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O Romantismo e a Idéia de Nagao no Brasil (1830-1870) rnardo Ricupero Boro aT eae PS Ea & Ed A 3 Gj fe] ro fey eI a E ei rc} rs » a 1 cs rs ® Zz 5 4 D i} 3 Cy 2 ‘7 rs i 2 = 5a & ey A independéncia literaria incumbidos de pr cde que se vai esbosa 1o no viver do pox.” Jost oe ALENAR Em nossa vida intelectual, poucas vezes insistiu-se tanto na ne cessidade de afirmar-se a particularidade brasileira como durante © periodo de predominio das idéias rominticas. Nao por acaso. 0 ro mantismo brasileiro teve como cenario histérico os anos posterio- res independéncia, Assim, Nesse esforgo, os brasileiros encontraram no romantismo europeu = teagio & universalidade da Ilustracto, obcecado com as especifici dades nacionais — amplo repertério de referéncias para a busca da sua emancipagao mental, (Os homens de letras de entio encaram a busca da autonomia cultural como um desafio que se apresenta em diferentes trentes. Como diz Benedito Nunes: “pode-se afirmar que os romain ram a historiografia literaria no Brasil, 20 mesmo tempo que a histo- riografialiteraria, impregnada pela mesma ideologia com a qual a his- toriografia nacional apoiava a nascente monarquia, criow a dando origem a identidade brasileira que @ legit jeratura, nava"t. Ou melhor. 1. Benecito Nunes, “The Lierany Mstovigraphy of Bs tongs op. vi, poA2 ln Gonzales Echoes « Pypo Wale 86 Bernardo Ricupero Mais ainda, é apenas devido a presenga da nacao como referén- cia que se pode, no periodo posterior a independéncia, desejar criar iteratura € historiografia brasileiras. Concomitantemente € coinci- indo com o que ocorre na época na Europa no dominio da cultura, em que se assiste 2 passagem do predominio das idéias das luzes para as romanticas, se passari a contar com o instrumental intelec tual mais favordvel ao estabelecimento da literatura e historiografia nacionais, No caso da literatura brasileira, © que foi produzido anteriormen- te passa praticamente a adquirir sentido em retrospecto, devido, em grande parte, ao empenho dos rominticos em estabelecer um cino- ne nacional. Ou methor, antes dos rominticos havia literatura pro- duzida por escritores nascidos no Brasil, mas nao propriamente teratura brasileira como algo consciente, Por outro lado, tal como mostra Antonio Candido, para que a literatura venha a existir como jstema, € preciso que haja produtores e consumidores literérios que utilizem a mesma linguagem’, 0 que prescinde da vontade de certos intelectuais, sejam eles romanticos ou ndo. Esse processo de forma. da literatura brasileira, como da propria nagao brasileira, na ver- dade antecipa e continua a obra dos romanticas. Curiosamente, porém, tanto a critica literéria como a historio- grafia romantica brasileiras sio fundadas por estrangeiros: 0 fran- és Ferdinand Denis, os ingleses Robert Southey e John Armitage, ¢ © bavaro Karl Friedrich Phillip von Martius’. Ou seja, ironicamente, ‘0 movimento literirio que mais insiste na autonomia de nossa vida intelectual ndo é iniciado por brasileiros’, Martius parece mesmo ter roma consciéncia do desconforto que a que, na apresentagao de seu Como se deve escrever a hi sil, diz reconhecer que “muito longe estou eu de me ro dos ilustres literatos brasileiros habilitados para preencherem as vistas do Instituto”, As relacdes de Denis com o Brasil sto, por sua vez. ticaga clara de que, apesar da independéncia, continua-se a buscar legit ‘macio cultural fora do pats. O francés foi durante a maior parte da vida Conservador e Administrador da Bil em Paris, tendo residido no Brasil por trés anos, entre 1816 1819 Passou, a partir dai, a ser procurado, principalmente por brasiiciros, como especialista em nossas coisas, u avant la lettre. O fato de ser europeu s6 pode ter ajud reputagio de erudite’ De qualquer forma, Denis, em 1826, quate dependéncia, propée com seu Restumé de | sugal, suivi du resumé de Ubistoire linéra que nos anos seguintes preocupa ros: a necessicade de realizar 10s depois da in. istotre litt@raire du Por re du Brésil, 0 problema quase tados os intelectuais bra- independéncia literiria do Brasil, Ji aparece, portanto, no trabalho pioneiro de Denis 0 tema recor- rente de nosso romantismo: A literatura teria que procurar ser original, rejeitando os 05, que nao estariam “de acordo nem com o cli tureza, nem com as tradig&x ios gre- nem €or locais, Além do mais, 0s povos exter- minados pelos europeus poderiam fornecer ins soba forma de Fabulas misteriosas e poéti 88 Bernardo Ricupero 0 romantion wa iia do Mas mesmo antes da realizacao desse programa, que ainda era basicamente uma potencialidade, o bibliotecdrio parisiense assinala que © proceso de autonomizacao de nossa literatura ja se teria ini- Giado, intensificando-se a panir do século XVIIL. Entre os escritores desse século, destaca José Basilio da Gama e José de Santa Rita Du. | io, uma vez que em seus poemas épicos com temitica indianista, © Uraguaie Caramurn ja se s heiro, como 0 guerreiro das margens sonhador, como o am sim, a epigea- idas quanto as suas intengdes: “tudo pelo fe da revista nto deixa © para o Bra Mas mesmo que publicada fora do pais, a Niterdi encontra, no momento de sua aparicio, cor y le das iniciativas pioneiras e isoladas de literatos estrangeiros em fa vor de nossa emancipagaio mental. Em 1831, o primeiro imperador do Brasil, o portugués Dom Pedro I, fora obrigado a abdicar. A opo- sigio a Dom Peclro I tinha sido impulsionada pelo que foi pereebicio 10 as tendéncias absolutistas do monarca, apoiadas por si ritariamente lu aléin do mais, a sus. peita de que, com a morte de seu pai, Dom Joao VI, 0 imperados, O negro, de viva imaginacao, deixar-se-ia levar pelo sobrenatural; 0 portugues, orgulhoso por pertencer & raga dos dominadores, criaria novas tra, dicoes, ao mesmo tempo que conservaria as antigas; enquanto o in- digena buscaria, quase que por instinto, a liberdade. J4 0 mulato, fru to do cruzamento do africano com o portugues, lembraria 0 arabe. tanto na cor como no comportamento, arrebatado, Denis elege as guerras holandesas como momento decisive em que afloram as diferentes qualidades das racas que formam 0 Bras © portugués Fernandes Vieira seria um exemplo de heroismo cava. theiresco’, o negro Henrique Dias, de bravura impetuosa, o indio Ca- mario, de coragem temivel, € mesmo 0 mulato Calabar, se nao fosse ‘um traidor, seria admiravel por sua perseverana O introdutor do romantismo em Portugal, Almeida Garrett, € ou- {ro a insistir na necessidade da autonomia da literatura produzida no Brasil, No seu Parnaso Lusitano, também publicado na Franca em 1826, lamenta que nos poetas brasileiros “a educacio europeia apa- gou-thes o espirito nacional”, parecendo até que receiam “se mos trar americanos™. Como Denis, considera que estariam indicadas Sade sertra 9963, p80. ‘er Artin Sates roa “A 8 id, p38 5. Vier na verdad, er mult, seu “o 10. Almeida Gare estar ds le Cea op 0p ranquecmentosendo uma dia opera ideo, fm Poragl eno Bras er mado do scala Xi ‘mi Paulista de Les, 1978. 258 ido com a politica portuguesa, desejasse suce- dé-lo no trono da antiga metrépole. Conseqiientemente, considera- ase que a independencia do Brasil corria perigo. Ainda mais grave, portugueses continuavam a controlar a maior parte do comércio brasileiro, o que, numa situacio de desabasteci. ‘mento, estimulava sentimentos antilusitanos. Nesse quadro, 4 noticia de que 0 rei da Franca, Carlos X, tinha sido deposto por uma revoh a0 liberal, propagou-se rapidamente pelo Rio de Janeiro, criando ambiente favorivel a abdicagio de Dom Pedro I, ocortida finalmente 7 de abril de 1831 entre “marinheiros” € “cabras’, Refletindo essas desavencas, as coisas brasileiras passaram a ser valorizadas como reagio as portuguesas" cidos no periodo da vinda da familia real portuguesa para o Rio cle Janeiro ~ Magalhites em 1811, Torres Homem em 1812 e Por to alegre umn pouco antes, em 1806 -, 0s introdutores do romantis- mo no Brasil nao deixaram de ser fortemente influenciados por esse ima de opiniao”. Alguns dos protetores desses mocos sem fortu- na, como o livreiro e jornalista Evaristo da Veiga e o grande orador capuchinho, frei Francisco de Monte Alverne, estiveram, além do mais, diretamente envolvidos na campanha contra Dom Pedro Mas além de reagirem a0 antigo dominio lusitano, os fluminen- lagalhaes e Torres Homem e © rio-grandense Porto alegre. des- de 1827 no Rio de Janeiro, saberdo, ainda bastante jovens, estabele- cer, no acanhado ambiente da Cone bragantina, relagoes que 05 darto no restante ds vida e da carreira®, Essas relagdes poderiam desenvolver-se em diferentes lugares, como na Academia Imperial 13. Ver Paul aera de Cast, ° os 14. Aspiras a Monte Alera promuncias ni 1824 um send, ce gran tos de mondo pon 15, Barita da eign chou ceirament ors ale Totes Home a rlizago de a iia de Bras! 91 de Belas Antes, ponto de efervescéncia cultural da capi tada pelos trés € onde 0 pintor rio-grandense iniciou ci tite Debret 0 aptendizado de seu oficio: no Colégio Méc co da Santa Casa, em que estucdaram os flu minario Episcopal de Sao José, onde Ma; losofia ministradas por Monte Alverne frequen- Jean Bap- o-Cinting ainda no Se- jnenses; 01 Ihdes assistia as aulas de nhecerao franceses e portugueses Eugene Gray de Monglave, Almeida Garrett e maries®. Através de Monglave, secretirio perpétuo do Inst torico de Paris (HP), os mogos se tornario sécios do THP. As rel com 0 Instituto, a partir dai, serao bastante frutiferas; 47 bra inclusive Dom Pedro Il, chegaro a participar, entre 1834-50, da agre- miagao". Mais importante, 0 IHP servira de modelo para o In Hist6rico © Geogrifico Brasileiro, fundado pouco depois a esses jovens, “rodeado de tantos monumentos, de coisas raras, de tantos professores™, Paris representa principalmen: te a oportunidade de entrar em contato com as novas idéias euro- éias”, Por outro lado, © encontro com essas idé ies e Torres Homem, adidos na legagio brasileira em Paris, Terao atritos com seu chefe, Luis Moutinho, que os levars afastamento da carreira diplomatica®, o que também acarretara o fim da revista Nitersi, apenas em seu segund Apesar do fascinio com a cultura européia, com os editores, “o amor do pais, e o desejo de ser t 0, de acordo 10S SUS ¢ ‘b. Deis, Monglve #0 Bra oo ai entang 2 reagae expel dope corso HE, ns et 1a, dae cltcise dae. alge Magalies bain reid mt 20. Magahies var, ra nde ater dp 92 Bernardo Riewpero cidada0s", 0 que teria levado a cri dos estudos sobre economia politi as artes, Na verdade, a edo da revista, Nela so publica- ,ciéncias, literatura nacional © iterdi insere-se num quadro maior de publi cagdes, que, antes € depois dela, procurardo usar a cultura com ob- jetivos priticos, de promogio do progresso material, Ou seja, nesse tipo de revista a motivacio mais puramente literaria esté subordina da a outras consideracdes, de natureza principalmente politic A inspiraco principal dos trabathos desses desterrados vira do onde se encontram., Os autores mais lidos por nossos prime ros romianticos serio escritores, como Madame de Stael, Chateat: briand, Benjamin Constant, Lamartine, Victor Hugo, economistas politicos, como Jean Baptiste Say, e fil6sofos, como Royer-Collard © Victor Cousin’ A idéia principal da Niterdié que, depois de realizada a inde- pendencia politica, deve-se recuperar o terreno que nos separa de ‘outros povos, “mais adiantados”, Ou seja, & a concepgao de “nacio nova” que inspira a maior parte dos artigos publicados na Revista Brasiliense*. Como pais novo, 6 Brasil precisaria realizar progressos 1nos mais diferentes campos, dit economia as artes, passando pelas igncias, que nos aproximassem da “civilizacdo". A nova escola ro- mintica ensinava, contudo, que a civilizacio nao seria sempre a mes- ima, apresentando caracteristicas variadas em diferentes paises, Portan- to, deveriamos ser civilizados, mas 4 nossa manera. desenvolvendo uma cultura propria. 