A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define o aprendizado que os alunos
devem desenvolver ao longo do período escolar, começando na educação infantil e terminando no ensino médio, orientando desta forma o desenvolvimento curricular nas escolas brasileiras. Os conjuntos básicos de aprendizagem definidos pela BNCC são: conhecimentos, competências e habilidades. Algumas dessas habilidades devem ser desenvolvidas em todas as etapas de um programa de educação básica e outras são específicas de cada etapa. Porém, na etapa do Ensino Médio, há uma alteração do conteúdo redigido pela BNCC, os itinerários formativos, que segundo o documento oficial, devem ser organizados de forma diferenciada, proporcionando disposições curriculares e possíveis especializações em cinco disciplinas de um dos campos. Conhecimento: I - Linguagens e suas tecnologias; II - Matemática e suas tecnologias; III - Ciências da Natureza e suas tecnologias; IV - Ciências Humanas e Sociais aplicadas e V. Formação técnica-profissional. No que diz respeito ao ensino das humanidades na escola primária, especialmente nos últimos anos, as disciplinas relevantes para este campo são a Geografia e a História. No ensino médio, além dessas duas disciplinas, foram acrescentadas mais duas disciplinas: a Sociologia e a Filosofia. Posto isto, detalharei cada tema separadamente (no Ensino Fundamental II), e mais adiante irei abordar o Ensino Médio, nomeadamente nas áreas das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
ENSINO FUNDAMENTAL II
Segundo a BNCC, o ensino da Geografia tem o intuito de continuar os anos
iniciais do fundamental I, desenvolvendo a compreensão conceitual da produção do espaço. No sexto ano, se trabalha, no geral, com a transformação do espaço geográfico, enfatizando as mudanças ocorridas no planeta, sejam elas decorrentes de processos naturais ou da ação humana, onde se aborda a identidade sociocultural desses processos. Neste período, serão desenvolvidas treze habilidades, tendo destaque no documento estas quatro habilidades: EF06GE02; EF06GE06; EF06GE11 e EF06GE13. A primeira habilidade é a analítica, onde se analisa as modificações de paisagens pelas diversas sociedades, principalmente a dos povos originários, sendo interessante trabalhar com o aluno as formas como estas populações nativas formulam e organizam suas identidades culturais nos espaços que ocupam, seja pela agricultura, crenças e valores ou estruturas sociais que fundamentam suas comunidades. Pode-se aqui, fazer uma crítica a esta habilidade, pois esta dispõe da temática “ O sujeito e seu lugar no mundo”, tendo como objeto de conhecimento a “Identidade Sociocultural”, ou seja, quer provocar no aluno apenas mais uma habilidade e não abranger um repertório amplo de desenvolvimento da História e da Cultural dos povos indígenas. A segunda habilidade é a de identificação das modificações ocorridas nas paisagens a partir da interferência humana, seja pela agropecuária ou pela industrialização. Esta habilidade destaca o “mundo do trabalho”, tendo como objeto de conhecimento a “transformação das paisagens naturais e antrópicas", levando o estudante a refletir, tem tese, sobre as mudanças feitas no espaço geográfico a partir das práticas humanas, com ênfase na sociedade ocidental moderna, que possui uma base agropecuária, principalmente no Brasil, mas que também tem a indústria como potencial de grande impacto para o meio. As duas últimas habilidades são a interação social com a natureza. A EF06GE11, especificamente, foca na distribuição de componentes físicos-naturais, enquanto a EF06GE13 foca nas consequência e nas vantagens e desvantagens das práticas humanas no clima, abordando assim as transformações do meio através da ação humana e as consequências que causadas na biodiversidade, no ciclo-hídrico e no clima em geral. O sétimo ano foca sua abordagem no território brasileiro, tendo como destaque as habilidades: EF07GE02; EF07GE04; EF07GE06 e EF07GE11, fundamentadas nas características e dinâmicas do território nacional e da população brasileira, desenvolvendo análises e discussões sobre a distribuição de recursos naturais e de riqueza, a partir dos processos históricos contemporâneos. Já o oitavo ano foca na questão mundial e nas características e consequências do processo de globalização, tendo as habilidades EF08GE01, EF08GE09, EF08GE20, EF08GE24, que evidenciam as problemáticas centrais e norteadoras. O intuito da primeira é descrever as características e dinâmicas dos fluxos migratórios ao longo do tempo e quais são suas condições históricas e fisio-naturais. A segunda habilidade analisa os processos e dinâmicas dos padrões de produção, distribuição e intercâmbio de bens agrícolas e industriais em escala global, tendo os E.U.A como referência. A terceira e quarta habilidade analisam o continente americano, focando nas regiões latinas e africanas. A EF08GE20 trabalha principalmente as características do continente africadno e seus aspectos populacionais, urbanos, políticos e econômicos, discutindo as desigualdades socioeconômicas e a espoliação desses povos. Enquanto a EF08GE24 discute as características, processos e dinâmicas das produções latino-americanas. Por fim, o nono ano tem como habilidades "temáticas" a multiplicidade, pois não possui uma centralidade na matéria, possuindo habilidades que se diversificam entre as unidades temáticas. Por exemplo, a habilidade EF09GE01 se norteia a partir da crítica à hegemonia europeia imposta ao redor do mundo, enquanto a EF09GE03 identifica diversas manifestações culturais de minorias étnicas, como forma de entendimento da multiplicidade e da diversidade cultural mundial, defendendo sempre o princípio do respeito às diversidades. A habilidade EF09GE11 relaciona as transformações técnicas-científicas no decorrer do processo industrial e suas consequências no mundo do trabalho, nas diversas regiões globais, dentre elas o Brasil. Já a habilidade EF09GE15 compara e classifica as diferentes regiões do planeta, fundamentando-se em dados populacionais, econômicos e sociais, utilizando-se de mapas temáticos e projeções cartográficas. Por fim, a habilidade EF09GE18 identifica e analisa as cadeias produtivas e a consequência da utilização dos recursos naturais, compreendendo as diferentes fontes e energia dos diversos países. A disciplina de História possui três aspectos essenciais a serem desenvolvidos pelos alunos: O primeiro é a compreensão do que constitui a disciplina de conhecimento História e, a partir disso, a forma como ela organiza seu objeto de estudo a partir da definição de registro de memória e da ordem cronológica, que constitui a seleção de inúmeros eventos históricos consolidados na cultura historiográfica contemporânea. O segundo é a compreensão do que define as fontes e documentos históricos, materiais e imateriais, a fim de formar pensamento crítico acerca da ideia das formas de consolidação de registros e memórias por meio de diversas linguagens. O terceiro é o entendimento e aprofundamento das noções de sistematização de eventos e o que constitui os conceitos de tempo e espaço, enquanto datação, medição e contexto histórico. Em suma, no sexto ano compreende-se o significado da área de estudo chamada História e quais são suas características principais, à compreensão das primeiras civilizações humanas até a Idade Média. Sendo assim, a habilidade EF06HI01 gera a compreensão da noção de tempo, dos processos históricos e de seus registros. Enquanto a EF06HI05 descreve as modificações da natureza produzidas por diferentes sociedades, com enfoque nas populações indígenas. Já a EF06HI14 analisa e identifica os modos de contato, adaptação e exclusão entre sociedades e tempos distintos. Por fim, a EF06HI16 compara e caracteriza as dinâmicas e formas de organização social e do trabalho em diferentes períodos e sociedades. Já o sétimo ano foca nos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais decorrentes dos séculos XV ao XVIII, perpassando o colonialismo e suas características e consequências até o processo de transformação da Revolução Industrial. A EF07HI01 explica o que é “modernidnade”, quais suas características e lógicas de inclusão e exclusão a partir da concepção europeia, desenvolvendo também as temáticas das populações africanas e nativo-americanas. Já a EF07HI03 aborda os mesmo assuntos, porém quer identificar aspectos e processos específicos destas sociedades, como suas formas organizacionais e de conhecimentos. As habilidades EF07HI15 e EF07HI16 abordam a escravidão moderna, seus conceito e caracteristicas, mecanismos e dinâmicas de comercio escravizado. O oitavo ano foca nos séculos XVIII e XIX e seus acontecimentos e processos de fundamentação do mundo contemporâneo, como a Revolução Industrial e Francesa e suas características e consequências, independências das américas e neocolonialismo. Suas habilidades em destaque são: EF08HI01, EF08HI16 e EF08HI27. A primeira conceitua o iluminismo e o liberalismo, debatendo a relação entre eles e suas importâncias para o mundo contemporâneo. Enquanto a EF08HI16 identifica, compara e analisa a diversidade política, social e regional nas rebeliões e movimentos contestatórios do poder centralizado. Já a EF08HI27 identifica as características e significados dos discursos civilizatórios, analisando seus impactos para os povos ameríndios e a população negra escravizada. O nono ano foca bastante na História do Brasil, especificamente nos séculos XX e XXI, onde aborda das instituições da República ao Regime Militar, perpassando também a atualidade, como faz as habilidades EF09HI17 e EF09HI19. O conteúdo perpassa as problemáticas da Primeira e Segunda Guerra Mundial, bem como o fascismo e o nazismo em suas características e consequências, baseando-se nesses aspectos a habilidade EF09HI13. .Habilidades como a EF09HI03 e EF09HI04 abordam a questão negra nas sociedades brasileiras, entrando no debate da inserção dessa parcela da população na sociedade pós-abolicionista, bem como sua importância na constituição econômica, política e social do país. A habilidade EF09HI09 relaciona os movimentos sociais à conquista dos direitos sociais, políticos e civis. A EF09HI26 discute as violências sofridas por grupos marginalizados, dialogando com a EF09HI36, que propor um debate acerca das diversidades identitárias no século XXI, que defende a construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às pessoas e combate qualquer forma de preconceito e violência.
