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Q NEGRO LIVRE NO _IMAGINARIO DAS ELIT (raciemo, imigrantismo @ abolicionismo em Sao Paulo) ~ 1985- Celia Maria Marinho de Azevedo _Dissertagéa apresentada como exigéncia parcial para obtengao do Grau de Mestre om Histéria & Comissio Julgadora da Universi~ dade Estadual de Campinas, sob a orientagao do Professor Doutor Peter Louis Eisenberg unis MBUCTE SG odes " articular o pasando historicameate nao significa conhecé-lo "tal como ele proprianente foi".Significa apoderer-se de uma tenbranga tal qual ela cintilou no instante de vm perigo” Walter Benjamin Dedico este trabalho & famf{lia de Silvana Pereira da Silva e Adelino José de Souza que nos pate-papos amigos destes Gltimos anos e sem que se dessen conta, despertaram meu interesse para o tema da questo racial no Brasil. inpice Introdugaio pp+l-23 Pri Parte I = 0 LUGAR DO NEGRO LIVRE pe ah (propostes de aproveitanento do potencial nacional de bragos) 1. A felta de um povo pe 2? 2. Coagko policial « sduinistragao das vides pe 42 3. & internalizagao da hierarquia social pe Sh 4, Mulheres, a0 trabalho! pe 68 II + 0 NEGRO LIVRE SEM LUGAR pe 86 ( propostas imigrantietas) 1. © imigrante brenco: branqueamento © Progresso 88 2. 0 paraiso racial brasileiro pe 108 3. 0 imigrante e a pequena propriedade pe 119 4, Traneigho com inigrante amarelo pe sh III -A ESTRATEGIA DA CONCTLIAGZO pe 156 (propostas abolicionistss) : 1. Paz racial e conflitos de classe pe 158 2. Abolicde ¢ conciliasao pe 16h liberdade com trabalho democracia rural incorporagdo sem coagao incorporagao compulséria pacto social ¢ ndo-revanchisno Segunda Parte IV ~ 08 POLETICOS DE SO PAULO E A "ONDA NEGRA" pe 197 v i. A Juta contra o trafico de escravos Be 202 0 medo dos efeitos da Lei do Ventre Livre “© medo dos escravos: trafico de "mat © concentragao explosiva 0 aedo de uma guerra civil ao estilo USA ~crimes de escravos © redicalizagao das posturas anti-trafico rimigrantes rebeldes © negros perigosos 2+ 0 nacional livre om debate pe 224 0 dmigrante nfo serve ~coagao do nacional ao trabalho e controle do tempo dois métodos disciplinares: coercéo « persuasio ~vadiagea @ escassez de bragos?! - denincia dos argumentos inigrantictas 3. 0 sentido raciata do imigrantieno De 2k3 Ben-vindos, brancos 1 = 0 perigo auarelo 4. 0 grende avango imigrantiata pe 262 a defesa do imposto anti-trafico do escravo traigoeiro ao escravo fiel 5 0 imigrantismo consolida-se 27 ~baate de negros! wo iiltimo grande debate: nacichaie e imigrantes ou 6 inigrantes 7 vitalianos! afinal, a solugio ~ A POLECIA PAULISTA E A CRIMINALIDADE ESCRAVA pe 306 1. Crimes © revoltas de eacravos nos anca 70 Pe 310 2s A goneralizacdo das revoltas e 0 apoio popular nos anos 80/p.350 3. Fugas e quebras-quebras Pe 357 4. A p&tria em perigo ! - pela Unido Nacionald pe 3h7 VI - ABOLICIONISNO E CONTROLE SOCIAL pe 364 (os caifages) 1. A defesa da ordem p+ 369 2. Ordem © ooagio Pe 325 3. Ordem e orientagao pe 382 ky A defeoa de um lugar para o negro (deniincia do vacieno)/P+ 390 Se Igualdade juridica o integracao sdcio-racial (2 cidadenia) /P-399 Conclusao pe 410 Bibliografia pel Introdugao Homens 2 Esta lufada que rebenta fo furor da mais lébrega tormenta.e. = Ruge a revolugio E vos crusais os bragos...Covardial E ourmurais com fera hipocrieie: -£ Esperar? Maa o qué? Que a populaga, Eete vento que os tronos despedaca, Venha ebiamos cavar? Castro Alvea, “ Egtrofes do Solitaério" Ma Jo. a dos Prazeres eva una negra auito feia que inapirava medo &s criancinhas cada vex que as fitava com aqueles seus olhos feli nos, ingetados de sangue. Recém-chegada & cidade juntauente com seu ma vido, 0 pedreiro @ coveiro Manoel Congo, levou algum tempo para que ela ganhasse a confianga de seus habitantes. Tia Josefa porém sabia fa zer une Stimos pasteisinhos de carne, muito alvos @ macios e como tem po conseguiu muitos fregueses. Além disso a sua casa, eituada ao lado do cemitério, comegou a ser bastante procurada por aqueles dese josos de mezinhas e de uma bos parteir: asia, o tempo venceu as prineiras deaconfiangas e embora as criang: ainda a olhassem agsustadas ~ tal como a uma feiticeira de seus pesadelos -, fia Josefa tornou-se uma figura impreacind{ive] do cotidiano de pacatos cidadaos, Mas um dia Nini, uma linda monina loira, roseda, alegre « esperta, Por causa de um pequeno resfriado comegou a tomar as beberagena de tia Josefa e ao invés de melhorar, piorou rapidamente. Chemado finalnente eo médico, 4 aio havia mais renédio para ela, a néo ser buscar Manoel Congo para enterri-la. Para consoler a pobre mie, a boa tie Josefa pes sou a presented-la com aqueles seus deliciosos pastéia. Esta ectéria terminaria aqui se ndo fesse a mae, incongolayel, pe~ dir para ver @ filha ainda uma filtima ver, ofto di. depode de sua mor te. Para seu espanto, nada mais havia no pequenino caixao aberto pelo coveiro. A suspeita criou aeas ¢ a polfcia cercou a caga de Tha Josefa @ Manoel Congo. L& dentro encontrou caches léuros, restos de roupa de erdanga, © embaixo da mesa da cozinha, pequeninos ossos. © povo quis esquortejar os dois negros, onquanto a mde da linda a9 nininke morta, quase louca, contorcia-se horrorizada = tinha comido a filha em pastéia. Esta estéria estranha, macabra, capaz de revirer estémagos delica- dos, tembém tou a sua historia, Apareceu assia como quem nfo quer nada, em meio as noticias do jornal Correio Paulistano, om 26 de julho de 1888 (1). Data sem divide significativa, pois apenas pouco mais de doia meses haviam passado desde a aseinatura da "lei aur ) abolinde a ea- cravidio no pale. Os fogos, eaplausos @ cantor: dos grandes festejos comemorativos da Aboligéo mal haviam se extinguido, as ruas guardando ainda o calor das proclamagdes esperanco: de esquecimento dos ddios © horrores passados. E talvez numa esqiina ou outra ainda se ouviesen 08 ecos de diecursos ebolicionister clamando pela integragao dos negros no mundo doa brancos. Contudo toda £¢ a tem seu fim e os medos monentancanonte esqueci~ dos na embriagués da olegria, vm outra vez & tona, lembrando a todos que no dia a dia das relagdes humanas nada realmente audou. Além de nos dizer muito de como estavan sendo reavaliadoe socialmente os ex- escravos e seus descendentes, esta eatoria pode e compreendida como um pequenino lence dentro de uma estratégia abrangente de higieniza- gho do eepago urbeno, gue de um lado visava combater o curandeirieno © as praticas culturais afro-brasileiras e de outro, procurava deslo~ car og negros das freas centrais da cidade de Sao Paulo, onde ainda resistia, poderosa, a igreja ds Irmandads do Rosario dos Homens Pre- tos, a despeito da desapropriagao de seu cemitério e das circundantes moradias de negros, ocorrida h& pouco mais de uma década (2). Mas estas séo outras histérias..vA bistéria que me interessa aqui $a do préprio medo que ressalta destas linbus intrigantes, aparente~ mente ficcdonais. Sim, apenas aparentemente, pois oa ténues limites entre ficgio e realidade se rompem quando voltamos atrés ¢ convivenos com toda uma série de brancos ou "esfolados" bem-nascidos e bem=pen- suntes que durante todo o século XIX realmente temeram acabar sendo tragados pelos negroa mal-nescidos ¢ mal-penaontes, tal como os ten- ros pastéie de carne alva da preta Josefa (3). Recuperar 0 med como dinenado da histéria nao 8 tarefa ficil. Nao @ f4cil em primeiro lugar porque esta dimensao dificilmente se encaixa om modeles metodolégicos. Tal como nos filmes de Hitchcock, as agées deslenchadas pelo medo, geram outras agdes tao inesperadas quanto as prineiras ¢ sssim a despeito das tentativas de planejar, de racionali- var os atos do presente em funglo do futuro, nunca elas conseguen al- congar exatamente o que se pretendia, Em segundo lugar, porque trat: ee de uma dimensio occulta, raramente reconhecida por aqueles que vi~ vencisram o momento bistérico pesquisado. Na tentativa de racionalizar os atos $ mito mais comum epelar-se para argumentos légicos, scfieti-~ cados, do que simpleamente reconhecer que ae tem medo. Assin, o medo apenas aparece de relance nos documentos histéricos, mas & muito rare que soja reconhecide como o mével profunde ¢ amargo daquele que fale. Bm terceiro lugar, porque enquanto dimenaio ocuNta das relagses so- cialis, o medo raramente & incorporado nas analiees daqueles que es- crevem a histéria, prevalecendo ae explicagdes estruturais, mito bem elaboradas ¢ tao légicas que acabam por provar que a hiatéria realmente ed poderia ter ocorrido de uma dada meneira. Ou soja, os re~ sultados estéo contidos nas premissas teéric: ® nenhum outro poderia delas resultar. £ do medo portante que se trateré neste estudo relative & institut Ho do mercado de trabalho livre om substituigio ao escravo no Brasil do séoulo XIX. Nao foi porém um tema eacolhido a priori de modo que a pesquisa preendida devesse coufluir para se encaixar ao final nos seus pré-requisitos tedricos. Ao contrério, ele ee impds na medida mes ma em que se aprofundava a procura de respostas para um ponte que par ticularmente me intrigava na histéria brasileira, tal como ela tem sié do produzida ac longo da hictoriograti: Até meados da Scada de 1880 temos como enfoque privilegiado a es- cravidio, © negro « sua rebeldia, o movimento sbolicionista ¢ as auc sivas tontativas imigrantistas, enfim