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‘Faculdade de Psicologia e de Ciéncias da Educagao da Universidade de Genebra (Suis: ‘Sociologique” (Genebra-Suica). ‘Service de la Recherche 1m mos em termos de mudancas maiores, no sentido de uma avaliagdo sem notas, mais formativa, uma vez que as priticas de avaliago esto no centro do sistema didéctico ¢ do sistema de ensino. Mexer-lhes significa pér em questio“um conjunto de equiltbrios frégeis e parece representar uma vontade de desestabilizar a pritica pedag6- gica e funcionamento da escola. “Nao mexam na minha avaliagio!” é o grito que damos assim que nos apercebemos que basta puxar pela ponta da avaliago para que o novelo se desfie... Perante esta constatagaio, podemos renunciar, podemos fechar-nos no statu quo (apesar de tudo, “as coisas nao estio t&mal como isso”). Podemos enfiar a cabega na areia, mer- guihar em novas priticas de avaliacdo sem uma reflexo em torno dos obsticulos sistémi- cos, sem nos preocuparmos com a necessidade de desencadear outras mudangas. Ou podemos tentar imaginar as interdependéncias e conceber estratégias de mudanga com conhecimento de cansa. Fsta é a via que utilizarei aqui, mesmo sahendo que pode retardar a passagem a accfio e que pode fazer com que se desista face 4 complexidade, mas sabendo também que é a tinica via possivel. Mudar a avaliagio é facil de dizer. As mudangas nao tém todas o mesmo valor. Pode- mos modificar facilmente as escalas da-avaliagdo quantitativa, a construgao das escalas, 0 regime das médias, o intervalo entre as provas. Nada disto afecta de uma forma radical 0 funcionamento didéctico ou o sistema de ensino. As mudangas que estéio aqui em discus- siio vio mais longe, no sentido de uma avaliagdo formativa. Por outras palavras, ut liagdo que ajuda 6 aluno'a aprender ¢ 0.professor a ensinar. A ideia-base é bastante si ples: a aprendizagem nunca é linear, procedeé por ensaios, por tentativas e exros, hipéteses, recuos e avangos; um individuo aprender melhor se o seu meio envolvente for capaz de Ihe dar respostas ¢ regulagdes sob diversas formas: identificagzio dos erros, sugestdes & , contra-sugestes, explicagdes complementares, reviso das nogGes de base, trabalho sobre © sentido da tarefa ou a autoconfianga. Propus num outro texto (Perrenoud, 1991) uma abordagem pragmdtica da avaliagao formativa, o que pressupde uma concepgio ampla da observacdo, da intervengdo e da regulacHo (Allal, 1988), mas também das latitudes que M udar a avaliagio significa provavelmente mudar a escola. Pelo menos se pensar- 173 nao ocorrem numa concepgio ortodoxa: usar a intuig&o ou a instramentago, conforme as situagdes, as urgéncias, os meios disponfveis (Allal, 1983); reabilitar a subjectividade (Weiss, 1986, 1991) e, sobretudo, ter 0 direito de proporcionar a avaliagdo formativa as necessidades dos alunos, romper com a norma da equidade formal que rege a avaliacdo cettificativa; a avaliago formativa inscreve-se numa I6gica de resolugdo de problema porque investir na observacio intensiva e no diagnéstico instramentado se basta a intu do para dizer que tal aluno esté a progredir normalmente? Nao posso entrar aqui em por- menores. Insisto somente num ponto crucial, a articulagdo necesséria entre a avaliagéo formativa e a diferenciagdo do ensino: “O facto da avaliagdo formativa estar ligada & diferenciagdo do ensino nfo é uma descoberta quando nos situamos no campo das pedagogias de maestria ou semelhantes (Huberman, 1988). A avaliagfo formativa aparece ent&o como uma componente necesséria de um dispositivo de individualizagio das apren- dizagens ¢ de diferenciagao das intervengies ¢ dos meios pedagégicos, ¢ mesmo dos passos de aprendizagem ou dos ritmos de progressto, ou ainda dos proprios objectivas. [...] intl insistir na avaliagao formativa onde nao existe nenhum espaco de ‘manobra para os professores, onde a diferenciago nfo passa de um sonho nunca realizado, porque as condigdes de trabalho, o ntimero de alunos nas tur- ‘mas, a sobrecarga dos programas, a rigidez dos horétios ou qualquer outra imposigao fazem do ensino expositivo uma fatalidadle ow quase” (Perrenoud, 19910). Apercebemo-nos entiio que prosseguir no sentido de uma avaliagdo formativa significa mudar a escola, se nfo completamente, pelo menos o suficiente para que nao nos envolva- mos ingenuamente na transformagio das praticas de avaliacao sem nos preocuparmos com 0 que a torna possfvel ou a limita. A complexidade do sistema didactic e da organi- zagio escolar nfo se deixa reduzir a um esquema. Qualquer divisio é arbitréria. No entanto, para por um pouco de ordem nas interdependéncias, situarei a avaliagdo no cen- tro de um octégono, em relacio ao qual analisarei os lados um a um. Porqué no centro? Trata-se de uma simples questo de ponto de partida. Quem quisesse mudar os programas ou os métodos de ensino encontraria as mesmas interdependéncias, a partir de uma outra entrada no mesmo sistema. 