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| Jofocusezo NOLL TH) | ‘ 38 EDICAO | | | | Feno- HOTEL ATLANTICO No eixo geografico entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre, um personagem anénimo sem pouso e sem destino envolve-se em dife- rentes situagGes de vida. Ator de- sempregado, desnorteado, insatis- feito, frustrado, sente que atrai a morte pelos lugares em que passa. ‘Na procura aflita de algo na vida que nem mesmo sabe 0 que 6, relaciona-se com homens e mu- Iheres tao ou mais desintegrados que ele: a recepcionista do hotel da Avenida Copacabana, onde hou- ve um crime pouco antes de sua chegada, a americana do 6nibus que se mata com drogas a cami- nho de Florianépolis, os dois as- sassinos do oeste catarinense, 0 guardido epilético da igreja de Vi- ¢oso, a filha desqualificada d. prefeito aproveitador de Arraiol, © enfermeiro sonhador de Pinhal cujo grande desejo é conhecer 0 mar. Fiel a seu estilo, 0 autor cons- trdi a narrativa como num filme, com imagens rapidas, porém mui- to fortes, e quadros que se super- péem, conseguindo um conjunto primoroso que da a dimensao exa- ta do sentimento de inutilidade que repentinamente toma conta do ser solitario. Copyright © 1989, by Joao Gilberto Noll Direitos desta edicdo reservados, & EDITORA ROCCO LTDA Rua da Assembléia, 10 Gr. 2313 CEP 20011 — Rio de Janciro — RI Tel: 2245859 ‘Telex: 38462 eDRe aR Printed in Brazil/Impresso no Brasil capa ANA MARIA. DUARTE revisto ARGEMIRO DE FIGUEIREDO OSCAR GUILHERME CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Ry. Noll, Joao Gilberto Nraah Hotel Ailintico / Joio Gilberto Noll. ~ Rio de Janeiro Rocco, 1983 1. Romance brasileiro, 1. ‘Titulo, — 169.95 88-0876 epee CDU — 869.0185, Para Julia Augusto Aragio e Tabajara Ruas Sobi as escadas de um pequeno hotel_na Nossa Senhora de Copacabana, quase esquina da Miguel Lemos, Ere quanto subia ouvi voses nervosas, o choro de alguémn De repente apareceram no topo da escada muitas Pessoas,sobretudo homens com pinta de poicsis, alguns PMs, e comesaram a descer trazendo um banheitio de cartegar cadaver. 14 dentro havia um corpo cobetto por um lencol estampado, pregado & pare. de. Uma mulher com os cabelos pintados muito louros descia a escada chorando. Ela apresentava 0 tique de Fepuxar a boca em dizegio ao olho diteito, ‘Me senti arrependida de ter entrado naquele hotel Mas recuar me pareceu ali uma covardia a mais que eu teria de carregar pela viagem. E endo fui em frente Quando me vi diante de uma moga atrés de um balcéo, que atendia os héspedes, néo pade conter uma imprevista gargalhada. Desde erianga eu no dava uma aargalhada como aquela. A moga pensou com cetteza gue fosse uma gargalhada de algum parente ou amigo do morto em estado de choque, e com um olhar com, termado ela csperou que eu acabasse de gargalhat ss, como deveria estar im dia para cansstro, sim os pre gah peel a mio 4 moga € 2 EE iene» expe ainda com a 19 mio tyre ns co se econ wy BO A mo GES Beloumente comgurrs © de fo. confor seen a de um hotel A expresso dscnda Tose mum lve srs FO ethor quer flat com algum bispede on desea um ua? a quar com banhero, cama de cal, un devs, una mes onde poss apia os cooreloe oF ext um bm asin — eds com o oar i completamente enbeveio SeiNie sea © quo Go cme... — ponders = Ei oo Fria com 0 Senor lho pra a ies moe pepo SEs bapgem? = A bapapn deci guards no Galeso — fos eign or ei Faby prt © hespedes sem bagagem pedimos un dep coetponden atte dlniag ee nb tos com ua deleadens gut me fer sentir obega a Prec fica do hoe, estado civil casado cu inet = imagine ama mulher me esperando. um onto quluer do Bras, e vague qe er esa mulher tne eperano pera agar cuistade dh moa 0 por ae i 2 es tink oy cbs pees, wma fran espe sot cbelosvinham a logo sbixo das ols, Pare ‘orn cam toe et ane tne Se as etn ace pen une ae Vl 20 cobae Pen ge oe di rr gue ne prc deel de he Jed noas et ci socom de te Sics pres les om pours me ae ae semen deg, aura ees ology ape pots tli bem mas oi © tap de ele pres Trmuse. Velo we oi Fp — Moet €0 aia dag fe © fomen se gue Da Sti rp sce fle, amo gst mito — Se Ne at gio te ra de os Ele perguntou: a lt ton cn sl de wk = Yoo meg Dian sunen noe pape pin SS Seo fr a que Ie espa a Beha SSE ine ebexne on 1 ae ee re cee ae oe ton indo Oe entre come ca — ee flo, Ja primeira vez num tom de alguma simpatia re rioue depots fe uma cota de que nfo gost teu eno se fose era “ E isso — respondi. Sates ee ser a ia ads cena i abet eee ee ee eae See ee tas ~ Ei wm cos peo choo aha Spo set ur pte een vm ps lee Dither mates te ne abs oe de gs pasando ded ee ae mee disse pais % Assim de supetio aquele cara me itinerério completo, coisa que eu nio estava acortumnado SZ contemplar. E depois, o jeto dele me deixava dev. confiado, ele me parecia no minimo mais sabido do ac todos os freqiientadores daguele bar juntos, ‘Mas por outro lado, 0 que de melhor eu poderia guerer ali? Alguém se oferecendo para set meu ber ucito na travessia de mais esse rio, pense com a. gum alfvio, — E entdo? — ele perguntou. — Por que no? — 'respondi. apresentava um © carro era um Gol amarclo, no muito novo. Sat mos de Florianépolis 3 tarde, o cunhado do noive ditt Bindo, eu so lado, 0 noivo ‘atris. O cunhado se cha mava Nélson. © noivo, Léo, Achei curioso nenhum dos dois ter perguntado pela minha bagagem. Nélson ligou 0 ridio. Estivamos stindo da cidade Léo contava que tinha ficado um ano e meio em Flori n6polis, tinha vindo do interior de Santa Catarina, de tum lugarejo chamado Belo Si. Dali a duas semanas ia ralhar com 0 sogro na cidadezinha que eu agora ia conhecer, com 0 nome de Pomar, onde seria 0 ca. samento. Perguntei a Nélson se ele nascera em Pomar. Ele contou que néo, que era filho adotive da familia da garota que ia casar com Léo. Que ele era de uma cidade préxima de Pomar chamada Luzes. A familia de Pomat © adotou quando ele tinha dois anos de idade. Pouco depois de anoitecer Nélson parou carro, A estrada deserta ¢ escura Cachorros latiram nas imediagdes, e Nélson entio recostou-se no banco do carro, ¢ disse 36 alia ey sabia que era por asics cy aby stead enurada do que? Nason de ero a nap are casarfo de dois andares, aa frente vig juz da lua, pintado de Nélson parou de urrar, — pergunte. . alhada, € comesou 8 Ut wmipho pavimentado, com iain me MAE aeu_qurido anist, hoje teremos se Re Ra ne mao grec Bite 8S at: a se ser muito especal Pi ento eu trata ele aqui. A noite spel ue antes GO fei as melhores mulheres, eudo por Ede leg pad fda de SSO minh fpois de falar o que pareceu um papel Re Ser guano de Leo, © roe mS ra © casarao sa anaes tas rae de ferro com fianteo8 PESTS" gud sti, elousuecion com a nosh pat So sa nw yeh Pv Pe ae ome gma mate um dos cachoros Fico 019 0 Sei eam diese Se elon pee te a a See Soa ala de parte do deep ee Sw gu sum homer sem Pee Nema ficava no meio de wm mato que naquels cscs nn brn ead, Una beer abr 7 — E der Nalson berroy, als acid de epi) Fomos entrando,passam ec ca MP Havia uma mulher de fies mane balto do bar awe gfe batman vestide a cio have 23 ate. Quando nos vis M2 Perdido paras a vn Im sotto, ec uum recipiente afilado, ed Fam GE 98 amas, de jane « om sudter amare, disse que dias da 4 4% © movinent in bem ae ds deca tem Devic madres, edu emia Spe etn ep dee So St on fo cm, oa AU er gue 8 ania ds eis cama 4 eae. © ents por una poe ee Shc Othe para Neon Ta ce veria custar uma nota. Ele disse Qhe mandiva naquele Putco Oue aac mule i ie Mio tor pea ena Soaca inh 17 "1s ono Ras feral {ata ovale penny Nal flv