o chamado momento de transicao para © estabelacimento pleao do trabalho livre. A partir da data da Aboligio, o tema da transigdo deixa subitamente de existir eo negro como que num passe de magica sai de cena, sendo eubstitulde pelo imi- grante europeu, Simultaneamente a esta troca de personagens hiatéricos, introduzem-se novos temas, tais como desenvolviment econSmico industri, @l, urbanizagéo e formacdo da classe operfria brasileira com base numa populagio eesencialnente ectrangeira, Bata substituigie de temas e de enfoques tem aido justificada de modo sucinto e algo taxativo: o negro apStico para o trabalho livre 8 acostumado & coacao de um sistema irracional de produgao néo péde fo- zer frente & concorréncia representada pelo imigrante europou, traba- Inador este j& afeito a uma atividade disciplinada, racionalizada e re guleda a partir de contrato de compra 0 venda da forga-de-trabalho. A partir desta premissa segue-se uma concluedo igualmente rapi- da, que em gerol conata das paginas finais dos eatudos sobre a os ~ eravidio ou entio das introdugdes de trabalhos referentes & urbanize 80 @ desenvolvimento industrials 0 ex-escrave ¢ seus deacendentes sai ram espoliados da evcravidao e despreparados para o trabalho livre, in capazes enfim de se adequar acs novos padrdes contratuais e esquemas Facionalizadores e modernizantes da grande produgéo agricola e indu trial, tornando-~se doravante marginais por forga da légica inevitavel 0 progresso capitalista. Quanto a0 elemento nacional livre, formado em sua maioria do ne - gros e mestigos pobres ¢ que durante toda a escravidao vivera & mar ~ gem da grands produgio exportadora, ele continuaria "vegetando", mar~ Ginal e diepenaavel, a nao ser em regides de fraco deeenvplvinento econémico onde néo chegeram imigrantes. £ que também ele sofreria do mal da “heranga da escraviddo", acostumado as relagées patriarcais de @ependéncia cervil ¢ entregue om sua maioria a atividades de mera aub- sisténcia, Impl{cita neatas formulagdes est& a idéia de que marginali- dade e grande produgao se excluem e portanto quem estiver interessado nos temas da urbanizagdo @ desenvolvimento econémico industrial no pe~ riode pSs-escravista deve ater-se exclusivamente a0 agente da produgdo por exceléncia: o imigrante europeu, Partindo da constatag3o critica de que a situagio marginal do negro em relagdo acs trabalhadores estrangeiros ten sido tratada na maioria dos estudos como algo ja dado e inevitavel, em decorréncia de uza su posta inflwéncia deformadora da escraviddo e consequente incapacidade do negro para o trabalho nao imediataments coercitive, proponho-me a responder & seguinte questao: até que ponto a imagem de uma massa iner te, desagregada, inculta, sem grande importa@nciea hietérica naquele mo- mento, na medida em que ji teria saldo marginal da eocraviddo, nfo our giv do dmago de formulagSes de teor étnico-racieta que justamente pro- curariam com isso justificar a necessidade de imigragao europdia om substituigio ao negro? © trabalho de maior vulto com enfoque na situagao do ex-escravo é 0 de Florestan Fernandes - A Integracho do Negro na Sociedade de Clas- ‘s9s. Contudo a histéria do negro recém safdo da eacravidio é abordada praticamente apenas no primeiro capitulo, referindo-se o restante dos dois volumes ao negro das décadas de 20 em diante. 0 motivo disto tal~ veg possa ser explicado a partir de uma postura metodologica determina da. Segundo o autor ocorre neste perfodo "o esboroamento final da socie dade de castas e o processo de elaboragae da ordem social competitivay ou nos termes de outra obra sua wais recente, " a emergéncia @ oxpan~ sido de um capitalismo dependente". Trata-ce em suma da "Revolugao Bur~ guesa"', nfo onguunto episédio histérico, mas sim enquanto fendmeno es~ trutural, em que "diversas situagSeo de intereasea da burguesia, em © formagio © expansdo no Brasil deram orggem a novas formas de organiza~ Ho do poder em trés nfveia concomitantes: da economia, sociedade do Estado" (4). Ao negro deformado pela escraviddo e lenge ainda de integrar-se a sociedade de classes ¢m formagao coube apenas o papel de "elementos residuais do sistema social (5). Este perfodo da histéria social do negro na cidade de Si0 Paulo resume-se & expresso “anos de era”, em que a grande aassa de negros" d margem da vida social orgenizada o de toda a esperangs, sucumbe & propria inércia" (6). Para este autor nem mesmo as poucas excegdes inclufan-se “entre os fatores huaanos do nove surto capitaliste", enbora estivessen numa po sigdo bem aais ventajosa que a maioria dos negros. Isto porque eles “nio estavam nem estrutural nem funcionalsiente ajuetadoe as condigées pra, dinimicas de integragio e de expansao da ordem social competitiv: veitavam-se dos vacuos resultantes do crescinento econdaico alibito. (7)+ Portento, dada a esta inadaptagde do negro a sociedade competiti- va, Fernandes conclui gue 4 repulsao do negro pola cidade nao se colo~ cava em termos racinis. "see0 isolanento econdmico, social e cultural do''ne ~ gro", com ous indkscutiveis consequéncias funeatas, foi um produto “natural” de sua incapacidade relativa de sentir, pensar 0 agir socialaente como homem livre. Ao recusi-lo, a sociedade repelia, pois, o agente hu- mano que ebrigava, em seu {ntino, o “escravo" ou o "1iberto” " (8). Desde a publicag&o do livro de F.Fernandes em 1964 - cujo valor inestimavel, diga-se de passagem, @ o de ter revelado uma sociedade profundamente racista =, prevalece na historiografia da transigao este quadro bem montado da marginalizagao inevitével do negro por forga da prépria heranga da escraviddo carregada por ele. Ao negro apitico, despreparado en termos ideolégicos para o trabalho livre, costuma-se contrapor o imigronte disciplinado e responsivel, ja eu- ficientemente condicionado 4 ética do trabalho assaloriado, em quo capacidades de iniciativa ¢ de auto-sacrificio combinam-se de forma maledvel a fim de atender sos anseios de aobilidade e ascengao social. Além disso, e também ao contrério do imigrante, o negro nao possuiria aqueles lagos familiares tio necessirios para a reprodugio e estabili- dade de sua forca-de-trabalho (9). Faltava em suma ao liberto, outra vez segundo F. Fernandes, "a auto-disciplina e o espfrito de responaa- bilidade do trabaihador livre, as fnicas ‘condigdea que poderiam ordenar espontaneamente, a regularidade e a efic&cia do trabalhador no novo re gine jurfdico-sconomico", Como existia a alternativa de substitul-o com facilidade pois os imigrantes eram numerosos © bem considerados, 0 liberto sain derrotade na competigao coupscional e ocondmica, passando a ser visto como vagabundo e infiti2, o que determinou a sua concentra~ gSo naqueles "ocupagdes indesejaveis ou insignificantes" (10), Outros importantes eatudos secundoran as proposigdes de Florestan Fernandes, dentre os quais destucan-se oe de Fernando Henrique Car- doso, Octavio Ianni e José de Souza Martins. Tanbém para estes 0 ex- escravo se negava ao trabalho ou entao era incepaz de se adequar aca esquemas contratuais do trabalho livre, deixando-ae vencer facilnente pela concorréncia dos imigrantes europeus no mercado de compra 0 ven- dea da forga-de-trabalho, Assim tornou-se posoivel justificar a neces- sidade da polftica de imigragdo européia, empreendida principelmente @ partir das duas filtinas décadas do século XIX, com um argumento cer- teiro: o despreparo e a incapacidade do ex-escravo nfo deixou outra alternativa aos governantes esclarecidos e progressistas de entao, a néo ser atrair uma massa enorme de europeus em aubstituigho ao negro no mercado de trabalho livre(11). 4 porém uma premissa fundamental para que po! jamoa percorrer to- do @ argumento até as suas conclusces légicas. Trata~se da tio frequentemente alegade irracionalidade da escravidao, tm um estudo com enfoque nos aspoctos econdmicos da escravidao no Brasil, Pedro Carva- lho de Mello e Robert W. Slenes agsinalam que para a waior parte dos estudos, marxistas ou nao, o sistema eacravidao/plantagao era de natu- reza pré-capitalista. Daf decorre que o oietema teria retardado o de~ senvolvimento capitalists no pals, por ter criado estruturas sécio- econémicas que "desestimulavam a especializagao de fungdes, bem como 0 crescimento do sistema de economia de aercado fora do setor de expor- tagio, e que tendiam a redugir ou meamo,bloquear a introdugio das téc- Bicaa novas que pormitirian un aumento da produtividade do trobalno?»), A reduzida divisse social de trabalho, a auséncia de um mercado interno, o decest{oulo para o trabalho, inerentes ao sistema escravis- ta pré-capitalista - voltado eacencialmente para a produgao de géne- roe tropicais de exportagao, complementares as necessidades da metré- pole e outros peises europous, onde ocorria ent&o o desenvolvimento do capital =, teriam gerado uma populagao indolente de homens livres, en- tregues ds precirias rogas de subsisténcia ou entao, como seria o ca- 80 de cativo, um trabalhador imbecilizedo e rude, incapaz de manejar técnicas mais avengadas (13). Celeo Furtado, em Formagio Econémica do Brasil, choga mesma a di-~ zer que o homem formado dentro deste sistema apresenta um baixo nivel nentals E responsabiliza eate fato pela prépria segregagao deste honea depois da Abolig&o, além do lento desenvolvimento econdmico do