174 A AVALIACAO NO CENTRO DE UM OCTOGONO DE FORCAS f. Programas, e. Concertagio, controlo, objectivos, politica de estabelecimento de ensino 4. Contrato didactico, relagio pedagégica, profissao de aluno g. Sistema de seleceao orientagao AVALIACAO, hi, Satisfagoes ©. Didactica, pessoais e métodos profissionais de ensino a, Relagdes entre , Organizagio as familias € das aulas, aescola individualizago Retomemos estas ligagdes uma a uma, partindo (porque nao?) das relagdes entre as familias e a escola. A-RELACOES ENTRE AS FAMILIAS E A ESCOLA Quando pedimos a criangas de 5 anos que brinquem “A escola”, elas colocam as mesas em filas e apresentam a figura de um professor severo, que ralha com os alunos e os ameaca com més notas. Quando um aluno conta o seu dia, ndo diz muita coisa de preciso sobre 0s contetidos, mas os pais sabem quase sempre se ele teve ou nfo uma prova, se esta Jhe correu bem, ou se recebeu o resultado de uma prova anterior. Na imagem da escola, as ligdes e as provas so valores seguros, qualquer um pode compreender como funciona uma dada escola, porque passou 14 9 ou 15 anos da sua propria vida. As praticas de avaliagdo sao também familiares a todos os que, no seu trabalho, esto habituados a ser regularmente avaliados ou a elaborar um balango das perdas e dos lucros no fim de um exercicio contabilistico. O sistema de avaliagio quantitativa e os seus sucedaneos qualitativos sfo assim esque- mas familiares, inteligiveis, que participam de uma imagem corrente, de uma representa- ¢ao vulgar da escola. B isso é muito tranquilizador, é um ponto fixo que permite aos pais, ¢ principalmente aos mais desfavorecidos, orientarem-se, Os programas da escola de hoje desconcertam os que nio percebem nada do ramo da matemética que trata da teoria dos 176 conjuntos, ou dos contetidos renovados do ensino da lingua matema, das linguas estran- geiras, da hist6ria, da geografia ou das ciéncias. Em contrapartida, quando falamos do sis- tema de avaliagio, a escola parece estar muito préxima do que eles tinham “no seu tempo”, mesmo que tenham parado de estudar aos 14 ou aos 16 anos. Com excepgo de algumas circulares e reunides episédicas de pais, a avaliacéo é 0 lago mais constante entre a escola ¢ a familia. Os pais tm de assinar regularmente os tra- balhos escritos e sobretudo as cadernetas, estando deste modo a par do nivel do seu filho, das suas dificuldades, do seu sucesso ou entao do seu possivel ou provavel insucesso. Pre- ocupadas com a sua “carreira”, as familias (especialmente as familias pertencentes as classes média ou alta) aprenderam a fazer um bom uso destas informagées: contestagio de determinadas escalas ou de determinadas correcgdes; contacto com o professor para com- preenderem melhor as dificuldades e poderem intervir junto da crianga; e, sobretudo, utili- zagio das notas e apreciagdes para modular a pressio exercida sobre o trabalho escolar e mais frequentemente sobre 0 sono, as saidas, o tempo livre, etc. Podemos discutir 0 mérito de um sistema de comunicago téo pobre, que faz com que 608 pais se limitem a agir em fungao de algumas indicagdes numeradas que no conduzem a nenhuma representacao precisa do que o aluno domina realmente. Este sistema apre- senta, no entanto, diversas vantagens importantes, mesmo que estas s¢ baseiem parcial- mente em ficcdes: — parece equitativo, uma vez que todos estiio sujeitos 4s mesmas provas, so avaliados segundo as mesmas escalas e ao mesmo ritmo, em virtude das mesmas exig€ncias; — parece racional e preciso, uma vez que 0s desempenhos so numerados exactamente até ao ntimero dez ou por vezes mais; —€ bastante simples para tranquilizar ou inquietar os pais sem que estes conhecam os pormenores dos programas e das exigéncias, um pouco ‘como nos preocupamos quando a temperatura de uma crianga vai além dos 39.° sem sabermos exactamente © que isso implica em termos fisiol6gicos; ~convence todos os pais que aderem, quer queiram quer nao, a uma competig&io omni- presente no mundo econémico e numa parte do mundo do trabalho; parece-Ihes justo, so e educativo que o bom trabalho seja recompensado, 0 mau trabalho sancionado por notas ou por qualquer outra forma de classificagao, Mudar 0 sistema de avaliacdo conduz inevitavelmente a privar uma boa parte dos pais dos seus pontos de referéncia habituais, criando ao mesmo tempo incertezas ¢ angistias, Trata-se de um obstéculo importante & inovagdo pedagégica: se as criangas brincam, ent&o nfo esto a trabalhar nem a preparar-se convenientemente para a proxima prova; se trabalham em grupo, néo se pode avaliar individualmente o seu mérito; se se envolvem em entrevistas, na preparago de espectiiculos, na elaboragio de um romance ou na montagem de uma exposigo, os pais no percebem de que modo essas actividades desordenadas e colectivas poderao dar lugar a uma nota na cademeta. Tudo 0 que nao é 176 assimilavel a uma preparago para a avaliagdo escolar classica (por outras palavras, a um exame oral ou a um teste escrito) parece ser um pouco exético, anedético, nao muito sério, em suma, estranho ao trabalho escolar tal como a avaliagao tradicional o estipu- lou no imagindrio pedagégico dos adultos: exercicios, problemas, ditados, redacg6es, isto 6, tarefas que se prestam a uma avaliagao classica. Este obsticulo nfo é insuper4vel, mas a mudanga das préticas de avaliag#o num sen- tido mais formativo, qualitativo e interactivo (Weiss, 1992) passa necessariamente por uma explicagio paciente, por uma mudanga das representagSes, por uma reconstrugio do contrato tdcito entre a familia e a escola. Se existirem relagdes de confianga, as explica- des podem ser entendidas, os pais podem compreender que uma avaliagio sem notas, mais formativa, € posta em pratica a pensar no interesse dos seus filhos. Se 0 didlogo (Montandon e Perrenoud, 1987) € quebrado entre a escola e a familia, ha razées para temer que uma mudanga do sistema de avaliagdo desencadeie receios e oposigdes por parte dos pais. A mudanga pode ser bloqueada por esta simples ¢ nica razio. B-ORGANIZACAO DAS AULAS, INDIVIDUALIZACAO ‘Uma avaliago s6 € formativa se resultar numa forma ou outra de regulagao da acco pedagégica ou das aprendizagens. No caso mais elementar, teremos pelo menos uma modificacdo do ritmo, do nivel global ou do método de ensino para o conjunto da turma. O professor que constata que uma nogao nao foi entendida, que as suas instrugdes nao so compreendidas ou que as atitudes e os métodos de trabalho propostos nao resultam, reto- mar o problema desde o infcio, renunciard a determinados objectivos de desenyolvi- mento para se debrugar sobre