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. Das diferentes espécies de filosofia.

[volta ao índice] [9] Conclui a seção indicando brevemente um uso importante de seu princípio: ele permite identificar as palavras sem
significado distinto, responsáveis por grande parte das disputas em filosofia. Quando suspeitarmos que determinada palavra
[1] Nesta seção Hume traça a distinção entre duas espécies de filosofia, uma fácil e descomplicada e outra acurada e profunda, inclui-se nessa classe, devemos nos inquirir acerca de que impressão poderia ter dado origem à idéia supostamente designada
argumentado a favor desta última. A primeira enfoca o homem como um ser voltado para a ação, e procura influenciar sua pela palavra. Não sendo possível encontrar nenhuma tal impressão, a suspeita se confirmará.
conduta pela exposição de exemplos de virtude e vício, utilizando recursos poéticos e imaginativos, que tocam o seu coração e
sentimento. Esse assunto no Tratado

[2] O segundo tipo de filosofia enfoca o homem como um ser eminentemente racional, esforçando-se para formar o seu No Tratado da Natureza Humana, 1.1.1, Hume analisa a origem das idéias de forma mais detalhada e rigorosa do que o faz na
entendimento. Isso faz pelo estudo criterioso da natureza humana, na busca de conhecimento preciso dos modos de operação Investigação:
da mente, dos princípios que regulam o entendimento e as paixões, e daqueles que forneçam à moral uma fundamentação
objetiva. [1] Enfatiza que a distinção entre idéias e impressões é exclusivamente de grau de vivacidade (ver também T 1.1.7.5).

a[3-7] Após considerar que a filosofia simples contará sempre com a preferência da maioria da humanidade, sendo aquela que [2] Divide todas as percepções (idéias e impressões) em simples e complexas, definindo as primeiras como aquelas que “não
efetivamente tem assegurado fama duradoura aos seus expoentes, Hume apresenta alguns argumentos em defesa da filosofia admitem distinção ou separação” de partes (critério analítico de Locke).
complexa e precisa, visto que tem sido não apenas desfavorecida mas também condenada e desprezada:
[3] Quanto às qualidades e relações das percepções, Hume trata inicialmente da relação de “semelhança” que há entre
[8-9] A filosofia acurada e abstrata oferece precioso auxílio à simples e humana, conferindo exatidão às suas opiniões e impressões e idéias.
preceitos, contribuindo também para o aperfeiçoamento das artes e ofícios.
[4] Observa que não é universalmente verdadeiro que idéias e impressões sempre se correspondam por semelhança exata,
[10] A filosofia profunda atende ao nosso desejo de conhecimento, proporcionando-nos um dos poucos prazeres seguros e pois há idéias complexas (e.g. a de Nova Jerusalém) que não correspondem a nenhuma impressão, e impressões complexas
inofensivos. (e.g. a de Paris) que não são representadas precisamente por nenhuma idéia.

[11-12] Considerando agora a objeção de que a filosofia complexa é fonte inevitável de erro e incerteza, Hume traça [5] No entanto, entre as idéias e impressões simples sempre há uma relação de correspondência por semelhança exata. Hume
interessante distinção entre duas espécies de “metafísica”: Uma verdadeira e outra falsa e adulterada, que engloba os sistemas desafia o adversário a apontar contra-exemplos.
racionalistas tradicionais e as “superstições”. O terceiro argumento a favor da filosofia profunda é exatamente o de que permite,
quando bem conduzida, desmascarar esses redutos da ignorância e do obscurantismo. [6] Em seguida, procura estabelecer que, além de se corresponderem, idéias e impressões simples estão ligadas por uma
relação causal.
[13-14] A filosofia profunda tem, ademais, vantagens positivas que decorrem de um exame minucioso dos poderes e
faculdades da natureza humana: a) possibilita estabelecer uma “geografia mental, ou delineamento das diferentes partes e [7] “Todas as nossas idéias simples são, em sua primeira aparição, derivadas de impressões simples que lhes correspondem, e
poderes da mente”, que, como Hume diz explicitamente no Abstract, deve estar na base de quase todas as demais ciências; que representam de forma exata.” Os argumentos para esse princípio geral são dois:

[15] b) põe-nos na rota de progressos ulteriores na compreensão da mente, pela redução sempre maior de suas operações e [8] 1o. Há uma “conjunção constante” de idéias e impressões simples. Isso mostra que há “uma grande conexão” entre elas, e
princípios a princípios ainda mais gerais, a exemplo do que já vinha se dando na filosofia natural. que “a existência de umas tem considerável influência sobre a existência das outras”. Notando agora a ordem temporal em que
aparecem pela primeira vez na mente, conclui que “as nossas impressões são as causas de nossas idéias”, e não o contrário.
[16] Quanto a esses raciocínios sobre a natureza humana parecerem abstratos e difíceis, isso não indica que sejam falsos.
Quaisquer sejam os esforços que requeiram, valerá a pena examiná-los, não apenas por prazer mas por sua utilidade no [9] 2o. O segundo argumento é aquele que reaparecerá na Investigação: faltando a alguém uma determinada impressão, por
incremento de nosso conhecimento. defeito do órgão do sentido ou por ausência de seu objeto, também lhe faltará a idéia correspondente.