0s antigos de economia politica da Niterdi defendem um progra- ma liberal, favorével ao livre-comércio, incentivos agricultura, o equilibrio fiscal o fim da escravidao". O mulato Torres Homem che- 2 a escrever um dos primeiros trabalhos brasileiros contra a escrat tn. 1 ep. 2inds pouco consdernel, enacene pt ‘mem, “Credo Pablen".in Nerd m1 tase produto. doe nem p= a, 39 propredads res « labora por conseuine em uma convadica0 qe tarde oo {eo de aaa 963 stot una do Estado, Sea sabedra do govern, 30 aco ds mo wat sda de maya no Br vidio.” Baseia seu argumento na andlise comparativa dos ef trabalho servil em diferentes sociedades - Roma holandesa do Cabo da Boa Esperanca, os Estados Unidos ea Amé- rica espanhola ~ discutindo o Brasil apenas nas tiltimas nas do artigo. A idéia principal de “Consideragdes econdmicas sobre aescravatura” € que a escravidio teria um efeito deletério, favorecen- do atitude contritia a0 espirito de iniciativa, de desc industrial e a inovagio, ao mesmo tempo que estim empregos piiblicos. Além do mais, nto haveria maiores estimulos para que imigrantes se interessassem em vir para paises onde pre escravidio, Economicamente, como capital fixo, o trabalho ser pouco produtivo. Apoiando-se em Gustave de Beaumont © Aléxis de Torres Hamem considera que 0s Estados Unidos, dividiclos entre 0 sul escravista e 0 norte livre, ofereceriam exemplo notivel dos re tados da adogao de uma ou outra forma de trabalho. Em poucas pa- lavras, 0 norte seria industrioso € préspero. o Quanto ao Brasil, nota acuradamente um divéreio entre “o Brasil co € © Brasil industrial”. No primeiro Brasil, que ot chamardo de pais legal, os progressos, beneficiados pel ropeu, teriam, em poucos anos, sido consideriveis. O “desenvolvimen- to industrial porém foi retardado pelo monstruoso corpo estranho im plantado no coragio de suia organizagao social, A posse de escravos nos tem evidentemente impedido de trilhar a carreira da indistria ‘Além dos maleficios jt aludidos, a escravickio, ao desestimular o espi- rito de iniciativa, favoreceria no pais 0 “ministerial = depois dos se mio spat sn prevent uno thu deprive caso” EduocS0 in Wren ot pp. 1336 134). A-Taunty om conta age 3 enact Soro un oe poss pont de epranglament a gratia br ‘efstrearo aguearim a sso Pal, ano Mace 3s Conse. 388; Raymond. Saves, safes Crane, 1988 cea ecru in 94 Bernardo Ricupero Apesar de pouco desenvolvidas, as consideragdes de Torres Ho- mem sobre o Brasil sao bastante agudas. O irénico, porém, é como sua propria trajetéria politica posterior vird a confirmar seus comen. titios, principalmente a respeito do “ministe sugere que, na primeira metade do sé lidar com a sociedade escravista brasileira colocavam-se para além da apreensio do modo de set funcionamento por parte de individuos particulares. Numa sociedade voltada quase toda ela para a exportagiio de mercadorias trabalhadas pelo braco escravo, poucos podiam ques- ‘ionar a instituicao servil. Mesmo os sams-culottes brasileiros, discuti- dos por Emilia Viotti da Costa, artesios e lojistas oriundos dos ni- cleos urbanos, principalmente do Rio de Janeiro, que cultivaram idéias radicais nos anos imediatamente posteriores a independéncia © poderiam ter certa afinidade com o grupo que editou a revista NE ters", logo desapareceram como resultado da imundagao de merca- dorias importadas. Ou seja, a critica radical a sociedade imperial en- contrava na prdpria sociedacte imperial limites significativos. Assim, © programa modernizador elaborado pelos articulistas da Niteréi, em Paris, estava praticamente destinado a desaparecer em contato com 0 acanhado meio bras No campo mais propriamente literdrio, o lider inconteste do gru: po, Magalhles”, apresentara, no primeiro ntimero da revista, uma es- pécie de manifesto do romantismo brasileiro, © "Ensaio sobre a His- toria da Literatura no Brasil”. Influenciado por Madame de Stael ¢ Vietor Cousin, baseard sua argumentacio na idéia de que “cada povo 28, Depo de Nacional Cinco anos depois. sus crema pita ange pce. sua 18 Freeda, Os sea, em menor de de anos Taro amorsearse em veconde de "28 Sobre Magalies ver Roque ‘sducatva do romans b 70,530 Faso © romantims ee tem sua literatura, como cada homem o seu cariter, cada drvore o seu fruto”®. Logo a seguir, porém, reconhecerd que “esta verdade, que para 0s primitivos povos é incontestével, € absoluta, toda modificagao experimenta entre aqueles cuja civilizagdo € Givilizagio de outro povo™. Mais especificamente, a literatura grega seria origi rendo o mesmo com as literaturas européias contempor da muito inlluenciada pelos modelos em Portugal e na Franga, o que no pensar de povos leiro, até ha pouco subjugados pelo dominio de um: Pode-se, portanto, considerar que a discussio sobre cul xas, que tanto marcari o pensamento brasileiro, inicia-se no ‘momento que comeca a critica literaria bra Baseado na concepgio de que cada época € povo possu espirito que sintetiza os diferentes elementos presentes nos dos contextos histbricos e sociais, fururo visconde de Ar remo dar essa situaco, até porque “marchar para uma nacao € en) decer-se, é desenvolver todos os elementos da ci jd que, até ha pouco, nao possufamos verd a poesia brasileira nao sendo nem mesmo izada; ¢ uma grega vestida & francesa © & portuguesa, e ¢ no Brasil, (...) Enfeitigados por esse nume sedutor, por essa bela es- trangeira, os poetas brasileiros se deixaram leva olvidaram as simples imagens que uma natureza virgem co profusio Ihes oferecia™: Como se nao bastassem as referén Lodion e Ismeno, logo a seguir a critica de 40 neoclassicismo fica ainda mais clara: “ora tio grande foi a in- fluéncia que sobre o génio brasileito exerceu a grega mitologia, tans portada pelos poetas portugueses, que muitas vezes poetas brasilel- 3. Mages. op: tp. 132. ‘os em pastores se metamorfoseiam € vio apasentar seu rebanho nas ‘margens do Tejo, € cantar a sombra da fain". O amor de Suspiros poéticos e saudades pergunta depois se “pode © Brasil inspirar a imaginagao dos poetas?”. Ligada a essa questao, aparece outta: “e os seus indigenas cultivaram porventura a poesia?" Conclui, como jt havia feito Denis, que um meio como o brasileiro, com to exuberante natureza, 86 pode inspirar os poetas. Os primei- tos habitantes do Brasil seriam, portanto, poetas ja 20 nascer. Maga- Indes considera mesmo que se se conhecessem os canticos indigenas, cles certamente influenciariam a poesia brasileira, da mesma forma que pretenso bardo celta Ossian influenciou a poesia européia Ou seja, o autor de “Ensaio sobre a historia da literatura brasi- leira” sustenta que, diferentemente dos indios, os cultores do neo classicismo, apegados aos modelos da Antiguidade, sto incapazes de captar os sentimentos que brotam de uma realidade tinica como a brasileira. Fundamentalmente estrangeira, nao seria a escola literi- ria mais adequada a condigao independente do pais. Em contras- te, uma das maiores preocupagdes do romantismo era, como vimos, expressar a panticularidade da experiéncia de diferentes grupos hu: ‘manos ¢, mais especificamente, daqueles que, hi pouco, tinham pas- sado a ser conhecidos como nagdes, Portanto, Magalies sugere que o romantismo seria a arte mais adequada & nova situacao po- Iitica do Brasil, devendo, com tal finalidade, recuperar a exper dos nativas com a terra ‘Como resume Amora, a argumentacio de Magalhaes contra a imitacdo e em favor de que a literatura brasileira apreenda a nossa particularidade, baseia-se em trés elementos reveladores da origi- nalidade do pais: o céu, ou seja, a natureza, o indio e 0 genio cria dor”. Magalhaes, seguindo os pasos de Denis, estabelece, assim, os, fundamentos do romantismo brasileiro: o meio, representado por uma natureza exuberante, habitado pelo indio, portador da singu- laridade brasileira, devendo seus significados serem apreendicos pela especial sensibilidade do artista A nova revista lteriria, Minerva Brasiliense, que surge, ja no Rio de Janeiro, em 1843, continua o programa proposto pelo autor de 35, bid p17. 36 the, p 188 tia de nase no Bras 97 Suspiros poéticos e saudades, Facilita esse desenvolvimento a part pagdo na “associagao de literatos”, que a publica, de muitos dos meiros romanticos brasileiros, como Torres Homem ¢ Pereira dat va. Mas também se incorporario a revista novos nomes, como 0 chi Jeno Santiago Nunes Ribeiro, Joaquim Norberto Sousa ¢ Si francés Emilio Adet De qualquer forma, a Minerva Brasiliense manteri a mesma dem de preocupagdes da Niteréi, tratando de temas literdrios, po! cos, filos6ficos e de costumes*, alén de publicar poemas € romances, ‘A partir de seu segundo ano, entretanto, quando Nunes Ribei titui Torres Homem como redator, a revista procurara ati blico mais amplo, assumindo um tom mais leve para atrair 0 “belo negociantes € fazendeiros™”. Apesar de seus esforcos, a Mr nerva Brasiliense desaparecera ji em 1845, Duas questées, que nio deixam de estar relacionadas, merece- Flo especial atengao na revista: a modernizacao do pais € o estatuto da literatura brasileira, Jé no primeiro ntimero da Minerva Bra seficam claras suas intengbes modernizadoras, Com culo atual", em que se narram os avancos electuais & antsticos do século XIX, Depois de falas da imprensa, terrovias, ‘quinas ¢ navio a vapor, dos progressos do governo representa politica, da nova escola romantica, o futuro visconde d n pesgunta, cheio de admirac3o: “quem pode prever até donde irto os resultados da perfectibilidade da espécie humana?” ‘Nos ntimeros seguintes aparece uma série de artigos sobr. cago, entre os quais se destaca 0 "Sera a edt vantajosa as classes infetiores?”, tis-homens, com a educagio “nds aumentamos suas Faculdacles; nés 6s fazemos stiditos mais respeitiveis e mais tteis™ esa Brastinge 133, 4. "lho, "Sea educagio necersina ou vantnora 3 ls vn tien Sas 98. Bersato Ricupero nheiro Ferreira discutirao especificamente a colonizagao e se publi- card 0 “Projeto de regulamento da Companhia Belgo-Brasileira de colonizagao™., Torres Homem considerari mesmo que a colonizagao a questao mais vital, a mais transcendente, a mais diretamente li- gada com a prosperidade material do Brasil”, ji que uma grave cr se deveria suceder ao inevitavel fim do trilico de escravos. Conse- qhentemente, ter-se-ia que preparar a transicao da “indstria servil” para a “industria livre”, apesar de muitos preferirem ndo ver 0 ébvio. Serio, entretanto, os artigos sobre literatura brasileira os que mais chamario a atenclo na Minerva Brasiliense. Eles discutirio ques: tes como a literatura no Brasil durante © século XVI, a existéncia ou nao de uma literatura € de um drama brasileiros e outros temas, de alguma forma, conexos, como a nacionalidade da literatura, a si- tuacio da literatura argentina, etc. Joaquim Norberto periodiza a hist6ria da literatura brasileira, vVidindo-a em trés épocas. Repete a argumentagio de Denis e outros, sugerindo que, entre os indios brasileiros, encontrar-se-iam costumes correspondentes a nossos tempos primitivos, acredita que a guerra contra os holandeses equivaleria & Idade Média brasileira e afirma que a Independencia abriria uma nova época para as letras, com Goncalves de Magalhaes assumindo a posigao de “chef de uma re- volugio toda literaria”, Nunes Ribeiro, por sua vez, desenvolverd uma argumentago pr- pria para defender a tese de que existe literatura nacional no Brasil justificando a opinido de que com ele a nossa critica romantica atin- g¢ Seu ponto culminante. Apoiado em Hegel, que provavelmente conhecia por intermédio dos fi argumento na dis ‘ofos ecléticos franceses, baseia seu 1¢Ao entre influéncias externas e inspiragio. O ‘meio fisico (clima, terreno peculiares) ¢ © contexto social (insituigdes, costumes especificos) constituiriam a fonte principal das influéncias que, de fora, agiriam sobre os individuos €, especialmente, os artis- tas, modificando-thes a inspiracao. ago da itertra rae, Cowtinha, “O moniment amino, a ‘pc A raise stertunas, ce 0 romanuomo ea deta de nagdo no Bri! 93 © passo seguinte de Nunes Ribeiro € perguntar: se a natureza a sociedade coloniais eram to diferentes da metropolitana, nao de- veria o Brasil “ter sua indole especial, seu modo proprio de sent conceber?". Ou seja, existiria literatura brasileira porque existe 0 Brasil como natureza e sociedade distintas da portuguesa, mesmo que a lingua utilizada para expressar a nossa particularidade fosse legada pela antiga metropole. Portanto, diferentemente do que fendeu Magalhaes, “em vez de considerar a poesia do Brasil como uma bela estrangeira, uma virgem da terra helénica transportada 8s regides do novo mundo, nds diremos que ela € filha das florestas, ‘educada na