seis décadas subseatientes. Lon- Gres, nos. trinta primeiros anos do século passado, vi crescer © Gumero de seus habitantes em 150%, enquanto em Manchester, durante mesmo perfodo, a populacao chegatia a triplicar de tamanho. Nova Torque, por sua voz, possula 123.000. habitantes tan 1820, németo que aumentaria pura 515.000 cm 1850, 0 que fepresentava um ineremento percentual da ordem de 318% “As texas de mortalidade se potencializaram como. corolério deste acele- tado croscimento demografico. Entre 1831 © 1844, 0 coeficiente He mortalidade para cada mil habitantes, se cleva em Birmingham, de {4,6 para 17,2, em Bristol, de 16,9 para 31; em Liverpool, de 21 para 34,8 © om Manchester, de 30,2 para 33,8. Em Nova Torque, E indice de mortalidade infantil atingia, em 1810, a cifra de 120 2 145 por mil nascidos vivos: em 1850, este indice se elevaria para 180; em 1860, aumentatia para’ 220, e finalmente, em 1870, para 240! 'Q século XIX, portanto, encontraria_as_grandes_cidades_ator- mentadas com o problema da insalubridade, cujo agravamento_pro- mentadas com ©_probieny oe enaaiavelnenie tam situsgio de Gstava_conduzindo-as irremediavelmente_a uma sitwagéo Fugovernabilidade, Como implementar a modernizagio, 2 ean, 141 © ideal de multiplicagiio das riquezas materiais da sociedade, se Pairava sobre todos, como uma espada de Dfmocles, 0 temor das epidemias? Como conduzir de maneiva racional ¢ planejada 0 pro- vesso de mudancas detonado pela Reyolucao Industrial se, a cada tanto, as doencas recrudesciam, dizimando a populacéo por toda a extensio do territério urbano? Verdade que algumas das enfermi- dades que grassavam na Europa, como © 1ifo e a tuberculose, aj diam seletivamente, ¢legendo como seu alvo apenas os organismos Gebilitadas peles_mas_condigdes de trabalho e moradia. Doencas somo _n leva, “onirelanto, Sie-oeolhies suas_vitimas, atacando fambém_os setores sociais de elite,” o que fazia da insalubridade ‘um problema a merecer cuidadosa atengSo da administragio publica. ‘A percepgtio erescente de que a vida das cidades ameacava Paralisar-se em fungio da ocorréncia fregiiente de opidemias criou a8 condicbes bésicas para que médicos, engenheitos sanitérios, polt- licos_e autoridades governamentais se debrucassem na buisca de soluges para o enfrentamento da questéo da sade publica, Desde Jogo tomouse evidente que as cidades somente poderiam se Tivrar das condigoes sanitdrias adversas em que se encontravam, caso pas. Sassem por _um_profundo proceso de_reforma_em_sua”estrutut urbanistica. Ou seja, o combate & insalubridade impunha a orde- hago do espaco urbano, o disciplinamento de seus usos, o emprego de instrumentos de controle que pudessem regular a vida na cidade. Lutar_contra_a_insalubridade implicava prevenir focos potenciais de_enfermidade, que _podetiam estar assentados nos mais —di- versos pontos da cidade — num prédio mal construido, num cemi- tério_mal_localizado, numa fabtica produtora de_substincias luentes, num tio contaminado etc. Habitos anti-higi@nicos deveriam ser abendonados: Agua encanada e rede de esgotos careciam set instalados. Era mister que medidas preventivas, como a aplicacto de vacinas, fossem adotadas para combaier certos tipos de moléstia, A descoberta de que a insalubridade estava por detras da crise que se desenhava nas cidades em franco processo: de cresci. mento ila levar & fundagdo da urbanistica moderna.* A. higioni. zacdo_das cidades demandava a adogio de medidas tio amplas em_seu_tecido_urbanistico que, no fim e ao cabo, sanedlas hea. baya_por_significar reformélas em toda a sua amplitude. Livrar as cidades do fantasma das doeneas era empresa que transcendia @ competéncia do médico sanitarista. Tratavasse, em verdade, de replangjar as cidades, de escoré-las em novos fundamentos, de sub- met@las a novas formas de organizagdo. . 