[17] Por fim, Hume expressa a esperança de que as duas espécies de filosofia possam se unir, especialmente no objetivo [10] Quanto à universalidade do princípio de que as idéias simples provêm de impressões simples, Hume aponta duas
comum de solapar as bases de uma má filosofia, subserviente à superstição, e favorecedora de erros e absurdos. restrições: 1) a da tonalidade de azul (ver acima);

[11] 2) a possibilidade de formação de “idéias secundárias”, ou seja, idéias que foram copiadas diretamente de outras idéias, e
apenas indiretamente de impressões. É por isso que ao formular o princípio Hume tem o cuidado de acrescentar as palavras
2. Da origem das idéias [volta ao índice] “... em sua primeira aparição”.

[1-3] Inicialmente, Hume divide todas as nossas percepções em impressões, que são as percepções fortes e vívidas, e idéias [12] Hume conclui a seção dizendo que o princípio exposto no parágrafo 7 “é o primeiro princípio que estabelece na ciência da
(ou pensamentos), que são as percepções mais fracas. natureza humana”, e que expressa, em palavras diferentes, o debatido princípio da inexistência de idéias inatas.

[4-5] Nota, em seguida, que embora nada pareça mais ilimitado do que o pensamento, seu poder criador está restrito à
composição, transposição, aumento e diminuição dos “materiais” fornecidos pela experiência (“externa” ou “interna”). Esses
materiais são as impressões. Propõe, assim, como princípio fundamental, que todas as idéias são cópias de impressões. Para 3. Da associação de idéias. [volta ao índice]
“prová-lo”, fornece dois argumentos:
[1] Hume assevera que há certos princípios segundo os quais as idéias, “em sua aparição na memória ou imaginação,
[6] 1o. Quando submetemos nossas idéias a análise, vemos que sempre se compõem de idéias simples que foram copiadas de introduzem-se umas às outras com certo grau de método e regularidade”.
uma impressão precedente. (Isso dá conta dos aparentes contra-exemplos de idéias complexas que, como a de uma montanha
de ouro, não foram copiadas prontas de nenhuma impressão.) Hume transfere ao adversário a tarefa de encontrar uma idéia [2-3] Esses princípios são apenas três: semelhança (“um retrato leva naturalmente nossos pensamentos para o original”),
cujos elementos não sejam provenientes de impressões. contigüidade em tempo ou lugar (“a menção de um cômodo em um edifício introduz naturalmente uma investigação ou discurso
sobre os demais cômodos”) e causa ou efeito (“se pensamos em um ferimento, dificilmente podemos deixar de refletir sobre
[7] 2o. Quando, devido a um defeito do órgão sensorial ou à falta do objeto do sentido, alguém nunca teve determinada dor que o segue”). Para nos convencermos de que essa enumeração dos princípios de associação de idéias é completa não há
impressão, verifica-se que também não possui a idéia correspondente. outra forma, diz Hume, senão percorrer diversos casos de idéias associadas.

[8] Hume reconhece que pode haver uma exceção ao princípio geral proposto: a formação, pela imaginação, da idéia de [4-18] Hume recorre aqui à literatura e às narrativas históricas, como fornecedoras de numerosos exemplos do uso dos
determinada tonalidade de azul (no exemplo considerado) a partir da impressão da série de todas as demais tonalidades dessa princípios de associação de idéias.
cor. Acredita, no entanto, que essa exceção seja tão singular que não compromete a utilidade geral do princípio.
Esse assunto no Tratado
No Tratado, 1.1.4, o assunto das associações de idéias é analisado de forma diferente, com variações conceituais e com mais
detalhes. Cumpre destacar os seguintes pontos: [11] Resumo de 9 e 10.