os fundamentos, modificaré a sua planificagao didéctica, etc, No entanto, uma avaliagdéo formativa no verdadeiro sentido da palavra nao resulta sem uma regulacdo individualizada das aprendizagens. O que significa que a mudanca das préticas de avaliagio deve ser acompanhada por uma transformagao.do.ensino, da gesto da turma, de uma atengo especial aos alunos com dificuldades. Entre momentos de apoio intemo ou externo e verdadeiras pedagogias de maestria, existem varios tipos de organizagées intermédias, mais ou menos ambiciosas. Nao & assim necessério, para se seguir uma avaliacdo formativa, alterar completamente a organizacio do trabalho. Pelo contrério, quando parece impossivel romper, pelo menos parcialmente, com uma pedago- gia expositiva, de que serviria encarar a possibilidade de uma transformagao das priticas de avaliagao num sentido mais formativo? Por vezes, é a dimensfio excessiva das turmas que impede qualquer mudanca. Mas, a maior parte das vezes, 6 a rigidez do horério escolar, do programa e dos regulamentos que obriga a oferecer “a mesma coisa a todos os alunos”, mesmo quando tal é intitil. Assim, se um professor tiver de administrar um mimero importante de provas ao conjunto dos alu- nos, de forma sincronizada e estandardizada, acaba por passar mais tempo a cumprir essa ‘ENP "7 parte do contrato do que a praticar uma avaliagao formativa. Se se esperar dele que vigie constantemente © grupo ou que esteja igualmente dispontvel para todos os alunos, qua quer que sejam as suas dificuldades e necessidades, tal seré feito em detrimento da dife- renciago (Meirieu, 1990). ‘Uma avaliacio formativa coloca & disposicao do professor informagdes mais precisas, mais qualitativas sobre os processos de aprendizagem, as atitudes e tudo 0 que os alunos adquiriram. Mas, se ele nao puder agir em conformidade, néo compreenderd a razao de despender energias e de criar frustragGes inutilmente. Importa assim que qualquer mudanga da avaliago num sentido mais formative aumente os graus de liberdade do ensino e, consequentemente, reduza as partes menos prioritérias das suas obrigacdes habi- tuais Confrontamo-nos aqui com as estruturas. Nao s6 com o sistema de selecgio e de ori- entagdo, a organizacao das formalidades, as opgdes, etc. (voltarei a esta questo), mas também com a organizagHo das aulas (0s intervalos, os horérios, os modos de agrupa- ‘mento dos alunos). Quando se trata da diferenciagao do ensino, culpamos frequentemente a dimensao das turmas. Trata-se de um problema importante, mas pensar apenas em ter- mos de ntimero de alunos & negligenciar outros parimetros. Assim, no ensino secundério, acumulam-se outras desvantagens importantes: fragmen- taco extrema do tempo escolar, tanto para os professores como para os alunos; transfe- réncia das estratégias de apoio para estruturas especializadas (quando elas existem), a falta de se poder prestar um apoio integrado dentro dos limites de um hordrio compatti- mentado; divisdio do trabalho entre especialistas, sem que nenhum se aperceba global- mente do funcionamento e do nivel do aluno; dificuldades do trabalho em equipa pedag6- gica, tendo em conta a atribuigao das horas e do ntimero de professores por turma; horé- tios demasiado “pesados”, juntando-se as actividades de apoio ou de desenvolvimento a uma semana j4 muito sobrecarregada; atribuigdo de todas as horas a espagos disciplinares, no sobrando nada para projectos ou para a resposta a necessidades ou ocasides nao plani- ficadas; organizagio fixa do tempo ao longo do ano; locais utilizados por vérias turmas, nos quais é impossfvel deixar 0 material e extremamente dificil reordenar o intervalo para um ou dois perfodos de 45 minutos. . Acescola priméria dispée a este respeito de numerosos trunfos, que tomam pelo menos possivel uma diferenciagao integrada do ensino. Para se conseguir uma individualizacto dos percutsos de formacio (Perrenoud, 1992), é necessério no entanto mudar a organiza- do das turmas, mesmo no ensino primério, e por fim & estruturagio do cursus escolar em graus (Perrenoud, 1985). €-DIDACTICA, METODOS DE ENSINO A nogiio de avaliagio formativa desenvolveu-se no quadro da pedagogia de maestria ou de outra forma de pedagogia diferenciada relativamente pouco preocupada com os 178 contetidos espectficos dos ensinos ¢ das aprendizagens. Dava-se maior énfase aos reme- deios, por outras palavras, a uma organizagio mais individualizada dos itinerdrios de aprendizagem, fundada nos objectivos mais explicitos, das recolhas de informagdo mais qualitativas e regulares, e das intervengdes mais diversificadas. Ainda hoje, este modelo “cibemnético” mantém toda a validade, com um nivel relativamente elevado de abstracgio, em qualquer ordem de ensino, em qualquer disciplina escolar ¢ em qualquer aprendiza- gem. E sempre ttil, se pudermos aspirar a uma pedagogia eficaz, saber para que dominios pretendemos conduzir os alunos, por que caminhos; precisar quais os meios que se utili- zam para observar os dominios atingidos ou em vias de aquisigio, os métodos de traba- ho, as atitudes, os funcionamentos mentais e 0 modo como pretendemos intervir junto dos alunos, através de regulagGes “pr6-activas”, interactivas ou retroactivas (Allal, 1988). No entanto, assim que este esquema geral for adquirido, é preciso aplicé-lo a diferen- tes campos de conhecimento. E, af, apercebemo-nos que a identificagao dos erros e dos. funcionamentos do aluno ¢ a natureza dos remedeios dependem da estrutura e do con- tetido dos conhecimentos e das competéncias a adquirir. Assim, tratando-se da aquisigaio da lingua matemna, por exemplo a leitura ou a redacgao de textos, toma-se cada vez mais dificil sobrepor &s didacticas tradicionais um modelo transdisciplinar de avaliagfo forma- tiva, Pelo