pale. "Gabe tho-somente lembrar que o reduzido desenvolys, mento mental da populagio submetida & escravidao provo- card a segregagao parcial desta ay @ aboligaéo, reter- dando sua assimilagio © entorpecendo o desenvolvimento econdmico do pafs. Por toda a primeira metade do século XX, a grande massa dos descendentes da antiga populagao escrava continuar& vivendo dentro de seu limitado sis- tema de "necessidades", cabondo-lhe um papel puramente passive nas tronsforaagées econémicas do pafs” (14), A contrapartida deste modo de pensar é légico @ assim se chega a uma 0 a sd uma conclusdo inevitével; se no Brasil nao havia quem for- masse o mercado de trabalho livre, dada 4 incapacidade mental e des- preparo profissional do ex-eacravo, necessitava-se inevitavelmente do se recorrer 4 mao-de-obra estrangeira, de preferéncia a curopéia, de- vido ao seu (suposte) pleno enquadramento nas relages de produgSo ca- pitalistas. Da irracionalidade de um sistema escravista, pré-capitalis ta, que gerava homens pouco racionais, objetivava-se passer & raciona- lidade de outro sistema - o capitalista, através de agentes racionais j8 produzidos por ele. A digcussae em torno desta questo da irracionalidade verous racio nalidade de dois sistemas - pré-capitelista e capitalista, & importan= te porque se a acoitamos assim como tom sido tradicionalmente coloca- 10 da, justificamos automaticamente a polf{tica de imigragao européia, a quaisquer questionamentos a respeito de uma possivel mentalida- de racista e cegregacionista a norted-la. Bm consequéncia, conforue observou Maria Stella Martins Bresciani om relagho & aceitagao dos temas histéricos tal como eles nos tem sido legados, 0 pesquisador no ird aos arquivos com o intuite de questionar memdrias, mag tao somente de compili-las e justificé-las, prevalecendo aquela acis capaz de se impor nos documentos ~ a memdria dos que domineram a Spoca (15). A suposta irrecionalidade das relagSes de produg&o escravictas comega porém a ser desvendada principalmente a partir das pesquisas de Antonio Barros de Castro (16). Em seu lugar emerge um regime do trabalho nem sale nem menos racional que qualquer outro voltado para 8 realizaglo de lucros no mercado, ndo openes vinculedo ao capital através do mercado externo, mas intrinsecamente parte do modo de pro- dugdo capitalista. Esta colocagdo que descarta a contraposicio entra regime escravista pré-cepitalista (irracional) e regime capitalista com base no trabalho livre (racional), situando num mesmo tempo hic- térico o trabalho escravo e o trabalho livre, fot explicitada por Maria Sylvia de Carvalho Franco em "Organizagéo Social do Trabalho no Perfodo Colonial" + "Q partido que tomei fot o de colher as determi- nagdes particulares da organizag&o social do trabalho (escrava © livre) © dee unidades coloniais de producao (ow latiffindios) como cuidado de pensa-las dentro Seu_tompo, como parte conctitutiva da esséncia do ca- pitalicmo, sem pressupor, portanto, nenhuma relagao de exterioridade entre coléaia ¢ metrépole, e sem pres- supor, em consequéncia, as rela: jes eatabelecidaa en- tre elas como resultado da combinagao de formagdes eb- ey cio-econémicas diversas, pré-capitaliatas umas, ca- pitalistas outras. As sociedades coloniais nlo apare- cem como o ressurginento de formas untigas de organi- zagSe sdcio-econdmica ou como sobrevivéncia do mundo medieval. Pelo contrario, clas sao momentos do proces so que ineugurou o modo de ser moderno das sociedades ocidentais. Essa perspectiva permite enfatizar cua pecificidade e cua diferenga” (17). B& ainda um aspecto easencial que ndo encontra lugar cm toda ca~ ta discussio referente & irracionalidade da encravidéo, assim como a de seus agentes de trabalho em contraposigao & racionalidade do traba- Iho livre @ de sous agentes por exceléncia, oe imigrontes euzopeuse Re firo-me & faceta esquecida de uma histéria desumanizada, ou soja, a wultidao de indiv{duos que anonimamente faze B histéria, vivendo om gous cotidianos diferenciados social ¢ culturalmente, relagoes de ami- wade e de conflito ¢ construindo aum processo de tensdes, embates ¢ acomodag’ea oa préprios resultados histéricos que anos depois sero tonados como ponto de partida pelos pesguisadores de sua época (15). Roramente entrevistas a ndo ser quando se tem una perspectiva plicitamente antropolégica, as relagdes humanas (e socisis) ficam obscurecidas pela visao das relagdeo de produg’o determinadas por aquele esqueaa implacdvel do desenvolvimento das forges produtivas. ho final tudo o que nos resta @ reconhecer uma racionalidade inanente & nistéria - ou no caso deste trabalho, a téo nencionada "légica do ca- pital" -, © a partir dos resultados tidos por Anevitaveis (frutos dee- ta mesma 1égica...) procurar explicar porque se forauleram deteraina~ das politicas, porque ee construfram determinadas inatituigdes, porque determinados agentes de marginalizaram om vidos miseraveis enquanto outros ascenderam social @ politicamente. Mos se ao invés disso nes pergunt&ssemos como se chegou a tais re- sultados; ae ao in’ de cimplesmente aceitarmos os resultados histé- ricos ~ procurendo sempre justific&-los & luz de uma pretensa raciona- Lidade histérica, fossemos aquém delee buscando os caminhos que nelee resultaram; talvez entio se pudesse tomar a histéria como uma grande viegem, do tipo daquelas em que no se conhece o destino e em que os Viajantes lutem para atingir os fins de sou interesse, chocando-se ac mesmo tempo com os desejos de outros indivfduos igualmente empenhe- dos em vencer a trajetria da vida da melhor mancira posefvels Os howene de elite que desde o infcio do século XIX comecaram a formular uma série de propostus relatives & inotituigho do mercado de trabalho livre em oubstituigio ao escravo nico oabiam decerto om quo solugSo resultaria o problema que tanto os anguatiava. Suas falas pre~ videntes ¢ planejadoras estao presentes nos trés primeiros capitulos este trabalho, deixando entrever todo um imaginario perpassado pelo medo, pela teneSo cempre presente nas relagées entre ricos proprieté— rios brancos ¢ wiseraveis negroa e mestigos escravos ou livres. Ao contrério das imagen paradisfaces que podem por veres surgir da deity Fa de estudos relatives 4 escravidao no Brasil, construfdos ainda sob @ influéneia de Gaga Grande © Senza2a, ou ent&o das imagens deacolori- das @ sem foco duquelea que encaram a hiotéria como um jogo de cartas (ou de estruturas,..) marcadas, os livros e alguns artigoa abordados nostes ccap{tulos registram ua impressionante conjunto de representa= Ses nada lisonjeiras © muito poueo 1égicas das relagSes entre brancos e negros no século paseado. Assim a primeira porte deste trabalho teve come preocupagso simples mente registrar as imagens de uma sociedade dividida entre senhores o escravos e/ou entre senhores e “pari: » bem como as propostas decorren tea deste mesmo real represontado por eles. 0 caminho oscolhide para alcangar o conjunto deste inaginario foi a leitura © andlise de livros frequentemente citades pela historiografia, mas quase nunca onalicados em seu contéido, Mais do que us propostas relativas ac término da os- a3 eravidio, interesseva-me sobrotudo suber como se chegava a tais pro- posigSes ou que argumentos entravam para a construgio das diversas pol{ticas acenadas por estes autores. Algumas vezes, ne falta de 1i- vros, mas diante da inportincia de determinadas porsonalidadea neste debate relativo 4 inetituigho do mercado de trabalho livre, recorri a artigos ascinados de jornais(este foi o caso do positivista Luis Perei, za Barreto) ou simplesmente colegées de jornais ( o caso de A Imigragao, dirigido pelo imigrantista Visconde de Taunay e toubém Gazeta da Tarde Cidade do Rio, ambos dirigidos pelo abolicionista José do Patrocinic). Gertamonte nie consegui sbarcar todos aqueles que de una maneira ou outra perticiparam deste debate que se estendeu por quase todo o século XIX, Haveria um material infindavel nos onis parlamentares da Camara Geral ¢ das provincias, nos relatérios presidenciais e polici~ ais, nas correspondéncias oficiaia e particulares, na literatura de viajantes estrangeiros, entre outras ricas fontes do perfodo. Mas numa avaliagéo preliminar percebi que os livros continham um material pri- vilegiado, uma vez que neles havia um espago apreciével, construfdo go gosto do cada autor, onde se discutia a guestdo da cubstituicio da eecravidio pelo trabalho livre. Ao final a abordagem destes livros foi distribufde em trés cap{tu~ los de acorde com as seguintes ter ticas: cap{tulo 1 - propostas de aproveitamento do proprio negro no mercado de trabalho livre; f{tu- lo_2.