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Revista Brasileira de Psicandlise - Volume 39, n° 1 - 2005 27 Variagoes do conceito de traumatismo: traumatismo, traumatico, trauma. Thierry Bokanowski Resumo: Tendo em mente as considrag6es fundamentais de S. Freud acerca do traumatismo, 0 autor propo a diferenciagao das palevras traumatismo, traumatico, trauma, atribuindo-Ihes valén- cias diferentes em relagio & organizacdo psiquica e ao tratamento psicanalitico. Com referéncia & contribuigio de Ferenczi, o autor distingue traumas secundérios, organizados de acordo com 0 principio do prazer/desprazer, desde os traumatismos iniciais que inibem 0 processo de fusio das pulsdes. Um exemplo clinico ilustra este dtimo t6pico. Unitermos: cisio auto narcisica, defisdo instintual, destrutividade desesperancada, Hilflosigkeit - desamparo (estado de), dor mental, principio de prazer-desprazer, angéstia primaria Como todo conceito psicanalitico importante, o conceito de traumatismo engloba muitas modalidades psiquicas ¢ metapsicolégicas, cujas conseqiiéncias acarretam, tanto na organizacéo quanto no funcionamento mental do sujeito, diferencas fundamentais. De um modo geral, 0 termo traumatismo é empregado quando se procura designar o impacto psiquico de um aconte- cimento (uma separacdo, um luto, um acidente, uma doenga etc) que marcou dolorosamente a existéncia de uma pessoa. Mesmo que esse termo designe conjunturas psiquicas que apresentem aspectos clinicos bem diferentes ¢ cujos efeitos possam ser centralizados em um plano metapsicolégico, é conve- niente lembrar que 0 traumatismo nao existe “em si”, O que existe so as teorias, as concepgoes, 105 modelos de pensamento que permitem dar conta das modalidades clinicas, bem como dos pro- ‘cessos psiquicos, em relagao aos acontecimentos traumiticos, tanto internos como externos. ‘A nogdo de traumatico pode tanto servir para indicar aquilo que é colocado em evidencia da potencialidade traumética na base de todo funcionamento psiquico e que, assim, participa tanto da génese, como da organizacao, do infantil, da pulsao e do desejo, quanto pode designar as disfungdes das modalidades de gestdo do psiquismo do sujeito frente a um acontecimento de forga desorgani- zadora. Pelo fato das desorganizagdes engendradas nao terem sempre da mesma natureza, falar de traumatismo num senso unicamente genérico nao permite sempre saber em que nivel do psiquismo opera a ago do traumético, Com efeito, pode-se esbocar uma diferenca qualitativa entre o trauma- tismo que desorganiza o funcionamento psiquico ao nivel dos investimentos das relagdes objetais e 6 traumatismo que desorganiza a psique ao nivel da constituigao narcisica, desorganizagio que se traduz entio por um sofrimento identitirio e em problemas de subjetividade. Proponho que se restrinja a palavra travmatismo para designar um nivel de desorganizacao relacionado ao processo secundario que nao abranja a relagao de objeto nem as ligagdes pulsionais e que se refira ao traumatismo sexual da teoria freudiana da “sedugdo”. Em contrapartida, a noao de trauma parece mais apropriada para designar a l6gica traumitica mais precoce, mais arcaica, que comprometa os investimentos narcisicos ¢, conseqiientemente, a constituigio do ego. Essa dife- renga semantica que proponho, parece ser de um emprego relativamente fécil na lingua francesa, 28 Revista Brasileira de Psicandlise - Volume 39, n° 1 - 2005 que aceita as duas variantes. A elas adicionarei uma terceira, aquela do traumdtico, que proponho para descrever um tipo de funcionamento psiquico comum as duas variedades traumaticas, liga- das aquilo, que da marca traumética, impele a compulsdo, a repeti¢ao (T. Bokanowski 2002).6 Esses trés termos, traumatismo, traumdtico, trauma, correspondem muito precisamente as trés “viradas” (1895-1897, 1920 e 1938) da teoria freudiana, viradas que séo igualmente momen- tos mutativos da metapsicologia. Evocar 0 traumatismo em psicanilise nos leva, com efeito, ndo somente a evocar a hist6ria € 0 desenvolvimento desse conceito, chave que percorre a teoria freudiana de ponta a ponta desde Estudos sobre histeria' e Projeto'’ (1895), ao Eshogo de psicandlise ({1938] 1940)", ¢, além disso, a examinar como esse conceito se articula com aqueles de traumadtico e de trauma, Esse percurso conceitual conduz S. Freud a expor uma “visio de conjunto” de suas teorias em relagao ao trau- ‘matismo em sua obra testamentaria, Moisés ¢ 0 monoteismo (1939).'* Essa obra magistral faz com que as novas proposigées freudianas retomem implicitamente certas concepgdes que S. Ferenczi havia elaborado alguns anos antes (entre 1928 e 1933), relativas ao conceito de trauma. ‘Antes de nos atermos a essas tiltimas, que abrem 0 caminho a numerosas respostas as ques- toes levantadas mais tarde pela psicandlise dita “contemporanea’, proponho recapitular breve- mente o desenvolvimento do conceito de traumatismo na obra de S. Freud. Conceito central, o traumatisms freudianas wreve resumo do desenvolvimento das concepgses A psicanélise nasceu da teoria da sedusdo, reduzida, na época, ao traumatismo sexual devi- do a um objeto sedutor. Essa cena identifica um acontecimento externo, datado, constitutive do niicleo do ego, em razdo dos afetos que ela desencadeia. Uma vez essa hipétese colocada, Freud foi sendo levado por suas elaboragées tesricas, mais freqtientemente ligadas a experiéncia da cura, a elaborar mudangas tebricas conceituais importantes em