Você está na página 1de 276

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS

WELTON PEREIRA E SILVA

ARGUMENTAÇÃO E PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA:


uma análise Semiolinguística como contribuição à Linguística Forense

RIO DE JANEIRO
2020
Welton Pereira e Silva

ARGUMENTAÇÃO E PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA:


uma análise Semiolinguística como contribuição à Linguística Forense

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito necessário à obtenção do
Título de Doutor em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa.


Co-orientador: Professor Doutor Rui Manuel Sousa Silva.

Rio de Janeiro

2020
Welton Pereira e Silva

ARGUMENTAÇÃO E PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA:


uma análise Semiolinguística como contribuição à Linguística Forense

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Faculdade de Letras da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito necessário à
obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).

Aprovada em: 12 de fevereiro de 2020.

Presidente: Profa. Dra. Lúcia Helena Martins Gouvêa – UFRJ (Orientadora)

Profa. Dra. Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ

Profa. Dra. Luciana de Paiva Leite – UNIRIO

Profa. Dra. Mônica Santos de Souza Melo – UFV

Profa. Dra. Ilana da Silva Rebello Viegas – UFF

Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos – UFRJ (Suplente)

Profa. Dra. Amanda Heiderich Marchon – UERJ (Suplente)


DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à minha mãe, ao meu pai e ao meu irmão.


AGRADECIMENTOS

Ao Alfa e ao Ômega, ao Princípio e ao Fim de Todas as Coisas, agradeço


pelo dom da vida e por me capacitar a terminar esta empreitada.
À minha família, que mesmo sem entender os motivos pelos quais tanto
estudo, sempre soube me apoiar e aconchegar em todos os momentos.
À minha orientadora, Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa, por
me orientar e conduzir durante o percurso desta pesquisa. Agradeço pela paciência,
pelo cuidado, pelos conselhos, pela amizade, pelos incentivos e por toda a sapiência
compartilhada comigo.
Agradeço ao Professor Doutor Rui Manuel Sousa Silva, meu co-orientador,
por me aconselhar amigavelmente durante tantos anos, mesmo muito antes de
aceitar o convite para me co-orientar.
Agradeço às professoras com as quais cursei disciplinas fundamentais no
doutorado, a Professora Lúcia Helena, a Professora Maria Aparecida Lino
Pauliukonis, a Professora Leonor Werneck e a Professora Regina Gomes, por
compartilharem comigo um pouco de seu conhecimento.
Agradeço à banca, Professora Maria Aparecida, Professora Mônica Melo,
Professora Luciana Vilhena, Professora Ilana Rebello, Professora Leonor Werneck e
Professora Amanda Heiderich, por ter aceitado ler com tamanha primazia este
trabalho, auxiliando-me a lapidá-lo e a melhorá-lo.
Agradeço aos amigos que fiz na Universidade, os quais levarei comigo para
sempre: Eduardo, Lucca, Diego, Fernando, Rodrigo, Aida, Bruna, Denise, João,
Juliana, Fabiano, Carlos, Amanda, Karen, Kelvis, Leandro, Charles e tantos outros.
Agradeço ao Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da
UFRJ e ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, por me
possibilitarem realizar esta pesquisa e desenvolver minha capacitação como
professor do Magistério Superior. Agradeço ao laboratório CIAD-Rio, por me
fornecer todas as bases humanas e materiais necessárias para a produção desta
investigação.
Agradeço, por fim, à CAPES, por novamente me agraciar com uma bolsa de
pesquisa, possibilitada pelo povo brasileiro. Sem os auxílios recebidos da CAPES
durante os últimos anos, minha formação como pesquisador, talvez, não teria se
efetivado. A cada um de vocês, meu eterno muito obrigado!
“[...] depois que se diz uma coisa, ela está dita,
e você tem de arcar com as consequências”.
A Rainha Vermelha [Lawis Carroll]

“[...] porque a violência é o argumento


daqueles que não têm boas razões”.
Allan Kardec
SINOPSE

Análise linguístico-discursiva de cartas de


ameaça que busca compreender a
natureza desse subgênero por meio das
estratégias de patemização empregadas
pelos sujeitos enunciadores. Discussão
sobre o ato de fala de ameaça. Análise de
dados a partir da Teoria Semiolinguistica
do Discurso com vistas a contribuir com a
Linguística Forense.
RESUMO

SILVA, Welton Pereira e. Argumentação e patemização em cartas de ameaça:


uma análise semiolinguística como contribuição à Linguística Forense. Rio de
Janeiro, 2020. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

O presente estudo procura descrever, analisar e compreender o emprego de


argumentos patemizantes em cartas de ameaça. Parte-se do pressuposto de que
diferentes estratégias são utilizadas de modo a fazer com que o sujeito interpretante
da carta experiencie emoções diversas, a depender do projeto argumentativo da
situação de comunicação. O estudo foi realizado a partir dos postulados teóricos e
metodológicos da Teoria Semiolinguística do Discurso, proposta por Patrick
Charaudeau. Além disso, buscou-se respaldo em contribuições advindas da
Pragmática, da Filosofia da Linguagem, da Semântica Argumentativa, bem como de
alguns pesquisadores da Linguística de Texto, da Análise do Discurso e da
Linguística Forense. Após a análise do corpus, que consiste em vinte e cinco cartas
escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos e vinte e cinco cartas
escritas por sujeitos que não se posicionam como criminosos, foi possível sugerir
uma configuração lógico-pragmática para o ato de fala de ameaça. Procurou-se
comprovar a hipótese geral que orienta esta investigação, vale saber: a ameaça
verbal em língua portuguesa ocorreria como conteúdo explícito ou implícito e se
consolidaria a partir de diferentes estratégias de patemização. O trabalho busca
colaborar com os estudos argumentativos que defendem a possibilidade de a
argumentação ser efetivada também a partir da patemização. Além disso, pretende-
se contribuir com a Linguística Forense, principalmente em casos relativos à
determinação de significado envolvendo eventuais demandas judiciais que
apresentem uma ameaça como evidência criminal.

Palavras-chave: argumentação; patemização; carta de ameaça; crimes de


linguagem; linguística forense.
ABSTRACT

SILVA, Welton Pereira e. Argumentation and pathemization in threat letters: a


Semiolinguistic analysis as a contribution to Forensic Linguistics. Rio de Janeiro,
2020. Thesis (Docotorate in Letras Vernáculas – Língua Portuguesa) – Faculdade de
Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

This paper aims to describe, analyze and understand the use of pathemic arguments
in threat letters. It is assumed that different strategies are employed with the intention
of making the interpretative subject experience diverse emotions,which depends on
the argumentative project of the communicative situation.The study was made based
on the theoretical and methodological postulates of the Semiolinguistic Theory of
Discourse, as proposed by Patrick Charaudeau. In addition to this, we looked for
support and contributions in the fields of Pragmatics, Philosophy of the Language,
Argumentative Semantics, as well as in some researches from the areas of Textual
Linguistics, Discourse Analysis, and Forensic Linguistics. After concluding the
corpus’ analysis, which consists of twenty-five letters written by individuals who
presented themselves as criminals, and twenty-five from individuals who didn’t
present themselves as criminals, it was possible to suggest a logic-pragmatic
configuration to the speech act of a threat. Besides, we aimed at proving the general
hypothesis that guides this investigation, to wit: the verbal threat in Portuguese may
be of an overt or implied nature, and might be constituted of different pathemic
strategies. This work intends to collaborate with argumentative studies that defend
the possibility of the argumentation as being also effected by pathemization. In
addition, we aim to also contribute to the field of Forensic Linguistics, especially in
cases related to the determination of meaning involving eventual lawsuits in which a
threat is considered a criminal evidence.

Keywords: argumentation; pathemization; threat letters; language crimes; forensic


linguistics.
RÉSUMÉ

SILVA, Welton Pereira e. Argumentation et patémisation dans les lettres de


menace: une analyse semiolinguistique comme contribution à la Linguistique
Juridique. Rio de Janeiro, 2020. Thèse (Doctorat en Letras Vernáculas – Língua
Portuguesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2020.

La présente étude vise à décrire, analyser et comprendre l'utilisation d'arguments de


patémisation dans les lettres de menace. On suppose que différentes stratégies sont
utilisées afin de faire éprouver différentes émotions au sujet interprétant de la lettre,
selon le projet argumentatif de la situation de communication. L'étude était basée sur
les postulats théoriques et méthodologiques de la Théorie Sémiolinguistique du
Discours proposée par Patrick Charaudeau. En outre, on soutient dans les
contributions de la Pragmatique, de la Philosophie du Langage, de la Sémantique
Argumentative, ainsi que de certains chercheurs de la Linguistique du Texte, de
l'Analyse du Discours et de la Linguistique Juridique. Après l’analyse du corpus, qui
se compose de vingt-cinq lettres écrites par des sujets qui se positionnent comme
des criminels et de vingt-cinq lettres écrites par des sujets qui ne se positionnent pas
comme des criminels, il a été possible de suggérer une configuration logique-
pragmatique pour l'acte de parole de menace. De plus, on a essayé de prouver
l'hypothèse générale qui guide cette recherche, à savoir: la menace verbale en
langue portugaise se produirait comme un contenu explicite ou implicite et elle serait
consolidée à partir de différentes stratégies de patémisation. Cette étude cherche à
collaborer avec des études argumentatives qui défendent la possibilité de
l'argumentation être effectuée à partir de la patémisation. En outre, il est destiné à
contribuer à la linguistique juridique, en particulier dans les cas liés à la détermination
du sens impliquant d'éventuelles demandes judiciaires qui présentent une menace
comme preuve pénale.

Mots-clés: argumentation; patémisation; lettre de menace; crimes linguistiques;


linguistique juridique.
RESUMEN

SILVA, Welton Pereira e. Argumentación y patemización en cartas de amenaza:


un análisis semiolingüístico como contribución a la Lingüística Forense. Rio de
Janeiro, 2020. Tesis (Doctorado em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa) –
Facultad de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

El presente estudio busca describir, analizar y comprender el empleo de argumentos


patemizantes en cartas de amenaza. Se supone que se utilizan diferentes
estrategias para hacer que el sujeto interpretante de la carta experimente diferentes
emociones, dependiendo del proyecto argumentativo de la situación de
comunicación. El estudio fue realizado desde los postulados teóricos y
metodológicos de la Teoría Semiolingüística del Discurso, propuesta por Patrick
Charaudeau. Además, se busca respaldo en contribuciones desde la Pragmática, de
la Filosofía del Lenguaje, de la Semántica Argumentativa, así como de
pesquisadores de la Lingüística del Texto, de la Análisis del Discurso y de la
Lingüística Forense. Después de analizar de corpus, que consiste en veinticinco
cartas escritas por sujetos que se posicionan como criminosos y veinticinco cartas
escritas por sujetos que no se posicionan como criminosos, fue posible sugerir una
configuración lógico-pragmática para el acto de habla de amenaza. Más allá de eso,
se buscó comprobar la hipótesis general que orientó esta investigación: la amenaza
verbal en lengua portuguesa ocurre como contenido explícito o implícito y se
consolida a partir de diferentes estrategias de patemización. El trabajo, así, busca
colaborar con los estudios argumentativos que defienden la posibilidad de la
argumentación ser efectiva también a partir de la patemización mientras que
contribuya con la Lingüística Forense, especialmente en casos relacionados con la
determinación del significado que implica demandas judiciales que presentan una
amenaza como evidencia criminal.

Palabras clave: argumentación; patemización; carta de amenaza; crímenes de


lenguaje; lingüística forense.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – O processo de Semiotização do Mundo........................................... 26


Figura 02 – A situação de comunicação.............................................................. 27
Figura 03 – Identidade social e discursiva em relação à situação de
comunicação......................................................................................................... 32
Figura 04 – As instâncias do ethos...................................................................... 33
Figura 05 – Condições da argumentação............................................................ 46
Figura 06 – Estruturas do sistema límbico........................................................... 53
Figura 07 – Idiomas proibidos durante do governo Vargas.................................. 122
Figura 08 – Ferramenta de busca Google Alerts................................................. 127
Figura 09 – Exemplo de carta de ameaça............................................................ 128
Figura 10 – Processo metodológico desta pesquisa............................................ 132
Gráfico 01 – Tipos de ameaça: sujeitos que não se posicionam como
criminosos............................................................................................................. 208
Gráfico 02 – Tipos de ameaça: sujeitos que se posicionam como criminosos.... 208
Gráfico 03 – Comportamento enunciativo do grupo de sujeitos que não se
posiciona como criminosos................................................................................... 210
Gráfico 04 – Comportamento enunciativo do grupo de sujeitos que se
posiciona como criminosos................................................................................... 210
Gráfico 05 – Emprego de estratégias de patemização no grupo de sujeitos que
não se posiciona como criminosos....................................................................... 212
Gráfico 06 – Emprego de estratégias de patemização no grupo de sujeitos que
se posiciona como criminosos.............................................................................. 213
LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 01 – Índices linguísticos na construção de ethé discursivos................... 37


Quadro 02 – Pesquisas em Linguística Forense no Brasil................................... 85
Tabela 01 – Tipos de ameaça por número de ocorrência.................................... 207
Tabela 02 – Ocorrência de operadores argumentativos...................................... 214
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACD – Análise Crítica do Discurso


AD – Análise do Discurso
CV – Comando Vermelho
CIAD-Rio – Círculo Interdisciplinar de Análise do Discurso
CPPL1 – Centro de Privação Provisória de Liberdade 1
CPPL2 – Centro de Privação Provisória de Liberdade 2
EUA – Estados Unidos da América
FBI – Federal Bureau of Investigation
GATE – Grupo de Ações Táticas Especiais
GDE – Guardiões do Estado
IAFL – International Association of Forensic Linguists
INFOPEN Sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário
brasileiro
LF – Linguística Forense
LGBTI+ – Lésbicas, gays, bi, trans, intersexo e outros
NAD – Núcleo de Análise do Discurso
NGB – Nomenclatura Gramatical Brasileira
ONG – Organização não governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PCC – Primeiro Comando da Capital
PM – Polícia Militar
PLN – Processamento de Linguagem Natural
PUC-PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-RS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
SDCRN – Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte
TAL – Teoria da Argumentação na Língua
TSD – Teoria Semiolinguística do Discurso
UEL – Universidade Estadual de Londrina
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFAL – Universidade Federal de Alagoas
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UFTPR – Universidade Federal Tecnológica do Paraná
UFV – Universidade Federal de Viçosa
USP – Universidade de São Paulo
Unicamp Universidade de Campinas
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 17
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS..................................................................... 22
2.1 A TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA DO DISCURSO......................................... 22
2.1.1 A identidade em uma problemática semiolinguística.......................... 30
2.1.2 O contrato de comunicação................................................................... 40
2.1.3 Os Modos de Organização do Discurso............................................... 43
2.2 DIFERENTES ABORDAGENS TEÓRICAS ACERCA DAS EMOÇÕES...... 47
2.2.1 Algumas visões filosóficas.................................................................... 47
2.2.2 Algumas visões neurobiológicas........................................................... 50
2.2.3 Algumas visões linguístico-discursivas............................................... 54
2.3 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA.......................................... 66
2.3.1 Os operadores argumentativos.............................................................. 67
2.3.2 Pressupostos e subentendidos............................................................. 72
2.4 A LINGUÍSTICA FORENSE........................................................................... 78
2.4.1 O linguista como perito.......................................................................... 79
2.4.2 Determinação de significados em Linguística Forense....................... 81
2.5 A CARTA DE AMEAÇA: OBJETO DE ANÁLISE.......................................... 88
2.5.1 O ato de fala de ameaça como um crime de linguagem: breve
revisão de literatura........................................................................................... 89
2.5.2 Proposta de configuração lógica para o ato de fala de ameaça.......... 100
2.5.3 A carta de ameaça como um subgênero atrelado ao domínio
interpessoal........................................................................................................ 107
2.5.4 Configuração e descrição do subgênero carta de ameaça................... 113
2.5.5 Os discursos criminalizáveis: uma possível conceituação.................. 116
3 METODOLOGIA............................................................................................ 126
4 ANÁLISE: ARGUMENTAÇÃO E PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE
AMEAÇA.............................................................................................................. 134
4.1. ESTRATÉGIAS DE PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA:
ANÁLISE QUALITATIVA...................................................................................... 134
4.1.1 Abordagem macro e microestrutural das cartas dos sujeitos que
não se posicionam como criminosos.............................................................. 136
4.1.2 Abordagem macro e microestrutural das cartas dos sujeitos que se
posicionam como criminosos........................................................................... 176
4.2 ESTRATÉGIAS DE PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA: ANÁLISE
QUANTITATIVA................................................................................................... 206
4.2.1 Contabilização: tipos de ameaça............................................................. 207
4.2.2 Contabilização: comportamento enunciativo e estratégias de
patemização........................................................................................................ 209
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 220
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 227
ANEXOS.............................................................................................................. 237
17

1 INTRODUÇÃO

Na presente pesquisa, pretendemos analisar a argumentação patemizante


efetuada por sujeitos enunciadores em cartas de ameaça. Essas cartas, como o
próprio nome sugere, são assim classificadas pelo teor ameaçador do conteúdo
proposicional veiculado por elas, que gira em torno de algum mal que poderá
acometer o interlocutor. Objetivando perceber como a argumentação pode se
mostrar eficaz em um contexto discursivo passível de criminalização, buscaremos
descrever e analisar as estratégias linguistico-discursivas utilizadas com a finalidade
de captar o destinatário, levando-o a acreditar nas ameaças apresentadas pelo
enunciador. Vale saber, nosso foco recairá sobre estratégias que apresentam a
capacidade de despertar determinadas emoções no interlocutor das cartas de
ameaça, chamadas de estratégias de patemização.
Assim, a pergunta-problema que desencadeia esta pesquisa é: que
estratégias patêmicas são mais recorrentes em cartas de ameaça? A partir dessa
pergunta, elaboramos a hipótese básica de que a ameaça verbal em língua
portuguesa ocorreria como conteúdo explícito ou implícito e se consolidaria a
partir de diferentes estratégias de patemização.
Essa hipótese básica se desdobra em outras, secundárias, as quais
apresentamos abaixo:

1. A ameaça verbal ocorreria de modo explícito ou implícito, a depender do


projeto argumentativo do texto.
2. A modalidade alocutiva seria a predominante.
3. As ameaças condicionais iniciadas pelo operador argumentativo se,
veiculadas pela estratégia de patemização expressões modalizadoras,
apresentariam maior recorrência nas cartas dos sujeitos que se posicionam
como criminosos.
4. A estratégia de patemização emprego de implícitos seria mais recorrente
nas cartas dos sujeitos que não se posicionam como criminosos.
5. Por fim, a estratégia de patemização palavras, expressões e enunciados
que designam calamidade teria uma frequência maior nas cartas dos sujeitos
que se posicionam como criminosos.
Para comprovar ou refutar as hipóteses apresentadas, baseamo-nos em um
18

objetivo geral, no caso, descrever e analisar as principais estratégias de


patemização utilizadas pelos sujeitos enunciadores em cartas de ameaça. Ademais,
visando a dar conta de cada uma das hipóteses aventadas, alguns objetivos mais
específicos são traçados, a saber:

1. descrever o funcionamento do ato de fala de ameaça em língua


portuguesa, verificando os sentidos explícitos e implícitos que dele emergem;
2. analisar o comportamento enunciativo dos locutores, procurando encontrar
o mais recorrente;
3. contabilizar, descrever e analisar, comparativamente, os usos da estratégia
de patemização expressões modalizadoras – principalmente por meio do
operador argumentativo condicional se;
4. contabilizar, descrever e analisar, comparativamente, os usos da estratégia
de patemização emprego de implícitos;
5. contabilizar, descrever e analisar, comparativamente, os usos da estratégia
de patemização palavras, expressões ou enunciados que designam
calamidade.

Visando a atingir os objetivos acima elencados, vamos nos apoiar, sobretudo,


no referencial teórico e metodológico da Teoria Semiolinguística do Discurso,
postulada por Patrick Charaudeau. Além disso, buscaremos respaldo em outros
estudiosos do fenômeno argumentativo, como Ducrot e Anscombre, Perelman e
Tyteca, Plantin e Amossy. Pela natureza do nosso objeto de estudo, lançaremos
mão do trabalho de alguns pesquisadores vinculados à Linguística Forense, como
Shuy, Coulthard, Sousa-Silva e Gales. Quando necessário, iremos nos basear
também em alguns estudiosos da Linguística de Texto, como Marcuschi e Koch, da
Sociolinguística Interacional, como Goffman, e da Filosofia da Linguagem, como
Bakhtin, Grice, Austin e Searle. Cada uma dessas vertentes teóricas será mais bem
detalhada no capítulo 2, no qual apresentaremos nosso referencial teórico.
Faz-se necessário ressaltar que este trabalho se justifica pelo fato de o
discurso produzido em situações de comunicação passíveis de criminalização
consistir em um tema ainda pouco explorado por analistas do discurso. Pudemos
constatar esse fato após constantes buscas – sem êxito – por teses e dissertações
que se debruçassem sobre a temática no banco de teses das universidades UFRJ,
19

UFMG e UNICAMP, algumas das mais representativas no que concerne às


pesquisas em Análise do Discurso. Uma busca através do portal Scielo e da
ferramenta Google Scholar, procurando por artigos científicos, bem como pelo banco
de teses da Capes e pela Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,
também não nos rendeu muito sucesso. Para efetuarmos as buscas, procuramos por
palavras-chave específicas, como “ameaça”; “carta de ameaça”, “ato de fala de
ameaça” e “discursos de criminosos”.
Devido a isso, podemos acreditar que nossa proposta consiste em uma
tentativa de sanar, pelo menos em parte, uma lacuna correspondente ao discurso
produzido em contextos passíveis de criminalização nos estudos que se filiam à
Análise do Discurso. Procuramos contribuir também para preencher a lacuna
correspondente à compreensão da natureza linguístico-discursiva do ato de fala de
ameaça em língua portuguesa. Nosso objeto de pesquisa, o subgênero carta de
ameaça, bem como a denominação discurso criminalizável, serão descritos no
capítulo 2.
Vale ressaltar que o presente estudo dá continuidade a uma pesquisa que se
desenvolveu no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de
Viçosa (UFV), investigando os argumentos utilizados em crimes via telefone,
especificamente, o golpe do falso sequestro e o golpe da recarga premiada. Na
dissertação, debruçamo-nos sobre textos produzidos na modalidade oral,
diferentemente da pesquisa aqui apresentada, na qual analisamos textos escritos.
Além da relevância aos estudos discursivos, a presente proposta representa,
também, uma contribuição singular para um campo dos estudos linguísticos que vem
ganhando espaço nas Faculdades de Letras brasileiras: a Linguística Forense. No
capítulo 2, apresentaremos esse campo de aplicação da linguística, bem como
nossos argumentos que visam a explicar os motivos pelos quais nosso trabalho
pode se filiar à Linguística Forense.
De modo a facilitar a exposição dos resultados obtidos a partir desta
pesquisa, separamos nosso texto em alguns capítulos. Além desta Introdução,
entendida como o Capítulo 1, apresentaremos, no Capítulo 2, nossos principais
Pressupostos Teóricos. Nesse capítulo, discorreremos sobre a Teoria
Semiolinguística do Discurso, proposta e desenvolvida pelo linguista francês Patrick
Charaudeau. Além dessa teoria que fundamenta nossa pesquisa, apresentaremos
outros pontos de vista acerca do fenômeno argumentativo. Traremos, assim, os
20

principais postulados teóricos desenvolvidos por Anscombre e Ducrot (1983) no que


diz respeito aos operadores argumentativos e aos topoi, no interior da Semântica
Argumentativa, e apresentaremos a Nova Retórica, de Perelman e Tyteca (2005
[1996]), além de alguns contributos de Christian Plantin (2010; 2013), Ruth Amossy
(2007; 2018) e Lúcia Helena Martins Gouvêa (2006; 2017).
Nesse capítulo, também apresentaremos nosso objeto de estudo.
Primeiramente, discorreremos acerca das características pragmático-discursivas do
ato de fala de ameaça no português do Brasil, procurando dar conta das
configurações lógico-formais desse ato de fala. Em seguida, apresentaremos nossas
reflexões acerca daquilo que chamamos de discursos criminalizáveis. Tais discursos
seriam aqueles que engendrariam uma prática passível de criminalização, ou seja,
esses textos poderiam ser considerados crimes, e seus enunciadores poderiam ser
punidos judicialmente. Nesse capítulo, ainda, discorreremos acerca de a carta de
ameaça configurar-se em um subgênero discursivo, apresentando os pontos de vista
de Bakhtin (2003 [1979]), na Filosofia da Linguagem; de Charaudeau (2004) e
Maingueneau (2000), na Análise do Discurso; de Marcuschi (2017) e Koch e Elias
(2017), na Linguística de Texto, bem como os de Shuy (2005; 2008; 2011),
Coulthard & Johnson (2007) e Sousa-Silva e Coulthard (2016), no âmbito da
Linguística Forense.
Por sua vez, no Capítulo 3, apresentaremos nosso passo a passo
metodológico, desde a coleta do corpus e sua transcrição, até o tratamento dos
dados de forma quantitativa e qualitativa. Para melhor tratarmos o corpus,
separamos as cartas em dois grupos: vinte e cinco cartas pertencentes ao grupo de
sujeitos enunciadores categorizados como não criminosos, visto que esses sujeitos
parecem não se identificar como delinquentes; e vinte e cinco cartas pertencentes ao
grupo de sujeitos categorizados como criminosos, isto é, aqueles que se identificam
como delinquentes. Essa classificação, conforme será esclarecido posteriormente,
diz respeito às identidades discursivas construídas pelos sujeitos pertencentes à
instância de produção das cartas de ameaça.
Dentre esses grupos, separamos o corpus, constituído, portanto, de cinquenta
cartas de ameaça, em temáticas relacionadas aos tipos de ameaça encontrados.
Obtivemos, assim, os seguintes números: dezenove cartas de ameaça de morte;
duas cartas de ameaça de agressão; e quatro cartas de ameaça com sanção
indefinida, no grupo dos vinte e cinco textos atribuídos aos sujeitos não criminosos; e
21

doze cartas de ameaça de morte; dez cartas de ameaça contra a segurança pública;
e três cartas com sanção indefinida, no grupo dos vinte e cinco textos atribuídos aos
sujeitos que se posicionam como criminosos.
Posteriormente, no Capítulo 4, apresentaremos os resultados qualitativos e
quantitativos obtidos a partir da observação, descrição e análise do corpus. Assim,
analisaremos a argumentação patemizante nas cartas de ameaça, levando em conta
questões macroestruturais – modos de organização do discurso, projeto
argumentativo do texto – e questões microestruturais – escolhas lexicais, operadores
argumentativos, estratégias de patemização –, procurando desvelar possíveis
interdiscursividades e imaginários sociodiscursivos. A análise qualitativa será
efetuada a partir da seleção de dez textos do corpus, sendo cinco relativos ao
conjunto de textos dos sujeitos que não se posicionam como criminosos, e cinco
relativos ao conjunto de textos dos sujeitos que se posicionam como criminosos. A
análise quantitativa, por sua vez, procura apresentar os dados relativos a todo o
corpus, dados que mostraremos em formato de tabelas e gráficos, de modo que a
explicação fique mais facilmente compreensível. Com isso, traremos novamente
nossas hipóteses e discorreremos acerca de sua comprovação ou refutação.
Nas Considerações Finais, apresentaremos a avaliação dos principais
resultados obtidos no capítulo referente às análises, bem como buscaremos refletir
sobre o percurso desta pesquisa, salientando alguns desdobramentos possíveis e
futuros que podem dar continuidade a este trabalho.
Esperamos que esta pesquisa endosse os estudos argumentativos que se
filiam à Análise do Discurso, contribuindo para a comprovação de que a
argumentação também se dá a partir da patemização. Acreditamos ainda que os
dados e explicações aqui apresentados contribuem no que concerne à determinação
de significados na Linguística Forense, principalmente quando houver alguma
dúvida acerca da natureza ameaçadora de um determinado texto ou enunciado.
Esta pesquisa poderá contribuir, de igual modo, para a divulgação e consolidação da
Linguística Forense enquanto área de estudos nas faculdades de Letras brasileiras,
pois relativamente poucos trabalhos foram efetuados nessa área, em nosso País.
Neste primeiro capítulo, introduzimos os principais parâmetros norteadores de
nossa investigação. No próximo capítulo, traremos a apresentação e discussão do
referencial teórico que fundamenta e orienta nosso trabalho.
22