a) Hume esclarece que o princípio que une as idéias na imaginação “não deve ser considerado uma conexão inseparável”, pois [12] Hume extrai disso tudo uma moral: nenhum filósofo que seja racional e modesto deve alimentar a pretensão de conhecer
que ela tem sempre o poder de separar e unir idéias livremente, mas apenas “uma força suave, que comumente prevalece” [1]. as causas últimas das operações dos corpos. O máximo alcançável pela razão humana é a redução dos princípios da ação dos
corpos a algumas causas mais simples e gerais (elasticidade, gravidade, coesão de partes, comunicação de movimento por
b) Embora os efeitos dos princípios de associação de idéias sejam patentes, Hume diz que suas causas são “em grande parte impulso).
desconhecidas, e têm de ser atribuídas às qualidades originais da natureza humana, que não pretendo explicar.” [6]
[13] A geometria não pode suprir nossas limitações quanto a isso. O mesmo vale para a “matemática mista” em geral, que
c) O objeto de estudo é mais restrito: a associação de idéias simples na imaginação, e não de idéias quaisquer na imaginação apenas auxilia na aplicação das leis naturais descobertas empiricamente.
e memória, como na Investigação. Veja-se, por exemplo, esta passagem do penúltimo parágrafo: “Esses são, portanto, os
princípios de união ou coesão de nossas idéias simples, que na imaginação ocupam o lugar da conexão inseparável pela qual Parte 2
são unidas em nossa memória.” [6; grifo meu]
[14] Todas as inferências sobre causas e efeitos sendo, assim, inteiramente dependentes da experiência, o passo seguinte é
investigar “qual é o fundamento de todas as nossas conclusões da experiência”, ou seja, como podemos justificar as
inferências feitas a partir da experiência. Tendo, por exemplo, observado 21 vezes que a cera se fundiu ao ser aproximada da
4. Dúvidas céticas sobre as operações do entendimento. [volta ao índice] chama, concluímos que ela se derreterá de novo na vigésima segunda ocasião, ou mesmo que se derreterá sempre. Qual a
natureza dessa conclusão?
Parte 1
[15] A resposta de Hume tem uma parte negativa e outra positiva. Nesta seção limita-se a afirmar, negativamente, que “mesmo
[1] Todos os objetos da razão ou investigação humana podem ser divididos em relações de idéias e questões de fato. após havermos tido a experiência das operações de causa e efeito [pela observação da conjunção constante dos fenômenos],
Proposições sobre relações de idéias são aquelas cuja verdade pode ser determinada por intuição ou demonstração, como por nossas conclusões a partir dessa experiência não se fundam em raciocínios, ou qualquer processo do entendimento.”
exemplo o princípio de que o todo é maior do que as partes, ou o teorema de Pitágoras. “Proposições desse tipo podem ser
descobertas pela mera operação do pensamento, sem dependência daquilo que exista em algum lugar do Universo.” [16] Hume começa notando a grande limitação de nosso conhecimento dos “segredos” da Natureza. Ela nos fornece “apenas o
conhecimento de umas poucas qualidades superficiais dos objetos, ocultando-nos os poderes e princípios dos quais a
[2] Já as proposições sobre questões de fato não são intuitiva ou demonstrativamente certas, sendo conhecidas apenas por influência desses objetos depende inteiramente.” “Não obstante essa ignorância dos poderes e princípios naturais, sempre
observação. Elas nunca são necessárias, e suas negações são concebíveis e possíveis. Que Napoleão foi derrotado na presumimos, quando vemos qualidades sensíveis semelhantes, que terão poderes secretos semelhantes, e esperamos que
batalha de Waterloo é uma questão de fato; expressa o que de fato aconteceu no mundo; mas o mundo poderia ser diferente, serão seguidas de efeitos semelhantes aos que já experimentamos... Agora este é um processo da mente ou pensamento
de modo que tal proposição fosse falsa. cujos fundamentos gostaria muito de conhecer. Todos concordam que não há conexão conhecida entre as qualidades
sensíveis e os poderes secretos; e que, por conseqüência, a mente não é levada a formar conclusões acerca de sua conjunção
[3] Hume dedica-se a examinar como é possível, se é que é possível, obter conhecimento acerca de questões de fato que não constante e regular a partir de nada que se saiba de sua natureza. Quanto à experiência passada, pode-se conceder que dá
caem, nem caíram, sob nossa observação; ou, usando suas palavras, como podemos fundamentar os nossos “raciocínios” informação direta e certa apenas e precisamente dos objetos e períodos de tempo que caíram sob sua cognição: Mas por que
sobre questões de fato. tal experiência deva se estender a tempos futuros e outros objetos que, por tudo que sabemos, podem ser similares [aos
outros] apenas na aparência, essa a questão central em que insistiria.” Agora essa extensão da experiência de uma conjunção
[4] A primeira afirmação feita por Hume é que todos os raciocínios ou inferências sobre questões de fato “parecem fundar-se na constante de fenômenos para casos não observados “não é intuitiva”; é necessário um “meio”, ou seja, uma demonstração.
relação de causa e efeito.” Inferiremos, por exemplo, que numa ilha presentemente deserta já estiveram seres humanos Mas Hume confessa que esse meio lhe escapa completamente.