velha Europa, onde a sua inspiracio nativa se desenvol ‘yeu com 6 estudo e a contemplacdo de ciéncia ¢ natureza estranha” Nem todos, porém, acolhem de maneira positiva as considera- goes do jovem critico. Em O Archivista sai artigo que acusa Nunes Ribeiro de anacronismo e de nao ter percebido que muitas das con- digdes sociais da coldnia eram as mesmas da metrSpole, até porque *o Brasil era colonia portuguesa, formada de portugueses, que para aqui transportaram seus penates, com a mesma religiio, debaixo das mesmas leis”. Santiago rebate & critica, perguntando “que impor ta que existissem todas essas causas que tendiam a identificar as teraturas dos dois paises, se o clima, as inspiragdes € 08 novos habi- tos que ele trazia ceviam necessariamente influir nos brasileiros” Isto &, mesmo que implicitamente reconhega que as instit muitos dos costumes portugueses € brasileiros eram similares duran- te a coldnia, insiste na diversidade do meio fluenciar a inspiragio dos poetas brasileiros, ‘Assim como ocorre com a Minerva Brasiliense, também sto. os ta Guanabara, Ponto alegre, © romancista € professor de historia e eografia do Pedro Il, Joaquim Manoel de Macedo, ¢ © poeta n publica a revista, A apresentagao da Guanabara deixa claro seu blico-alvo: “dedicado ao recreio das familias, 4 mocidade das esco- —_—_—_—__— 100 Bernardo Rieupero filosofo ¢ do estadista; pois, com a mistura de assuntos graves € obras amenas ¢ variadas, procurara satisfazer da melhor maneira que for possivel as curtas promessas que agora faz’ titulo, referéncia ao “nome primitivo da cidade, augusta rainha da América do Sul”, no deixa diividas quanto as intengdes pol cas da nova publicaca0. Ou melhor, como continuacao da acao da Corte portuguesa, 0 projeto de direcao saquarema, com a qual a re- vista Guanabara se identifica, pretende forjar, a partir do Rio de Ja- neifo, uma literatura que unifique as diferentes experiéncias € sen- sibilidades daqueles que tinham sido no passado colonos lusitanos espathados pela América Se nio bastassem essas indicagdes politicas, proclama-se expli citamente um pouco depois a “missio conservadora” da revista, em face da “época atual” € “dos acontecimentos recentes, ja prova- dos por nés em dias cakamitosos". A conclusio que se tira, depois dessa referéncia & Revolugao de 1848 na Franca e as revoltas suces sivas que se encerraram no Brasil com a Praieira, € que se “conven- ce 05 espiritos de que nada mais nos resta a experimentar, € que devemos concentrar today as nossas forgas para o desenvolvimento moral ¢ intelectual, tnica base de um seguro e permanente progres: exatamente 0 que 0 Partido Conservador propde fazer no cend- ‘io politico. Assim, apesar de haver continuidade entre a Guanaba- 7a, a Niterdie a Minerva Brasiliense, como inclusive € proclamtado na apresentacao da revista, ela surge num novo contexto, No fim da apresentacio, apesar do tom saint-simoniano, ficam claras as inten- ‘Gdes dos literatos: “basta de épocas criticas, (..) comecemos a nos- sa época orginica’ Na propria Guanabara, porém, aparecem vozes que podem ser consideradas dissonantes em relagao aos seus objetivos originais. O deputado liberal Joaquim Manoel de Macedo, por exemplo, num ar- tigo intitulado “Costumes campestres do Brasil”, afirma que “uma nagao nao tem nada em si de mais cambiante e de menos nacional do que a sua capital”’. Numa linha que antecipari os romances sei tanejos de José de Alencar, Bernardo Guimaries, Afonso de Taunay’ € 0 classico de Buclides da Cunha sobre Canudos, sugeriré que con- 49. Joaquim Manoel de Macedo, “Cones camps do tas Cuanabar, 18518925 1a 0 cosmopolitismo artifical da Cone, dever-se-ia buscar no interior 0 pais profundo Goncalves Dias vai ainda mais longe, na sua "Meditagao”, que € publicada anonimamente na revista em 1849, Escrito logo depois de sua volta de Coimbra, trés anos antes, esse € provavelmente © traba- Iho mais profundo sobre a escravidao aparecido na época. Num tom biblico, que lembra Lamennais, o poema em prosa desenvolve-se como didlogo entre um velho € um jovem ‘Como num sonho, o jovem fala de um grande império, onde vé rmilnares de homens ~ de fisionomias discordes, de cor varia, ¢ de ca- racteres diferentes, E esses homens formam circu dra produz. caindo nas aguas pl concéntricos, como 03 que & pe- Especifica depois: submissas & 2 puinhado F 08 que formam os circulas externos respeitosas, sio de cor preta:~ eos outros, que So cor lens, formando © centro de todos os elect de horis e arrogantes: ~ so de cor branca, E os homens de cor preta tém as maos presas em longas de ferro, cujos anéis vio de uns aos outros ~ etemos que passa de pais a filhos.” empreendimentos culturais do Impéric. nao sto, todavi fe “Meditag20" lagio com a Coroa, 0 que fica evidenciado quando a revista reapa- res da Guanabara agradecer 4 Voss (MD a nova ¥ que acaba de dar a esta humilde publicagao” ¢ “betiam as sagradas siditos figis € agra- reve Sousa, sobre nero. "on za pricipalment prc Pauling Somes de Sous sou 102 Bernardo Ricupere decidos", No entanto, apesar do apoio imperial, a Guanabara deixa no ano seguinte por esse breve relato da trajetoria da revista, publicada nna sua segunda fase principalmente devido aos esforgos de Porto alegre, Macedo, Joaquim Norberto e o cnego Joaquim Caetano Fer- nnandes Pinheiro, que a vacilacio é seu trago mais marcante, como & de toda primeira geracao romantica, Essa atitude toma forma no poema épico “Os Palmares’, de Joaquim Norberto". Nele, ao mesmo tempo que o escravo se revolta contra a “infernal senzala’, chora, saucloso, o antigo cativeiro Continuando a iniciativa de criar revistas literarias, surge, em 1859, a Revista Popular, que durara trés anos, Seus colaboradores se- Fo figuras conhecidas, cestacando-se, por sua assiduidade, nossos ja conhecidos Fernandes Pinheiro ¢ Joaquim Norberto. Como os perié- dicos anteriores, tratard de assuntos variados, como revela seu substitu lo, que informa que a revista € noticiosa, cientifica, industrial, histéri- a, lterdria, aristica, biogrilica, anedotica, musical, etc, ete. A Revista Popular procurara ser diverida, buscando, a0 mesmo tempo, educar. Tentard também atrair o pablico feminino, sendo as “filhas de Eva sagraciadas com artigos sobre costura, economia doméstica e moda. Mantendo a vinculacao com o Rio de Janeiro, presente desde a Nitersi, uma gravura da baia da Guanabara apareceré na capa da re- vista. Haver um grande ntimero de artigos traduzidos, mais inclu- sive do que nos outros empreendimentos editoriais rominticos, o que if reflete o inicio da decadéncia da escola literiria no Brasil. A Revis- ta Popular, ecltada nos primeiros anos de desgaste politico do Im- pétio, também se diferenciara das publicagoes anteriores, a0 insistir em seu cariter apartidario. Por fim, aparecerao nas suas paginas queixas contra a situagao co homem de letras: “nao tolera a atual situaco do pais que possa alguém exclusivamente consagrar-se as letras. A revista identifica nesse estado de coisas a causa principal do fracasso no pais de em- preendimentos editoriais como o seu. Ou seja, na poca em que aparece a Revista Popular, 08 intelectuais brasileiros ja demonstram ter certa consciéncia de sua situacao no interior da sociedade. No entanto, a maneira de se relacionarem com 0 entorno social conti- 52. Ver: Carli, Foenagao dnt Batic 5. Joaquir Norberto de Sous iba, “Os False in Cuanabaa, ct 54. Revita Popular 1261 tp 8 rnuari a ser de buscar a patronagem, tanto por parte dk ticulares como dos representantes do aparelho de Estado, zes, a8 mesimas pessoas. Como nas outras revistas roménticas, ha na Revista Popular at tigos sobre educagio e colonizacdo, o que também revela uma preo- cupacio modernizante. J. B. Calégeras € Fernandes Pinheiro, por ico & mais importante do que a jd que ela formaria homens de bem € nio sabichdes. Tra duzem-se artigos sobre a colonizagao de Charles Expilly ¢ Leonce ‘Aubé; 0 primeiro aponta para a nevessidade de estabelecer-se a li- berdade religiosa, a fim de que estrangeiros ndo-cat ser atraidos para o Brasil, enquanto © segundo nota mesmc predominio da grande propriedade no pais pocle dese: imigragao” “Também refletindo o fim do trifico de africanos, mas num outro tom, a “Cronica da Quinzena” narra 0 caso de um rrendo perpetrado por uma escrava alugada, nova pritica de trabalho ser- vil inaugurada a partir de 185 condica0, nao reconhecer xiado a senhora indefesa, Carlos, 0 cronista, apela para qu passe a regular esse tipo de contrato, evitando que escravo alugit- do realize atos ignominiosos como o relatado. Outra noticia, relacionada com o fim do trafico, naera a chegada a0 Rio de Janeiro de uma escuna portuguesa com © quidruplo de passageiros do que seria recomendavel imigrantes ter perecido na travessia do pela morte de tantas donzelas, que teriam ficado por casa vamente, a cronica intitula-se "Escrava imigragao para o Brasil n3o seguia exatamente as recomendacdes dos colaboradores estrangeiros da revista Contudo, os artigos de maior destaque s Macedo Soares, por exemplo, notario que, diante da preocupacio ‘ca do pais, ainda nao haveria muito espag —_>>_ 104 Bernardo Ricupers para as letras”, Entre os artigos sobre literatura brasileira, chama par- ticularmente a atengdo a série de Joaquim Norberto, que procura compor uma histéria de nossas letras. Apesar de Norberto nao ser um pensador de grande importincia, pois limita-se mais a reuni terpretagdes alheias do que a produzir suas prOprias, € o primeiro a esforgarse em narra, mais sistematicamente, 0 pasado da litera- tura brasileira, Portanto, além de seu proprio mérito, o trabalho do ctitico fluminense tem a vantagem de expressar o pensamento mé- dio de nossos romanticos* Na hist6ria da literatura brasileira de Norberto prevalece a ex tacao das coisas brasileiras, Em nossa exuberante natureza, ter-se ensaiado, pela primeira vez na América, a independéncia politica e 4 criagao de obras literirias. Os indios possuiriam viva imaginacao. lingua harmoniosa e lendas inspiradas. Os conquistadores portugue- ses, porém, quase que apenas reproduziam os modelos da mie-p: ttia, Mesmo assim, quase por descuido, teriam aparecido, entre eles, obras originais No esforco de periodizacao da histéria da literatura brasileira que pouco tinha avancado, 0 critico fluminense via, ico", publicado no inicio de suas Emulagdes podticas, de 1841, a presenca de seis Epocas: séculos XVI e XVI, que seriam marcados pela influéncia dos jesuitas; primeira metade do século XVIII, quando se assistiu ao aparecimento das primeiras sociedades lterarias © do embrido de uma literatura nacional; segunda metade « de 1822 em diante, quando, juntamente com a re- forma politica, teria aparecido a reforma das letras”. Mais especificamente, como ja havia assinalado anteriormente, a se dividiria em trés épocas principais: a antiga, a média € a moderna, A primeira seria anterior a chegada dos portu- Anta Jog cede 1s Tull, Meaning ard Con teat Quen Shinner and his Cites, 5, Santago Nunes Rei, an artigo a rs, ygamenta que 2 visio obedece mais Never delendese dcr, rar ante ta exagerado n> So como sss cess non a ida de nage no Bras produzir literatura propria no Brasil apesar do uso da lingua portu- guesa, Norberto coloca-se da lado daqueles que insistem na stutono- mia de nossas letras. De maneira que haveria uma toes refletiriam a realidade particular do pais. Se 0 grupo de literatos reunidos em torno de Goncalves de Ma. galhaes € amplamente dominante na cultura brasileira do segundo quartel do século XIX, a distincia maior ou menor do Rio revela-se um fator que f ura mais independent. cularmente entre 0s estudantes de direito da provinciana Sao apareceré a poesia ultras Azevedo, Aureliano José Lessa e Luis Nicolau Fagundes Vare icionista de Paula Eird, Nesses autores, estara dtica indianista e a preocupaca Forme o que ocorria com o Petit Cénacle francés, pode r desgosto com a pol a do momento”, Nos discussos do autor de “Macario", € possivel mesmo encontrar tintas radicais, aparecendo elogios as Revolugdes Francesas de 1789 ¢ 1830°. Cutiosamente, 0 pensamento politico do poeta, que se pode encontrar em a balhos dispersos, aproxima-o do romantisma argentino, Por exemp! alem de defender, a la Guizot, a “soberania da razao", prefere a sin tese de Leroux