por enigma, tos a pala cue de di, aga oan tudo wpe ne na tine ang, fen 09:2 Sere, ts oe eg a ee Nélson, ee Me olhando firme nos bia respec com as BH sex que ms eth Ls oo 4 — ela dive pura Ls 9 Pf os ns vost — oe Leo. Eo ds ne at, al hal in fle - oi to 20 ‘pow cont bbe ram Aes Fei ports do quarto que me de a i ek ei i cone ie Se ee La ® fem ao menos o boné. Pensei que nada naquele quarto Keira um bor = Fig eid de lado, vido pts pad, xno diam qe guns ins fae and peters pe vd mor : : Notei um jornal perto dos meus pés, amassado css parce’ Dubro compo €-0 pep Era um » fina tinha uma agli. Ne pi an Sibor Reems Ab © sds met Gm sério estado depresivn a thi algun seins dine Sem tee Fi desprtado por alg I algo bated ‘um pouco a reconhecer o lugar, gga! ave pod i ere ve pins ange 2% Era a garota de trasos orientais, caf ‘sh no Br. Ea aoa por fu, pa = O Nason me mandos aqui Else ge deve evar precisando de compantig St * WOE Com a maganet snda na mio el ficou al, com ‘que sorrindy, : Respondi que Neon esta ey tava moro de Cansado oe = Mais trde, quem sake — ey die & sinal com amo pare que la fechas» pons = Daina eu dormir — pe com a snr pasta ” co, Fechou 4 porta € veo se he ne ft 080 ue eu BF Javado, cheiros0, perguntei sublinhando na que ela ia me com Set ce ws pla? — isa pn close - yee dele quando sai de casa trés anos atrés. 0 oe 10 se dando Hee ver esse ijama — falei com se onde sore ‘com o pijama dobrado, ¢ de Eee hs as ps 1 ee penn meno gs an er go dca ee oo es fe ea tt ES cm eens ee ee wn eee De repens, eu mes ve ela contiunia ale MP © Slo pa yer A. aia €joponea> — Os meus pais so hoe de em Londrina, no a. : si Sats = feet eee el Feats endo Santa Catarina de sarona, 2 nee inteiros a pé, até que vim dar aqu, oo ‘aqui vou ficar mais uns seis meses." MP Por = E Seno prs onde toe a ston conseguind jnta iy Pedi que ela = apagasse a luz Quando acordei_ na tava vido pate parle 2 umidade escutecie alguns no enegrecia Ovi a vor de Neon, Ele devia andar flava como gutse sempre muito ako, Cam sched oy bleo oui um echo em auc Bada cao sh Panharia mais os fracos Que quando foseenbors tae & Aus ogi neha a ose ta Fimes © decir como eo" "At Sk O8 we ~ Se insprem em Onis, ese omen quando tarote descel' Argeotins com ina mio ng fete ou tea ads. Pols acabow cando com a vidva dh Ame! we ina como se dncurense pan uma mud [Neste ponte Nelson comeyou 4 err gutos bye Jexos, a8 venes urs ius Aqules gue eo ovis no carro 30: chegarmos no bordel” Sole um sopra que tne fer bem ouvir. Mental! solar otro mss io de. ra irepetvel Imanhi sepuinte ex ainda es Era uma parede branea, mas Pontos, acinzentava, quando 2 se a feente subiam morros que me Parcel! om a ese canto 8 [ ” Nao havia nuvens. Abri Coy o sol cea Ne Eh» ska icons om ken ee eet pc ca i be gn sere te al ate ane Ect as sist oie oon EE Rat ai ti Spam an int — eh sh 0 win a Boss crinas, Nelson repetiu, © enfiow a mio por dentro da_calga, a be — Te prepara pra continuat a marcha, antes do Eu me vestia, Uma das vada, deizando meu dedi Sih feu puxava 0 pedaco furado d, Step meu dedio com a unha por corse? inhas meias estava fy Nesse trecho da viagem Nal cidade agrn seniado no ance Go", M4 wo A estrada eta pouco movimenrade son tinha algum caminl Para uultrapassar. peed de sangue morrera de parto, A crianga era eu, 3 Ouvi uma conversa que ela dico. Se esse médico ti vivo direitinho quem foi, ainda nio — Eo tou pai? — pergunte — © meu pai dizem que eta filho de érabes, Iba neses, alguma coisa assim, parece que ele vendia. ta petes. Emprenhou a minha mae e dev ao pe Depois Nélson silenciou. E logo 20 passat uma curva ele foi parando na frente de-uma_porteisa. Na porteira estava escrito: FAZENDA OASIS. Léo saiu do carro e abriu a porteira. O carto pas sou a porteiza, parou. Léo fechou a. porteira, entrou no carro. © carto comeyou a seguir por um eaminho de terra Muitos cavalos soltos naquela imensidio. Alguns brincavam, cottiam, deitavam se esfregando num eve declive da campina. Jé andivamos hi mais de cinco minutos. por aquele caminho de terra. Eu s6 olhava tudo, em siléncio ‘Vi Togo adianre uma grande construcio de madeira escura, patecendo umn peiol. O carro parou na frente Xinico filho que ela teve, morreu por descuido me mato ele, € 56 deseobris consegui’chegar no. ho. tc a nes do cx sobre 9 piel mam de a ee J jogo ali esquerda, li embaixo corria ol ee Sn eos a price nace ee dee poms em Sa mente smbo, cala a boca — Nélson berrov. See es. eho a boc” Or outros dois Bole ie ro Rane eau ana o Wied eon ee toa conn pan J Ben Us ren cos Be ‘O caminho era timido, cheio de pedras ¢ de raizes as eee cre er so cpr ard Spe 8 oe Hei cogs ml oS aso Fe aie ee ‘e pedregosa. As vezes eu parava, jogava uma pedra no rio. Senti que por baixo da roupa cu estava suando. O Nason sie dst 6 © 38 ginko I cet Peo i0. Que Eu no tinha andado dez minutos quando vi san- gue na ateia. Parei, Vi que 0 sangue continuava & direita fazendo uma trilha, entrava pelo mato. 4s Camis’ um pouo acmpanhando sang, Nas bond do mato pate Ovi vores Me cane ¢ nur impulko peel oma pas, ge sats. Dept faye! esperndo © Que faer com el’ Bi pes, tas por om iting gue eu no compreendt na [ie coset ape nt mos por um bom tempo De sbi, camo se me preparase, level cm um esfrgo ot bron ps0 alo, ris sabe me inpacien {indo com agua expera que co 0 sabia de aud thm cago de stra ait peda conta ta de singe “As vos, qv sinha silenindo,voltran, Desa vex mis prisimar No ite muito ent pars pce fer qu erm at vous de Nebon Léo. Nikon agora i fev muito ato mas disata clarament com ba Comes fre © camino de volts, expetndo tudo ends pasa, quando vo» doit logo ap uma recha que via qsse até 4p, um tec da mat fem cpecainente lama Reel e me exon ais da rch, por uma fenda cx ia o que se pase Neon botava o cana dem reser na tesa de 1a, Léo sem cami, sola lama i choava, Nékon dizi se cuspndo = Se vo? nin mtr xe cara agora cv & que seabo com ved! Ene ara € atta d novels, se tle ‘quiser denuncia a gente pra policia ¢ com isso a fama Ete sumenta! Como é qe eit advihar gue iso a scone, como €E cle ws, nfo tom did, cle iu! Exo gut, pense Seria osangue que ev ina vito? Era eat cosa que Nelion qutiaesondet ne natn? Como fag dali? oe eee are See mono & Meee cata ti rondando por aqui, chega nele € pe Sa ea een fore a a ee Ot Sete ae ee tae oe ee wo arian? ee aan gor gee ecue ace ee ae ceeeaceilae eee ee ee ae es es ee aay Soeeoet toe er Sea noe ae ee as pn Sr cata ste ismeen eae oe en ee See Per nee err Pega temic gg 1 poucos metros de mim, ensurdecido peguei s chave liguel o caro © a vieram 0s ttos por tas, cra Néoog, vindo ao meu encalgo, cato jd em movimento veo pela retroisor que Nélon sola os cies, e ea dito o caro runt velcidde side, 2s slvr 4m mo, ho enconto o caminho de rrra, dou numa pedrs, base novtta, of cachorzoraparecem, jamse contre os vidro, uo tro, Nélson vem atrés daparando tres certament, para atingir os pneus, no vejo Léo pelo retrovisr, vejo tia pedra enorme na minha frente, vejo que um co choreo expulsa a sua fia entre o cat € a per, eeu ddou mais velocidade e esmago 0 cachotto conta & ped bato com o carro duas tes vezes contra pera, emul sangue no pirabrisa, desvio spore pars s esquerda, um estlhaga 0 video de tris, pego 0 caminho de enfim, dou toda a velocidade, vow, vou, poeta, poe de todos os cantos,quase perco a visio, © caro demapa pars fora do caminho de tees, vou, vou por onde der, ‘ougo oF tiros cada vee mais longe, 0 latido dos cies ji num sumidouro, uns dex minutos depois silencio abso- Jato, paro 0 