(causa) se nela acharmos um relógio ou algum outro objeto artificial (efeito); ou que um pedaço de cera se fundirá (efeito) ao
ser aproximado do fogo (causa). [17] Para estabelecer sua tese principal, de que de fato esse meio não existe, ou, mais geralmente, que não há nenhum
raciocínio ou processo do entendimento envolvido nessa transição, Hume procura armar um dilema.
[5] É importante pois investigar como obtemos o conhecimento de causas e efeitos.
[18] Conforme já mostrou, todos os raciocínios podem ser divididos em “demonstrativos” (sobre relações de idéias) e “morais”
[6] A segunda asserção de Hume é que o conhecimento da relação de causa e efeito “não é, em nenhum caso, alcançado por ou “prováveis” (sobre questões de fato). Agora é evidente que no caso presente não há argumentos demonstrativos, pois não
raciocínios a priori, mas provém inteiramente da experiência, quando encontramos que objetos particulares quaisquer há nenhuma contradição na suposição de que o curso da Natureza possa se alterar, invalidando a extrapolação da experiência
apresentam uma conjunção constante uns com os outros.” Defrontando-nos com um objeto ou evento, jamais poderemos, a presente e passada.
partir de suas “qualidades sensíveis”, inferir racionalmente quais outros objetos ou eventos são suas causas, ou serão seus
efeitos. Um homem perfeito quanto às suas faculdades cognitivas, mas sem nenhuma experiência (como teria sido o caso de [19] Por outro lado, também não intervém aqui nenhum argumento “moral” ou “provável”. Como Hume já havia mostrado, todos
Adão, logo ao ser criado), não poderia inferir que a água tem o poder causal de sufocar ou o fogo de queimar. O mesmo vale os argumentos desse tipo, i.e., sobre questões de fato, baseiam-se na relação de causa e efeito, cujo conhecimento, a seu
para qualquer outra inferência acerca de existência ou questão de fato. turno, depende inteiramente da experiência. Alegar, pois, que as “conclusões” ou inferências a partir da experiência se
justificam por argumentos “morais” equivale a alegar que elas se baseiam em si próprias. Isso é circular, e portanto vazio;
[7] Que causas e efeitos não podem ser descobertos pela razão, mas unicamente pela experiência, é mais fácil de admitir no assume-se como certo o próprio ponto em questão.
caso de objetos que nos são inteiramente desconhecidos (as duas placas de mármore polido), que são pouco comuns
(pólvora, ímã), ou cujos efeitos aparentemente dependem de uma estrutura muito complexa (o leite e o pão, com relação ao [20] Hume esclarece que não está pondo em dúvida a autoridade da experiência; somente um louco o faria. O que pretende é,
poder nutricional em homens e felinos). como filósofo, “examinar o princípio da natureza humana capaz de dar essa poderosa autoridade à experiência”. Para reforçar
o ponto já exposto, considera agora que se se tratasse de uma conclusão formada pela razão, seria tirada de forma perfeita já
[8] Quando, porém, se trata de objetos familiares a nós desde o nosso nascimento, que têm analogia com o curso comum da no primeiro caso.
natureza ou que se supõe depender de qualidades simples, somos propensos a imaginar que podemos descobrir seus efeitos
pela mera operação da razão (ex. comunicação de movimento por impacto). Isso porém é uma ilusão, devida à influência do [21] Após desenvolver mais esse argumento, Hume retoma o argumento sobre a petição de princípio: “É impossível, portanto,
costume. que argumentos a partir da experiência provem [a] semelhança do futuro com o passado, visto que todos esses argumentos
fundam-se [justamente] na suposição dessa semelhança.”
[9] Mas para nos convencer que o princípio exposto no parágrafo 6 não tem nenhuma exceção basta atentarmos no seguinte:
Se tivermos de nos pronunciar sobre o que resultará de um objeto (seus efeitos) sem consultar a experiência passada nosso [22] Poderia parecer arrogância alguém concluir que não existe um certo raciocínio porque não foi capaz de encontrá-lo.
único recurso será inventar ou imaginar algo; essa invenção é inteiramente arbitrária.
[23] No presente caso, porém, Hume pondera que, se as inferências sobre questões de fato fossem feitas por algum raciocínio,
[10] E se o efeito tem de ser arbitrariamente inventado, o mesmo vale, e com mais razão ainda, para o suposto vínculo ou ele deveria ser muito simples, pois que crianças e mesmo animais são capazes de aprender da experiência. Mas então o
conexão entre a causa e o efeito. Mesmo quando nossa invenção do efeito por acaso se mostra correta, nada nos impede de raciocínio não poderia escapar às mais cuidadosas buscas filosóficas, como de fato ocorre.
conceber que um outro efeito poderia ter ocorrido. Portanto a ligação entre a causa e o efeito não é de natureza necessária.
[14] Em particular, Hume investiga se os princípios de associação de idéias, por semelhança, contigüidade e causa e efeito,
5. Da solução cética dessas dúvidas. [volta ao índice] são capazes de levar a mente a uma concepção mais forte e estável dos objetos relacionados, como ocorre na relação de
causa e efeito. (Note-se que ao colocar a questão Hume inadvertidamente inclui essa relação, para a qual a questão já havia
Parte 1 sido respondida. Essa generalização será corrigida nos exemplos; ver parágrafos 19 e 20.)