relacdo & natureza, a qualidade ea finali- dade do traumatismo em relacao ao funcionamento psiquico. Assim, podemos destacar trés gran- des momentos de elaboragao teérica. a) Um primeiro perfodo que vai de 1895 a 1920, periodo onde o traumatismo se refere a um ato de sedugao sexual exercido por um objeto externo e que serd determinante para uma orga- nizagdo neurética subseqiiente. Nesse primeiro periodo, dois momentos devem ser distinguido: - um primeiro momento (1895-1900/1905), durante o qual S, Freud estabeleceu que 0 modelo do ato sedutor traumatico acontece em dois tempos: ¢ 0 modelo do aprés-coup descrito no Projeto e nos Estudos sobre histeria. Essa teoria da agao traumatica externa desaparece em 1897 com o abandono da “neurética” para dar lugar & ago “sedutora interna” da fantasia, ~ um segundo momento (1905-1920), que corresponde a descoberta ¢ ao desenvolvimen- to das teorias sexuais infantis. Todos os traumatismos, assim como todos 0s conflitos psiquicos, sdo a partir de entao encarados em referéncia aos fantasmas inconscientes, assim como as fanta- sias origindrias e as anguistias concomitantes, que vao tecer a tealidade psfquica interna. b) A partir de 1920, 0 traumatismo seré relacionado as aporias econdmicas do aparelho psiquico, o que nos conduz a uma mudanga de paradigma. Contrariamente a um excesso de sedu- ‘do externa ou interna que caracterizava o periodo precedente, o traumatismo sera doravante ligado a um defeito de para-excitacao (S. Freud 1920).!? A angiistia de castragao, angistia sinal que visava proteger o self sera substituida no novo paradigma pelo Hilflosigkeit - 0 desamparo do Debs, que designa a paralisia do sujeito frente a uma irrupgao quantitativa, verdadeito “terror” de ‘Variagdes do conceito de traumatismo: traumatismo, traumitico, trauma, Thierry Bokanowski 29 origem interna ou externa. A tradugao clinica desse modelo € a “neurose traumética” cujo motor €a compulsao a repeticao. Nos anos que se seguem, em Inibicao, sintoma ¢ angiistia (1926)"°, $. Freud propde uma nova teoria da angiistia e enfatiza o lago entre o traumatismo e a perda de objeto (introduzindo desde entao a questo, que se tornara posteriormente central em psicanélise, das relagdes de obj to). A partir de 1920, ao termo traumatismo se adere 0 termo traumatico. ‘c) No final de sua obra, em Moisés ¢ 0 monoteismo (1939), S. Ereud explora a concepgao do traumatismo e seus vinculos com o narcisismo: é uma ferida narcisica que provoca um trauma. Nesse texto, $. Freud afirma que as experiéncias traumaticas, originariamente constitutivas do funcionamento psiquico e de sua organizacao*, podem acarretar danos precoces ao ego e feri- das narcisicas.** Ele aponta para dois destinos possiveis do traumatismo: Positivo e organizador, o traumatismo permite através de momentos sucessivos “repeticao, rememoracio, elaboracdo”; negative e desorganizador, ele cria um enclave no psiquismno (“um esta- do em um estado”, diz S, Freud), uma verdadeira clivagem que impede qualquer transformagao processual; 0 traumatismo efetivaria assim sua obra destrutiva. © conjunto aqui descrito (danos precoces ao ego, ferida narcisica, clivagem etc), me per- mite a proposigao do termo trauma, Os avancos conceituais de S. Ferenczi: 0 “trauma” S. Freud estabeleceu 0 conceito de traumatismo e o desenvolveu de maneira exaustiva, porém, deve-se aS. Ferenczi o aprofundamento da questo das conseqiténcias, clinicas e tedricas, do trauma, que, como S. Freud lembra em seu texto de 1939, provoca um dano narcisico e uma ruptura do ego. S. Ferenczi considera que 0 trauma nao esté somente ligado as conseqiiéncias de uma fan- tasia de seducao, mas tem sua origem nos avatares de certo tipo de destino libidinal cuja agao surge de maneira muito precoce, as vezes mesmo antes da aquisicao da linguagem, e torna-se, para © sujeito, andloga aquela de uma excitagao sexual prematura. Mais do que uma sedugao sexual exercida por um adulto, trata-se de um esmagamento do psiquismo nascente da crianga que com- promete a constituigdo de sua psique. Que o objeto seja “presente demasiadamente” ou “demasia- damente ausente”; de toda maneira, hd um objeto “demais” que deixa uma marca quantitativa a constituigio do objeto primério interno. ‘Trata-se de uma configuracdo particular onde as necessidades de um adulto prevalecem sobre aquelas da crianga que se vé, dessa maneira, ignorada, até denegada. Essa denegacao refere- se tanto as experiéncias emocionais da crianga, quanto ao seu processo de pensamento. A desqua- lificagao por parte do objeto (a mae ou o meio em que vive) adquire entdo o valor de um verda- deiro estupro psiquico que acarreta um estado de sideragao do ego ou a agonia da vida psiquica. Conseqiientemente, para S. Ferenczi, 0 trauma esta ligado & confusdo de Iinguas (uma “seducao” da crianga pelo adulto, através da confusdo da “linguagem da ternura” com a “lingua- gem da paixao”) (S. Ferenczi 1933), ou seja, tanto ligado a respostas inadequadas do objeto fren- te ao desamparo da crianga, quanto aquelas que sio dadas para satisfazer os desejos do adulto. O trauma traduz assim uma auséncia de resposta adequada do objeto face a uma situagao de desam- paro; auséncia que mutila o ego para sempre, mantendo um estado traumatico permanente e uma sensacao de desamparo priméria (Hilflosigkeit) que dura toda a vida, podendo ser reativada em qualquer ocasiao, inclusive aquela provocada pela situacao analitica. * §, Freud escreve: “Chamamos de traumatismos as impresses vividas no inicio da infancia, depois esqueci- das, impressdes essas que atribuimos uma grande importincia na etiologia das neuroses’ ** situadas no “periodo da amnésia infantil’, afirma S. Freud, as experiéncias traumiticas “se religam a impressdes de natureza sexual e agressiva, certamente também a danos precoces do eu (feridas narcisicas)" 30 Revista Brasileira de Psicandlise - Volume 39, n° 1 - 2005 [A partir de entao, o trauma muda de vértice, pois se ele pode aparentemente se apresen- tar como sendo do tipo sexual, ele se inscreve, na verdade, nao em uma experiéncia com 0 obje- to que aconteceu, mas em relacdo a algo que nunca pode acontecer. uma experiéncia dolorosa nega- tivizante que acarreta uma “auto-ruptura” (uma clivagem), 0 que transforma brutalmente “a relagdo de objeto, que se tornow impossivel, em uma relacao narcisica” (S. Ferenczi 1934).? Uma das tradugdes clinicas desse paradigma a do wise baby (uma crianga intelectualmente hiper- madura, mas afetivamente imatura) que para fazer frente a uma inundagao de defesas, se retira da esfera psiquica e torna-se um sibio observador do acontecimento traumatico através de uma clivagem auto-narcisica (T. Bokanowski 2001). Essa clivagem acarreta uma evacuagio/expul- sfo/ejecao de uma parte do ego; a parte do ego esvaziada ¢ substituida por uma identificacao a0 agressor, com seus afetos do tipo “terrorismo do sofrimento’, a parte expulsa/projetada do ego totna-se entdo onisciente, onipotente e sem afetividade. Como escreve Ferenczi, 0 sujeito cliva sua “prépria pessoa em uma parte dolorida,e brutalmente destrutiva, ¢ em uma outra parte onis- ciente e insensivel.” ‘A “clivagem narcisica’, originada nos “efeitos negativos” do trauma que S. Freud descreveu em Moisés e 0 monoteismo (1939), tem as seguintes consequiéncias: impede 0 processo de ligaco pulsional, cria defeitos na constituicao do narcisismo ¢ acarreta importantes caréncias representativas que mutilam o ego para sempre; ~ engendra uma “paralisia psiquica’, ou uma sideragao, mantendo um “terrorismo do sofri- mento” e uma dor podendo levar a desesperanga, em relagao a interiorizagdo de um objeto prima rio pouco confiavel. ~ ocasiona, enfim, uma sensagdo de desamparo primario que durante toda vida € reativado nas menores ocasi6es e da lugar a transferéncias passionais, a depressbes de transferéncia ou de reagoes terapéuticas negativas etc, todas testemunhas da importante destrutividade psfquica gerada. Verdadeiro precursor do estudo de “casos limites’ S. Ferenczi descobriu a importancia do trauma como conseqiiéncia traumética dos traumatismos primdrios. Sabemos que posteriormen: te outros autores desenvolveram essa linha de pensamento, principalmente D. W. Winnicott.-*> “Trés variagdes metapsicologicas do conceito de traumatismo Levando em consideracao a evolugao do conceito de traumatismo em S. Freud, e as idéias de 5, Ferenczi sobre o trauma, proponho diferenciar os trés termos traumatismo, traumdtico ¢ trauma, atribuindo-Ihes valéncias diferentes em relagao a organizacao psfquica, ¢ em relagao aos parame- tros que eles nos confrontam durante a an‘ lise. 1. traumatismo refere-se & concep¢ao genérica do traumatismo, que nos remete a teoria da sedugao e ao sexual. Seu aspecto essencial estéligado & capacidade atrativa da forga pulsional que organiza a vida fantasmatica do sujeito e que, por iss mesmo, articula a representagdo do acontecimento trauma- tico A estruturacgo das fantasias originrias: fantasia de sedusdo, de castragao e da cena primaria. Nesse sentido, ele representa um niicleo central organizador do objeto interno, das fanta- sias inconscientes e dos processos de simbolizagio. ‘A dimensio desorganizadora do traumatismo provém do brutal reencontro entre a fanta- sia inconsciente e a realidade externa (cena traumtica). A aboligao das barreiras entre 0 interno 0 externo provoca entio um “colapso t6pico” (C. Janin 1996)", ou seja, uma desorganizacao da «prova da realidade’, da “fungéo da censura” (recaleamento) e da “transicionalidade” (0 “colapso” esti ligado a um confronto entre a realizagao interna das fantasias inconscien- ‘e+ Gostatia de lembrar que M. Klein, por seu lado, enfatizou menos os efeitos da resposta materna do que as fontes endégenas do psiquismo. ‘Variagdes do conceito de traumatismo: traumatismo, traumitico, trauma, ‘Thierry Bokanowski 31 tes e a realizagao externa do desejo: a ago desorganizadora do traumatismo nao incide no prima- do do principio de prazer/desprazer, mas sobre a mosao pulsional cujo livre curso, em relagdo as formagées pré-consciente e conscientes, se encontram desse modo barradas. E essa barragem que € potencialmente traumdtica. Esse tipo de traumatismo preside a organizagao de um funcionamento psiconeurético, regido essencialmente pelo aprés-coup. No curso da anélise, esse nticleo traumatico da neurose infantil torna-se o motor do conflito psiquico e do deslocamento da “neurose de transferéncia’, 2. O termo traumatico designa 0 aspecto mais especificamente econdmico do traumatis- ‘mo, em relacdo ao despreparo, assim como a um defeito para-excitat6rio. Esse principio econdmi- co—que S. Freud coloca a partir do Além do principio do prazer (1920) na segunda teoria das pul- s6es (segunda t6pica), leva a um tipo de funcionamento psiquico em relagao a0 qual poderia falar-se de uma marca traumdtica ou no traumético proprio da neurose traumética, entidade clt- nica que torna-se o paradigma do Hilflosigkeit. Reencontramos o traumético no imenso campo que vai das “neuroses de guerra” as patologias consecutivas, as catéstrofes sociais, ou naturais, ocorridas no curso da vida do sujeito ou de seus descendentes. funcionamento traumatico tem como caracteristica uma visio anti-traumética, enquan- to que, ao mesmo tempo, repete o traumatico: uma luta contra “terror” (Schreck) repetindo o “ter- ror’, “terror” cujo psiquismo guarda sempre um resto nao ab-reagido e nao elaborado, nao impor- tando quais sejam as suas capacidades de ligacao ¢ de figurabilidade. 