caro. Poucos metros na frente, uma cerca de arame fa do, Do outro lado da cerca, nio muito distante, um ibus velho passando numa estrada, Pensei que estava 4 salvo por enquanto. Eu resptava com dificuldade, Tive ‘uma crite de solugos. Abri a porta do extro. Ande em frente, ole’ pats tis, em volta, nfo vi perigo 4 vist assei com folge entee dois arames da cerca. Ras gue a calca num galho raseito sem folbas. Depois to- pecei em alguma coisa, cai. O sol muito forte. Levantei com certa dificuldade. Tirei a jaqueta ea joguei no chi. ‘Além de me fazer sua ela me pesava demais. Abundonel 4 sem que me desse a menor vontade de me virar € colhila mais uma vez “ Era uma estrada de terra, nfo a mesma que nos tinha levado i fazenda. A sensagio de que eu ali estava a salvo das gars de Nelson parecia reforgads ‘Vi que se aproximava uma eatroga, © homem que ia dentro dela ia sozinho. Fia sina, ele parou. Eu disse que tinha me perdido. Hi dois dias vagando por ai, entre o sol scene o pont, sem encontrar sigue, 0 a, PISS 2 98 sind, preciso gue me eve — — Ti certo, sobe na carroga — ele falou. Era um homem jovem. Nao parecia nada perturba. cdo com a minha figura repentina em estado de emer- ‘géncia. Apenas me mandou subir na carroga. Sentado 0 lado dele, no balango da carroca, perguntei pata aon. de cle ia — Pra Vigoso, 0 pé daquele morro Mi — ele respondeu. Eu vi quildmettos ji frente um morro baixo. Cass, pessoas, isso que ele chamava de Vigoso ainda nio dava para ver. — Um morro, ¢ depois dele 0 que vem? — me saiu ripida a pergunta, ° — Depois daquele morro comes © Rio Grande do Sul — ele responde. Eu olhava a5 ancas do cavalo marchando, olhava ‘© homem slourado todo franzido pelo sol, olbei para tris e via carga que ele levava, abdboras, A carroga saeudia, eu perguntei: sas aboboras voce esté levando pra Vigoso? — Pra vender em Vigoso, € Mf que eu moro, — Voeé entio mora quase na divisa com 0 Rio Grande — comentei — Uma vez moret no norte do Rio Grande — ele disse — Fania 0 qué i? — Transportiva areia, madeira, djolo, tudo pra constusio Pensei que seria bom que aquele viagem dursse bastante. Que Vigoso chegasse s6 no fim do dia, e que li chezando eu s6tivesse tempo de comer alguma coisa, aranjar um pouso e adormece. De fato, chegumos ao entardecer. A. estrada facia rmuitas corvas, margeando colinas. Vigoso era um povos- do com pratcamente apenas uma rua. As ruas laterais rio iam além de quatro, cinco casas. Depois dessas casas © solo erodia, se esburacava formando barrancos Fui na ponta de uma dessas ruas laters. A direita 0 sol cai alaranjado atrés do morro. A minha frente he via uma drvore com a galhatia depenada pelo inveeno. 0 inverno tornara os campos em volta acizentados. Eu estava sozinho, olhando essa paisagem que py tei et um pli, guado ova oe do pac 0 — Artanjei onde 0 senhor dormir — ele dizi Bu me vitei para tis ¢ disse: = Onde? — Na casa da igreja — ele respondeu. — Falou com o padre? — perguntei | — No, 0 padze s6 vem uma vez por més, falei ‘com 0 Anténio, 0 rapaz que mora na cass © cuida da igreja. Ele disse que 0 senhor pode ir. Eu disse obrigado, e perguntel — E onde eu posso comer alguma coisa agora? — Eu levo 0 eenhor no bar do Paulio, um cama sada me. Sentamos no bar. © Paulo era um homem ruivo de cabelo muito erespo. Sobre a mesa havia uma roalha de pano, marchada de ovo numa beirada. Alguns ho- ‘mens bebiam, alguns sentados junto as mesas, outros de pp apoiados no baleio. O rapaz que me touxera na carroga esfregou as mios. Paulo trouxe a cerveja. Dois homens mencionavam 0 calor abusivo pata 0 més de julho. Tirei o meu velho casaco que muito pouco ev turava, Senti o odor do meu svor, pensei como eu Faria para lavar a minha roups, no tinha outrs para subs: tirwr. E gu estava realmente comecando a cheirar. Como © rapaz comigo ali na mesa falava pouco, eu podia, mes ‘mo na companhia cle alguém, meditar’ sobre detalhes sem me sentir encusralado pela press — Fiquei com a sensagio de que estou num bom lugar — coment — Nunca encontrei um inimigo em Vigoso — 0 rapaz disse — Born lugar pars fear — divaguet — pe onde o senhor vem? — o rapa perguntou. = Eu venbo do Rio de Jancir, — Do Rio de Janeiro? — ele reperiv, — £ de ld que eu venbo. — E daqui de Vigoso © senhor vai pra onde? — cle lembrou. — Eu vou passar a divisa do Rio Grande, eu vou pra Ii — respond levantando 0 braco, como se apon: tasse numa ditesdo. = Ab...! — exclamou 0 rapaz. Paulo spareceu trazendo dois bifes, artoz, fei alface. Li fora jé era noite. Alguns homens se juntavam 4 porta do bar. O calor extraordinério para julho con: Quando acabamos de comer senti sono, pedi so rapaz que me levasse até a casa da igreja, __ Uma mulher nos abriu a porta, Era a mulher que fazia os servigos da casa. Ant6nio estava sentado de frente para a porta, levantou-se. Contei que eu andava Viajando, que era um pouso s6 para aquela noite. — Sim — Anténio disse —, temos uma cama va- za, um quarto vago. El sbriu « porta do, quar, ¢ & primeira cote que eu vi foi uma cama coberta ol branco ue cafa pelas beirss eee ‘Uma tébua do cho rangeu quando entrei. Na pa rede, sobre a eabcit da cata hats as ein ténio fechou « porta " Dei alguns passos tio inebri 2 bein di cam minhas pers aca Sass eee fraquejaram e eu cal (Com 0s bragosalcancei a cama, 32 enna ‘A minha cabega pendia, uma gota de suor estava para pingar da ponta do meu nari Quando acordei de manhi eu continuava ali, com os jocihos no chéo — os bragos, 0 peito, a cabeca sobre ‘Mais uma vez nio consegui reconhecer de imediato fo lugar onde eu acordava, Nao mexi o corpo, $6 virei 4s pupilas para o alto, e vi o crucifixo contra a parede Branca. Levantei a cabega, 0 peito,e alisei 0 lengol. Esse gesto de alisar’o lengol me transmitiu a sen- sacio de um repouso por enquanto inacessivel ‘© que me fez levantar, ir até a janela, ¢ abrir as vidragas. O dia radioso, a temperatura de pleno verio. Tirei a camisa, ‘A janela dava para um vasto patio. No fundo 0 ‘muro branco. Galinhas ciscavam debaixo de um limoei- 10, Me debrucei no parapeito. A mulher que fazia os servigos da casa estendia um lengol branco no vara. TTive um impeto de chaméla mas recuei, no sabia © nome dela. Ouvi 20 Longe os gritos medonhos de um porco aque perocbe verhsbutido em inwtantes, Esfreguei os olhos, a luz era intensa. Olhei no relégio Era preciso encarar esse dia de outra mancira. Mas eu aio sabia como. ‘Abri a porta do quarto. Anténio saa do banbeito Ouvia'se 0 final da descarga da privada. Trocamos um bom-dia. Eu disse que precisava tomar um banho. An- ténio disse que ia me dar uma toalha. "Aqui hi sempre uma toalha de banho limpa para quem chega — ele falow. 