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PAUL DE BRUYNE JACQUES HERMAN MARC DE SCHOUTHEETE Dinamica da Pesquisa em Ciéncias Sociais Os pdlos da prdtica metodoldgica Prefiécio de Jean Lacritre ‘Tradugio de Ruth Jaffily 3? EDICAO cote ‘Anes PREFACIO ‘Umma grande interrogasao se ergue a proptsito do estudo dos fendmenos sociais. Podese recomer, neste dominio, 20: métodos ‘que mostraram seu valor no dominio das cignciss da naturezs? A ‘Propria idsia de um conhecimento cientifico € aplicével quando tratamot de uma ordem de realidade na qual o omen intervém titulo essencial enguanto agente? Desde 0 momento em que = apo dovempenka unt pape, existe inovitavelmente referéacia a mo- ‘vagbes, objetivas e valores. Ore, pode-se tratar esses componentes a agio A mancira das proptiedades de um objeto fisico, pode-se “objetivélor"™? No se esiaia aqui, x0 contricio, na presenge de ‘ums ordem de reaidade que etcaps radicalmente, e por razGex de principio, a qualquer tentativa de objetraydo? For conseguinte, dues vias pazecem s¢ apresentar, Uma primelra possbilidade con: sistri em encontear © meio de analisar os fendmenos humans, € ‘08 fendraenos socials em particular, colocando 0s “agentes” entre parénteter e fazendo aparecer “sistemas” que poderiam ser trata ‘dos pelos métodot que mostraram seu valot no estudo dos sisters aateriais. De resto, iso 00 significa necessarimmente que teje pre ‘oso entretanto “redusie” os ferimenos hnmanos 2 seus substratos Dloldgices, ou mesmo simplesmente fsicos, mals ow menos & me ‘noire do que acontece na mecénica estatistica, na qual s¢ comegue sxplcar 0 que se passa no nivel “Tenomenol6gico”, ito é, no nivel don “observévels", a partir do comportamento dos constituintes ‘lemantarte 40 sistema estadado (que representarn, em relagio 2 ‘ete Gitimo, entidaden pertencentes a um nivel subjacente), por de hipdteun ontatisticas convenienter sobre esvet constituin: tes, Tal “reduelo” contituira ucna explicagto “real” dos fend- ‘menos humanot em termos de fendmenos mais elementares, de atareea fision, Pura que a anilise em termos de sistemas seja utlindvel, basta que so possaestabelecer uma analogia formal entre © fimclonamento de uma entidade fisica complexs ¢ 0 de uma Uunidade de comportamento, cu de uma unidade de interagdo 20- ‘lal. Rm outros termes, basta descobrir parimetres, eventuelmente de natureza absteata (isto ¢, nio divetamente observévels), em ter tags dos quais se poderd caracerirar, a cada instante, 0 “estado” dda unidade extudada, ¢ desco0rit, por outro lado, 2 let de evolu: ‘980 (de cardter local ou gobel) em termos da qual se poder’ ce racterzar a passagem de um estado a outro. Mas existe'uma outra posibilidade, Fla consiste em renunciar completamente a todos os recursos que podem ser sugeridoe pelet ciéneiat da. natureea ¢ om forpr um instrumento original de nix ae, adaptado & propria natureaa do objeto estudado, isto &, 0. que pertonce propriamente ao contexto da ag%0. Ors, a agfo nfo é um ‘provesso “ean terceira pessoa”, passivel de sex analisivel em termoe de varidveis, de ser inserito num esquema de exterioridade, 6 um processo que ¢ aplicagdo de um: sentido e que é consttuido de um estarfamos renunciando, por isso mesmo, a captar 0 que ha de) mais caraceristco, de ‘mais central nos fenfmencs soins? No tstarfames condenatos a consere apenas sa cariga vizis, um mero produto separido de sua fonts de produyic?. Conseguremos, sem divide, explicar stim faton de urna certa orgem, mesmo pro. dizer certos fenGmencs. Mas nfo teremos deixado de lado o que hhé de mais interessante, de mais significativo, aquilo mesmo que, final, querfamos aprender conhecer melhor?” Mas, por otto lado, se excolhemos 0 caminho da “conipreensio”,nio not iemiot Ugur de maneiremevitivel a uma perspectiva puramente subjetia? Que método geral propor aqui? Como garantir a possibilidade de [J um acardo que nfo seja simplesmente ums coincidénca feliz de falo, mat que esteja veradeiramente fundado numa partha de cx penelpios? Na roedida em que &interpretagl Tenia r 25 intencionalidades viva, ola 2 inssove no movimento das inten! sionalidades proprias ao interpretador. Certamente este moriment pode ser produtor & 4 interpretagio pode abr perspectivas quel 20 bem aiém de simples aprecnsfo, ela pode lover a pensar ‘mesmo abrir novos caminhos pare 2 apfo. Pode ser convincente| comunicativa, arrebatadora. Mas, novarnente, toda tentativa de de- fextremo a0 outro por fal aplicagso. Se se quer chegar 4 um verdal ldiro conhecimento da realidade social, € necessirio captila em [sua propria produgta, isto é, ns spfo, © considera esta itima nela mesma, em sun efetuseto, nfo em seus efeitos. Mas se of efeitog [sf observiveis, a propria a0, considerada em seu movimento |constituinte, ndio o é, Mas cle pode ser comproendida a partir dela Imesme. Um ser que é, ole prépio, um sucita de asfo pode aderty tiftegao do sentido permanece Fxada numa perspectiva singular, ‘nas iniciativas de uma subjetividade, quer seja a de um individuo ‘ou a de um grupo, E a comunicasio entre pontos do vista singu- Jes @ bem distinta da partitha de uma concep¢do de cariter ‘universal. 0 essoncial, ass, nBo € encontrar efetivamente ura acor- do a espeito de tal ov qual contetdo determinado ée conbecimen- ‘o, mas encontrar um método gra¢as 20 qual seri possivel, em fo menos do-mancira conjeturl ages colecadas por outros, mais exatamente, reconstituir, z partir de sua prOpris experténcie, © sentido que habits as sobes das quai vem a ser tstemusho, dieta ov indietemente. Assn, 20 esquema da explizagio, que vtliza linguagem do sistema, opiese 0 exquema da compreensf0, que utiliza 2 linguagem do sentido. Mas caja uma deesas vias tem suas dilicaldades, Se deidimos tratar co fatos socsis “como exisas”, isto 6, limitarmas a0 que a3 analogis formais entre sistemas materais¢ fendmenos socials po- dem ensinar, mjeltamos como ngosaber tudo 0 que 6 és ordem das signifeagbes, das intencionaldades, das finalidades, dos valores, fm suma, tudo o que constitu a fac> intema ds agio. Mas no 10 ‘rRCTpIO, atingir Concepybes concordantes. Ora, preckamente, nO © v8 muito bem como se poderia fundar num método de akeance uuiversalizante um procedimento que, devido A sus prépria natu. teva, esté ligado a0 enraizamento concrete de uma subjetividade interpretadora. Eni suma, o que citi em questo nos debate é a idéie de um cconhecimento cientifico dos fatos sociais. Parece que a tnica no ‘fo coerente e precisa de cientifieidade que podemos tomar como critério é a que % desprendeu poueo © poueo, no caro de uma longa progressdo histories, da pritica das ciéncias da natureza ¢ que, por conseguinte, a tnica mancira do construir uma verdadeira iéncia dos fatos tociais & adotar o caminho da anilise sisteritica, a ae ‘em outras palavras, proceder a una completa “objetivgio” do social. Mas se efetivamente essa muncira de ver pode ser susten- tads, sla implica que @ sbordagem “compreensiva” nio pode ser cientfica. Awim, por um lado, terse-ie nia proposicio visando a dar 40 conkecimento da realidad social um carster verdadeira mente dlentifice, mas 4 custa talve: de um empobrecimento con- siderivel 40 proprio objeto que se ceseiaria conhecer melhor. E, por outro lado, terseia uma proposigde que pretenderia encontrar feme objeto em seu nicleo mais eipecifico, mas a casta de um abandono de tudo o que esta ligado & idéia de ciéncia, ‘A situagdo, na realidade, talvea nao seja t¥o clara, Pois, se & verdade que 2s cféncias da naturera, em sue evolugdo, fizerem ‘emergir uma corta imagem da cientficidade, ndo esté absolutamen- te estabelecido que elas tenham dado desta tiltima, no que efetive ‘mente