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.1 A TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA DO DISCURSO

No início do século XX, o filósofo da linguagem Mikail Bakhtin (2003 [1979])


postulou que a língua é essencialmente dialógica, ou seja, todo enunciado mantém
relações com outros enunciados anteriormente produzidos, o que corresponde, para
o filósofo, na interação entre diferentes vozes de diferentes sujeitos. Essa noção,
chamada de dialogismo pela tradição linguística, deu origem ao que Kristeva (2012
[1969], p. 68) compreende por intertextualidade, já que “a palavra (o texto) é um
cruzamento de palavras (de textos) onde se lê, pelo menos, uma outra palavra
(texto)”. Por sua vez, na Análise do Discurso de linha francesa, o dialogismo
contribuiu com a teorização acerca do interdiscurso, afinal, de acordo com
Maingueneau (2014, p. 286. Grifos no original), “todo discurso é atravessado pela
interdiscursividade, tem a propriedade de estar em relação multiforme com outros
discursos, de entrar no interdiscurso”.
Por influência dos avanços reflexivos de Bakhtin, mas ainda apoiando-se no
Estruturalismo saussureano, em meados do século XX Émile Benveniste (1989),
linguista francês, desenvolveu – no capítulo intitulado de O Aparelho Formal da
Enunciação, no livro Problemas de Linguística Geral volume 2 – as bases que deram
origem às chamadas teorias enunciativas. Para Benveniste, a enunciação diz
respeito ao colocar em prática a língua, ou seja, é o uso situado da linguagem. Na
enunciação, o locutor se apropria da língua, marcando a si mesmo e ao interlocutor
em seu discurso. O linguista partiu dos estudos dos verbos em francês para
demonstrar que o sujeito se insere de forma subjetiva em seu enunciado, mas,
posteriormente, a partir dos estudos das marcas pronominais (tendo os pronomes de
pessoa, 1ª e 2ª, e os de não-pessoa, 3ª), bem como dos dêiticos, essa noção se
desenvolveu de forma muito profícua.
O “aparelho formal da enunciação”, para Benveniste (1989), seria portanto a
junção de um Eu (ego), de um Aqui (hic) e de um Agora (nunc). Assim, ao contrário
de uma frase, que é a-histórica e se repete, um enunciado só ocorre uma vez. Para
a compreensão adequada, por exemplo, do enunciado “estarei aqui amanhã neste
horário”, é necessário que o interlocutor saiba quem é a pessoa (eu) que enuncia e
estará ali, qual é o local a que se refere, e qual é o tempo designado.
23

Posteriormente, as marcas da subjetividade, ou seja, a forma como o sujeito


se marca no enunciado, no processo de enunciação (o acontecimento), foram
estudadas por outros teóricos, dentre eles, Patrick Charaudeau (1992; 2008),
idealizador da Semiolinguística do Discurso, principal aporte teórico desta pesquisa.
A Teoria Semiolinguística do Discurso – à qual poderemos nos referir, em
certos momentos, como TSD –, concebe a linguagem e, consequentemente, o
discurso, como uma prática psicossocial historicamente situada. Dessa forma, é
entendido que diferentes sujeitos, detentores de diferentes identidades, fazem uso
de um sistema linguístico, em determinada situação sócio-histórica, visando a atingir
determinados objetivos, finalidades comunicativas. De acordo com o próprio
idealizador da TSD:

Eis porque a posição que tomamos na análise do discurso pode ser


chamada de semiolinguística. Semio-, de “semiosis”, evocando o fato de
que a construção do sentido e sua configuração se fazem através de uma
relação forma-sentido (em diferentes sistemas semiológicos), sob a
responsabilidade de um sujeito intencional, com um projeto de influência
social, num determinado quadro de ação; lingüística para destacar a matéria
principal da forma em questão – a das línguas naturais. Estas, por sua
dupla articulação, pela particularidade combinatória de suas unidades
(sintagmático-paradigmática em vários níveis: palavra, frase, texto), impõem
um procedimento de semiotização do mundo diferente das outras
linguagens (CHARAUDEAU, 2005, p. 13).

Vale saber que, nas teorias enunciativas, o valor semântico dos termos e
enunciados que constituem o texto e o discurso não é apresentado completamente a
priori, não preexiste à prática discursiva. Os sentidos são, pelo contrário, construídos
e co-construídos pelos sujeitos envolvidos na situação de comunicação. A
construção dessa rede complexa de sentidos compartilhados se faz, levando-se em
conta as finalidades da interação, os temas tratados, as identidades evocadas, bem
como os conhecimentos compartilhados pelos sujeitos envolvidos na troca
discursiva. É por essa razão que podemos falar que fomos bem sucedidos, ou não,
em nosso projeto de fala.
Na Teoria Semiolinguística do Discurso, essa diferença baseia-se no que
Charaudeau (2008) chama de sentidos de língua e sentidos de discurso. Os
primeiros seriam os significados propriamente ditos de determinadas palavras,
aquele buscado em dicionários e tratados pela Semântica Formal. Os sentidos de
discurso, por sua vez, dizem respeito aos valores atribuídos a determinados usos
lexicais a depender do contexto comunicativo. Entram em cena, portanto, os
24

sentidos implícitos, conotativos, trazidos à tona a partir das inferências pragmáticas


feitas pelos protagonistas da situação de comunicação. De acordo com Charaudeau
(2010b, p. 80-81):

A ‘situação de comunicação’ é o lugar onde se instituem as instruções que


determinam a expectativa da troca, estas instruções provenientes ao
mesmo tempo da ‘identidade’ dos parceiros e do lugar que eles ocupam na
troca, da ‘finalidade’ que os religa em termos de finalidade, do ‘propósito’
que pode ser convocado e das ‘circunstâncias materiais’ nas quais a troca
se realiza.

Os sentidos são dependentes, portanto, da situação de comunicação, de


onde emergem. A situação de comunicação determina as instruções provenientes
das identidades dos sujeitos que dela participam, da finalidade – objetivos – da
interação, do proposto1 – ou o tema sobre o qual se fala –, e das circunstâncias
materiais (se é um texto escrito, uma imagem, o contexto imediato etc.).
Assim, nas vertentes enunciativas dos estudos linguísticos – que se apoiam
nas perspectivas filosóficas que contribuíram para o surgimento da Pragmática a
partir dos estudos de Grice, Austin e Searle –, “[p]ara compreender o que se diz, é
preciso não só entender o que se afirmou explicitamente, mas também o que se
deixou implícito” (FIORIN, 2016, p. 206). Na continuidade desse pensamento, situa-
se a Semiolinguística do Discurso.
Explicando de modo mais pormenorizado, podemos dizer que o sistema
linguístico, embora apresente um número finito de itens lexicais e suas possíveis
combinações sintáticas, proporciona seu arranjo em um número praticamente
ilimitado de enunciados. Esse ponto de vista foi muito bem explorado nas vertentes
de estudos gerativistas. Para nosso ponto de vista epistemológico, no interior da
Análise do Discurso, no entanto, entendemos que o sujeito falante atribui sentidos
diversos a elementos lexicais de seu idioma, ultrapassando o sentido primeiro,
literal, do termo. Daí, advêm as noções de sentido denotativo e conotativo, as
questões de ambiguidade e de polissemia, dentre outros assuntos pertinentes à
Semântica, à Pragmática e à Análise do Discurso.

1
A palavra “propósito” parece ter sido utilizada devido a um equívoco de tradução, já que o termo, em
francês, é propos, ou proposto, que seria mais bem traduzido como o tema, o assunto. Tal utilização
acaba por gerar um problema de compreensão em português, visto que o “propósito” e as
“finalidades” da situação de comunicação poderiam ser entendidos como sinônimos, sendo que, no
interior da TSD, trata-se de noções diferentes. Essa informação foi obtida em conversa informal com
a Professora Doutora Angela Maria da Silva Corrêa, tradutora de várias obras de Patrick Charaudeau.
Agradecemos à professora Angela por sua colaboração.
25

Assim, durante a troca comunicativa, os sujeitos devem trazer à tona seus


conhecimentos acerca do contrato de comunicação, das identidades que emergem
naquela troca, seus conhecimentos prévios e linguísticos para que o conteúdo
enunciativo possa ser compreendido de forma plena.
Por exemplo, em um dos textos que compõem nosso corpus de pesquisa,
aparece o seguinte enunciado:

(1) [...] estamos dando uma opção de escolha; vcs tem filhos,
cuidado.

Este excerto, retirado de uma carta de ameaça de morte feita a um vereador,


trata de uma ameaça feita não apenas aos destinatários da carta, mas aos seus
filhos. Apenas levando em conta o plano linguístico, os sentidos de língua, não seria
possível perceber que a afirmação “vocês têm filhos” – acima transcrita conforme a
grafia original – é realmente uma ameaça.
A princípio, esse enunciado seria apenas uma atestação da realidade, com
valor assertivo. Porém, tanto o contexto linguístico, já que a afirmação é seguida do
aviso “cuidado”, quanto a situação de comunicação como um todo – uma carta de
ameaça de morte –, favorecem a interpretação desse enunciado como uma ameaça
à vida dos filhos dos destinatários da carta. Neste enunciado, ocorre uma quebra da
máxima da quantidade, descrita por Grice (1991 [1968]). O sujeito enunciador não
afirma com o que se deve tomar cuidado, deixando uma lacuna que deverá ser
preenchida pelo sujeito interpretante, de modo a restaurar o equilíbrio da interação.
Assim, há um esforço para recuperar uma implicatura conversacional, um
conteúdo subentendido, e os sujeitos interpretantes deverão levar em conta todas as
informações advindas da situação de comunicação para compreender o verdadeiro
sentido do enunciado acima: vocês têm filhos, logo, devem tomar cuidado e fazer o
que solicitamos, caso contrário, poderemos causar mal aos seus filhos. Entram em
cena, portanto, os possíveis interpretativos da troca linguageira, os sentidos de
discurso.
Ademais, por consistir em uma teoria que busca explicar a produção de
discursos e, portanto, a comunicação humana, a TSD fornece ferramentas
apropriadas à reflexão acerca da capacidade de referenciação dos fatos e objetos
do mundo real. De acordo com Charaudeau (2005), existem dois processos
26

envolvidos no que ele chama de Semiotização do Mundo. A semiotização diz


respeito à pretensão que os sujeitos têm de tornar o mundo a significar, o mundo
físico e biossocial, os fatos, em mundo significado, representado através dos
variados tipos de linguagem, conforme pode ser observado na imagem abaixo:

“Mundo Sujeito Mundo Sujeito


a significar” falante significado destinatário

Processo de transformação

Processo de transação

Figura 01: O processo de Semiotização do Mundo (CHARAUDEAU, 2005, p. 14).

Em um primeiro momento, visando a explicar a imagem acima, podemos nos


focar no processo de transformação. Através desse processo, amplamente sócio-
cognitivo, o sujeito nomeia, descreve, qualifica, enfim, representa os elementos do
mundo em forma de língua. Nesse processo, encontram-se os mecanismos
pertencentes à gramática de cada língua natural, com seu próprio léxico e
expressões que se encadeiam a partir das regras fonológicas e morfossintáticas do
idioma.
Munido dessas ferramentas fornecidas pela gramática do código linguístico
dominado e escolhido para aquele projeto de fala, o sujeito comunicante parte para
o processo de transação, a partir do qual organizará o seu discurso de determinada
forma a depender da finalidade da interação. Assim, a partir dos Modos de
Organização do Discurso, o sujeito estrutura o material linguageiro.
Faz-se necessário ressaltar que o processo de semiotização implica
diferentes princípios que funcionam como regras gerais para toda prática discursiva.
Em primeiro lugar, falamos no principio de alteridade. Desde a noção de dialogismo,
proposta por Bakhtin (2003 [1979]) e já referida anteriormente, os estudos
linguísticos concebem a interação como uma prática da qual participam, no mínimo,
dois sujeitos: o locutor e o interlocutor, mesmo que este último seja o próprio locutor,
em um processo monologal. A Semiolinguística, no entanto, concebe a existência de
quatro, e não apenas dois sujeitos envolvidos na situação de comunicação.
Antes de nos aprofundarmos nessas definições, contudo, é necessário
observar o esquema a seguir, que representa a situação de comunicação da forma
27

como é entendida na TSD:

Figura 02: A Situação de Comunicação (CHARAUDEAU, 2008, p. 52)

A partir da figura apresentada acima, podemos perceber que a


Semiolinguística entende a situação de comunicação, a interação propriamente dita,
como sendo composta por dois espaços: o externo, o contexto imediato; e o interno,
o espaço do dizer. No espaço externo, situam-se os parceiros, sujeitos empíricos,
seres sociais que interagem entre si: o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito
interpretante (TUi). O primeiro diz respeito àquele que toma a palavra, e o segundo,
por sua vez, diz respeito a todo e qualquer indivíduo que entre em contato com o
enunciado proferido pelo EUc. Dessa forma, um texto pode ser produzido por um
EUc em um determinado momento histórico e encontrar diferentes TUi no decorrer
dos séculos, como ocorre em relação aos textos bíblicos e de autores clássicos, por
exemplo.
Passando para o espaço interno, deparamo-nos com os protagonistas da
interação, os seres de fala: o sujeito enunciador (EUe), projetado pelo sujeito
comunicante, e o sujeito destinatário (TUd), por sua vez, uma imagem que o sujeito
comunicante faz de seu interlocutor, o sujeito interpretante. Para uma melhor
compreensão acerca da teoria dos sujeitos proposta por Patrick Charaudeau,
observemos o enunciado abaixo, que consiste em uma ameaça presente no
conjunto de textos produzidos por sujeitos que se posicionam como criminosos:

(2) MAIS UM POLICIA DO DENARC QUE VOCE SACANEAR, VAMOS


MANDAR ESQUARTEJAR A XXXX DA SUA MAE
28

Nesse enunciado, que consiste em uma ameaça explícita, o sujeito


comunicante (EUc), ser empírico, tem a pretensão de ameaçar. Assim, enquanto
sujeito enunciador (EUe), ele produz o enunciado que tem a finalidade de ameaçar
os promotores do caso Denarc. Com isso, ao efetivar seu ato de fala, ele convida o
sujeito destinatário (TUd) a acreditar em suas palavras. Entretanto, enquanto ser
empírico, o sujeito interpretante (TUi) pode ser levado a acreditar ou não nas
ameaças proferidas pelo sujeito enunciador. Se o sujeito interpretante acreditar, o
efeito perlocucionário do ato de fala de ameaça surtirá efeito, levando-o,
possivelmente a experienciar diferentes emoções.
Há ainda a possibilidade de essa ameaça provocar efeitos percolucionários
em indivíduos que leiam essa carta, mas que não correspondam ao sujeito
destinatário. Assim, diremos que haveria uma correspondência entre o sujeito
destinatário e o sujeito interpretante quando este for, de fato, o indivíduo ameaçado,
como os promotores mencionados na carta. No entanto, os policiais e demais
agentes da lei, bem como os jornalistas e os analistas do discurso que entraram em
contato com essa carta, posteriormente, também são tidos como sujeitos
interpretantes nos quais algum sentimento pode ter sido despertado ao lerem o
conteúdo violento da carta. Estes últimos, porém, são considerados como sujeitos
interpretantes que não correspondem ao destinatário, de fato, da carta. Em nossas
análises, mencionaremos emoções que podem ser experienciadas tanto pelo sujeito
que efetivamente sofreu as ameaças, quanto por indivíduos que porventura tenham
tido contato com a carta e, por isso, a distinção entre sujeito destinatário (TUd) e
sujeito interpretante (TUi) precisa ser bem delineada.
Ainda de acordo com Charaudeau (2005; 2008), esses diferentes sujeitos
participam da situação de comunicação, interagindo e procurando influenciar-se
mutuamente, o que dá origem ao princípio de influência e de alteridade que, juntos
ao princípio de regulação e de pertinência, orientam a troca comunicativa.
O princípio de influência diz respeito à finalidade do projeto de fala levado a
cabo pelo enunciador. Este procurará influenciar, em maior ou menor grau, seu
interlocutor. Mesmo um simples “bom dia” implica alguma intencionalidade, seja para
iniciar um diálogo, mostrar-se polido, seja para, simplesmente, desejar um bom dia
ao seu interlocutor. É por isso que, neste trabalho, tomamos a posição de que toda
prática comunicativa é detentora de uma dimensão argumentativa, assim como foi
proposto por Amossy (2007). Para essa teórica da argumentação:
29

Na medida em que a análise do discurso (AD) entende descrever o


funcionamento do discurso em situação, ela não pode evitar sua dimensão
argumentativa. Sem dúvida, o ato de tomar a palavra nem sempre se
destina a conduzir o público a aprovar uma tese. Da conversa cotidiana aos
textos literários, muitos são os discursos que não têm orientação
argumentativa. Entretanto, a fala que não tem a intenção de convencer
acaba por exercer alguma influência, orientando maneiras de ver e de
pensar (AMOSSY, 2007, p. 121-122).

Amossy, portanto, parece não concordar com a definição de argumentação


proposta por Perelman e Tyteca em sua Nova Retórica, visto que a argumentação,
para ela, não seria apenas levar o interlocutor a aceitar a tese proposta pelo sujeito
que argumenta, pois não há discurso sem argumentatividade. É importante salientar,
contudo, que, apesar de não nos filiarmos completamente ao ponto de vista teórico
de Perelman e Tyteca, entendemos que argumentar é justamente fazer uso de
estratégias, visando a influenciar o outro.
Amossy, entretanto, compartilha do ponto de vista teórico de Charaudeau,
partindo do pressuposto de que todo ato discursivo apresenta o princípio da
influência, ou seja, uma dimensão argumentativa. A autora diferencia os discursos
que apresentam a intenção de ser persuasivos – daí se fala em uma orientação
argumentativa – dos discursos que influenciam formas de ver o mundo, mesmo
quando o discurso não for explicitamente argumentativo – daí a noção de dimensão
argumentativa. De acordo com Amossy (2018):

Há, porém, discursos que não se apresentam como ações de persuasão e


nos quais a argumentação não aparece como resultado de uma intenção
declarada, muito menos de uma programação: ela não está nem aparente,
nem implícita e, às vezes, é até negada pelo locutor (como em um artigo de
informação, por exemplo). Foi com o objetivo de designar a orientação
involuntária ou subrepticiamente impressa no discurso, a fim de projetar
certa luz sobre aquilo de que ele trata, que escolhemos falar de dimensão
argumentativa (p. 273. Grifos no original).

Esse ponto de vista pode ser relacionado ao princípio da influência, sem


maiores problemas de natureza epistemológica.
A Teoria Semiolinguística do Discurso apresenta, ainda, o princípio de
pertinência, que diz respeito aos atos de linguagem que são apropriados, ou não, a
um dado contexto, e no princípio de regulação, através do qual os sentidos serão
constantemente co-construídos pelos sujeitos a partir de determinadas restrições
advindas do contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2005). Assim, entende-se
que o sujeito interpretante não é completamente passivo, mas, dotado de sua
30

própria individualidade, ele poderá refletir, protestar, discordar, concordar, enfim,


tomar diferentes atitudes diante do que foi apresentado pelo locutor.
É importante ressaltar que o princípio de alteridade preconiza que todo sujeito
é detentor de uma determinada identidade discursiva, que pode ser diferente da sua
identidade social, construindo-se em contraste com o outro. Sobre essa questão,
que tem importância imediata para nossa pesquisa, discorreremos de forma mais
aprofundada no próximo item.

2.1.1 A Identidade em uma problemática Semiolinguística

A questão identitária é analisada sob diferentes vieses nas ciências humanas


e sociais, sendo objeto de estudo na Sociologia, Antropologia, Psicologia,
Psicanálise, Estudos Culturais e na Linguística. Um dos pesquisadores que se
destacam nos estudos acerca da identidade é Stwart Hall, que trata da identidade na
pós-modernidade. Esse pesquisador preconiza que o sujeito pós-moderno é
detentor de variadas identidades que emergiram a partir de uma fragmentação
identitária. Para Hall (2006, p. 12), o sujeito pós-moderno é “conceptualizado como
não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente”, assumindo diferentes
identidades, por vezes contraditórias, a depender dos sistemas de significação e das
representações culturais que o rodeiam.
Nesse ponto, podemos relacionar a noção de identidade de Stwart Hall ao
princípio de alteridade da Teoria Semiolinguística, afinal, o próprio sociológo,
fazendo um paralelo com a noção de signo linguístico de Saussure, faz uma
analogia entre a identidade e a língua, afirmando que “[e]u sei quem ‘eu’ sou em
relação com ‘o outro’ (por exemplo, minha mãe) que eu não posso ser” (2006, p. 40-
41). Isto é, assim como ocorre com a relação entre os signos, é o reconhecimento do
que não sou que faz de mim aquilo que sou. Submergido a todo instante em várias
situações sociais, entretanto, o sujeito vê-se fragmentado em diversas identidades.
Desse modo, um mesmo indivíduo é detentor de uma identidade racial, outra social,
outra de gênero, outra profissional, outra familiar etc.
Assim como entendido nos Estudos Culturais, de acordo com a
Semiolinguística, nas relações interpessoais efetivadas através do discurso, para
que exista um “eu”, é necessário que exista um “tu”. Esse é um dos pressupostos
basilares das Teorias Enunciativas que surgiram a partir da noção de enunciação
31

proposta por Benveniste (1989). Para esse linguista, que foi um dos precursores da
chamada Virada Pragmática, desde que o indivíduo “[...] se declara locutor e assume
a língua, ele implica o outro diante de si, qualquer que seja o grau de presença que
ele atribua a esse outro. Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma
alocução, ela postula um alocutário” (BENVENISTE, 1989, p. 84).
No processo de enunciação, entram em jogo um EU, um AQUI e um AGORA
(ego, hic et nunc). Com isso, determinadas marcas formais da língua apenas
adquirem seu sentido completo a depender do contexto. É o caso dos chamados
dêiticos, itens lexicais como advérbios de tempo, de lugar, e pronomes como “eu” e
“tu”, que se revestem de significações diversas a depender de quem enuncia e para
quem enuncia. Os dêiticos são outro exemplo da diferença entre os sentidos de
língua e sentidos de discurso, já tratados no item anterior.
Assim, quanto à existência constante de um sujeito enunciador que dirige seu
discurso a um sujeito destinatário, Charaudeau adverte que:

Não há tomada de consciência da própria existência sem percepção da


existência de um outro que seja diferente. A percepção da diferença do
outro constitui, antes de mais nada, a prova da própria identidade. É o
princípio da alteridade. É essa diferença do outro que faz com que eu olhe
para mim mesmo, comparando-me a ele, procurando detectar os pontos de
semelhança e diferença; do contrário, como perceber os traços que me
seriam próprios? (CHARAUDEAU, 2015a, p. 18. Grifo no original).

A partir do princípio de alteridade (do latim, alter: outro), que, como vimos,
preconiza a existência de diferentes sujeitos que produzem seus próprios discursos
no interior de uma situação de comunicação, podemos falar em identidade.
Charaudeau (2009) explica que o sujeito se constroi a partir de sua identidade
discursiva, que é baseada em uma identidade social. Enquanto a identidade social
está atrelada ao sujeito comunicante, ser empírico, a identidade discursiva é
construída no discurso e a vislumbramos a partir dos enunciados proferidos pelo
sujeito enunciador. Quando falamos em identidades construídas no e pelo discurso,
falamos a respeito do ethos, a imagem criada a partir do que é dito e da forma como
se diz. Essa imagem identitária está intimamente ligada à legitimidade do sujeito que
enuncia e à credibilidade que poderá ser atribuída, ou não, ao seu enunciado.
Para um melhor entendimento, observemos a imagem a seguir:
32

Figura 03: Identidade social e discursiva em relação à situação de comunicação

A imagem esquematiza o processo de construção da identidade discursiva: o


ser empírico, sujeito que detém determinadas identidades sociais e situa-se no
espaço do fazer na situação de comunicação, projeta – ação representada pela seta
– uma imagem discursiva elaborada a partir de sua própria enunciação, esta, situada
no espaço do dizer.
A respeito da noção de ethos que, de acordo com Maingueneau (2008), foi
adaptada da retórica aristotélica, na qual essa noção designava algo como o caráter
(ήθος), mas só na década de oitenta passou a integrar os estudos em pragmática e
discurso, Charaudeau (2015 [2005]) explica que:

De fato, o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma
propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se
transveste o interlocutor a partir daquilo que diz. O ethos relaciona-se ao
cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele
que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê. Ora, para
construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se apoia ao mesmo
tempo nos dados preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do
locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem
(CHARAUDEAU, 2015 [2005], p. 115).

No âmbito da Teoria Semiolinguística do Discurso, as diferentes visões


clássicas a respeito do ethos são fundidas e adaptadas aos propósitos analíticos e
ontológicos dessa teoria. Assim, concordando com filósofos clássicos como Cícero,
dir-se-á que o ethos também é embasado nos conhecimentos tidos acerca da
pessoa do sujeito comunicante; por outro lado, concordando com Aristóteles,
33

também irá ser defendida a noção de que o ethos é a imagem construída no e pelo
discurso do sujeito enunciador, por vezes, não coincidindo com a realidade.
Maingueneau (2008) sistematiza essas possibilidades, distinguindo e
definindo terminologias como a de ethos efetivo, a imagem efetivamente produzida
pelo sujeito comunicante. O ethos efetivo consiste na interação – representada pelas
flechas duplas no esquema abaixo – entre o ethos pré-discursivo (como os outros o
veem antes do discurso), e o ethos discursivo (a imagem construída no momento da
enunciação). Esta última categoria ainda é subdivida em outras duas, vale saber, o
ethos dito, que corresponde a uma verbalização avaliativa acerca da imagem que o
enunciador quer fazer de si mesmo, e o ethos mostrado, a forma como ele se mostra
no discurso.
Para uma melhor compreensão, observemos a figura abaixo:

Figura 04: As instâncias do ethos (MAINGUENEAU, 2008, p. 19)

A imagem que se pretende construir, no entanto, é dependente do que


Maingueneau (2008) chama de estereótipos. Neste trabalho, relacionamos esse
conceito à noção de imaginários sociodiscursivos. Assim, para que um determinado
ethos de virtude seja compreendido dessa forma, é necessário que o sujeito
interpretante do discurso aceite essa imagem como a de alguém virtuoso. Caso
contrário, o ethos não é mantido, mas desconstruído.
Charaudeau (2015 [2005]), por sua vez, ao tratar do ethos no âmbito do
discurso político, nomeia algumas categorias que servirão de base para nossas
análises, no capítulo 4. Esse linguista apresenta o grupo dos ethé de credibilidade,
que levam os outros a julgar o sujeito comunicante como digno de crédito. Para isso,
34

o sujeito lança mão de estratégias linguístico-discursivas diversas, desde o tom de


voz, à escolha lexical, passando pela temática abordada, dentre outros aspectos,
como gestos e vestimentas, para construir para si o ethos de sério (objetivo,
autocontrole), de virtude (sincero, fiel, honesto...) e de competência (o sujeito detém
um saber-fazer).
Charaudeau (2015 [2005]) ainda disserta a respeito dos ethé de identificação
que, por sua vez, buscam levar o sujeito interpretante a se identificar, através da
captação, com o sujeito comunicante. Dentre esses, Charaudeau distingue o ethos
de potência (o sujeito apresenta o poder de executar algo), o ethos de caráter
(presença de espírito), o ethos de inteligência (o sujeito é dotado de um determinado
saber), o ethos de humanidade (dotado de sentimentos), o ethos de chefe (dotado
de um poder-fazer), e o ethos de solidariedade que, dentre outras particularidades,
serve para mostrar que o sujeito se preocupa com os demais membros do grupo
social.
Em Silva (2016), devido à natureza do corpus de pesquisa (golpes do falso
sequestro e golpes da recarga premiada), classificamos um outro tipo de ethos de
identificação relacionado ao ethos de humanidade, ao qual chamamos de ethos de
vítima. De acordo com Charaudeau (2015 [2005], p. 148), através do ethos de
humanidade, “o ‘ser humano’ é mensurado pela capacidade de demonstrar
sentimentos, compaixão para com aqueles que sofrem, mas o é também pela
capacidade de confessar suas fraquezas [...]”. Assim, a partir da construção de uma
imagem de indivíduo fragilizado, violentado, o sujeito procura garantir a captação de
seu interlocutor. Por vezes, essa imagem discursiva também foi encontrada no
corpus da presente pesquisa, como em uma carta na qual o sujeito que ameaça se
posiciona como um marido traído, cujos sentimentos e atitudes da esposa não foram
recíprocos, o que o levou a efetuar a ameaça:

(3) Qui esposa é você. Eu inexisto neste mundo. Você não mim ver mais.