ao ecletismo de Cousin. No aspecto mais puramente lterario, a atitude de Alvares de Aze- vedo seri cosmopolita. Defenders eo.E preci Indepandinin das ead, que 0 ob Acragio dos eames Sri era priser ede forma na "upa nossa clase gene. Consequantemens rebels toe Fae com tes lose apenas romentnea ‘Mancel antag Alves de A (ao anersirin doe cusce ado na sess de nalagso {Sociedade Acactnica Emi o Texte que neem 3 hss ‘entsmo ct, 1am Almarsur Haddad acredta mesma que Avares de Azevedo tendo a ums ds inmeras sociedad eres que prolifera no Las de oF ale fe danga Si Paulo, smo dos estuaries de ry 106. Bernardo Ricupero tempos da coldnia, a literatura brasileira nao estava separada da por- tuguesa, jf que as instituigdes, costumes e linguas dos dois paises eram os mesmos*, Por vezes, contudo, assumiré postura mais na- cionalista, perguntando, “sem uma filosofia, sem uma poesia nacio- nal, como quereis uma nagio?", ¢ elogiard as realizacées americanas, da poesia de Goncalves Dias. De fato, estardo entre os jovens colaboradores da revista do En- saio Pilos6fico, associagao fundada, em 1850, pelo poeta morto aos 21 anos, alguns dos primeiros a questionarem a posigto de lideran- ga de Gongalves de Ma © principal colaborador da Revista Mensal do Ensaio Filoséfico sera Macedo Soares", O futuro ministro do Supremo Tribunal nota ‘mesmo que a maior parte da poesia indianista ¢ superficial, atendo- se mais a0 vocabulirio do que as idéias que animavam os primeiros hhabitantes da América, Indo mais longe, 0 jovem critico indica que a vida dos brasileiros atuais estaria muito distante da dos indios. Mes ‘mo assim, insiste na necessidade de se criar uma literatura nacional que deveria usar temas indigenas como se fossem uma cara recorda- cao. Antecipando, de certa forma, a tese de Machado de Assis, de que 0 mais importante na literatura nacional seria “certo sentimento intimo", nota que a grande vantagem da poesia de Gongalves Dias em relagao a de Magalhies, estaria na sua preferéncia pelo “senti- mento & descrigio™. Assim, 05 versos do escritor maranhense con- trastariam com a exterioridade e artificialidade da poesia do autor de Suspiros poéticos e saudades. No aspecto mais claramente politico, Macedo Soares, numa critica a0 poema “A Cativa’, de Bittencourt Sampaio, chega a afirmar que seria utépica a idéia de uma literatu- ra brasileita que no tratasse do problema do negeo De qualquer modo, no esforgo de dotar 0 Brasil de autonomia cultural, nossos primeiros romanticos nao se limitam a criar revistas, Entre outras iniciativas, também organizam antologias literarias, que 62. Ver Azevedo, Obs Rio rab a it oe Adaraldo Casella, ata brasil, Si Pl, Eis, 1998, 55. antenio Joaquim de Macedo Soares, Tis itersos conferprineos 1 Gangalves an Re sts Mensa do Esato Phiosopico Palatino, 186, wx h 86.1, 1858, v5 T procuram estabelecer um cinone brasileiro, reunindo as obras que melhor exprimiriam as idéias e sentimentos associaclos ao pais”. O cOnego Janudrio da Cunha Barbosa ¢ o primeiro brasileiro a publi em 1829, um Pamaso brasileiro, Em linguagem ainda neo sica € marcada pelas preocupag6es da independéncia, destaca cessidade de divulgar internacionalmente a produgio © “a nagao brasileira, que nestes derradeiros tempos se t nhecer, € devidamente apreciar no mundo ci ainda de fazer patente 20 mundo ilusrade 0 quanto bafejada, e favorecida das m Depois da iniciativa pioneira do cOnego Janurio, J. M. Pereira cla apresentac2o, aparecem consideragdes coincidentes com os eriticos que 0 precederam, € divergentes deles tas, mas, diferentemente do introdutor do romantismo no Brasil, acre- dita que 0s indios nao teriam como expressar-se através da 0 politico conservador considera qi ‘que teria sido frances por toda a parte, a literatura nada teria “de nacio- nal, sendo 0 nome de seus escritores, & © acaso de hy nascido”. No entanto, de forma similar a Nunes Ribeiro e Joaquim Norberto, argumenta que, embora nossos poetas copiassem os pomt- aguieses, que, por sua ve7, também nao eram originals, “escapam as ve- 28 dos labios cAnticos nacionais, como remorsos do criminoso”. Io camente, seriam “esses seus mais belos, seus mai refletindo # circunstincia de que, apesar de serem coincicentes muitos dos costumes de portugueses da metropole ¢ da coldnia, jd comevaria a nascer uma consciéncia da especificidade da América, Nio teria sido ero acaso que se passou entio a fazer uso do termo b Também Francisco Adolfo de Varnhagen considera, no seu Alo- nilégio da poesia brasileira, que nossa literatura “tem que deckarar-se 67. Vor: agin Zlrman e Mara Eunice Moree rg), Obego do cisone, Pot loge, Mercado 108. Bernardo Ricupero independente da mae patria". Nesse esforco, usa como critério para a selecio dos autores de sua antologia 0 fato de terem nascido no pais e serem capazes de expressar uma sensibilidade brasileira. Mas, nulo, a idéia que faz 0 historiador so- rocabano de independéncia é bastante particular; no caso da poes cela deveria procurar ser original, captando a particularidade ame: nna, a0 mesmo tempo que nao deveria abrir mao dos preceitos euro- peus. Isto €, a0 criar-se uma poesia brasileira, seria necessirio ba- sear-se nas regras literarias legadas pela Europa, sob o risco de ca Por exemplo, os canibais nao deveriam ser a inspira ou a matéria da poesia s6 porque eram americanos. Ainda mais préxima da Europa ¢ de Portugal é a postura do c- nego Fernandes Pinheiro, organizador do Curso de literatura nacio- nal, aparecido em 1862. Apesar do apenas 30 como veremos no préximo ca} ica antes da independéncia politica, Esta teria mesmo precedicdo 3 emancipagio mental, ocorrida apenas com Gongal Magalhaes e sua escola. ‘Também em 1862 aparece, por encomenda de Dom Pedro I primeiro livro mais sistematico sobre a historia da literatura bra 1a, fronicamente, porém, assim como o trabalho que iniciou a c romantica da literatura brasileira foi escrito por um estrangeiro, 0 francés Ferdinand Denis, o livro que, de alguma forma, fecha essa critica € de autoria de outro estrangeiro, o iberista austriaco Ferdi- and Wolf A principal intencio de O Brasil literdrio parece mesmo ser a de tornar nossa literatura mais conhecida na Europa. Numa argumenta- Gio caracteristicamente romantica, Wolf sugere que o que mais inte- ressaria na literatura produzida no Brasil seriam suas caracteristicas mais proprias: ~ ira pode pretendei que a consideremos verdadeiramente na 2 literatura brasi ional; por esta qualidade, feraturas do mundo civili- n caminho duplo: a litera- tem um lugar marcado no conjunto das zado". 0 argumento segue, portanto, tura brasileira e 0 Brasil podem atrair as demais literaturas € nagdes mos motivos, aceitos entre a yavelmente 0 segundo passo do argumento, apenas Jevou 0 imperador brasileiro a estimular a publicacao, em francés, de O Brasil itterario. No que concerne 3 hist6ria da literatura brasileira, o Livro de Wolf no tem, todavia, maior interesse. Diferentemente jo é um trabalho original, meramente compilando 9 que outros at tores, como Joaquim Norberto, J. M, Pereira da Silva e Santiago Nunes Ribeiro, propuseram como interpretacdo de nossa literan doe adaptando o primeizo, divide a historia das letras brasileiras em ‘quatro periodos e enfatiza nela o desenvolvimento de uma con: cia nacional, diferente ca portuguesa. Destaca, assim, 0 papel do ro~ ‘mantismo, que nao seria “outra coisa que a expressao clo genio de ‘uma nagio, desembaracado de todos o entraves da convengio™ ‘Como outros romanticos, considera que a particularidade da nacio brasileira estaria na mestigagem, que formaria uma raga “nova, € na monarquia, que manteria a unidade do pai Para além das revistas e antologias, 0 tiltimo passo do romantis mo na busca da autonomia cultural € defender a diferenciagao da iingua falada no Brasil daquela utilizada em Portugal, Quem faz isso é José de Alencar, a0 reagir as no Posfiicio de Iracema, insurge-se, contra 0 argumento de portugués Pinheiro Cha gas de que o corpo de uma lingua seria imutivel, 6 podendo trans- formar-se, ao longo do tempo, pela soberania do povo, sustentando a influéncia de bons escritores na mudanca da maneira de se expres- sar sentimentos e idéias. Ainda mais importante, “a imensidade mares que separa os dois mi levaria fat mente & transformacio da lingua portuguesa no Bra principal veiculo para a mudanca seria 0 influxo € gem de racas, tradicdes € das linguas. Isto é, a lingua, em meio verso do origi Brasil, sobretudo a influén ‘mesmo lingtiistica, A transformagio d \dos a que pertencemos mestiga~ , desenvolver-se- da mestigagem, racial, cultural e até ingua nao seria fendmeno 7 bis, pp. 173 © 174 4 Alene “ostcio de racema”,n Obra comple ip 280, 110. Bernat Ricupero apenas brasileiro, tendo ocorriclo nos paises anglo e hispano-ame- ricanos. De maneira geral, apesar de a: procurado, de inicio, imitar a3 produgées vindas das metrépoles, rho ambiente novo teriam acabado por assumir caracteristicas pro- prias, ao mesmo tempo que passaram a expressar-se de forma ori nal”. Qu como pergunta, de maneira mais provocativa, na “Béncao Paterna”; “o povo que chupa o cajuy, a manga, 0 cambuca e a jabi ticaba, pode falar uma lingua com igual prontincia e 0 mesmo espi- tito do povo que sorve o figo, a péra, o damasco ¢ a néspera?™. Ou seja, eriticos romanticos, a partir de seu projeto de busca da independéncia literéria, chegam a defender a diferenciacio da lingua falada no Brasil da de Portugal. Para realizar esses objetivos, literatos, «em sitwagdo social pouco confortavel, utlizam os mais diferentes ins- ‘rumentos, entre os quais, se destacam a publicagao de revistas e a organizagio de antologias literirias, Mas, se nossos romanticos esto de acorda quanto ao funda- ‘mental - a necessidade de emancipacio mental do pafs ~, aparecem divergéncias em relacio a como se deve narrar 2 histéria des: emancipacao. Duas grandes linhas de interpretacao consolidam-se: enquanto Goncalves de Magalhies sugere que a independénci terdria coincide com a emancipagio politica, Nunes Ribeiro acredita io da literatura brasileira antecede a formacao do gue tefletitia as condigdes particulares do pais Argumentos em favor de uma ou outra posi¢io sao possivei nao sendo mero acaso que periodizagdes alternativas persistam nas historias da literatura brasileira e, de maneira mais ampla, nas hist rias do Brasil”. Na verdade, pode-se defender a idéia de que os co- lonos instalados na América foram progressivamente se dando conta de que seus interesses e modo de vida eram diferentes dos da me- trépole, Também é admissivel afirmar que o que existia, raturas americanas terem 75. Ver: enc “Ques ‘ee Candida, Frmagio, Zigiobrasira eit Orem Independencia, eram portugueses da Europa e da América, 4 que (08 segundos nao se viam como pertencendo a uma entidace ca parte da metropolitana Em favor da linha de interpretacio de Nunes Ribeir argumentar que a consciéncia nacional nao surge automaticamente num momento especifico, por exemplo, em 7 de sete! Por outro lado, 08 defensores da abordagem da historia brasileira favorecica por Magalhaes podem contra-argumentar quie, se con: ‘des materiais e sociais particulares do origem @ consciéncias es pecificas, nao haveria razao para afirmar-se a primazia da fiteratura € nacio brasileiras sobre pretensas literaturas e nagdes b: minenses, mineiras, etc, Na verdade, a identidade naci cionada com a independéncia, mas nio coincide int vida entre americanos e europeus comeca na colénia, ga so com a emancipa¢ao pol Em outras palavras, a criagio de € sempre um ato com um certo gra parafrasear Antonio Candido, da vontade d que precisa também encontrar E inclusive essa situacio que possibilita, por tris de diferentes dizagdes da literatura brasileira, detectar posturas rentes: Magalhaes e seu gi 0 Bra Iguns by ise material € social na re mais lenta, em que nao se quebre, de uma vez, a tiga metropole. cont saan De qualquer forma, Magalhies, Alen car € 08 demais romanticos bra: por tante: no projeto de que o Brasi ia. que exista como nagio independent, No passado, as bases da nagao ‘Oh abre 08 vidros de loci e abafi Cantos Daron De ANDRADE No esforgo de estabelecer referéncias para a nagio brat historia tem papel central. Na verdade, o passado, reconst lectualmente, é, de maneira geral, uma importante fonte de legit maglo para 0 poder politico ¢ a ordem social existemte, Basicamente. seleciona-se entre os acontecimentos € as estruturas do passado aq lo que pode dar suporte a uma narrativa que dote de significado a experiéncia da comunidade nacior Nao por acaso, lo XIX, assim como 2 latino-americana, €, nesse momento, de co truco nacional, laudatéria'. Encara como sua tarefa a busca, na (ria, da legitimaco do Brasil como enticade separada de € com organizaco politica baseacia no Rio de Janeiro, Complemen- tariamente, elabora uma imagem da nagio brasileira como formada pela relagaio harménica entre brancos, indios e negros. L. maior parte da historiografia brasileira do séeu- br io do Instituto Hist6rico e Geogrilico Bras outubro de 1838, A partir de entio, 0s his ro HGR), e iadores se preo 114 Bernardo Ricupero em balizar seus trabalhos pela utilizacao de documentos originais, realizando pesquisas, mais ou menos rigorosas, que vo ocupande © lugar dos escritos dispersos dos cronistas colonial De maneira mais ampla, a historiografia que surge do IHGB re- flete uma nova concepsao de historia, ligada ao fim do Antigo Re- sgime. A partir da segunda metade do século XIX, 0 emprego do ter. ‘mo hist6ria passa a ser singular € no mais coletivo, histérias part culares juntando-se numa histGria comum. Essa mudanga conceitual igada 2 crise da sociedade de ordens e sua consciéncia particu, rista, 0 que se reflete em outros termos. Por exemplo, liberdade veio a substituirliberdades, o que repercutiu enormemente na pol tica, Talvez ainda mais importante, o coletivo-singular hist6ria nao ¢ entendido s6 como evento, mas também como nartagio’ 0 IHGB nasce da Sociedade Ausiliadora da Indistria Nacional (SAIN), entidade & qual é inicialmente afiliado e em cujas dependén.