realizaram, uma exprestdo alequada. Pois a cientficdade representa uma idéia reguladora, 180 um modelo determinado, considerado elaborado de ume vez por todis ov pelo menos em vias do claborayio. Pode-se tentar destacar, a partir do que acon: teceu na hist6ria do conhecimento da naturez2, uma certa repre- sentagio do que caracteriza um coahecimento cientifico. Mas tal representapao nada tem de @ prion, ela apenas reflete 0 que s¢ produziu mum certo processo historco relativamente bem circuns- Crito, Esti portanto carregada com toda a relativdade e com toda a particularidade que se liga % um rocesso hist6rico limitado (no tempo e no esparo) Entrotanto, no se pode dizer cus essa ropresentagio scja ptt ramenie descritiva, que nfo compote nenhum clemento norma tivo. Quando se fix 0 esforgo de dar uma forma precisa’ idéia de cientificidade, formulando tal ou qual exitéio (por exemplo, © cnitério da fabsticebilidade, ou 0 do acordo intersubjetivo, ov o ds revisibilidade), pretendese de fato traer & lux uma condligl0 que se imponhs como uma exigéncia 2 todo empreendimento de co abecimento que tenba a pretensio de se upreseatar como ciéncia. Mas como se pode apresentar ume condigéo como normativa, ao ‘eabo de uma progressio que de moto algum é a priori? Trata-se de captar 0 sentido intemo de um empreendimento que 36 revelou sua verdadeirs natureza de maneix: muito progress: e nao de julgor de fora aise ompreendimento, a partir de uma outreinstin- ‘ia, por exemplo, do ponto de,viste de uma filosofia prévis. Mas 2 ‘ete empreendimento aparece a0 estudo histérico e 2 unélise como ‘obedecendo « um certo critério intemo de orfentapdo. Mais exate- mente, seria preciso dizer que aparece como estando, ele proprio, & procura de suas proprias nonmes. Poderse-ia dizer que o empreen dimento cientifico (tal como se desenvolveu no quadro das clén- ias da natureza) desenrolouse simultaneamente em dois planos: 0 os contetdos e o dos ertérios. © que signifiea dizer que sempre se duplicou com sua propria metateoria, mas sem estar verdadeica- ‘mente consciente dito, pelo menos aif bem recentemente. A emergéncia da epistemologia modema representa, em suma, a pas. Sagem 20 estado exphicito desia metateoria imanente, No plano dos contetidos, vemos 0 empreendimente cientifico elaborar seus métodos, formular seus principios, estabelecer seus resultados. No Plano das normas, vemorlo procurar seu caminho tateando, retifi- ar a si mesmo, abandonar cortas vias, orentarse de mancita cada Yer mais decidida para certas diregBes privilegiadas, Existe simul- ‘taneamente um processe de eutocontrole © um pracesso de inven eS ete e pplocoiole inaiony [eam ‘come que te dt pes | quisa, mas é uma teleologha que i consttoi;néo existe um “iclos' colocado previamente, que regUlitia Segundo um esquema inva} | ivel 0 devir da ciéncia, existe como que um proceso de aut |onganizaglo gragas 20 qual um procedimento de inicio tateant \comsegue desembar de modo eada vex mais preciso seu proprio cixo| |de evolupio. Quando a reflexdo sobre a ciéncia se organiza de | maneira explicita, nada mais faz, em suma, do que fazer pasa) |para a expressio esse procesto intemo de autofinalizao, ¢ o que \explica que as formulagdes que ela propbe possam ter um cardter| |normativo, A norma de que se wala aqui ngo vem de nenhum |outzo lugar senfo do proptio processo pelo qual a ciéncia se cons em seu devir historco. Mas se se pode falar de norm, ¢ [porque esse processo 6, por si mesmo, indcativo. Quando o proce |dimento epistemolégico consegue tefl, ele reencoatra 0 a0 \de progressdo que se elaborou neste processo e, a0 mesmo tempo, Mdercobre indicagdes rolativamenie precios sobre a mancita pela lqual o movimento poderd prostegui. ——Todavia, nade nos avtoris « absolutizar © que 68 mottra assim ¢m atividade. Se as normas de cientificidade s30 um produto do Préprio devir da cinta, nlo uma eepécie de exigincia coloceda w » prion! ou viada de fors, slat 1b paceram se elaborar graces a uma | Intaraghe caastante entre métosor © objetos. sto porque nem of maltedes nec od objetor slo dados « priort Existe elaborayso pro- poate dos robtodos om contato com determinados objetos. Mas {inlet corviativemente, elaborazio progcessiva dos objetos gragas to sclomamento do determinados mltogos. Asim, podese dizer vtmvst- qua 0 mbtodo experimental foi xgerido pouco & povco pelo com: “Gs to dos tistereas materisis Mas, por autro lado, podo se (e ‘ves) de tain que & no exo dears precedent no (qual © método experimental desempenhou um papel essencial que Toram elaborados os objetos aos quais podertos hoje aplicar 0 conceito de “sistema material”. Foi a natureza dos objetos que de Algum modo impds 0 tipo de progressio e, portanto, os métodos E correlativamente, foi a escolha de determinados méiodos que conduriu. ao recorte da realidade saracteristioo das ciéncizs da n3- tureza, (Assim, a reduydo as qualidades primérias,cfctusda no pe- iodo do inicio da fisiea moderns, representa uma espécie de ade ‘quagdo da reaidade a. um métode que consistia em “ler” a natue reza alravés das representacbes fomecides pela matemética.) Ora, fot na caadapiagio progressiva dos métodos © dos objetor que pouco 2 pouco se precisou a idiia de citncia que se imps na a0 qual se chegou, isto €, a idem de cientificidede tal como se} impoe hoje na fisica, mas antes o processo de interapao que levou| a esse resultadg. Ora, um processo andlogo pode se iniciar num| Jcontento diferente daquole que dev nascimento as ciéncias da nm| tureza, E ume idéia diferente de cientificidade pode emergir pro Entretanto, ist aso quer Ger que overs contar com a ppossibilidade de ver aparecer, a respeito do social, uma forme de cincia que nada mais tenha de comum com = que caracteriza ws cléncias da natureza. Se existe um devir da idéia de cientificidade © se ete devir 6 relativo & naturera da realidade estudada, nem por isso se pode dizer que ele se faz ce um modo inteiramente contin= gente, como se so tratasse unicanente do uma seqdéncis impro- Vivel de ocorténcias histéricas. Existom determinagdes imanentes {que impoem 20 processo histérico seu aspecto © que sio sem die “ vida las proprias comandadas pelas condigées mais gerais que Sovemam at interapdes possiveis entre o apareho homano de sonhecimento © o mundo exterior. $30 finalmente esses deteem- ragies que dio 2 idéia de clentificdade seu cariter aormativo. Eas se impoem inevitavelments « todo proceso histirico con- ‘rete, mas, por outro lado, sfo suficientemente geras para no s0 exgotarem em tal ou qual processo histonco particular. Deve-se nto contar com 4 possibiidade de encontrar semelhan¢as rele tivamente estreitas entre todos os empreendimentos que se inspl. zarem na idéia goral de um conhecimento pot conceitos, de cariter tistemético, explortério e dinimico. Mat, 40 mesmo tempo, ‘deverse contar com a possibitidade de uma diversficagto, talver ‘rescente, desset eompreendimentos. A idsia de cientificldade com- porta simultaneamente um pélo de unidade ¢ um pélo de divers: dade. Ela representa uma forma absolutamente geral de auto-rogu- lag8o do proceso de aquisio dos conhectmentos. Mes, por outro lado, nfo pode ser igualads pura e simplesmente a uma forma determinada de cléncia; ela pré-contém, por assim dizer, diversas formas conceetas possiveis de realiracio, Todavia, nfo € possivel indicar de modo preciso ¢m que con- Sistem essas detetminaybes gerais que caracterizam a idéia de cien- tificidade em sua significepao mais geral. Pois é apenas no devit ofetivo da ciéncia que esta idéin so mostra n nés. Ora, até 0 pre sents, foi apenas no dominio do conhecimento da natureza que ola tomou ume forma suiclentemente