- propostas imigrantiatas, visando ‘substituir o negro pelo imi- grante; capftulo 3 ~ propostas abolicionistas, tendentes a incorpora- g30 social do negro como trabalhador livre e cidad&o. Cada um dos au- tores foi examinado separadamente, procurendo-se resséktar as diferen~ Gas © semelhangas entre eles a partir das trés tematicas por mim vi- ouelizad: Na segunda parte que abrange os capitulos 4, 5 © 6, procure com- preender como a pol{tica imigrantista de cubstitui: do negro pedo europeu na grande produg&o conseguin se sobrepor vitoriosamente as de- mais proposigées relatives & incorporagio dos ex-escravos @ seus des~ endentes no wereado de trabalho, defendides tanto por emancipacionie= tas como abolicioniata: £ certo que isto néo ocorreu em todo o pafs, asa tho somente em Ho Paulo ( e em menor grau no Rio de Janeiro), porém conforme aponta Carlos Hesenbalg em Discriminagio ¢ Besigueldades Raciais no Brasil, esta politica "impregnad. de "notizes racistas" resultou na margina- lizag&o de negros @ mulatos ne regide cudeste , além de ter reforcado © padréo de distribuigio regional de broncos e nio-brancos que j& vinha ae. desenvolvendo no regime escravista, Em consequéncia desta polftica ~ assinala este autor, "uma meioria da populagZo nao-branca permaneceu fora do Sudeste, na regifo economicamente nots atrasada do pafa, onde as oportunidades educacionais e ocupeacionais eram muito limitadas” (19). Portanto & preciso ter em mente que a polftica imigruntista apli- cada com gronde sucesso na provincia em que se concentravam entio as maiores riquezas, nao poderia deixar de repercutir profundamente no restente do pais, diminuindo inchusive as possibilidades de mobilidade profissional e sacencdo social de grande parte da populagao nacional. Por ter conseguido atrair uma corrente significativa de imigrantes europeus antes mesmo que a eccravidao fonee abolida, a provincia de Sao Paulo é tratada em sua especificidade nesta segunda parte. No ca~ pitulo 4 veremos através doa seus anais legislatives como os deputados provincisis 6° empenharam durante a década de 70 ¢ inicio da de 80 em berrar por um lado a entrada de mais escravos em Séo Paulo ¢ por outro em votar incentivos A imigracic, na medida mesmo em que se acirravan ae lutas dos escravos nas fazendas, numa onda de pequonos assascina- tos ¢ revoltas localizadas jamsie vistas, No itule 5 a questo da resistaéncia escrava é retomada, agora do Sngulo especifico éa visao dos chefes de polfeia, registrado em seus relatérics aos presidentes da provincia, Estes relatérios dae décadas de 1860,70 e 80 apontam Para um crescimento disseminado ¢ abrangente da rebeldia negra nos pré, 15 prios locais de produgio, deixando entrever a impossibilidade fieica de se alongar por mais teapo a escravidio, dada a recusa gonerlizada | dos escravos em continuar a ser oscravos. No capitulo 6 entram em cena bs abolicionistas de Sao Paulo, congregados em torno de seu jornal A Redempgao (1887~-1888) ¢ dirigidos por Antonio Bento. Tanubém aqui pro curou-se compreender como 06 abolicionistas representavam aquele monen to conturbado vivenciado por eles, atribuinde a ei prégrios a micsio de controlar os conflitos e reordenar o social, mediante a incorporagao do negro 3 sociedade. Tal como na primeira parte desta dissertagio, também aqui nos depa ramos com todo um imaginario conotruldo basicamente a partir do medo ou da inseguranga suscitada pelos conflitos reais ou simpleameute po- tencjais entre uma diminuta elite composta tanto dos grandes proprie- trios como das chamadas canodaa médias de profiscionats liverais © une massa de gente uieerével - escravos ¢ livres - cuja exiaténcia nfo pas sava pelas inctituigses polf{ticas dominantes, o que significava confe- rir-lhes um perigoso grau de autonomia que nenhuma lei repressive por si 86 poderia coibir. £ assim que polfticos, policiais e abolicionistas, igualmente preo cupados com a poasibilidade da generalizagio destes conflites - e por conseguinte com a perda de seu controle ~, clamam cada vez mais om unfesone por uma politica de unio nacional, muito embora visualizas- sem caminhos diferenciados para se alcangar a to almejada paz sociel. 1 Muito trabalho me deu fazer esta dissertagao, em razao da diversi- dade das fontes utilizadas, bem como das dificuldades em localiza-las nos diversos arquivos e bibliotecas publicas de Sao Paulo e Rio de Jan ro. Porém termino com a eencagao de ter vivido nestes filtimos 3 anos un privilégio muito especial - o de ter me dedicado a um trabalho com mui- to prazer e paix&o, uma vez que tive toda a autonomie para escolher seu tema, desenvolvé-1o ¢ enoaminha-2o segundo neus préprios interesses © perspectivas. Deve ser talvez aquela sensagao que os artistes e arte: 6 conhecem muito bem, pois estes ainda podem se identificar com seu traba Ihe, mae que cu nunca antes tivera a oportunidade de experimenter. Neste sentido @ orientagao dade por Peter L. Eisenberg foi funda~ mental. Aprendi com ele, na prética, algo ji bastante esquecide nos meios acodemicos: que a produgio intelectual & um trabatho de criagdo e que por isso a critica deve ser exercida sem medo, portanto, een agueles anabilidedes habituais gue so fazerem tentas ressalvas, acabam afinel anulando a propria critica, Entretonto criticar ou afirmar qualquer coisa livre de uodelos aprior{sticos nfo § facil e isto ele também se encarregou de me ensinar, cobrondo fundamentagoce de quais- quer afirmegdes. Espero sinceramente ter feito jie de suas ligdes. Além disso foi essencial o empenho com que ele acompanhou eate tre- balho, lendo meus relatérios em curtos espages de tempo ¢ sempre pron- to ame atender. Nisto posse até ouvf-lo dizer que "é a obrigagzo do orientador". Mas mesmo ascim nado ha condi tear grata o um leitor tio atento e cr{tico, o que para mim significou muita tranquilidade e in~ centivo. Por fitimo, mus nic menos importante, & preciso leabrar aqui o se- mingrio de Peter sobre um ensaio de sua autoria, "0 Homem Esquecido:0 Trabalhador Livre Nacional no Século XIX ~ Sugeatdes para una Pesquisa" gue realmente me abriu novas peropectives para encarar a questéo da traneig&o do trabalho escravo para o trabalho livre. Ww Muitos outras pessoas contribuiran para que este trebalho pudesce ee realizar. Clovis Moura, Emilia Viotti da Coata, Maria Stella Martins Brescisni loram acu projeto ou temtos de andamento da pesquisa e cade um a gu modo me incentivaram com criticas e sugestées, As amigas Ana, Jaci, Margareth, Sandra © os amigos Rui e Wilson leram textos meus e suas opinides me deram muito elento para continuar, Muito importantes toubém foram as questSes leventadas por Cleber Maciel, colega de turms de mestrado, durante as alae em que ce discutiu a questdo da transi- ¢Goy trazendo a tematica do raciemo pare uma discugsao que até agora ten girade bastcanente em torno das figures abstratas do senhor e do eecravo. Além disso Cleber ajudou-me noe primeiros passos, com orienta- gdee bibliograficas e também com ceu incentivo, Mas certamente este trabalho néo teria sido feito sem o incentive constante © a prosenga de um leitor tao ontusiesmado quento eritico, econo Josué, Entre a leitura de um ragcunho ¢ outro, Josué muites vezes ercou sozinho com as dificuldades domésticas, além de ue ajudar na pro~ cura de livros raros em bibliotecas do Rio de Janeiro e de encaminha—- los para wicrofilaagem. Foi ele também que se encarregou de organizer a relagio final da bibliogrefia consultada. Muito ainda poderia ver di- to, mas vou parer por agul, pole certamente ele no gostaria de eer ca- nonizado. Hé tontas outras pessous que contribuiram de um modo ou de outro e de muit: ou nem sei o nome, como os funcionarios dos arquivos © biblig tecas visitados. A cate reapeito, tive uma curpresa. Comecei a pesqui- ea com um certo preconceito, pois & comum ouvir-se queixas contra oo bibliotecarios, Contudo,com raras excegdes, fui sempre muito bem aten- aida, ¢ 89 nao o fui melhor & porque os arquivos estao em pésaino esta- do, sbendonados © sem recursos humenos e técnicos. Sd como exemplo & preciso citar o eatado do jornal A Redenggie, tio retelhado que tive que fazer um trabalho preliminar de quebra-cabeca pera qué muitos ar- tigos pudessem ser lidos. Mas isto 6 claro, eacapa aa atribuigdes dos 18 bibliotecarios que nos atendem, Na Segao de Obras Reras Esyeciais da Biblioteca Municipal de Sao Paulo tive um dos meus melhores momentoa, contando com o zelo © a simpatia de Maria Regina Dentes Rodrigues a quem recorri muitas vezes, Também foi muito grande o auxilio prestado por Miriam Moreira Leite do Centro de Documentagao da USP, Irati Anto~ nio e Iuiz Roberto Dias de Melo , reapectivanente da biblioteca ¢ setor de microfilmagem da Escola de Comunicagdes e Artes da USP, do sr. José do Arquivo Nacional, Zeneida de Queiroz Barros do setor de referéncias da Biblioteca Nacional e Felicia do setor de microfilmagem desta mesma biblioteca. Goataria ainda de agradecer & minha turma de mestrado- Alvaro, Cl ber, Debora, Eduardo, Flavio, Merco , Margareth ¢ Regina,e sos profes- sores do Departamento de Histéria em goral que tornarea agradaveis bem-husoradas discu_esdes que poderiam ser chat{ssimas, caso os parti- cipantes se anmassem daqueles ares académicos. Outras peasoes devem eer leabradas equi, pois mo ajudaran ea seoun- tos os mais diverso Alice Aguiar de Barros Fontes, Arneldo Contier, Celia Atienza , Delio Freire, Dora Reis, Hector Bruit, Moria Celia Pao- li, Moria Teresa Sadek, Miriem Nicolay, Paulo Silveire e os amigos Ma~ chado, Sonia e Vilma. Também devo muito 4 minha sogra dma Silva e minha arma, Silvinha. Durante dois anos © meio contei com uma bolsa da FAPESP, o que foi essencial para que eu pudesse me dedicar & pesquisa e comecar a redigir a dgasertagao, Também da CAPES recebi outros dois anos de bolea, o que me permitiu fazer .os dois anos de créditos necessarios « preparar o pro. foto de digsertagao, Por filtino @ preciso lembrar a colaboragio de meu filho Sarlinhos gue eubora muito pequeno refreou sues energias para que eu pudesse es- crever, isto & claro, nao sem ter intuer: vores sugeride que eu rasgog se se trabalho chato". O que talvez tivesse sido um conselbo sensato... Contudo, sgora que ele esta terminado, tudo o que posso desejar 6 que ele ao venha a8 a engordar mais algumas tracas de estante, mas que posaa con teibuir on alguse cotagbor @ couse dagueles que, apesar de tudo, ainda guardam a utopia de um mundo sem quaisquer tipos de diacriminagdes. 