142 [- _A cidade do século XIX nao coexistia apenas com novos problemas, mas igualmente com novos protagonistas. Os adeptos do liberalismo, por exemple, haviam se mobilizado para p6r abaixo © Antigo Regime movidos pelo desejo de criar uma sociedade na qual o Estado participasse de maneira apenas residual de seus assun- tos, abstendo-se do papel reiior que oxercera ao longo do perfodo absolutista, Criam os liberais que, quanto menos o Estado inter- ferisse no cotidiano do individuo, tanto mais o interesse geral_da comunidade seria presetvado. Desejavam eles que as forcas sociais fossem -delxadas soltas no mercado, livres para competitem entre si, disputa que, a0 seu término, conduziria a sociedade a0 encontro do modus vivendi que melhor realizasse os interesses comuns. As eventuais disfuncdes geradas pelo livre funcionamento, do mercado seriam corrigidas pela ativagdo de mecanismos a ele inerentes, ca- pazes de operar o$ ajustes necessdrios para devolvé-lo a situagao Original da normalidade. Porém o mercado auto-regulado iria pro- Yocar efeitos sociais devastadores, e com isso, gestar um aimplo movimento, de catater policlassista, em favor da imposigao de con- froles sobre sua acio. Contra a tirania do mercado que se_seguit a derrocada da ordem absolutista se oporia uma constelagio de b derocat ts ae. variads oxtvacao idcoldgicn,om deteca =n forgan sociale Sto? Os values coletvisias ere detendides no SGhenas pelos adeptos do socialismo e da democracia. Também_al- ae eget de pensariento Wibetal (em suas versoes demoordtica a sua p26 © liberal) perceblam que o mercado, quando deixado i ia _mereb, produzia efeitos sociais extremamente danosos, colo- Pando em isco a sobjevivencia da _prépria ordem politica vigente. Entre os partiddrios da adogdo de medidas coletivistas para contra: balangar a ado desenvolvida pelas forcas do mercado encontravam- se, igualmente, algumas atitoridades governamentais. Estas, por ra- zées puramente pragmaticas,* entenderam nao ser possivel « admi- nistragio das novas formas de convivéncia social decorrentes da expanséo urbana sem que ao poder piiblico fosse atribuido o papel | L_ de discipliné-tas. ‘A gtande cidade do século XIX, como se vé, discutia as alter: jnativas de como modernizarse no apenas em termos de qual classe social deveria liderar este proceso, mas também em termos da ponderacéo que nele teriam © pdblico ¢ 0. privado. B por esta razio que O debate sobre a urbanizacio naquele periodo nfo se esgotava nas opgbes que se pudesse fazer entre uma vit de cresci- mento sedimentada nos prinefpios do vapitalismo e uma outra gue s¢ orientasse pelos valores do socialismo. Da mesma forma que @ pensamento capitalista iria abrigar uma corrente que se batia pela instauragio de uma sociedade de mercado, mas com forte 143 presenga do poder piblico em sua administragio — a qual chama- riamos de “liboral-coletivista” —, 0 pensamento socialista, por sta vez, iria alojar em seu seio um segmento de opinido que se reve- lava inteiramente ayesso & participacgo do Estado na vida social — os anarquistas. O papel do Estado tornar-se-ia, assim, uma questao crucial no debate promovido sobre a evolucio das cidades. Para_os individualistas — s_que se opunham a ago do oder ico, como Os rais-Ortodoxos © os anarguistas —, 0 Estado nfo deveria_imisc nos_assuntos_da_sociedade, pois jenas a esta competia resolver os blemas que se the apresen- favam. Estas duas correntes identificavam-se por sua oposicao ao Estado, apesar de que os primeiros o faziam movidos pelo pro- pésito de melhor garantir a sociedade de mercado, ao passo que 95 anarquistas o combatiam para eliminar sua existéncia junta- mente com a do capitalismo. J Para os colefivistas — constitiridos por grupos como os liberais- rogressistas ¢ os socialistas —, por seu turno, o interesse indi vidual_nfio deveria se sobrepor ao interesse geral, 6 qual somente seria alcangado se o funcionamento do mercado fosse ordenado pelo poder _pablico. Spencer, a expresso méxima do snticoletivismo liberal — cuja obra obteve enorme. repercussao no periodo, sobretudo na Ingla- terra e nos Estados Unidos? —, condenava até mesmo a nomeagao pelo