precisa para que possamos ima- fgnar davlhe uma caracterizapdo explicita mais ou menos adequa- da. Na verdade, apesar das tentativas que foram feitas neste sen. do, no se conseguiu, até agora, formular a idbia do cientifc- ade, mesmo limitando-se as ciénciae da natureea, de uma manciza {totalmente satisfatGria e admitida por todos. Entretanto, sfo por 'iveis eproximagdes © o problema da formulagfo de umm critéto de lentifisidade, no dominio das ciéncias da natureza, parece ter um tantido. Mas ndo se vé muito bem como se poderia proceder para feparar, nos ccltérios ao menos aproximadot que se poderia pro- Por, 0 que pertence & idéia geral de cientifickiade e 0 quo 6 pro- Prlamente da competéncia da figura particular que esta idéia roves te no quadro des citncies da natuseza, Soments quando outras ela propria concebida em seme Ac Sng como eet ctn wee tment conta isa Peaequele que interogs ae ‘rs inveniendi preferente- te a um ars proband, ¢ obrigito "a romper com numerosos tsqueres rotineion dx tadilo epstemologen e, em parcus, com a repretentacso da pesquisa como sucessio de ctapas dstintas « predetorminsdas”!? PHA patza eontiic nfo 6 redutvel a uma seqincia de oper es, de procedimentos necessiios ¢ imutiveis, de protocolor codk ficados. Tal concepgfo, que converte a rietodologia mums teeno- logia, repouss sobre a visto rigorsta ¢ “burocttica” do design, fixado no inicio da pesquisa « de uma ver por todas, concretizar- dose no que W. H. White chams Je “mania do projeto”. Ao com trio, parece que a complexidade das problematicas em cléncias sociais exige Interpenctrazies © vollas constantes entre os polos pistemalbgled, te6rico, morfol6gico e idenico da pesquisa Mas a ivisio abcio-téenica do trabalho e 2 profissionaliza;to do pesqui sador tendem para automatismos administrativos de tipo burocré- tico: “0 recorte das operagBes da pesquisa que serve de paradigms, pelo menos inconsciente, 4 maioria dos pesquisadorcs, nada mais & do que a projegdo no expaco epistemoldgico de um organograra burocritico ... tudo concorre para favorecer a dicotomia entre 0 ‘empirisme cego ¢ a teona sem controle, a magia formulista © © situal dos tos subalteros” i sé icandose copeio da metodologla como um conjunto de técnicas aplican seqiencialmente na cronologia de uma pesquisa, wae (0 método reduzae entio a um procedimento “Ibgico” de tipo indutivsta para uma pesquisa em forma de programa 4) Estados exploratarios, no “frau zero” de teorizario ¢ obser vagio x0 scaso; 2) Estudos de follow up*, para formular hipéteses particulates; ¢) Eluboracio de “'modclos tedricos”, formals ov dos entivoe; d) Validsedo desses modelos experimentadcs em contextos limitados; e) "Validagdo cruzada’ da teoria em situag6es concretas (cross-validation), estigio da consolidarao da teoria * Rouniio entre centisas part sear nevas dias ¢N, de.) 30 Além de seus a priori empisisas, este provedimento propte ‘um modelo ideal de pesquisa, sob a forma de uma espésie de camui- sho exftico, ¢ impoe uma concepcZo linear da metodologia ¢ da Pesquisa. NNa realidade, esta tltima aparece menos como um procesto cstandardizado do que como um sistema do multipicidades: as scolhas metoaoligicws no 0 colocadat umas ap6e a outras, mas Formam sistems, isto 6, supSem voltas constantes ¢ iaterpenetra- gee reciprocas dot pélos epistemotégico, teérico, morfoléyico e tterico. O ambiente societal da pesquisa © campo da pesquisa s» inscreve desde o inicio, e x0 longo de {ode sua elaboragdo, nun ambiente societal bem mais vasto do que © de todas at priticas socias. Sem entrar aqui na anilise das rle- s8es complexat entre a ciéncia ¢ a sosiedade ou da produgio de uma pele outra, parece Gtil discemir determinados campos de in-! fluéncia ou de coexyo e/ou de faclitagto relativamente & pesquisa» —~ entttica que Timiiam ou vonteariam a Uberdade das escolhas me, fodolégicas do pesquisador. Esses campos sio de naturcza e de fimpotténcia muito diversas ¢ sua infludncia 6 especifica 2 cada ‘ontexto particular de pesquis “A orgenizagio social da pesquisa nio escapa acs conflitos politicos ¢ socials... os cientistas no estio acima da disputa Social ¢ politica; 20 mesmo tempo sua ciéncia nfo se reduz & ‘deologia dos atores que se conftontam "13 | @ campo da demanda social. — Sendo o pesquisador membro de uma sociedade particular, ssa atividade & permitida efou legitimada de um cero mode pelo sistema sécic-cultural dessa sociedade. A influéncia da divisdo sécio-téenica do trabalho 48 fo’ posta a luz. Assim, por exemplo, 0 “toérico” & distinguido arbitratiamente do “pesquisador de campo” enquanto que suas abordagens io insepariveis metodologicamente. A encomenda social, 0 financiamento da pesquisa, é uma ameaca para sua auto- ‘nomia; ela pode introduzir intengOes normativas ou exclusivemente ” prapmitcas que desnaturam ot provestos de bjetvagio centiflea, 1k cooptagdo era pam 0 peaquizadcr 0 iso de ser manipulado por tripor de presto quabque, asitande, por exomplo, como. -___ Méadas” informsgbestruncadas. A “sociedade de dscurto” to 6, 0 [ conjunto dos pesquisadores, 28 teorias ¢ as experiéncias, os rituals |e as mormas, a instituiges académicas e cientificas, exerve um | contre dito sobre toda pesquisa Os aspects nefatios ds sock — «Gade do diseuro vem dovida alguna so numerosos — conserva orismo, modas,nepotitmo, dognatsino, ec. —, no entanto, 56a ontufbuigGo. postive 6 capital. Ni veriade elas sfo a concretizn [ #0, institucfonalizada socialmente, de uma certa autonomia da | Fergus, © lar cxtico de contrals mituo, de elaboragfo iter | mubjetiva, que garante 2 objetiidade cientfica, Cada sociedade de * Giseurto pode incluir diversas escol2s, o que representa um caréter feomdo de confrontardo de pontas de visa reciprocos, mis qUe pode tumbém desencadear a intrasigéncia © o dogmatismo 1. 0 papel das sociedades de discurso, que formam a “cidade clent- Fea"™7, 6 0 de eaborar una ética da profisio ¢ uma inguagem comum para of pesqusadores de cada uma das diciplinas, favo- feoet um certo “esotermo” gue presrva a cléncia ds voracidade fos gropos socials externos ¢ de ima perigoss vulgaieagfo que 32 enform mais com o “mundanisne” (Durkheim) do que ¢om © ‘Assim, toda produglo cientifica traz a marca da demanda so” cial A qual responds, 0 que justfice uma sociologia de pritica cien- tifiea®. 2. 0 campo axiolorico ¢ 0 sampo dos valores sociase indi viduals que condicionam a pesquiba cientifice)?. A propria perse- cugio do esforco cientffico é suwtentada por valores espocificos (conhecimento, poder, etc.). Os valores culturais increntes & socie- lade imp3em 20 pesquisidor a exotha de suas probiemitica, dos temas que cle aborda. Assim, Max Weber insistta sobre a “relapio ‘aos valores”; Marx dizia que os homens 6 se colocam os proble- mas que podem resolver, comfesando, por conseguinte, 28 Co” exes da. pesquisa com os contextos socias, enicas ¢ cultures hon quais cla se inserevs. Ore, « scolha da problemtica deve es forgave por ser explicit, sob pons de cedes ds miitipls infladn- cla das Sdeologas?