[1] A única filosofia que não favorece a exacerbação de nossas tendências e preconceitos é a acadêmica ou cética. Nenhuma [15] O primeiro “experimento” evocado por Hume refere-se à semelhança. Considera inicialmente o caso da semelhança de um
é mais contrária à nossa indolência, arrogância, presunção e credulidade. retrato com a pessoa retratada.

[2] Não se deve temer que essa filosofia perturbe nossas ações, já que a Natureza sempre prevalecerá sobre quaisquer [16] Depois, toma o exemplo das cerimônias da religião católica romana, destinadas a avivar, por semelhança, a crença nos
raciocínios abstratos. Assim, embora em nossas inferências experimentais haja, como já foi visto, um passo que a mente dá personagens e eventos que integram esse tipo de “superstição”.
sem o apoio de nenhum raciocínio ou processo do entendimento, isso não põe em risco tais inferências, “das quais depende
quase todo o nosso conhecimento. Se a mente não é levada a efetuar esse passo por argumentos, tem de ser induzida por [17] O segundo experimento é referente à contigüidade: a visão das coisas que ficam perto de sua casa aviva a idéia dessa
algum princípio de igual peso e autoridade.” casa.

[3] Uma pessoa completamente sem experiência verificaria, se chegasse ao mundo repentinamente, apenas uma sucessão [18-19] Nestes parágrafos Hume considera o caso da causação, e dá os exemplos das relíquias dos santos e do filho de um
contínua de objetos. Não formaria de imediato, apenas pelo raciocínio, a idéia de causa e efeito, e nem mesmo inferiria a pai ausente. Na verdade, a consideração desse caso é redundante, visto que já havia sido tratado detalhadamente antes, e
ocorrência de um evento a partir da aparição de outro. estava agora justamente vendo se encontrava analogias com ele, para reforçar a sua teoria sobre a crença causal. Essa
aparente confusão prossegue na afirmação que abre o parágrafo seguinte.
[4] Quando passasse, no entanto, a observar a conjunção regular de objetos ou eventos, começaria a fazer essas inferências,
mas nenhum processo de raciocínio lhe daria conhecimento do “poder secreto pelo qual um objeto produz o outro”. Apesar [20] Hume nota que nos fenômenos considerados nos parágrafos precedentes “a crença no objeto correlativo está sempre
disso, a pessoa estaria “determinada” a fazer tais inferências, por algum outro princípio. pressuposta; sem ela, a relação não pode ter nenhum efeito.” Ora, isso não pode valer para o caso da relação causal. Houve
pois aqui uma afirmação demasiadamente generalizante por parte de Hume. O que disse deve ser entendido somente com
[5] Esse princípio é o “Costume ou Hábito”. Dizendo isso, Hume não pretende haver dado a causa última da propensão que relação às relações de semelhança e contigüidade, como o restante do parágrafo, aliás, indica. A tese de Hume é de que
temos de extrapolar a experiência passada; apenas indica um importante princípio da natureza humana, bem conhecido por essas duas relações por si sós não constituem fonte de crença, embora a vivacidade das idéias delas decorrente seja “de
seus efeitos. Hume classifica essa sua proposta como uma “hipótese”, capaz de explicar, entre outras coisas, por que as natureza similar, e [surja] de causas similares” às daquela que deriva da experiência da conjunção constante de eventos. (Nas
inferências causais não são extraídas a partir de um único caso, mas apenas de uma multiplicidade de casos semelhantes. seções 8 e 9 da parte 3 do livro 1 do Tratado Hume explica melhor por que a “a crença surge apenas da causação”, embora a
(Ver porém T 1.3.8.14 para uma qualificação importante dessa afirmação.) semelhança e a contigüidade auxiliem a causação no avivamento da idéia relacionada; quando separadas dela, porém, essas
relações têm “uma influência fraca e incerta”.)
[6] “O costume é, pois, o grande guia da vida humana. É apenas ele que torna a nossa experiência útil para nós, e nos faz
esperar, no futuro, uma seqüência de eventos similar às que nos apareceram no passado. Sem a influência do costume [21] Hume conclui a seção expondo dois pontos que só parecem fazer sentido dentro de um referencial realista. Primeiro, dada
seríamos totalmente ignorantes acerca de toda questão de fato que se estenda além do que está imediatamente presente à a usual correção de nossas extensões da experiência, afirma que existe “uma espécie de harmonia preestabelecida entre o
memória e aos sentidos. Nunca saberíamos como ajustar os meios para os fins, ou empregar nossos poderes naturais na curso da Natureza e a sucessão de nossas idéias; e, embora desconheçamos inteiramente os poderes e forças que governam
produção de qualquer efeito.” o primeiro, constatamos que nossos pensamentos e concepções ainda assim prosseguiram na mesma direção das demais
obras da Natureza. O hábito é o princípio pelo qual veio a se produzir essa correspondência, tão necessária à sobrevivência de
[7] No entanto, para que o hábito produza as inferências causais algum fato deve estar presente aos sentidos. nossa espécie e ao acerto de nossa conduta, em todas as situações e ocorrências da vida humana.”

[8] Após resumir a teoria exposta, Hume observa que a operação da mente que nos leva, a partir do hábito, a crer em certas [22] Por fim, quanto ao fato de as inferências experimentais não se apoiarem em processos do entendimento, observa que é
questões de fato é “uma espécie de instinto natural, que nenhum raciocínio ou processo do pensamento ou entendimento é mesmo “mais de acordo com a costumeira sabedoria da Natureza que uma atividade mental tão necessária seja garantida por
capaz quer de produzir, quer de evitar.” Esse “instinto” é comparado às paixões. algum instinto ou tendência mecânica, capaz de mostrar-se infalível em suas operações, de manifestar-se desde o primeiro
aparecimento de vida e pensamento, e de conduzir-se independentemente de todas as laboriosas deduções do entendimento.”
[9] Embora as investigações filosóficas desse assunto pudessem, segundo ele, parar neste ponto, ele anuncia que prosseguirá Hume considera esse fato uma comprovação de sua teoria.
detalhando sua teoria acerca da natureza da crença, recorrendo a algumas analogias.