Além disso, nesta pesquisa, novamente devido à natureza do corpus, somos


levados a apresentar outro tipo de ethos de credibilidade, não apresentado por
Charaudeau (2015 [2005]), ao qual chamamos de ethos de desvirtude. Ao contrário
do ethos de virtude, a construção do ethos de desvirtude se baseia em
características tidas como maléficas, temidas, não desejáveis pelos membros de
35

uma determinada comunidade sociodiscursiva. Assim, quando o sujeito comunicante


produz enunciados como os que seguem abaixo, ele projeta uma imagem de si
mesmo condizente com o que é considerado como uma desvirtude em nossa
comunidade de fala:

(4) É assim em todo lugar. A gente mata.


(5) [...] pois somos o crime e estamos preparado para o problema.
(6) Asina. O crime.

Nos enunciados acima, todos produzidos por sujeitos que se identificam


discursivamente como criminosos, encontramos o ethos de desvirtude, cuja
construção se deu a partir dos índices linguísticos destacados. É importante salientar
que essa construção do ethos de desvirtude é intencional e condizente com as
finalidades da situação de comunicação, ou seja, visando a construir para si a
imagem de um criminoso cruel, capaz de cumprir as ameaças efetuadas, os sujeitos
se valem do ethos de desvirtude. Já que essa estratégia procura levar o interlocutor
a acreditar em suas palavras, afinal, é um criminoso que ameaça, essa imagem
discursiva consiste em um tipo de ethos de credibilidade e favorece a construção e
manutenção de ethé como o de potência (poder-fazer) e de competência (saber-
fazer).
Em outras ocasiões, no entanto, o sujeito comunicante pode procurar
construir para si a imagem de um indivíduo virtuoso, mas desconstruir essa imagem
através de seu próprio discurso. Essa desconstrução do ethos acontece, por
exemplo, quando o sujeito efetua uma ameaça de morte, apesar de afirmar que é
um “cidadão de bem”, como ocorre no enunciado abaixo, retirado de uma carta de
ameaça enunciada por um sujeito que não se posiciona como criminoso:

(7) eu até gosto de bicho, mas vou matar esses filhos da puta
envenenados.

Notamos, no excerto acima, que o enunciador faz uso do operador


argumentativo “até” para dar ênfase ao fato de ser um amante dos animais. Devido à
perturbação constante, entretanto, ele ameaça envenenar os cães do sujeito
destinatário da carta. O operador argumentativo “mas”, com valor de restrição,
36

orienta a argumentação para a conclusão de que os cães estão correndo risco,


mesmo que o enunciador goste de animais. Em uma escala argumentativa (KOCH,
2015 [1993]), o argumento relativo à morte dos cães é mais forte que o argumento
que antecede o operador argumentativo. Sobre a orientação argumentativa efetivada
a partir dos operadores, falaremos mais detidamente no item 2.3.1.
Dessa forma, no exemplo acima, vemos primeiramente a construção de um
ethos de virtude – amante de animais –, que foi desconstruído logo no argumento
seguinte, já que o enunciador se posiciona como um possível assassino. Vale saber,
no primeiro argumento, a expressão “até gosto de bicho”, com valor modal, serve
para preservar a face do sujeito, já que não gostar de animais é tido normalmente
como uma atitude negativa em nossa comunidade sociodiscursiva.
De acordo com Goffman (1974, p. 09. Tradução nossa):

O termo face pode ser definido como o valor social positivo que uma pessoa
realmente reivindica através da linha de ação que os outros assumem que
ela adotou durante um determinado contato. A face é uma imagem de mim
mesmo delineada de acordo com certos atributos sociais aprovados e
compartilháveis, pois, por exemplo, pode-se dar uma boa imagem da sua
profissão ou da sua confissão, dando uma boa imagem de si mesmo2.

Preservar a face, portanto, diz respeito à tentativa dos sujeitos de fazer com
que sua imagem, sua face, seja compatível com os valores sociais aceitos em uma
dada comunidade. Portanto, podemos relacionar a preservação da face à
construção e manutenção de determinados ethé de virtude, já que esses também
são ancorados em certos valores sociais. Entretanto, ao realizar a ameaça, o sujeito
desconstroi esse ethos de virtude e, no processo, perde sua face, nas palavras de
Goffman (1974).
Assim, defendemos que, enquanto o primeiro tipo de construção – ethos de
virtude – é baseado justamente no que é tido como características virtuosas em
nossa comunidade sociodiscursiva, esse segundo tipo – ethos de desvirtude –
baseia-se sobre diferentes pontos de vista axiológicos com valor negativo acerca de
determinada parcela da realidade. Em alguns casos, podemos encontrar mesmo
paradoxos relacionados aos valores éticos, como o exemplo do “cidadão de bem”

2
“On peut définir le terme de face comme étant la valeur sociale positive qu'une personne revendique
effectivement à travers la ligne d'action que les autres supposent qu'elle a adoptée au cours d'un
contact particulier. La face est une image du moi délinée selon certains attributs sociaux approuvés, et
néanmoins partageable, puisque, par exemple, on peut donner une bonne image de sa profession ou
de sa confession en donnant une bonne image de soi” (GOFFMAN, 1974, p. 09).
37

que efetua uma ameaça de morte contra migrantes baianos ou os “servos de deus”
que ameaçam toda a comunidade LGBTI+ da cidade de Betim (MG). Essas duas
cartas serão analisadas de forma pormenorizada no capítulo 4.
No que se refere aos índices linguísticos que auxiliam a construção desse
ethos de desvirtude, destacamos aqueles que fazem referência ao sujeito
enunciador enquanto um encarcerado, um presidiário, como em “estou preso” ou “os
presos como um todo”, conforme pode ser visto no quadro 01, logo abaixo. Não
queremos, de forma alguma, dizer que todas as pessoas em situação de restrição de
liberdade são criminosas, afinal, muitos se afirmam inocentes. Em nosso corpus, no
entanto, o que emergiu foram enunciados de sujeitos que fizeram uso de sua
condição de encarcerado, valendo-se dos imaginários sociodiscursivos acerca da
prisão e do crime, para garantir sua legitimidade.
Como pode ser notado, é o sujeito enquanto ser de fala, dotado de
identidades diversas que são postas como máscaras na mise en scène discursiva,
que levamos em conta na separação do nosso corpus de estudo em dois grupos
distintos: de um lado, agrupamos vinte e cinco cartas escritas por sujeitos que se
identificam discursivamente como criminosos; e, de outro, vinte e cinco cartas
escritas por sujeitos que se apresentam como detentores de identidades diversas,
mas que não fossem atreladas ao campo semântico do crime, tais como “vizinho”,
“marido traído”, “trabalhador honesto” etc.
No quadro abaixo, elencamos os índices linguísticos encontrados que
auxiliam na construção e manutenção de determinados ethé que emergiram das
cartas que compõem o nosso corpus:

Identidade de não-criminoso Identidade de criminoso

Virtude “Um justiceiro”; Desvirtude “Estou preso”;


“Quem elimina um tipo Encarcerado;
ordinário como você, não “os presos como um todo”;
comete crime”; “ladrão”;
Moradores; “o crime do estado do
morador revoltado; Ceará”;
“Iremos lutar pela vida”; “vou matar esses filhos da
Pessoas de bem; puta envenenados”;
Marido “Asina: o crime”;
“Povo ordeiro”; “a gente mata”.
justiceiros;
“trabalhadores honestos”;
“honrados”;
cidadãos;
servos de Deus;
38

gente que trabalha;


cristão;
“Vizinho puto insatisfeito”;
Vizinho;
“moradores locais”
Potência amigos de policiais; Potência Membro do PCC;
Membro da inteligência da Membro de partido
PM. criminoso;
“aliado ao PCC”;
“o crime”
“salve geral”
“somos o poder”
“somos o crime”
“somos facção”
“somos o Comando
Vermelho”;
“sindicato do crime do Rio
Grande do Norte”;
“nossos salves”;
“SDCRN”
“Guardiões do Estado”
“GDE”
“vou mandar metralhar”.
Competência “Comissão silêncio no Competência “frente da quebrada”
Saguaçu”; “frente do sistema
“1º aluno do colégio militar”; prisional”;
“iremos fazer acontecer da
forma que nois sabe fazer,
paralisando o nordeste e
fazendo rebeliões em
todas as cadeias”.

Vítima marido traído; Vítima –


marido prejudicado;
Quadro 01: Índices linguísticos na construção de ethé discursivos

Podemos observar que, das cartas escritas pelos sujeitos que não se
posicionam como criminosos em seu discurso, emergem identidades discursivas
diversas, remetendo a diferentes ethé. Temos, por exemplo, adjetivos e locuções
adjetivas que auxiliam na construção do ethos de virtude, como “justiceiro”,
“trabalhadores honestos”, “servos de Deus” e “gente que trabalha”. Além desse
ethos de virtude, observamos também itens lexicais e sintagmáticos que auxiliam a
construção e manutenção do ethos de potência (amigos de policiais; membro da
inteligência da PM); ethos de competência (1º aluno do colégio militar); e do ethos
de vítima (marido traído; marido prejudicado).
Ao que parece, esses sujeitos buscam tais identidades para se distanciar da
identidade de criminoso. Assim, ao se afirmarem na condição de maridos, vizinhos,
trabalhadores ou cristãos, procuram se legitimar como tais e afirmar que, se
ameaçam, não é por serem criminosos, mas por estarem cansados, revoltados, por
39

buscarem a redenção, dentre outros motivos. Nesse processo, esses sujeitos


buscam preservar sua face, pois, ao produzirem um discurso passível de
criminalização, estariam se posicionando como criminosos. Ao enunciarem as
identidades que atribuem a si mesmos, no entanto, esses indivíduos se defendem
das possíveis acusações sociais que poderiam recair sobre eles.
É necessário, agora, que se esclareça o que entendemos como imaginários
sociodiscursivos, noção já mencionada anteriormente. De acordo com Charaudeau
(2016a), determinados ethé são compreendidos como tais apenas se os
interlocutores compartilharem alguns conhecimentos em comum. Assim, para que o
ethos de potência seja eficaz, é necessário que o interlocutor entenda aquela
imagem como pertencente a alguém que domina um determinado poder. Afinal:

Querer agir sobre o outro não pode limitar-se a uma simples intenção. É
preciso ter a segurança de que o outro obedecerá, se submeterá, fará o que
lhe dizem para fazer. Para dominar o outro, então, são necessários meios
para fazê-lo. O conjunto dos meios e sua força representam uma potência.
A potência é medida pela capacidade de poder fazer, que pode ser mais ou
menos forte [...]. Essa capacidade de poder fazer depende dos recursos
disponíveis àquele que quer agir; por exemplo, a possibilidade de fazer uso
de uma sanção (CHARAUDEAU, 2016a, p. 17).

Em nosso corpus, na medida em que os sujeitos não apresentam o status


adequado para dar uma ordem, precisam levar o sujeito interpretante a acreditar
que, se age, é para seu próprio bem. Entra em jogo, portanto, a estratégia discursiva
da captação, por meio da qual o enunciador procurará persuadir o interlocutor
através de uma visada patemizante, levando-o a experienciar determinadas
emoções. Na ameaça, como veremos, o sujeito enunciador elenca uma sanção
negativa, uma punição que poderá acometer seu interlocutor.
Assim como a construção e a manutenção de ethé são dependentes dos
imaginários sociodiscursivos, a patemização também somente será eficaz se houver,
entre os interlocutores, esses mesmos imaginários compartilhados. Acerca da noção
de imaginários sociodiscursivos, Charaudeau explica que:

À medida que esses saberes, enquanto representações sociais, constroem


o real como universo de significação, segundo o princípio de coerência,
falaremos de “imaginários”. E tendo em vista que estes são identificados por
enunciados linguageiros produzidos de diferentes formas, mas
semanticamente reagrupáveis, nós os chamaremos de “imaginários
discursivos”. Enfim, considerando que circulam no interior de um grupo
social, instituindo-se em normas de referência por seus membros, falaremos
40

de “imaginários sociodiscursivos” (CHARAUDEAU, 2015 [2005], p. 203).

Charaudeau (2015 [2005]) ainda distingue entre os saberes de crença,


aqueles não legitimados por alguma área científica, como as crendices populares e a
própria fé, dos saberes de conhecimento, como os saberes científicos legitimados
por alguma área do conhecimento. Desse modo, os diferentes tipos de saber
dependerão da forma como o olhar do homem se estrutura, seja voltado para o
mundo (saberes de conhecimento), seja voltado para si mesmo (saberes de crença).
Nas palavras do próprio Charaudeau, “os saberes de conhecimento são
aqueles que procedem de uma representação racionalizada da existência dos seres
e dos fenômenos sensíveis do mundo” (CHARAUDEAU, 2018 [2005], p. 43). Por sua
vez, os saberes de crença “são os saberes que resultam da atividade humana
quando esta se aplica a comentar o mundo, isto é, a fazer com que o mundo não
mais exista por si mesmo, mas sim através do olhar subjetivo que o sujeito lança
sobre ele” (CHARAUDEAU, 2018 [2005], p. 45). Conforme assevera o autor,
entretanto, os saberes de conhecimento, embora legitimados pela ciência, pela
filosofia e por outras formas de se obter uma visão estruturada do mundo, também
passam pelo crivo da subjetividade, afinal, a prática da linguagem é inerentemente
subjetiva.
No capítulo 4, veremos como os saberes de conhecimento e de crença que
veiculam determinados imaginários sociodiscursivos embasam o projeto
argumentativo das cartas de ameaça, favorecendo a construção de determinados
ethé discursivos, bem como auxiliando no processo de patemização.

2.1.2 O Contrato de Comunicação

Para que a interação seja bem-sucedida, é necessário que os sujeitos que


dela participam compartilhem determinados conhecimentos acerca de como
comportar-se discursivamente em determinadas situações de comunicação. O
contrato de comunicação, portanto, diz respeito às regras às quais os sujeitos devem
seguir para que as finalidades de sua interação sejam atingidas. Essas regras
acabam por tornar determinados usos linguístico-discursivos padronizados, dando
origem aos diferentes gêneros do discurso. Assim, conforme explica Charaudeau
(2014, p. 132):
41

Do ponto de vista do sujeito interpretante, [o contrato de comunicação] é o


que permite compreender, em parte, um ato de comunicação sem que se
conheçam todos os detalhes: diante de um cartaz publicitário, compreende-
se parte do que está em jogo mesmo antes que se saiba de qual
publicidade se trata. Da mesma maneira, a teoria do contrato remete a uma
teoria do gênero, pois pode-se dizer que o conjunto de coerções trazido
pelo contrato é o que define um gênero de discurso.

O contrato de comunicação, portanto, diz respeito a determinadas regras


impostas aos sujeitos que participam de uma situação de comunicação. Por
exemplo, em uma consulta médica, é necessário que se faça uma espécie de
entrevista, por parte do médico, para que um diagnóstico possa ser realizado. O
nível de formalidade utilizado, no entanto, poderá variar a depender das relações
interpessoais existentes entre médico e paciente.
É importante ressaltar, entretanto, que, além do espaço de restrições, repleto
de regras que devem ser seguidas, existe também o espaço de manobra, por meio
do qual o sujeito lançará mão de estratégias discursivas ligadas à legitimidade,
credibilidade e captação, visando a atingir seus objetivos comunicativos. Assim,
voltando ao exemplo da consulta médica, caso o paciente estivesse muito
preocupado, o médico poderia fazer algum comentário de teor humorístico, visando
a tornar a situação de comunicação menos séria, captando a atenção de seu
paciente e instaurando uma boa interação, fator essencial para que o objetivo da
consulta médica, o diagnóstico, seja atingido.
Assim, o sujeito enunciador vale-se de diferentes estratégias, visando a atingir
seus objetivos comunicacionais. Acerca da noção de estratégia, Charaudeau afirma:

A noção de estratégia repousa na hipótese de que o sujeito comunicante


(EUc) concebe, organiza e encena suas intenções de forma a produzir
determinados efeitos – de persuasão ou de sedução – sobre o sujeito
interpretante (TUi), para levá-lo a se identificar – de modo consciente ou
não – com o sujeito destinatário ideal (TUd) construído por EUc.
(CHARAUDEAU, 2008, p. 56).

A estratégia da legitimidade diz respeito ao seu “direito à palavra”, quem sou


eu para proferir esse discurso. Encontra-se, portanto, estritamente relacionada à
identidade projetada pelo sujeito em seu discurso, relacionando-se à problemática
do ethos. A estratégia da credibilidade diz respeito à forma como o sujeito organiza
seu discurso de modo a torná-lo mais credível. Entram em cena certas formas de
42

dizer que se relacionam ao logos, ao discurso propriamente dito, já que o enunciador


procura fazer demonstrações e raciocínios. No percurso, entretanto, ele acaba por
construir para si determinados ethé de seriedade, o que acaba por mesclar as
instâncias do logos e do ethos (CHARAUDEAU, 2010b).
Por fim, a estratégia discursiva que mais interessa a esta pesquisa é a
relacionada à captação. Através de estratégias de captação, o sujeito enunciador
procura captar, tocar, convencer ou persuadir o sujeito destinatário. Entra em jogo a
problemática do pathos e se faz uso de estratégias patêmicas, ou patemizantes,
aquelas que apresentam a capacidade de levar o interlocutor a experienciar
determinadas emoções.
Através dessas estratégias, o EUe poderá se posicionar no espaço de
manobra do contrato de comunicação, procurando atingir seus objetivos. Se há um
objetivo, um alvo, faz-se necessário o uso das melhores estratégias para atingi-lo,
em uma pertinente aproximação analógica ao campo semântico da guerra.
Conforme Charaudeau (2010b), tais estratégias sempre estão relacionadas à
interação entre o EUe e o TUd, já que:

Perante o outro, o sujeito se confronta com a questão da validade da troca


comunicacional em função de suas restrições. Propomos considerar que o
sujeito age tentando responder a três tipos de questão: (1) o outro percebe
o que me autoriza a falar (o que me legitima)? Se ele não o faz, devo tentar
parecer legítimo aos seus olhos; (2) o outro crê em mim? Se ele não o faz,
devo tentar parecer crível; (3) o outro aceita entrar em relação comigo e
está pronto a aderir ao meu universo de discurso? Se ele não o faz, devo
tentar parecer amável com respeito ao seu lugar, para persuadi-lo e
comovê-lo. Dito de outro modo, o sujeito, para se individuar, deve constituir
estratégias de legitimação, de credibilidade e de captação por meio de uma
determinada constituição discursiva (CHARAUDEAU, 2010b, p. 10).

No presente trabalho, portanto, interessa-nos mais particularmente a


estratégia de captação, à qual estão relacionadas diversas estratégias de
patemização. Antes de nos aprofundarmos na questão da patemização, no entanto,
faz-se necessário esclarecer outra noção basilar para a Semiolinguística do
Discurso: os Modos de Organização do Discurso. Afinal, como havíamos
mencionado anteriormente, no processo de semiotização do mundo, os sujeitos,
além de codificarem o mundo real em forma de linguagem, organizam esse material
linguístico de diferentes maneiras a depender da natureza e da finalidade de seu
projeto de fala. Sobre isso, iremos nos ater mais profundamente no tópico a seguir.
43

2.1.3 Os Modos de Organização do Discurso

Em sua Grammaire du Sens et de l’Expression (1992) e, posteriormente, no


livro Linguagem e Discurso: modos de organização (2008), adaptado por
pesquisadores do CIAD-Rio (UFRJ) e pelo NAD (UFMG), Charaudeau postula a
existência de quatro Modos de os discursos se organizarem, a depender da
finalidade do projeto de fala do enunciador. Esses Modos seriam o enunciativo,
através do qual o sujeito se posiciona e posiciona os outros no discurso; o descritivo,
pelo qual é possível descrever, localizar, situar as coisas no/do mundo; o narrativo,
que nos permite apresentar uma sucessão de acontecimentos; e o argumentativo,
que nos fornece os meios de construir argumentos para comprovar ou refutar
determinadas asserções feitas sobre a realidade, sobre o mundo.
Assim, se o sujeito comunicante pretende descrever estaticamente algo real
ou imaginado, atribuindo-lhe qualificações diversas, organiza o material linguístico
seguindo os princípios do Modo Descritivo; se pretende se referir a uma série de
ações transcorridas e vivenciadas por diferentes seres, também podendo ser reais
ou imaginários, o sujeito deve recorrer ao Modo de Organização Narrativo do
Discurso; por fim, se pretende influenciar, em maior ou menor grau, um destinatário,
convencendo-o ou persuadindo-o, o sujeito lançará mão do Modo Argumentativo.
Quanto ao Modo Enunciativo, é importante observar que Charaudeau (2008)
chama a atenção para o fato de esse modo de organização influenciar na mise en
scène dos demais, já que ele diz respeito à posição tomada pelo enunciador a
respeito de seu projeto de fala. Se o locutor se insere no enunciado, assim como
acontece no exemplo a seguir, retirado do nosso corpus, falamos na modalidade
elocutiva. A partir do uso de pronomes de primeira pessoa, como o “nós”, deixado
em negrito, de locuções pronominais, ou de verbos em concordância com pronomes
de primeira pessoa, observamos a inserção do EU no discurso:

(8) Seu sobrinho está na lista e nós vamos matá-lo.

Quando o locutor insere o destinatário no enunciado, condição sine qua non


para que um texto seja considerado uma carta, falamos na modalidade alocutiva.
Essa inserção do TU pode ser feita através de pronomes, antropônimos, alcunhas
44

ou palavras de calão3 que funcionam como vocativo. No exemplo abaixo, retirado do


nosso corpus, observamos a utilização de um pronome de tratamento, “você”, e um
pronome possessivo, “sua”:

(9) A cada dia você tira uma pá de terra da sua cova.

Por fim, ao tratar sobre aspectos do mundo e ao se referir a terceiros, não se


inserindo diretamente nem inserindo o destinatário no enunciado, temos a
modalidade delocutiva, muito comum, por exemplo, no discurso científico. No
exemplo abaixo, o sujeito enunciador discorre acerca de alguns professores e
alunos de uma universidade, fazendo uso de uma ameaça velada:

(10) Segue alguns nomes que podem descer na enchente do rio:

É necessário ressaltar, contudo, que a inserção do enunciador no enunciado


é perceptível, também, através de diversos modalizadores e expressões axiológicas.
Por exemplo, quando o sujeito faz uso de verbos modais (dever, poder), operadores
argumentativos, advérbios e adjetivos, ele projeta sua opinião, seu ponto de vista
acerca daquilo que é dito. Essas escolhas linguísticas que permitem entrever o
posicionamento do enunciador, “a atitude subjetiva do locutor em face de seu
enunciado” (KOCH, 2015 [1993], p. 53), serão mais bem detalhadas quando
discorrermos acerca da estratégia patêmica expressões modalizadoras, descrita por
Gouvêa (2017).
Dito isso, portanto, seria inapropriado supor, em um trabalho de Análise do
Discurso, a existência de um discurso isento de marcas de subjetividade. No
entanto, quando Charaudeau (2008) se refere à modalidade elocutiva, ele procura
tratar das marcas explícitas do sujeito através de índices linguísticos.
Assim, a análise da forma como o discurso é organizado em prol das
diferentes finalidades do ato comunicativo é uma das tarefas fundamentais do
analista do discurso que se orienta pela Semiolinguística. Além desse tipo de
análise, Pauliukonis e Gouvêa (2012) apresentam outras características e objetivos

3
Chamamos “palavras de calão” àqueles vocábulos tidos como de “mau gosto” em nossa sociedade
sociodiscursiva, palavras que denotam um uso linguístico violento e capaz de ofender, gerando mal-
estar, como os palavrões e impropérios. Fonte: Dicionário Aurélio online. Disponível em
<https://www.dicio.com.br/calao/>. Acesso em 05 jan. 2019.
45

basilares da TSD, a saber:

1. analisar corpora de textos escritos institucionalizados (daí o menor


interesse pela análise da conversação, que é a área maior de interesse dos
estudos interativos conversacionais);
2. dar relevo ao intertexto e ao interdiscurso – todo texto é perpassado por
outros textos/discursos;
3. enfatizar o dialogismo, em uma relação privilegiada com as teorias da
enunciação;
4. interessar-se não só pela função discursiva, como principalmente por
visões discursivas de unidades da Língua. O maior interesse dos
pesquisadores está em fatores linguístico-discursivos;
5. fazer reflexões sobre como se dá a inserção dos sujeitos no discurso,
com ênfase no estudo das modalidades da enunciação, os tipos de texto, os
gêneros e os modos de organização do discurso (PAULIUKONIS; GOUVÊA,
2012, p. 55).

Podemos observar, portanto, que a abordagem semiolinguística é bastante


abrangente, preocupando-se com o estudo das relações interdiscursivas
perpassadas por questões de natureza histórica, social, psicológica e cultural, mas
partindo, sempre, do material linguístico fornecido pelo corpus.
No presente estudo, analisamos nosso corpus tomando por base grande
parte dos postulados sobre os quais discorremos até aqui, mas nos apoiando,
sobretudo, nas categorias analíticas do Modo de Organização Argumentativo do
Discurso. Assim, os argumentos utilizados nos discursos que compõem o nosso
objeto de análise serão estudados a partir do que Charaudeau (2008) apresenta
acerca desse Modo de Organização do Discurso.
De acordo com Charaudeau (2008), para que haja argumentação é
necessário que exista um sujeito argumentante que defenderá uma tese edificada
sobre uma determinada proposta acerca do mundo. É necessário também que haja
um sujeito alvo, para quem será dirigida a argumentação, e que pode aceitar ou
refutar a tese levantada pelo sujeito argumentante. Assim, temos três elementos
necessários à argumentação: uma proposta sobre o mundo que seja capaz de
despertar um questionamento quanto à sua legitimidade – ou seja, deve ser
polêmica, ser passível de refutação; um sujeito que se posicione em relação a esse
questionamento e desenvolva um raciocínio, visando a estabelecer uma tese acerca
dessa proposta; e um sujeito alvo da argumentação.
Para uma melhor visualização, observemos o esquema a seguir:
46

Figura 05: Condições da argumentação (CHARAUDEAU, 2016, p. 16. Tradução nossa)

Além disso, Charaudeau (2008) ainda distingue três componentes básicos da


lógica argumentativa: a asserção de partida (um dado, uma premissa), a asserção
de chegada (conclusão) e a asserção de passagem (as inferências que embasam a
argumentação).
Não é apenas desses componentes da lógica argumentativa, no entanto, que
é constituída a argumentação, visto que o sujeito argumentante se situa no interior
de uma situação de comunicação à qual está ligado um contrato de comunicação
que deve favorecer a abordagem argumentativa. Desse modo, de acordo com
Charaudeau, falamos em uma razão demonstrativa e em uma razão persuasiva, já
que “toda asserção pode ser argumentativa desde que se inscreva num dispositivo
argumentativo” (CHARAUDEAU, 2008, p. 221. Grifos no original).
Assim, para Charaudeau (2016), é a partir das instruções discursivas
fornecidas pela situação de comunicação que o sujeito poderá racionalizar em prol
de uma determinada questão, posicionando-se e, por fim, apresentando seus
argumentos. O sujeito, no cerne do processo, utiliza-se das informações fornecidas
pela situação de comunicação e organiza o processo de racionalização
argumentativa, a partir do qual tentará influenciar seu interlocutor.
Faz-se necessário ressaltar, contudo, que, apesar de Charaudeau (2016)
utilizar o termo “racionalização argumentativa”, o próprio linguista (CHARAUDEAU,
2010) ensina que o processo de argumentação leva em consideração determinadas
47

estratégias de captação relacionadas à patemização, à capacidade de o sujeito


comunicante produzir discursos passíveis de despertar emoções no interlocutor.
Desta feita, apesar de toda a tradição retórica que preservou a ideia contrária,
nesta pesquisa, filiamo-nos aos trabalhos que defendem a possibilidade de se
argumentar através das emoções. O processo argumentativo, portanto, também
pode ocorrer através do apelo emocional, não estando apoiado, apenas, sobre o
raciocínio lógico. Discutiremos esse tópico no próximo item.