®, Os intereses prépriot ao posguisador Suge 2 remvihe igualmente orientagdes egpecificas, Caberia a uma psicanlise determinar o impacto do fator individual sobre o desenvolvimento dos conhecimentos cintificos. Por seu lado, 0 pesqutador deve levar em conta seus juzos de valor pesconls ¢ ertabalecor uma emazeagio gragas = uma linguagem ¢ s provedimentotcientificos. Isfo ndo impede absolutamente que a8 pesquises em cigncias soxias, eujo objeto com muita freqdéncta conceme o estado dos valores, das normas, das dignificacdes, porsam trat-los como “fatot normativos”! sem cair no subjtivisma. Pois no se ceve confundir 0 subjetivismo do pesquisador (seus “juizcs de valor”) com 0 subjetivismo dos objetos de pesquisa (indivitues, grupos, sistemas sOeio-eulturais, ete)22, 3.0 campo doxolégico é 0 campo io saber nfo sisterati zado, da linguagem e das evidéncias da prdtice cotidiana, de onde 2 Peitica clenifics deve precsaments esforgarse para arrancar suas problemdticas especifices. O campo doxolégico € o suporte ¢ 0 ‘roduto da inguagem comam, das priticas empiticas; pode deter ‘minar no pesquisador uma “‘certeza sonambélice” (Mannheim) sobre 2 realidude que ele investiga. O perquisador deve, 20 con- tuirio, desprenderse as pri-nogdes do senso comura. Uma doxo- Jogia teria 0 papel de estudar a incidéncia do saber sobre as prét as cientificas*?; uma rosografia Witigenstein)** deve se encaste- agar de purgar a Tinguagem clentifica das contaminagOes multo gran des pelas pré-nogdes vagas, imprecses,ideologicas. © conjunto da “tradieio tebnca” das disciplinas das ciéncias do homem ainda tem ligasdes omginicas com 0 campo doxoldgico, ha medida em que sua pritica apenas inicia 4 ruptura com a Kingos- gem comum. Prove disto & 0 diflogo constante destes aléncias ‘com as preceupagses pragrniticas ¢ ideolégices correntes, didlogo ( cote é 0 sinal de uma falte de rupture) que se desencola numa ‘mesma linguagem: & uma “conseqiiéncia inesperada” da vulguriza- 40 das pesquisas em cigncias sociats. Ora, 0 dilogo, ou melhor, a InteragSo deveria se instaurar 2 partir do dois tipos de linguageas diferentes, cada um com sua especificidade. sem se tornar um sim ples jogo de espelhos. ‘Como menhuma pritica cientifice fianciona fora do conjunto des priticas sociais, no s¢ poderd falar de corte epistemologico ‘entre, por urn lado, o corhesimento e a pritica espontinea da vida 3 8 or oulro lado, o coahecimento « a prética reletida dtu cigncia, € prefervel falar de npprura epstemaldgica, ruptura a sex sempre Fecoregada, continusda, reformulada. “A' fase clen- ‘ifica da pesquiss comega quando, eo dissociar o verificivel do que 6 apenas reflexivo ou intuitive, 0 pesquisador clabore métodos es Becias, adaptados + seu problema, que sejam simullareamente tnétodos de abordagem « do erifieas20"25 4. 0 campo epistémico é 0 cunpo do conhecimento centifico ‘que chegou a um grau de objetvidade recorhecido: estado das teoras, estado da rellexdo epistemcléics, estado da metodologis, estado das téenicas de investigngE9, A repido epistimica mai proxi. ‘a de uma posquisa expocifica & evidentemente, a da disciplina do {-Pesquisador na qual de procede a escolhastetricas, epstemolog Se eee | plina Ine ofereee. © que ele nie essolhe — por ignorincia ou no ~~ nem por isso deixa de exerceriefluénca sobre o desenvolvimento de sua pesquisa, de modo idéntica a0 campo doxoldgico. Por ov tro lado, © campo eplstémico contém elementos de outs disci lines que si0 generaliziveis , portanto, importiveis, sob deter- minadas condigbes de vgiincia, peles necessidades das pesquiss particulares. Tstas iltimas devest> submeterse e deicarse guia, ‘numa medida nlo desprezivel, pls produtvidade do proprio campo ‘pistimico. “....Nio i sazio para crer que ado exists um pro- __fe80 imanente de desenvolvinenio da proptia cigncia™?*. Neste | ‘sentido, o sueito da giéacia nfo € absclutamente 0 prdpato pesqui | | smog, nem mesin0 © corpo dos pesquisadores, mas 2s tots € 06 | ‘mbtodos cientificos em seu desenvolvimento que € inseparivel de | | SRF 6 as conTttos . Uma espego metodoligico quadripolar © campo astonomo da pritica cientifica, autonomis caja pre- cariedade & aparente, pode ser concebide do ponto de vista meto- dolégico como a articulacdo de diferentes instincias, de diferentes ‘polos que determinam um espago no qual s pesquise se apresenta ‘como spanhada num cantpo de forgas, submetida a determinados fluxos, a determinadas exigincias internss 4 Podem ser distinguidos quatro pélos metodolbgicas no campo da pritica cientifica: epistemolbgico, tedrico, morfologico e técnico. let nfo configuram momentos separados da pesquisa, mas sspectos ticulares de uma mesma realidad de produgdo de diseurs0s e de Drdtices cientificos. Toda pesquisa engaja, explicita ow implicitar mente, estas diversas instincias; cada uma delas £ condicionada pela prevenga daz outrat e esses quatro polos definem um campo meto- olbzico que assogura a clenificidace das préticas de pesquisa. 0 polo epistematigico exerce uma fungio de viilancia critica. ‘Ao tongo de toda a pesquisa ele & a garantia da objetivacio ~ isto é, da produgfo — do objeto cientifico, da explicitagfo das problemiti- 0s da pesquist. Encaregase de renovar continvamente & ruptura dos objetos cientificos com os do sorso comum. Decide, em ditima instincia, das xegzas de produgio ¢ de explicago dos fatos, da com- preensio da validade das teorias. Explicita as regras de transforma: $40 do objeto cient fico, critica seus fundamentos. (© polo epistemologico tem em sus orbita uma gama de “proce | sos discursivos", de “métodos” muito gorais que impregnam com sua lgica as abordagens do pesquisador. Séo, especialmente, x dale-| tica, 2 fenomenologia, a lOgica hipotético-dedutira, a quantitica- go. Estes processos no se excluem mutuamente, alguns podem Ser onipresentes, outros podem nfo apareoer em pesquisas par- ticulaes 0 pik tebrico guia « claboracao das hipOleses © a construgio dos conceitos. Bo lugar da formulscio sistemdtica dos objetos cien- tificos, Propoe regras de interpretagao dos fatos, de especificagto de definigio das solugdes provisoriamente dadas ds probleméticas. E © Tugar de claboragZ0 das linguageas cientificas, determina o movi mento da conceitualizagio. pélo teérico avizinna-e dos “quadtor de referéncia” que lhe fornecem inspiragbes ¢ problematicas provenientes das contribuigSes teortico-priticas des discipline dos “habitos” adquitidos. Eases quador de referincia desempenham um papel paradigmético impli- sito. So, principalmente, os quadtcs de referéneia “‘positivista”, “compreensivo”, “funcionalista" « "estruturalsta’’ 0 plo morfoldgico & « instincla que enuncia as rogras de est taragio, de formasao do objeto cientifico, impde-the uma certa f ura, uma ceria ordém entre seus elementos, Permite colocar um cespaco de causagdo em rede onde se constroem 03 objetos cientif as 08, seja como modelos/edpias, ja como simulacros de problemé- ticas reais. O polo morfolbgico susita diversas modaliéades de qua- dros de anilise, diversos métodos de ordenacdo dos elementos consti- tutivos dos objetos cientiticos: a tipologse. 0 tipo ideal, o sistema, os modelos estruturais. Essas diversis formas de configuragdo na smuloria dos cases, engajam a pesquisa em escolhas mutuamente ‘exclusives. A causalidade € pensach d2 manotra particular om cada 1m desses quadros de analise. 0 pile técnico controla a coleta dos dados. esforge-se por cons- ‘atilos para poder confionté-los com a teoria que os suscitau, Exige precisfo na constatacio mus, sozinho, nfo garante su enatidfo. © pOlo téenico tom om sua vzinhanea modos de investigapiio Particulares: estudos de caso, esttdos comparativos, experiments ‘90c3, simalagio. Esses modos de investigacS0 indicam escolhas pei- ‘cas pelas guals os pesquisadores optim pox um tipo particular de ‘encontro com os fatos empiricos. A interagdo dialétiea desces diferentes polos constitu! 