Parte 2
6. Da probabilidade. [volta ao índice]
[10] Quanto à natureza dessa crença que resulta da conjunção costumeira de objetos, Hume nota, inicialmente, que a diferença
entre algo que simplesmente imaginamos e algo em que acreditamos não pode residir em nenhuma idéia particular que Nesta seção Hume aplica sua teoria sobre a natureza da crença aos casos em que a experiência da conjunção de objetos ou
anexemos às concepções que pedem o nosso assentimento. Se assim fosse, dada a autoridade que a mente tem sobre as eventos não é constante. Neles, a vivacidade que o hábito comunica à idéia associada à impressão presente será menor e, por
idéias, ela poderia acreditar no que quisesse, anexando voluntariamente essa suposta idéia a qualquer ficção. conseqüência, também será menor a crença em seu objeto. Tentaremos expressar em outras palavras o que Hume diz sobre
isso.
[11] “Segue-se portanto que a diferença entre ficção e crença encontra-se em algum sentimento ou sensação [sentiment or
feeling] que se anexa à segunda mas não à primeira, e que não depende da vontade nem se pode convocar quando se queira. [1-3] Quando uma causa aparentemente tem mais do que um efeito, ou seja, quando o objeto C foi observado seguir-se ora por
Como todo outro sentimento [sentiment], deve ser provocado pela Natureza, e provir da situação particular em que a mente se E, ora por E’, a presente observação de C levará a mente a crer na ocorrência de E com uma crença proporcional à freqüência
encontra em uma determinada ocasião. Sempre que um objeto qualquer é apresentado à memória ou aos sentidos, relativa com que se observou no passado C seguir-se de E (o mesmo vale para E’, mutatis mutandis). Tal fenômeno é ilustrado
imediatamente leva, pela força do hábito, a imaginação a conceber aquele objeto que a ele está usualmente associado, e essa por Hume com o caso do lançamento de um dado que possui uma mesma marca em quatro de seus lados e outra marca nos
concepção é acompanhada de uma sensação ou sentimento que difere dos devaneios soltos da fantasia. Nisso consiste toda a outros dois. A maior crença na ocorrência da primeira marca explica-se pela convergência de um maior número de “visões”
natureza da crença.” [views] em torno da idéia desse evento. Assim, esperamos com segurança, por uma inferência causal, que um dos seis lados
ficará para cima, mas esperamos cada um deles com a mesma crença: a vivacidade é repartida igualmente entre os seis lados.
[12] “Afirmo, portanto, que a crença não é nada mais que uma concepção de um objeto mais vívida, vigorosa, enérgica, firme, Mas como há quatro lados com uma mesma marca e apenas dois com outra, a crença na ocorrência da primeira será maior do
constante do que a imaginação por si só jamais é capaz de atingir.” A crença “é o ato da mente que torna as realidades, ou o que a crença na ocorrência da segunda. (Poderíamos dizer que a probabilidade da primeira marca é 4/6 e a da segunda 2/6;
que é tomado como tal, mais presentes para nós do que as ficções, fazendo-as pesar mais no pensamento, e dando-lhes uma mas Hume não quantifica essas probabilidades.)
influência superior sobre as paixões e imaginação.”
Percebe-se que probabilidades são, para Hume, medidas de nossas crenças; seu conceito de probabilidade é subjetivo. Ele
[13] Após recapitular o que estabeleceu sobre a natureza da crença, Hume diz que vai procurar outras operações da mente afirma, sem nenhuma justificativa explícita, que o acaso “não existe no mundo”; resulta de nossa ignorância da causa real de
análogas à que produz as crenças causais, a fim de enquadrar esse fenômeno sob princípios ainda mais gerais.
certos eventos. [1] Curiosamente, não registra que, segundo a ciência de seu tempo, o lançamento do dado seria uma situação [16] Caso 2: ação da vontade sobre a mente. É igualmente inegável que por nossa vontade podemos fazer com que as idéias
inteiramente determinista. apareçam na mente, desapareçam etc. Mas “esse comando da vontade não nos dá nenhuma idéia real de força ou energia.”
Pois:
[4] Considerando agora que o ruibarbo nem sempre purga e que o ópio nem sempre faz dormir, Hume diz que as
probabilidades aqui são “probabilidades de causas” (probabilities of causes). [2] Assevera que embora o vulgo creia que se a) [17] (Argumento formalmente análogo a (1).) Da mesma forma que a nossa completa ignorância acerca da natureza
trate de fenômenos aleatórios, os filósofos não atribuem essas irregularidades à Natureza, mas a “causas secretas” nas da alma e do corpo e sua união prova que não temos consciência do poder da vontade sobre o corpo, nosso desconhecimento
estruturas particulares das partes das substâncias envolvidas.[3] Mas enquanto tais causas não forem descobertas, no plano da natureza da alma e das idéias prova que não temos consciência do poder da vontade sobre as idéias. “Quando
epistemológico tudo se passará como se de fato houvesse acaso, ou seja, regulamos nossas crenças da forma descrita conhecemos um poder, conhecemos a exata circunstância na causa que a capacita a produzir o efeito, pois estes, supõe-se,
acima.[4] não passam de sinônimos. Temos portanto de conhecer tanto a causa quanto o efeito, bem como a relação entre eles. Mas
alegaremos porventura estar familiarizados com a natureza da alma humana e com a natureza de uma idéia, ou com a
capacidade que tem uma de produzir a outra? [...] Tudo o que experimentamos é a ocorrência do resultado – a saber, a
presença de uma idéia – seguindo-se à ordem da vontade; mas a maneira pela qual se realiza essa operação, o poder pelo
7. Da idéia de conexão necessária. [volta ao índice] qual ela se produz, isso está completamente além de nossa compreensão.”

Parte 1 b) [18] (Argumento formalmente análogo a (2).) Se percebêssemos o poder que a mente tem sobre as idéias,
saberíamos, anteriormente a qualquer experiência, que ele é limitado, bem como quais são seus limites.
[1-2] Hume inicia apontando as vantagens e desvantagens relativas das “ciências matemáticas” e das “ciências morais”. A
principal dificuldade das primeiras é a “extensão das inferências” requeridas para que se chegue às conclusões; a das c) [19-20] O comando da mente sobre as idéias é variável, segundo a condição de saúde, a hora do dia etc. “Podemos
segundas é a “obscuridade das idéias” e a conseqüente “ambigüidade dos termos.” dar alguma razão para essas variações exceto a experiência? Onde, então, está esse poder do qual alegamos estar
conscientes? Não haveria aqui, seja na substância material, seja na espiritual, ou em ambas, algum secreto mecanismo ou
[3] Dado que nas ciências morais não há idéias “mais obscuras e incertas do que as de poder, força, energia ou conexão estrutura de componentes de que o efeito depende e que, sendo-nos inteiramente desconhecido, torna igualmente
necessária”, Hume tentará nesta seção “fixar, se possível, o significado desses termos”. desconhecido e incompreensível o poder ou energia da vontade?”