1g Arquivos ¢ bibliotecas consultados Em So Paulo: Biblioteca Municipal "Mario de Andrade" Arquivo do Estado , Instituto Tistérico e Geografico Instituto de Eatudos Brasileiros - IEB Centro de Documentag&o da USP Biblioteca geral da Faculdade de Direito/UsP Biblioteca de Filosofia e Ciéncias Sociais/UsP Biblioteca de Letrae/UsP Biblioteca da Escole de Comunica = Biblioteca da FEA/YSP Biblioteca de Histérie/USP En Caapinas: 3 @ Artes/USP - Biblioteca do Inétitute de Filosofia ¢ Ciéncias Humanas/ UNICAMP = Arquivo Edgard Leuenroth No Rio de Janeiro: ~ Bibliotece Nacional = Arquivo Nacional = Institute ilistérico © Geogrético Brasileiro ~ Biblioteca do Itameraty le Be Ae 20 NOTAS O conte § de autoria de Arthur Cortines, Nesta Spoca o Correto Paulistano expressava a opinifo dos conservadores da facgao li- derada pelo Conselheiro Antonio Prado, politico influente do Im- pério o um dos motores incentivadores da imigrago européia. A igreja foi finalmente desapropriada em 1903 e reconetrufda en 1906 no Largo do Paissandu. A respoite, ver Clovis Moura ~ “Orga: nizogdes Nogras", in Paul Singer e Vinicius Caldeira Brant (org.) - S30 Paulo - 0 Povo em Movimento, Petrépolis, Vozes/CEBRAP, 1981.E também, Antonio Egidio Martins - Sao Paulo Antigo: 1554-1920 "gafoledos" ora o terno pejorative usade pelo ex-escravo, abolicio- nista © republicono, Luie Gama para setirizer mulatos que pretendiaa passer por brancos, renegondo suas origens africanas. Ver poenas de Iuis Gama - Primeiras Trovas Burlescas (1861). Betas formulagoes esto presentes em trda trabalhos de Florestan Fer nende! A Integragic do Negro na Sociedade de Clagsend,39 od, SPy Atica, 1978, 10 vole, pag. 42; Cireuite Fechado, SP, Hucitec, 1976, pig. 15; A Revolugio Burguesa no Brasil ~ Ensaio de Interpretacio Sociologica, 20 ed. , RJ, Zahar, 1976, pag. 22. FERNANDES, Florestan - A Integragdg.es, ope cite, pgs. 46 © 52 Ibid - pgs. 85 ¢ 97+ Tid ~ pig. 56. Ibid - pp. 94-95. Robert W. Slenes contesta este ponto de vista de F. Fernandes e que a historiografia em geral ascume. Ver a respeito - Escravidso_e Fast ~ Casanento e Compadrio Entre Os Escravos, pinas No Século IX (mimeo., pesquisa em andamento). 20. 1. 12. oem au FERNANDES, F. - A Integragbo..«, ope cite, page 73+ Douglas H. Graham em Internal and Foreign Migration and the question Labor Supply in the Eorly Economic Growth of Brazil, SP, IPE/USP, 1973, procure diversificar as justificativas para o néo aproveitan mento dos nacionais no mercado de trabalho livre e a consequente imigragSo européia, lembrando entre outras coisae: a possibilidade do transporte de migrantes nortistas para o aul seir mais caro do gue © de inigrantes da Europa para o Brasil (razdee téenicos); a forte atragio exercida pelos seringais smazonenseo sobre oa nordes tinos; a possibilidade dos cafeicultores enfrentaren a oposigao de proprietirios de outras regides caso tentassem atrair migrantes pa ra a lavoura do café. Embora estas questées néo deixem de ser in- tereesantes, roconheccndo também o autor a barreira represontada pelos preconceitos dos fazendeiros em relag&o aos em-escravos, & preciso lembrar que neste estudo de historia estat{stica parte-se de fates conclufdos, ou ceja, a vinda massiva de imigrantes para o sul ¢ o nado aproveitamento do nacional (ex-escravos e livres po-~ bres) neste morcado de trabalho entio em franca expansSo, Conforme esclarecerei adiante, o percurso pretendido pera este trabalho & outro, ou seja, pretende-se conhecer o processo histérico que re~ sultou nestes fates. MELLO, Pedro Carvalho de § SLENES, Robert W. - "Andlise Econémica ua Visio Histért da Escravidao no Brasil", in Economia Bragileir £8). de Paulo Neuhaus (org.), RJ, Campus, 1980, pag. 92. Para uma Giscuss30 poraenorizada do assunto ver tonbém Robert W. Slenes - ‘The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1880, Stanford University, Ph. D., 1976, History, modem, em especial o capftulo 1 - "Economic and Traditional Man, And The Organization Of Labor Under Slavery” Este enfoque & comum na historiografia relativa ao eccraviamo moder ake 15. 16. no em geral. do estudar o cul norte-umericano Eugene Genovene, om A Economia Pol{tica da Sacravid&o,. RJ, Pallas, 1976, conclui que a situagéo da técnica era consternadora em decorréneia da ineficién cia do trabalho escravo, "0 obst&culo mais evidente ao omprego de melhores equipamentos era o proprio escravo", pag. 53. De uma ou- tra perspectiva Peter L, Eisenberg, em “Escravo e Proletario na Histéria do Brasil", in Estudos Econdmicoa, 13(1):55~69, jan/abr 1983, aponta pera a relatividade das diferongas entre o escravo e © proletério, sempre muito onfatizadas por aqueles que pretendem demonstrar a ineficiéncia do primeiro 6 a eficigncia do segundo. FURTADO, Celiso - Formagdo Econdmica do Brasil, 129 ed., SP, Cia, Ed. Nacional, 1974, pag. 141. Maria Stella Grepciani, "Democracia, Democracias", in Plural, SP, 1978. No mesmo sentido escraveram Carlos Alberto Vosentini e Edgar De Decca, em "A Revolugéo do Vencedo: in Gontraponto, ano 1, no 1, nov/1976: "Quando da vitéria, hi que apagar todas as outrac Propostas juntamente com as especificidades de suas “aemérias",Ao mesmo tempo esse exerc{cic legitima a dominagéo do vencedor, apre- sentado como tendo feito a revolugdo - corporificada em Nag3o - su Jeito -, 0 vencedor s confunde com esta, A idéie apaga o processo, ao mesmo tempo que o substitui pela memoria", pag. 70. Para estes autores, ao criticar e destruir a weméria do vencedor objetiva-se recuperar @ propria histéria, isto &, enquanto processo. antonio Barros de Castro ~ Escravos @ Senhores nos Engenhos do Bra~ sil-Um estudo sobre os trabalhos do Agucar ea pol{tica econémica dos Senhores, tese de doutoramento apresentada ao IFC da Unicamp, 1976. E também do mesmo autor ‘As mB0s © o@ pés do Benhor de En- genho": Dinmica do Escraviemo Colonial", in Trabalho Escravo, Eco~ nomia e Sociedade, de Paulo Sergio Pinheiro (coord.), RJ, Paz ¢ Ter va , 1984; "Em torno 4 guest&o des técnicas no eccravismo", in FGV/ ELAR, RU, 1979) rasil, 1610: mudangas técnicas e conflitos co- PRIMEIRA PARTE 1? 18. 19 E. 23 ciais", Pesq. Plan,Econ., RJ, 10(3), dez/1960. FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho - “Organizag&o Social do Traba~ Ino no Perfodo Colonial", in Discurso, revista semestral, maic/ 1978, n9 8, Dep. Filos./USP, pig. 1. , © também em Prubalho Escra- yo, Economia © Sociedade, de Paulo Sergio Pinheiro (coord.). E.P. Thompson chama a atencdo pera este aspecto em "La Sociedad Ingleea del Siglo XVIII: Lucha de Clases ain Clases?", in Dradicion, Revuclte_y Consciencia de Clase, Barcolona, Critica, 1979. Também faz o mesmo, Petor Linebaugh em "Todas as Montanhas Atlanticac Eo- tremeceram", in Revista Srasileira de Histéria no 6, 1984, |ASENBALG, Carlos Alfredo ~ Discriminagio e Desigualdades Raciais no Brasil, RJ, Graal, 1979, pag. 167. al Capitulo I © LUGAR DO NEGRO LIV! (propostes de aproveitamento do potencial nacionel de braces) De infeios do século pasado até meadoe da década de 1880, o tena do _negre livre ocupou un lugar privilegiado nas preocupagées reformis tas de numerosos autores de memérias oferecidas aos governantes ou sin pleonente “conpatriotaa". Na forma de projetos detalhados ou modestas sugeatées, os livros publicados neste perfodo de previsses do fim da escravidao, deixam ontrever a ansiedade dos "homens bons" do Brasil en regulorizar gradualmente as relagéee cociais entre brancos @ negroa, ou entre proprietarios e nio-proprietérios, preperande o pais para um futuro de trabalho livre, ordem e progresso. A grande questéo poderia ser traduzida asaim ; o qué fazer com o negro apde a ruptura da polaridade senhor-escravo, presente em todas as dimensdes da sociedade 7 (1) Sim, porque & bom lembrar, mesmo os negros que viviom om liberdade durante a escraviddo e que no século passado chegaram mesmo a ultrapassar o niimero de escravos(2), estavam sujeitos a numerosas restrigdes legais ou eimpleamente impregnadas nos costumes de uma sociedade dominada por uma diminuta elite “branca"(3). Na cor de sua pele, nos seus tragos fieicos, nos seus cabelos, os ne~ gros livres j& de hA muitos goragées, mesmo miacigenados, frequente- mente traziom impresaas oo sues orfgens africanas, as marcas de seus antepsssados escravos, ¢ assim ficavam entregues possibilidade.de serem tratados com desprozo e violéncias (4). quanto aos libertos, is~ to 8, om negros alforriados, as restrigées a eles eram ainda mais ex~ plicitas, constende de varios {tens de leis que desta forma contraria~ vam a disposigao da Constituicgado de 1824 em aceita-los como cidadsos(5). Fortanto, embora tenha sido sempre bastante alta a proporg3o popu- lacional de ndo-brancos em relagao aos brencos, o negro livre nio se constitufra até ent&o numa quest3o social que dovesse ser