contrério, parece necessario, tal como Bain (1988a, 1988b) props muito firme- mente, reconstruir a avaliago formativa no campo da didéctica do francés, de forma a integrar as regulacdes numa abordagem precisa e fundada, por um lado dos conhecimen- tos e das competéncias a adquirir, por outro lado dos funcionamentos do aluno, Por outras palavras, para fazer uma avaliagdo formativa no francés escrito, € necessério que o profes- sor disponha de uma boa teoria do acto de leitura ou de redacgdio, consequentemente do funcionamento dos discursos e das operagdes e vias pelas quais os alunos passam para se apropriarem dessas competéncias. A partir desses modelos, € possfvel construir sequén- cias diddcticas que permitam regulagdes colectivas ¢ individualizadas especiticas. ‘Ao longo dos tiltimos anos, no plano teérico, temos vindo a assistir, nomeadamente no campo do francés, mas alargando-se também a outras disciplinas, a uma reintegracdo da avaliagao formativa na diddctica, sem divida a favor de uma renovagio desta tiltima sob 0 impulso dos didécticos new look, que jé nao pretendem dizer aos professores como se ensina, mas que procuram analisar os funcionamentos didécticos e extrair um con- junto de leis, ou pelo menos identificar alguns obsticulos, algumas condigSes, algumas regularidades. Na pratica, no entanto, esta reintegragfio levard tempo. Tanto mais que, como € por vyezes 0 caso no ensino secundario, os professores se v8em como os seus préprios metodé- logos ou trabalham com formadores centrados numa disciplina e que se preocupam muito pouico com a avaliagio. Mencionemos ainda um obstéculo essencial: os meios de ensino nfo esto, na sua maioria, concebidos para uma pedagogia diferenciada, apoiada numa avaliagfio formativa (ver Bélair, 1991), Para tal, é necessdrio aceitar um grande investimento na criagdo ou na adaptagdo de instrumentos didécticos... 179 D-CONTRATO DIDACTICO, RELACAO PEDAGOGICA, PROFISSAO DE ALUNO Trabalhar no sentido de uma avaliacao mais formativa significa transformar considera~ velmente as regras do jogo dentro da sala de aula. Numa avaliagao tradicional, o interesse do aluno consiste em iludir, disfargar os pontos fracos e valorizar os pontos fortes. A pro- fissdo de aluno (Perrenoud, 1984, 1986, 1988a, 1991) consiste nomeadamente em des- montar as armadilhas colocadas pelo professor, em descodificar as suas opinides, em fazer escolhas econémicas na fase de preparagiio e elaboragéo das provas, em saber nego- ciar ajuda, correcgdes mais favoréveis ou a anulagio de uma prova mal sucedida. Para dizer a yerdade, num sistema escolar tradicional, o aluno tem boas razdes para querer pri- meiro que do receber notas suficientes. Para tal, tem de usar de astiicia, fingir ter com- preendido e dominar a matéria, recorrendo a todos os meios dispontveis, desde uma pre- parago répida e intensa até a trapaga, A sedugiio e @ mentira piedosa, Toda a avaliag&o formativa parte de uma aposta muito optimista, a de que o aluno quer aprender e tem vontade que 0 ajudem, por outras palavras, a de que 0 aluno esta disposto a revelar as suas diividas, as suas lacunas ¢ as suas dificuldades de compreensio da tarefa. O médico espera do paciente que este nao Ihe complique a tarefa e lhe fornega todas as informagGes necessérias para fazer um diagnéstico correcto, sem se importar com 0 pudor, com a vergonha, com o respeito proprio, com o bom gosto. Em contrapar- tida, 0 paciente tem direito a uma relago privilegiada, protegida pelo segredo profissio- nal, que pode quebrar em qualquer altura e que, no final de contas, ele controla, uma vez que é 0 cliente. Na escola, uma avaliagio formativa exige uma cooperacdo extrema- mente grande, sem poder oferecer as mesmas garantias, Revelar ao professor os pontos fracos e as incertezas significa, muitas vezes, expor-se ao escdmio ou 2 piedade dos cole- gas. Significa correr o risco de ver determinadas informagées relatadas numa caderneta, num registo, em relatérios que serdo lidos por outros professores, pelos psicélogos, pelo director da escola ou pelo inspector. Significa dar informagdes ao outro no quadro de uma relagdo & qual o aluno néo pode unilateralmente por termo, principalmente durante a escolaridade obrigatéria, Quanto mais nos embrenhamos no ensino secundério, mais a avaliacio formativa se encontra em ruptura com as estratégias habituais dos alunos e exige uma espécie de revo- luedo cultural, fundada numa confianga rectproca ¢ numa culfura comum que torfiam a transparéncia possivel. Se 0 professor que tenta fazer uma avaliagio formativa tem também a obrigacao de tomar decisées, praticamente no mesmo espago de tempo, quanto ao destino escolar do aluno, é evidente que,este ultimo, sobretudo num sistema muito selectivo, tera todas as razBes para conservar as suas estratégias habituais, para mobilizar a sua energia na tenta- tiva de iludir. Trabalhar no sentido de uma avaliagdo formativa significa, renunciar a ‘fazer da seleccdo a aposta permanente da relacdo pedagégica, significa deixar de man- ter os alunos sob a ameaga da repeti¢ao ou da relegagdo para vias de ensino menos exi- gentes. Mas isto no é suficiente: € necessério uma mudanga considerdvel do contrato 180 didéctico (Schubauer-Leoni, 1986, 1988), a substituigdo de uma relagio que, sem ser agressiva, € de natureza fundamentalmente conflituosa, nos sistemas tradicionais, por uma relago de cooperagao. E-CONCERTACAO, CONTROLO, POL[TICA DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO Nilo se faz uma avaliagdo formativa sem ajuda. Principalmente porque, pelas razdes acima indicadas, nao se pode caminhar nesse sentido sem modificar profundamente a cul- tura da organizacao escolar, 4 escala da sala de aula, mas também do estabelecimento de ensino. Um professor que sé fica