3. O termo trauma designa essencialmente a acdo negativa e desorganizadora da acao trau- mittica, Essa aco ataca o processo de ligagao pulsional, negativizando assim o conjunto das forma- es psiquicas. Para S. Freud, 0 trauma é uma “ferida precoce”, “ataque precoce” ao ego, “ferida de ordem narcisica’, que pode dar lugar a “zonas psiquicas mortas” no interior do ego, um “estado dentro de um estado”. Ele encampa cruelmente o trabalho do objeto, ou do meio que circunda a crianga, desde ‘uma idade muito precoce, as vezes antes mesmo da aquisigao da linguagem, podendo estar ligado a situagdes de desesperanga e de agonia. Pelo fato das respostas inadequadas desqualificantes por parte do objeto, que nao pode nem “conter”, nem “metabolizar”, nem “ligar’, a descarga pulsional por uma acao fantasmética, a crianga se vé presa a um estado de “terror” e “horror”, pela falta da capacidade de introjetar 0 cres- cimento pulsional. A intensidade do trauma provoca entéo um curto-circuito nos mecanismos de recalca- mento reforcando os mecanismos de negagao ¢ de clivagem, de identificagao projetiva patolégi- a, de fragmentagao etc. © que aqui se designa por trauma refere-se tanto & natureza da identificagao primédria quan- to a0 destino das relagées pré-objetais, em articulagdo com as categorias da organizacao edipianas. ‘As modalidades, as contradigdes e fracassos que emergem dessa rede dao significado ao conceito de trauma que esté no centro da clinica analitica contemporanea. A questo do trauma na clinica contemporénea Ha mais de meio século, desde que W. R. D. Fairbairn questionou-se sobre o destino da libido: busca do prazer ou do objeto (pleasure seeking or object seeking?) (W.R. D. Fairbairn 1944)’, 6s psicanalistas tentam aprofundar a questdo da destrutividade em relagao a permanente tensio 32 Revista Brasileira de Psicanalise - Volume 39, n° 1 - 2005 do par “pulsdo/objeto”, associado as dos outros pares “pulsdo er6tica/pulsao destrutiva’, “investi- mento objetal/investimento narcisico”). Desta forma, a modificagao da compreensio de certas estruturas clinicas (“os estados limi- tes”, 08 casos “ndo-neuréticos” etc), como suas abordagens do ponto de vista da psicandlise leva- ram a considerar o papel do objeto na constituicao do ego e de suas disfungdes. Apds os avangos de S, Ferenczi, de M. Klein e de D. W, Winnicott, a clinica analitica interessou-se cada vez mais pelos efeitos dos traumas primdrios, gerados por “derrotas” ou “falhas” no estabelecimento dos primeiros lacos com 0 objeto materno. A ndo resposta ou uma resposta inadequada, da parte do objeto impede a criana de entrar em contato com suas pulsdes libidinais, ¢ senti-las como des- truidoras, e de constituir, desta forma, um espaco psiquico para “sonhé-las” e “transformé-las”. Este “defeito fundamental” da instalagao de uma relagio de base (M. Balint 1968)? conduz a uma desqualificagdo das experiéncias psiquicas, principalmente dos afetos. Na impossibilidade de poder introjetar um objeto interno confidvel seguro e continente, 0 individuo é tomado por ele- ‘mentos persecutdrios aos quais ele fica, desde entao, condenado a reintrojeté-los, a projeté-los, ou evacué-los para o exterior de maneira repetitiva e, portanto, traumatica. Quando uma crianga se encontra em presenca do objeto materno excessivamente patogénico (a“loucura materna”), ela nao tem outra solugao para sobreviver narcisicamente a nao ser bloquear a introjecdo pulsional em curso retirar-se de sua experiéncia subjetiva. Em outros termos, de se separar de si mesmo a fim de cindir a parte atingida pelo traumatismo da parte sobrevivente, Esta cli- ‘vagem passiva, ou estatica, segundo W. R. Bion (W. R. Bion 1963)*, atrapalha a clivagem dinamica, estruturante para o psiquismo, e mantém as confusbes, tanto a nivel libidinal quanto identitario. Estas falhas precoces do ego e do aparelho psiquico estio na origem dos estados de “desam- paro psiquico” das quais as formas mais extremas podem ser inconscientes. Neste caso, elas se tra- duzem através de uma experiéncia psiquica destrutiva como “agonia primitiva” (S. Ferenczi), como “ameaca de desmoronamento” ou “desastre psiquico” (D. W. Winnicott) ou “Catastrofe interna” (W. R. Bion 1962)3, que se traduzem em distirbios do pensamento, “estados de branco”, de vazios, sentimentos de nao existéncia, de “angiistia de morte eminente” etc. Como descreveu D. W. Winnicott no “medo de desmoronamento (D. W. Winicott 1974)'®, 0 individuo guarda e repete os tragos de uma experiencia traumatica nao devido aos afetos dolo- rosos que ele sentiu anteriormente, mas, sim, devido ao que ele ndo pode vivenciar no momento no qual o fato traumético aconteceu. Ao contrario do traumatismo, esta situagao de trauma é caracterizada pela nao inscrigdo psiquica de uma situagao potencialmente representavel (figuré- vel) ou de passivel simbolizacio. Pois se trata de