[4-5] Após expor novamente a proposta da seção 2, ou seja, esclarecer as idéias pela apresentação das impressões que lhes [21] Os homens do povo nunca se admiram das operações ordinárias da Natureza; são apenas os fenômenos incomuns que
deram origem, Hume lança-se na busca de impressões das quais poderia derivar a idéia de conexão necessária. os deixam perplexos, levando-os a imaginar certos princípios ocultos como sendo suas causas. Os filósofos, porém, percebem
que a “energia da causa” dos eventos mais comuns é tão ininteligível quanto a dos extraordinários, e que “apenas aprendemos,
[6-8] A primeira fonte possível dessa idéia são os “objetos externos”. “Quando olhamos para os objetos ao nosso redor e pela experiência, a Conjunção freqüente dos objetos, sem jamais sermos capazes de compreender algo como a Conexão entre
consideramos a operação das causas, jamais somos capazes de identificar, em um único caso singular, qualquer poder ou eles.” É por isso que vários filósofos conceberam teorias curiosas sobre as operações das causas em geral. Hume examina,
conexão necessária, qualquer qualidade que ligue o efeito à causa e torne o primeiro uma conseqüência infalível da segunda. em especial, o ocasionalismo de Malebranche e alguns de seus desdobramentos. Segundo essa doutrina, a fonte exclusiva e
Descobrimos apenas que, de fato, o efeito se segue efetivamente à causa. O impulso da primeira bola de bilhar é imediata de todo o poder é Deus; nem os corpos nem os espíritos criados são capazes de produzir coisa alguma.
acompanhado do movimento da segunda, e isto é tudo o que aparece a nossos sentidos externos. [...] Jamais podemos
conjeturar qual efeito resultará de um objeto quando ele nos aparece pela primeira vez. Ora, se o poder ou energia de uma [22-23] Após notar que, ironicamente, os defensores de tal sistema acabam rebaixando a Divindade, ao invés de realçá-la,
causa qualquer fosse discernível pela mente, seríamos capazes de prever o efeito mesmo sem nenhuma experiência, e Hume apresenta duas objeções filosóficas.
poderíamos desde o primeiro momento pronunciarmo-nos sobre ele com segurança pelo simples recurso ao pensamento e
raciocínio.” [24] Primeiro, ao transcender completamente a esfera da experiência, esse sistema transporta-nos a uma “terra de fadas”,
onde os métodos argumentativos usuais perdem toda aplicação.
[9] Como as operações dos objetos externos não podem, em casos particulares, fornecer-nos nenhuma idéia de poder ou
conexão necessária, Hume passa a examinar se tal idéia proviria das “operações de nossas próprias mentes”, que podem ser [25] Depois, inquirindo sobre a origem da idéia de Deus, conclui que, não provindo ela senão da reflexão sobre nossas próprias
de dois tipos: a ação da vontade sobre os órgãos corporais e sobre as próprias idéias. “Alguém poderia dizer que estamos a faculdades, somos obrigados a confessar, em vista do que já foi estabelecido, que não conhecemos o poder do Ser Supremo.
todo instante conscientes de um poder interno, ao sentirmos que, por um simples comando de nossa vontade, podemos mover Portanto, se nossa ignorância acerca de algo fosse uma boa razão para rejeitá-lo, como argumentam os ocasionalistas quanto
os órgãos de nosso corpo ou direcionar as faculdades de nosso espírito.” Hume replica, fornecendo, em cada caso, três ao poder dos corpos e das almas, teríamos que rejeitar igualmente que Deus possua algum poder.
argumentos contra a possibilidade de derivar dessa fonte a idéia de conexão necessária.
Parte 2
[10] Caso 1: ação da vontade sobre o corpo. É inegável que a vontade tem uma influência sobre os movimentos corporais. A
experiência nos informa que tais e tais vontades se fazem acompanhar por tais e tais movimentos. “Mas os meios pelos qual [30] O conteúdo principal dessa parte é bem resumido pelo próprio Hume no parágrafo final: “Em todos os casos isolados de
isto se realiza, a energia pela qual a vontade executa uma operação tão extraordinária, disso estamos tão longe de ter uma operação de corpos ou mentes, não há nada que produza qualquer impressão, e, conseqüentemente, nada que possa sugerir
consciência imediata que é de se supor que deve para sempre escapar às nossas mais diligentes investigações.” Isso porque: qualquer idéia de poder ou de conexão necessária. Mas quando uma grande quantidade de casos uniformes se apresenta, e o
mesmo objeto é seguido sempre pelo mesmo resultado, a noção de causa e de conexão começa a surgir à nossa
[11] “Se percebêssemos pela consciência algum poder ou energia na vontade, deveríamos conhecer esse poder, consideração. Experimentamos [feel] então um novo sentimento [sentiment] ou impressão, a saber, uma conexão habitual, no
deveríamos conhecer sua conexão com o efeito, deveríamos conhecer a união secreta da alma e do corpo e a natureza dessas pensamento ou imaginação, entre um objeto e seu acompanhante usual, e é esse sentimento que constitui o original que
duas substâncias que torna uma delas capaz de operar sobre a outra em um número tão grande de casos.” Mas isso está estamos buscando para aquela idéia. Pois, dado que essa idéia se produz a partir de um certo número de casos semelhantes e
completamente fora de nosso alcance. não a partir de qualquer um dos casos tomado isoladamente, ela deve ter origem naquela particularidade que faz com que uma
[12-13] Nem todos os órgãos do corpo podem ser movidos pela vontade. Se estivéssemos conscientes do poder que multiplicidade de casos se distinga de cada um dos casos individuais. Mas essa conexão habitual ou transição da imaginação é
a mente tem sobre o corpo, esse fato não nos seria inexplicável, como o é. “Perceberíamos então, independentemente da a única circunstância que os distingue: em todos os outros aspectos são semelhantes. O primeiro caso que observamos de
experiência, por que a autoridade da vontade sobre o órgão do corpo está circunscrita a esses particulares limites.” Além disso, movimento transmitido pelo choque de duas bolas de bilhar (para retomar esta ilustração óbvia) é exatamente igual a qualquer
as pessoas amputadas ou afetadas por paralisias saberiam, antes de tentar, que não mais possuem o poder de mover seus outro caso que nos venha a ser apresentado neste momento, com a única diferença que, na primeira vez, não éramos capazes
membros. de inferir um acontecimento de outro, e agora, após uma longa sucessão de experiências uniformes, podemos fazê-lo.”
[14-15] Finalmente, a “anatomia” nos mostra que, nos movimentos voluntários, o objeto imediato do poder não são os
membros movidos, mas os músculos, nervos, espíritos animais ou algo ainda mais desconhecido. “Mas se o poder original Vejamos agora alguns outros pontos, começando por uma famosa passagem do parágrafo 28 (grifei):
[sobre os movimentos dos membros] fosse sentido, ele teria de ser conhecido, e se fosse conhecido seu efeito também teria de
sê-lo, dado que todo poder é relativo a seu efeito. E vice-versa: se o efeito não é conhecido, o poder não pode ser conhecido, [28] “Quando dizemos, portanto, que um objeto está conectado a outro, queremos apenas dizer que eles adquiriram uma
nem sentido. Como, na verdade, podemos estar conscientes do poder de mover nossos membros se não temos tal poder, mas conexão em nosso pensamento, e dão origem a essa inferência pela qual se tornam provas da existência um do outro; uma
apenas o de mover certos espíritos animais que, embora produzam ao fim e ao cabo o movimento de nossos membros, conclusão um tanto extraordinária mas que parece fundamentada em suficiente evidência.” O que Hume diz aqui e em outros
operam não obstante de uma maneira que está totalmente fora do alcance de nossa compreensão?” trechos semelhantes, especialmente no Tratado, foi tradicionalmente apontado como evidência a favor da tese de que ele
considerava sem sentido afirmar a existência de poderes nos corpos. No entanto, essa interpretação tem sido questionada,
com base em outras passagens. Vejamos, por exemplo, este trecho da nota ao parágrafo 30:
[30, nota] “Quanto ao freqüente uso das palavras ‘força’, ‘poder’, ‘energia’ etc., que ocorrem por toda parte tanto na
conversação ordinária como na filosofia, isso não constitui uma prova de que estejamos familiarizados, em algum caso, com o
princípio de conexão entre causa e efeito, ou de que uma explicação conclusiva da produção de uma coisa por outra esteja ao
nosso alcance. Essas palavras, tais como comumente empregadas, têm um significado muito vago, e as idéias a elas
associadas são muito incertas e confusas.” Nosso destaque salienta que Hume admite que aqueles termos possuem algum
sentido, quando ordinariamente os empregamos de forma realista, para designar poderes existentes nos corpos ou nas almas,
mas que esse sentido é confuso, porque “não temos nenhuma idéia dessa conexão, nem uma noção distinta do que é que
desejamos saber quando nos esforçamos para concebê-la” [29].