- is realizard suas primeiras reunides', A proposta de fundagio da ova instituiglo parte do primeiro secretario da Sociedade, marechal Raymundo José da Cunha Mattos, ¢ do seeretirio adjunto, conego Janudrio da Cunha Barbosa. 0 artigo primeiro do estatuto do Instituto estabelece seus obje tivos: "o IHGB tem por fim coligit, metodizar, publicar ou arquivar os arquivos necessarios para a historia e geografia do Império do Bra- I". O Instituto Hist6rico procurara também estabelecer correspon: déncia com o Instituto Hist6rico de Paris e outras entidades da mes- ma natureza, além de publicar uma revista Para realizar seus objetivos, o IHGB contari com 50 sécios efe- tivos, residentes na corte, metade pertencendo a seco de historia, a outra a de geografia, e ntimero ilimitado de sécios honoririos ¢ correspondentes’. E eleito presidente do Instituto 0 senador e con- surge em 1827 «funciona té 1804 Sus rincpal modhagso & i 8 avuraedemisndtvinsnaions do sttto Mstco e Geog sie Soi, 193 7 Ecriads, em 188, uma now categoria de seios,0 O romaratome a idbia de na selheiro de Estado José Feliciano Fernandes Pinheiro, visconde de sto Leopoldo, vice-presiclente, encarregado da secio de geografia, 0 marechal Cunha Mattos’, € vice-presidente, encarregado da secio de hist6ria, 0 conselheiro € presidente da Camara dos Deputados, Can. dido José de Aradjo Vianna, o futuro marqués de Sapuc pal animador da instituigao sera, entretanto, 0 cénego Jani meito secretirio perpétuo e diretor cla comissio de estatutos, redacho da Revista, biblioteca e arquivo’, Essa divisto do trabalho continuaré em outras ditetorias do Instituto, o presidente, em geral politico portante, desempenhando fungdes mais decorativas, enquanto 0 se cretério, homem com perfil mais intelectual, sendo responsivel pel rosso do trabalho’ 0 Instituto Hist6rico estard a tal ponto proximo do poder que dos 27 presentes & sua sessdo de fundacao, 22 ocu destaque no aparelho de Estado, dez deles tornando-se conselheiros de Estado ¢ seis senadores. De maneira geral, predomina entre 08 s6= cios efetivos, como na elite imperial, a formagao jusidica (41.39 co emprego no servico pablico (71,7%), sendo 21,7% deles ma; dos, 28.3% professores © 6.5% militares. Também ¢ signif niimero de politicos; 19,6% dos sécios efetivos sao parlamentares' Os sécios honoririos serdo, em geral, brasileiros ilustres, como o re gente Pedro Aragjo Lima, 0 marqués de Maricd e 0 marque’ de Par nagud ou nobres e intelectuais estrangeiros, como o principe da Si |, Chateaubriand, Humboldt, Monglave e Martius. Com o tempo, 0 eva, ty Schwatce, op. ct Arn ato Basin 1982, 9338. 1 116. Bernardo Ricwpero caram a condicao de sécios honordrios. Assim, Varnhagen, Gongalves de Magathites, Porto alegre, Joaquim Manoel de Macedo e Joaquim Norberto tornam-se s6cios honoririos. Os sécios correspondentes sero, por sua vez, presidentes de provincia, diplomatas, juizes, len- tes, € alguns estrangeiros, como Pedro de Angelis e, posteriormente, Andrés Lamas e Sarmiento, Pode-se considerar, portanto, que no recrutamento de sécios, 0 IHGB privilegia o prestigio social mais do que a produgao intelec- tual”, Mais significativamente, o Estado seri responsivel por 75% das verbas da instituicao*, A motivagio politica da agremiacao nao € mesmo escondida na Proposta de sta criacdo: “sendo inegavel que as letras além de concomrerem para o adoro da sociedade, influem poderosamente na firmeza de seus alicerces, ou seja, pelo esclareci mento de seus membros, ou pelo adogamento dos costumes pul cos, é evidente que em uma monarquia constitucional, onde os mé- ritos € 05 talentos devem abrir as portas aos empregos, ¢ em que a maior soma de luzes deve formar 0 maior grau de felicidade publica, slo as letras de uma absoluta ¢ indispensvel necessidade, principal: mente aquelas que versando sobre a historia e geografia do pais, devem ministrar grandes auxilios a publica administracdo e ao escla- recimento de todos os brasileiros™ ‘Ou seja, proclama-se claramente na Proposta de fundacio do Ins- to a funcdo subalterna da cultura em relagio & p deveria dotar a sociedade de alicerces mais sélidos, e sugere-se que a hist6ria © a geografia ceriam um papel particularmente importante a desempenhar no que conceme & “piiblica administraca0", © dis- ‘curso do cénego Januario, no ato de estatuirse o IHGB, deixa ain- da mais claro qual seria essa funco; como ensinara Cicero, a hist6- ria deveria servir de “mestra da vida’, oferecendo exemplos para 0 presente, Se o obscurantismo colonial nao permitiu o estabelecimen- to de uma hist6ria do Brasil, pois impedia até mesmo a existéncia da imprensa no pais, deveriamos, depois da independéncia, marchar no rumo oposto, deixando a sombra de Portugal e mostrando “As na- ‘ptejet de uma hina nacional cts Schaee op. Slo Palo, Suma, 1993 15, Revita ea aden de no Brasil 117 ‘ces cultas que também prezamos a gléria da patria”, Nessa tarefa haveria, contudo, uma dificuldade, jé que os historiadores até o mo mento “mais escreveram hist6rias particulares das provincias™ sem inseri-las numa hist6ria geral do Brasil Fica evidente, por essas palavras, a vinculagio da criagio do Ins tituto Hist6rico e Geageafico com 0 Regresso conservador", ocotri do com a nomeagio do senhor de engenho pernambucano Aratijo Lima como regente do Império, em 18 de setembro de 1837. O Re gresso representou basicamente a tentativa de pér fim aos conflitos que prevaleceram durante a Regéncia, afastando 0 espectro da anar- quia social e rac Assim, o chamado “ministério das capacidades”, que tinha figura mais importante 0 fundador do Partido Conservador, 9 mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, dedicou-se princip: tea restaurar a lei e a ordem, gastando com 0 exército € a marinha no somas significativas, que acarretaram em déficits nao menos consi- deraveis. A centralizagao voltou a ser objetivo prioritirio pata 0 go~ vero, tendo-se estabelecido, a partir de entlo, as instinuiges fun: damentais do Império: © Conselho de Estado, que voltou 4 funcio- nar, em 1837, a lei de interpretagio do Ato Adicional, de 1840, € a reforma do Codigo de Processo, de 18441, Isto €, a0 limitar 2 aucono- ‘mia das Assembléias provinciais, regulamentar a nomeacao de juizes unificar a policia, entre outras medias, corrigiu-se parte da orien: tacio descentralizadora da Regéncia ‘Também nao se dedicaram maiores esforgos a0 combate do tri- fico de escravos, ilegal desde 1831, mas que continuava a trazer anualmente de 40 a 50 mil africanos para o Brasil. Na verdade, as duas medidas ~ centralizacao e conivéncia com o trifico ~ estavam relacionadas, jl que um sistema federativo poderia abrir brech a tratasse de seus proprios negécios, se mul idades de quebra do sistema de trabatho esera em que cada provi plicariam as poss 16, Batra, “Dseurso rectado no ao de Hisrico © Geog ‘Guimacies, op. cit Wehling op. ct Come resumiu Hermes Lina: monaroi,cealiacio e ecraidio sebsram termes de ua ‘suagio socal poh 8 118 Bernards Ricupero Significativamente, a principal rebeliao da Regéncia ocorreu numa regito de menot presenca escrava € que posstia, portanto, maior margem de manobra para questionar a organizagao, a partis do Rio de Janeiro, do Estado imperial: 0 Rio Grande do Sul, dos Farrapos (1835-45). J4 as provineias do Norte, que tinham como principal pro- duto 0 decadente agticar, ¢ 0 Sul, do emergente café, dependiam do poder central para contrabalancar a aco da marinha inglesa contra 0 trafico de escravos”, essa forma, uma elite politica, baseada sobretudo no café fhu- mminense, aliada aos traficantes de escravos e apoiada na burocracia imperial, soube atrair para um mesmo projeto os produtores de agiicar do Norte. A base nao explicita desse bloco histérico estava na idéia de que a economia do pais dependia do trabalho escravo, alimentado pelo trifico de africanos, E também o mercado de tra- balho extemo que garante um frigil equilibrio regional para 0 Im- pério, jf que o pélo dinamico da economia, o Sul, nao exercia pres- sao sobre a forca de trabalho da regio decadente, o Norte acuca reiro, Por fim, a existéncia de sistema representative possibilita a rea lizagao de arranjos entre os grupos dominantes, fazendo com que todos, de alguma forma, tenham acesso a0 poder. O novo bloco histérico acarreta, todavia, 0 rompimento da unidade do Partido Moderado, agora dividido entre conservadores ¢ liberais, e a perda 20.Ver: Lie Fetpe Alena, (Fut Mog no 2486235, sms ena cofusio et ts ng t Fun rationale 1 in Reve angie 2 antes de escroy ea butoracia i | ean do como de seeanos "2 nasa pro ‘nave agiultoes pars 0 espaculadores fcr E estasie 39 impare, Ro defer Topo, 214 Por sone alos uncon, pincipalante ozs, sara, x pat de 10872 Ulserpeshor papel de intermedia anes tress nacional e Toca, exes, ete nian’ plncasamento com fh da anacraca rl, como os de Honéro Fermeto Carne {Eas ede doo dos membros a "inde soquarema”, Paulina Soares de Sousa Eusibio de ‘Guciés vere porta dang aquarema,Rosigues Toes, rie 1 bloga de Euabi, em parscuar & quase um sume dog paris nace er Angola fibo de 1 Suprema Tribunal ho de Aloninenseseemou com a herd de ums fori ite npr war Canatho, a canst rig dade nacional pact ne po fo presenta 0 department tbe nad FLCISUSP, 200, Sobre os maystados, i ve: Alec Tntaunce Davee rp Le concept empire Pas, Pees Universes Ge trance 1900, Sobre opal do tea represent m resol de confitos noite ve: rmounie, Egor deeraca ro Br: cus, toa. ists iment me (0 romantioma #a ida de nagio no Br de terreno do eleitorado urbano, identificado com propostas refor- mistas, como o fim do trifico € da escravidao. De qualquer forma, a partir daf, 6 Estado péde funcionar como, espaco de unificagao das classes dominantes, que se converteram efetivamente em classe dirigente, Portanto, a dominacio social que se exerce num determinado espaco, uma fazenda de café, por exem- plo, nao deve ser confundida, mesmo que com ela esteja relaciona- da, com a direco politica que se tem a partir do Estado. Para ser efetiva, essa direcdo precisa, por vezes, contrariar os interesses ime. diatos daqueles que a sustentam, Isto é, a dominacao social depende, de alguma forma, da diregao politica, até porque é 0 Estado, com seu aparato repressivo, que ga- rante a reproducao da ordem existente, Conseqitentemente, domi nagio social e direcio politica aparecem como momentos de um todo, mesmo que eventualmente aparecam divergéncias entre elas. No caso brasileiro, em diferentes situacdes, o Estado imperial evi- tou revoltas de escravos e homens livres pobres, contrabalancou ppressio inglesa contra o trafico © permit a transicio para 0 taba Iho livre e, desse modo, manteve a dominacao social dos cafeicul- tores fluminenses € seus aliados® ‘A relagio da historiogratia praticada no IHGB com © projeto conservador evidencia-se na "Memoria hist6 a0 do Maranhao desde 1839 até 1840", trabalho do sécio Gongalves de Magalies, que mereceu a medalha dle ouro do Instituto, na sess8o solene de 1847 e foi publicada na Revista no ano seguinte. O poe- ta, que fora secretario do coronel Luiz Alves de Lima, o futuro du- ‘que de Caxias, durante a repressio 3 Balaiada, e sera deputado pelo Partido Conservador, encontrava-se numa posicao privilegiada para falar do movimento, Nao por acaso, Magalhaes considera que & agao do militar, “fran ae liberal, conciliadora e previdente (..) se deve a pronta exting30 da rebeliao™. O mais importante nessa aga0 teria sido ignorar os partidos. Ou seja, aquele que sera o patrono do exército e que ini- 22. Fernandes, opt, Graco: amos. op. ct 2. Magne, A revolugo do provincia do MarehGo desde 7839 at 1640, So ais Typos Progen, 1856p. 153. 