3 = Que bom — eu disse. Quer é Anténio?, me perguntet enquanto 9 acom panhava até um quarto onde ele pegava 2 toalha para "_ Depois word vai tomar um café — ele disse me passando uma toalha branca "Hd tantas coisas brancas aqui — disse eu gando a toalhe. * “Ant6nio sortiv. E perguntou se a minha roupa néo precisava ser lavada, Se eu nio tivesse outra para vest le poderia me emprestar a batina de um padre falecdo hé trés anos. Era 0 padre Anselmo, que morrera 20s 87, anos, a vida toda muito apegado a Vigoso. A batina esta: ‘va mais do que surrada, toda puida nas pontas, mas era pera eu vestila apenas enquanto a minha roupa secava ‘Ant6nio contou que ele mesmo 36 tinha slém dx 4quela roupa que vestia uma camisa © uma calga que Marisa acabara de pér no tanque. Por isso nao podia ‘me emprestar nenhuma roupa dele. = Com o sol que esté fazendo, as roupas vio secar até o comego da tarde — ele disse — Que bom — disse eu E acrescentei, sem muita convicgio interior, como acontecia sempre quando me referia ao curso da minha viager — No comeco da tarde sigo viagem. Eu tomava café com Leite, comia uma grossa fatia de po com manteiga, ¢ estava dentro da velha batina te fie Anima. Antai ture natn eal ts onde o encontsisentado quando cheques na casa. SO que agora cle tinha virado a cafes resto. Ele me contava que vivera quote amet inc 4 conhecera a fome.a mite abe u fome, a miséia absoluta. Vagava andra se jovo pels ruas. Comin se he dessem. As vents sentava Jove Peau de um luxuoso restaurante até que um poli no depreotasve ou que wm garsom lhe trowxesse algo Ga oer Restos de pratos de freqientadores, geral ee ae, Amontoavam a comida quase sempre numa caixa ‘de papel. Z *Pe"E ia para um canto, © comia com as mos ‘Quando © verdo acabave eu procurava 0 albergue ‘de uina ordem religioes, LA um dia comecei a fazer amor om uma frera. Notei que ela se dedicava a mim de max Seira toda especial. Uma ocasiio me trouxe escondido dduas ases de galinha, Um fim de tarde nos eruzamos no corredor do al bergue, ela falou que eu a acompanhasse até a despen- ‘sr que ela ia me arranjar um potinbo com doce de figo. Entrei na despensa e fechei a porta atrés de mim Ela esbogou um grit, Eu a agarrel contra uma prate: 12 Algumas latas eairam. Levantei 0 seu hibito. Pu- rasguei o.que ela vestia por baixo. Como ela cerrwva Zs pemnas, as coxas, trémula, ex 2 puxei pelos ombros a deitet no chio. Fui por cima dela, ¢ dessejeito ficou ‘ais facil, Ela j€ ndo resistia. Apenas balbuciow com um ggemido assim que eu lhe penetti — Meu Deus! ‘Agquela histéria comecava a me deixar nervoso. Afi ral eu estava de batina, aquilo tudo me dizia respeit. Comecei a desconfiar que eu tinha entrado uma fria tes all vestido de padre e Anténio me fazendo ver © fstupro de uma freira “Assim que a minha roupa secasse cu partria, Tal vee consegusse alguna carona para outro lugar. Ants: vio contava que a partir dai no teve mais sossep0 crete me convidava todos 05 dias para ir até a dlespensa que ela tia biscoios,frtas, doves. Eu nem 8 ao sempre estava com dispesicio. Mas como era bem mais jovem Id ia eu, cumpria com © meu dever em ttoct de coisas que na época pata mim se igualavam a iguaran Tomei meu dltimo gole de café com leite e pense em andar um pouco por Vigoso. Ouvir, dentro de uma histéria da freira voraz me deixava num ined modo que cu esperava desmanchar caminhando lé fora ‘Quando passei por Antéaio — que continuava na sua cadeira — admiti que ele devera tr sido um homem bonito. Agora estava bastante gasto como eu, Ihe faltava também um dente lateral ‘A bain ea cuta para mim, Como ev taka man dado inhrve at eis pre lava favam aguas er nels nos, expose, ot pés or meus wether saps fej de tra, Eu teria gue cular se aparecese um vento gas me vents » bain, poi também a ure Zadave na lavage ve li gi tb «pra a iu one le onc esquccida nu calgaa de pein. Pep got dava um perteito bordao. Bei Fume poland nee, um pouc como s fos ep, org ning de Vigo se aprotiars da bate € Uo bordSo de um eego lame de uma apace atin reverent una r,t perturba o meu paso sslisro cs i andando pla mun com o los potos em feet ca Ove aloes cul eercic cae nea lourado" um csmprnem, ao pude dar o¢ nee ero aera tmido de ms poise A nada eee regan ee la A a pn ringoém sega muito per . 56 ara alguns talver ex fosse um homem em constante contato com esferas sagradas, eu nio via © mundo vis ‘el. Nao pade deixar de ver também uma velha com ex pressio demente ajaetharse 3 minka passagem. ‘Quando dei por mim estva na frente do bar do Paulo. Abri a mio contta 0 rosto, para ninguém me reconhecer. TE entre os dedos da mio, pasando pelo bar, ex vi ‘num relance If dentro apoiado no baledo um rapaz louro {ue me pareceu ser Léo, Cerri os dedos, fiz deles uma ta sobre of albos, como a me proteger do so. Ese forse Léo, Nélson estatia junto me cagando? io esperei para saber e fui andando sempre, mais ripido, ndo tanto que alguém pudesse desconfiar de Algoma coisa. Peguet uma das russ lateais, pensando casa da igreja me esgueirando pelas bor By estava quase no fim dessa rua, pronto para le- vantar 4 batina e comesar a descer os barrancos das margens de Vigoso, quando ouvi um choro. Olhei por ali, notei que a tltima casa & minha ditita tina a porta aberta, Era sim de Ié de dentro que vinha o chore, Entrei. Vi uma velha muito earugada, que chor va, Quando me viu veio a mim com muito esforga, © disse que Deus tinha me mandado. Ela falou que de tro do quarto a irma dela estava 3 morte, que Deus tina ime mandado para dar a extrema-uncio a Diva sua ima nttei no quarto pela mio da velba. A irmi dela Diva, parecia ainda mais velba cinha manchas escuras pelas mios e 0 rosto. Gemia, tisha um tergo nis mos, referi no largar 0 bordio. Me inline’ sobre ela Wo diate dos seus olbos que se mantinham plas no responderam, A velha que de morte da imi chorava conti Mexi com a ma rujto abertos. As pu ime levara até 0 Ieto ama A i petite tea alguma coisa assim. Encostei o polegar dircito na minha a Sad casa da mora © fu até esquina da ot she camp pcp Epi a ctr to be do Panos havik ing, peo eto todo om per Eo Sloe er tla‘ dado ts, gate i ena sSours mre qe me ope, Nia en ithe ido com que foaled dequla ests far sm 0 camino de wot pla tapas Avisos ok, xm tale or eon ie des marge de Vigo 1, ale ean con oes tro, No meso ci shar de ance quem no pda se dperar com cats do mundo, de quem soporavs ns cepa ae ie tte emai com fae romper sa Dea ver nfo havi viva alma dente dobar Paulo. “ de bar do nei mu cas dee pelo porto do po. Vi + mule esteem ale Brs tpn ‘08 seios volumosos, a saia molhada colada as coxas. Lem. Stelios nome Mor. Bre dae del sa coment — Marsa jf deo pra so scat mina roups? = Qaase, mais um pouco sec Perabi que nos dois etivamos come. que icon didor snze lees pendurados. Largocto bordso. la esyivas agora com una baci chen de eopama aco ee case a cinta © 0 brago, Avance lhe eit secage Ouvi a bacia cat. Eo abriao» botbes de soa fhe ben ov stn Lane ns mote © the spore as oxas —~ ela fo save calinha tara abria alguns botGes da batina © gozamos juntos, de pé Entrei na eas pela cozinha. Me sentia vimido na sinha Ancnio continaava sentad nan cael de enpr, usel un cade sete frente dle, ale So tem mavens no cé,o ele vt contin Voee'tunen me perpunto como € que tim parar aqui — me dase de Ap ougo, eu oo todo, no peo — fl Fates issoprevendo em mim um males. Eu que sia slnco ates de sv daqula ca. Mas 9 homer CStav alo homem que me hospedaes, 0 Antéio que Fa gue eu soubesse #8 stra ‘Antnio ala, naveyave.no altomar do Pacifico Saul, se inga a ue iba chamada Nain wae longo peratio coment Fle oi me ouvia East ento ele se enclhe to rum frente, como se tivese leva wna punalada, st Ttiorer cet no esulhe em convlso. Da sua boc Soma una baba. Chae! Mari ia wos e cmegou # proeder como se estivese ee ee. sre din abo camisa de Antonio fads ao Indo" do compo que ©. sague cumprindo ums esperou_aoell ” Depois, quando 0 corpo se aquietou e retornou a si, ela passou um pano na boca de Anténio, E volton para o pio. : ténio levantou-se sozinho, sentou na vetha cadeira Estava com o olhar tremendamente perdido, quem sabe 20 sul do Pacifico. Parecia nio perceber a’ minha resenga Da ports da cosinha pergunei a Matise se eu jf poulia sar 4 mina roups. Eu disse Jando tm sade gue ev evtavs morrendo de calor dentro duel bana Els dice que» mina roups jf estava sca sim 6 fa ui era o pio, Cothi