2.2 DIFERENTES ABORDAGENS TEÓRICAS ACERCA DAS EMOÇÕES

2.2.1 Algumas visões filosóficas

O interesse em estudar e compreender o funcionamento das emoções advém


de uma longa tradição, visto que o que consideramos “emoção” é encontrado não
apenas na espécie humana, mas em muitos outros animais. O tratamento científico
dos fenômenos psicológicos e biológicos que conduzem e são conduzidos pelas
emoções, entretanto, surgiu apenas recentemente, dadas as dificuldades
epistemológicas e metodológicas desse empreendimento. Devido a isso, durante
séculos, foi a Filosofia a disciplina que se debruçou sobre a compreensão desse
fenômeno tão complexo.
Já em Aristóteles, no livro II da Retórica, encontramos algumas explicações
acerca das emoções. Para esse filósofo grego, “[a]s emoções são as causas que
fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos seus juízos, na medida
em que elas comportam dor e prazer: tais são a ira, a compaixão, o medo e outras
semelhantes, assim como as suas contrárias” (ARISTÓTELES, 2005, p. 160).
É necessário ressaltar, contudo, que Aristóteles não apresenta uma definição
filosófica para “emoção”. Em seu livro, Retórica, ele procura demonstrar que as três
provas retóricas – vale saber, o logos, o pathos e o ethos – são elementos cruciais
para a arte de argumentar. Ao lado dos argumentos que se fundamentam sobre
premissas lógicas, estariam as emoções que o orador poderia despertar no juiz para,
assim, vencer uma peleja judicial. Conforme explica Aristóteles, “persuade-se pela
disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir emoção por meio do
discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria,
48

amor ou ódio” (ARISTÓTELES, 2005, p. 97).


Apesar de não teorizar acerca do fenômeno “emoção”, Aristóteles apresenta
uma descrição detalhada de algumas paixões, a saber: a ira; a calma; a amizade e a
inimizade; o temor e a confiança; a vergonha e a desvergonha; a amabilidade; a
piedade; a indignação; a inveja e a emulação.
Sobre o temor, o medo, principal emoção possivelmente despertada pelas
ameaças encontradas em nosso corpus, o filósofo afirma:

Vamos admitir que o medo consista numa situação aflitiva ou numa


perturbação causada pela representação de um mal iminente, ruinoso ou
penoso. Nem tudo o que é mal se receia, como, por exemplo, ser injusto ou
indolente, mas só os males que podem causar mágoas profundas ou
destruições; isto só no caso de eles surgirem não muito longínquos, mas
próximos e prestes a acontecer; os males demasiado distantes não nos
metem medo (ARISTÓTELES, 2005, p. 174).

Assim, caso o orador ache vantajoso levar seu ouvinte a sentir medo,
segundo Aristóteles, ele deve adverti-lo de que algo de mal poderá lhe acometer.
Justamente pelo fato de as emoções levarem à alteração do juízo, os
argumentos embasados em sentimentos foram tidos como falácias argumentativas
desde o período clássico, passando por toda a Idade Média e desembocando no
racionalismo de René Descartes, na Renascença. Esse raciocínio foi ainda mais
incentivado a partir do Positivismo que, sob influência cartesiana, preconizava o
método científico e a lógica como reveladores da verdade científica.
O Método Cartesiano, que influencia a filosofia e a ciência ocidental desde a
Renascença, apregoava a separação entre alma e corpo – espírito e matéria –,
aquela sendo dotada de razão, a mente, e este sendo o lugar dos sentimentos e do
que Descartes chamou de “apetites”. Conforme explana esse filósofo:

Eu descrevera, depois disso, a alma racional, e mostrara que ela não pode
ser de modo algum tirada do poder da matéria, como as outras coisas de
que falara, mas que deve expressamente ter sido, e como não basta que
esteja alojada no corpo humano, assim como um piloto em seu navio,
exceto talvez para mover seus membros, mas que é preciso que esteja
junta e unida estreitamente com ele para ter, além disso, sentimentos e
apetites semelhantes aos nossos, e assim compor um verdadeiro homem
(DESCARTES, 1973, p. 61-62).

Ao contrário da matéria, mundana, a alma estaria relacionada ao universo


divino, já que Descartes era cristão e conduzia sua filosofia por esse viés. Essa
49

explicação, que atribuía à razão (relacionada à mente – res cogitans) um lugar


privilegiado em relação aos sentimentos (relacionados ao corpo – res extensa), fez
com que a filosofia e a ciência desmerecessem as emoções humanas.
De fato, mesmo a medicina não levava em conta a união entre a mente e o
cérebro, o que, segundo Damásio (2012 [1994]), fez com que houvesse um atraso
de séculos nos estudos científicos relativos às emoções, conforme veremos adiante.
Assim, de acordo com Lima:

A separação abissal entre corpo e mente efetuada por Descartes contribuiu


profundamente, conforme já exposto, com essa visão acerca das emoções.
A partir da cisão desencadeada por ele, a mente poderia ser
exaustivamente estudada e explicada, enquanto o resto do organismo e o
meio físico ficaram completamente em segundo plano. Se as paixões
seriam signo de doença, somente se elas fossem alijadas a mente estaria
em perfeita saúde (LIMA, 2006, p. 127).

A ideia de que as emoções encontrar-se-iam em um patamar inferior ao uso


da razão é respaldada pelo senso comum. Por vezes, podemos encontrar
enunciados como “deixar-se levar pelas emoções”, “seguir seu coração”, e outras
expressões similares, como sinônimos de um pensamento pouco lógico, mais
intuitivo e primitivo. Nesse viés, Lima complementa, afirmando que:

[...] no domínio do senso comum, as emoções sempre estiveram


relacionadas à idéia de fraqueza, à incapacidade de domínio de si em
determinadas situações e, mais ainda, no que se refere à cultura brasileira,
esteve sempre relacionada a uma certa “feminilização” do sujeito. Isto
porque como as mulheres representariam, de acordo com algumas
correntes filosóficas e para nossa sociedade conservadora, seres humanos
menores e por isso mesmo mais susceptíveis a “ações irracionais”, elas
seriam o lado humano ideal para a manifestação de toda espécie de
emoções (LIMA, 2006, p. 126).

Conforme podemos observar, o estudo das emoções foi prejudicado por um


pensamento dicotômico que relacionava os sentimentos ao primitivo, ao irracional.
Essas concepções, apesar de reinarem absolutas por séculos, começaram a
declinar a partir do século XX, principalmente a partir da Psicanálise de Freud. Mais
recentemente, com os avanços em técnicas de pesquisas neurobiológicas e
psicológicas, observamos uma maior compreensão acerca dos fenômenos
relacionados à emoção, o que também influenciou, e continua influenciando, os
estudos linguístico-discursivos, como veremos adiante.
50

2.2.2 Algumas visões neurobiológicas

Conforme vimos na seção anterior, durante séculos, o estudo das emoções


foi rechaçado pela filosofia e pela ciência ocidental devido à forte influência do
método cartesiano. Não é de se estranhar, portanto, que um dos livros basilares
para os novos ramos dos estudos científicos das emoções se intitule “O erro de
Descartes”. Nele, Damásio (2012 [1994]), neurocientista e professor de medicina,
explica-nos que aquilo a que chamamos de emoção configura-se em um complexo
sistema de ações neurobiológicas relacionadas, também, ao meio social. Em sua
concepção, as emoções seriam explicadas da seguinte maneira:

Vejo a essência da emoção como a coleção de mudanças no estado do


corpo que são induzidas numa infinidade de órgãos por meio das
terminações das células nervosas sob o controle de um sistema cerebral
dedicado, o qual responde ao conteúdo dos pensamentos relativos a uma
determinada entidade ou acontecimento. Muitas das alterações do estado
do corpo – na cor da pele, postura corporal e expressão facial, por exemplo
– são efetivamente perceptíveis para um observador externo. (Com efeito, a
etimologia da palavra sugere corretamente uma direção externa a partir do
corpo: emoção significa literalmente “movimento para fora”) (DAMÁSIO,
2012 [1994], p. 155).

Para o autor, que evoca a etimologia do termo “emoção” (do latim, emovere),
existiriam as emoções primárias (inatas, pré-organizadas) e as emoções
secundárias (que provêm de representações dispositivas adquiridas, não inatas, mas
sob influência destas últimas). Assim, Damásio (2012 [1994]) fundamenta toda sua
teoria, denominada de “hipótese do marcador-somático”, sobre a explicação de que
todo o raciocínio humano é perpassado pelas emoções, já que estas, como fruto de
diversas reações biológicas e neuroquímicas, definiriam nossas ações, reações e
decisões.
Como um exemplo para essa argumentação, o neurocientista explica que a
decisão por comer algo, após a sensação de fome, advém da baixa de glicose no
sangue, baixa detectada pelos neurônios do hipotálamo que justamente levam o
corpo a sentir fome. Além desse exemplo que não necessariamente evoca, na maior
parte das vezes, um raciocínio ou tomada de decisão muito complexa, o autor ainda
elenca algumas outras decisões que são auxiliadas pelas emoções experienciadas
pelo sujeito, como com quem se casar, se deve ou não entrar em um avião com uma
tempestade se aproximando e, até mesmo, em quem votar nas próximas eleições. A
51

função do marcador-somático seria nos fornecer indícios que nos alertam para os
possíveis danos provocados por uma decisão ruim, o que nos possibilita fazer novas
escolhas.
Todos esses raciocínios passariam pelo crivo das emoções. É devido a essa
hipótese, levantada na década de 1990, que Damásio afirma que Descartes errou ao
fazer a cisão entre a razão e a emoção, pensamento filosófico que provocou o cisma
entre essas duas instâncias e, segundo o autor, culminou em um grande atraso nos
estudos científicos acerca das emoções.
Outro pesquisador vinculado às ciências biológicas que se debruça sobre os
estudos da emoção é Maturana. Para ele:

Quando falamos de emoções, fazemos referência ao domínio de ações em


que um animal se move. Notamos que isto é assim pelo fato de que nossos
comentários e reflexões, quando falamos de emoções, se referem às ações
possíveis do outro, que pode ser um animal ou uma pessoa. Por isso, digo
que o que conotamos quando falamos de emoções são os diferentes
domínios de ações possíveis nas pessoas e animais, e as distintas
disposições corporais que os constituem e realizam (MATURANA, 2002, p.
22).

O diferencial desse biólogo, diferencial que nos permite trazê-lo em diálogo


com nossa perspectiva discursiva, é o fato de ele conciliar os estudos biológicos ao
caráter social e pedagógico das emoções. Sua maior preocupação é relacionada à
aplicação educacional de seus estudos. Assim, fazendo essa ponte com o
componente social, ele explica:

Observem que todos os sistemas racionais se baseiam em premissas


fundamentais aceitas a priori. Todos! No caminho explicativo da
objetividade-sem-parênteses, operamos como se a razão permitisse um
acesso ao menos aproximado a uma realidade transcendente. Mas a razão
se altera se damos uma paulada na cabeça daquele que raciocina. Se a
biologia se altera, altera-se o raciocinar. A razão se funda sempre em
premissas aceitas a priori. A aceitação apriorística das premissas que
constituem um domínio racional pertence ao domínio da emoção e não ao
domínio da razão, mas nem sempre nos damos conta disto (MATURANA,
2002, p. 51. Grifos no original).

Faz-se oportuno mencionar que tais premissas aceitas a priori, evocadas pelo
autor, relacionam-se à doxa aristotélica que, por fim, se relaciona à noção de topoi
argumentativo da Semântica Argumentativa, linha teórica que utilizamos, também,
nesta pesquisa. Segundo Maturana (2002), essas premissas são aceitas a partir das
emoções, dos julgamentos de valor que, enquanto cidadãos pertencentes a
52

determinada cultura, fazemos em relação a certas parcelas do mundo. Assim,


temos, novamente, uma aproximação entre a emoção e a razão, não mais vistas de
forma dicotômica.
Por fim, trazemos ainda as vozes de alguns neurocientistas que se
debruçaram sobre o estudo das emoções. Esperidião-Antonio et al. relatam que,
graças aos avanços em neurofisiologia e neuroimagem, muito se tem compreendido
acerca das atividades fisiológicas relacionadas às emoções. Entretanto, conforme
explicam:

Apesar desses avanços, muito se tem discutido sobre a possibilidade de se


tratar, cientificamente, as questões relativas à emoção. Com o
desenvolvimento das neurociências, postula-se que, como a percepção e a
ação, a emoção é relacionada a circuitos cerebrais distintos. Ademais, as
emoções estão geralmente acompanhadas por respostas autonômicas,
endócrinas e motoras esqueléticas – que dependem de áreas subcorticais
do sistema nervoso –, as quais preparam o corpo para a ação. Com efeito,
acredita-se que a ciência será capaz de explicar aspectos biológicos
relacionados à emoção, mas não o que é a emoção: esta permanece como
uma questão prevalentemente filosófica (ESPERIDIÃO-ANTONIO et al.
2008, p. 56).

O que os autores querem dizer é que, através dos avanços tecnológicos e


científicos, poderemos compreender cada vez mais acerca dos fenômenos
biológicos envolvidos na experimentação das emoções. Por exemplo, o que leva o
organismo a reagir diante da fome ou da possibilidade de entrar em um avião com
uma tempestade iminente, como exemplificou Damásio (2012 [1994]), ou o que nos
faz mudar de um campo de ação humana para outro, como teorizou Maturana
(2002). Apesar da compreensão cada vez maior das ações neuroquímicas
relacionadas a esses raciocínios e sentimentos, explicar o que são exatamente as
emoções ainda é uma tarefa sumariamente filosófica.
Os autores fazem um percurso acerca dos estudos da cognição e emoção na
anatomia cerebral. Segundo eles, o primeiro a mapear de forma satisfatória as
funções do cérebro humano foi Paul-Broca, ainda no século XIX. Broca, um médico
neurologista francês, ao analisar o cérebro de um paciente que apresentava
disfunções linguísticas – afasias – ocasionadas por um acidente vascular cerebral,
apresentou suas ideias concernentes à defesa de que o hemisfério esquerdo seria
predominantemente o responsável pela produção da linguagem. De acordo com
Oliveira (2013, p. 48):
53

Em abril de 1861, o neurologista francês Paul Broca (1824-1880) anunciou,


na reunião da Societé d’Anthropologie, que tinha um caso para mostrar: um
paciente incapaz de falar, que acabara de falecer. No dia seguinte, voltou
com o cérebro do paciente – que tinha uma lesão no córtex frontal
esquerdo. Ao longo dos meses seguintes, Broca apresentou alguns casos
semelhantes e, em 1863, desafiado por casos aparentemente
contraditórios, apresentados pelo grande neurologista Jean-Martin Charcot
(1825-1893), descreveu oito casos de afasia, todos portadores de lesões no
lobo frontal esquerdo. A lateralidade das lesões chamou a sua atenção e
Broca levantou a possibilidade de uma especialização do hemisfério
esquerdo para a linguagem.

Deve-se a Broca a identificação de uma área cerebral até hoje considerada


essencial para o processamento da linguagem: a chamada Área de Broca que,
quando lesionada, leva ao desenvolvimento de afasias relacionadas à perda
patológica da capacidade de produzir enunciados coerentes (SAMPAIO; FRANÇA;
MAIA, 2015). Posteriormente, evidências experimentais permitiram a constituição de
uma área relacionada diretamente às emoções, o sistema límbico; ou seja, as
estruturas cerebrais envolvidas nas respostas emocionais e nos impulsos
motivacionais. Observemos a figura (06) a seguir:

Figura 06: Estruturas do sistema límbico (ESPERIDIÃO-ANTONIO et al, 2008, p. 58)

Cada área do sistema límbico estaria relacionada a determinadas ações e


emoções: o giro do cíngulo se relaciona à depressão, à ansiedade e à
agressividade; o giro para-hipocampal apresenta importantes funções relacionadas à
memória; o hipotálamo, estrutura central do sistema límbico, relaciona-se a emoções
54

básicas, como a sensação de fome, sede, à fúria e ao prazer sexual; o tálamo diz
respeito à sensibilidade e comportamento emocional; o hipocampo incide sobre o
comportamento, memória e sobre as tomadas de decisão.
Dentre as descrições efetivadas pelos autores acerca das áreas cerebrais
relacionadas a cada emoção, interessa-nos, em particular, aquelas relacionadas ao
medo, especificamente, a amígdala e o hipotálamo. De acordo com esses
neurocientistas, “a amígdala é responsável pela detecção, geração e manutenção
das emoções relacionadas ao medo, bem como pelo reconhecimento de expressões
faciais de medo e coordenação de respostas apropriadas à ameaça e ao perigo”
(ESPERIDIÃO-ANTONIO et al., 2008, p. 60). Desse modo, as ameaças, como
argumentos patemizantes que procuram despertar emoções relacionadas ao medo,
no sujeito interpretante, procuram agir diretamente sobre essa área cerebral.
Apesar dos vários avanços descritos acima, de acordo com Esperidião-
Antonio et al., ainda não há um consenso na comunidade científica acerca das áreas
que fazem parte do sistema límbico, sendo algumas consideradas por alguns
pesquisadores, enquanto outros as descartam, como o septo, o cerebelo e o
hipocampo. Devido a essas divergências, Esperidião-Antonio et al. preferem se
referir a um sistema das emoções, uma rede complexa de estruturas cerebrais que
se relacionam às emoções, com cada área apresentando um papel importante.
Esperidião-Antonio et al. (2008) teorizam, ainda, acerca de uma diferenciação
entre “emoção” e “sentimento”. Se nos embasarmos também na filosofia, seria
pertinente incluirmos as “paixões” e diferenciá-las. A exemplo de Lima (2006),
entretanto, seguiremos a proposta de Charaudeau (2010) e utilizaremos todas essas
noções englobadas pelo termo “patemização” que, no âmbito da Semiolinguística do
Discurso, diz respeito às emoções possivelmente sentidas pelo interlocutor a partir
dos enunciados proferidos pelo locutor. Essa noção será mais bem discutida na
próxima seção.

2.2.3 Algumas visões linguístico-discursivas

Como vimos, as emoções são vivenciadas pelo organismo a partir de


determinados estímulos ambientais. Dentre esses estímulos, encontramos os
enunciados patemizantes que, em uma situação de comunicação apropriada, leva o
sujeito a experienciar determinadas emoções. Ao senti-las, esse sujeito pode ser
55

levado a aderir em maior ou menor grau aos argumentos apresentados pelo orador,
cumprindo, assim, o objetivo maior da prática argumentativa, conforme explicam
Perelman e Tyteca (2005 [1996]). Devido a isso, no presente tópico, apresentamos
algumas noções acerca do tratamento das emoções no âmbito da Análise do
Discurso, especificamente, no da Semiolinguística.
Nosso percurso acerca das emoções começa e retorna à filosofia aristotélica
e às suas noções de logos, pathos e ethos. Fazendo uma aproximação à Teoria
Semiolinguística do Discurso, principal aporte teórico desta pesquisa, podemos dizer
que as provas retóricas propostas por Aristóteles relacionam-se intimamente às
estratégias discursivas de credibilidade, captação e legitimidade. Afinal, o logos diz
respeito ao conteúdo proposicional do enunciado e à forma como ele é constituído; o
pathos, foco deste trabalho, relaciona-se à capacidade que determinados discursos
apresentam de despertar emoções no interlocutor; e o ethos, por sua vez, é a
imagem do sujeito comunicante construída a partir do discurso, podendo ser
corroborada por questões extralinguísticas, como o porte físico, as roupas, a origem
geográfica e social etc.
As estratégias de captação são aquelas utilizadas para captar o auditório e
levá-lo a aderir às teses defendidas pelo orador, pelo sujeito que argumenta, já que
esse é o principal objetivo da argumentação (PERELMAN, TYTECA, 2005 [1996]).
Neste trabalho, baseados em Gouvêa (2017), procuramos elencar uma série de
estratégias patêmicas que dizem respeito à captação. Assim, estamos tratando de
enunciados que apresentam a capacidade, a possibilidade de despertar
determinadas emoções no sujeito interpretante, o interlocutor como ser social,
empírico.
Ao analisarmos esses discursos, no entanto, tratamos as emoções como uma
possibilidade, uma visada, e não como uma realidade experienciada pelo sujeito
interpretante:

A análise do discurso não pode se interessar pela emoção como realidade


manifesta, vivenciada por um sujeito. Ela não possui os meios
metodológicos. Em contrapartida, ela pode tentar estudar o processo
discursivo pelo qual a emoção pode ser estabelecida, ou seja, tratá-la como
um efeito visado (ou suposto), sem nunca ter a garantia sobre o efeito
produzido (CHARAUDEAU, 2010, p. 34).

É importante ressaltar, de igual modo, que tomamos as emoções sob um


56

ponto de vista linguístico-discursivo e não psicobiológico. Em consonância com o


pensamento de Emediato (2007), entendemos que, na AD, a emoção deve ser
tratada como um signo que pode ser codificado na comunicação a ponto de ser
reconhecido e comunicado.
Assim, se o universo de crença e os imaginários sociodiscursivos
(CHARAUDEAU, 2015 [2005]) forem compartilhados e embasarem a argumentação,
é provável que determinadas emoções sejam despertadas no interlocutor, o que
pode contribuir para o processo de persuasão. Gouvêa (2016) distingue esse
processo, regido por argumentos patêmicos, do processo de convencimento, mais
pautado sobre um raciocínio logicizante. Ainda de acordo com Charaudeau (2010),
os enunciados patemizantes podem ser efetuados através da enunciação da
expressão patêmica e através da enunciação da descrição patêmica. A primeira
ocorre quando o sujeito faz uso das modalidades alocutiva e elocutiva, inserindo-se
e inserindo seu interlocutor no discurso. A segunda, por sua vez, diz respeito ao uso
da modalidade delocutiva, sem marcas de primeira e segunda pessoa.
Charaudeau (2010) também aponta três condições cruciais para que a
patemização se instaure. Para ele, a primeira condição diz respeito ao dispositivo
comunicativo, que se relaciona à finalidade da situação de comunicação, bem como
às identidades dos protagonistas. Assim, como exemplifica Gouvêa (2016), um
dispositivo comunicativo científico não se predispõe ao surgimento de emoções, ao
contrário das discussões polêmicas, cuja natureza favorece a patemização. A
segunda condição, de acordo com Charaudeau (2010), diz respeito ao campo
temático sobre o qual o dispositivo comunicativo se baseia. Tópicas aptas a
favorecer os efeitos patemizantes são, por exemplo, a morte, a violência e as
tragédias. Por fim, a terceira condição está ligada à visada patemizante, ou seja, o
sujeito enunciador deve fazer-crer para fazer-sentir.
Como notamos, nosso corpus de pesquisa atende a essas três condições,
visto o dispositivo comunicativo ocorrer a partir de cartas de ameaça, cujas
temáticas giram em torno da possível morte do destinatário ou de seus familiares,
atentados contra a segurança pública, vingança, agressão etc., o que garante a
presença da visada patemizante. Essas condições favorecem a instauração de uma
atmosfera que permite o despertar de sentimentos relacionados ao medo, ao terror e
à insegurança no sujeito interpretante das cartas.
Sobre os estudos argumentativos, conforme relata Plantin (2013), após
57

alguns séculos de obscurantismo, a Retórica, que havia sido excluída dos currículos
acadêmicos por não ser considerada suficientemente científica, volta a ser
trabalhada no período Pós Segunda Guerra, sendo trazida novamente à tona pelo
Tratado da Argumentação: a Nova Retórica, de Perelman e Tyteca.
Essa abordagem propõe que o objetivo principal da argumentação é o de
fazer com que o auditório adira às teses propostas pelo sujeito argumentante. Para
que o orador, o sujeito que argumenta, consiga essa proeza, ele faz uso de uma
série de técnicas argumentativas que são listadas de modo exaustivo por Perelman
e Tyteca. De acordo com esses autores, que teorizam sobre o fenômeno
argumentativo sob o ponto de vista da Filosofia do Direito e acabam por restabelecer
o estudo da Retórica como disciplina voltada para a argumentação, o objetivo
principal da prática de argumentar consiste em:

[...] provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se


apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que
consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se
desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação pretendida ou
abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se
manifestará no momento oportuno (PERELMAN; TYTECA, 2005 [1996], p.
50).

O diferencial dessa teoria argumentativa é a importância dada ao auditório,


termo utilizado na Nova Retórica e aqui entendido com um sentido aproximado ao
de sujeito destinatário, o interlocutor, categoria já mencionada anteriormente. Para
Perelman e Tyteca, o argumentante deve fazer com que o auditório adira às suas
teses e ideias e, para isso, ele deve recorrer a uma série de estratégias
argumentativas. Essas estratégias, teoricamente, abarcariam os modos de raciocínio
dos quais o orador pode lançar mão a depender de seus objetivos comunicativos.
Como nosso trabalho se debruça, principalmente, sobre as estratégias de
argumentação patêmica, não optamos pela utilização da nomenclatura da Nova
Retórica. Além do mais, Perelman e Tyteca (2005 [1996]) não reservam, em sua
obra, um espaço adequado para o tratamento das emoções, pois, conforme atesta
Plantin (2013, p. 122. Grifo no original): “tem-se uma presença das ‘paixões’ no
Tratado, mas elas nunca são tematizadas; podemos dizer que essa obra propõe
uma ‘retórica sem emoções’, o que é algo um pouco paradoxal”.
Apesar de a publicação do Tratado ser considerada o marco dos estudos
contemporâneos em retórica e argumentação, conforme lembra Plantin (2013), a
58

questão das emoções no processo argumentativo não foi tratada pela Nova
Retórica, nem pelo modelo de Toulmin, sumariamente lógico, nem mesmo pela
Teoria da Argumentação na Língua, de Ducrot e Anscombre. De acordo com Plantin:

As teorias modernas definem o objeto de estudo da argumentação de tal


modo que a questão dos afetos não é encarada. A análise argumentativa
tem de encontrar os meios de abordar de modo global a questão dos afetos,
apoiando-se em um modelo coerente da construção discursiva do conteúdo
patêmico, indissociável do conteúdo lógico do discurso (PLANTIN, 2013, p.
126).