0 con- Junto da pritica metodolégica; esta concepeio introduz um modelo opoligico © ndo cronolégico da pesquisa. Infnitamente variada no tempo e no espazo, esta Uitima mave-se nesse campo motodologico de maneira mais ou menos explicitaa ceda passo de sua pritica. Merodos_ | Piiee [Quadros ae |" HPloeias |. Fenomenologa Masia Tipo id Quaniticagto | Sistomas Logie hipotiticn. Modelos estrutuais edt mmrasrewcinae] \ | 7 POLO MORFOLOGICO oe a os ae] Bite ee ret lcmeeess © [ASS [cess cyan econo peer “tinmtons Simut 36 sity 13, 14 NOTAS M, FOUCAULT, Les mots et les chotez. Une archéologie des sciences humaines, Pais, Gallimard, 1969-4, p- 378 A. KAPLAN, Tie Conduct of Inquiry. Methodology for Be dayioral Science, $i0 Francisco, Chandler Publishing Com pany, 1964, p.2 M. FOUCAULT, Lierchéologie dh savoir. Pars, Gallimard, 1969-8, pp. 241, 242 Sobre esta intersubjetividade da cifncia, ef KR. POPPER, The Logic of Sclentipie Discovery, Londres, Hutchinson, 1972, pp. 44-47, 98.104, 1. S. KUHN, La sinicture dee révolutions scientifiques, Pans, Flammarion, 1972; RW. FRIEDRICHS, A Sociology of sociology, Nova Torque, The Free Press, 1972. A. KAPLAN, op. cit. 1964. p27. J. PIAGET, Rpistémologie des scfences de Vtomme, Paris, Gallimard, 1972-B, pp. 17-28. A. VIRIEUX-REYMOND, Iniraduction 4d lépistémologie, Pans, Pretses Universitaires de France, 1972, p. 21 G.-G. GRANGER, in L. APOSTEL er al, explication dans des sctencet, Pars, Flammation, 1973, WN. CHOMSKY, Les probiémes dle savoir et de ta Hberté, Panis, Hachette, 1973. J.VIBT, Les méthodes srructuralistos dans les sciences socia. les, Paris, Mouton, 1968, p. 6. P. ROURDIEU, J.C. CHAMBOREDON ¢ J.C PASSERON. Le aitier de sociologue, Paris, Mouton-Bordas, 1968, p. 25. Mid. p. 110, JE. MCGRATH, “Toward a ‘Theory of Method’ for Research. ‘on Organizations”, in W. W. COOPER, H. J. LEAVITT e M. W. SHELLY I, eds, New Perspectives in Organization Re an search, Nova lorque, John Viley, 1964, pp. 523-566; A. J KAHN, “The Design of Reseuch”, in NA. POLANSKI, ed. Social Work Research, Chicago, University of Chicago Press, 1960, pp. 48:58 15. A. TOURAINE, Production de la societé, Paris, Seuil, 1973, pp. 100-101. 16. J. PLAGET, op. it, 1972-B, pp. 117-127. 17, P, BOURDIEU er al, op. cit, 1968, pp. 109-113. 18, B. BARNES, ed., Sociology of Science, Readings, Londtes, Pen- fuin, 1972; R. W. FRIEDRICHS, op. ci, 1972. 19, KR. POPPER, op. cit, 1972; J. HABERMAS, Knowledge nd Human Interests, Londres, Heinemann, 1972, 20. W. W. GOULDNER, The Coming Crisis of Wester Sociology, Londres, Paperback, 1972. 21, J. PIAGET, op. cit, 1972-B, p. 24 22. PB, BOURDIEU, Asquisse d'une théorie de ta pratique, proce: ido de Trois études d'ethadlogie kabyle, Genebra, Librairie Droz, 1972 23. M. FOUCAULT, op. cit, 1959-B; G. DELEUZE, Un nouvel archivise, Brno Rey, 1972-D 24, P. BOURDIEU et at, op. cit, 1968, pp. 1894193. 25. J. PIAGET, op. cit, 19728, p42. 26. T. PARSONS, The Structure of Soctal Action, Nova torque, ‘The Free Press, 1968, p. 27. 21, T. S. KUHN, op cit, 1972, R. BOUDON, La crise de la s0- iologie, Genebra, Droz, 1971-8. 38 j i CAPITULO 1 O Pélo Epistemolégico 1, PESQUISA E EPISTEMOLOGIA, Para discernir 0 papel a contribuigo de uma instincia epis- temoldgica no processo de pesquisa, convém distinguir duet fun- Ges da propria epistemologia. Pode-se qualifictls de metaciéacia nna medida em que vem apés e diz rospeito as ciéncigs: rellento sobre 0s prineipios, os fundamentos, a validade das ciéncias. Mas 20 Lado desse cardter metacientifico, 2 epistemologia cevela tam- bbém um cardter intracientifico e, como tal, representa um polo in- trinseco a pesquisa cientifica ‘A concepyio © 0 desenvolvimento das ciéncias exigem uma ‘epistemologia que no seja fixista, que nfo pretenda reger as cién- cas a partis do fora, mas uma epistemologia ligada & prépris pro- upio da ciéneia, feita pelos préprios pesquisadores em suas dsci- linus respeotivas, que soja scmpre aproximada das epistemologias as outras disciplinas cientificas. Esta concepeo da episiemologia ‘come reflexdo, viglincia intema da céneia sobre seus procedimen 10s e seus resultados, ¢ a untea que respeitari o cariter constante- ‘mente aberto das cidncias sem hes impor dogmaticamente exigénm- cias ilusbrias de fechamento, 2. FUNGAO DA EPISTEMOLOGIA A pisemoya ADIGE wong de ojotnidate don contecimenios enti, dow fae dx cbceraqHo @ de per 0 smentago, examina igualmente as relagdes que as ciéncias estabele- ‘cem entre as teorias€ 0s fates. ‘A epistemologia, de qualquer modo que sja definida, colo- a, de certa maneira, que uma ciéxca da ciéncia 6 possfvel". Mas isso nfo significa absolutamente que oss “metaciéneis” tenda para uma compreensfo absobuta das ciémias; devese antes dizer que um certo saber ligado & produgio clentifice tomase possivel x partic da reflexdo opistemologica. “... A epstemologia deve submeter 4 rroggo de ciéncia a um estudo critico”* Isso se toma claiO se se considera que o& grandes, problerus epistemolbgicos nascem a par tir de’crtes nas. cléncias| de questionamento no de seus resulta. dos, mas de seus fundamentos. A fim de legitimar ax novos pontos de vista o de recstruturar ot quadros tebrices, a reflexio epistero- lbgica se impbe, reflexo dos proptios pesquisadores sobre os ins- trumentos dc conhezimento dos cuais suas ciéncias dispoem, re- flexio com vistas superar as crises rerendo a portinéacia dos con- ceitos, das t2otias © dos métodos clante das problemiticas que sf0 ‘objeto de suas investigncoes. ‘A epistomalogia fomece os insirumentos. de cuestionamento ‘dos princfpios nas cigncias, 0 que & essencial pare estas tltimas, pois “foi possivel suitentar que eks vio ma dicegzo de seus prin- cipios tanto quanto partem eles. Elas devem seus. progressos menos a seu rigor absoluto do que a sua faculdade de ‘autocorse- io’? Brunschvieg indica que os progressos das ciéncias ndo +80 ‘apenas “‘progresivos” mas tarobém “reflexivos”; a linearidade 4= seu desenvolvimento estd entio comprometida por refusGes de seus proprics prineigios motorss. Asti a teotia do conhecimento, que definia clasicamente » opistemologia, enriquecese com mitiplas reflexoes epistemologicas interas, elaboradas na e pela pritica das cigmciag, © regionais, para ab necestidades de cada cifncin em parti- cular. A epistemclogia no sentido ciésico era aplicagio de inter- sex flosificas estranhas a ciéncia, a epistemologia que se dosen: Nolve atualmente & interna as propria priticas cientificas: “tor nae entio instrumento do progreio cientifico enguanto organi zapio interna dot fundamsontos ..~*. Fis por que a epistemologia fem principalmente uma fungéo ce viglincia eritica na pesquie. Bachelard vira comretaments que a razdo “arguitetonica” da céncia se duplicava com uma ra2fo “‘polémica”, t$0 indispensivel quanto 1 primeira para © progresio cientifico, “A epistemologis se distin- a se de uma metodologia abstrata porque se esforga por apreendet 4 Idglea do erro para construir a logica da descoberta du verdade come polémica contra 0 erro ¢ como esforgo para submeter at vyerdades aproximadas da cigneia ¢ ot métodos que ela wiilza a uma reifleagdo metédica e permanente”. O procetto do coake cimento cientifico ¢ um processo de constante aproximseio, “pas sagem de uma validate menor a uma validade superior”® Colocere entZo o problema do contetido da reflexz0 episte- moligica. Esse reflecto se enriqueceri com a colaboragdo des a versas disiplinas entre si pela troca intecdisiplinar das reflexdes ‘epistemologicas intemas especificas @ cada ciencia. Assim se cons- titui uma epistemologia geral que € a articulagio das episterclo- iss intemas que se fecundam mutuamente, A epistemooga poral ‘fo ae pergunta o que ¢ 0 conhesimento cientifico encardo como um todo ¢ sim “como aumentam 05 conhecimentas considerados fem sua multiplicidade ¢, sobretudo, na diversidade ce seus desene volvimentos respectivos””. Os métodos da epistemologia s40, por tanto, necessariamente miltiplos: para aprecar os fator, © método histérico criti, € para apreciar as regres, 08 procedimentos da