tragos conservados, mas nao investidos enquan- to experiéncia psiquica pertencente ao passado. Todo investimento em direcao a novos objetos vai ser submetido a uma compulséo de anulagao ou desvalorizacao dos vinculos. Esta ligagdo a0 negativo, (D. Anzieu 1990)! junto com o ddio reativo durante a anélise, as angtstias, as fixagoes masoquistas e mortiferas, transforma-se no motor das transferéncias ou das “situag6es limites” do analisivel, e colocam em questo o trabalho do psicanalista e de sua contra-transferéncia. Exemplo clinico ‘A fim de ilustrar 0 que venho descrever,trarei agora um momento de uma andlse de uma paciente cuja patologia traumatica tomava o trabalho analtico partcularmente complexo e doloroso. Delphine é uma jovem de trinta anos, médica, que ja tinha iniciado um primeiro trabalho analitico com um colega do interior por anorexia severa, tendo se mudado de If, ja ha alguns anos, apés o término desta primeira anise, ela procurou-me desejosa de continuar seu trabalho analitico, Desde o inicio, as sessbes da andlise tornaram-se rapidamente sofridas, tanto para ela como Variagoes do conceito de traumatismo: traumatismo, traumatico, trauma, ‘Thierry Bokanowski 33 para mim, porque ela revivia durante as sessdes 0 pesadelo repetitive que tinha nos anos preceden- tes e que teriam retornado desde o inicio desta andlise: “ela estava em uma sala fechada, da qual nao conseguia sair: nao existia nenhuma safda..” Esta experiéncia de estar trancada a levava a interrom- per bruscamente a sessio, sem nenhum sinal previsivel, fora o fato de que, as vezes, era acometida por ‘uma agitacdo motora das extremidades, como torcer as maos ou demonstrar impaciéncia com os pés. Isto se produziu durante varios meses, sem que nenhuma de minhas intervencdes pudesse mudar em nada esta situagdo. Nés pudemos compreender em seguida que estes momentos de ruptura (a neces- sidade “de esvaziar os locais”) estavam associados ao medo de se “esvaziar” em minha presenga: nes- tes momentos, ela até temia, em um modo alucinatério, de se esvair em sangue pelas maos. ‘As maos pareciam representar um investimento corporal ainda mais intenso, pois elas faziam conexao com evocagées referentes a sua mae e a imagem que ela tentava me transmitir, Quando Delphine refere-se & mae traz lembrancas traumaticas ¢ excitantes: a mae teria tido durante a infancia de Delphine, momentos de firia contra ela, momentos que se traduziam por tapas no rosto, dados sem razio aparente. Acontecia também de bater-lhe (dando-lhe socos no peito) & noite quando Delphine ja estava deitada em sua cama. Ao final das cenas a mae acabava sempre se desmanchando em ligrimas, colocando-se de joelhos aos pés da cama da filha e pedin- do-lhe que a perdoasse: 0 paradoxo levava entdo a filha a ter de consolar a mae, nestas ocasides. Durante estas cenas o pai que era um homem mais reservado, ficava de fora como se nada tivesse acontecido. Nao procurava proteger sua filha, permitindo assim que uma imagem de covardia fosse construida, o que fazia a filha sofrer muito. O que surgia disto tudo é que ela reti- nha uma imagem de uma mae louca, enlouquecedora, imprevisivel, ¢ que, além disto, teria uma fobia ao toque corporal - uma fobia de contato - mais particularmente com sua filha que ela nao tocava nunca, a nao ser nos momentos em que Ihe estapeava e Ihe batia. Mas, por outro lado, a paciente apresentava sua mae como hiperativa, alguém que busca- va constantemente ocupar-se dos outros, nao podendo ficar nem um minuto no lugar: ela estaria, segundo Delphine, o tempo todo em movimento. Podemos reparar que Delphine descreve os comportamentos de sua mae de uma maneira que se assemelha aos seus préprios comportamentos repetitivos ¢ traumaticos durante as sess0es: com suas interrupgGes imperativas, ela tornou-se para mim traumatica, imprevisivel, hiperativa, agitada, brutal, como sua mae, evitando o contato psiquico, como ela, evitava a aproximagao fi ca. Durante a anilise pude relacionar estas atuagdes, visto que ela nao suportava ser cercada, pega, contida psiquicamente por mim, idéia muito excitante que a remetia “as maos” da sua mae. Sua fobia de contato fisico reforcava a busca excessiva dos mecanismos de identificacao pro- jetiva que tinham a finalidade de protegé-la do vinculo, vivido neste caso como intrusio, andloga as intrusdes maternas. Por outro lado quando uma parte dela pede ajuda (parte que corresponde ‘a um fancionamento de tipo neurético), no mesmo instante a outra parte (projetiva, clivada, des- trutiva) esbofeteia, bate, rasga, morde, destréi a pessoa junto a qual cla procura apoio e protecao. Agora, passo ao relato de uma sessd0 que ilustra as dificuldades processuais as quais Delphine e eu fomos confrontados. Delphine comega sua sessdo evocando uma paciente melan- célica que, naquela mesma tarde, queria se suicidar colocando um saco de plastico na cabega. Uma enfermeira avisou-a de que a paciente tinha manifestado o desejo de ficar sozinha deitada em sua cama com o saco de pléstico ao seu lado. Sabendo disto ela correu ao quarto da pacien- tee salvou-a no tiltimo minuto, segundo seu relato, Sem procurar aproximar a narrativa do res- gate do que ela poderia esperar de mim, ou seja, que eu a salve do pesadelo de fechamento, eu digo-Ihe afirmativamente algo como: “vocé salvou a paciente” Ela me responde que nao quer nunca mais falar-me de seus pacientes. Eu digo-lhe que seus problemas e atuagdes sio provavelmente causados devido a estas emogdes violentas. 