ENSINO MÉDIO
No Ensino Médio, o ensino de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, conforme a
BNCC, continua o processo educacional do Ensino Fundamental, aprofundando e expandindo as aprendizagens, se pautando sempre na formação ética, tendo como compromisso educativo as ideias de justiça, solidariedade, autonomia, liberdade de pensamento e escolha, a compreensão e o reconhecimento das diferenças, o respeito aos direitos humanos e a interculturalidade e o combate aos preconceitos de qualquer natureza. É posto ainda a aprendizagem das “habilidades relativas ao domínio de conceitos e metodologias” da própria Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Aqui é dito que os alunos devem formular "hipóteses e argumentos” baseados na coleta e sistematização de dados, da qual é preciso mobilizar diversas línguas, valorizar o trabalho de campo e se utilizar de diversas formas de registros e engajar as práticas cooperativas para elaborar e solucionar problemas. Sendo assim, a BNCC estrutura e organiza a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas a partir de temas e problemas categorizados, sendo esses: Tempo e Espaço; Territórios e Fronteiras; Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e Ética; e Política e Trabalho. A categoria Tempo e Espaço é trabalhada a partir da assimilação dos estudantes, da identificação de contextos e da compreensão de que há mais de uma noção de tempo e que este não é linear e homogêneo. Para entender o espaço, os alunos devem conhecer suas dimensões históricas e socioculturais, indo além da representação cartográfica, pois nele se dá a produção, a distribuição e o consumo de mercadorias, havendo realização de diversos fluxos de naturezas, pessoas e objetos, onde se desenvolve relações de trabalho com ritmos e velocidades variados. Sobre o Território e a Fronteira, a compreensão do território deve ultrapassar a categoria normalmente associada a uma porção de terra sob domínio de grupos e suporte para nações, Estados e países. Pois na verdade ele está associado a questões de poder, jurisdição, administração e soberania, exprimindo a diversidade existente das relações sociais. Já a Fronteira é uma categoria histórica que expressa culturas e por isso, é definida e organizada socialmente por populações, não se isentando de confronto com outros grupos. Há também as "fronteiras de saberes”, que englobam conhecimentos e práticas de diferentes sociedades. A BNCC correlaciona e articula os tópicos Indivíduo, Natureza, Sociedade e Cultura ao afirmar que são todos questões de cunho sócio-histórico, filosófico, sociológico e antropológico, ou seja, são conceitos que perpassam espaços e contextos históricos; e são imprescritíveis para a compreensão da realidade. Já na Ética, é fundamental debater questões como o respeito, a convivência e o bem comum, pois A ética pressupõe a compreensão da importância dos direitos humanos e de se aderir a eles de forma ativa no cotidiano, a identificação do bem comum e o estímulo ao respeito e ao acolhimento às diferenças entre pessoas e povos, tendo em vista a promoção do convívio social e o respeito universal às pessoas, ao bem público e à coletividade.” Já na Política e no Trabalho, entende-se por política a ação e inserção dos indivíduos nas polis, na sociedade e na sua ligação com o viver em coletivo e a ideia de cidadania, perpassando debates sobre o bem comum, o bem público, os regimes políticos, as maneiras como as sociedades se organizam, as questões de poder, micropolíticas, etc. Já o Trabalho é definido de forma ampla, envolvendo a filosofia, a economia, a sociologia e a história, podendo ser entendido como virtude, produção de riqueza, dominação e transformação da natureza, mercadoria, etc. Para trabalhar essa categoria em sala de aula, é preciso a compreensão e análise dos alunos sobre a diferença de diversos papéis dos sujeitos e seus mecanismos de operação, identificando os projetos políticos e econômicos em disputa nas diferentes sociedades. Além dessas categorias citadas acima, a BNCC possui seis competências específicas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, tendo a primeira competência o intuito de ampliar a capacidade de elaboração de hipóteses, tecendo argumentos fundamentais na sistematização de dados qualitativos e quantitativos, utilizando-se de metodologias para debater processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais em diversos aspectos regionais e mundiais em diferentes temporalidades. A segunda competência compara e avalia a ocupação do espaço e a delimitação de fronteiras e o papel dos agentes que provocam essas transformações, partindo do pressuposto de que os atores sociais também são produtores de desigualdades, exclusões e conflitos, pois só´assim os estudantes podem compreender a complexidade das relações de poder que determinam as territorialidades, os fluxos populacionais e a circulação de mercadorias. A terceira competência propõe a analisá de paradigmas que refletem os diferentes pensamentos e saberes dos grupos, povos e sociedades, principalmente dos povos tradicionais (indígenas) e de como eles adaptam a natureza para si, ou seja, de como extraem e transformam os recursos naturais e o modo que se organizam sócio-politicamente. A quarta competência procura que os estudantes entendam a noção de trabalho nas distintas sociedades e culturas, as suas características específicas e a maneira como se dá a estratificação social, considerando a desigualdade socioeconômica e a participação política, para que se possa ponderar os indicadores empregatícios, o trabalho e a renda, sem tirá-los de seu contexto, pois assim se compreende a sociedade e suas implicações sociais e as dinâmicas de mercado decorrentes dela. A competência cinco pretende identificar e combater as injustiças sociais, os preconceitos e violências a partir de princípios éticos e democráticos que respeitem os direitos humanos, fazendo um "exercício de reflexão” que conduz o pensamento filosófico e permite o entendimento dos fundamentos da ética em distintas culturas e defendendo o respeito e a diversidade. Por fim, a competência seis pretende estimular a participação no debate político através do respeito às diferentes concepções de mundo e posicionamentos, pois esta é a prática essencial da cidadania, não podendo perder de vista a importância dos princípios constitucionais e os direitos humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar as habilidades e competências desenvolvidas ao longo da Base
Nacional Comum Curricular, pode-se notar que estas focam na habilidade e competência de aprender a aprender e de estimular a autonomia da aprendizagem, traçando um paralelo certeiro com a pedagogia das competências, que retira o professor do centro do processo educativo em detrimento do aluno, o colocando como mero mediador, uma vez que agora quem está no centro é o aluno. As disciplinas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia ao acumular conceitos, apreender contextos e acumular ligações, perde a criticidade e o pensamento reflexivo, ignorando o contexto atual em que está situada, o Brasil do século XXI, que é um país de terceiro mundo que sofre grande influência da globalização, lidando sempre com desigualdades sociais que, historicamente, estiveram presentes em sua construção enquanto Estado-nação, assim como o racismo estrutural e a falta de acesso às escolas e universidades públicas de qualidade, o que acabou virando pauta de movimentos sociais ao longo desses anos. Ao estimular o aprender a aprender e colocar o aluno no centro do aprendizado, sem promover mudanças curriculares inclusivas, a BNCC não deixa somente de contribuir para a resolução de problemas educacionais, mas também piora o cenário brasileiro, pois segundo Acacia Kuenzer (2017) essas mudanças, em conformidade com a reforma do Ensino Médio, são decorrentes do próprio capitalismo contemporâneo e seu modo de produção flexível, uma vez que o processo de ensino-aprendizagem baseado na flexibilidade, rapidez, fluidez, adaptação aos problemas cotidianos, capacidade de resolução de problemas, em sua maioria, cotidianos e que auxiliem na racionalidade econômica do indivíduo, é decorrente da pressão corporativa nas instituições educacionais. Sendo assim, pode-se perceber que colocar a capacidade de adaptação do estudante como prioridade, num momento de fluidez de informação e inovações, não é coincidência. As transformações que ocorrem na estrutura da educação e em sua organização estão estritamente ligadas a forças externas que ambicionam mudar a grade curricular, a profissão do educador e a concepção de educação, em prol de maiores margens de lucro e possibilidades de ações no mercado.