Nesta pesquisa, procurando contribuir para esse modelo de abordagem do


discurso patêmico, idealizado por Plantin, alinhamo-nos ao ponto de vista teórico
que não concebe a argumentação completamente livre dos afetos, das emoções,
enfim, do que Charaudeau (2010) chama de patemização. Para Parret, trata-se da
problemática do que ele chama de pathos razoável, já que, de acordo com o autor,
as crenças e os valores são as razões que estão na base de toda e qualquer
emoção:

A oposição do pathos ao logos se presta a ser dramatizada além do


necessário, o que resultaria em correr o risco de uma idealização da
racionalidade, de um lado, e, de outro, em excluir a paixão da vida em
comunidade governada pela lei moral. Deve-se demonstrar, em contraste
com essa dicotomização dramática do pathos e do logos, que todo pathos
tem o seu logos, e toda paixão, suas razões. Em consequência, deve-se
discutir o pathos razoável, isto é, o pathos que não é patológico (PARRET,
1997, p. 110).

Assim, desfaz-se a dicotomia razão (logos) x emoção (pathos) advinda do


pensamento clássico e renascentista, que atribuía à emoção o lugar do irracional, do
selvagem, enquanto a razão seria vista como a faculdade cognitiva do homem em
seu estado mais apurado. Basta notarmos que o vocábulo grego pathos está na
base etimológica, tornando-se o radical de palavras como patético e patologia para
percebermos o quanto as paixões, as emoções, foram sempre designadas a um
plano inferior em relação à razão. Portanto, para Parret, conforme afirma Gouvêa
(2016, p. 26), “a racionalidade das emoções está presente, por exemplo, no fato de
elas serem justificáveis e, às vezes, até desejáveis”.
O que Parret (1997) e Charaudeau (2010) defendem é que essas duas
instâncias – logos e pathos – estão sempre relacionadas, já que todo processo
emotivo é também um processo cognitivo. No que concerne ao discurso, essa
59

proximidade fica ainda mais evidente. Parret (1997, p. 110) argumenta que “[a]
paixão que é expressa ou comunicada já é sempre uma paixão razoável porque
entrou numa gramática restritiva, que domestica o pathos caótico e não-estruturado”.
Isto é, a partir do momento em que é enunciada, organizada em torno das regras de
um idioma, passando, portanto, pelo processo de semiotização do mundo, a emoção
submete-se ao crivo da racionalidade.
A título de exemplo, vamos observar um argumentum ad baculum (FIORIN,
2016), ou seja, um argumento através do qual o sujeito argumentante procura
persuadir, utilizando, para isso, a força bruta:

(11) Se o Uber entrar em Floripa tu vai pra vala seu plaiboi filho da puta.

O enunciado (11), efetuado a partir de uma relação de causa e consequência,


corresponde a praticamente todo o conteúdo de uma carta de ameaça de morte
pertencente ao nosso corpus. Observamos que o sujeito enunciador, que se
posiciona na carta original como um criminoso, elenca um raciocínio lógico do tipo se
X, então Y, demonstrando, claramente, uma relação de causa e consequência
condicionada pela possível entrada do sistema de transporte de passageiros Uber
na cidade de Florianópolis. Conforme pode ser observado, a consequência da
entrada desse sistema de transporte seria a morte do sujeito destinatário da carta,
chamado de “playboy filho da puta”. Apesar de a ameaça de morte ser feita através
de uma metáfora, “vai pra vala”, a ameaça é clara o suficiente para ser capaz de
despertar o sentimento de medo no interpretante, quando este for, de fato, o
destinatário da carta.
Desse modo, percebemos que até mesmo um enunciado pautado em uma
relação lógica de causa e consequência pode ser capaz de despertar determinadas
emoções, contanto que a temática tratada, as identidades sociais e discursivas e os
imaginários sociodiscursivos, principalmente no que concerne aos saberes de
crença, permitam essa possibilidade. Em apenas uma breve análise de um
enunciado, notamos que as emoções fazem parte da mise en scène da
argumentação, assim como as teorias argumentativas modernas, às quais nos
afiliamos, comprovam.
Dando prosseguimento ao pensamento acima apresentado, Gouvêa (2017)
elenca uma série de categorias a partir das quais se pode analisar os argumentos
60

patêmicos em um dado texto. Descreveremos, a seguir, as estratégias elencadas


por ela, lembrando que cada uma corresponde a um patema (PLANTIN, 2010), uma
unidade mínima, a exemplo do fonema e do morfema, mas que diz respeito ao
sentido patemizante. É importante ressaltar que essa lista não objetiva ser fechada,
pois outras estratégias podem ser encontradas em discursos de naturezas
diferentes, assim como mostraremos adiante.
A estratégia palavras ou expressões que desencadeiam emoção diz respeito
ao fato de determinados lexemas ou sintagmas serem capazes de despertar
possíveis emoções no interlocutor. Devemos observar que essa possibilidade é
dependente dos imaginários sociodiscursivos compartilhados entre os interlocutores,
bem como do contexto e da situação de comunicação.
Exemplo:

(12) Assina: um justiceiro (Texto I – não criminosos).

No excerto (12) acima, o sintagma nominal “um justiceiro”, escolhido para


assinar uma carta de ameaça de morte, é passível de despertar diferentes emoções
no destinatário, como o sentimento de medo ou o sentimento de indignação.
A estratégia expressões modalizadoras se caracteriza pelo fato de o sujeito,
ao proferir um enunciado, se inserir no discurso de uma forma mais ou menos
marcada. Assim, através da modalização, é possível entrever o posicionamento do
sujeito enunciador, o que pode gerar emoções diversas no interlocutor. Em
consonância com Koch (2015 [1993]) e Gouvêa; Pauliukonis e Monnerat (2013),
entendemos a modalização como a marca do enunciador em seu enunciado,
através, por exemplo, de verbos modais (dever, poder), operadores argumentativos
(mas, até, já, se, então...) e orações modalizadoras (eu creio que...; é possível
que...).
Exemplo:

(13) VAMOS QUEBRAR TODAS AS UNIDADES QUE PODEMOS PRA


ASSIM VOCÊS VER QUE ESTAMOS DANDO FORÇAS A QUEM NÃO
TEM POIS NÃO ACEITAREMOS PERDE NADA QUE É NOSSO (Texto
23 – criminosos).
61

Nesse excerto (13), após enunciarem as ameaças, os sujeitos que se


posicionam como criminosos encarcerados empregam o operador argumentativo
“pois”, com valor explicativo, justamente para apontar os motivos das ameaças.
Ainda de acordo com Gouvêa, Pauliukonis e Monnerat (2013), alguns índices de
subjetividade, como o uso de advérbios e adjetivos axiológicos, também seriam
marcas linguísticas da modalização, no entanto, essas marcas serão consideradas
como sinais de uso da próxima estratégia descrita.
A estratégia princípio de avaliação, em diálogo com a estratégia anterior, diz
respeito à capacidade de o enunciador fazer um julgamento de valor axiológico
acerca de uma dada parcela do mundo. Através de adjetivos, advérbios que
denotam seu estado psicológico (KOCH, 2015 [1993]) e outras seleções lexicais, o
enunciador pode deixar claro o seu ponto de vista e, com isso, provocar
determinadas emoções no interlocutor através daquilo que é dito e da forma como
se diz.
Exemplo:

(14) Esta carta tem por finalidade focalizar alguns aspectos deste triste
episódio envolvendo você e a sua igreja (Texto II – não criminosos).

Nesse exemplo (14), observamos que o adjetivo “triste”, contendo alto valor
axiológico, foi empregado para caracterizar o “episódio” que levou o sujeito
comunicante a escrever a carta de ameaça de morte. Como se trata de uma
caracterização subjetiva, essa escolha lexical consiste em um exemplo do princípio
de avaliação.
Enunciados que podem produzir efeitos patemizantes é uma estratégia cujo
patema consiste em um enunciado sintaticamente complexo e não apenas um item
lexical ou expressão isolada. Em nosso corpus, dada a sua natureza ameaçadora,
os enunciados são propensos a despertar determinada emoção no destinatário, visto
estarem inseridos em uma situação de comunicação que propicia a patemização.
Isto é, o dispositivo comunicativo favorece o surgimento de determinadas emoções.
Portanto, mesmo não comportando palavras explicitamente patemizantes, certos
enunciados, a depender das inferências advindas da situação de comunicação,
como bem explica Charaudeau (2010), podem levar o sujeito interpretante a
experienciar alguma emoção.
62

Exemplo:

(15) Dê lembranças ao pessoal do GATE (Texto 13 – criminosos).

O enunciado (15) acima foi produzido em uma carta escrita por um grupo
terrorista e deixado com um empresário sequestrado. Ao que tudo indicava, eles
haviam mandado uma bomba através do sequestrado e já esperavam que o GATE,
o Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, e
especialista em operações antibombas, fosse alertado a comparecer ao local. No
contexto de uso, portanto, esse enunciado poderia levar o sujeito interpretante a
experienciar um sentimento de medo, ou mesmo um sentimento de indignação
diante da audácia dos terroristas.
O Princípio da classificação, enumeração ou quantidade é uma estratégia
argumentativa bastante recorrente em diversos tipos de discurso, conforme atesta o
discurso midiático, por exemplo (cf. GOUVÊA, 2017). A depender do tema, portanto,
é possível que o uso de numerais ordinais, cardinais, porcentagens ou outros tipos
de quantificadores gere determinadas emoções no interlocutor.
Exemplo:

(16) a primeira medida que iremos tomar, é o sequestro dos seus filhos
(Texto II – não criminosos).

A partir do enunciado (16) acima, é pressuposto que outras medidas serão


tomadas pelo sujeito comunicante da carta. Afinal, se temos uma primeira medida,
infere-se que teremos, ao menos, uma segunda, o que pode desencadear
sentimentos ligados ao medo, ao desespero, já que logo a primeira medida já
apresenta uma sanção negativa, a saber, o sequestro dos filhos.
A estratégia princípio de proximidade ou distanciamento consiste no modo
pelo qual inserimos um fato descrito ou narrado, seja localizando-o geograficamente
– “aqui”, “nesse lugar”, “lá na minha terra” –, seja localizando-o temporalmente –
“hoje”, “daqui um mês”, “há alguns anos”. O enunciador, ao verbalizar as localidades
e as distâncias, é capaz de comover seu interlocutor, podendo despertar emoções
diversas a depender da situação de comunicação.
Exemplo:
63

(17) O MESMO SE APLICA AO OUTRO PROMOTOR DE XXXXX QUE


MORA EM CAMPO LIMPO (Texto 6 – criminosos).

No excerto (17), observamos a localização espacial do endereço de outra


vítima da ameaça de morte. A localização geográfica contribui para o despertar de
diferentes emoções ao deixar claro, por meio da oração restritiva, quem é o promotor
cuja vida também está ameaçada: o que mora em Campo Limpo.
Por sua vez, palavras que descrevem de modo transparente emoções é uma
estratégia que, ao contrário da primeira – a qual reúne o léxico propenso a
despertar emoções –, diz respeito a lexemas que se referem diretamente ao campo
semântico dos sentimentos e emoções, tais como “alegremente”, “medo”, “alegrar”,
“ciumento”. Podemos observar que várias classes gramaticais são abarcadas por
essa estratégia.
Exemplo:

(18) quero ver vocês cagarem de medo (Texto XXI – não criminosos).

O emprego de topoi também funciona como estratégia de patemização. Os


topoi, noção advinda da Retórica Clássica e utilizada de forma proveitosa pela
Teoria da Argumentação na Língua, são as crenças e conhecimentos aceitos e
compartilhados como verdade em uma dada sociedade. Assim sendo, funcionam
como subsídio à prática argumentativa. São os conhecimentos partilhados em uma
comunidade sociodiscursiva que permitem a passagem de uma proposição a uma
conclusão. Na Teoria Semiolinguística do Discurso, esses subsídios são chamados
de asserções de passagem, sendo embasados por imaginários sociodiscursivos.
Quando explicitados, tais valores aceitos e compartilhados podem servir como
desencadeadores de emoção, a exemplo do enunciado abaixo.
Exemplo:

(19) LEMBRE-SE QUEM AVIZA AMIGO É? (Texto I – não criminosos)

No excerto (19) acima, o ditado popular “quem avisa, amigo é”, que consiste
em um topos compartilhado pelos membros da comunidade sociodiscursiva
brasileira, foi utilizado, visando a deixar claro que o conteúdo da carta seria um
64

aviso, embora fosse uma ameaça. Notadamente, o enunciador não desejava se


passar por amigo, apenas evocara o ditado popular para embasar seu argumento de
que, por enquanto, estava apenas alertando o destinatário acerca das sanções
negativas que poderiam ser desencadeadas caso não cumprisse as solicitações
efetuadas.
Palavras que designam calamidade, devido ao seu alto teor patêmico,
acabam por consistir em outra estratégia de patemização. Essa estratégia se refere
a itens lexicais relacionados ao campo semântico da morte, da violência, das
catástrofes ocasionadas pela ação da natureza ou do homem: assassinato;
enchente; acidente; tiroteio; estupro. Devido ao fato de nosso corpus apresentar
expressões e enunciados que designam calamidade, como “derramando o sangue”
e “meter uma bala na sua cara”, alteramos a nomenclatura dessa estratégia,
denomeando-a de palavras, expressões e enunciados que designam calamidade.
Exemplo:

(20) Se não retirarem esses policiais de dentro das Cadeias Vamos


Transformar o Estado do Ceará no Caos e Não vai ter mais PAZ (texto
19 – criminosos).

A partir da oração condicional iniciada por se, os sujeitos enunciadores


deixam clara a condição para que sua ameaça não seja efetivada: retirar os policiais
de dentro das cadeias. A sanção negativa, caso essa condição não seja observada,
corresponde a um atentado contra a segurança pública, levando caos a todo o
Estado do Ceará. A segunda parte desse enunciado, portanto, consiste na estratégia
pautada sobre a calamidade, que, por natureza, apresenta alto teor patêmico.
Conforme veremos no capítulo 4, essa estratégia foi muito produtiva nas cartas dos
sujeitos que se posicionam como criminosos.
Além dessas estratégias elencadas por Gouvêa (2017), devido à natureza do
nosso corpus, elaboramos e descrevemos outras duas estratégias de patemização
que se mostraram muito profícuas em nossos textos: as estratégias emprego de
implícitos e emprego de palavras de calão, as quais descrevemos a seguir.
A estratégia emprego de implícitos, na análise dos nossos dados, mostrou-se
bastante recorrente nas cartas de ameaça, embora não tenha sido elencada por
Gouvêa (2017). A partir do uso de pressupostos e subentendidos, ou seja, implícitos
65

(DUCROT, 1987), respaldados por determinados imaginários sociodiscursivos, é


possível a ocorrência de uma ameaça velada.
Exemplo:

(21) VCS TEM FILHOS, CUIDADO (texto IV – não criminosos)

Notamos que a asserção “vocês têm filhos”, seguida da injunção “cuidado”,


deixa transparecer uma ameaça velada do tipo “vocês têm filhos, logo, precisam
tomar cuidado, pois eles também podem ser nossas vítimas”. Entram em cena os
sentidos de discurso, noção apresentada por Charaudeau, bem como a noção de
subentendido, trabalhada por Ducrot, como veremos no item 2.3, a seguir, já que,
por falta de informações, o sujeito interpretante precisa desvelar os verdadeiros
sentidos trazidos pelos enunciados expressos em (21).
Podemos perceber, portanto, que o sujeito comunicante infringe a máxima da
quantidade, já que opta por não apresentar maiores informações, deixando os
sentidos subentendidos a cargo da interpretação do sujeito interpretante. Segundo
Grice (1991 [1968]), quando uma máxima conversacional não é observada, o
interlocutor procura reestabelecer o equilíbrio da interação, fazendo implicaturas
acerca dos verdadeiros sentidos que podem emergir do enunciado. Trata-se do
princípio de cooperação. Desta feita, no enunciado (21), ao não mencionar com o
que se deve tomar cuidado, o sujeito enunciador não deixa clara a sanção negativa
que poderá acometer o destinatário ou seus filhos. Assim, o sujeito interpretante
deve ser capaz de inferir os implícitos para que a ameaça surta o efeito
perlocucionário pretendido.
Ao fazer uso de ameaças implícitas, veladas, o sujeito cumpre seu projeto de
fala sem empregar explicitamente vocábulos que denotem armas, assassinato,
dentre outras possibilidades, já que “implícito é o que se diz sem dizer, é aquilo que
se apresenta como evidente por si mesmo” (FIORIN, 2016, p. 206).
Fiorin (2016) considera que os implícitos podem consistir em uma estratégia
argumentativa e, neste trabalho, esse recurso será entendido como uma estratégia
de patemização. Conforme observamos em Gouvêa e Silva (2019), o emprego de
implícitos pode favorecer o despertar de determinadas emoções no destinatário,
contribuindo no projeto de persuasão levado a cabo pelo sujeito enunciador. No
capítulo 4, veremos que essa estratégia foi muito recorrente nas cartas dos sujeitos
66

que não se posicionam como criminosos. É importante ressaltar que, nesta


investigação, entendemos como implícitos os empregos de expressões e
enunciados que apresentam sentidos conotativos, mesmo que configurem
expressões cristalizadas, como “enrolar no inferno”, “tirar uma pá de terra da cova”,
“virar pó” etc.
Por fim, outra estratégia se mostrou muito produtiva em nosso corpus: trata-se
do que designamos de emprego de palavras de calão, o uso de impropérios,
palavras ditas de “baixo calão”, cuja finalidade é ofender, agredir, injuriar o
destinatário. Por serem consideradas popularmente como “palavrões”, utilizadas
justamente em discursos impróprios, ofensivos, obscenos, tais vocábulos acabam
por consistir em outra estratégia de patemização, podendo levar o destinatário a
experienciar emoções relacionadas à indignação, ao medo, à ira, a sentir-se
injustiçado, dentre outras possibilidades.
Exemplo:

(22) vagabunda eu vou te pegar (Texto XIX – não criminosos).

A seguir, apresentamos alguns postulados concernentes à primeira e à


segunda fase da Teoria da Argumentação na Língua, os quais utilizamos para
embasar nossas análises.

2.3 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

Além da Teoria Semiolinguística do Discurso, baseamos esta pesquisa em


alguns postulados da Teoria da Argumentação na Língua 4, doravante TAL, proposta
por Anscombre e Ducrot (1983). Para esses semanticistas, é a própria língua,
enquanto sistema gramatical, que orienta o enunciado para determinadas
conclusões. Fala-se, portanto, nessa abordagem teórica, em orientação
argumentativa. É no âmbito dessa teoria, também, que iremos encontrar duas
noções basilares para comprovar nossas hipóteses: os pressupostos e os

4
Para as finalidades desta investigação, valemo-nos da primeira e da segunda fase da Teoria da
Argumentação na Língua, sem adentrarmos na terceira fase, conhecida como a Teoria dos Blocos
Semânticos.
67

subentendidos.

2.3.1 Os operadores argumentativos

Para compreendermos a noção de orientação argumentativa, devemos


entender que a TAL fez, em um primeiro momento, alguns estudos a respeito dos
operadores argumentativos (O.A.). Estes seriam conjunções, preposições, advérbios
e certas palavras que não pertencem a nenhuma classe gramatical, chamadas pela
Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB – de palavras denotativas, que
apresentam algum valor semântico de, por exemplo, inclusão, exclusão, conclusão
etc. Tais itens gramaticais teriam a faculdade de orientar o interlocutor a
determinada conclusão a partir de um dado argumento. Assim, em um enunciado do
tipo p mas q, encontramos uma determinada orientação argumentativa:

(23) Em sua casa nada vai acontecer [logo ficar em casa não é
perigoso], mas quando saírem na rua prestem atenção [logo não ficar em
casa é perigoso].

Observamos que, no excerto acima, retirado do nosso corpus, o sujeito que


argumenta faz uso de uma oração coordenada sindética adversativa, inserida
através do operador argumentativo “mas”, para deixar claro que o interlocutor estaria
seguro em sua casa, porém, na rua, no espaço público, ele poderia estar correndo
risco. Essa ameaça iminente está subentendida no enunciado “prestem atenção”,
uma espécie de ameaça implícita. O argumento, portanto, orienta para a seguinte
conclusão: o melhor, dadas essas circunstâncias, é não sair de casa [Se não ficar
em casa é perigoso, então não saiamos de casa]. O uso do operador argumentativo,
portanto, conduz o interlocutor a uma dada conclusão, dispensando outras
interpretações.
A Teoria da Argumentação na Língua acabou por influenciar sobremaneira
outras abordagens linguísticas, como a Análise do Discurso e a Linguística de Texto.
No âmbito desta última área, talvez a pesquisadora que tenha mais contribuído para
a difusão das ideias de Ducrot, em território brasileiro, tenha sido Ingendore Koch.
De acordo com essa linguista, podemos classificar os principais tipos de operadores
68

argumentativos a depender de sua função na orientação argumentativa do


enunciado. Assim, Koch (2015 [1993], p. 31-38) apresenta as seguintes
classificações:

a) operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala orientada


no sentido de determinada conclusão, como é o caso de “até”, “mesmo”, “até
mesmo” e “inclusive”. Nessa classificação, há também certos operadores que
introduzem dado argumento, deixando subentendida a existência de uma
escala com outros argumentos mais fortes, como as expressões “ao menos”,
“pelo menos”, “no mínimo”;
b) operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão,
como é o caso de “e”, “também”, “ainda”, “nem” (= e não), “não só... mas
também”, “tanto... como”, “além de...”, “além disso...”, “a par de...”, etc.;
c) operadores que introduzem uma conclusão relativa a argumentos
apresentados em enunciados anteriores, como “portanto”, “logo”, “por
conseguinte”, “pois”, “em decorrência”, “consequentemente”, dentre outros;
d) operadores que introduzem argumentos alternativos que levam a
conclusões diferentes ou opostas. Dentre eles, podemos citar “ou”, “ou então”,
“quer... quer”, “seja... seja”, etc.;
e) operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos,
visando a uma dada conclusão, como “mais que”, “menos que”, “tão... como”,
etc.;
f) operadores que introduzem uma justificativa ou explicação relativa ao
enunciado anterior, como podemos encontrar em “porque”, “que”, “já que”,
“pois”, etc.;
g) operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias: “mas” (porém, contudo, todavia, no entanto), “embora”, (ainda que,
posto que, apesar de...);
h) operadores que introduzem conteúdos pressupostos no enunciado, como
“já”, “ainda”, “agora”, etc.;
i) operadores que se distribuem em escalas opostas. Seguindo Koch (2015
[1993]), um deles funcionaria numa escala orientada para a afirmação total e
o outro funcionaria numa escala orientada para a negação total, como no
caso de “um pouco” e “pouco”.
69

Não traremos exemplos para cada um dos operadores acima listados para
que a leitura não fique demasiadamente exaustiva. Entretanto, quando
empreendermos a abordagem qualitativa de algumas cartas de ameaça, no capítulo
4, desenvolveremos de forma mais aprofundada as análises concernentes a
diferentes operadores argumentativos presentes nos textos.
Assim, pelo fato de abordarmos nosso corpus a partir de uma visão macro e
microestrutural, além de analisarmos a situação de comunicação propriamente dita
que se instaura a partir de uma carta de ameaça, com seus sujeitos, temáticas e
finalidades particulares, também nos debruçaremos sobre a tessitura argumentativa,
principalmente, observando a forma como alguns operadores argumentativos e
outras marcas linguísticas são utilizados pelo sujeito comunicante. De acordo com
Gouvêa (2006):

[...] os operadores argumentativos pertencem à língua, já que são marcas


linguísticas; por outro lado, ao revelarem a intenção argumentativa do
enunciado, constituem-se em marcas da enunciação. Sendo marcas da
enunciação, pertencem ao discurso, uma vez que discurso é a ação verbal
dotada de intencionalidade (componente da enunciação). Assim, na
condição de marcas linguísticas e marcas discursivas, esses articuladores
constituem uma ponte entre a língua e o discurso (GOUVÊA, 2006, p. 111).

Dessa forma, os elementos gramaticais que orientam para determinada


conclusão, os operadores argumentativos, funcionam, na visão da referida analista
do discurso, como uma espécie de ponte entre o nível gramatical, linguístico, e o
plano do enunciado, o discurso. Assim, na medida em que a análise Semiolinguística
procura levar em conta os dois planos acima mencionados, já que o discurso é uma
realidade social e cognitiva que se realiza através da língua, podemos dizer que as
duas teorias até aqui mencionadas se complementam.
Outro aspecto tratado na TAL e fundamental à nossa pesquisa é a noção de
topos argumentativo. Advinda do pensamento aristotélico, essa noção preconiza que
a argumentação é fundamentada em determinados valores partilhados pelos
integrantes de uma comunidade de fala. Assim, em um argumento do tipo “está
fazendo calor, vamos à praia”, exemplo explorado pelo próprio Ducrot (1989), o
topos que fundamenta o raciocínio capaz de fazer com que o argumento leve à
conclusão desejada é o de que “o calor torna a praia agradável”. Desse modo, para
Ducrot, o topos é "o princípio geral que garante ou justifica a passagem do
argumento à conclusão da argumentação" (DUCROT, 1989, p. 05).
70

Ainda de acordo com Ducrot (1989), o topos é um princípio argumentativo que


orienta o fato para uma dada conclusão, apresentando três propriedades. A primeira
diz respeito ao fato de o topos ter de se mostrar universal, ou seja, ser compartilhado
pelos membros de uma dada comunidade sociodiscursiva. A segunda propriedade
atribuída por Ducrot (1989) aos topoi é a generalidade, que diz respeito à
possibilidade de dado princípio ser aplicado a um vasto número de situações
análogas. Dessa maneira, se um determinado topos fundamenta um argumento X,
ele deverá servir para fundamentar outros argumentos análogos – isso também é
implicado pelo caráter universal dos topoi. A terceira propriedade trata da natureza
gradual dos topoi. Essa característica atribui a esses princípios compartilhados a
faculdade de serem utilizados em escala de mais ou de menos, dado que, ao alterar
a gradação no argumento, altera-se na conclusão. A referida gradação é explicitada
por operadores argumentativos do tipo “até mesmo”, “mais que”, “quanto menos” etc.
Pauliukonis (1998, p. 185) salienta bem a função argumentativa da
característica gradual dos topoi ao dizer que, “estruturalmente a gradação
apresenta-se como um processo semântico relacional, que institui sempre uma
escala de valor, segundo a qual qualquer referente de um ato discursivo deve ser
avaliado”. Ainda segundo a autora, “ela [a gradação] é fundamentalmente
argumentativa, no sentido de que se presta muito mais a servir de argumento a favor
de um juízo do emissor do que propriamente de informação objetiva sobre um fato
da realidade”.
Assim, diferentes pontos de vista, crenças e valores sociais são trazidos para
sustentar a argumentação. Conforme vimos anteriormente e veremos mais
detidamente adiante, alguns topoi acabam por funcionar como patemas,
possibilitando o despertar de certas emoções no interlocutor.
A Teoria da Argumentação na Língua foi desenvolvida, posteriormente e
atualmente, por Ducrot e Carel, sob o formato da Teoria dos Blocos Semânticos, tida
como a terceira fase da TAL. Nessa fase, Ducrot e colaboradores voltam à noção de
que o sistema linguístico é autossuficiente no que concerne à argumentação, sendo
desnecessária qualquer vinculação externa à língua em si mesma. Na segunda fase,
na qual foi introduzida por Ducrot e Ascombre a noção de topos, o caráter
sumariamente linguístico da argumentação deu lugar ao extralinguístico, já que,
como vimos, os topoi são crenças que circulam em sociedade. De acordo com o
próprio Ducrot:
71

De fato, e como Marion Carel percebeu claramente em sua tese de 1992, se


postulamos a existência de um princípio independente da linguagem do tipo
algo está próximo, portanto, esse algo é facilmente acessível, estamos
sendo desleais com a premissa Saussureana segundo a qual a linguagem
não deve ser descrita senão por si mesma. Para evitar essa infidelidade,
agora afirmamos que o sentido de próximo é o acesso é fácil.
Analogamente, o sentido de distante é o acesso é difícil. A teoria dos blocos
semânticos abandona a teoria dos topoi e aspira a especificar essa nova
concepção de significado (CAREL; DUCROT, 2005, p.13. Tradução nossa.
Grifos no original)5.