34 Revista Brasileira de Psicandlise - Volume 39, n° 1 - 2005 Ela concorda, respondendo-me que também ¢ pelo fato de que ela teme sentir-se julgada por mim, 0 que a remete ao julgamento de seus pais, na frente dos quais ela se abstém de fumar e beber. Segue-se um longo silencio. Enquanto ela fica em siléncio (o que acontece habitualmente com ela), 0 telefone toca e interrompe o siléncio: eu atendo e respondo que ligarei mais tarde para o interlocutor, anoto algo em um pedago de papel, o que ela certamente me escutou fazer. Dou-me conta apés um longo momento de siléncio que Delphine chora. Pergunto-Ihe: “este choro esté relacionado ao fato de eu ter atendido ao telefone?” Ela me responde “nao”, Eu continuo: “esté ligado ao fato de que vocé me ouviu escrever?” “Sim”, me diz ela, “Lembrei-me de minha ané- lise anterior, onde eu fechava-me em um siléncio do qual eu ndo conseguia sair, 0 que me deixava desamparada, Eu ndo conseguia pensar. Foi o que aconteceu agora, eu nao conseguia pensar”. Digo-lhe: “Talvez me escutando responder ao telefone, depois escrever, voce tenha tido 0 sentimento de que eu pegava esta oportunidade de me colocar em comunicagéo com outra pes- soa, a fim de fugir de um siléncio cruel no qual estévamos fechados”. Ela concorda em siléncio. Eu intervenho novamente e digo-lhe: “Isto aconteceu apés um momento onde vocé me falava do fato de se abster de fumar e beber em presenga de seus pais” Ela me pergunta o que quero dizer. Eu esclareco: “No momento em que conversévamos de sua dificuldade de ser espontanea, de se descontrair em presenga de seus pais, vocé pensou que eu, que voce colocava em uma posi- sao passivel de julgé-la (portanto, na mesma posigdo que seus pais), eu estaria me permitindo ‘uma liberdade;, respondendo ao telefone e rabiscando no papel. Vocé ficou ressentida comigo, sem poder se expressar”, Ela concorda em siléncio. Pensando na crueldade dos golpes de sua mae e na fantasia das maos hemorrégicas, eu digo-the entao: “E dificil para vocé dizer-me coisas que voce julgaria cruéis, pois vocé nao saberia como eu iria acolhé-las, nem o que eu faria, Penso no que voce colocou no inicio da sesso em relagao a sua paciente que pensava em se suicidar asfixiando-se com um saco de plastico”. Ela res- pondeu: “Eu pensei naquele momento que eu deveria fazer como ela, isto nos livraria de mim”, Eu intervenho: “Falando isto, vocé me diz coisas cruéis, crueldade comparével que sua paciente exerceu tanto em relagao a si mesma quanto em relagdo a voce ao tentar suicidar-se” Apés esta intervengao ela se descontrai e associa, dizendo: “Eu pensei no meu namorado ¢ nas tiltimas semanas com ele” (ela esta namorando ha alguns meses, com um homem que parece gostar muito dela). Ela prossegue: “Tem se passado bem, muito bem mesmo. Eu ndo estou habituada. £ disto que tenho medo: estar feliz, eu nao sabia o que era a felicidade. Nés somos inseparaveis, eu realmente tenho medo que isto termine” Siléncio... Ela acrescenta: “Eu realmente tenho medo que a felicidade termine.” Pensando em seu pesadelo de fechamento eu digo-Ihe: “Seria como se voc® tivesse medo de acordar de um sonho agradavel, dizendo a vocé mesma: ‘nao passou de um sonho’?” Bla: “Eu nao tenho o habito de ser feliz e sinto que isto me dé muito medo. Neste momen- to, eu me encontro menos com ele, pois sua mie est em Paris ¢ ele tem que cuidar dela. Isto, entretanto, nao nos afasta, seria quase 0 contrério: aproxima-nos!” Comentério Podemos ver nos movimentos desta sess4o a interseccao entre traumatismo ¢ trauma. O traumatismo pode ser evocado no contetido manifesto do inicio da sesso. A descrigao er? 35, ‘Variagées do conceito de traumatismo: traumatismo, traumético, trauma. Thierry Bokanowski da tentativa de suicidio da paciente ativa em Delphine uma cena infantil onde, menina, ela encon- tra-se em perigo diante da irrupgao violenta de sua mae. Identificando-se com a paciente suicida, ela transforma-se em seu salvador, salvador que ela havia esperado, para arrancé-la das “maos de sua mae” Podemos supor que esta narrativa deixa implicito que existe um cendrio fantasmatico no qual Delphine se identifica com um terceito paterno, longamente esperado, que viria tiré-la do fechamento apavorante da relagdo passional com sua mae. A irrupgao do terceiro durante a ses- sfo na forma da chamada telefdnica, a qual eu respondo, ¢ também ao fato de que estou pensan- do em outra coisa, enquanto rabisco o papel, lembra a decepgdo de Delphine na espera de seu pai que ficava sempre fechado em seus pensamentos ¢ silencioso diante da dor de sua filha. Delphine, por sua ver, retira-se, refugia-se no siléncio, o que de certa forma, faz-nos pen- sar em uma identificagao com a atitude paterna de entao. Esta identificagao paterna porém nao é estruturante, nem organizada em torno de um superego protetor, mas sim se resume a uma ati- tude de docilidade e de submissao, que também lembra a sideragao na qual ela encontrava-se, ‘menina, diante da “loucura” materna, ‘A agio do trauma aparece quando se torna imperativo para Delphine cortar 0 vinculo e inter~ romper o processo associativo toda vez em que est em questi a aproximagao ao objeto, neste caso 0 objeto da transferéncia, através da expressio de afetos, de experiéncias, independente de seus contetidos. Eno momento em que lhe sinalizo sua desconfianga quanto a minha capacidade de supor- tar sua crueldade que Delphine explicita sua fantasia de se