cou uma turma durante um ano nilo pode esperar que, em algumas semanas, as atitudes e representagdes dos alunos se modifiquem radicalmente para entrarem no jogo da avaliagao formativa, sabendo que alguns meses mais tarde pas- sardo para uma outra turma ¢ voltarao as dindmicas anteriores. Do mesmo modo, prosse- guit com um ensino mais individualizado exige habitos de trabalho diferentes, mais tempo passado em equipa ou em trabalho individual, actuando o professor como pessoa-recurso, Implica uma tolerincia considerdvel em relago gestiio do tempo, ¢ mesmo dos hordrios, das tarefas, dos recursos disponiveis para fazer 0 seu trabalho, Umma turma que pratica uma avaliagéo formativa apresenta-se mais como uma oficina onde cada um se ocupa das suas tarefas (com alguém que pode intervir em caso de necessi- dade) do que como uma orquestra sob a batuta de um maestro omnipresente, Estes modos de funcionamento exigem especialmente uma nova concepedo da equidade ¢ da igualdade face ao sistema, uma ceria tolerdincia face A desordem e a diferenga, capacidades de anto-regulagdo € de auto-avaliagdo de uns de outros. Estas mudangas néio conseguiriam ser eficazmente postas em pritica num tinico ano; tém, pelo contrario, de beneficiar de uma certa continuidade ao longo de toda a escolaridade ou pelo menos durante um ciclo de estudos. Deste modo, é indispensdvel transpor um obsticulo de vulto: 0 individualismo dos professores, a vontade invejosa que tém de fazerem o que Ihes apetece, logo-que-a:porta da sala de aula se fecha. E provavel igualmente que uma avaliagdo formativa conduza, sem que tal seja imperioso, a uma diferente divisdio do trabalho entre os professores, uma vez que a explicitagdo dos objectivos, a elaboragio dos testes criteriados ou a construgao de sequéncias didécticas ou de estratégias de remediaco ultrapassam as forcas de cada um. E necessério assim orientarmo-nos para uma partilha das tarefas, um levantamento. dos obstéculos entre os varios graus, uma colaboragdo dos professores que ensinam em classes paralelas ou na mesma disciplina, A avaliagao tradicional nao permite exercer um controlo muito rigoroso sobre a peda- gogia dos professores. Normaliza sim, numa certa medida, o seu nfvel de exigéncias, B dificil imaginar um estabelecimento de ensino onde se tolerariam durante muito tempo professores que 6 dessem notas muito més ou notas muito boas, professores que nio 181 fizessem nenhum aluno repetir 0 ano e outros que produzissem numerosos insucessos escolares. Mas estes sinais exteriores de “normalidade” abarcam uma grande diversidade dle exigéncias reais, pois nao sabemos muito bem o que implica a avaliagao dos professo- res em termos de conhecimentos efectivos e, consequentemente, de respeito pelo pro- grama, Para tal, seria necessdrio administrar regularmente provas estandardizadas a tur- mas seguindo 0 mesmo programa, o que raras vezes se faz. e suscita com frequéncia opo~ sigdes, de boa e de mé-fé. Paradoxalmente, uma avaliagio formativa poderia dar @ administragdo escolar uma maior influéncia sobre a qualidade ¢ a conformidade do ensino de uns e de outros. Com efeito, embora limite as informagées numeradas, conduz também a representagées mais precisas do que os alunos sabem ¢ sabem fazer realmente. Mais do que comparar taxas de insucesso ou médias de turma, poder-se-ia comparar as aquisigdes efectivas e, consequen- temente, distinguir mais claramente os professores eficazes ¢ os que 0 sio menos. Esta preocupacdo nio é ilegitima e ninguém poderia sustentar que a eficécia de um professor nfo esté relacionada com a colectividade que Ihe paga ou com a administrago escolar que o emprega. No entanto, ao querermos servir-nos de modo excessivo ou dema- siado répido da avaliagio formativa para este efeito, corremos o risco de comprometer definitivamente o seu desenvolvimento. Talvez seja mais razovel colocar como prinefpio que a avaliagio formativa dé informagdes que serio sempre. propriedade do professor e dos seus alunos. Cabe-Ihes a eles decidir © que querem transmitir aos pais e 4 administra- do escolar. Se esta quiser ter uma ideia precisa do que os alunos sabem e da eficdcia dos professores, tem de encontrar os seus prdprios instrumentos necessérios, nio invibiali- zando uma avaliagdo formativa que deve permanecer, de qualquer maneira, um assunto entre 0 professor e os seus alunos, para que 0 contrato de confianca néo seja quebrado. Parece, no entanto, que as provas estandardizadas tém numerosos efeitos perversos induzem a didacticas conservadoras (Davaud, 1992).’O ideal seria caminhar no sentido de uma profissionalizagio suficiente da profisstio (Perrenoud, 1991), para que 0 controlo sobre a qualidade do ensino fosse exercido pelos colegas, no seio da equipa pedagdgica, e para que o estabelecimento de ensino funcionasse segundo o modo da auto-avaliagio (Gather Thurler, 1991, 1992). F PROGRAMAS, OBJECTIVOS, EXIGENCIAS A avaliagio formativa faz com que mais cedo ou mais tarde se modifiquem os progra- mas, Em primeiro lugar, para os aliviar, para Ihes extrair o essencial. Com efeito, pode-se cumprir de uma forma relativamente facil um programa demasiado sobrecarregado se, logo de inicio, se perder a esperanga no sucesso de uma fracgGo importante dos alunos. E a légica que existe, infelizmente, em muitas escolas secundarias nos dias de hoje: avanga-se através do programa a um ritmo suficiente para o cumprir totalmente, deixando a cada capitulo varios alunos pelo caminho. No final, 0 que importa é que 0 programa 182 tenha sido ensinado, e nfio que tenha sido aprendido pela maioria dos alunos. Os que niio conseguiram adquirir as competéncias suficientes serdo relegados para outras vias de ensino ou forcados a repetigzo do ano, ou ainda autorizados a prosseguir o