uma lana do pé. Vole 2 cori, pogel uta fac Sentel no degrada cocina gue levava 0 patio, comecel a descascar# Taranja. Com Taran como sempre, tnd nacos com a faa ‘Matis aparcceu com «minha roupa passade, Ea continuava sentado no degrada cotinks. As melas ¢ 1 cuecs sobre s camiea © a alga ddbradas. O easaco ela train pendurado ima das mos, Fale que el tina Sido Wo tipida, Ela nfo demonstrou nenhume afeagio pelo elogio. Apenas disse que ia bota a roupa em cima Ga cama onde eu doumina. Vices cabon para tis ¢ tla andava tho spursda que 35 consegut Ver uma nespa eae sumac plo cotter, Chegou © momento de cu partir — murmure ‘Quando entteno quarto vi foupa sobre cama Sen ana, Prec rr me Ol on lime it porvie. Tudo ie paren do cna, Gees infinita. a Fiche a porta © comeci a tara bring Em dois sequndos me dessin a imagem de padre, By yo 0 omer ou diante do crucifixo na parede. Senti um calaftio. : . va pegajoso. Me enrolei no lengol, andei ripido pelo SSrredor, entrei no banbeiro. Abri © chuveito. Ouvi o Faldo enervante de uma serratia Na hora de partir fui me despedir de Anténio. Ele sentado na sua cadeira eterna, na mesma posicio em que eu o conhecera, pernas cruzadas, olhando para a porta da rua, $6 que agora cle parecia no me ver. Olhos vitreos em direcio & porta ‘A pele depois do ataque, macerada Me curvel, peguei a sua mio e beijeva. Percebi que ele estremeceu. Eu disse apenas iss0 a0 sew ouvido: — Obrigado. E me retiel Quando sai pela porta da cozinha havie algumas imarrecas 20 pé da porta. Com a minha aparigio elas gr- taram e safram em bando. Vi Marisa entre os lengsis pendurados, senti uma ponta de ardéncia. Mas eu queria ainda almogar pelo caminko, ficaria muito tarde. Entio dei:the apenas um beijo suave na boca. Falei que eu ia, Ela néo pareceu se perturbar. Deixei um ddinheiro em sua mio, pelo trabalho de me lava a roups, ‘Abri 0 portio do pétio. Um cachorro latia contra as patas de um cavalo que passava. Montado no cavalo, ia um garoto de uns doze anos fantasiado de_principe encantado — um manto azul descia-lhe dos ombros. De: ve ser uma festa de escola, calculei, 6 Parei um pouca na sombra de uma drvore © bufei de calor. Fiz assim porque imaginei que os habitantes de Vigoso gostariam de alguém que demonstrava tio ‘dlaro os seus sentimentos, ‘Como aquela crianga no alpendre do chalé em fren- ce. Ela di voltas, slta, as vezes espia por uma das jane- Is. Como poueos passavam pelas ruas de Vigoso, a crian mum momento me notou, € ela estava sorrindo, no $a Re estava feliz por algum motive, o que sei & que cla Sri, e quando me viu néo desfez o sorriso, aquele SSirso me inclula também, € eu também sorri "E com o sorriso na boca recomecei a andar. @ No momento em que eu deixava Vigoso, em que descia Myguoso, pelos battancos das margens da cidade, ouvi wagfrovio, um som cavo que vinha da linha do hori wBhte, onde eu via agora se formava uma vempestade Truite escura, o que me fez pensar se eu nio ia dar uma mancada sea enfrentasse ‘Cuspi na tera avermelhada, Tive a sensagio de ‘estar aceitando uma provocagio. Depois passei o pé em cima da saliva, Quando ‘me dei conta, aquela monumental massa de nuvens escuras jé pairava sobre a minha cabega, Me vitei pata tras, sabia que olhava Vigoso pela dlkima vez. Num timo me veio tudo 0 que eu tinha vivide na cida de, como se eu precisasse fazer aquele ripido balanco para me sentir em condicées plenas de partic Vigoso sob aquela massa escura ficava muito dife- rente, era difieilimaginar Marisa sob aquele céu. Anténio talves no agtientasse © peso das nuvens ¢ ji estivesse Senti na pele as primeiras gotas da chuva. © cheiro de terra mothada tomando conta do ar [A chuva vinha fria, voltava © inverno. Mesmo as: sim eu continuava caminhando em diregio contréria a YVigoso. Eu estava encharcado, encontrei um camitho estreito, fui por ele. ‘Dava a impresslo da noite mais escura, tanto que nfo consegui ver a5 horas n0 pulso, Mas pelos meus tdleulos nao passava do meio da tarde ‘De vez em quando relampejava forte, eeu entéo conseguia ver a imensidéo em frente, Trovejava, caiy tim raio por perto que tfemeu a terra, eu. me encolhi. [Num dos relampagos vi uma drvore desfothada e ao lado uma expécie de tapera Corsi para acasinha, empurtei a porta. A porta ran- acu, se abriu. Estava escuro, nenhum ruido humane, Berto dali o gado mugia. Sapos coaxavam sem parr “Tio logo entrei me acocorei 3 esquerda da porta Figuei um tempo grande ali, uieto, ouvindo a tempes- tae, abraando meu eorp que tom de fa, ‘Ouvi a chuva se amainando até parar, o claro vo tar ex ia vendo, nfo to claro, pois jé era o fim da tarde Sai da tapera, © havia um arco‘ris cortando de ponta 4 ponta 0 céu jf penumbroso. ’A atmosfera, agora sem laivos de vento, como que cristlzada de (rio, me enregelava inteito. Do meu corpo todo escorria dgua. O tremor aumentara, me veio uma tosse funds, esolvi seguir 16 era noite feta quando vi ao longe umas Tut has. Hi muito cu nfo’ psava mais em. caminhos de tera, in peo campo aberoy cand wezes em bane (eas Oj eseen| agora ca eran ale tmenda dfcldade de levanta as petnase darn Pal ia ats daquelas hiies [As leis foram erescendo, se moltipicando. Ao chegarperto wl que ert ma pequena cidade. Nao havia 6 pinguém nas russ, nenbum carro passava. As calgadas pinfiadas, em alguns pontos alagadas. Vi a torre da igreia Tetum sobrado onde funcionava um jornal chamado Di Me We Arvaiol. Nos arzedores alguém ouvia pera Sent! uma pontada no peito. Depois tossi muito, Por um instante 2 minha cabeya rodou. ati numa porta. Uma mulher enrolada num cober tor abriu 2 porta, me olhou, notow que eu estava todo {hothado ¢ coberto de lama, e entio bateu a porta sol {ando um berro. Depois ouvi ela gritar: “a 0 seqiestrador, socorto! Me afastei andando de costas. De repente me vitei ¢ eu estava na frente da casa de onde vinha a épera. De idl por mais uma tentativa: bati na porta ‘Um homem gordo e careea abriu a porta. O diseo rodava Tevemente fanhoso. Era a vor de’ um tenor. O- fhomem quando vito meu aspecto enlameado tirou uma arma do bolso. E me apontou. Mais uma vez me afastei andando de costas. Dessa vez me afastei com mais lentidio, sem mexer um dedi tho da mio. A'voz agora era de uma soprano ‘Achei melhor continuar caminhando, pelo menos para me esquentar. Li no fundo da rua vinha vindo um wolks preto e branco da policia, com a luz vermelha em cima girando. Essa luz vermelha girando, foi a tkima coisa que cu vi. Me segurei no ferro de umm portio e senti que eu perdia as foreas. Ainda ouvi a batida da minha cabesa contra 0 calgamento Quando abri os olhos © homem gordo e careca festava ao meu lado. Mesmo com a minha cabeca nubla- dda, deu para notar que ele sorria com empolgasao, 65 Vi que no mes brago havia uma a do nga alum coisa como soro “Pas, O care chegon 20 meu vido ¢ dise ciruigio de Arrsiol. Que a sua filha de 18 ane 2° oder era devota devoradora das revisas que eo as bistéias dos artistas de novela, que ely agen” a bs a, que elt tinhe a irc ne ene tivesse deitado, i essen om ea ee pc ea tke See nes de pls mae. om se ee cle rho. “it ns in gla ia Gobo qu ota Ie Ne prxina ver que nl sxods havia una gat bo. 0b an cg mana de verde Brn alorads tba eis veda - ne contou que cra a filha do cirurgiao. Que Clg oa Aeron ey aye hoe ‘restabelecimento, Seen — Me amputran «pena ea dita — fai Ea die gue Snap 9 lune © pai fora obtigado a usé-lo. ; caida De repent me sees 4 ey ‘tudo ndo passava de um pesadlo 2 vel semen de gue See anga de que aquilo De tepente me veio tava