Como podemos perceber, na fase atual da TAL, a argumentação não se


alicerça mais na passagem do argumento à conclusão, mas o argumento influencia
a conclusão e vice-versa, constituindo uma unidade de sentido, o bloco semântico:
entidade semântica subjacente a encadeamentos argumentativos (BARBISAN et al,
2010). Se é dito que “Pedro comeu, portanto (donc) vai melhorar” ou que “João
estudou, portanto (donc) será aprovado”, a argumentação não se restringe ao elo
entre o argumento e a conclusão, mas trata-se de representações unitárias (blocos
semânticos). Assim, a saúde se relaciona ao ato de comer e vice-versa, bem como a
boa nota se relaciona ao fato de estudar, e vice-versa. Temos um bloco que
relaciona apetite e saúde e um que relaciona estudo e sucesso. Carrel fala, então,
em encadeamentos primitivos, do tipo donc (portanto) e pourtant (no entanto), como
“João estudou, portanto será aprovado” e “João estudou, no entanto, não será
aprovado” (BARBISAN et al., 2010). São unidades semânticas básicas.
Desta feita, por questões epistemológicas, não utilizaremos, na presente
pesquisa, os postulados de Carel e Ducrot acerca dos blocos semânticos. Visto
estarmos no âmbito da Análise Semiolinguística do Discurso, que considera que os
sentidos da língua por si só não bastam para o evento comunicativo, sendo
necessários os sentidos de discurso, bem como os diversos imaginários
sociodiscursivos, vamos nos valer, especificamente, das duas primeiras fases da
Teoria da Argumentação na Língua.
A seguir, apresentaremos duas noções muito discutidas por Oswald Ducrot

5
“En efecto, y tal como Marion Carel lo percibió con claridad en su tesis de 1992, si postulamos la
existencia de un principio independiente de la lengua del tipo algo está cerca, por lo tanto ese algo es
de fácil acceso, estamos siendo desleales con la premisa saussureana según la cual la lengua no
debe ser descripta más que por medio de ella misma. Para evitar entonces esta infidelidad,
afirmamos actualmente que el sentido de cerca es el acceso es fácil. Análogamente, el sentido de
lejos es el acceso es difícil. La teoría de los bloques semánticos abandona la teoría de los topoi y
aspira a precisar esta nueva concepción del sentido Nesta terceira fase, o sentido de um enunciado é
consituído pela língua enquanto sistema, e não dependente de coisas, feitos, crenças ou ideias”
(CAREL; DUCROT, 2005, p.13).
72

que apresentam uma importância singular para a nossa pesquisa: a noção de


pressuposto e de subentendido.

2.3.2 Pressupostos e subentendidos

A noção de implícitos advém dos estudos de Gottlob Frege, ainda no final do


século XIX. Frege, criador da filosofia analítica, foi um importante lógico e
matemático alemão que lançou as bases filosóficas para a distinção entre referência
e sentido. Mais tarde, alguns filósofos analíticos, dentre eles Austin e Searle,
desenvolveram seus estudos na esteira do pensamento de Frege, dando origem às
bases para a Pragmática e, por extensão, para os estudos do discurso.
Ducrot apontou, durante o percurso diacrônico da elaboração da Teoria da
Argumentação na Língua, que determinados enunciados apresentam sentidos
diferentes a depender do contexto de uso. Esses sentidos não ditos através dos
enunciados ditos se referem aos pressupostos e aos subentendidos, os implícitos
passíveis de serem compreendidos a partir de um determinado enunciado. Para que
a compreensão desses conceitos se dê de forma satisfatória, entretanto, faz-se
necessária uma rápida revisão da noção de implicaturas conversacionais, do filósofo
da linguagem Paul Grice.
Em seu texto “Lógica e Conversação”, Grice (1991 [1968]) elenca quatro
máximas conversacionais que devem ser seguidas para a boa fruição de uma
interação. Tais regras para o comportamento linguístico concretizam o princípio de
cooperação, que estabelece algumas orientações para que os sentidos que
emergem da interação sejam compreendidos de forma adequada. As quatro
máximas seriam: a Máxima da Quantidade – faça sua contribuição tão informativa
quanto for requisitado –; a Máxima da Qualidade – não afirme o que você acredita
ser falso –; a Máxima da Relação (Relevância) – seja relevante ao tópico da
conversa –; e a Máxima do Modo – evite expressões obscuras, evite ambiguidades,
seja breve e seja ordenado.
Quando alguma dessas máximas for quebrada, ocorre um problema na
compreensão e, portanto, para que o equilíbrio seja restaurado, é necessário que o
interlocutor faça um esforço cognitivo para compreender o que o locutor diz (KOCH,
2015 [1993]). Essa é a base do princípio de cooperação entre os participantes de
uma situação de comunicação. Com isso, entra em cena o processo de inferência,
73

ou seja, o esforço cognitivo que o interlocutor faz para retirar as implicaturas


conversacionais do texto. Grice (1991 [1968]) apresenta um exemplo:

Suponha que A e B estejam conversando acerca de um amigo mútuo, C,


que agora está trabalhando em um banco. A pergunta a B como C está indo
no trabalho, e B responde, Ah, muito bem, eu acho; ele gosta de seus
colegas e ainda não foi para a cadeia. Neste ponto, A pode perguntar o que
B estava implicando, o que ele estava sugerindo, ou mesmo o que ele quer
dizer afirmando que C ainda não foi preso (GRICE, 1991 [1968], p. 306.
Tradução nossa)6.

Notamos que a resposta de B infringe a máxima da relevância, já que o fato


de C ainda não ter sido preso não diz respeito diretamente à pergunta de A. Daí
advém o fato de A se perguntar o que B quis realmente dizer com sua resposta.
Grice (1991 [1968]) explica que, dessa resposta, pode ser inferido que os colegas de
C são traiçoeiros, que C pode ser tentado a fazer algo ilegal dada sua atual
ocupação etc., ou seja, são informações inferidas através do contexto, não
explicitadas, necessariamente, no enunciado.
Em nossas análises presentes no capítulo 4, procuraremos perceber quais
máximas conversacionais foram quebradas de modo que os interlocutores
precisassem retirar dos enunciados as implicaturas necessárias para que o equilíbrio
da interação fosse restaurado. Por vezes, como veremos, o emprego de implícitos,
correspondendo a ameaças veladas, consiste em uma estratégia de patemização.
Dessa forma, de acordo com Fiorin (2016, p. 36), implicatura “se refere às
inferências geradas por expressões linguísticas, pelo contexto, pela situação de
comunicação, pelos conhecimentos prévios do falante”. Ainda de acordo com esse
linguista, os conteúdos implícitos podem ser pressupostos e subentendidos, ou seja,
entramos, novamente, na Teoria da Argumentação da Língua, já que esses
conceitos foram desenvolvidos por Ducrot. Para este, os enunciados apresentam um
componente linguistico, o sentido literal, e um componente retórico, os sentidos
possíveis de serem atribuídos a esse enunciado. A partir dessa distinção, Ducrot
(1987) distingue entre os pressupostos, que estariam relacionados ao componente
linguístico, e os subentendidos, por sua vez, relacionados ao componente retórico.

6
“Suppose that A and B are talking about a mutual friend, C, who is now working in a bank. A asks B
how C is getting on in his job, and B replies, Oh quite well, I think; he likes his colleagues, and he
hasn’t been to prison yet. At this point, A might well inquire what B was implying, what he was
suggesting, or even what he meant by saying that C had not yet been to prison” (GRICE, 1991 [1968],
p. 306).
74

Desta feita, os conteúdos pressupostos estão inscritos através de alguma


forma linguística, enquanto os conteúdos subentendidos independem de uma
ancoragem na língua, mas são recuperáveis a partir de outros tipos de
conhecimento de natureza social e psicológica.
Assim, se alguém diz “Hoje não se fuma mais dentro do ônibus”, a partir do
advérbio “mais”, entende-se que outrora se fumava dentro dos ônibus. Desse modo,
o pressuposto tem de ser tomado como verdade para que o posto também seja.
Mesmo que se negue o conteúdo posto, expresso, o pressuposto ainda continua
sendo verdadeiro. Quando se diz “Maria deixou de comer doce” ou “Maria não
deixou de comer doce”, o conteúdo pressuposto continua sendo o mesmo: Maria
costumava comer doce. De igual modo, o pressuposto também não é sensível à
interrogação, pois, se alguém pergunta “Maria deixou de comer doce?”, ainda está
admitindo o pressuposto de que ela, antes, comia doce.
O subentendido, por sua vez, “é uma informação cuja atualização depende da
situação de comunicação” (FIORIN, 2016, p. 39) e é de responsabilidade do sujeito
interpretante, ou seja, é dependente daquilo que o sujeito que entra em contato com
o texto infere do enunciado. É devido a isso que, para Fiorin (2016, p. 39), “no caso
do subentendido, o enunciador pode refugiar-se atrás do sentido literal das palavras,
para negar que tenha dito o que disse”. De acordo com Ducrot (1987):

[...] existe sempre para um enunciado com subentendidos, um “sentido


literal” do qual tais subentendidos estão excluídos. Eles parecem ter sido
acrescentados. Se, após afirmar que Jacques não despreza vinho, sou
acusado de maledicência, sempre poderei proteger-me por trás do sentido
literal de minhas palavras e deixar a meu interlocutor a responsabilidade da
interpretação que delas faz (p. 19).

Essa característica do subentendido pode levar, inclusive, a questões de


natureza judicial, quando uma parte afirma que entendeu X, enquanto o enunciador
assevera ter dito Y. Nesses casos, um linguista pode ser contratado para atuar como
perito judicial, pois esse especialista é capaz de afirmar se determinado texto
apresenta a capacidade de veicular determinados efeitos de sentido. Trata-se da
área conhecida como determinação de significado, na Linguística Forense (SOUSA-
SILVA; COULTHARD, 2016).
A título de exemplo, observemos a ameaça a seguir, retirada do texto 4 do
conjunto de textos escritos por sujeitos que não se posicionam como criminosos:
75

(24) Vcs tem filhos. Cuidado.

Pelo contexto da carta, através da qual o enunciador ameaça o destinatário


de morte, inferimos que a ameaça também foi estendida aos filhos do casal (os
destinatários). Neste excerto em particular, entretanto, nenhum conteúdo posto
veicula essa afirmação, o que viola a máxima da quantidade. Houve, assim, a
intenção, por parte do sujeito comunicante, de não apresentar as informações
necessárias, deixando-as a cargo da interpretação do sujeito interpretante, que pode
inferir a partir dos enunciados dispostos em (24) que algo de ruim pode acontecer
aos seus filhos. O sujeito comunicante poderia, portanto, afirmar que ele apenas
atestou o fato de o casal possuir filhos, negando que tenha feito uma ameaça a eles.
Essa questão não acontece em um enunciado que apresente um conteúdo
pressuposto. Observemos:

(25) Eu prometo pela minha vida, nunca mais vai trair homem nenhum

No excerto (25) acima, retirado do texto 20 do grupo de textos escritos por


sujeitos que não se posicionam como criminosos, encontramos o conteúdo
pressuposto de que a mulher do sujeito comunicante, o alvo da ameaça, o traía.
Essa informação é inquestionável, pois deve ser verdade para que o conteúdo posto
nesse enunciado também seja verdade. O que é questionável, entretanto, é o
conteúdo subentendido; no caso, já que se tratava de uma carta de ameaça de
morte, apresentando várias ameaças explícitas, notamos que o uso da locução
adverbial “nunca mais” implica que a destinatária da carta poderá ser morta.
Neste trabalho, elencamos uma estratégia de patemização relacionada ao
emprego de implícitos em cartas de ameaça. A partir do nosso corpus, notamos que
os conteúdos relacionados diretamente à ameaça implícita podem ser categorizados
como pressupostos ou subentendidos, ou seja, implicaturas, já que, nesses casos,
os sujeitos enunciadores não escrevem de forma literal o mal que poderá acometer o
destinatário. De acordo com Grice (1991 [1968]), como vimos, a não observação de
uma máxima conversacional compromete a interação. Assim, o interlocutor deve
fazer um esforço cognitivo para inferir os verdadeiros sentidos de um enunciado, de
modo a garantir o equilíbrio da interação. Esses sentidos inferidos são chamados por
Grice de implicaturas conversacionais.
76

A noção de implicatura foi trabalhada por Ducrot (1987) sob a noção de


implícitos, podendo estes ocorrer como conteúdos pressupostos ou subentendidos.
De acordo com o autor (1987, p. 21), “o subentendido só toma seu valor particular ao
opor-se a um sentido literal do qual ele mesmo se exclui”. Portanto, dentre os
recursos linguísticos para garantir que um conteúdo implícito seja recuperado,
consideramos os seguintes:

 a metáfora:

(26) você vai enrolar no inferno (texto 8. Não criminosos)

Observamos que, no enunciado (26) acima, houve a quebra da máxima de


modo, já que o sujeito enunciador não foi claro o suficiente, fazendo uso de uma
metáfora para realizar sua ameaça. No contexto dessa carta, bem como no uso
vernacular, entretanto, a expressão conotativa “enrolar no inferno” permite que o
interlocutor infira um sentido implícito relacionado à morte. No caso em apreço, pelo
fato de outros enunciados apoiarem determinadas inferências, “enrolar no inferno”
corresponde a algo como “você vai ser morta/assassinada”, conforme veremos no
capítulo 4. É importante salientar que, nesta investigação, os sentidos conotativos
serão entendidos como implícitos, mesmo que algumas expressões cristalizadas já
sejam correntemente compreendidas pelos membros da nossa comunidade
sociodiscursiva.

 Nomes genéricos, como no exemplo:

(27) Coisas vão acontecer (texto 10. Não criminosos)

Este excerto (27) foi retirado de uma carta na qual o sujeito enunciador
ameaça o sujeito destinatário, afirmando que, caso este saia à rua, “coisas vão
acontecer”. Ocorre, entretanto, a transgressão da máxima da quantidade, já que o
sujeito enunciador não fornece maiores informações sobre os verdadeiros sentidos
do substantivo “coisas”. Pelo contexto da carta, podemos perceber que o termo
genérico “coisa” deixa implícita uma sanção negativa que acometerá a vítima da
ameaça, já que o sujeito enunciador faz uma assertiva, não modalizando seu
77

enunciado.

 Lacunas, elipses que representem silêncio, o não dito:

(28) [...] se entrar, estamos com 6 reféns Ø (texto 4. Criminosos)

No contexto da carta do exemplo (28), escrita durante uma rebelião prisional,


é subentendido que a entrada de policiais no complexo levaria à morte dos reféns.
Esse subentendido, entretanto, é da responsabilidade do sujeito interpretante, que
busca restaurar o equilíbrio da interação, visto que o sujeito enunciador recorreu a
uma quebra da máxima da quantidade, não fornecendo detalhes acerca do que
poderia acontecer aos seis reféns sequestrados. Dentre os sentidos possíveis de
serem recuperados a partir desse enunciado, podemos elencar: (1) não entrem, pois
se entrarem, estamos com seis reféns que poderão ser mortos; e ainda, (2) não
entrem, pois se entrarem, podemos espancar seis reféns que estão conosco.
Além do conteúdo implícito passível de ser compreendido a partir dos
sentidos subentendidos, por vezes, deparamo-nos também com sentidos
pressupostos, marcados linguísticamente no enunciado (DUCROT, 1987), como
ocorre no excerto que segue:

(29) Este foi apenas o primeiro caso na cidade a passar pela


purificação

No enunciado (29) acima, o numeral ordinal “primeiro” orienta para a


conclusão de que haverá outros casos, já que, para haver algo classificado como
primeiro, pressupõe-se que haja, minimamente, um segundo. Dessa forma, o
conteúdo pressuposto a partir do numeral é o de que haverá outras vítimas dos
sujeitos que ameaçam. Neste enunciado, ainda, encontramos outro sentido implícito,
já que o termo “purificação” foi utilizado metaforicamente para se referir à agressão,
conforme argumentaremos na análise qualitativa, presente no capítulo 4. No que
concerne a esse segundo emprego de implícitos, houve a infração da máxima da
qualidade. O sujeito comunicante sabe que não é verdade que haverá purificação,
mas, agressão, ação percebida pelo emprego do vocáculo “purificação”, em seu
sentido metafórico, para se referir à violência física. Houve, portanto, a tentativa de
78

ocultar, velar a ameaça, que só será recuperada a partir da cooperação do sujeito


interpretante, que procurará retirar do enunciado os sentidos subentendidos.
Como podemos observar, o emprego de conteúdos implícitos na condição de
“premissas, opiniões, pontos de vista que são considerados evidentes por si
mesmos” (FIORIN, 2016, p. 208) diz respeito a uma potente estratégia de
patemização. No capítulo 4, analisaremos de forma mais aprofundada o uso dessa
estratégia, procurando demonstrar que ela é mais recorrente nas cartas dos sujeitos
que não se posicionam como criminosos, já que esses procuram preservar sua face,
construindo para si ethé discursivos relacionados ao que é considerado virtuoso em
nossa comunidade sociodiscursiva.
Antes, porém, faz-se necessário trazer alguns postulados teóricos acerca da
Linguística Forense, já mencionada, pois nosso trabalho se enquadra nessa área de
aplicação da linguística devido à natureza do objeto de estudo, bem como pela sua
possível aplicação na esfera judicial.

2.4 A LINGUÍSTICA FORENSE

Visto estarmos tratando de um tema concernente a situações de comunicação


nas quais um possível crime está sendo praticado, entendemos que nossa proposta
de pesquisa contribui para suprir parte de uma lacuna em duas disciplinas que
dialogam entre si: a Análise do Discurso e a Linguística Forense. Essa lacuna diz
respeito a estudos que se debrucem sobre a descrição e análise do discurso
utilizado em contextos de crime, relacionando-se aos chamados crimes de
linguagem.
Dessa maneira, pelo fato de nosso corpus consistir em cartas de ameaça,
podemos situar nosso trabalho no escopo da Linguística Forense, cujo foco se dá
sobre situações de comunicação relacionadas a questões de natureza jurídica. A
Linguística Forense é, deste modo, compreendida como um campo de estudos que
se debruça sobre a interface entre a linguagem e a lei, o que evidencia sua natureza
interdisciplinar. Para Sousa-Silva e Coulthard (2016, p. 138)7:

7
O texto referenciado, originalmente publicado em inglês sob o título Forensic Linguistics, foi
gentilmente nos cedido, em sua versão em português, pelo professor Rui Sousa-Silva.
79

A Linguística Forense pode definir-se no sentido lato ou no sentido mais


restrito [ ]. No sentido lato, inclui três subáreas: a) a linguagem escrita da lei;
b) a interação verbal em contextos legais; e c) a linguagem como prova. Em
sentido restrito, a definição de Linguística Forense limita a disciplina à
linguagem como prova.

Coulthard (2016) revela que o termo linguística forense foi utilizado pela
primeira vez em 1968 por Jan Startvik, em uma publicação intitulada The Evans
statements: a case for forensic linguistics. No artigo, considerado o trabalho seminal
em Linguística Forense, o autor comparou quatro declarações ditadas por Timothy
Evans, acusado de assassinar sua esposa e filha, e notou que os estilos das
declarações divergiam muito entre si, o que colocava em xeque a autoria dos textos
que foram, possivelmente forjados pelos policiais que tomaram o testemunho do
suspeito. Assim, anos após a execução de Timothy, por enforcamento, um juiz
acabou por inocentá-lo.
A partir dessa publicação, o crescimento da linguística forense se deu
lentamente, sobretudo nos países de língua inglesa. Dentre as várias áreas
abordadas por essa disciplina, encontra-se a linguagem jurídica, que se ocupa dos
textos legais; a interação em contexto forense, que se preocupa, dentre outras, com
questões relativas à tradução, interpretação e comunicação em âmbito forense; e a
linguagem como evidência, que reúne pesquisas relacionadas à utilização do
material linguístico como evidência de um crime, de modo a ajudar a condenar ou,
mais importante, a inocentar um suspeito (COULTHARD; JOHNSON, 2007).
Conforme cada pesquisa, o linguista lançará mão de teorias e metodologias
que lhe servirão para solucionar o respectivo problema, conforme veremos a seguir.

2.4.1 O linguista como perito

No que diz respeito ao trabalho pericial do linguista, este profissional pode ser
contratado para apresentar um parecer ad hoc em casos nos quais surgem
evidências linguísticas8. Dentre esses casos, a literatura da área apresenta o
assédio sexual, o trote telefônico, a ameaça verbal, a extorsão, os crimes contra a
honra (calúnia, injúria e difamação) etc. Isto é, apresenta os chamados crimes de
linguagem (SHUY, 2005), sobre os quais falaremos mais detalhadamente na

8
O autor desta tese já auxiliou no preparo de três laudos técnicos periciais: dois envolvendo a
atribuição de autoria e um dizendo respeito a uma determinação de significados.
80

próxima seção.
Na medida em que cada tipo de material analisado demandará diferentes
abordagens teóricas e metodológicas, Shuy (2006) afirma que o linguista forense
deve ser, preferencialmente, alguém dotado do título de doutor, pois a “maleta de
ferramentas” desse profissional perpassa pela fonética e prosódia, quando está
lidando, por exemplo, com crimes que demandem a identificação do locutor; pela
morfologia, semiótica, dentre outros campos, quando o que está em jogo é uma
peleja judicial por uma marca registrada; pela semântica, pragmática e análise do
discurso, quando se tem a necessidade de averiguar se um determinado ato
discursivo foi ou não produzido – por exemplo, uma calúnia –, ou ainda pela
variação linguística e pela estilística, quando se pretende relacionar ou não a autoria
de algum texto a alguém. De acordo com Sousa-Silva e Coulthard (2016), há ainda a
possibilidade de aplicação dos conhecimentos linguísticos na detecção de plágio, o
que demanda uma abordagem lexicométrica, procurando-se analisar as recorrências
e combinações lexicais.
Assim sendo, na prática da Linguística Forense, o pesquisador ou perito faz
uso de várias áreas da Linguística, visando a solucionar problemas referentes ao
contexto jurídico. De acordo com Coulthard e Johnson (2007, p. 14):

Quando, como linguistas, nós analisamos um texto, utilizamos diversas


ferramentas, métodos e teorias. Na abordagem de um texto em um contexto
forense, o analista precisa considerar em que ele é similar e o que o
distingue de outros textos em outros contextos e quais teorias e métodos
são os mais apropriados para analisá-lo.9

Desse modo, na medida em que a Linguística Forense – LF – busca resolver


problemas relacionados a questões que perpassam todas as esferas de estudos
linguísticos, desde o nível fonético até o nível discursivo, é necessária a seleção de
diferentes métodos e teorias. Faz-se oportuno ressaltar, conforme aponta Shuy
(2006), que nem todo linguista é especialista em todas as áreas científicas dessa
disciplina. Desta feita, por questões éticas, o pesquisador deverá atender aos casos
concernentes à sua área de atuação. Seria inapropriado, por exemplo, um analista

9
“When, as linguists, we analyze a text, we draw on many diverse interpretative tools, methods and
theories. In approaching a text in a forensic context the analyst needs to consider how it is similar
and what distinguishes it from other texts in other contexts and which theories and methods are most
appropriate to analyze it” (COULTHARD; JOHNSON, 2007, p. 14).
81

do discurso aceitar realizar uma perícia envolvendo a verificação de locutor se não


tiver uma sólida base teórica em fonética e variação linguística.
Apesar de a área de atuação da linguística forense ser ampla, ela é bastante
específica, cabendo ao linguista forense, além de ser ético em aceitar apenas
demandas pertinentes à sua formação, reconhecer que alguns objetivos não
condizem com o aporte teórico e metodológico da linguística. Assim, de acordo com
Queralt (2019), em seu recente Decálogo para solicitar um relato pericial em
linguística, em tradução livre, um linguista forense não é o profissional adequado
para: (i) delinear o perfil psicológico de um autor ou falante; (ii) interpretar
psicologicamente os sentidos de um texto; (iii) analisar assinaturas ou (iv) analisar a
escrita do suspeito – este último item é tarefa dos peritos grafotécnicos. A autora
assevera, contudo, que, caso seja pertinente, especialistas de outras áreas podem
ser solicitados para contribuir na perícia linguística, como o já mencionado perito
grafotécnico ou um cientista da computação.
Apesar dessas restrições, de acordo com Sousa-Silva e Coulthard (2016), nos
últimos trinta anos, houve um grande aumento de casos nos quais um linguista
forense foi contratado como perito, principalmente nos países de língua inglesa e no
norte da Europa.
Segundo os autores, dentre as áreas que demandam um olhar especializado
de um linguista, está a disputa por marcas registradas, direitos autorais, plágio,
identificação de falante, atribuição de autoria, competência linguística de suspeitos e
determinação de significados. Como pode ser observado, são diversas as áreas
forenses nas quais um linguista pode atuar enquanto perito ou pesquisador. A
presente investigação pode ser considerada como uma pesquisa que procura
contribuir em casos nos quais o verdadeiro sentido de uma ameaça é questionado,
encaixando-se na área de Determinação de Significado, no âmbito da Linguagem
como evidência.
Sobre essa área última, falaremos mais detidamente a seguir.

2.4.2 Determinação de significados em Linguística Forense

Dentre as áreas relacionadas à linguagem como evidência, mencionadas


anteriormente, faz-se oportuno tecermos algumas considerações sobre a área de
Determinação de Significados, visto ser este o enfoque desta investigação. Assim,
82

ainda segundo Sousa-Silva e Coulthard:

Os linguistas forenses também são frequentemente contratados para


recolherem elementos de prova em casos de Determinação de
Significados, habitualmente de determinada palavra ou expressões curtas.
Nesta matéria, os linguistas já contribuíram para a clarificação de
significados em contratos legais, bem como para ajudar os tribunais a
decidir se determinadas expressões constituem calúnia, injúria ou
difamação, ou mesmo se determinados trechos constituem uma ameaça ou
são prova de crime de ódio (SOUSA-SILVA; COULTHARD, 2016, p. 142-
143. Grifo no original).

Coulthard e Johnson (2007) já haviam apresentado uma série de casos


envolvendo determinação de significados relacionados a alguma ambiguidade
léxico-gramatical, bem como a significados lexicais, seja no que concerne a apenas
uma palavra, seja no que concerne ao significado pragmático, portanto, textual e
discursivo. Além de Coulthard e Johnson (2007), Shuy (2011) e Butters (2013)
apresentam casos nos quais um linguista foi contratado para resolver disputas
judiciais envolvendo marcas registradas (trademarks).
Normalmente, os processos ocorrem quando outra empresa, possivelmente
agindo de má fé, copia parte da ideia envolvida em frases de efeito, nomes ou
logotipos de outra empresa, buscando, no processo, aproveitar-se da legitimidade e
reconhecimento desta pelo público. Em caso recente ocorrido no Brasil, e
mencionado por Sousa-Silva e Coulthard (2016), por exemplo, a fabricante de
cachaças João Andante foi processada e proibida de fazer uso do nome, visto
remeter à marca de uísque internacionalmente conhecida Johnny Walker.
De acordo com Butters (2013, p. 01. Tradução nossa), “juntos, patentes,
direitos autorais e marcas registradas são chamadas de propriedades intelectuais 10”,
sendo protegidas por lei. Assim, quando algum delito é cometido no que concerne a
esses direitos, como em um caso de suspeita de plágio, um linguista forense pode
contribuir para averiguar a situação.
Nessa mesma linha de raciocínio, ainda no que concerne à determinação de
significados, Coulthard (2016, p. 19) assevera que “não concerne ao linguista
forense decifrar palavras, mas sim interpretá-las. O sentido das frases ou mesmo
das palavras individuais pode ser de importância crucial em alguns julgamentos”.
Além do mais, ainda de acordo com Coulthard (2016, p. 21):

10
“Together, patents, copyrights, and trademarks are called intellectual property” (BUTTERS, 2013, p.
01).
83

[...] mais amiúde, a disputa [de significado] não decorre do que o emissor
profissional original de uma mensagem tencionaria que um item
significasse, mas sim a interpretação razoável que o leitor, o homem comum
do dia a dia, poderia atribuir à expressão. Por exemplo, no presente há
vários casos chegando aos tribunais sobre o sentido e a clareza das
advertências nos maços de cigarro [...] e sobre a explicitação e honestidade
dos conselhos de cautela às mulheres acerca dos implantes de mama.