Estado de inspetores para fiscalizar as condigSes de higiene em que cram fabricados alimentos com os quais a populacao se abastecia." O Economist, da mesma forma, em 13 de maio de 1848, pio escondia de seus leitores sua postura individualista ortodox: “Sofrimento e¢ doengas sio admoestagées da natureza. cles podem ser eliminados, e as tentativas impacientes de. filantropia no sentido de bani-los do mundo por meio da Tegislacéo, antes ‘de que se tenha descoberto seu objeto e sun finalidade, sempre trou. Xetam mais mal do que bem.” Posicées individualictas cram tame bém sustentadas na Inglaterra Por pequenas igrejas independentes © casas de culto cristas néo-anglicanas, ao se oporem a que os agentes do seryigo de satide piiblica inspecionassem suas proprie- dades.”* Os parlamentares que representavam os interesses dos grit pos industriais ingleses, igualmente, combateram a adogio de me- didas coletivistas, ao obstaculizarem por longo tempo a decretagao de leis que regulassem o trabalho de menores como limpadores de chaminés,” atividade responsavel, em muitas ocasioes, pela tortura © as vezes morte de seus praticantes." Nao foi diferente a reaco manifestada por certos ingleses proprietatios de imdvels, quando © poder piiblico tomou a iniciativa de disciplinar as construgdes © stalar sistemas coletives de abastecimento de dgua e de cana. 144 lizagZo de esgotos. Sua objeciio a estas determinacdes devia-se ao fato. de que, no primeiro caso, viram-se induzides a nfo mais edi- ficar prédios a partir de sua mera conveniéncia pessoal, enquanto no segundo, tiveram de contribuir por meio de impostos para a implantagéo de equipamentos publicos de sancamento, isto depois de muitos dos proprictérios jé terem instalado, por conta prépr equipamentos desta natureza em seu imdvel.* A bandeira do coletivismo, como se disse, foi _levantada por grupos dos mais variados matizes ideolégicos. Da mesma forma que, apesar de orientados por propésitos diversos, os anarquistas e a socialisias _e os Tiberais-coletivistas, movidos também por interesses ‘opostos, se bateriam pela imposicfio de controles iblicos sobre _a oes, bas © Ree aloe ee do coletivismo se disseminassem por todo o tecido social, de tal mode que o mercado deixasse de ser o elemento que o ordenasse, os liberais-coletivistas demandayam a intervencfio do Estado por razSes exatamente opostas As de melhor garantir o funcionamento da sociedade capitalista. Os «iilitaristas ingleses, por exemplo, se notabilizaram pot tentar conciliar os principios do laissez-faire com os do mercado regulado.* Segundo eles, © laissez-faire “nao era 0 método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida”” (grifos nossos), 0 que tornava legitimas as agdes empreendidas pelo Estado que se destinassem a favorecer o mercado livre. Edwin Chadwick, um fiel discfpulo da escola utilitarista, foi, certamente, 0 principal responsdvel pelo que se conhece Hoje como a moderna sade péblica, Autor de um famoso relatdrio sobre as condigoes sanitérias das classes trabalhadoras na Inglaterra, elaborado em 1842, estabeleceu de forma incontroversa a correlagio entre. melo- ambiente e doenga, transformando-se, daf em diante, no “animador de todas as iniciativas do governo (inglés) para melhorar o am- biente na cidade industrial”."* No seu entender, 2s més condigdes higiénicas, decorrentos da existéncia de habitagoes insalubres © pre- carios equipamentos de agua € esgoto,” provocayam um alto fndice de mortalidade, além de produzir males como o alcoolismo, a prostituigfo, a delingiiéncia. Para se evitar o prolongamento de tal situagdo, era necessdrio, segundo Chadwick, a adocéo de medidas preventivas, © que somente se tornaria possivel mediante o estabe- lecimento de uma administrag@o piblica uniforme e centralizada” Diferentemente dos seguidoves de Spencer, acreditava que o recurso a expedientes coletivistas — que no seu caso se trashivia pelo fortalecimento do executivo estatal — representava a estratégia mais adequada