representando, © can aquela goa. Eat, pats dispar qualquer di 20 al de toda 4 energia posse, e impli Vi eso ver 0 que deveria ser tina pera dite : : 1a jf ndo dota tant, mas tive a sensagfo nia de ean mercado apenas com um 9 ero, O reso fe cet Magid que tithe existio absio do toco ac: da Petes de inn. Levante acaba, evo que eu con vere gendo plo veto da minha vider gue me flees fresno a pera dict. "pont do taco extavs enfssada ‘Nao pude evtar que me viewem algunas lignes, ¢. fil cri cans por Seto, ler Sctnegr, para gue ele me apse deptesa um sda fo porque cu aio deveria softer em hipster neshuma Na préxima vex que acordei, o enfermeiro estava por perto, me olhando. Fle me eatregou a minha car feira, Eu nem lembrava mais dela. Dentro bavia algun inheizo e @ meu documento de idenidade, Tudo ainda ‘um pouco imido da tempestade que eu apanhara antes de chegar nisso que chamsavam de Areaol. Da tempes tade eu possuia vaga ideia. O enfermeiro falou que em alguns dias a carteira © 0 que ela tinha dentro estariam epois ele contas que 0 dr. Carlos, 0 mético que re fizera a cirurgia, pai de Diana que ev conhecera, ve cle tinh fcado até hi pouro me examinando (© enfermeito contou tamisém que o dt. Carlos dera luma entrevista a um jornal de Arraol, flando. do su ho usa sbido'n nev ono. Out av pie : "3 amputagio — tina sido. ea eats pla var muito em tama decisio acertada. Que eu P breve para as cimeras de TV. o — Para fazer 0 papel de Sai Peert ‘om aguel ar sem gaa de quando eu tcnaa ea — Confesso que eu nto te cosh = 0 enfetmeiro fale, on — Fiz poucos papcis em novela, cu era um homem bonito e amine sas fotos em revstas de TV © enfermeiro disse que el wwe cle agora ia me dar um San, A minha roupa ea um pano bastante longo, amar ‘cdo em trés pontos das costs. Ele pediu que ev fe de Indo pare poder desamarar. Pal! SH" © Fame Ele me despiu com muito cuidado. E comesou + Passar uma esponja ensaboada pelo mew corpor Durante 0 banho vi pela primeira vez 0 meu toco esenfsixado. Ainda muito roxo, uma enorme ferda ‘a ponta. Me ocorteu falar alguma coise pura tenter ox squecer uma sébita néusea = Acho que ouvi Diana te chamar de Sebastiio — lembrei — Meu nome € Sebastiio — ele confitmou pas sando a esponja pela minha barriga Depois ele passou pelo meu corpo um pano vimido para tirar os residuos de espuma. Ele diia que era do ‘mingo, que & tarde ia ver 0 jogo na tclevisio. Era um amistoso, Brasil contra Argentina, em Buenos Ate. — Onde & que estamos, onde & que fica Arraisl? — me lembrei de perguntar. — Como é meu camarada, ainda esté com um pou uinbo de amnésia? — ele falou sortindo, — Onde & que estamos? paciente — Vai mie dizet que no sabe que Arraol fica 10 Rio Grande do Sul, Brasil — ele disse fingindo que — insisti um tanto ime os hava comigo, me infantlizando como costumam fazer Coos domes es ee Sees = Eu nasci ¢ vivi até os meus 20 anos em Porto = ‘Vai seguido para Porto Alegre? — ele per- ee Nunca mss volt a Cater do denista, Ele terminode conta slando ae so mes intel ene Naor ci bem mse. No ni 68 no tum sono © ouvipa taxa de sro — 9m chamava o gested que a minh ide de. Carlos — esivesse : Essa maior disposig onan 0 pra avila me deixou en a ido. Como se ev tivesse perdido. completamene > em qualquer ocupacdo do tempo. mee cen it 8 Sco compa fae 9 tempo SE RE ama Sarda" via © Sara Ea inham har artista sem a perma eis ae oe do de Calas, em certs ceases lament an eet dido além da perna a vista. st lament no tx per Sebasito me seondou una ’ tinha chepado o dia de eu andar ua Pes ante ge st im pocorn dle a Nts hoje vamon sir ds cuom, NO ne won su des cma — ee pt "omc © a com Ite, no gis comer citado com a perspectiva de salt um poses de cana’ oe ovamente outras coisas além daquele quarto. E depois, {8 minhas cone ctevany em fed pe PO Sone ue tinham vassado or iat ur burke Cf sad eds pe un Rak Endo ele me dea o ano com a eon primeita vex polvilhou ‘com taleo 0 meu ago ee 6 Reve pijama. Um pijama cinza com frisos ‘inho na gola © nos punhos. ‘ =e 70 ee ee ee Oe ee a ee ne "Buia me beijou a mio € comesou a empurrar a ca Ee & i ets cumin wagaosos, 4 apouando as sees 7 ‘Diana vinha atris de mim falando baixo e lento, ‘como se quisesse me poupar a stengio. Contava que hoje era um dia muito especial para 0 pai dela, era a frraneaca da sua candidatura a prefeitura de Arrsol. Em a primeita cleigio de Arraiol. Arraiol tinha se tor rnado muniefpio ha poucos meses. — O meu pai foi o maior lutador pela autonomia de Arraiol — ela me disse 20 pé do ouvido. Na rua comecou a estourar um foguetsrio. Diana disge — ainda me conduzindo pelo corredor — que a ccravana do dr. Carlos como era chamada vinha vindo, ‘que ia passar pelo hospital € claro, que {6ssemos ver a caravana da sacada do hospital. ‘Quando chegamos a sacada Diana ajeitou 0 cober: tor que estava por cima da minha perna, Lé embaixo passava uma banda de misica. Diana contou que era uma ria do Rigoletto em ritmo de marcha, a dpera preferida do pai Diana contava agora que 2 candidatura do pai era de uma coligagio de trés partidos. A coligagio, escrita ‘em vérias faixas, se chamava Alianga Municipal. Onde hhouvesse o nome da Alianga Municipal estava presente © nome do eandidato — dr. Carlos — sem aparecer hunea © sobrenome. Diana no esqueceu de contar que © pai era conhecido assim em toda a regio, ninguém ‘© chamava pelo sobrenome, Avistei a esquina a figura do dr. Catlos se a imando'na parte de tals de im caminfta ee ara pessoas paradas a beira da caleada ° De repente um cara com o nome do jornal Diérip de Arreiol no peito subi no muro do hospital ¢ ri uma foto minka com Diana na sacada, Nesse momasct Diana pegou a minha mio, ¢ o cara tiou uma seman, foo. ‘ns Quando o dr. Carlos passou na frente do hospital ele nos acenou demoradamente. Diana respondeu en Vida 0 aceno. As pessoas olhavam tum pouce pare nis € um pouco para mim e Diana, e nos apluan — Eo antista da novela que o futuro prefeito sal vou — murmurei, sabendo que eu devia estar com o a completamente apalermado, — O qué? — Diana me perguntow curvada, aplaudindo desenfreadamente, — Outra hora eu falo — eu disse quase aos ber. ts, para fazer frente a0 altofalanee Depois que a caravana passou Diana foi me levan- do pelos corredores, Nao disfamos nada. Eu ouvia a6 a respiragio dela, ofegante, — Quer ver a capela do hospital? — ela per guntou. — Diana, Diana, qualquer coisa — respondi A capela ficava no pétio do hospital. Havia uma rampa para se chegar & porta da capela. Diana empurro a cadeira de rodas com mais forca para ultespasar tampa. A porta estava fechada. Diana afastou 9 vestide do peito, € If de dentro tirot uma chave — Eu tenho a chave — ela falou, 2 aa a porta da capela. Depois me levou até i Eno fechou # porta gitou a chave. 