debatida pe~ los dirigentes do pale, 0 motive disto, conforme jf se adiantou aciaa, era simples: o negro até aguele momento n&o contgra como ser humano, « ou seja, como individuo com quem se devesse cogitar de tratar em ter~ mos de contrato nas relagées de trabalho e de igualdade juridica nes relagSes civis. E por qué pensar em tais termos quendo as suas vidas somo escravos eram descartaveis, diante de um volumoso trafico que os- tava sempre a renovar com novoa bragos da Africa os varios provocades por mortes e fugas? E slém deles, n@o havia winda uma numerosa popula- gSo de negros e aestigos miserfvois que ce constitufam numa boa fonte de bragos livres, dispon{vel para as fungdes mais perigosas (abertura de fazendas , millcias particuleres,etc.) e outras menos easenciais para o comércio de exportagZo (artesanato, pequeno conércio, transpor- te,ete.), onfim aquela onde os grandes proppiotirice rurais nado quisea sen desperdicgar o capital investido em escravos? Mas o alvorecer do século XIX trouxe dois grendes acontecimentoa que influiram grandemente neste arraigado modo de vida escravista. Por um lado o movimento emancipacionista tomava vulto nas ruas miserdveis, nos ricos salSes o no parlamento da Inglaterra, dcterminando o infcio das pressdes internacionais contra o secular tréfico de negros da Afri ca para as colénias de além aar. 0 Brasil recém~independente herdaria por seu turno estas incémodes pressdes da nagao capitalista mais pode- rosa de entao, ji consideravelmente aumentadas (6). Também caberia ao novo pafs uma outra horango, igualuente decisiva para que se comegesse a pensar na necessidade de se extinguir a escraviddo. Era 9 grande me- do suscitado pele sangrenta revolugdo em S20 Domingos, onde os negros | néo 96 haviam se rebelado contra a escravidso na filtima década do sé- | culo XVIII proclamade sua independéncia em 1804, como também - scb 26 a diregio de Toussaint L' Ouverture -, colocavam em pratica os grandes prine{pios da Revolugio Francesa, o que acarretou transtornos fateis para muitos senhores de escravos, cuss fam{lies e propriedades (7)- Ora, perguntovam-se alguns ascustados “grondes” homens que vivian no Brasil de ent&o, se em Sio Domingos oo negroes finalmente conseguiram © que sempre estiveram tentendo fazer, isto 8, subverter a ordem e aca var de vez coma tranquilidade dos ricos proprietarios, por que no se ropetiria o mesmo aqui? Garantias de que o Brasil seria diferonte de outros paises escravistas, uma espécie de pals abencoado por Deus, néo havia nenhuma, pois aqui, assim como om toda a América, oe quilombos, 06 agsaltos de fazendas, as pequenss revoltas individuaie ou coletivas e as tentativas de grandes insurreigées se sucederam desde o decembar~ que doe primeiros negros em meados de 1500. Ae trés primeiras décadas do stculo XIX 96 virtam confirmar estas sombrias oxpectativas, com o desenrolur das insurreigées batancs, dota Thadamente organizadas pelos haussSs ¢ nogés (8). E se elas ndo conae- guiram alcangar seus objetivos, nem por isse oram menos atemorizentes. A persisténcia um dia poderia ter sucesso ¢ em muitos ouvidos educados ressoava, ameacadora, a centiga entonda en 1823 nas ruac de Pornambuco: ‘“Morinheiros e caiados Todos devem se acabar Porque 66 pardog e pretos © pale hdo de habitar" (9) Frente a estas expectatives disseminadas de inveredo da ordem po- Litica e social, de vingonga generalizada contra os brancos, os ouvi~ dos educados nfo 56 ouviram como comegaram o falar o sobretudo a escre ver, registrando todo um imaginario em que s@ sobreasai a percopgao de um pafe marcado por uma profunda heterogenia racial, distribufda entre uma ainoria bronca, rica ¢ proprietaria o uma meioria de nfo-brancos, a7 pobre e ndo-proprietaria. Outra percepgie comum a estes homens de eli te quo oe propuseram a reformar 0 mode de vida herdado doa tempos co- loniais, fot e de que a escravidio ectava fadada a acabar, por pressdes internacionaia ¢/ou por uma revolugio intorna. Tratava-se portunto de evitar que ela terminasse subitamente, fora do controle dos propricta- rios escravistas. 0 exemplo dos senhores aulistas na guerra civil nor= te-anericona, na década de 1860, sd viria confirmar este ponte de vis~ ta ¢ acirrar o debate em torno da constituigdo de um mercado de trabe- ho livre no Brosil, regulementade pelo Estado. Neote cap{tulo seré oxaminada apenas una parte desta produgfo in- telectual tendente a substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre. Trata-se das proposigses doo primeiros reformadores no sentide do apro yeitamento do préprio potencial de forga-de-trabalho existente no pais + 0s escravos e a populagdo livre e despossufda. Embora cles nao des- cartaosem a possibilidade futura de inigragiio ebvicne- cia lhee afiggnar como uma perspectiva muito longingua, © por isso a Snfase ficava no préprio nacional, ou mais precisemente nas titicas disciplinares para nele produsir o trabalhador livre ou © futuro cida- ao subalterno, pacifico e perenemente a servigo do capital. 1. A falta de um povo - Ua ap$s outro, os reformadores do social herdado dos tompos colom: niais enfrentaram a questGo da heterogencidade da populagao, © que 4 seu ver configurava-se na propria inexisténcia de um povo brasileiro. antes mesmo que a independéncia fosse proclamada em 1822, esta preocupagao com o ordenamento da sociedade em termos nacionais coneqa a ser colocada, alertendo-se ora para o perigo de repetir aqui algo semelhente a S30 Domingos, ora pera a inetabilidade socia? inerente a um regive de trabalho cujas bases assentavam numa oxplicita divisso s% clo-racial. Com o passar dos enoo, o aumento das prossdes inglesaa contra o trafico africano acentuou esta preocupagso, pois a perspecti- va de ua término desta fonte de bragos abulova sensivelmente @ possi- pilidade future de so continuer com a oscravidio. Assin, 0 que antes passara por natural, como a alta taxa de morta lidede dos escravos devido a mauastratos, suicidios, castiges fisicos, revoltas, merecia agora uma boa parte das atengdes daquelea que se pro punham a reordenar o social a fim de assegurar a continuldede da ex- ploregao des vides de muitos por alguns poucos. Além dos escravos, tan bém os indios e os homens livres e pobres conatituiram-se om objeto Gestas primeiras andlises sociolégicas que projetuvom a idéia de Brasil Bagad ou de povoe brasileiro. Em 1610 um paulista nascide em 1750 ¢ formado en direito em Coin ~ bra ofereceu uma "meméria” a D, Joao VI em que procurava chamar a aten- Ho do soberano para a necessidsde de se formar no Brasil uma popula~ gSo homogénea e plenomente integrade num todo social, Em Memoria sobre o Melhoramento da Provincia de S. Paulo, applicavel em grande parte & todas as cutras provincias do Brasil (10), antonio Vellozo de Oliveira Genunciava a existéncia vegetative e ieolada de um povo anti-social, que justamente por nao conhecer "prazere: , nutria um verdadeiro "hor= ror ao trabalho". Eno entanto para que a ‘industria, bem como "todas as virtudes sociais" tiveasem infcio, constituindo um “povo energico, rico, vigorogo, sable, e por todes os modos reapeitavel", seria preci- 60 antes de usis nada, instruir a populagdo e "mostrar-lhe um lucro facil", poss{vel de ser obtido “som muita fadiga", o que evidontemente caberia ao governo amparar, mediante a antecipagso de capitais. Sowente aseim pensave ser possivel "tomnar esse mesmo Povo social, e infundir- lhe 0 desejo de novos prazeres", o que por fim produziria™ a necessida~ de, ¢ 0 amor do trabalho” (11). A partir desta primeira tese temos a idéia de que a sociedade posi-~ tiva - ou a Sociedade-, sé pode ser aquela habitada por um povo social, 2 2 isto &, uma comunidade de produtores livres e insaciaveisa, sempre perseguindo novas necessidados, © portanto conatuntemente devota- dos ao trabalho. A sociedade positiva seria assim alcangada aediante a conotrugao da positividade do trabalho. Porém, anterior a eata idéia n& um importante pressuposto: a sociedade positiva deve ser constitufda polo Estado, ou "a mio hobil" do governo, conforme explicitava o autor ogo de infcio (12). m contraposigéo a esta imagem de uma sociedade verdadeira, Vellozo de Oliveira descrevia o que a seu ver constitufa no momento a realidade de uma cociedade negativa: de um lado o povo anti-social vegetativo 0 avesso ao trabalho, ou mais precisamente, a magsa de nacionais livres e pobres que viviam alijados da propriedade da terra e que por isso nao podiem passar de parceiros ou rendeiros, 0 que ele conpiderava um Nobstaculo terrivel ao ptogreseo da ogricultura e poveagio" (13). Vi- vendo vidas solitaries e restritas ao pequeno clreulo domistico (14), estes nfo-proprietirios nio poderiaa mesmo conhecer muitas outras neces sidades el’ daquelas da sue subsicténcia humilde (15). Por outro lado, havia milhofes de indios que viviam igualmente dicporcos pelas matas, permanecendo "arredios em fungio das perseguigSes movidas "pelos nos- sos" ¢ da “mais injusta escraviddo" (16). E por iltimo havia ainda "os negros bragos dos selvagens Africanos" que muito enbora custassea ‘“{mportantes sommes" a06 proprietirios, vivian apenas o "curto espaco de oto, & des annos", o além disso traziem-1he muitos dissabores, pois resictian ao trabalho e 54 mesmo pela forge executevam suas tarefos, sempre imperfeitas e incompletas (17). Além disco, hovie dois aspectos que pareciom eetar lhe preocupan- do particularmente em relagio 4 escravidio. Um deles era o artigo 10 do Tratado de Comércio firmedo com a Inglaterra em 19 de fevereiro de 1810 © que previa a extingSo da escravidao, o gue significaria a fai- ta de bragos em futuro préximo. 