Desta feita, compreende-se que, embora o enunciador possa afirmar que os


sentidos permitidos por seus enunciados não eram concernentes à sua intenção, é o
que o interlocutor compreende que será objeto de uma demanda judicial. Coulthard
(2016) ainda apresenta outro caso, desta vez, o exemplo de um senhor de 58 anos,
trabalhador em uma indústria de cimento, que processou uma companhia que havia
se recusado a pagar sua pensão. Na ocasião, a companhia alegou que o indivíduo
havia respondido de forma mentirosa a um questionário que perguntava se ele
apresentava alguma deficiência. Como ele afirmara que não, a companhia alegou a
mentira, pois o senhor estava acima do peso e apresentava alto índice de colesterol.
De acordo com Coulthard (2016), Prince foi chamado para avaliar o caso,
evidenciando a vaguesa da palavra “deficiência”, em inglês. O linguista forense,
então, afirmou que o leitor cooperativo inferiria que “deficiência” teria um sentido
relativo a alguma incapacidade ou inaptidão física, comprovando, assim, que o
indivíduo não havia agido de má fé. Coulthard explica ainda que uma das formas de
o linguista atestar o sentido mais usual de um termo é através de uma busca online
em corpora eletrônicos.
Nesse mesmo viés, a presente pesquisa se debruça sobre questões
pragmático-discursivas concernentes ao ato de fala de ameaça, procurando
demonstrar que, mesmo através de implícitos, frequentemente, não restam dúvidas
quanto à natureza ameaçadora de determinado texto. Assim, mesmo que o sujeito
comunicante afirme não ter pronunciado uma ameaça, ao lançar mão de implícitos,
se o sujeito interpretante se sentir ameaçado e procurar a justiça, um linguista
forense pode ser capaz de contribuir no processo, aferindo, através de um laudo
pericial, se houve ou não uma ameaça.
A Determinação de Significado, portanto, consiste no trabalho de um linguista
acerca da interpretação de determinadas ambiguidades ou falta de clareza, isto é,
significados questionados, seja em uma lei, seja em outro documento jurídico, como
sentenças judiciais e contratos, ou mesmo em documentos não jurídicos, como
rótulos e embalagens. Especificamente, conhecimentos em semântica, pragmática e
84

análise do discurso são os mais requisitados nesse caso, pois noções como
ambiguidade, polissemia, subentendidos e sentidos de discurso devem ser levados
em consideração.
No que diz respeito não apenas à prática pericial, mas também ao uso da
linguagem em contextos jurídicos, área também abarcada pela LF, a Análise do
Discurso pode ser considerada a tradição de estudos mais utilizada na Linguística
Forense, principalmente, a Análise Crítica do Discurso – ACD –, de tradição inglesa.
Tanto no Brasil quanto em Portugal, grande parte dos analistas do discurso que se
debruçam sobre a análise e reflexão acerca de discursos oriundos de práticas
jurídicas, ou a elas relacionados, vincula-se a essa vertente da AD.
Assim, até o presente momento, esta investigação parece ser a única que
relaciona a Teoria Semiolinguística do Discurso à Linguística Forense. Pudemos
constatar esse fato a partir da revisão de literatura que fundamenta esta pesquisa,
através da qual empreendemos uma busca por teses e dissertações no banco de
teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),
bem como no portal Scielo e na ferramenta Google Acadêmico. Ao procurarmos
pelas palavras-chave “linguística forense” e “semiolinguística”, não obtivemos
nenhum resultado direto, mas a busca pela palavra-chave “linguística forense” nos
permitiu localizar as últimas pesquisas concernentes a essa área, no Brasil.
Desta feita, de modo a demonstrarmos os diversos níveis linguísticos e
aportes teórico-metodológicos que podem ser utilizados em uma pesquisa em
Linguística Forense, apresentamos o quadro a seguir, no qual constam as teses e
dissertações defendidas nos últimos anos que reclamam para si o status de
pesquisa aplicada à esfera forense11.
Não tivemos a intenção de realizar uma pesquisa sobre o estado da arte da
linguística forense no Brasil. Nosso objetivo foi o de mapear as áreas utilizadas
nessas pesquisas, visando a demonstrar que, no que concerne à interseção entre a
Análise do Discurso e a Linguística Forense, a Teoria Semiolinguística do Discurso
foi utilizada, aparentemente, apenas na presente investigação e em nossa
dissertação de mestrado (cf. SILVA, 2016):

11
Trabalhos encontrados no banco de teses e dissertações da Capes. Disponível em
<http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/>. Acesso em 20 out. 2018. Além disso, foram
também efetuadas buscas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Disponível em <
http://bdtd.ibict.br/vufind/>. Acesso em 28 abr. 2019.
85

Quadro 2: Pesquisas em Linguística Forense no Brasil


Autor Título Nível Arcabouço Local e
teórico data de
defesa
I Zeli Miranda Linguística de corpus e Doutorado Linguística de 2019 –
Gutierrez a linguística forense: a corpus PUC-SP
Gonzalez questão da autoria

II Renata Identificação de falante: Doutorado Fonética 2018 –


Christina um estudo perceptivo da PUC-SP
Vieira qualidade de voz
III Aline de Paula Brasildata: Base de Doutorado Fonética 2018 –
Machado Dados de análise Unicamp
fonético-forense para
comparação de locutor
IV Remildo A mentira tem perna Mestrado Fonética/Prosódia 2018 –
Barbosa da curta? Elementos UFAL
Silva prosódico-temporais
como pistas para
identificação de discurso
enganoso
V Renata Regina Estudo acústico- Doutorado Fonética/ 2018 –
Passetti perceptual do estilo de Sociolinguística Unicamp
fala telefônico com Variacionista
implicações para a
verificação de locutor
em português brasileiro
VI Julio Cesar Laringalização no Mestrado Fonética 2017 –
Cavalcanti de Português Brasileiro: UFAl
Oliveira uma análise em torno
do fenômeno laríngeo e
implicações para a
comparação de locutor
VII Agnes dos Posicionamento e Doutorado Linguística de 2016 –
Santos Linguística Forense: Corpus / Análise PUC-SP
Scaramuzzu- uma análise mediada do
Ridrigues pela Linguística de posicionamento
Corpus
VIII Bruna Batista Investigating plagiarism Doutorado Abordagens 2016 –
Abreu in the academic pedagógicas UFSC
Context
IX Caroline de Attention! Read it Doutorado Linguística 2016 –
Araújo Pupo carefully! On the Sistêmico UFSC
Hagemeyer (in)efficiency of warning Funcional
labels
X Claudia O Princípio da Dissertação Análise da 2016 –
Poliana de Cooperação em Conversação/ UFMS
Escobar de contexto forense: as Pragmática
Araujo máximas
conversacionais em
audiências judiciais
XI Denise de Medidas de duração de Dissertação Fonética Acústica 2016 –
Oliveira consoantes oclusivas (Engenharia UFTPR
Carneiro como vestígios de fala Biomédica)
em análise acústico-
instrumental forense de
amostras com e sem
uso de disfarce
XII Mônica Diálogos de uma tortura, Dissertação Semântica Global 2016 –
86

Azzariti discursos de um crime UERJ


XIII Welton Pereira A argumentação em Dissertação Semiolinguística 2016 –
e Silva crimes via telefone sob UFV
a perspectiva da Teoria
Semiolinguística
XIV Dayane Análise Forense de Doutorado Sociolinguística/ 2015 –
Celestino de autoria textual: estilos Semiótica USP
Almeida sociais e individuais Discursiva
XV Renata Regina O efeito do telefone Mestrado Fonética 2015 –
Passetti celular no sinal da fala: Unicamp
uma análise fonético-
acústica com
implicações para a
verificação de locutor
em português brasileiro
XVI Luciane Reiter Tradução Forense: um Doutorado Estudos da 2014 –
Fröhlich Estudo de Cartas Tradução UFSC
Rogatórias e suas
Implicações
XVII Cintia Taxa de elocução e de Doutorado Fonética/ 2013 –
Schivinscki articulação em corpus Sociofonética PUC-RS
Gonçalves forense do português
brasileiro
XVIII Cláudia Maris Gêneros textuais Doutorado Interacionismo 2012 –
Tullio jurídicos petição inicial, Sócio-Discursivo/ UEL
contestação e sentença Análise Crítica do
: um olhar sobre o léxico Discurso/
forense Lexicologia
XIX Walter Ribeiro Atribuição de autoria de Mestrado Estilística/ 2011 –
de Oliveira documentos em língua (Informática) Informática PUC-PR
Junior portuguesa utilizando a
distância normalizada
de compressão
XX Paulo Júnior O uso de atributos Dissertação Estilística/ 2010 –
Varela estilométricos na (Informática) Informática PUC-PR
identificação de autoria
de textos
XXI Lourival O intérprete de Tribunal Doutorado Sociolinguística 2009 –
Novais Néto no Brasil: peritus Interacional PUC-SP
peritorum?
Fonte: Banco de teses e dissertações da Capes; Scielo e Google Acadêmico

Para a construção do quadro acima, foram levadas em conta apenas as


pesquisas que se filiam explicitamente à Linguística Forense. Assim, embora
tenhamos relatos de diversos trabalhos que se debruçam sobre a linguagem
utilizada em âmbito jurídico, interessou-nos catalogar aqueles que se identificam
com a pesquisa e prática em LF. Como pode ser observado, grande parte dos
trabalhos se vincula à Fonética Forense, área mais fortemente consolidada em
território brasileiro, principalmente por influência da Unicamp, cujo laboratório de
fonética forneceu grande embasamento para perícias em fonética forense,
contribuindo, inclusive, com a Polícia Federal.
87

Dentre as pesquisas vinculadas à Fonética Forense, observamos profundo


interesse pela verificação de locutor, especialidade da perícia em fonética que leva
em conta diversas características idiossincráticas do aparelho fonador do indivíduo:

A verificação de locutor é a atividade pericial dentro da Fonética Forense


capaz de determinar se duas falas foram produzidas por um mesmo falante.
Este tipo de exame é realizado mediante análises técnico-comparativas das
vozes dos falantes para que o perito possa concluir quanto à unicidade.
Trata-se de um exame direcionado a determinar a autoria de uma voz e,
portanto, serve como meio de prova, na área forense, para atribuir a alguém
a autoria de um crime, a sua participação nele, ou a ele relacionar (BRAID,
2003, p. 06).

No quadro apresentado, observamos ainda o destaque da produção científica


da Universidade Federal de Santa Catarina, que conta, no Programa de Pós-
Graduação em Inglês, com a presença do professor Malcolm Coulthard, figura
importante na criação e consolidação da Linguística Forense. A UFSC abriga o
Grupo de Linguística Forense12, grupo de pesquisa do qual fazem parte diversos
pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Este grupo conta com um dos editores
responsáveis pela revista Language and Law, em parceria com a Universidade do
Porto, e promove constantes eventos acadêmicos visando à comunicação entre as
ciências da linguagem e o Direito.
Outra universidade que vem se destacando no cenário nacional é a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que conta com o grupo de pesquisa em
Linguística Forense13, do qual fazemos parte. Além de promover o I Simpósio de
Linguística Forense, no ano de 2017, o grupo conta com algumas pesquisas em
nível de mestrado e, em curso até o presente momento, também de doutorado.
Apresentamos no quadro, além disso, trabalhos pertencentes a outras áreas
do conhecimento, como a engenharia e a informática, na medida em que esses
pesquisadores vincularam seus trabalhos à Fonética Forense ou à Linguística
Forense. Salienta-se, portanto, um interesse pela perícia linguística evidenciado por
áreas relacionadas às ciências exatas e à tecnologia. De acordo com Sousa-Silva e
Coulthard (2016), casos envolvendo crimes cometidos através da internet, os
chamados cibercrimes, também passam a se tornar interesse da linguística forense.
Mais recentemente, graças aos avanços da Linguística Computacional no que

12
Para mais informações, consultar o site <http://www.linguisticaforense.ufsc.br/tiki-index.php>.
13
Para mais informações, consultar o site <https://linguisticaforenseuerj.wordpress.com/linguistica-
forense-2/>.
88

concerne ao tratamento de grandes corpora eletrônicos, bem como ao


processamento de linguagem natural (PLN), torna-se relevante falarmos, também,
em uma abordagem vinculada à Linguística Forense Computacional, como explica
Sousa-Silva (2018). O autor elenca uma série de áreas nas quais o uso de
ferramentas computacionais auxilia o trabalho do linguista forense, como a atribução
de autoria, detecção de plágio, análise de fake news e cibercrimes diversos
(discursos de ódio, calúnia, injúria, difamação e ameaças online etc.).
De fato, a perícia linguística recorre frequentemente a ferramentas
computacionais, o que faz com que o diálogo entre a linguística forense, a linguística
computacional e as ciências da computação e informática tenha de ser travado com
cada vez mais propriedade.
Contudo, Sousa-Silva (2018, p. 120) chama a atenção para o fato de, a
despeito dos grandes avanços nas ciências da computação, “[...] embora uma
análise puramente computacional possa ser extremamente valiosa em contextos
forenses, em última análise, ela só pode ser aceita como evidência ou mesmo como
uma ferramenta de investigação quando interpretada por um linguista” 14. Isto é,
embora as ferramentas computacionais sejam, hoje, indispensáveis, elas não
substituem o olhar subjetivo e bem treinado de um pesquisador formado e
especializado em linguística.

2.5 A CARTA DE AMEAÇA: OBJETO DE ANÁLISE

Nesta seção, será apresentado o objeto de estudo desta pesquisa: a ameaça


efetuada por meio de cartas. Primeiramente, discorreremos acerca das
características lógico-formais e pragmático-discursivas do ato de fala de ameaça.
Recorreremos, para isso, a pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, já
que a ameaça é estudada em várias disciplinas. Assim, traremos algumas
concepções da Filosofia da Linguagem, da Pragmática, do Direito Penal, da
Estratégia Militar e da Análise do Discurso. Posteriormente, apresentaremos o
subgênero carta de ameaça, pautando-nos principalmente sobre abordagens de
gêneros na Linguística de Texto e na Semiolinguística do Discurso. Por fim,

14
“[…] although a purely computational analysis can be extremely valuable in forensic contexts,
ultimately such an analysis can only be acceptable as an evidential or even an investigative tool when
interpreted by a linguist” (SOUSA-SILVA, 2018, p. 120).
89

discorreremos, amparados na Linguística Forense, acerca do que postulamos sobre


os discursos criminalizáveis.

2.5.1 O ato de fala de ameaça como um crime de linguagem: breve revisão de


literatura

Nesta investigação, entendemos a ameaça como um ato de fala, no sentido


dado por Austin (1990) em sua Teoria dos Atos de Fala, na medida em que dizer
algo corresponde a uma ação propriamente dita. Desta feita, dizer é fazer, já que
nos referimos ao “uso da linguagem em um determinado contexto, com uma
determinada finalidade e de acordo com certas normas e convenções” (AUSTIN,
1990, p. 11). Na nomenclatura desse filósofo da linguagem, podemos classificar os
atos de fala em locucionários, ilocucionários e ainda perlocucionários, já que “dizer
algo frequentemente, ou até normalmente, produzirá certos efeitos ou
conseqüências sobre os sentimentos, pensamentos ou ações dos ouvintes” (p. 89).
Os atos locucionários dizem respeito à própria elocução verbal de natureza
referencial, seu arranjo fonético-fonológico, morfológico e sintático; os ilocucionários
correspondem à força atribuída ao ato de fala, como o ato de pedido, de ameaça, de
promessa, de pergunta etc., e os perlocucionários são aqueles através dos quais
uma ação responsiva é despertada no interlocutor. Entretanto, como adverte Koch
(2015 [1993], p. 19. Grifos no original):

É preciso, no entanto, observar que todo ato de fala é, ao mesmo tempo,


locucionário, ilocucionário e perlocucionário, caso contrário não seria um ato
de fala: sempre que se interage através da língua, profere-se um enunciado
linguístico dotado de certa força que irá produzir no interlocutor
determinados(s) efeito(s), ainda que não aquele(s) que o locutor tinha em
mira.

A Teoria dos Atos de Fala, de Austin foi, posteriormente, desenvolvida com a


contribuição de Searle, outro filósofo da linguagem de base analítica. Searle
procurou dar mais sistematicidade à Teoria dos Atos de Fala e, para isso, tomou
como exemplo o ato ilocucionário da promessa, apontando quais seriam as
condições necessárias e suficientes para que o ato da promessa fosse executado de
forma adequada. Foi Searle também quem demonstrou que a força ilocucionária de
um ato de fala pode vir explícita, como quando alguém diz “prometo não te
90

abandonar”, ou implícita, quando a força ilocucionária não está especificada, mas o


contexto deixa claro que se trata de um pedido, de uma ordem, de uma ameaça etc.
Visto a ameaça ser aqui entendida como um ato de fala ilocucionário, faz-se
necessário salientar que seus efeitos perlocucionários (amedrontar, intimidar) podem
ser obtidos, por exemplo, através da utilização da argumentação patemizante,
principalmente porque a ameaça diz respeito a um mal hipotético que poderá ser
acometido a uma possível vítima.
Outra noção central para a Teoria dos Atos de Fala é de verbos
performativos, vale saber, os verbos através dos quais uma ação é desempenhada
no momento em que é enunciada:

Evidentemente que este nome é derivado do verbo inglês to perform, verbo


correlato do substantivo “ação”, e indica que ao se emitir o proferimento
está-se realizando uma ação, não sendo, consequentemente, considerado
um mero equivalente a dizer algo (AUSTIN, 1990, p. 25. Itálico no original).

Por exemplo, quando um sacerdote, ou outro indivíduo dotado de legitimidade


institucional, afirma “eu vos declaro marido e mulher”, em uma cerimônia de
casamento, a enunciação do verbo “declarar” é, ao mesmo tempo, enunciar e
praticar a ação.
No que concerne à performatividade do ato de fala de ameaça em inglês e em
árabe, os professores Kadhim e Abbas da Universidade da Babilônia, no Iraque,
chegaram a um resultado interessante. De acordo com os pesquisadores, em árabe,
esse ato de fala pode ocorrer tanto como um performativo explícito – quando o
próprio verbo é utilizado no enunciado, quanto como um performativo implícito,
sempre levando em conta que “performativos são ações, como fazer uma ameaça
ou dar uma ordem15” (2015, p. 229. Tradução nossa).
Embora nem sempre haja a enunciação direta do verbo “ameaçar”, em inglês,
Kadhim e Abbas (2015) relatam que pode haver um performativo implícito, quando a
ação de ameaçar é clara, mas o verbo “ameaçar” não foi efetivamente enunciado. Já
em árabe, segundo os autores, é plenamente possível a utilização do verbo de
forma explícita, como em “eu ameaço te matar” ( ‫بالقتل اھددك‬ 16
), sentença não
condizente com a gramática da língua portuguesa, na qual a performatividade do
15
“[…] performatives are actions, such as making a threat or giving an order” (KADHIN; ABBAS, 2015,
p. 229).
16
Os autores preferiram a tradução “I threaten you with homicide”, cuja tradução literal – eu te
ameaço com homicício – não seria condizente com a gramática do Português.
91

verbo “ameaçar” é garantida pelos efeitos de sentido extraídos da situação de


comunicação.
Baseando-se nas condições de felicidade da promessa, apresentadas por
Searle, conforme foi dito anteriormente, os professores Kadhim e Abbas (2015, p.
232) elencam as condições para que a ameaça seja consolidada, a saber:

1. Condições normais de input e output: o enunciador e o destinatário devem


ter a capacidade de se compreender mutuamente, usarem o mesmo
código linguístico.
2. Condição de conteúdo proposicional: a proposição da ameaça deve se
basear no ato futuro e ser proferida em uma determinada situação.
3. Condições preparatórias: o enunciador deve saber que o ato não é
preferível, desejado pelo destinatário.
4. Condição de sinceridade: a intenção do falante de realizar o ato de
ameaçar deve ser séria.
5. Condições essenciais: o enunciador insiste em fazer com que o
destinatário faça o ato solicitado em virtude de sua autoridade sobre ele.
6. Condições de encerramento: o ato de ameaçar será real se a estrutura do
enunciado sintaticamente e semanticamente concordar com a condição
acima.

Adaptamos alguns termos utilizados pelos autores para que melhor se


enquadrassem à nossa abordagem teórica. Por exemplo, enquanto eles usam o
termo em inglês “adresser”, que poderíamos traduzir como “remetente”, preferimos
fazer uso do termo “enunciador”, já que nos filiamos às teorias enunciativas. De todo
modo, o que os autores defendem – e com eles concordamos – é que, para que o
ato de fala de ameaça seja plenamente compreendido como tal, algumas condições
relativas ao contrato de comunicação e às identidades dos sujeitos envolvidos na
troca comunicativa devem ser observadas. Assim, o sujeito deve ter a intenção de
realizar a ameaça e, ao menos, levar o destinatário a crer em seus argumentos.
No que concerne ao Direito Penal, o Código Penal Brasileiro, em seu artigo
147, tipifica a ameaça da seguinte maneira: “Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra,
escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e
92

grave”17. Apesar de o texto legal abranger outros meios semióticos, como o gesto e
a imagem, ao contrário do Código Penal, neste trabalho, estamos analisando
apenas ameaças verbais efetuadas a partir da modalidade escrita do português
brasileiro, visto estarmos trabalhando com cartas. Por isso, formulamos a hipótese
básica que orienta nossa investigação, salientando a natureza verbal e defendendo
que a ameaça verbal em língua portuguesa ocorreria como conteúdo explícito
ou implícito e se consolidaria a partir de diferentes estratégias de patemização.
Em âmbito internacional, de acordo com Fitzgerald (2005), o FBI – Federal
Bureau of Investigation – considera o ato de ameaçar como uma “[...] declaração
verbal, transmitida de modo escrito ou eletrônico, indicando ou sugerindo que
ocorrerá algum evento que irá atingir de forma negativa o destinatário, alguém ou
algo associado a ele/ela, ou outros [alvos] específicos ou não especificados” 18
(FITZGERALD, 2005, p. 02 apud GALES, 2015. Tradução nossa).
Em âmbito jurídico, para que uma ação seja tipificada como uma ameaça, é
necessário que o mal seja injusto, ou seja, não amparado legalmente. Ameaçar
processar alguém, portanto, não seria tipificado como ameaça. O mal que a vítima
supostamente sofrerá também deve ser grave e verossímil, bem como o sujeito que
ameaça deve deter os meios para cumprir o que ameaçou.
Já nos estudos em Análise do Discurso, segundo Emediato (2007), cuja
definição de ameaça se coaduna à de Salgueiro (2010), a ameaça é um ato
discursivo parecido com a promessa, mas, enquanto nesta o interlocutor receberia
algo que julgue positivo, na ameaça, a sanção é sempre negativa. Desse modo, a
condição de número três – o enunciador deve saber que o ato não é preferível,
desejado pelo destinatário – para a realização adequada do ato de fala de ameaça,
descrita por Kadhim e Abbas (2015), é ressaltada pelo Direito Penal brasileiro, pelo
FBI e por Emediato (2007).
Outro ato de fala comparado à ameaça é o aviso. Por vezes, diante de uma
ameaça implícita, o destinatário poderia perguntar ao enunciador se ele o está
ameaçando, pergunta que pode levar à seguinte resposta: não é uma ameaça, é
apenas um aviso. De acordo com Walton (2014), importante pesquisador
17
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em 29 maio
2018.
18
“[…] verbalized, written, or electronically transmitted statement that states or suggests that some
event will occur that will negatively affect the recipient, someone or something associated with
him/her, or specified or non-specified others” (FITZGERALD, 2005, p. 02 apud GALES, 2015).
93

contemporâneo que se ocupa da lógica e da argumentação, no entanto, existe uma


condição essencial para que um ato de fala seja considerado uma ameaça e não
apenas um aviso, por exemplo. Trata-se da afirmação de que más consequências
ocorrerão, a menos que o interlocutor realize a ação recomendada pelo locutor. De
acordo com Walton, essa “[...] condição essencial é característica do ato de fala de
ameaça, mas é caracteristicamente ausente quando o ato de fala de dar um aviso é
feito” (WALTON, 2014, p. 06). Assim, para Walton (2014), a menos que essa
condição essencial esteja presente, o ato de fala precisa ser classificado como um
aviso e não como uma ameaça.
Faz-se oportuno observar que os atos de fala de aviso e de ameaça são
percebidos como parecidos pelos falantes, fato atestado em nosso corpus, quando o
sujeito que ameaça realiza os seguintes enunciados:

(30) Um aviso te dou é melhor voce sumir se não quizer perder a língua
ou terminar numa vala morta dona Maria (Texto 11 - criminosos)

No excerto (30) acima19, notamos que, apesar de o sujeito ameaçar o


destinatário, ele afirma que a carta se trata de um aviso. Entretanto, esse ato de fala
apresenta a condição essencial da ameaça, deixando claro que o mal (ter a língua
decepada ou ser assassinada) acontecerá a menos que o destinatário faça o que foi
solicitado pelo remetente (sumir). Essa distinção semântico-pragmática pode ser
aplicada a uma perícia linguística relacionada à determinação de significados, caso
haja alguma dúvida no que diz respeito a um determinado enunciado ser
considerado ou não uma ameaça, conforme defenderemos adiante.
Quando tratamos do ato de fala de ameaça, estamos, desse modo, diante de
um argumentum ad baculum que, conforme explica Fiorin (2016), é o argumento que
apela para a força. Ad baculum, em tradução livre do latim, seria algo como “pelo
báculo”, “pelo porrete”, já que báculo é um tipo de cajado usado por pastores. Assim,
através dessa estratégia argumentativa, o enunciador procura convencer seu
interlocutor “a aceitar sua proposta, recorrendo a uma ameaça, a uma proibição, a
um valor negativo”, ou seja, recorrendo à força (FIORIN, 2016, p. 227. Grifos

19
O texto completo pode ser encontrado em nosso corpus sob o título Texto 11: Carta de ameaça a
conselheira tutelar.
94

nossos).
Além do aviso, outro ato de fala que tende a ser aproximado da ameaça é a
promesa. De acordo com o pragmaticista Salgueiro (2010), esses atos de fala se
aproximam, compartilhando, por vezes, a mesma configuração formal. Mesmo que
as formas das sentenças de promessa e ameaça sejam parecidas em determinadas
ocasiões, entretanto, há uma substancial diferença quanto ao sentido discursivo e
pragmático desses dois atos de fala, visto que a promessa traz consigo uma sanção
positiva para o interlocutor, ou, ao menos, uma sanção que o locutor julgue positiva,
enquanto a ameaça traz sempre uma sanção negativa, ou considerada negativa e
despreferida pelo locutor. Conforme atesta Salgueiro:

[...] as promessas constitutivamente geram para o falante uma obrigação em


manter sua promessa, sem a qual nenhuma promessa é feita, enquanto as
ameaças parecem não gerar tal obrigação, ao menos para a pessoa
ameaçada. Se a ameaça não for cumprida, a pessoa ameaçada não irá
reclamar pelo fato de o ameaçador não cumprir sua palavra (SALGUEIRO,
2010, p. 221. Tradução nossa)20.