4 porn 2 minba cada de rods até altura ere a capela, Inclinow-se, © me abragov me esa abrisse os botdes do vestido. Eu pe- , Pedi SC° ea tio,pequeno que guase cabiainteizo ana boc. : ae goa para fora o outro sei, falou que eu vies raquele tambéin. Esse seio tinha © gosto mais adoc cade orci a m0. na braguilha do pijama, pereebi que ces apresentava uma eresHo incompleta E abri dol Sentado na cadeira de rodas eu via agora pela jane- ta do guano do hospi Primavera chegar aintads, Fe munch mals tinh tado 6 plane ies. © pi ma estava com algumas manchas quase imperceptiveis, s6 eu deveria notélas. ‘Tinham me dado duas muletas de madeira, aquelas ue vio até debaixo do brago, almofadas na ponta supe- rior. Com elas as vezes eu vagava pelo quarto, no ia 5m on menon dns semanas 0 de. Cals 50 aparecia para me examinar. Mandava ordens por Sebas sido: que eu fizesse tai exereicios com 2 perma. ve cu tentasse andar tantos minutos de muletas agora fors do quarto, pelo corredor, que eu bebesse pouco liquid, in deixar © hospi Sebastifo me confidenciva que ia deixar © hosp oe eu no Foesa Ma et . al ‘Me leva — falei rindo. — Tu vai acaba essando com a hetdeira nica dr. Carlos — disse ele soleando uma risada subitune, imewnid pr sun penanento geo frei S vezes ele me levava a passear pelo pts do hospital. Eo gostava do modo seguro como ele bon acadeira de rodas = Es ainda nfo tinha andado de muleta fora dio do hospital Una tarde de ras are gee oe de moletae até 0 patio ‘Quando me vi a céu aberto sem a cadeira de rods, mal tha descido com a ajuda de Scbastiso 0 degau ds porta, me veio uma tonteira, um desequilbrio ec fobre um cantero de crsintemos. Agucla hora 0 pétio estava vatio, de modo que nin gum alem de Sebastido via a minha queda. Ele me poxou para fora do canteiro, e me deixou ui tempo descan Sando sentado no chi, encostado numa érvore. Ele me pedis perdi. Eu dsse’que agora teria de me acstumar "AC ele me pegou no colo, ¢ me sentow numa mare ta de peda & beira de un lagulnho que havia no cento do patio Do laguinho safa um chafarz. Peixinhos averme thados:paseavam, Um miolo. de pio boiava na Aga, Sent um respingo na testa ou elefonar para Diana — fale Pens! isso para nfo desanimar muito com 0 tom- bo. Quem atendeu 0 telefone foi o dr. Carlos Como est passando? — me perguntou Wetton. de Carlos — Sim? ele disse = Sim, de Calo, eu gosttia de falar com Diana, por favor ‘Quando Diana chegou a0 tlefone ela me disse _- Meu amor, toda a noite sonho contigo. ‘vem me ver jd — ela respondeu, arfante iyo ess momentos com Din, ow ener oon eer nine bors o scam, re ts nba Un em Se ete Asn, Oo smestva com venta, como ele tina enfim chegido Sse ue cn Pci eel. LO Ae so te ies dl Pe Sc er og i ro acetal aah onc km epee Spee Pt ee nc bese Te i ae aun rao sone doe 6 oe OU ide de Francis. Quem voi gue ende R Ce gun ee ee ES i, da one otha ° em, Seb, pl undo vc sd Pe BE gu — pen eh HB i ae obi na nt — ele falou. A queda que eos mpi do foe asa srs un ae malas. A milo pt er cai de os catia Bo J too medi cana de geo co Se ae we Sa ae st SR Sal a acs que outra coisa — ela a falar da grandeza do pai, o Se it Se estava longe, eu calculava gue tinha chegado o momento Quando Sebastiao reaparecia, a minha vontade de de ouvi-lo. 7 7 a lms apiricfo, Ele conta com a maior trangilidade, Serio te, uma injegéo. Disse que eu ia sentir, a ups neo Die uma sonoléncia, que 16 vue eu me entregasse, foi a dltima coisa que ouvi Qt Sem hie Sine Face resquicio de sonho. Lt Fer este o sono, € quando depois vim & tona, 0 age viiprimeiro foi que chovia contra a vidraga, Eu me gue, Grorpecido, sem vontade de nada, ¢ se eu pudesse senia Sguma coisa pedisia a Sebastito para voltar = dorm saito fo estava no quarto, A chuva bata na vyidrags, e era essa chuva e era essa vidraca que eu ficaria vides quanto os meus olhos nao fechassem novamente Fui acordado por Sebastiio. — Como té indo camarada, vamos jantar? — Sebastido, me leva com voc — pedi sonolento, — Te levo, mas antes acorda, come um pouco, de pois tratamos da fuga, Sebastidio me carregou até uma mesinha que ficava a esquerda da janela. Me sentou numa cadeira junto 8 mesa. Sobre a mesa havia um prato com sopa ¢ uma colher, um copo d’égua também, Olhei pela janela ¢ vi {que anoitecia. Me fazia bem ver que um dia estava se esgotando e que eu rio participara dele, Com a minha ‘auséncia ew me sentia ajustando contas com 0 dia ‘A sopa era esbranquigada ¢ pastosa. Olhei para tris para ver se Sebastido continuava no quarto, Nao, ele 14 tinha saido. ‘A chuva diminuira, agora se podia ver quase nitido ‘um poste iluminado. Quando botei uma nova colherada hha boca senti a sopa fria, Ea tinha me distraido, esque Cera de ir tomando a sopa. Foi © que disse Scbastiio ar Mais uma vee tu esquece o prato na tua frente ” — E... — eu disse olhando cabisbaixo para rato : — E tanta coisa assim para pensar? — Sebastis. falou. Sei — Sabe Sebastiio, se eu fizer algum esfor capaz também de ver uma apariio. ine — Com aparigéo ou nfo eu vai ter que continues a comer todo o santo dia, meu camarada! — Nio muda nada? — perguntei — Nada — Sebastido respondeu ‘Uma bolha se formou no furo direito do meu nariz € iimediatamente estourou. A minha cabega pendia, como se pesasse, Sebastiio passou um pedago de papel higiénico no meu nariz. Pediu que eu tentasse ficar de cabega ergu da, que por enquanto eu nao voltasse a dormie Sebastifo esticava os lengSis da. minha cama. Per guntou se estavam trocando os lengsis da minha cama Tegularmente. Respondi que eu no lembrava, mas que cu ia fazer um esforgo para lembrar — A peipumta & se 0 hospital tem trocado ou no os lengdis da tua cama — Sebastido falou estalando 0s dedos, bem préximo de mim, para que eu me fixasse mo que ele diz — Por qué, Sebastido? — Porque os legis da tua cama nio estdo nada Timpos, olka 35! E ee me most una match amarlada, demi que me deixoutremendsmente houmilhado, Baixe! 09 thos, © fu sincero: inate Pa “=A que ponto eu chepuci. ” Sebastifo respondeu que grave assim como eu f ane, se ota me brad me mind poo Srroupa © nos Teng Eu ri muito, achei que Sebastfo tinha um poder ee asia es west Bien oe heen Feiera'e pessoa que atravesava o dia comigo noqele quate. Se chovia, se fazia sol, se na primavera comeava a escarecer mais tarde, tudo era motivo pata se fer tm comentéio dante da jane. Eu jd no fcava me intrigndo com a austncia pro longada do dr Carlos, Que ele hease por li asin me dda um tempo de me prepranar En nada tia deciido sabre minhe vida far, para aonde ev in, se voltva oo nib para 0 Rio, Tae fora se complica ¢ muito; eu ere um mul, ‘Una tarde aareceu Dana no quart Ela som um westdo bem primaveri, amaelo, doi, és babados Ghegou bem perto de mime dste que hoje ela queria Gueveu a desvirpinasse. Que fosemos 8 capes, para ela lugar mais segure. : ul nine com Dia, avi ie el fo es sc muito dagucla minha fase, ue in esta ulCo Fuca. Mas que enfim ela taba me apanhado num ia er joe ak hc eet pelo menos Bemedspest Ele me beijou no ouvide bom tempo tentando nos com Name EeeGr de am bane AE que chee soe ey dats dein tom cia dela —, e tudo parecia pronto pars 2 min om chum. ici tg peo ue env 000 cu 1 Ba, ore ah Poo cm cx me econavn, de Burin pa aii, nent re icine em estado de prostragio. O corpo Fe ya ania virado uma espécie de depésivo para’ g see ainha carga feida. Ela gemia porque the fal Bee are, desesperada, me empurrou € me jogos to cho. Ene abandonow dentro da eapela, Com molto esforgo consegul sentar no banco, De pois dete sobre 0 assento, e adormeci, exsusio. Quando acordel jf era noite, tudo escuro. Vii um vitral da Ressurrelgio luminedo ela loa. Néo.demore! Inuito em descobrir onde eu estava ‘Me sentet no banco da capela tateando 2s coisas, io ensergava nada, Li na frente havia uma lamparina 4 chama tremulava ‘Nequela escoriddo passei com muita dificuldade para a cadeira de rodas, mas consegui conduzila bem Ia porta da capela, Que aio estava crancada No pétio nao havia ninguém. Era uma noite fra Quande abri# porta e acendi a luz do quarto vi que Sebastio. dormia na sinha cama ‘Apagoei a uz, € fui-com’a cadcira de rodas até 4 jancla A videaca embaciada, Eserevi com 0 dedo 0 teu nome no vidro Abi os olhos, levantei a cabega, ¢ dei de cara com a janela que mostrava uma bela manha. Eu ainda es tava na cadeira