0 outro eram "os casos tristes" ¢ re- centes ocorridos na Jamaica, Surinam e Sa0 Domingos, e que segundo ele merecian una “particular reflexéo” (18). Ba vista de todos estes problemas ¢ na esperanga de que se estabe- leceasem a "verdadeira Agricultura" , as “Artes” ¢ a6 "Nonufaturas mais preciosas” nfo s$ na provincia como em todo o pafs, 0 autor conclufa propondo um plano ubrengente e minucioso para o aproveitanento dos v rios tipos de forga-de-trabalho disponiveis ou em potencial, como os europeus pobres, negros alforriados, nacionais livres sem terra ¢ in- dios (19). Outro autor a preocupar-se com a inexisténcia de um povo brasileiro foi Jo#o Severiano Maciel da Costa, Narqués de Queluz, que em 1821 pu- blicou Memoria sobre a necessidade de abolir a introdugée dos Eseravos Africenos no Brasil; sobre o modo ¢ condigdes com que esta, abolicgho se deve fazer; ¢ sobre 08 aeios de remediar a falta de bracos que ele pode ocasionar. Dedicada “aos Brasileiros e seus Comgatriotas", a obra deste minei- ro, naséido em Mariana ea 1769 e governador da Guians Francesa de 1809 2 1819, questiona nao 86 .o trafico como o préprio sistema escravistay responsavel pela "multiplicagSe indefinide d' usa populagao heterogenca, inimiga da clesse livre" (20). &lén da heterogeneidade decorrente de sua condigdo social de escravos, eutor lembrava também a sua nature~ za barbara, africana, de gonte gue vive "sem moral, sem leis, em contl nue guerra,...vegetio quask sem elevagio censivel acima dos irracionais see! (21). Deste modo o negro seria inimigo, no 86 por sua condigéo de escravo, como tenbém por sua natureza barbera, enfin, de negro mes~ no. Natureza de birbaro e condigao de oscravo seriem amenizadas sensi- velmente pelo bom tratamento dado a eles pelos senhores, que os alinen tom, vestem, curam das enfermidades, instruem-lhes "nos deverea da Re~ ligifo", "no os obrigéo a trabalhos superiores a suas forgas", "d5o- hes folgas para sous divertimentos, ¢ até, conduzindo-se eles bem, ow recompensao com a liberdade, e 06 ajudao depoie a viver" (22). Apesar 3h destas benéficas condigdes da escravidao no Brasil, Maciel da Costa conclufa que as relagdes entre brancos ¢ negros continuavam a ser de inimizade @ distancia. Como no Brasil nado h& "classe do povo"', mas apenas "uma enorme magea de nogros eecravos ¢ de libortos que facen ordinarjanente causa comum entre si” (23), ele perguntava-se em tom alermist: Que faremos pois ads deste maioridade de populacso hete- rogenea, incompativel com os broncos, antes inimiga decleradaY " (24) Para ele apenas “felizes circunstoncias" tinham impedido até aque- e momento ineurreigdes do tipo de Sdo Domingos. Por isso meamo era urgente introduzir o trabalho livre, substituindo gradativamente o re- gime de escravidio. Quem serian porém os trabalhadores livres? - Os efricanos @ seus descendentes nfo serviriam pois a seu ver nfo tinhan talentos, sendo aesmo inferiores aos Indios, héweis estes para offcios mec&nicos (25). E cono a eles faltava talento, nao se poderia estimular sua vontade, mével do trabalho livres 0 clreulo tragado por ele & sem afvida vicioso, pois esta gente desquelificada era maioria no Brasil. Portonto, ele limitou-e a ofers cer um programa de quatro {tens a fim de "manter o nosso trabatho agri, cola independenta do recrutamento dos Africanos: 1. poupar os escra~ vos, prosovendo a propagacio entre eles; 2. inspirar o amor do traba~ ko nos "homens livres da clesse do pove de todas ao cores, © forgalos mesmo a isso"; 3. ompregar os indios; 4. "procurar trabalhadores euro- peus" (26). : Também para o iminente pol{tico psulista José Bonificio de Andrade @ Silva + o "Patriarca da Indepondéncia", o término do trifico africa~ no em poucon anos colocava-se como una necessidade presaente ¢ ecsen- cial para o futuro do pafe recém-constitufdo. bm Represontagao & assem - Bléa Geral Constituinte ¢ Legislativa do Brasil, encaminhada em 1823, este constituinte e organizador do primeiro ministério brasileiro dei- xava claro que a superagao da "heterogeneidade phisica @ civil" da po- pulagao 83 seria posafvel mediante a extinglo lenta e gradual da eccrn 32 vidio ¢ pora ioco tornava-se necessirio colocar alguna impecilhos 90 livre comércio de africanos pera o pafs (27). Aposar de considerar o ufricano de baixo nivel mental devido so embotamento de suas "faculdades intellectuacs", "pela vida selvatica, que peccou na terre natal, e cujas disposigdes rezietem a toda a es pecie de civilisag’o” (28), Joné Bonifacio empenhave-se om formular disposigSes para integra-los no pafs recem-fundado, incentivando por um lado a natalidade negra ¢ por outro, trensformando-os em trabalhe- dores Livres. Contr&ério & tese, muito comum durante todo o século paseadc, de que a escravizag3o dos africanos constitufa-se numa eafda cristé para 08 cofrimentos dos povoe da Africa solvagem, ele a rebatia perguntando © por qué de nio estabelect-los humaniteriamente no Brasil como "colo- nog livreo", una voz que também o¢ 0 considerava como sores hunanca (29). Por isso ele propunha fixer o negro livre no campo mediante in- centivoa: "Todos os homens de cér forros, que néo tiverem officio, ou modo certo de vida, recoberAd do Estado una pequena sesmaria de terra para cultivarem, e receber&S, outros- sim, dolle os socorres necesearion para oe estabolece- rea, cujo valor iro pagando com o andar do tempo"(30). Além da constituigZo pelo Estado de uma rede de pequenos-proprie~ tarios, gorantindo assim um "modo certo de vida" para todos os desocu- pados © vogantes, José Bonificio pretendia uma firme intervanglo ecta- tal nos negécioe do trafico a fim de que ele fosse encerrado “dentro de 4 ou 5 annos” no maximo, Para isso ele propunha dobrar os impostos sobre os escravos (homens)traficados pera o pois neste perfodo(31). Na mesma linha de José Bonifacio, trés anos depois um outro au- tor propse explicitenente a avoliglo gredual do trafico africano. Em 33 Memoria sobre a Bscravatura ¢ Projecto de Colonisaglo dos Europeos, & Pretos da Africa no Imperie do Brugil, publicade om 1826, Jose Eloy Pessoa da Silva defende a tese do que o escravidio constitufa a.fonte de todos og males do Bracil e nenhum bem se poderia esperar dela, don~ do se conclufa pela necescidade de dificultar sua fonte de renovagio de vragos. Nascido na Bahia em 1792, 6 provével que este bacharel em matemd— tica e filosofia pela Universidade de Coimbra e brigadeiro do Exérci- to (32), tenha escrito estas paginas sob o peso das impreasdes tene- brosas suscitadss pelas primeiras insurreigées dos haussis e nagds ex Salvador, © também pelas crescentes e continuss revoltas dos escravos da rica regilo do ecéncavo, que abelaram as duas primeiras décadas da quele século (33). Preocupodo com a desproporgie numérica entre habi- tontes escravos e livros no pais, qua segundo calculava, estaria na ra ao de trés para um respectivamente, ele detectava o mal da escravidio precisamente no sou agente de trabalho, em sua opiniao, muito instavel @ sempre pronto a explodir no seio mesmo da propriedade de seus senho- rece Zeta populagio escrava longe de dever ser consi~ derada como hum bem, he certamonte grande nal. Estranho 0s interesses publicoa, vemrre em guerra domestica com @ populagio livre, e nao poucas vezes apresentando no moral o quadro fizieo dos voledes om irrupsso contra ae magsas que regrinem nue nuturol tendencia; gente que quando he precigo deffender honra, fazenda, ¢ vida, he © inimigo mais temivel existindo domiciliada com as fa~ miliog livres" (34). Nio bastassem os perigos representados por este temivel inimigo domiciliar, hovin oinda a isoralidade com. gue op cativos impregnavam a sociedade. Para cle “o mio oxemplo que os escravos offerecem diaric- mente por seus vicios", explicava-se pelo "estado de coacgaa, violencia ¢ azeria" em que vivium (35). A eacravidao enfim, devido i ag3o ¢ influéncia envenenadora do ca- cravo, constitufa-se na causa primeira de toda a pobreza, fraqueza 6 imorelidade do pafo. E por isso ele propunha a sboligio gradual do tra fico, mediante "o introdugio ¢ colonisagao de homens livres", oo quais por terem "interesse proprio no trabaluo” ccriam muito mais benéficos 3 industria agricola e fabril (36). Hevia ainda fortes motivos externos e internoe gue, conjugados, pressionavam no sentido da extingao “deste coméreio, Por um lado a presséo "das nagdeo" contra o conércio negreiro e por outro a alte ta- xa de nortalidade dos escravos, que ultrapassava o dobro dos naccimen- tos. Quanto a este “ltimo aspecto, ele descartava o apelo "quimerico" que procurava fazer reverter esta olta taxa de mortalidade wediante tratamento mais humano dog escravos, Para ole nfo hevia cowo fugir 4 violéneia inerente & escraviddo, que justamente devide ao seu porene “ectado de coacgdo", determinava o pequeno mimero de nancimentoa, bom como as muitas mortes (37). Tratava-se sim de ucabar com eate estado ge violéncis, fruto da escravidio, Trés a8 os meios propostes para aleangar no future esata