para assegurar o bom funcionamento da sociedade de mercado. Chadwick estava a propor, como era caracteristico dos 145 utilitaristas, “a substituicao da agéo parlamentar pela agiio dos 6r- g803 administrativos”* Coletivistas, mas sem por isso romperem com a perspoctiva politica liberal, também foram uma série de medidas implemen- tadas por governos europeus e de varios Estados norte-americanos na passagem do século XIX para o XX. Em 1890, ja se encon- trava no apogett o que Sidney Webb denominou de “socialismo municipal da 4gua e do gas”, tal a magnitude da participacao adquirida pelos governos locais ingleses\ na provisdo de servigos para a populagéo. Enquanto o liberal John Mosley, identificado com o reformismo social, dizia, em 1889, que o Estado, para preservar a sociedade capitalista, deveria exereer um papel inter Ventor, de modo a mitigar os males por ela produzidos, um outro liberal, Lord Wemyss, presidente da Liga de Defesa da Libordade e da Propriedade, considerava a intervengao estatal destinada a introduzir © socialismo no pais.® Nos Estados Unidos, em 1865, 42% das redes urbanas de abastecimento de agua cram de pro- pricdade, publica, cifra que se elevaria para 53,2% em 1896, es- tando af inclufdas 41 das 50. maiores cidades do pais Em 1881, quatro Estados americanos decretaram leis em defesa da qualidade dos alimentos produzidos, medida que, em 1895, {4 estava sendo imitada por 23 outros Estados.® Em 1900, as principais cidades € 29 dos Estados americanos j6 haviam promulgado leis de preser- yagio da puteza do leite fabricado, além de varios Estados terem adotado medidas ostensivamente desencorajadoras da produgio de sueediineos da manteiga, por razdes de otdem sanitsria® A ei do inquilinato foi instituida em Nova Torque no ano de 1867, 0 mesmo ocorrendo em Boston, em 1871, ¢ na Filadélfia, em 1895?” ‘A experiéncia vivida por cidades americanas e européias no século XIX evidencia o cardter altamente controverso que tiveram as discussées travadas pelos segmentos sociais existentes acerca da melhor maneira de se administrar o processo de expansdo urbana. © agravamenio dos problemas sanitérios nas grandes cidades da época levaria a comunidade, no afi de discutir o problema espe- cffico da ‘higiene piblica, a debater, por extensao, 0 formato da ordem politica que se deveria institnir. Discutir sobre _a_maneira mais_adequada de se combater as epidemias acabava por resultar na discussio sobre o tipo de cidade que se deveria erigir. Cidade aso anit da Deus, oriede Doe g dudicte is alitios, Oe dade para o gox0 de toda a comunidade, esta era a questéo de fundo que anarquistas, socialistas e liberais de todos os matizes es- tavam a polemizar. Se reformar a cidade vitimada pelas doengas afigurava-se cada ver mais como uma necessidade inadidvel para 08 contemporiincos, tratave-se, por outro lado, de determinar quem 146 seria © promotor deste empreendimento, com que poderes contaria para implementar esta tarefa e a que parcelas da sociedade tal esforgo renovador deveria beneficiar. © Rio de Janeiro daqueles idos viu-se, igualmente; a bracos com problemas desta natureza, Também aqui, a exemplo do que sucedeu alhures, 0 debate sobre a questo sanitéria suscitou # pole- mica sobre a gestéo da ordem politica que se estava a construir, © texto a seguir se propSe a reconstituir algo do debate havido na entao Capital Federal sobre a sua reforma urbanistica, da legis- laséo. promulgada pelo Estado para dar 2. mesma vida material, e, por fim, da realidade que se imp6s A cidade apés sofrer 0 impacto das transformagies que se intentow realizar. Il — A crise urbanistica do Rio do séeulo XIX © processo. de crescimento experimentado pela cidade do Rio de Janeito ao longo do século XTX em pelo menos um importante aspecto. nfio se assemelhou a trajetéria seguida pelos maiores cen- tros urbanos eutropeus ¢ americanos da época. © advento da dugao fabeil que, em paises como e Inglaterra

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