de rodas, Tinha uma faixa no outro lado da rua dizendo Vote no Dr. Carlos : Imagine! que fosse domingo, poraue muitas erian: ‘as passavam na rua empunhando bandeirinhas alusivas um grande comicio do dr. Carlos, que seria realizado domingo as 10 horas da manhai 80 Nia hevla dvds, con ene a petero. dm Cee or ee ‘Sebastido bocejow atrés de mim. Quando olhei para es lene expropig oF Bom dia cle falou Bom dia — respond le sentou na cama, Pergantl indo t bande de orevana dor ‘le me olheu e fer um crt, Eo entfo pedi que ele me dese alguna cise para doom le levantou, € dime que ia trzer a ines Enquante. me aplewa a ijeio. oa wea dle 8 contsns que fi nha pedo demisio do hospital Que Sols cconomas © com clas Ia tent tabalho de eeito em ou eiade Me ivr — cn pall, comspundo a ear som sono profunds we lev, men camer, dite que te lev — ele flu com a von svmindo,sumindo, enuanto €¥ me permantuen se caafo extn morendo se no ose Shin Mas um segundo anes que a vor de Sebati risa dewey ted ae apogee ive um lev tober: tala, ma foglbainspetda e consis, nao se Et ‘o\qut ae quate ta © poder de me arr volta Fol como poor alo mama onda, para depois nauager se ele estava ou. Quando scordei eta noite, a hz do quarto apagad: ‘mas pereebio branco do uniforme de Sebastiio se préximo de mim. a Te dei uma lavagem — ele falou —, porque ‘a dose do sedativo que te apliquei hoje de manta for muito elevads, voce quase se fo “— Tenho impressio de que posso lembrar que ey aquase morri — balbuciei ‘SebastiZo sentado a meu lado, me pegando na mio, Ele disse que ia me levar junto, sim. Que estariamos ra estrada em plena primavera "Certo, Sebastifo, me traz um copo d'gua que 1a minka boca esté seca — pedi Fle trouxe 0 copo d'égua. E contou que no co reco do meu sono, antes de perceber que me splicars tuma dose excessiva, ele tinha descabacado a filha do dr. Carlos. "Ela entrou aqui no quarto assim que ta embar. cou no sono. Foi logo me dizendo que tinha um docnte fstranho dentro da capela. Que ele se negava a sair de ld. Quando cla tirou a chave da capela de dentro do Yestido, eu pressenti que havia uma bela loura na minha Frente auerendo ser comida por um negrio. $6 no cs perava € que 0 trabalho fosse de descabacar. Conte: para Scbastido que eu sé chupava os pei tinhos dela, que nio passava disso, Sebastifo acendeu a luz. Ajeiton © meu cobertor, falou ove estava de plantio, que a noite prometia set cheia. E se foi Acordei na man seuinte com a mao do dr. Car tos aperendo o toc que eu agora tnha no Takata peena via lr oven eedents em vol Un dels toda a-minha estutira Gasca i © dr. Carlos respondeu a _—Vivemos num mundo de extratur. Como em ver eat, quando se exttai uma paste da esr seater toda « estrutura € afetada Ge thunos anotavam as sus palavas. Apenas um rapes nH sou cm nenhuma oeasio 4 sa cane. Ele rape “fino. Pareia precisa de tm sinl meu, Para re omease vit me fal de alguna coisa cue lhe te ave timenco quase propria vida Ele hio parava eGo thar, sem distarees %O dr, Carlos disse que por hoje era 36, que cles alam in que se veriam de novo quintafeiza. 6. poulam spat baixou 0 clhar. E saiw do. quarto com os seus cole. ‘Rasim que os residence se retiraram 0 dr. Carlos comets te indicar muitae caminhadss. de\ metas sees cxcrtcon mis, porque 2 minha alta hospit far se aprosimnava, Pars onde eu vou?, pense, E Sebastio, le fala sésio quando ais que me leva junto? ode, Carlos ali. com o ar indiferente, cere mente se dando coma de que o carta que eu ainds po eee cer com tates paotas como + son filha era fog0 JeKuhs, C'gue a minka pada caeira do passado 6 ‘ov mpgava os detres como ele precisa Como eu estava vendo que a vide no hospital sha gn fim comecti's me exereor diarament a tnd derma a pi, meso Bao oe havia pert da cape se a ite com vm eacorto arrivado,pélo aso, ide diay cain, de amores por mim. Es de ina ao la, 3 vezes ats, ress As ves, quando 8 vviralata, qu caminhava pelo patio, {quase no mesmo passo, sem cx me atrasava, ele patavs, virava para mim, o a sbenando, me esperava te Quando eu sentava no banco ele detava junto ag meu pé. Ea ia pensando num jeito de levat'aqucle Cachotro comigo quando sasse do hospital. Pessoa na sinha sitwacao, com 0 corpo incomplete, precsavam de un. Uma tarde ouvi alguém tocando ério na cape, Seb deo go in et soe ees pe sa Alemanha, © que sabendose com cincer terminal veio morte em Arraiol, sua terra de origem, En ficava ali, sentado 20 banco do pio, owindo 0 Sra, com 0 cacorr junto donne pe Clk fala da minha perna,apalpava 0 toco como se eu ainda tives divides, via ‘um doente ou outto caminhando com difculdades como ex. Achava o mundo bem in. fiz. Scasiio is vezes me acenava da porta que dava para 0 patio. Eu respondia ao aceno, 0 eachorro ruvo se aconchegava mais em volta do mew pe Exam assim o5 meus passeios fora do prédio do hospital: Quando eu me evanavao cachorzovinha ats, [io era um animal afio, nonce tenava ultrapassar a porta para 0 interior do prédia. ‘Arora tisham me colcado numa enfermaria com sto doentes. Quando es vlata paras ener Beavesiva um Toneocorredar entree lees, i Pas sade ind gion spines cenosy, 3 ‘A mh cama era hima, ev gastava alguns bons sinutos para atavesiat aca clematis at's see sal: Quando eu pasa alguns daentes nc cuopsiven tavam, dis ou ts pateciam ids por tn reece a ‘Bu deixava as muletas encostadas na parede, ¢ dei- tava me sentindo cansado com passtos to curt, Sebastio continuava me atendendo, mas agora cle ino fica tf lngameie em coat cng. Nom figar que reunia tantos doentes um enfermeiro no de- Mb se dedicat tanto a apenas um, ‘Agora as nossas conversas cram mais objetve: vamos seiamente stirmos juntos de Aral. Se Bastito tinha um carro. Eu agora confava cegamente fale, screditava que ele me levaria junto de coragio, {gue de algum modo eu poderia Ihe ser wma presen boa le tinha 36 mais quime diss como funcionétio do hospital. Era mais ou menos o prazo que 0 dr. Car fos dava para eu ter 2 minha alta, As coisas esavam cincidindo, e 18s dois ramos afogueados dentro da tenfermaria. Geralmente era Sebustio o primeizo 2 em- bar para baixarmos a bola das rsads. = Dagui uns dias vamos rir Ii fora até stourar — dle repeta ‘s [Na véspera do dia combinado deine toda » minha soups tm orden ste # mesiha 20 ado da cam ‘Tve a lembranga de dabraralgumas veces a pera di reita da enga e prendéla com dos alfinetes de fralda TBu nfo entendia ainda a urlidade dessas dobrat, mas cera como eu va nos outros homens css ss No dia da partida acordei com o ar clareando. Fui me vestindo sem pressa, um péssaro de voz mais grave cantava nos arredores. Mesmo com borracha nas pontas, as muletas fa- ziam um ruido repetitivo na calcada. Trés quadras depois do hospital 14 estava o volks azul, bem velho de Sebastido. Tudo como o combinado, naquela esquina, fora das vistas do hospital. Quando ele me viu deu uma buzinadinha. Ele saiu do carro, abriu a porta para eu entrar. Coloquei as mu- letas meio enviesadas entre o assento do banco de tras 0 chio do carro. Elas nao cabiam direito dentro de um volks. Quando fechei a porta do carro vi 0 cachorro arrui- vado me olhando do outro lado da rua. Abti o vidro. Fiz mengio de pér a cabeca para fora, dizer alguma coisa, algum sinal. Mas nada que pudesse salvar aquela amizade me ocorreu. E 0 cachorto jé voltava, devagar, com certeza para © seu posto no patio do hospital. Sebastido entrou no carro, cogou a cabeca € falou — Acho uma boa a gente ir em direcio a Por- to Alegre. 87

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