neta e tanbém"para povear ¢ engrandecer convenientenente o Brazil": a civili~ zagh0 dos indios, a colonizagio dos europeus © dos africonos, sendo gue estes Gltimos deveriom vir da Costa Ocidental, onde a Inglaterra estava a civilizh-los (38). A preocupagio oxpressa j3 muitas vezes com u neceseidade do former urgentemente uma nagée homogénea ascumiré contornos radicais na década de 1830 quando Frederico Leopoldo Cezar Burlamagque defende a devolugio dos negros & Africa, Nascido em 1803 no Piauf e doutorado em ciéncias netem&ticas @ naturais pela Estola Militar, Burlamaque publicou em 1837 apf Memoria analytics cn do commercio de escrayos a dos males da ex cravidio domestica, tregondo com vivas cores a aituacde opressiva dos negros no brasil, submetidos a crueldade da "classe egoista’( 39). bra exatamente por isso que a seu ver a situagao era olarmante, ce~ tundo os intereuses dos senhores sob constante ameaga da parte de uma numerooa raga de “inimigos doméaticoa", "cujo unico fita deve ser a destruigao e o exterminioc de seus opressores" (40). Além de perigosos, os negros nao primavem pelu inteligincia. Pa- rao autor, a questho da diferenca biolggice - cada vez aeis atribul- da pelas ciéncias aos africanos om termos de inferioridade racial -, era algo ainda ndo resolvido. que uma conformag3e cerebral eepecifi- ca os tornasse "estipidos ou que isto focae resultado da escravidao, © que ele achava “mais natural", o fato é que os negros eram meamo "de huna ineuria e imprevisio que revolta; elles vejet&o no estado o mais vesinho do mais bruto animal..." (41). Angustiado por estes motivos com "a seguranga da raga bronca", bem como com a possibilidede de se conetruir " inn thagbo homogenca’ Burlamaque levantava a seguinte questBo: " Convir& que figue no paiz uma tBo grende popula- gio de liberton, de rege absolutamente diverse da que a dominow? Nio havers grandes perigos a teaer para o futy FO, s@ as antigus tyrannias forem recordadas, se oa 1i- bertos preferirem a gente da sua raga 4 qualquer outra, como 8 natural? Poderd prosperar e geemo existir uma na so, composta de ragas estranhas e que de nenhuma sorte podem ter ligagio 2” A esta pergunta que explicits, de forma’ muito mais incisiva que os autores anteriores, a diferenga entre as duas rages e a impossibilida- 36 de do uma sociedade conjunta, segue-se uma reapoata iguelmente taxati- va e sem melos termos: "No se pense que, propondo # aboligio da escra~ vidio, o meu voto seja de congervar no poiz a raga li- bertada ; nen isto conviria do sorte elguma 4 raga do~ ninonte, nem to pouco & raca dominads. Os primeiros te riko a soffrer a5 reacgSes, c os segundos teriao sempre a supportar os resultados de ontigos prejtizos, gue nunca cessariao a seu respeito” (42). Estabelecida a premissa de una divisSo raciel irremediavel, que ao invés de desaparecer com a abolig&o, continuaria presente na forma ao un Sdio vingative por parte do negro ¢ de preconceitos por parte do branco, Burlamaque enfatiza em seguida algo que havia ficado eaquecido duronte séculos: o escravo nio & uma miguine, uma coisa, "@ um homom feito como os outros" (43). & por$m um homem perigoso porque diferente, isto é, de outra race que além de ter sido escravizada, domineda, li- ga-se @ um continente aonde a civilizag3e 96 comega a existir por obra de paises europeus. Por isso a inica solugio para a reorganizagao das relagSes de produgio no pais residia na sua proposta de extredigéo dos ex-escravos para a Africa, onde seriam furndadas colénies especialmente pora eles por parte do governo brasileiro. fm termos sucintos ele propunha manter o negro na escraviddo até a idade de 25 ou 30 anos para os de sexo masculino e até 20 ou 25 anca para os de sexo feminino. Bm seguida ele receberia a iberdade junta~ mente com a sua deportagao para uma colénis africana, udministrada pe- lo Estado brasileiro. 0 estabelecimento destas colénias seria muito vantajoso nao 66 por livrar o Brasil desta "praga' (a populagao eacra- va), " usa unica do seu atraso", como também em termos de comércio externo © expansio imperialista, uma vez que também o Brasil garontiria 3? © seu quinhTo ufricuno nu corride das nagdve pora “eivilisar” aguele rico ¢ inexplorodo contincnte. "alm dos beneficios gue devem resultar de nos Livrormes de huna tel proga; quem ndo vé neates esta- belecimentos um acto de griundesa o gloria para o nosso peiz, @ hues origom de connercio vantajoso! Grandeza e gloria, porque assim poremos de per com a Gram-Bretonhe © 2 America do Norte, na grande obra da civilteagzo da Africa; de comercio vantajoso; porque os generos pro~ duzides ntestas colonias servirdo de objeto de troca para os que produz 0 nosso paiz, e portanto de bum commercio que deve tomer uma gronde latitude com a Afries inteira, o quem estas colonias servir4S de en- treposto” (44). Os recursos para a extradigho viriam de caixas de piedade, forme- das pelo governo ¢ porticulares: ".seculowle-ce guontos negros podem ser exportades annualmente, ¢ de quantos males nuo ficuremos née livres em poucos annos, pelo menos nas grandes cidade: Com a saida dos escravos o trabalho livre se estabeleceria na~ turalzente, atraindo tonto a populagio livre nacional coo estrengeira "A gente livre do paiz tendo ais aetos d* empre~ gor-se e contando com huina subsistencia acnos precaria, contrahird matrimonios e se propagar&; os estrangeiros que nio acharem aeion de viverem nos ceus paizes, virdo estabolecer~se no nosso, porque ontho jé nio terao a temer a concurrencia dos possuideres a! escravos no exercicio das artes @ officios, ou finalmente abracgard5 © sorvigo domestico, porque nfo acharéd as cagas entupi- das d' emcravos " (45). Note-se que esta proposta nao especifica se os deportados deveriam ser apenas os escravos nascidos na Africa ou se incluiria os ji naaci- dos no Brasil, os crioulos, abarcundo todos sob a designagéo de "raga escrava" (46). Ea outra parte, Burlemague lembra que nfo se deve temer @ ociosidade dos libertos, .o que talvez signifique que uma parte dos negros permaneceria no Bragil, pousivelmente oa crioulos recém-liberta dos e oa J livertos ou descendentes de escravos (47). © toma da hetorogeneidade sdcio-racial da populagdo brasileira tor na a aparecer em um livro de 1865, retomando-se muitas des colocagoea feitas por Maciel da Costa, Jos Bonifacio ¢ Burloaaque, Mae a0 contra. rio destes autores, Francisco Antonio Brandéo Jinior nao propunha una emancipagao gradual e disciplinar, mas sim a transformagao dos escra- vos ea escravos da gleha e mais tarde om colonos sob regime de traba~ lho compulséric. Ao mesmo tempo, com a publicag de A Escravatura no Brazil inaugura-se a produg3o tedrica eapecificamente positivista, re- lative ae queatSes sociais do pats. Maronhense, filho de fazendeiro da Vila de Codé ~ regiao que esta- va entéo sendo desmatada paro o cultivo de’ algodao -, Brandao Jr. dou- torou-se em ciéncias naturais pela Universidede de Bruxelas, onde jun- tamente com seus colegas Luis Pereira Barreto e Joaquim Alberto Ribei- ro de Mendonga, comegou a tomar conteato com a6 idéias positivistas (48). Tais idéies ajudaram-no certamente na tarefa de diagnosticar o que jul, gava errado na sociedade brasileira, bem como a propor medidas regene~ radoras. Contudo, nie ne pode dizex que suas proposigdes ee diferenciassem 3e 39 ssenctalmente daquelas que ja vinham sendo fettoa por muitos outros polfticos © estudiosos desde o infcio do .éculo, vossiveluente a fun~ douentagSe pooitivicts tenia apenas proporcionade mais consisténcia teérica ds suas propostus e uma impregshe de rigor cient{fico que de- certo cativou a muites leitorcs (49), De futo, A Eseravatura no Brasil firmou-se como um dos Livros vias 1idos no perfodo pelos interessudor na questo emancipacionista, a julgur pelas roferdncias elogioass ou reverentes que Iho fizeram diversos outros autores que se seguiran. A grande preccupagio do outor ere com o problema da heteregenot= dade racial e socivl do puis, heterogeneidade esta que ce manteria cada vez mais acirrada ¢ periyosa enquanto durasse a eacruvidao. Ele descrovia » sociedude brasileira cono compasta de partes nitidanente separadas e sem lagoo familiares ov culturats entre siz os brancos e tumb’m og mestigos ocupavan ac "posigdes oficiaes"t e viviam como "co- plotas da civilieacio europa"; os negros livres © indios "eivildzadost Levevam ume existéncia ociosa e misordvel, "com outro sentimento so- cial que o de dar o seo voto em tempo de oleigdes, & quem lhe der al- guns mil reis, ou permigfo de edificer as suse clbenos nas cues ter= ran"; havie também negros livres e indios que trabalhavam como vaguei- ros, feitores, tripuluntes de barcos ec em atividudes agr{colas varia- das, on entSo eram arregimentados nas fileiras do Bxército, Marinha e Guarda Nacional; por Gitino, havie os escrevos, gem nenhuma instru- gio, mal-tratados @ cofrides (50), E inddgava: "Ora, wna secivdede compoata de pertes tio hetoro- ceneas, alinentiundo no seio um espfrito de classe, dege~ nerando em monstrudsa vntipathia umas pelac outras; com exelucio quant ubsoluta nos lages de fumilia, © todos @Risodos dum egoisuo cacrilego em nutrir-se & si sémeate, en prejuizo de todos, dizenos, qual seré o futuro prova- vel de uma tal sociddode? " (51)

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