curso fingindo que as suas lacunas e dificuldades desaparecero posteriormente ou que passario desper- cebidas. Trabalhar no sentido da avaliagdo formativa significa ndo continuar a tolerar tantas desigualdades, significa munir-se. dos meios para remediar as dificuldades dos alunos mais lentos, mais fracos. Nao se pode fazer tudo ao mesmo tempo. E indispensé- vel, para lutar contra 0 insucesso escolar, restringirmo-nos ao essencial, ao néicleo central dos programas, renunciando a toda a espécie de nogdes e de conhecimentos que nao sio indispenséveis (ou que, pelo menos, nfo 0 so para todos os alunos). Mas nio subestime- mos a amplitude da tarefa: “Com efeito, a diferenciago introduz, nas préticas didécticas, um aumento de complexidade e esta s6 € tolerdvel se se apoiar num trabalho prévio de simplificagdo, Nao ha entio qualquer diivida de que € necessi- rio repensar os nossos programas de ensino... Mas isso nao tem nada a ver com 0 abandono fécil de uma parte destes programas, nem mesmo com ‘um exame superficial dos seus contetidos para separar 0 que ainda é actual do que se tornou antiquado. A identificagdo dos objectivos nucleares requer um trabalho didéctico profundo em cada disciplina, a identificagio exacta das tarefas que serio pedidas aos alunos em cada nivel de ensino e dos problemas que terdo de resolver para serem bem sucedidos” (Meirieu, 1990, pp. 181-182). Existe uma segunda razio para que a avaliagdo formativa induza uma transformagio dos programas. Em geral, estes programas ndo sdo redigidos em termos de objectivos de maestria; apresentam-se sim como listas de “contetidos a ensinar”. [ma tal forma de redi- git os planos de estudo obriga os professores que se orientam para uma avaliagdo forma- tiva e para uma pedagogia diferenciadas a fazerem um trabalho érduo de explicitagao dos objectivos, 0 qual ultrapassa muitas vezes as suas forgas, Nenhuma nova redacgdo institu- cional dos programas em termos de objectivos dispensaré os professores de um trabalho pessoal de elaboraedo e de apropriagiio do curriculo, mas este poderia ser esbogado pelos pr6prios autores dos programas. Assinale-se, por fim, que uma avaliagao formativa (de regulago das aprendizagens) adivinharé, mais rapidamente do que um ensino expositivo, as incoeréncias e as ambigdes desmedidas de alguns planos de estudo, Quando a maioria dos alunos de uma determi- nada idade comete os mesmos erros € niio os podemos remediar facilmente tendo em conta a sua fase de desenvolvimento intelectual, quando determinadlos tipos de conheci- ‘mento marginalizam sistematicamente uma maioria de alunos na medida em que estio de tal modo distantes da sua experiéncia e das suas aquisigdes anteriores que nfo podem senao “desligar”, entio jé nao é tempo para remediar, mas sim pura e simplesmente para rever 0 plano de estudos num nivel inferior ou tomné-lo mais préximo da realidade, ow 183 mais realista em relagdo as aprendizagens anteriores e as atitudes dos alunos. Qualquer pedagogia diferenciada funciona como um filtro eritico dos planos de estudo, G~ SISTEMA DE SELECCAO E ORIENTAGAO A vocagio da avaliagdo formativa é contribuir para a aprendizagem. Encontramo-nos assim numa légica de acco em que ainda no é tempo para nos resignarmos com as desi- gualdades e as dificuldades. Mas a realidade resiste, o tempo passa, o milagre nao acon- tece e surgem momentos em que € necessario fazer 0 balango, em que j4 nfo é tempo de remediar, em que & preciso tomar decisdes de selecciio ou de orientagdo, Por natureza, a avaliagao formativa nao volta as costas a esta perspectiva. Numa interpretagdo maxima- lista da pedagogia de maestria, poderfamos tentar voltar a dar constantemente novas opor- tunidades, considerando que uma aprendizagem nunca é impossfvel, que ainda nfo se ten- tou tudo para o conseguir, Sem ser pessimista, podemos ter em consideragio niio s6 os obstéculos econémicos, que limitam os recursos ¢ 0 tempo dispontvel, mas também a boa vontade decrescente dos educandos. Do mesmo modo que certos pacientes resistem 2 obstinagao terapéutica, certos alunos resistem A obstinacdo pedagdgica; por boas ou més razdes, preferem romper a relagdo pedagégica a terem de se confrontar, durante meses ou anos, com os mesmos insucessos. Neste espitito, nao existe incompatibilidade de princf- pio entre avaliago formativa e selecco. Resta, contudo, que a sua articulagao se tore delicada. A avaliagdo formativa dé prioridade ao dominio dos conhecimentos e das capa- cidades, considerando que a seleccdo é, quando muito, um mal necessério, nunca um fim em si ou. uma vantagem. Num sistema que se orgulha de limitar 0 acesso aos conhecimen- tos, de preparar prioritariamente uma elite, a avaliagio formativa nfo tem lugar, uma vez que participa de uma vontade de democratizagio do ensino, vontade essa nao s6 afirmada in abstracto, mas também coneretizada na adopedo de uma estrutura escolar que favorece uma selecgiio o menos severa, precoce e irreversivel possivel. Nos sistemas escolares em que se pratica uma selece&o dréstica antes dos doze anos de idade, em que se parece estar satisfeito por ter poucos alunos nas vias de ensino mais exigentes, em que se assume um némero importante de repetigdes € de insucessos, véem-se com maus olhos - a parte alguns idealistas — os que poderiam defender a avaliagdo formativa sem militar a0 mesmo tempo em favor de uma transformagao global do sistema de seleccao e de orientagao. Mesmo nos sistemas escolares menos rigidos, a articulagdio entre a avaliacao formativa ea selecgao nao é evidente, Isto porque num dado momento, no final de um ano escolar ou de um ciclo de estudos plurianual, a avaliagdo muda de légica: embora quisesse ajudar o aluno a aprender, esta avaliagio estabelece subitamente um balango que, sem ser defini- tivo, impée decisées a curto prazo, por vezes dificilmente reversfveis. Trata-se entio de saber se os professores podem representar este duplo papel, sabendo os alunos (e as famf- lias) perfeitamente que as informagées dadas numa perspectiva formativa podem num determinado momento virar-se contra eles numa perspectiva certificativa ou selectiva. 