suicidar “para nos libertar dela”. Esta fantasia, anulando a identificagio ao pai “salvador”, coloca em jogo 0 desejo de se livrar de sua parte identificada com a crueldade de sua mae, maneira pela qual ela pode livrar-se do contato asfixiante da mae. Para tal, ela estabelece uma separagao entre sua parte “menina desamparada’, {que pede ajuda, ¢ aquela que, identificada ao agressor, vem lembrar a crueldade do vinculo. Podemos levantar a hipétese de que esta clivagem € sustentada pela obrigagao de consolar, de cui- dar de sua mae em detrimento de sua propria vida psiquica infantil, comprometendo assim qual- quer triangulagao. Delphine deseja e, a0 mesmo tempo, evita livrar-se da mae para ficar sozinha com o pai, aqui nao se trata de uma relagao objetal a uma mae edipiana, mas sim, uma identificagao narcisi- ca traumitica a um objeto primério, mantido pela raiva, 0 que faz desta mae um objeto que no pode ser dispensado. ‘O mesmo ocorre quando ela traz, no final da sesso, a mae de seu namorado, que é descri- ta no como uma rival, mas como aquela que separa aproximando, tornando-se, assim, indispen- savel para manter 0 vinculo do casal. Conclusao £ freqiiente, na clinica atual, encontrarmos pacientes com organizacoes psiquicas cuja dimensao traumitica, ligada aos traumatismos primérios, os traumas, nos confrontam a sofri- mentos identitarios, em relagao a zonas psiquicas de fragilidade estrutural extremamente doloro- sa, que submetem o funcionamento psiquico a importantes clivagens. AA situagao analitica leva estes pacientes a regressoes desorganizadoras que podem gerar “angistias de morte psiquica” ¢ acarretar sofrimentos to profundos que a possibilidade de sim- bolizacdo torna-se profundamente desestruturada. Estas regressdes testemunham uma dispersio das referéncias identitérias, um desaparecimento imediato dos continentes psiquicos ¢ com eles dos vinculos portadores de sentido. Somos entao confrontados com uma expresséo particular- mente intensa do aspecto destruidor do “trabalho do negativo” (A. Green 1993)'6 que submete a 36 Revista Brasileira de Psicandlise - Volume 39, n° 1 - 2005, troca analitica a um dominio do modo de relagdo que vai da persecutoriedade ao desespero. Em tais momentos a intensidade da pulsao de destruicao gera no individuo uma dor tao insuportavel de existir, de se vincular, que o conjunto da economia pulsional se retrai. objeto, em razao de sua alteridade, e 0 vinculo ao objeto, em razao do seu sentimento de dependéncia, transforma-se em fator de perigo para o narcisismo. Deste fato, 0 processo interpretativo nao pode mais se ocupar do contetido fantasmitico portador de sentido e motor do processo associativo, mas deve, antes de tudo, restabelecer um objeto continente e para-excitatério, ou, talvez, se aplicar em estabelecé-lo pela primeira vez. Colocando toda a sua atengao sobre a dimensao narcisica da transferéncia e suas vicissitu- des, o psicanalista, no seu trabalho de contratransferéncia, deverd estar particularmente atento manutengdo de certa continuidade psiquica, garantia de uma continéncia que anteriormente falhou cruelmente. Variaciones en el concepto del traumatismo: traumatismo, traumdtico, trauma Resumen: En este trabajo, el autor delinea las hip6tesis fundamentales del autor de Freud referentes al concepto de traumatismo, entonces distingue tres nociones (siedo que el francés es una lengua particular- ‘mente apposite para tal empresa): traumatismo, traumatico (en un sentido substantive) y trauma, Estos tres términos corresponden a los tres momentos cruciales en la teoria de Freud con respecto al concepto del traumatismo (1895-97, 1920 y 1938). El autor evoca también los progresos que son debido a Ferenczi, articularmente en sus escrituras mds iltimas (1928-1933), donde él definié y discutié la cuestién del trauma en préctica clinica contempordnea; el papel se enciende explorar las diversas “variaciones” en este tema en lo que concierne al funcionamiento mental. El autor entonces define, desde un punto de vista metapschologico, las diferencias entre los traumatismos que han sido trabajados encima por los procesos secundarios, organizados y gobernados por el principio del placer-unpleasure (“traumatismo”) y temprano 0 los traumatismos primarios, que interfieren con el proceso de atar las impulsiones instintuales (“trau- ma); los estados de la mente influenciados por una impresién traumdtica (“traumédtico”) se miran sobre como perteneciendo a ambas categortas de mds traumatismos desarrollados. Un ejemplo clinico ilustra las hipétesis del autor. Palavras Haves: Escisi6n auto narcisista, defusion instintual, destructividad desesperanzada, desamparo, dolor mental, principio del placer-displacer, angustia primaria Variations on the Concept of Traumatism: Traumatism, Traumatic, Traum Summary: In this paper, the author outlines Freud's fundamental hypotheses concerning the concept of traumatism, then goes on to differentiate three notions (French being a particularly apposite language for such a venture): traumatism, traumatic (in a substantive sense) and trauma. These three terms corre- spond to the three turning points in Freud's theory with respect to the concept of traumatism (1895-97, 1920 and 1938). The author evokes also the developments that are due to Ferenczi, particularly in his later writings (1928-1933), where he defined and discussed the question of trauma in contemporary clin- ical practice; the paper goes on to explore