Io- fica. A isto podese acrescentar 0 método psicologico de Piaget suse éstuda os modos de desenvolvimento do conhecimento, a2 ‘operagies concretas do persemento comntivo (epistemologia psico- genética). A epistemologia assim concediéa, enquanto polo essencal da pesquisa, situase portanto, de imediato, tanto numa lGgicu da des- coberta quanio numa figiea da prova', 0 modo de produgz0 dos conhecimentos interessalhe tanto quanto seus procedimentos. de validapdo. Assim, a metodologia (e 06 petquisadores pare 09 quis la ¢ motivo para conflar no rigor, na exetidgo ¢ na pertinéncia de Sues pesquisas) deve apreender a cifncia como um processo (ndo sequencial, mas vivo) € no como um produto, Os pesquisadores esto na base de um processo cientfico, azmados com a metodologla, 06 fldsofos das ciéncias esti no fim das pesquises para analisar scus produtos, seus resultados. Os pes- quimdoces encontrario na reflexzo episiemol6gica nfo apenst os fundamentos para se asseyurarem do rigor, da exatiddo, da precisfo 44 wu procedimento, como tambfm preciosa indicasBes que suis- ‘fo & Indispensével imaginacio da qual deverio dar provas para ‘iter on obsticulos eplstemolégicas ¢ para conseguirem fazer pro- a igen o conbecimento dos objetos que investigam. Hles se apois Hho, portnio, em consideragtes formas, safes da Vigiea, ¢ em consideragdes concretas, igadas& historia de suas pritieas € de seu dominio cintifico (episemologia interna), 4 historia do conjunto ds diseipinas cicntificas (cpistemolgie era)? '8-amplido dos objetivos @ dos méiodes da epistemologia ine ica que eis nfo pode constituit um domninio rigorosamente def- nado e sistsmatizado; é justamente de seu carter no isemdtico ‘que cla tra sua fecundidade. Sera igualmente errdneo consderé como uma ciéncia empitica, Com eftito, boa parte de seus enun- ciados ado @ verfcivel empiicamente e, als, a razto de sex eles ro é, absoluramente, de se confrontar com fatos (excepso Seta 8 eistemologia psicogenética). Essa soncepedo empinsta da episte- mologia s poderin atinar o que constitui sua prdpria fecund- dade, isto 6, ado ser apenas gor. mas também critica ¢ polémica Por iso a epistemologia no pode estar completamente separada 4a flosofia, contrarigmente is aspingdes do positivismo: com ofet to, cate cikimo reeusa sidéia de que havea, na Flosofi, uma ver ageira teona do conbecimento, ura epistemologia ow uma meto- dologa, “Ele pretends ver nos problemas flscfices que surgem espéces de pseudoproblemas ou quebra-cabeeas™® De fata, todo pesquisador tomu-se flosof0. € obrigado a isto alos problemas que encontra em suas abordagens: naturers da licagio, naturera dos fatos, valdade dos procedimentos, ec “A epistemologa parece escapar cida vez mals dos flésofos para pssar para as mos dos proprio centstes.., Na medids ¢m que a reflexio cpistemologica € diretamente suseitada pelos embaragos do trabalho cientific, ela permance ainda muito préxime dese trabalho no que ele tem de especitica”! Dai a natureza purticular do pelo epistemoldgico na aborda- gem metodatigica, pélo considerado como motor intemio, de algom wodo obrigatéri, da investgaczo do pesquisador que, Cont ‘ientomente ou no, colocase quests epistemoldgicas porque elas potom siudélo a resolver seus problemas priticos ¢ a elaborar solugdes tedricas vildas. Esse epistemologia intems “nasco de agers todo 20b cs prérios pasos do cients... ela € exigida Or problemss que s2 colocam no propsio interior da cigncia™'? © pesquisadar como pritico se refer Forgosamente a ura episte- mologia interme especifica: gomo metodélogo, colocase, além “ disso, questies de epistemologia geral que sO podem ajudar 0 bom andamento de sua pesquisa. A epistemologie — interna cou geral ano se dove limitar a andlise de linguagem ciestifica pois se refe- firla endo a cigncia como produto; os procestos genélicos da des- coberta © da produyfo cient(licas the escapariam. Tumbém nfo deve ser considerads como uma citncsa particular do homem, que a reduziria a tarefas de sGcio-aniise das instituigbes cient(f- cas, de psicandlise dos pesquisadoces, ete. Seu objetive ¢ justamen- tc 0 de fomecer regras ix cifnciss socials partieulares, Entretanto, ela encontrard nos resultados destas Oltimas instrumeatos dteis pars sus préprias tarefus: tarofus tanto de natureza polémica como de naturezs arquitetinica, tanto de critica como de comsclidacdo dos conhecimerios cientificos 3. PRINCIPIOS DE EPISTEMOLOGIA GERAL Estes principios animam a pesquisa e inspiram os procedimen- tos metodologicos, so em saa maior parte simplesments colocados or seu cariter heuristico; o objetivo no é absolutamente 0 de infirm ios ou venficé-os, sio simples instrumentos para pesquisas «© metodos mais frutiferos. “+. A pesquisa cientifica pressupe ¢ controla determina fas hipOteses flosdficas importantes. Entre estas emergem: & realidade do mundo exterior, a estrutura multiestratifieada da realidade, o detemminismo em sentido amplo, o cardter comnot: eivel do mundo ¢ a autonomia da logica ¢ das mateméticas” © carte: “filoséfico” desses principios nfio deve set negado, mus também nao deve autonzar uma precedéncia qualquer da filo- sofia sobre a cigncia Nio se trata de basear a ciéncia na filosefia nem o inverso, ‘entietanto € necessirio levar em conta suas mituas relayees simul tanesmente fundadoras e critica Principio da eeustlidade (ou do neodeterminismo): earacteriza © aspecto momotético das ciéncias que colocam a existéncia de ‘conexBes entre os Fenimenos: ligasBes logicas de proximidade, de cconjunglo, de sucesso, de comrelagio, de covariaglo, de causaeao, 4s (© principio do determinismo to deve ser considerado em seu sentido absoluto € metafisico de explicario total, acequada e deft nitiva, cle 38 deverie ser aplicado na hipotese de uma ordenacio freqUentemente parcial — de um conjunto de condigies determi: nantes... A explicago do fendireno consist: na construgio de tum esqueina ligedo mais ou menos estritamente a esquomas mais amplos © na anilise se possivel igorosa, de uma ordem de deter sminacdo das variéveis” ‘Assim concebide num expare de causnio, o problema do 42 terminismo colocarse-4 adequadameate num “pélo morfaldgic dda pritice cientifica, “0 determinisro assim compreendido supe apenas: 1) que toda coiss ¢ todo acontecimento emergem das condi bes prévias (hipdtese genética ou de nio-magia); ¢ 2)que to. da propricdade ost legalmonte conjugada a outras propreda. des, quer seja de maneira simples, quet seja de mancira estocds tice (hipdtese da legalidace ou da conjungdo regular... )"'* Uma nozio sparentada com esse principio € a de lel; a lei manifesta uma relagdo constante entre feridmenos; segundo os an seios de Comte, para quem ela devia destronar o principio de causa, a lei é simples eonstatagio ce comrelagio, Mas, afm dat lett constatativas, as ciéncias se oriertam para explicagdes de tipo “causa!” por intermédio de teoris: explicativas, de pesquisa de invariantes, de estruturas, colocadas como causas de séxes part calares de fendimenos. “Se a explicagio repoisa sobre um conjanto de le's, cla accescenta a ele dois caracteres fundamentais, ¢ als solidé- fot, que sfo o de comportar uma “necessidade dedutiva” {mas no se reduzindo 2 uma simples sucessdo extensiva) © 0 de recomrer a uma teoria que deve ser aceita em sua ‘totalidade’, lato 6, com seus caracteres de ‘estratura’ "!