25, Com ura carta om, 0 teu ele que coy fuga pov Moco Maran ded 1239 a6 1840, co. 120. Bernardo Ricupero cia sua carreira militar e politica com a repressio as revoltas da Re- géncia, teria percebido, assim como os homens que promoveram o Regresso, que a divisio, por causa de *curtas ¢ mesquinhas icléias politicas™ era maléfica ao pais, Mesmo que Magalhies tente atenuar a importncia das revoltas, ja que elas seriam comuns entre povos livres, particularmente em. perfodos de tansicao, percebe suas causas mais profundas: “estran- geiras sto as nossas instituigdes, mal e intempestivamente enxerta- das, avessas aos nossos costumes € naturais tendéncias, e em desa- cordo com a vastidao de um terreno sem tamanho, e diferengas in- conciliaveis de classes" Mais especificamente, dever-se-ia temer os escravos, entre 80 € 90 mil numa populacao de 217 mil e os homens livres pobres, “cardu- mes de homens ociasos, sem domicilio certo, pela maior parte de uma raga cruzada de indios, brancos e negros, a que chamam cafu- 70s", Quase nomades, nao fariam melhorias na terra, dedicando-se A pecuairia, que se estendia pata as provincias vizinhas do Ceara e do essa gente, que amaria uma vida sem freios e se dist guiria "apenas dos selvagens pelo uso da nossa linguagem™, que te- ria formado as forcas rebeldes. Desde 1838, 0 jornal Bemtevi, liberal, movia violenta campanha contra 0 governo da provincia, na mao dos cabanos, ligados aos conservadores no plano nacional. O governo provincial procurara nomear prefeitos € juizes, submetendo 0 poder local, coisa que, em Pouco tempo, seré também ensaiada pelo governo imperial”, Ray mundo Gomes, *homem de cor assaz escura’,inicia a revolta na vi de Mange, comarca do Itapecuru, ¢ liga-se a0 partido Bemtevi. O movimento logo espalha-se pela provincia, atingindo a préspera Ca- xias, Essa cidade, da mesma espécie de Sodoma e Gomorra, como suas predecessoras biblicas, teria sido castigada pelos céus e logo ‘nadava em sangue; vida, bens e honra, tudo ia sendo devorado pe- las hordas devastadoras, que friamente as maiores crueldades prati- cavam sem piedade da infancia, da velhice e da virgindade™. 26.16, p17 ibe p32 28. 6.97. 29. 1ba. 30.Ver Aeneas, “Aprsenago de A in Nows Estados Cobap, 0. 2.1988, 3 -Magahies, a evolugzo da provincia do Maren desde 1839.4 1840, cit, 9.38 ldo da provincia do Murano desde 1839 aE 1840", © romantismo ea idea de nacin no Bras O aspecto que Magalhaes mais realca em seu relato é a barbarie dos revoltosos, "monstros sanguindrios”", que perpetrariam “atos de horror", por exemple, “arrancando os olhos, conando as orelhas ¢ pedacos de carne" de oficiais, Para que a “voracidade desses ban- doleiros™ ganhe vida aos olhos do leitor, o autor de Suspiros poéti- cos e saudades fala em certos personagens, como um “Feroz Ruivo", que “entre os terriveis canibais” destacava-se por “andar coberto de sangue e de apregoar 0 ntimero dos seus assassinatos perpetrades no dia"®. © perigo principal seria, contudo, que a tebelio se alas- trasse aos escravos, jé trés mil afticanos tendo sido sublevadios pelo feiticeiro Cosme. E s6 com a unificagao do governo da pro cia © de comando: militar na pessoa do coronel Luiz Alves de Lima que a Balaiada pode ser vencida, © virtuoso militar teria sabido colocar-se acima do espirito faccioso dos partidos, que impulsionou a revolta, num ambiente onde prevaleciam massas ignorantes, animadas pelo espi- rico de rapina, Fica claro, assim, que 0 que mais enche Magalhaes de medo sdo 0s grupos subalternos, especialmente os escravos. Eles seriam barbaros, que “s6 por medo se curvam™, estando mais que justificado 0 uso da forca, ja que se trataria praticamente de brutos, incapazes de compreender argumentos racionai No plano nacional, a fim de realizar seus objetivos de estal ‘Gio, © ministério do Regresso passa a identificar a nacio com o me- nino-imperador, ressuscitanda mesmo uma ceriménia humithante € anacrOnica como © beija-mao. Nao por acaso, Dom Pedro ff torna- se, jd em 1839, protetor do IHGB. Uma das principais atividades do Instituto seri, dai por diante, a de cultivar boas relagdes com o perador, comparado, no seu apoio & cultura, a Augusto, os Medicis, Luis XIV e Dom José J, Enviam-se regularmente deputacoes para rane lena o que ocarre com Eucides da nha Baia, quasecingens anos depos. A reago des dat. Que cepa do ds com a eras da sua epoca, sed enti, base d ferent exc ‘manico com a reslidade da Baiada sere apenas para corm sau preesncetos eroucionisa sobre o asic de Canon conrad ss toi ebigano hat aa 2 Bernardo Rieupero saudar o chefe de Estado no seu aniversério e de membros da fami. lia imperial, em datas hist6ricas do Brasil, como a independéncia, a maioridade, a vit6ria na Guerra do Paraguai, etc.* Mas 0 THGB nao se limita a ser agradavel a Dom Pedro Il, Pro- cura também estabelecer uma periodizagio para a historia do Bra- reunir documentos importantes de nosso pasado, encomendar biografias de “brasileitos ilstres”, discutir questdes referentes aos in- dios, fronteiras, jesuitas, guerras com holandeses, inquisicao, ltera- tura nacional, etc, A partir de uma visio instrumental da historia ¢ da geografia, a problemética indigena e das fronteiras ganha desta- que na produgio do Instituto, Como boa parte dos autores romiin- ticos brasileiros, a maioria dos sdcios tende a crer que € nos indios que se encontram 0s fundamentos da nagio brasileira, 0 que seré questionado por outros membros do Instituto, enquanto 0 estabele- cimento das fronteiras garantiria a propria existéncia da comunida- de politica nacional Centos assuntos provocam, contudo, um visivel mal-estar. Por exemplo, os pareceristas do segundo volume de Voyage pittoresque ef bistorique au Brésil, do nosso ja conhecido Debret, insurgem-se contra trés estampas presentes no livro, retratando um empregado pilblico passeando com a familia durante o expediente, africanos fa- mélicos no Valongo € um senhor castigando um escravo. De acor- do com os pareceristas, se no se conhecessem as boas relagdes do Pintor francés com o pais, imaginar-se-ia que ele queria fazer “uma verdacleira caricatura” do Brasil. A terceira gravura, do castigo, me- rece especial reparo, ji que “em todas as partes ha senhores barba- ros™. Além do mais, seria “confessado por escritores de nota, que entre todos os senhores de escravos, os portugueses eram os mais humanos". Portanto, Debret deveria ter imaginado *o perigo de tirar de casos particulares proposigdes gerais”, O que faz com que se con- lua “que este segundo volume é de pouco interesse para o Brasil”. 238.0 represetarte do Insta no segundo anivesio d alga de Dom Peo oe Lisbon chegs a air que "maga vow fave” do giemio ur repesrta ‘rar com a severa pena doh 1! empaeah 8 atos do patel governa de levis dos seus cosas 2 asia, a praia a benigidae Se sun adress 3 protecio as cifncia 3s ltrs ee artes" A ses curs Inui, or gl inde 2 diet por exemplo, que "3 *Suplemento® in Re 2 n Revista do insure Mitice © Cares Brasil, cy p98 0 romantioma Bras 123 Na liturgia do IHGB tém especial impomancia suas sessdes de aniversirio. Realizadas no Paco Imperial, elas so a ocasiio de de- monstrar, em meio a uma rica pompa, a importincia do Instituto Em geral comparecem personagens importantes, como o imperaclor, inistros de Estado, membros do corpo diplomatico ¢ consu dentes na Corte, os comandantes das armas, 0 comandante superior da Guarda Nacional, comandantes de vasos de guerra estrangeiros estacionados no Rio de Janeiro, prelados de diferentes religiGes, etc Na terceira sessio publica aniversiria do IHGB, comemorada em. 30 de novembro de 1841, por exemplo, Sua Majestade Imperial (SMD foi recebida por “um compo de pessoas gradas 3", entre OS quais se encontravam alguns ministros. Os do Império e dos Es- trangeiros “tomaram assento na mesa do Instituto na quillidade de vice-presidentes’. Depois de pedir permissio ao protetor do Insti- tulo, “0 Ex, Sr. Visconde de S40 Leopoldo (..) abriu a sesso por um elogiiente discurso™. Logo em seguida, 0 secretirio perpémuo, Ja- nuario da Cunha Barbosa, leu o relatério das atividades do IHGB no seu terceiro ano, Informa a Revista do Instituto Hist6rico e Geografi- co Brasileiro que, apesar da abundancia do que tinha a rel ra esteve longe de ser monétona, Homenagearam-se os sscios cidos; Porto alegre recitow uma “erudita meméria” sobre a escola de pintura do Rio de Janeiro; uma orquestra tocou algumas pecas de mti- sica cléssica e a sesso terminou com SMI sendo “reconduzido até a porta do Pago com a mesma solenidade da sua entrada’ Nesse breve relato estio presenies todos os elementos justifica- dores da existéncia do IHGB aos olhos do “mundo oficial” do Se- gundo Reinado: o Paco Imperial, os personagens ilustres. os discuur sos eruditos e, principalmente, Dom Pedro II. Todos esses elementos combinam-se para sugerir que € importante a existénciz de um Ins- tituto Historica € Geografico no Brasil. Nao é dificil resumir a narta~ lustres dignam-se a comparecer a uma reuniao cerudita realizada no Pago Imperial. Também no por caso, 0 relato abre-se e fecha-se com o imperador. Indica-se, assim, que € pr mente a boa vontade de SMI de proteger o Instituto que Ihe confere legitimidade aos olhos dos demais presentes na reuniao e na nacao. emer’ in Revised, 32.6. p. 317 to Hii e Geagrfce Branca ct 9.315 LS | 124 Bernardo Ricupero A contrapartida implicita € que o IHGB devera também fazer com izacdes do reinado de SMI, principalmente 0 apoio & cul- que as re: tura, no sejam esquecidas no futuro. Nesse espirito, com vistas a estabelecer os pariimetros para a © secretirio-perpétuo, conego Januirio, decide oferecer, em 1840, um prémio de 1005000 rs para quem apresentar ‘0 melhor “plano de se escrever a hist6ria antiga e moderna do Bra- compreendam as suas eclesidstica e literiria”, Os demais sécios, sen- sibilizados com a proposta, decidem assumi-la como propria, ofere- cendo adicionais 1008000 rs. Antes, no mesmo ano, jé fora criado um prémio, também de 2008000 1s, para o melhor trabalho sobre a legislacio colonial, e logo, na terceira € quarta sessoes aniversétias, praticamente se oficializara a pritica, oferecendo-se uma série de medalhas de ouro, sempre no valor de 2008000 rs, visando a estimu- lar os estudos histéricos e geogrificos no Brasil, As medalhas seriam destinadas aos que apresentassem o mais instrutivo trabalho sobre (os temas propostos anteriormente ¢ sobre estatistica do pais”. $6 sete anos depois de a premiagio ser insttuida, 0 coronel Con- rado Jacob de Niemeyer recebe 0 primeiro prémio na categoria de geografia, por sua “Carta corographica do Império do Brasil’. Entre 08 dois planos para se escrever a hist6ria do Brasil enviados a0 IHGB, o do nosso ja conhecido, Karl von Martius e o de Henrique J. de Wallenstein, é selecionado o primeiro, Entretanto, nenhurn traba- tho de estatistica € considerado como digno de premiacto e nao ha noticias na Revista sobre trabalhos referentes & legislacao colonial. 