the different "variations" on this theme as regards mental func- tioning, The author then defines, from a metapsychological point of view, the differences between trau- tmatisms that have been worked over by secondary processes, organized and governed by the pleasure- unpleasure principle ("traumatism") and early or primary traumatisms, which interfere with the process of binding the instinctual drives ("trauma"); states of mind influenced by a traumatic imprint ("trau- ‘matic") are looked upon as belonging to both categories of more developed traumatisms. A clinical exam- ple illustrates the author's hypotheses. Keywords: auto-narcissistc splitting, defusion of the instinctual drives, despair destructiveness, Hilflosigkeit (helplessness), mental pain, pleasure-unpleasure principle, primary distress Variagdes do conceito de traumatismo: traumatismo, traumitico, trauma. Thierry Bokanowski 37 Notas 1. D. Anzieu, “Lattachement au negative’, in Créer, détruire (Paris: Dunod, [1990] 1996). 2. M, Balint, Le défauet fundamental. Paris: Payot, [1968] 1991. 3. W.R. Bion, “Une théorie de activité de pensée’ in Reflexion faite (Paris: PULR, [1962] 1983). 4.1d,, Eléments de la psychanalyse (Paris: PU-E, [1963] 1979), 5. Bokanowski, “Le concept de ‘nourrisson savant”, in Le nourrisson savant Une figure de Vinfantil, sous la dir. de D, Amoux et T. Bokanowski, Collection de la SEPEA (Paris: Editions In Press, 2001), pp. 13-32. 6. Id, “Traumatisme, traumatique, trauma’, Revue frangaise de Pschanalyse, v.66, n. 3, 2002, pp. 743-55. 7.W.R.D. Fairbairn, La structure endopsychique en foncticn de la relation d’objet, Etudes psychanalytiques de 1a personnalité (Paris: Editions du Monde Interne, [1944] 1998). 8.5, Ferenczi, “Confusion de langue entre les adultes et enfant”, in CEuvres Completes, 1V (1927-1933) (Paris: Payot, [1933] 1982), pp.125-38. 9. Id.,“Réflexions sur le traumatisme”, Euvres Completes, IV (1927-1933) (Paris: Payot, {1934] 1982), pp. 139-47. 10. S. Freud et J. Breuer, Btudes sur Vhystére, (Paris: PUE, [1895] 1965). LL. S. Freud, Esquisse d'une psychologie scientifique, in La naissance de la psychanalyse (Paris: PU-E. [1895] 1968). 12. Id, Au dela du principe de plaisir. OCEP, XV (Paris: PU.E, 1920), pp. 273-338. 13, Id, Inhibition, symptime et angoisse, OCF P, XVII (Paris: PULR, 1926), pp. 203-86, 14, Id, L'Homme Moise et la religion monothéiste (Paris: Gallimard, [1939] 1986). 15, Id, Abrégé de psychanalyse (Paris: PLE, (1938]1975). 16. A. Green, Le travail du negative (Paris: Les Editions de Minuit, 1993). 17..C. Janin, Figures et destins du traumatisme, Le fait psychanalytique (Paris: PUR, 1996). 18. D.W. Winnicott, “La crainte de leffondrement’ in La crainte de Peffondrement et autres situations clini- ques (Paris: Gallimard, [1974] 2000), pp. 205-16. ‘Traducdo: Patricia Boher Pereira Leite e Claudia do Amaral de Meireles Reis ‘Comentirio das tradutoras ‘Traduzir, todos sabemos, nao é tarefa facil, porém é 0 ‘inico meio que dispomos para entrarmos em contato com o trabalho de autores cuja lingua nao se domina. £, contudo, conveniente lembrarmos, ‘que em cada idioma hé um universo intraduzivel que acaba sendo “adaptado”. Essas consideragdes nos ocorreram pelo fato do artige aqui traduzido ter chegado a nossas maos primeiramente em inglés, enviado pela IPA. Ao nos darmos conta de que o artigo havia sido escrito em francés, solicitamos uma copia do trabalho original. De posse das duas versoes, a inglesa deixa transparecer as raizes epistemol6gicas pragmaticas de seu pensamento 0 que acaba por vezes em transformar algo que em francés nos pareceu colocado propositadamente de forma mais ampla ¢ abrangente em um pensamento mais explicito. Citamos um exemplo: no item “Trés variagoes ‘metapsicolégicas do conceito de traumatismo”, em francés lemos: “Le traumatisme se réfere a la con- ception générique du traumatisme, qui renvoie “a la théorie de la seduction e au sexuel”; 0 que foi tra- duzido em inglés por: “Traumatism designates the generic conception of this kind of event with its refe- rence to the seduction theory and its sexual implications”. Acreditamos que ha uma sutileza na lingua francesa impossivel de ser transmitida pela lingua inglesa que se perdeu nessa passagem. A expresso “ao sexual” remete a todo universo da sexualidade do individuo desde seu nascimento, enquanto 38 Variagdes do conceito de traumatismo: traumatismo, traumético, trauma, ‘Thierry Bokanowski go sexual” remete a todo tniverso da sexualidade do individuo desde seu nascimento, enquanto que a expressio “stias implicagdes sexuais” parece emprestar certa rigidez ao conceito de sexual que nao vemos em francés, Decidimos, entio, traduzir o texto diretamente do francés, pela proximidade de nossas raizes semanticas, mesmo sabendo que a maioria dos psicanalistas presentes no Congresso vai recebé-lo na versio inglesa. ‘Optamos por traduzir a palavra mei, por ego, em todo o texto, por consideré-la mais utilizada em portugués, mesmo quando se refere aos perfodos anteriores a publicagao do “Ego € 0 id’, 1923. A palavra “fantasmes” foi traduzida por “fantasias” quando se referia as fantasias originais, porém em expressoes como “la vie fantasmatique” optamos por “vida fantasmética’. Finalmente, usamos a pala- vvra “anélise” para traduzir a “cura psicanalitica’ ‘Thierry Bokanowski, M.D. 48, rue des Francs-Bourgeois 75003 Paris France tbokanow@aol.com

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