¢, Frincipio de finaldade: 6 « contraparsida do prinefpio de ea sulidade, “A finalidade seria a proonia causa enquanto ela produz cs meio para sua realizagio” © funcionalismo, como quaéro de referéncia € método geral de explioagéo dos fendmence, adots 0 principio segundo o qual ot “ individucs, os grupos e mesmo as estruturas tém um objetivo, uma finalidade imanente. AA cibemética refinow esse conccito falando especialmente de retroagio (feediack) ou retomo do efeito sobre a cause, de auto- ‘egulacio, de telecnomia, como finalidade inscrita no mecanismo daptativo. Princtpto de conservagéo: convida s procurar 0 trago de fend ‘menos que ndo se manifesiam mais num éeterminado nivel, supon- dlo cua transformacdo, sua passagem para um outro nivel no qual 2 investigagZo deverd seguilos para teencontr-os. Principio de negligenciabilidade: permite distingulr 0 essential do acessério © autosiza uma certa forma de redugo operatéria. ‘Um paradigma deste principio é: “permanecendo o demais cont tante"®, Esse principio ¢ indispensivel para selecionar as teorias, 28 ‘ipéteses, 0 material das informagces empiricas. Prascipio de concentracio:: postule que certos niveis de ané- lise, certos dominios empiricos contm mais informagées para a investigagdo do que outros. Eo principio que esta i base dos case studies que concentram a pesquise nom pequeno nimero de casos, de varliveis ow de elementos, porque esses casos so considerados ito significatives, constituindo até mesmo amostras privilegiades. Principio de economia: obriga a wm rigor operatério mais sistemitico, «no multiplicar inutilmente as hipéteses ¢ as med as, Previne contra o crro da preciséo supérflua e visa a reduzir a ‘complexidade do sistema explicativo, a encontrar 2¢ leis, teorias, as estruturas mals simples. Introduz critrios de algum modo “esté- {Weos" para onentar a escolha entre as teoriss¢ as leis concorrentes. Mas a simplicidade exigida pelo prinefpio de economia nfo é, abio- lutamente, em si mesma uma garantia de cientificidade melio:'®, Principio de identificapao: tratase. de subsumix fendmenos aparentemente dispares a teosias, les, estruturas comuns. E 0 mo- tor da andlise comparativa, que deve pensar as diferengat rum sstema coetente de articulagdo das singulsridades. Esse principio Fompe com. as aparénciss imediatas, buica 0 diverso sob 0 seme: Ihante, 0 idéntico sb o diferente. E um principio dialético, "Em portugues usese normalmente 2 expressdo latina coetett porbus do T) Principio da vatidade transitoria eté novas informag®as: esta it base das cigncias empiricas modemas concebidas como construgtes fipotético-dedutivas nas quais as Yeorias so consideradan verds- ‘deiras enquanto nenhum fato vert ‘alsificirlss. Toda teorin perma nece fabsificivel, todo conceito, tedo objeto cientifico pode ser fiansformado, abandonado, se deixar de oferecer uns solugto se- ‘isfutGria para as problematices que o suscitaram Ease principio & contrabalancaco pelo principio de correspon déncia (N. Bont) segundo © qual toda tooria nova deve conter = antiga sob forma de aproximacio. Esse principio tem a vantagem de forgar © pesquiaador 2 wma tecrizedo real sem cai nas facilida des “progusticas” imperdosveis dc empirismo metodol6pico. que abandona uma hipétese por uma outra por raz0es de pura comexi+ dade, de para contingéncia, sem tentativa de integrapdo. Por outro tado. ele esti em conexdo direta com 0 problema da explicago causal: se explicar cientificamente fentmencs “é estabclecer um feaquema coneeitual ov modelo abstralo @ mostrar que evse ce ‘quoma se intapra num esquerma ait COmpreensivO, . nos seek amos ....como explleagZo clentifica 0 relecionamento desse (quem corm um esquema mais arplo” '*. ‘0 principio de cortespondéncia exige uma congruéncia dos étodos e resultados de toda pesquisa cientifiea com os princfpios ce as leis postas em evidéneia nos ovtros ramos da ciéncia, 4. PRINCIPIOS DE EPISTEMOLOGIA INTERNA © carkter cientifico de uma pesquisa é o resultado de um proceso eontirivo de ruptura com as prénogdes do senso com, Com ox conhecimentos Vagos, micas ou ideologies. A peiqulls deve chegar a umma autonomia devco & especifiidade de sous mi todos «, tobretudo, devide 4 delmitayéo estnta de sevs objetor, Aelimitaydo que nao 6 feta a prior de uma Vez por todas, mas que tunfesta 0 préprio movimento sc conhecimento cientifico em sua timsformagao. "Nao sGo as rolaydes resis entre as ‘coisas’ ave constituem 0 prinefpio da delimitagdo des diferentes dominios cien- tificos, mas a8 relagdes concetuais entre problemas”® ae A) Objeto e problemadtica cientifiea ‘© lugar da pesquisa ¢ pois o lugar pritico da elaboraggo e de tranaformagdo do proprio objeto do conhecimento, de sua constra ‘qo sistematica © da constatagio dos fatos que © manifostam. O Objeto da pritica cientifia 6 onto produzido como um efeito das regras ou feixes de relagdes que os posquisadores manipulam; ¢ preciso “‘definis objetos tem referéncia eo fundo das cotsas, mas feferindo os a0 conjunto das cegras que permitem formélos como bjetos de um discus e constituer asim suas condiges de apareci mento histérico”#!. A forma do objeto centifico nfo conceme ‘icetamente a0 conteddo sensivel, mas a una nguagem, “‘ eiéncia ‘apreende objetos conatruindo sistemas de formas numa linguager © nfo dicotamante tobre dadot sens{vei™?? ‘Assi, a linguagem cient{fica ¢« garantis do rigor, e numa certa rmadida dx vilidede, dos objetos da pesquisa, objetos que se modif- eam 4 medida que evoluem os métodos ¢ as problemdticas que os constituem. “Ok métodos s¢ modificam porque $40 aplicados a ‘bjetos novos?” ¢, eeiprocaments, “cada inci, & medida em que progride, tende = modificar 0 proprio objeto de sua peoquise pars ‘adaptio a seus prOprios meios de concepplo & de expresso. AC invés de ela se definir por um objeto previamente colocedo, vera um ‘momento em que, a0 contrérlo, ¢ 0 objeto que se deduz come ‘o que objeto’ da ciéncia”**. ‘0 objeto cientffico nfo ¢ transcendente ao provesso da pesquisa ‘que 0 visaria como algo de fora, a0 contriria, ele € esse procesto de pesquisa concretizado. Esse objeto nfo & absolutamente imposto de fora “a uma atividade concretamente exercida, tua transcendéncia é apenas uma flusfo da reflenio, Essa extrutura.... objetiva, assim ‘como 4 Lingua, ettieatio sujeita& transformaggo”**, Assim, todo ‘ebjeto eientifico conserva necessariament> o status de umna hip6teve ‘Gentifiea, & considerado provisonamente como consiragfo valida, ‘mus fatos noves podem infirmélo, © objeto cientifieo nfo € uma ‘esdocia etema, ¢ fsifcivel, transitério, 6 apenas um instante rum ‘rocesso constante de transformacfo, dé 1etificagdo, “O objeto ciem- {fico nunca é um ‘ter’, mas ama ligacSo: relapdo, ou mesmo corre lado, Ele ¢ ‘abstrato-concreto’, manifesta + poténcia inesgotive! do concello, ele proprio capar de se insorover na realidade, fonte de ‘constantes verficagbes © construgbes”*¢, “” © objeto cientifico &, 20 mesmo tempo, mais abstrsto do que © objeto imediato, pitoresco, de experiéncia sensivel ¢ mais con- ‘eroto do que ele, porque mais complexo, mais congruente com ‘uma problomética, mas de ume congruéncia momenténes: cle € apenas o meio de investigagio de real, adquire, no curso do rocesso de objetivagao, uma expécle de sobrerealidade que gs- ante seu valor © sua eficéoia proprios, Do mesmo modo que nfo se t1ate de conformarse com a iusto de um conhecimen- to cientifico totalmente separado dos outros saberes, assim taxc- bém a separagfo entre os objeios das ciéncias € os objetos da experitneia comum nunca ¢ tf clara quanto o enigtia uma teori ideal, Isto quer dizer que 0 objeto cientifico no pode ser reduzido A Lingoagem cientifica, como o desejariam certas tendéncias do positivismo logics. Algo diferente de uma Linguagem funda o sim- bolisme' cientifice, O objeto cientifico recebe sua fundagio ¢ sua ‘garantia de validade de uma operacto “referencia!” constantemente ‘eafirmada de sua Lingvagem 20 objeto real que ele visa. A eficicia da ciéncia, sua