0 plano derrotado sobre a hist6ria do Brasil propde a periodiza- ‘sho do passado, de acordo com 0 método das décadas, seguido por Tito Livio, concentrando-se preferencialmente em assuntos pi e deixando a historia civil, eclesiastica e literdria para artigos em se- parado. A comissio julgadora considera, porém, o trabalho pouco filos6fico. Ja a meméria de Martius, por descuido jé publicada na iada como sendo “extensa e profundamente pensa- da™, Seu tinico defeito seria, inclusive, o de ser boa demais, jé que “uma histGria escrita segundo ai se prescreve talvez seja inexeqhii- histGria do Brasi , organizada com tal partes, politica, civ jstema que nela Revista, € av £3, sepia ferecdo pel ppl imperator 1. Renta d asnutaPetarco Geogr Base, cp. 273. ~_> (0 romanusmg a ideta de nagt0 0 Br vel na atualidade”. De qualquer forma, serviri de modelo para fu- quros trabalhos, dando ao JHGB a conviecao de que jf realizow “um dos seus mais importantes deveres™. Martius acredita que, para escrever a historia do Bra antes de tudo, ter em conta “os elementos que ai concorterdo para 0 desenvolvimento do homem". Mas se isso € comum a historia de qualquer povo, o ilustre naturalista logo nots que no grentos (si0) de natureza muito diversa”. Nossa singularidade resici- fia sobretudo no fato de que aqui, “para a formagio do homem con Yergiram de um modo particular tésracas, a saber: a de cor de cobre ‘ou americana, a branca ou caucasiana, e enfim a preta ou etiopica ‘Estaria ai, no reconhecimento da “importancia das (és racas como ator bist6rico na formagio da nacionalidade brasileira", a grande originalidade de Martius. O bavaro seria o primeira a assinalar que © Brasil € 0 resultado “do encontro, da mescla das relagdes mituas ‘emudangas dessas trés racas’*, Assim. Martius pode ser visto como © iniciador de toda uma linha de interpretagao do Brasil, provavel- mente a de maior éxito, tendo mesmo, de filosofia, se convertide em ‘senso comum. Do romantismo a Gilberto Freyre, passando. fos ¢ bartances, pelo evolucionismo € o positivismo, acreditou-se (que © Brasil era essencialmente um pais mestigo: o que fot visto por alguns como vantagem € pot outsos como defeito". Martius me- fece, portanto, o duvidoso titulo de avo da ideologia da democracia racial no Brasil. Nao € por acaso que teri tanto éxito 0 vocabi ‘9 vencedor de concurso do Instituto Historico inaugura, Martius. 20 estudar “um povo novo", como o brasileiro, tem em mente princip: mente que "a histéria € uma mestra”, que deve despertar em seus leitores “virtudes civicas”. Logo a seguir. € ainda mais explicito, re srio politico que 45. i. 2. Mars oP. ‘mmr porto Taber se Tode Arde Siva, 7 Sop meso sate para ela do branquesrnt que a gea6 : a eos targue porugute emu poderos ro, ever bsore" es Pe ‘omen nace inde een’ MOUS op EE 9.8. velando que, escrita a histéria do Brasil, ela deve ter um destinatario claro: os “republicanos de todas as cores, idedlogos dle todas as quia. lidades. £ justamente entre estes que se achario muitas pessoas que estudarlo com interesse a Historia de seu pais natal; para eles, pois, devera ser calculado o livro, para convencé-los por uma mancing destra da inexequibilidade de seus projetos ut6picos” Sabe também que os arquipélagos que até entio constituiam o Brasil, ‘sO agora principia(m) (...) a sentie-se como um todo unido” Um pouco depois reverte o problema, transformanco 0 aparente de. feito em qualidade: “justamente na vasta extensio do pais, na varie. dade de seus produto, ao mesmo tempo que seus habitantes tem a mesma origem, o mesmo fundo histérico, e as mesmas esperancas para um futuro lisonjeiro, acha-se fundado © poder e grandeza do pais” (itdlico meu)" Mais uma vez, 0 recado parece ter endereco certo: os “republica- nos de todas as cores” que podiam ver-se entio a si mesmos como Petnambucanos, paulistas ou mineiros, mas ainda nao se entendiam como brasileiros. No final de sua curta dissertagao, de quem faz uma “historiogra- fia flosofica” que mio perde tempo com os eventos sem importin. Cia, procurando, ao contrario, captar o mais significativo de nossa historia, Martius deixa ainda mais claras suas inteng6es: “nunca es. ‘iuera, pois, o historiador do Brasil, que para prestar um verdadeizo servigo & sua patria devera escrever como autor monirquico-cons titucional, como unitério no mais puro sentido da palavea™ Nio € dificil explicar o éxito de Martius. Vé-se por essas citagoes, Provavelmente excessivas, que 0 autor elabora um verdadeiro pro. rama para o pensamento conservador brasileiro, que Varnhagen Jogo pori em pritica. 0 essencial do que se fara depois esté nas 22 Paginas de sua dissentagao: o mito da convivéncia harmoniosa entre as tres ragas © a necessidade da unidade territorial. O proprio autor tem plena consciéncia da razto pela qual esses elementos devers {er boa acolhida no Império escravocrata. Sugere que sio eles que Justificam a “necessidade de uma monarquia em um pais onde ha lum tio grande mtimero de escravos"®, Oren mestico foi, porém, ainda mais poderoso na defesa dos interes- ses da classe dominante, jé que o fendmeno da pior situagao social do negro € indio deixa de ser historico para se converter num dado da natureza, © que se expressa, por exemplo, na imagem popular do “preto que sabe seu lugar" Mesmo que haja em Martius momentos progressistas“, nao se pode duvidar de suas intencSes conservadoras. Nao deixa duividas de que “o portugués se apresenta como 0 mais poderoso © essen- cial motor’, “tanto os indigenas, como os negros, reazi(ndo) sobre a raga predominante™, Na linha de De Pauw, considera que os in- dios seriam “ruinas de povos™, sobreviventes de uma antiga ci zacdo desaparecida. Com o negro, porém, é ainda menos generoso raga etiSpica’, ela acaba discutida em apenas uma das cinco paginas -, 0 que talvez se deva to bem que brancos havera, que a uma tal ou qual concorréncia dessas racas inferiores taxem de menoscabo & sua prosipia”. As sim, sobre os afticanos praticament se a afirmar que “nao ha diivida que o Brasil teria tido um desenvolvimento muito diferente sem a introducao dos escravos negros"™ © esforco de estabelecer uma historiografia para 0 Brasil nao Para, contudo, com o abalho de Martius. © THGB continua a ofere- cet prémios; Magalhaes é agraciado por seu trabalho sobre a B: da, José Joaquim Machado de Oliveira pela “Notfeia raci bre as aldeias de indios desde © seu comeco até a a ‘Varnhagen por “O Caramuru perante a histGria O ING viverd, entretanto, dias de pasmaceita, Assim, até més- mo as to importantes SessGes Puiblicas Aniversiirias sao suspensas, 54 E atime ining a spor que aloes pricy squab fnocherschimasodnaconadde besten dnaringsrotoeee ae Gi. p 88) “Com maramascarevverace . ‘Ease eons pruners ia ant mich onbacies east vata op tp 8) 58. id’ p10, 128. Bernardo Ricupero entre 1847 ¢ 51, 0 que se atribui a febre amarela que entio assola 0 Rio de Janeiro. De acordo com o primeiro secretario, Joaquim Ma- noel de Macedo, 0 Instituto terd que fazer face & indiferenga quase geral, dependendo da ago de nao mais de uma dezena de sécios para sobreviver”. Agrava a situagdo © fato de que muitos desses ab- negados vio morrendo com o tempo; Januario da Cunha Barbosa em 1846, 0 visconde de Sao Leopoldo em 1847, jovem segundo secretério, Santiago Nunes Ribeiro, em 1848 ‘Mas, como que de repente, tudo muda, Ou melhor, em 15 de de- zembro de 1849: "as $ horas da tarde, achando-se presentes 08 se- rnhores membros da mesa administrativa", a fim de inaugurar a nova sala do IHGB, “abre-se uma das portas que da ingresso para 0 in- terior do Pago Imperial, ¢ imediatamente aparece SMI"®, Como diré mais tarde Macedo: “aquela porta que se abria para dar entrada a SMI na sala do Instituto é também a porta de uma nova era aberta a todos os brasileiros que cultivam as letras. Nio bi diividas de que o dia 15 de dezembro de 1849 € um mar- co na historia do Instituto Hist6rico. £ tao importante que seus ani- versirios passarao a ser comemorados nesse dia ¢ se mandard fazer uma medalha em lembranga dele, A data € relevante porque assina Ja, depois de onze anos de esforcos, a legitimagio do IHGB como instituigio. Legitimacao que corresponde basicamente a0 reconhe- ‘cimento, por parte de Dom Pedro I, da importancia do Instituto no sistema cultural brasileiro, que ora se montava, Significativamente, dai por diante, o imperador sera um ativo participante das sessOes do IHGB.” Ja na primeira, depois de ser “recebido com todo respeito que lhe € devido”, toma parte nos trabalhos, sugerindo que a impor- {ante Revista do Instituto publique mais trabalhos de autores contem- 50. Suplemento” in Revise do Instat Mito Geogrfico Basie, 1852, xh 0. O INCE tat logo de flrmar seu paraso, eauguando, sem 1848, os busts de seus undad- tes 0 crag fasio « Cunha Matos Pars ‘de Sous Castinh, iinarcae Cae Bora 15 loge do Ri de ane, como quando visa 25 provincia do Non 18580 eo No exusce de mantel nformada sabre 0 que ocore Maoclocloenvando aos de suse senor O imperado por se turo, was de sua wager 1) Franws'fos par 9 HCE 0 romantsmo ea porineos e omena a leitura de uma série de programas @serem ity Festigados. Excepcionalmente, « sessio, que normalmente durava ate o final da tarde, termina as 2130. Para os membros do Instituto, 0 dia 15 de dezembro de 1849 marca sobretudo, nas palavras de Porto alegre e Macedo, a emanc pagio do literato; de individuo desprezado, teria passado a ser al- guem respeitado na sociedade, A contrapartida para Dom Pedro IL € fer garantido o prestigio de monarca ihustrado, chamiado por Victor Hugo de neto de Marco Aurélio, Ou seja, 0 significado do dia 15 de dezembro de 1849 iia mesmo além do THGB, uma vez que este fos seus onze anos, principalmente através da Revista, tinka eonse- guido consolidar sua posicao como seferéncia cultural da Comte ¢, conseqiientemente, do pais, Para tanto, procurou, nesse tempo todo, ‘angariar principalmente a boa vontade do impetador, no que foi te compensado naquele “memorivel dia’. O que os literatos do Insti tuto nio perceberam, tao envolvidos que estavam com o sistema teultural do Império, era que sua emancipacao, dependente da boa vontade de Dom Pedro Il, era superficial, ja que nao possuia verda- deira base social, E simbélico da dependéncia do IHGB em relagio ao imperador © fato de © Instituto funcionar no Pago Imperial. Além do mais, mesmo que nao seja um drgio puiblico, depende de recursos estatais para funcionar, Essa situacao estimula um relacionamento marcudo pela concessio de favores entre os membros do INGB e aqueles que esto 2 frente do aparelho de Estado, nao por acaso, muitas vezes fas mesmas pessoas. De maneira mais ampla, a pritica do favor esti tho centro da existéncia de homens livres numa sociedade estamental p escravista como a brasileira do século XIX*, Portanto, se 0 IHGB nao funcionasse na casa do monarca, mas tivesse sede propria, no dependesse da boa vontade dos governantes, atwando verdadea- mente como instituiclo auténoma, talvez tivesse garantido uma ex! téncia menos precaria, mas, nesse caso, © Instituto Hist6rico ¢ Geo agrifico Brasileiro nao seria o Instinuto Histbrico ¢ Geogratico Bras lero, nem o Brasil do século XIX seria o Brasil do século XIX a, Sho Paulo, ta ober Shae ra Syvia de Ces Franco, Homens lars ore exo “S08 vertomaem: Candide, © acne ea cad So Fale, Daas Cid Te vencedor as bas 130. Bernardo Rieupero De qualquer forma, a partir de 1849, as atividades do IHGB ga- rnham novo alento. Jé no ano seguinte, 0 conselheiro Diogo da Silva Bivar prope a reforma dos estatutos, baseado nas regras que regem a Academia Real de Ciéncias de Lisboa. A secio de arqueologia e et- nografia indigena, existente desde 1847", se consolida; se efetivaré © niimeto de sécios, ntio mais divididos em secdes especificas; os ‘membros da diretoria passarao a ter mandato fixo; a subvencio para © Instituto € constantemente aumentada; Goncalves Dias € manda- do, em 1851, para as provincias do Norte, a fim de averiguar a situa- io do ensino piblico e pesquisar arquivos e bibliotecas; o poeta maranhense é enviado, em 1854, para a Europa, com 0 mesmo ob- jetivo, sendo substituido, em 1856, por Joao Francisco Lisboa; deci de-se organizar uma Comissao Cientifica para explorar o interior do pais, etc. Ou seja, num contexto mais amplo, em que o Estado impe- tial jé esta consolidado, o THGB passa a ter uma vida mais orgiinica Nessa situacdo, mais segura, 0 Instituto Hist6rico passa a pautar- se por critérios mais cientificos, que