184 Estamos perante um paradoxo: a avaliagio formativa deveria estar completamente do lado do aluno e, consequentemente, dar-lhe recursos para fazer face a selecgio, do mesmo modo que o advogado de defesa esté do lado do réu num processo ou que um médico esté do lado do paciente na luta contra a doenca. Seria melhor que a selecgdo fosse protagoni- zada por outros actores, que nfo estivessem encarregados de ensinar, mas sim de dizer quem atingiu um dominio suficiente para obter um diploma ou aceder a um ciclo de for- magio, O aborrecido é que uma tal diviséo do trabalho condenaria 4 uma avaliago pon- tual, por outras palavras, a um abastardamento do.exame, Ora, sabemos 0 quanto este modo de avaliag&o é frégil no plano docimolégico. Dissociar a avaliagdo formativa da ayaliago selectiva significaria fundar a segunda numa avaliag%o continua e, consequente- mente, aumentar o seu cardcter arbitrério e também a desigualdade social face a selecgao. Grave dilema. Para encontrar uma solugdo talvez seja necessério insistir numa selecedo negociada com os alunos e as suas familias. Quanto mais as decisdes de selecgao forem tomadas uni- lateralmente pela escola, por vezes contra a vontade e 0 pedido expresso,do altuno ou dos pais, tal como uma sentenca do tribunal € imposta ao réu, existem todas as razdes para que 0s interessados se defendam com unhas ¢ dentes contra um julgamento desfavordvel. Se o sistema de selecgao e de orientagio deixa as familias ¢ os alunos assumirem as suas responsabilidades, assumirem os riscos de uma orientagio demasiado ambiciosa e, conse- quentemente, de um insucesso algum tempo depois, encontra-se, no momento da selec- go, uma relagiio de ajuda. O papel da escola ja nao é assim o de impedir autoritariamente aentrada numa qualquer disciplina dificil ou o progresso no curso, é sim o de dar conse- Ihos, informagées, indicagSes a partir das quais o aluno é a sua familia tomaro uma deci- sdio com conhecimento de causa. Neste caso, mais do que opor-se & avaliagdo formativa, a avaliagdo selectiva prolonga-a, na mesma ldgica de cooperacdo: quando jé néo € tempo de aprender, quando & preciso fazer um balango e tomar decisdes, h4 ainda conselhos para dar e regulagGes para levar a pritica, A escola poderia apoiar os pais ¢ as criancas nas suas decisées em relacdo a orientagao (Bain, 1979; Richiardi, 1988), sem nunca tomar o seu lugar. H_-— SATISFACOES PESSOAIS E PROFISSIONAIS A avaliagdo formal actual é uma fonte de angtistia para os alunos com dificuldades e para as suas famflias, e mesmo para os outros alunos, que nao tém grande coisa a temer, mas nao o sabem... E também uma fonte de stress ¢ de desconforto para alguns professo- res, que no gostam de dar notas. Mesmo para eles, € a fortiori para os outros, o sistema + de avaliagdo é uma espécie de divisdria de seguranga, bem-vinda face as mUltiplas incer- tezas relacionadas com os objectivos ¢ os programas, as medidas pedagégicas, a disci- plina, a posigao dos pais na escola, etc. O sistema tradicional de avaliaco oferece uma via, um encosto, um fio condutor; estrutura o tempo escolar, pontua 0 ano, fornece pontos 185, de referéncia, permite saber se avangamos na tarefa e, consequentemente, se cumprimos a nossa fungao. Qualquer inovagio pedagégica que obrigue ao afastamento dessa via, quer estabele- cendo abertamente distancias relativamente aos processos oficiais, quer interpretando-os num outro espirito, é uma fonte de inquietude para os professores. Podemos assim, sem 0 contestar explicitamente, interpretar o sistema de avaliag&o num sentido mais formativo, dando um significado particular & escala das classificagdes. Mas esta interpretaco encon- tra-se numa situagao delicada em relago a pritica corrente ¢ introduz uma tenso dificil de suportar. Nao é confortavel tomar, de facto ou de direito, grandes liberdades em rela- cdo ao sistema tradicional, na medida em que nos tornamos pessoalmente responsdveis pelos seus erros e pela sua avaliagao face aos pais e aos alunos, enquanto que, se nos mantivermos nos carris, podemos abrigar-nos atrés do “sistema”, do regulamento, etc. A administraco escolar tem interesse neste funcionamento: mesmo que nfo saiba exacta- mente o que os professores ensinam € como, tem pelo menos a impresstio de que a avalia- ¢%0 6 feita segundo padrdes formais que garantem, simultaneamente, a equidade e a regu- laridade fundamentais para as burocracias escolares, por vezes mais ainda do que a eficé- cia didactica. No entanto, nfio podemos atribuir todas as resisténcias ao medo da mudanga. Por um. lado, porque os professores sabem igualmente que sem renovagdo esto condenados & rotina e ao aborrecimento (Huberman, 1989). Por outro lado, porque a mudanca niio 6 mais do que um momento dificil de passar, fonte por vezes de uma importante renovagao pessoal. A situaco é mais grave quando os professores pressentem que ndio encontrario, num novo sistema de avaliagao, as satisfagées, reconheciveis ¢ irreconhectveis, que Ihes traz a avaliagdo tradicional. Ranjard (1984, p. 93) escreve: “Os professores sabem que as notas no so fidveis, que nao dariam a ‘mesma nota ao mesmo trabalho se Iho entregassem algumas semanas mais tarde-e que os seus colegas dariam notas diferentes a esse trabalho, Sabem que sio incapazes de precisar, mesmo s6 para eles, os seus objectivos e 0s seus critérios de avaliagao, Sabem que nfo sabem em que consiste 0 ‘nivel’ que permite aos alunos ‘passarem’, Sabem que escapar 4 média é absurdo. Conhecem os efeitos de esteredtipo e de fama, Sabem mas nao querem saber que sabem. Sabem inconscientemente. E é por isso que podem de boa-fé alegar a sua consciéncia profissional. Ela é, de facto, inocente: trata-se sim do inconsciente! Mas porqué? O que é que eles defendem com esta resistencia?” (1984, p. 93). E Ranjard responde: “Defendem um prazer. Um prazer de md qualidade uras seguro, garantide, quotidiano, Um prazer que se tem de disfargar para ser vivido sem culpa- bilidade. 