ligago com 0 mundo, suas explicagoes dos aconte- cimentios dependem da pertinéncis dessa operaggo. O que constan- temente instanra cata itima é a problemdtioa, isto & 0 que pemite submeter 2 uma intergagsc sistemdtica os aspectos 4s realidade postor em relagto pelo sistema das quectoes, te6- rious e prétieas, que thes io colocadat. A problomética o- manda a vslo global do objeto da pesquisa © do dominio de objetos (disciplina clentifica) no qual cla se deserrols, els € a base mais ou menos explicita cas questdes que s80 colocedas a realdade. asim, © objeto cieitfico nada mais & afinal, do que 0 trago de um conjunto de problemas teoréticopréticos. ‘A transformacfo. dos objetos dis cifncias manifesta 2 persis Aéncia dos problemas como © eibogo das solugbes que eles re- ceberam. ‘Segundo Lautman, todo problema tom trés aspectos: ele difere por natureza das solucées, transcende ettas Gitimas pois tem suse determinagSes prOprias, & imanenie as diversas solugden tebricat cexplicitas que o vém recobrir”” Uma probdlemitica, conjunto dos problems ¢ de suas condi- @es de aparecimento, é melhor solucionada, formulada e explici ada quanto mas se determina. B) Objeto real, objeto percebido, objeto constnutdo: «rupture epistemolitca Parece capital insistir sobre a especificidade do objeto cienti- fea, construido, em rela¢fo com ot outros objetos do saber; 0 ‘objeto de cigncia € um slscema de relagSea construtdas expressa © cexplicitamente, ele se opSe a0 objeto pré-construfdo pela percep: #0, com o qual Ihe 6 necessirio romper continuamente, “Todo objeto proprlamente cientifico ¢ conscientemente ¢ metodicamente construido para saber construir o objeto ¢ para saber 0 objeto que se constr6i”™. A rupture epistemologica deve consugar 0 distanciamento sempre recomegado do objeto cientifico dinate dos objetor do senso comum, prénogtes, evidéncias de “boon senso", mite, ide0- logias. “A expontaneidade da objetividade na percepgio se opie & ‘busca Inborioss da objetividade ... Esclareer de uma maneira ex pecifica a relagio da qualidade de um objeto priquico com su estruturagfo como objeto de ciéncia é som divide « tarofe funda rental de uma epistemologia das cifrcias humanes"??, 0 objeto percebido & aquele que se da nos sentidos, sob forma e imagens. Piaget denunciov 0 mito da origem sensorial de nossos conhecimentos, mito que postula que 0 sujelto cognoscente & de algum modo um receptor passivo de infermapdes vindat de forx, portanto, 0 proprio objeto percebido numa cérta medida, construt- do por esquemas asimiladores ¢ acomodadores do espicito™®, Bete ‘objeto percebido aparece expontaneamente como “real”, garsatia da transparéncia das coisas para a inguagem, enraizamento da sigificagio, signifcante ¢ significado, no seferente, Entretanto, 0 objeto percebido sifo ¢ toda a vealidade, este subsite fora da ‘experiéncia; pelo meno & isto que 2 ciéacia admite com seu pré- polo projeto de abrir novos campos & observapto. Hana reatiéade “iatente” no se identifica absolutamente, sem divida, com oF tevtermunhos dor sentidos, com 0 que aparece; 0 objeto real é a causa presumida do testemunho de nossos sentidos. Or objetos percebidas sf on efeitos supostos dos objetos reas latertes ™*- 0 objeto de conkecimento construido & wma traduydo expect- fica, conceitual, do real, é um objeto que responde a leit de com- ey osieio auténomas, consiruido por métodos explicitos. Bum sit tema simbéiico que difere, em ratureza, do objeto real, em complexidade, do objeto percebido, Essa complexidade reside néo no “concreto", confuse, rico © vago, proprio do objeto percebido, ‘mas nos procedimentos metédicas de construcko que dele fzeram ‘uma forma simples, uma fei, uma sstruture, um conceit, um inva HMante, que permite defini as tramsformagoes comglexas dos fené- menos. 0 objeto cientifico ¢ produrito a0 longo de um procesio de objetivagio, de conceitualizeeto, de formalizarto, de estrutumgéo, O objeto clentifico ¢ ou uma repreventagae do real pereebido, no ‘stégio de uma simplet doscrigdo pretiminar. ¢ a cépia de um mor elo real, om um simulacro do qual pesquisador espera que pro- duza efeitos especifics Existe pois um processo de objetivasao, de producto dos fatos¢ deg objotos clentificos que & 3 propresséo da formagio, da estrulur raglo © do recorte dos fatos atf of procedimentos de coleta da informagdo. A objetivasto 0 conjonto dos métodot das ténices {que elaboram o objeto de conhecimento a0 qual te relere a invest: apf. Esse objeto 6 transcendente a toda consciéncia, s6 se dé “por ssbogos, sempre incompletos, mas sempre captados numa preserr ga". A cigncia, entre a linguagem ¢ as coisas, insiwa, exprime ‘Proposiges sobre as cosas, sobre or estados de coiss. Els exprime ‘ropesigées, fala de acontecimentex incorp6recs, de fatos acontec- dor de coisa: corpéreas. A ciéncia nfo pode ating ab coiss, mas constr6l, manipula, redliza, prediz os fatos, “os acontecimentos ‘efeitos (qu) no existem fora das proposicfes que os exprimem" 3, 0 que é préprio de toda operacio de sentido, de toda linguagem. A linguagem cientifica se desdsbra om diversos niveis de obje- ‘vagdo, as cénoiat constroem seus objetas em diferentes patamares ‘Se investigngz0 o do explicagio. “As diferentes eecalas de observapdo criam fendmenos di vertot e... existem estruturas novas, descobertas a cada novo nivel de anilise, existe am novo procedimento especializante € diferenciador ..."* Eases diferentes patamares de investigagio intervém na desco- beta de leis, de estruturas, de invaiantes, de indices particulare. 2 Froqientemente essas descobertas esto limitadas, de uma carta manetta, a seu nivel proprio de explicaio. £ a nogo de zona do validade dos princtpios. ‘A escolha do nivel emptrico de investignséo deve, antes de tudo, ser tomada explicita pelos pesquisadores. 0 invidfduo, 0 grupo, « sociedade, a ofganizagéo global sto patamares de pertinéncla que convém, antes de tudo, isolar analiticamente, para preparar mais tarde “passagens” para a artculacio desses diferentes nives entre si. ‘Tratase de nfo confiar em analogias enganadoras entre diversos niveis de andlise, cada um deles necessitando de um processo autd- nnomo de objetivagto. ‘Além da exigéncia de rupture entre a5 realidades vivides ¢ 38 realidades objetivadas nos discursos cientifices, € preciso insistir sobre a exigincia de explicagdo causal e de compreensto objetiva 4 qual as cinctassocias devem responder. s problemas do causalidade cientifice serfo evocados mais samplaments no pélo morfol6gico, mas, desde agora, 6 preciso notar as exigtacias epistemoldgicas do estabelecimento dessa causalidade. “Uma explicagio, acreditammot, deve poder ser infirmada, poder servir 4 uma predisto, poder ligarse a outras explicagbes de fend- ‘menos limitrofes ow que englobem os primeiras” "5. A explicagio é entfo concehida como fundads num espaco de causagzo, Uns conii- fmurago em rede que permite destacar conjuntot de conexses ¢ de eterwénagbes. A explicaedo serd constituida pelasligagBes intrin- ‘eeas dessas configuragdes © também pelas relapbes extinsecas obais de ajustamento das configuragbes particulars a outras contt- guragies, numa extensio hierarquizada do espago de causagio. A nog de explicagdo desemboca entio nos outros plot — tebrico € \éensco — da pritica cientifica, ©) Génese de teorizapao ‘As fontes das formulagtes tebticas devem ser procuradas 20 _nfvel do plo epistemol6gico. Diferentes origens sfo propostas para’a conceinualizaedo; entre estar, serio encontrados nat entrelinhae 0 grandes proceso; discursivos: fenomenclogia, dialética, logics hipo- ‘ético-dedutiva e quantificagio. 2

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