slo mesmo os que garantem sua credibilidade. Sinal da nova postura € a reagdo, em 1862, 4 propos- ta de que a associacio escreva a crOnica do reinado de Pedro Il, a comissdo encarregada de julgé-la rejeita a proposta por considerar que 0 IHGB ainda nao possui o distanciamento hist6rico para fazer uma avaliacio equilibrada do periodo durante o qual seu protetor € imperacor. O mais significativo é que, desde 1840, acreditava-se ser esse um dos objetivos do Instituto, tendo sido indicada a nomeacio de uma comissio, em 1848, com 0 fim de elaborar tal trabalho. Para realizar os propésitos do IHGB resta, todavia, escrever, se- guindo as linhas propostas por Martius, uma historia geral do Brasil Eo diplomata Varnhagen, desde cedo um dos membros mais ativos do IHGB, geralmente referido nas paginas da Revista como nosso “infatigavel consécio™, quem a escreve™. O sorocabano, filho de ro vice presidente encaregao da seg, En 1850, i> na erg, ‘Enola de 32 artigos Revit, adore cata a Do Pedr comasinalinquettensvel da vec ago dora 30 a como po- sco Ado de Varnhagen Carponatnets aia Rio den td Liv 1961, p. 202. Asim, na primera edge do vo 4 expen, 0 His aparece extampada loge depos do “em dc0 do rome do at estrangeiros, enfurnara-se, desde 1842, nos arquivos europeus para encontrar documentos que dao origem, de tempos em tempos, a me- mérias enviadas ao Instituto, até culminar na publicacao da Historia geral do Brasil, entre 1854 € 1857, Ji em 1844, a0 avaliar 0 Compéndio de histéria do Brasil, de José Ignacio de Abreu € Lima, Varnhagen deixara claro o que pautaria seu trabalho como historiador. Depois de elogiar o proposito do resenha- do, de ajudar a criar “literatura propriamente brasileira’, o que se ini ciaria pelo estudo da histéria, afirma que isso s6 poderia ocorrer, “averiguando e ordenando os fatos, corrigindo e verificando as datas, © sobretudo esmerilhando antigos documentos”. Sugere, porém, que nio teria sido isso que realizou o “general do povo", ia que “todo 0 Compéndio, desde a pagina 27 até a pagina 251 (...) ndo € mais do que um apontado de pedagos da traducto portuguesa de (Alphonse de) Beauchamp”, autor francés de uma histéria do Bra- sill que, por sua vez, nao passaria de pligio do trabatho de Southey” ‘Varnhagen hav icitado os ideais pk orientam seu trabalho como historiador no “Memorial Orginico’ escrito em 1849 e publicado na revista Guanabara, em 185i, Da mesma forma que outros, considera como tarefa principal de sua ge- ragio a criagao de uma nagao brasileira ¢ a superacdo do estatu lonial. Se o primeiro soberano abriu os portos para o comércio com as nacoes estrangeiras e elevou o Brasil 2 condiclo de rein € 0 se~ gzundo relizou a emancipasao p co contentariam em copiar formulas estrangeiras; a0 cont cessirio prestar atengio as reais condigdes do pais, O hist jor sorocabano elabora um verdadeiro programa, a fim armos 0 Brasil, € fazermos que haja povo brasileiro™: se- 68. \ieshagen, “Primer jz submetide 20IHGB plo sev ca anccoAdoto de “ado Compndo de bits do Bre gala Sos Ignicio Abrev e Lins, Resta dn Hixico @ Geogr Bras, 184, ros monarcas do Brasil fica lar, 6a, como Vemhagen apes de ils» indepen, ever uma continadade env coli © 72 Namhagen, ‘Merril oieo. in Guznaboa, 185,11 p01 132 Bernardo Riupero ‘ia preciso delimitar as fronteiras; mudar a capital para © interior, estabelecer uma nova divisao territorial entre as ptovincias; promo. ver 0 desenvolvimento das comunicacées; e, principalmente, povoar © pais, dotando a populacdo de maior homogeneidade. Para a rea- lizagao desse Ultimo objetivo, Varnhagen pensa que seria indispen- sivel pOr fim a escravidao, submeter 0s indios bravos € promover a imigracao de colonos europeus, Assim como ocorre com Martius, apesar de propor algumas re- formas progressistas, como o fim do trabalho escravo, nao hé muita vida de que 0 programa politico apresentado pelo historiador so- rocabano € basicamente conservador. Como os saquaremas, acredi ta que “nao ha forca sem unio, ¢ ndo haveri verdadeira uniao, en- quanto nio se estabelega bem a unidade". Nao por acaso, o valor central que emerge da Hist6ria geral do Brasilé a unidade”. Seri ela que organizard a narrativa, sugerindo que tudo se dispde no Brasil ara a constituicio de um grande império. O amor a provincia, 0 pro- Vincialismo, claria origem a sentimentos mesquinhos, ao paso que © patriotismo contribuiria para fazer desaparecer o egoismo; 4 ma- neira de cidaclies virtuosos, os homens passariam a colocar os inte- resses coletivos acima dos individuais, mostrando-se até dispostos a morrer pela patria A mesma lingua, religiio e soberano criariam condigdes favord- veis & unidade no Brasil, mas teria sido apenas o temor das invasdes estrangeiras que unificou de fato o pais: “por todas as capitanias 0 receio de alguma invasao estrangeira era como um sentimento pilbli- Co. Temiam-se franceses, temiam-se ingleses, temiam-se holandeses, até se chegava a temer mouros ¢ turcos””. Esse temor teria estimulado o inicio da colonizagio do Brasi com 0 estabelecimento, em 1530, das capitanias hereditirias. Nao dispondo de recursos suficientes para ocupar 0 vasto territrio des- tinado a Portugal na América, a Coroa decidiu apelar a paniculares, ‘que possufam autonomia quase ilimitada nos seus novos dominios. No entanto, para o historiador sorocabano, esse sistema de co- lonizagao, mediante a doacio de grandes territsrios a particulares, 73. mid 9 402 Or no Brasit 133 viria a ter efeitos negativos, a0 nao estimular a povoagio da Améri ca portuguesa e impedir a criacao de populagio mais homogénea como a que existiia nas antigas colonias inglesas da América. Esta- ria af, além do mais, a origem da “mania de et ™ deiros brasileiros Varnhagen nota, inclusive, que 0s instrumentos de colonizasto nna América seriam aparentados com o feudalismo, o que nao dewa- ria de ser, de alguma forma, paradoxal, 4 que na Europa, na época do inicio da colonizacio do Brasil, vivia-se o apogeu do absolutis- ‘mo €, por conseguinte, da concentragao do poder nas milos do rei Mas se 0s meios eram feudais, 0 espirito que animava a colonizagao jd era outro; diferentemente da Idade Média, no mais se procura- va a gloria, “o desejo de conquista nascendo s6 da cobiga Ou seja, 0 visconde de Ponto Seguro percebe acurdamente que se pode ter utilizado instrumentos de colonizagao com caracteristi- cas feudais, como a doacao de capitanias hereditarias, sem que isso afetasse 08 objetivos mercantis da empresa colonizadora, Com bas- tante propriedade, Varnhagen nota, como ja havia feito o primeira toriador do Brasil, ei Vicente de Salvador, que “o (rato € 6 uso fa miliar fizeram, pois, que © nome do lenho lucrative suplantasse 0 do lenho sagrado™, isto é, 0 territério que algum dia foi batizado de Terra de Santa Cruz passou a ser chamado de Brasil. Portanto, fica claramente indicado que, na obra da colonizacio. objetivos me: cantis eram mais importantes que a justificativa ideokogica, dada pela religido. E também a busca de Iucro que continuaria posteriorment ‘motivar invasdes estrangeiras, estimulando Portugal a eriae, em 1548, um Governo-Geral, com sede na Bahia, Passar-se-ia, assim contra a dispersio de forcas locais, com um poder central que deve. ria realizar a aniculacao entre as partes do todo colonial. Com a nova organizagao, se ultrapassaria, de acordo com Varnhagen, uma fase feudal, comum 3 histéria de quase todos os povos. E tamanha a im- portincia atribuida ao Estado, pelo historiador sorocabano, que che- BA a sustentar que “o Brasil ficava constituido”” quase automatica mente a partir do momento em que s€ criou o Governo-Geral. dos fazen- terra” 77 ip 78. bd. p 89 78 i, p 263. 134 Bernarde Ricupero Entre as invasdes estrangeiras, a mais importante foi a holandesa. Consegtiéncia da Unido Ibérica (1580), 0 principal mérito da guerra contra os holandeses teria sido, a0s olhos de nosso autor, a unido de descendentes de portugueses, indios e negros na mesma causa, OS indios, personificados em Felipe Camarao, € 0 negros, simbolizados por Henrique Dias, como se libertaram da barbarie e da escravidao, 20 participarem da guerra, indicando que sua situagao desfavoravel poderia modificar-se, jd que nad teria como causa a origem racial, mas fatores histéricos. ‘A guerra contra os holandeses marcaria, além do mais, 0 inicio da consciéncia da existéncia de uma entidade distinta e caracteristi- ca como 0 Brasil. No final do século XVII e inicio do XVII, n&o tar- dariam em aparecer conflitos entre colonos instalados na América ha algum tempo, ja conhecidos como brasileiros, e portuguese re- cém-chegadios. No entanto, diferentemente desses movimentos, a luta contra os holandeses nao teria encontrado motivagio em sentimentos antilu- sitanos. Pelo contritio, nativos indigenas e escravos afticanos teriam se irmanado aos colonos de origem portuguesa na luta contra 0 in- vasor holandes, verdade que sem contar com grande apoio da me- trépole. Julga mesmo Varnhagen que, anos mais tarde, umas das conseqiiéncias da Guerra dos Mascates seria a de facilitar a invasao de Pernambuco pelo aventureiro francés Duguay-Troin. A Provicen- cia teria decidido, assim, enviar “aos povos a guerra estranha para ‘castigar sua falta de uniao”®, indicando claramente que, para © histo- riador sorocabano, portugueses e brasileiros seriam, durante a col6- nia, parte de um mesmo todo. De forma geral, 0 visconde de Porto Seguro esté persuiadido de que a relagio metr6pole-coldnia, apesar de eventuais desacertos, como a Inquisigao, era marcada pela vantagem métua, numa espécie de simbiose. Portugal seria como um tutor, rcamente recompensa- do pelo seu pupilo americano. ‘A independéncia, portanto, nao seria tanto uma ruptura, mas um desenvolvimento a esperar. Dessa forma, seu principal marco teria sido a vinda para 0 Brasil, em 1808, da familia real portuguesa fugida das tropas de Napoleao, e mio movimentos sediciosos, tais como a 0th, 319, 0 romantsmo e a idéia cle nago ne Brasil 135. Inconfidéncia Mineira de 1789, a Conjuracao dos Alfaiates de 1797 ¢ a Revolugio Pernambucana de 1817. Mais precisamente, a partir da abertura dos portos e da eleva¢a0 do Brasil a Reino Unido com Por- tugal ¢ Algarve, a situacio entre metropole coldnia teria se inverti- do. Mais ainda, “o reino de novo criado, - pelo benefico rei D. Joao, era nada menos que o centro e cabeca de um império, maior que os dois romanos™ ‘Aabertura dos portos, em particular, seria um marco da emanci pacio do Brasil de sua anterior condigio de colinia, Ela no era, po rém, gratuita, j que, com a transferéncia da Corte para 0 Rio de Ja- neiro a metrépole passara, na pritica, a localizar-se na América Como metrOpole, o Brasil no mais deveria depender de Portugal, © ‘que impunha o livre-comércio com “as nagdes amigas Refletindo sua preocupacdo com a unidade, o visconde de Porto Seguro acredita ter sido a Providéncia que evitou o sucesso de mo- vimentos sediciosos que, caso vitoriosos, teriam impossibilitado a propria existéncia do Brasil. A causa principal do repddio que sente Varnhagen pelas “rebelidies” coloniais est, portanto, no perigo que elas representavam para concretizar o Império americano legado por Portugal, ao fragmentar 0 pais em mintsculas “Guianas”. Mesmo que por vezes reconheca 0 heroismo de homens que as promoveram, ‘como Tiradentes, Varnhagen nao hesita em condené-los. Aumenta © reptidio quando os movimentos, muitas vezes influenciados pela Re valugdo Francesa, procuram sensibilizar os setores populares, casos da Conjuragao dos Alfaiates e da Revolucao Pernambucana © visconde de Porto Seguro vé na primeira, obra de “homens sem valor’, muitos deles libertos ou escravos, a maior parte parcios, ‘como representando “tendéncias istas que politicas”. M grave, poderia tet tido efeitos similares a rebeliae de escravos em S20 Domingos, esquecendo os revoltosos, “que, quando en uma pro- vvincia com tanta escravatura, a sta generosidade lograsse triunfo, li- bertando a todos os escravos, como prometiam, depressa. c viu no Haiti, seriam vitimas destes, desenfreados e em mul maior nimero”™. ‘Téa Revolugdo Pernambucana “é um assunto para o nosso ani- mo tio pouco simpaitico que, se nos fora permitido passar sobre ele ose tid, p19. 2b” p24

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