[29] Nesse parágrafo aparecem as duas controversas definições humeanas de causa (destaques no original):“Nossos
pensamentos e investigações estão, portanto, ocupados a todo instante com essa relação [de causa e efeito]. E, contudo, tão
imperfeitas são as idéias que fazemos dela que é impossível fornecer uma definição exata de causa, salvo as que provêm de
algo que lhe é extrínseco e alheio. Objetos similares estão sempre conjugados a objetos similares; disso temos experiência.
Podemos, portanto, de forma apropriada a essa experiência, definir uma causa como sendo um objeto, seguido de outro, tal
que todos os objetos similares ao primeiro são seguidos de objetos similares ao segundo. Ou, em outras palavras, tal que, se o
primeiro objeto não existisse, o segundo jamais teria existido.[5] O aparecimento de uma causa sempre conduz a mente,
mediante uma transição habitual, à idéia do efeito; disso também temos experiência. De forma apropriada a essa experiência
podemos, portanto, formular uma outra definição de causa, e chamá-la um objeto seguido de outro, e cujo aparecimento
sempre conduz o pensamento àquele outro. Mas embora ambas essas definições tenham sido extraídas de circunstâncias
estranhas à causa, não podemos remediar essa inconveniência nem obter uma definição mais perfeita que possa apontar
aquela circunstância na causa que lhe atribui uma conexão com seu efeito. Não temos nenhuma idéia dessa conexão, nem
uma noção distinta do que é que desejamos saber quando nos esforçamos para concebê-la. Dizemos por exemplo que a
vibração desta corda é a causa deste particular som. Mas que queremos dizer com essa afirmação? Ou bem queremos dizer
que esta vibração é seguida por este som, e que todas a vibrações semelhantes têm sido seguidas por sons semelhantes; ou
bem que esta vibração é seguida por este som e que no momento em que a primeira aparece a mente antecipa os sentidos e
forma imediatamente a idéia do segundo. Podemos considerar a relação de causa e efeito sob qualquer dessas perspectivas,
mas, para além delas, não temos nenhuma idéia dessa relação.”

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