186 [ud Esse priizer € prazer do Poder com P maitisculo. O professor é 0 mestre absoluto das suas notas. Ninguém, nem o seu director, nem o seu inspec- tor, nem mesmo 0 seu ministro, podem fazer nada quanto as notas que ele deu. Pois foi de acordo com o seu cardcter e a sua consciéncia que ele as deu, Com 0 seu diploma, foi-lhe reconhecida a competéneia de avaliar (0 que niio deixa de ter graga!). A sua consciéneia profissional é inatacdvel, Na sua tarefa de avaliador, ele € omnipotente. E esse dominio significa poder sobre os alunos. , A ommipoténcia de avaliar: um prazer que vem dos infernos ¢ que no podemos olliar de frente...” (1984, p. 94), Se Ranjard reflectiu racionalmente, para além do medo da mudanga, entSo existem razbes para aderir, mesmo por raz0es inreconhecfveis e portanto dissimuladas sob pretex- tos mais apresentaveis, a um modo de avaliagio que garante um tal poder. E certo que uma avaliaggo formativa s6 pode ser cooperativa, negociada, variada, centrada na tarefa e nos processos de aprendizagem e no tanto na pessoa. Ela priva definitivamente alguém do poder de classificar, de distinguir, de condenar globalmente em fungdo dos seus desempenhos intelectuais. Tentei noutra comunicagio (Perrenoud, 1991b) mostrar que @ avaliagdo formativa pode alargar 0 controlo social e mental sobre os alunos, criando deste modo novos prazeres. E certo. contudo, que ela obriga a renunciar & “omnipoténcia de avaliar, um prazer que vem dos infernos e que nfio podemos olhar de frente...”. De uma forma mais geral, insistirei nos Iuos que uma mudanga nos modos de avalia- go imporia aos professores (Perrenoud, 1991e), lutos que eles pressentem e que Ihes cau- sam medo (Perrenoud, 1992a). Nao creio que os professores tenham, no verdadeiro sen- tido da palavra, “necessidade” de avaliar, de classificar. Tém necessidade sim de encon- trar determinadas satisfagdes pessoais, incluindo satisfagdes narcisistas e relacionais, no exercicio da sua profissio. Parece, segundo a opinifio de Pierre Marc, que o sistema de acgao e a cultura ambiente activam ou desactivam certas “camadas” dos funcionamentos inconscientes do individuo, Sem diivida que o prazer de avaliar 0 outro e, consequente- mente, de ser responsdvel por ele esté enraizado nos primeiros anos da experiéncia humana e constitui uma compensagdo por todas as humilhagdes ¢ frustragdes sofridas durante 4 infancia e mesmo durante a vida adulta. Nada, porém, autoriza a generalizar, pois a economia psiquica dos professores € diversa e nem todos disputam o poder, porque as suas Satisfag6es sio de uma outra ordem. PARA CONCLUIR Tudo isto pode parecer muito desencorajador, Seré necessério confrontarmo-nos com tantos obstéculos? Empreender uma marcha tio longa através das instituigdes? Porque no conservar uma avaliagdo que prestou as suas provas e investir noutras questoes? Pre- 187 cisamente porque a avaliacdo tradicional impede a renovaco radical das priticas pedag6- gicas. Neste sentido, creio que se podem distinguir sete mecanismos complementares: 1.A avaliago absorve muitas vezes a melhor parte da energia dos alunos ¢ dos professores; nfio ssobra muita coisa para inovar. 2.0 sistema de avaliagao cléssica favorece uma relagGo utilitarista com o saber. Os alunos traba- ham ‘para'a nota’. Todas as tentativas de nova pedagogia opdem-se a este minimalismo, 3.0 sistema de avaliago tradicional participa de uma espécie de chantagem, de uma relagio de forga mais ou menos explicita, que coloca professores e alunos, e de uma forma mais geral, {ovens e adultos, em campos opostos, impedindo a sua cooperagdo. 4,A necessidade de dar regularmente notas ou apreciagGes qualitativas com base numa avaliagio estandardizada favorece uma transposicdo diddctica conservadora. 5.0 trabalho escolar tem tendéncia para privilegiar actividades fechadas, estruturadas, bem ‘expe- rimentadas', que podem ser retomadas no quadro de uma avaliagao clissica. 6.0 sistema de avaliagao clissico forga os professores a preferir as competéncias isoldveis e ava- lidveis ds competéncias de alto nivel (raciocinio, comunicagao), diffceis de incluir numa prova eserita e nas tarefas individuais, 7. Sob aparéncias de exactidio, a avaliagio tradicional esconde uma grande arbitrariedade, dificil de coordenar no seio de uma equipa pedagdgica: como 6 possivel entendermo-nos quando nio sabemos o que estamos realmente a avaliar? Como vimos, o cardcter sistémico das praticas no deixa escolha possivel. E preciso trabalharmos, simultaneamente, nos campos da avaliagio, da didéetica, da relagdo profes- sor-aluno, do funcionamento dos estabelecimentos de ensino, da selecco. Isto pode pare- cer um pouco dissuasivo, mas no é mais do que uma postura econdmica: tudo estd ligado, e uma outra avaliagdo é em larga medida uma outra escola! REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALLAL, L. (1983). “Evaluation formative: entre intuition et l'instrumentation”. Mesure et évaluation en éducation, 6 (5), pp. 37-57. ALLAL, L. (1988). “Vers un élargissement de la pédagogie de maitrise: processus de régulation interactive, rétrouctive et proactive”. In Mattriser les processus d’ apprentissage. 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