Anteriormente, outro pesquisador que se debruçou sobre as diferenças entre


a ameaça, a promessa e o aviso foi Fraser (1998). Para ele, a diferença principal
entre a ameaça, a promessa e o aviso consiste no fato de que (i) a ameaça intimida
o destinatário e (ii) o locutor apenas expressa uma vontade, mas não se
compromete a realizá-la. Para esse linguista forense, a intenção de intimidar e
amedrontar o destinatário é uma condição inerente a todo ato de fala de ameaça,
intenção que não se faz presente na promessa ou no aviso.
A intimidação, portanto, seria resultado da força perlocucionária da ameaça,
tratando-se de um efeito de patemização. É importante frisar, no entanto, que a
intimidação não é uma condição efetiva para que a ação linguística seja considerada
uma ameaça. Assim, embora o interlocutor não se sinta ameaçado, se o locutor
tentar intimidá-lo, e essa intenção puder ser percebida no enunciado, a ação já
configura ameaça, podendo ser tipificada como um crime.
Outro pesquisador que se debruçou sobre o estudo linguístico das ameaças
foi Nini (2017), que também fala a partir da Linguística Forense. De acordo com o
autor, há muitos trabalhos que se focam sobre o aspecto pragmático da ameaça,

20
“That promises constitutively generate for the speaker an obligation to keep his or her promise,
without which obligation no promise has been made, while threats appear to generate no such
obligation, at least with the person threatened. If a threat is not carried out, the person threatened will
not complain that the threatener has not kept his word” (SALGUEIRO, 2010, p. 221).
95

mas poucos que se interessam por questões de variação de registro, a forma como
o uso da língua muda a depender do contexto de comunicação. Ao comparar textos
de ameaça – que ele chama de textos maliciosos, em tradução livre – com outros
textos, o pesquisador notou a predominância de verbos modais em ameaças,
mostrando que textos que apresentam esse ato de fala se comportam de modo mais
persuasivo do que aqueles que não o apresentam.
Essa atestação de Nini (2017) comprova o caráter argumentativo da ameaça,
resultado também alcançado previamente por Gales (2010). Esta, após comparar
470 textos de ameaça a 556 textos que não continham esse ato de fala, levando em
consideração, por exemplo, o verbo modal inglês will, chegou à conclusão de que a
forma “if you don’t X I will Y” corresponderia a um padrão sintático prototípico da
ameaça. A referida configuração sintática corresponde, em português, ao que
chamamos, apoiados em Charaudeau (2008), de dedução condicional.
Em trabalho recente (GOUVÊA; SILVA, 2018), notamos que, em ameaças de
morte do tipo se X então Y, a oração condicionante corresponde justamente ao uso
da estratégia expressões modalizadoras, devido ao uso do operador argumentativo
“se”, e a oração condicionada corresponderia ao uso da estratégia palavras,
expressões e enunciados que designam calamidade, em ameaças explícitas, ou da
estratégia de patemização emprego de implícitos, em ameaças implícitas. Ao
contrário da língua inglesa, não observamos, em nosso corpus, o uso da negativa de
forma prototípica. O que chama a atenção é a modalização, em inglês com o verbo
will e, em português, através dos operadores argumentativos se... então. Essas
questões serão mais bem analisadas no capítulo 4.
Apesar de haver uma configuração sintática aparentemente prototípica, Nini
(2017) lembra que a maior parte dos estudos sobre a ameaça chega à conclusão de
que um ato de fala de ameaça só pode ser plenamente entendido dessa forma se
levarmos em conta questões de natureza pragmática e contextual. O pesquisador,
entretanto, tenta contribuir com o trabalho de peritos e juízes que se deparam com a
dúvida acerca de um texto apresentar ou não caráter ameaçador:

Apesar de, como Fraser (1998) admite, poder ser impossível determinar a
partir unicamente da linguagem se um enunciado é ameaçador, a pesquisa
apresentada neste artigo sugere que é de fato possível entender com algum
grau de certeza se um determinado texto é um texto forense malicioso de
ameaça baseado em uma avaliação de como a modalidade e os sentidos
96

persuasivos são usados nele (NINI, 2017, p. 29-30. Tradução nossa)21.

Assim, não são apenas os padrões linguísticos que delimitarão uma ação
verbal como ameaça. Concordamos com essa afirmação, visto nos situarmos nas
correntes enunciativas, a partir das quais entendemos que todo uso linguístico só se
realiza a partir de uma situação de comunicação em particular. Para que a interação
seja eficaz, portanto, devem ser levados em conta as identidades dos protoganistas,
o contrato de comunicação, o tema e as finalidades, de modo que os sentidos sejam
plenamente compreendidos.
O trabalho de Gales (2015), por sua vez, procurou mostrar que algumas
diferenças linguísticas entre ameaças efetivamente concretizadas e ameaças não
concretizadas não são consistentes. A partir de uma abordagem vinculada à
linguística sistêmico-funcional, a autora notou que a tomada de posição através da
modalização, tida pela literatura como uma característica mais marcada nos textos
cujas ameaças foram concretizadas, é influenciada por questões ideológicas e
sociais acerca do ato de ameaçar. Assim, de acordo com a autora, não parece haver
mais engajamento nas ameaças efetivamente concretizadas.
Gales (2015) afirma ainda que a tradição de estudos sociológicos e
psicológicos em âmbito jurídico de várias agências governamentais, inclusive do
FBI, ao tentar delinear alguma possível diferença entre ameaças concretizadas e as
não concretizadas, chegou à conclusão de que, quanto mais especificidade e
detalhamento, mais perigosa é a ameaça. Em contraste, quando mais vagos forem
os termos utilizados, menor o nível de periculosidade dos textos. Conforme assevera
a autora, entretanto, apenas as marcas linguísticas não dizem muito acerca das
verdadeiras intenções do locutor.
Como a linguística forense trabalha, também, com crimes e contribui para a
possibilidade de absolver ou culpar um indivíduo, é extremamente necessário que o
pesquisador trabalhe com cautela e ética, conhecendo bem os limites que a
linguística, como ciência, apresenta. Em nosso corpus, estamos lidando com
ameaças cuja concretização é desconhecida. Procuramos encontrar o desfecho de
alguns casos, no entanto, não obtivemos sucesso. Assim, a variável

21
“Even though, as Fraser (1998) admits, it might be impossible to determine from the language alone
whether an utterance is threatening, the research presented in this paper suggests that it is indeed
possible to understand with some degree of certainty whether a particular text is a malicious forensic
threatening text based on an assessment of how modality and persuasive means are used” (NINI,
2017, p. 29-30).
97

concretizada/não concretizada é ignorada em nossas análises.


Corroborando as observações elencadas até o momento, Lucena (1991), a
partir de um ponto de vista estratégico-militar, afirma que três fatores incidem sobre
a configuração de uma ameaça:

[...] - o primeiro, intrínseco do virtual alvo da ameaça, corresponde às suas


próprias vulnerabilidades;
- os dois outros factores, respeitantes ao agente da ameaça, são as
possibilidades ou capacidades e as intenções deste de explorar aquelas
vulnerabilidades (LUCENA, 1991, p. 134).

Desta feita, para esse estrategista militar, a ameaça configura-se no jogo


entre as capacidades e intenções do locutor – o sujeito comunicante – de fazer mal
ao alvo – o sujeito interpretante –, levando em conta suas vulnerabilidades. No
âmbito linguístico-discursivo, podemos relacionar tais fatores às marcas linguísticas
que denotam a presença dos co-participantes do ato de fala aqui descrito e
analisado, ou seja, às marcas do Modo de Organização Enunciativo do Discurso.
Assim, o alvo da ameaça é trazido para o plano do discurso através da
modalidade alocutiva, dizendo respeito à instância de recepção, o TUd; por sua vez,
o agente da ameaça corresponde à instância de produção, o EUe. Já as intenções,
ou melhor, intencionalidades do sujeito enunciador são expressas principalmente
pela temática dos enunciados proferidos, que dizem respeito às sanções negativas,
aos malefícios que recairão, hipoteticamente, sobre o sujeito destinatário, e às
condições dadas pelo sujeito enunciador que, se não forem atendidas, levarão à
execução das sanções negativas.
É importante salientar que, embora não seja estudioso da linguística ou da
análise do discurso, Lucena (1991, p. 136) observa que “uma ameaça só é
considerada como tal pelo Estado ou outro grupo político ameaçado se por este for
credível, isto é, se ele acreditar que o agente tem possibilidades de a concretizar e
tem a intenção de o fazer”. Entra em jogo, portanto, a estratégia discursiva da
credibilidade, levada a cabo pelo sujeito enunciador através das estratégias
discursivas selecionadas para seu projeto de fala.
De fato, para que uma ação linguística seja tipificada como uma ameaça e
assim considerada pelas autoridades jurídicas, é necessário que o enunciador
apresente a capacidade de executar a sanção negativa prometida. Assim, tanto a
vítima quanto as autoridades competentes precisam acreditar que o sujeito que
98

ameaça detém o poder necessário para cumprir suas ameaças. Entra em jogo,
assim, a problemática do ethos, relacionada à credibilidade e à legitimidade do
sujeito que argumenta, no caso, trata-se do ethos de potência (CHARAUDEAU,
2015 [2005]). É necessário que o sujeito não apenas apresente a intenção de agir
sobre o outro, mas convença o interlocutor de sua capacidade de realizar uma
sanção negativa que poderá acometer-lhe caso não faça o que foi solicitado22.
Faz-se oportuno, ainda, chamar a atenção para os vários sentidos da palavra
“ameaça”. O que consideramos como o ato de fala de “ameaça” é a ação dirigida por
uma instância de produção, seja individual, seja coletiva (por exemplo, uma facção
criminosa), a uma instância de recepção que também pode ser individual ou coletiva
(um vizinho, a ex-esposa, o governo...). Entretanto, podemos encontrar, por vezes, o
termo “ameaça” como verbo (exemplos i e ii) ou substantivo (exemplo iii), dizendo
respeito a uma crise ou a algum risco iminente, assim como nos exemplos abaixo,
que configuram manchetes jornalísticas:

i. Corte no Farmácia Popular ameaça 20 milhões de brasileiros –


Carta Capital, em 12 abr. 2018.
ii. Cancelamento de Cúpula EUA-Coreia do Norte ameaça futuro
acordo – Gazeta do Povo, em 24 maio 2018.
iii. Desembargador em campanha promete criatividade contra ‘ameaça
aos nossos auxílios/adicionais’. Estadão, em 17 abril 2018.

Como podemos observar, por vezes, o termo “ameaça”, seja como o verbo
concordante com a terceira pessoa do singular do Indicativo, seja como substantivo,
surge com um sentido que não diz respeito, necessariamente, ao tipo penal, ao
crime propriamente dito. Isso se deve ao fato de esse termo ser entendido, ao
menos no âmbito jornalístico, como um aviso, uma intimidação, um risco iminente.
Para ser configurado como crime tipificado, a ameaça deve partir de alguém que
detém o poder necessário para cumpri-la e, principalmente, ser um mal injusto ou

22
Em caso recente, no Brasil, um ministro considerou uma ameaça por magia negra como
efetivamente um crime, a despeito do que ensina a tradição jurídica, cuja doutrina assevera que
rogos e maldições não devem ser tipificados, dada sua natureza sobrenatural e, portanto,
impraticável. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, compreendeu que a vítima da ameaça
acreditou efetivamente que seria prejudicada pela magia negra, negando recurso à acusada.
Disponível em: <https://www.portaldoholanda.com.br/crime/ameacar-com-macumba-e-crime-decide-
stj>. Acesso em 23 mar. 2019.
99

grave que acometerá a possível vítima.


Assim, um pai que diz ao seu filho “se você não fizer a lição de casa, não
poderá sair para brincar”, apesar de proferir uma ameaça, no sentido
convencionalizado do termo, não efetua uma ação passível de tipificação, visto que
a sanção negativa não consiste em um mal injusto ou grave. Existem, portanto,
como bem assevera Fraser (1998), algumas ameças consideradas legais, que não
implicam delitos ou crimes. Nesta pesquisa, nosso interesse é por ameaças verbais
que podem configurar crimes, sendo seu autor passível de sofrer uma sanção penal.
Por ser passível de tipificação, ou seja, ser considerado por algum juiz, após o
trânsito em julgado, um crime, esse ato de fala é considerado por Shuy (2005) como
um crime de linguagem. Esse linguista forense ensina que determinados crimes são
produzidos unicamente com o material linguístico-discursivo, não precisando, a
priori, de meios materiais para serem concretizados. Conforme explica o autor:

Em meu livro anterior, Language Crimes (1993), descrevi o tipo de crime


que é realizado apenas através da linguagem. Crimes físicos envolvem
assalto, roubo, homicídio ou outras formas de lesão humana. Mas existem
outros tipos de atividades criminosas que são realizadas apenas através da
conversa. Eu os chamo de crimes de linguagem. Essa categoria inclui os
crimes que não abarcam agressão física, como o suborno, solicitação de
homicídio, assédio sexual, fraude comercial, venda ou compra de
propriedade roubada, perjúrio, ameaças e outras ofensas. A linguagem
usada pode ser escrita ou falada. Quando está escrita, a evidência reside
em documentos de vários tipos. Quando é falada, a evidência é geralmente
na forma de áudio ou gravações de fita de vídeo (SHUY, 2005, p. 06. Grifo
do autor. Tradução nossa)23.

Pelo fato de o Código Penal brasileiro tipificar os crimes contra a honra,


poderíamos inserir na lista de Shuy (2005) os crimes de calúnia, injúria e difamação,
os quais são concretizados principalmente em forma de texto. Além da língua como
código, certos crimes, como a ameaça, podem ser realizados através de outros
meios semióticos, como gestos (apontar a mão para a cabeça em configuração
remetendo a uma arma de fogo, por exemplo) e ilustrações (enviar a alguém um

23
“In my earlier book, Language Crimes (1993), I described the sort of crime that is accomplished
through language alone. Physical crimes involve assault, robbery, murder, or other forms of human
injury. But there are other types of criminal activity that are accomplished only through talk. I call these
language crimes. This category includes the physically nonviolent crimes of bribery, solicitation to
murder, sex solicitation, business fraud, selling or purchasing stolen property, perjury, threatening, and
other offenses. The language used may be written or spoken. When it is written, the evidence resides
in documents of various types. When it is spoken, the evidence is usually in the form of audio or
videotape recordings” (SHUY, 2005, p. 06).
100

desenho de um indivíduo transpassado por um punhal, por exemplo). Essas


possibilidades sígnicas são abarcadas pelo tipo penal “ameaça”, assim como vimos
na descrição do crime no artigo 147 do Código Penal, vale lembrar, “palavra, escrito
ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico”.
Como podemos perceber, muitas são as disciplinas que reclamam a ameaça
como um objeto de estudo. Nesta breve revisão de literatura, trouxemos visões
concernentes ao Direito Penal, à Estratégia Militar, à Pragmática, à Filosofia da
Linguagem, à Linguística Forense e à Análise do Discurso. Entretanto, mesmo
fazendo menção à ameaça no âmbito da Semiolinguística, Emediato (2007) não faz
uma análise profunda, mas apenas apresenta a diferença básica entre a ameaça e a
promessa, em uma explicação en passant. Além disso, o trabalho de Emediato foi o
único escrito em língua portuguesa na área da Análise do Discurso encontrado, o
que comprova a importância e urgência de uma pesquisa em linguística acerca da
ameaça em língua portuguesa.

2.5.2 Proposta de configuração lógica para o ato de fala de ameaça

Nesta pesquisa, visto estarmos lidando com um tema ainda pouco investigado
em estudos linguísticos, procuramos apresentar a descrição pormenorizada do ato
de fala de ameaça em língua portuguesa. Portanto, objetivando detectar as
recorrências formais de uma ameaça, a partir do nosso corpus, notamos que
algumas marcas linguístico-discursivas estão presentes nesse ato de fala, sugerindo
certo padrão lógico na configuração das ameaças.
Nesse ato de fala, a força ilocucionária da ameaça está sempre presente,
mostrando a intencionalidade dessa ação verbal. Searle (1979), ao apresentar a
configuração formal para um ato ilocucionário, sugere a fórmula F(p), onde F
representa a força ilocucionária do ato de fala e p diz respeito ao conteúdo
proposicional.
Assim, apoiados nos postulados da Teoria dos Atos de Fala, entendemos que
a ameaça se constitui tipicamente da seguinte forma:

Fa(Sn)

em que Fa diz respeito à força do ato ilocucionário de ameaça, e Sn diz respeito ao


101

conteúdo proposicional, que deve girar em torno de uma hipotética sanção


negativa, daí a abreviação como Sn (sanção negativa). Salgueiro (2010), também
procurando formalizar o ato de fala de ameaça, apresenta a seguinte configuração:

Th (S d a)

em que Th = threat (ameaça), S = speaker (falante), d = doing (fazer) e a = ação


prometida. Isto é, o ato de fala de ameaça consistiria, de acordo com esse
pragmaticista, como um falante efetuando a ação de ameaçar. Entretanto, visto
estarmos nos situando no interior das correntes de base enunciativa, consideramos
que todo enunciado é proferido por um enunciador, sendo endereçado a um
destinatário. Devido a isso, somos levamos a entender que a proposição acima,
embora pertinente no que diz respeito à lógica pragmática, não se ajusta ao nosso
posicionamento epistemológico, já que nos preocupamos com a configuração
linguístico-discursiva do ato de fala, enquanto Salgueiro (2010) parecia estar mais
preocupado com a representação da ação.
Desta feita, a partir de nossas observações, notamos que, em um enunciado
de ameaça, há sempre uma sanção negativa, marcada explícita ou implicitamente,
podendo haver ou não uma condição a ser seguida. Seria mais pertinente, portanto,
supor que, no conteúdo proposicional da ameaça, já ocorre, naturalmente, o
enunciador que se dirige a um destinatário, afirmando que uma sanção negativa
poderá, hipoteticamente, acometê-lo. Desse modo, a partir de agora, iremos nos
basear em Salgueiro (2010), mas alterando a proposição lógica apresentada por ele,
visando a adequá-la ao ponto de vista epistemológico da Análise do Discurso, bem
como das correntes enunciativas.
Procuramos apresentar a configuração lógica desse ato de fala embasados
na formalização da lógica clássica, preferencialmente utilizada pelos filosófos
analíticos, como Austin e Searle. Entendemos, em consonância com Costa Jr., que:

O método científico costuma basear-se nas ideias do empirismo, de


percepção, observação e experiência, relacionando-se com a teoria do
conhecimento, teorias de causalidade, incluindo implicações da lógica.
Relações de causa e efeito e relações lógicas são fundamentais às
disciplinas científicas, algo que não poderia ser diferente para as ciências
da linguagem (COSTA Jr., 2013, p. 173).
102

Ainda de acordo com o autor, que disserta sobre a importância da


formalização lógica para a compreensão de determinados fenômenos linguístico-
discursivos, “o sistema lógico permite a descoberta de fenômenos, sistematiza as
descrições e organiza o raciocínio em argumentos e inferências” (p. 190).
Dessa forma, procurando apresentar a proposição lógica do ato de fala de
ameaça, postulamos que a configuração formal Fa(Sn) corresponde ao que
Salgueiro (2010) chama de ameaça elementar e, neste trabalho, chamamos de
ameaça direta. Nessa classificação, encontramos ameaças como:

(31) eu vou meter uma bala na sua cara (Texto VIII – Não Criminosos)

No enunciado (31) acima, o conteúdo proposicional funciona como uma


ameaça, visto que um mal grave irá possivelmente acometer o sujeito interpretante –
vale saber: a morte.
Entretanto, conforme observamos, poderá ocorrer, na ameaça, a enunciação
de uma condição que deverá ser observada pelo sujeito destinatário. Caso essa
condição, que pode vir em forma de outro ato de fala, como um pedido, uma ordem,
uma sugestão etc., não seja atendida pelo interlocutor, haverá a possibilidade de
ocorrer uma sanção que deve sempre ser negativa. A sanção negativa, o mal que
poderá acometer o interlocutor da carta, está presente em 100% das ocorrências de
ameaças em nosso corpus, mesmo que de forma implícita.
Assim sendo, apoiados em Salgueiro (2010), procuramos configurar as
características lógico-formais do ato de fala de ameaça quando esta vem sob o
formato introduzido por uma oração condicional:

F(p) ⇒ Fa(Sn)

Em termos formais, teremos:

F = força ilocucionária de algum ato de fala presente na oração condicionante:


pedido, solicitação, requerimento, ordem...
p = conteúdo proposicional da oração condicionante
⇒ = condição, lê-se “se... então”
103

Fa = força ilocucionária de ameaça


Sn = sanção negativa

Isto é, a ameaça condicional seria pautada sobre o raciocínio a seguir: o


enunciador solicita que o destinatário realize algo e, se o destinatário, na vez de
sujeito interpretante, não realizar o pedido, não atendendo à condição imposta,
então essa atitude implicaria a ameaça, a explicitação da possível sanção negativa.
É importante salientar que a negação não precisa estar marcada de forma linguística
através do advérbio “não”, embora o conteúdo proposicional deixe clara a
possibilidade da negativa por parte do destinatário.
O exemplo a seguir ilustra esse raciocínio:

(32) E EU PEÇO PARA QUE O SENHOR, SAIA DESTA JOGADA,

Pedido = F(p)

PORQUE SE S.Exa: CONTINUAR, NÓS TEREMOS QUE LHE FECHAR.

e se não realizar o pedido ⇒ então ameaça/sanção negativa = Fa(Sn)

O excerto (32) acima foi retirado do texto I, pertencente ao conjunto de cartas


escritas por sujeitos que não se posicionam como criminosos. Quando a condição
que deverá ser atendida pelo sujeito destinatário estiver presente no enunciado, o
classificaremos como uma ameaça condicional, em contraponto à ameaça direta,
apresentada anteriormente. É por isso que Salgueiro (2010) classifica as ameaças
condicionais como um ato de fala assertivo-comissivo, já que, primeiramente, é
realizado um ato de fala, como um pedido ou uma ordem e, em seguida, a ameaça é
realizada.
Em Gouvêa e Silva (2018), conforme já foi salientado, descrevemos a forma
como a sintaxe de algumas ameaças de morte explicita tanto a condição que deve
ser observada quanto a sanção negativa que poderá acometer o destinatário da
ameaça, caso não observe essa condição. Assim, a prótase, a oração
condicionante, apresenta uma condição que deverá ser observada para que a
104

ameaça não se cumpra, enquanto a apódose, a oração condicionada, diz respeito à


sanção negativa, o mal que recairá hipoteticamente sobre o sujeito destinatário da
ameaça.
Notamos, entretanto, que diversas configurações sintáticas e semânticas
podem ser utilizadas pelos sujeitos que procuram ameaçar seu interlocutor por meio
de cartas de ameaça. O que faz com que um enunciado seja considerado uma
ameaça e não uma promessa ou um aviso é o fato de haver sempre uma sanção
negativa que poderá acometer o destinatário, o alvo da ameaça.
A sanção negativa configura, então, uma marca pragmático-discursiva, uma
condição para que o enunciado seja considerado, de fato, um ato de fala de
ameaça, conforme afirma Walton (2014) e aqui pudemos constatar. Afinal, em todas
as ocorrências de ameaças detectadas em nosso corpus, foi possível notar a
presença da sanção negativa, mesmo que esta venha de modo implícito.
Conforme pôde ser observado, portanto, o conteúdo proposicional do ato de
fala de ameaça, que diz respeito à sanção negativa, se realiza de modo explícito ou
implícito, podendo ser introduzido por uma oração condicional ou não. A natureza
diversa desse ato de fala faz com que haja a necessidade de uma classificação de
suas diferentes formas de realização e, para isso, trazemos as vozes de alguns
pesquisadores que procuraram classificar as diferentes categorias da ameaça
verbal.
De acordo com Nini (2017), Napier e Mardigian’s (2003) classificaram as
ameaças em três categorias, a saber:

1- Diretas/específicas: o texto especifica claramente todas as circunstâncias


em que a ação prejudicial será realizada.
2- Condicional: a ameaça é apresentada como uma condição, um pedido para
que o destinatário realize uma ação.
3- Indireta: a ameaça não é condicional nem especifica as circunstâncias.

Nas palavras de Nini (2017), essa classificação taxonômica não é baseada


em critérios linguísticos, mas na experiência investigativa dos autores.
Ainda nesse sentido, no âmbito do Direito Penal brasileiro, Massom (2015, p.
221) apresenta algumas espécies de ameaça. Em consonância com o pensamento
de Napier e Mardigian’s (2003), o jurista explica que as ameaças podem ser
105

divididas de acordo com a forma pela qual o delito é praticado, a saber:

1. Explícita: a ameaça é cometida sem deixar nenhuma dúvida quanto ao seu


conteúdo.
2. Implícita: o agente da ameaça dá a entender que praticará um mal contra
alguém.
3. Condicional: o mal prometido depende da prática de algum comportamento
por parte da vítima.

Conforme pode ser notado, os autores acima elencados, embora em


contextos diferentes, classificaram as ameaças de maneira similar.
Em nossos estudos, entretanto, notamos que as ameaças efetuadas a partir
de uma condicional também podem ocorrer de forma explícita ou implícita. Portanto,
amparados em alguns recursos linguísticos e discursivos, ao contrário dos autores
acima, que não eram linguistas, propomos a seguinte classificação para as ameaças
verbais:

1. Ameaça direta explícita: não deixa dúvidas acerca da sanção negativa que
poderá ser imposta ao interlocutor. Ex: Seu sobrinho está na lista e nós
vamos matá-lo (Texto 01. Não criminosos).
2. Ameaça direta implícita: o enunciador não deixa clara a sanção negativa
que poderá ser imposta ao interlocutor, recorrendo a estratégias linguistico-
discursivas para deixar sua mensagem subentendida. Ex.: Leozinho como
você gosta de pó poderá virar pó (Texto 16. Criminosos).
3. Ameaça condicional explícita: a ameaça é realizada a partir de uma
condição que deverá ser observada pelo interlocutor. Caso a condição não
seja observada, uma sanção negativa poderá ser imposta. Essa sanção é
explícita e não permite dúvidas quanto à sua interpretação. Ex.: Se
continuarem latindo na frente da casa, vou meter comida envenenada (Texto
16. Não criminosos).
4. Ameaça condicional implícita: a ameaça é realizada a partir de uma
condição que deverá ser observada pelo interlocutor. Caso a condição não
seja observada, uma sanção negativa poderá ser imposta. Essa sanção,
entretanto, é implícita, subentendida, e seu sentido deve ser recuperado por
106

meio da interação. Ex.: Se entrar, estamos com 6 refens, os passarinhos da


diretora, estão todos amarrados (Texto 04. Criminosos).

Afirmamos, portanto, que a ameaça verbal, a partir de uma classificação


pautada em critérios linguístico-discursivos, pode ser realizada de modo explícito ou
implícito, apresentando-se em forma de uma condicional ou não. Em termos formais,
procurando apresentar tais possibilidades a partir de uma proposição lógica, teremos
que:
As ameaças explícitas configuram-se como:

Fa(Sn)

As ameaças implícitas, por sua vez, podem ser expressas pela proposição
lógica:
Fa(Snimp)

em que a abreviação subescrita imp adere à sanção negativa a faculdade de ocorrer


de forma implícita.
Por seu turno, nas ameaças efetivadas a partir de uma sintaxe condicional,
observa-se a presença da condição. Portanto, as ameaças condicionais explícitas
podem ser configuradas como:

F(p) ⇒ Fa(Sn)

em que F(p) diz respeito a um enunciado com determinada força ilocucionária


(pedido, ordem, sugestão) e, se não for atendido (⇒), implicará a sanção negativa
marcada explicitamente no enunciado (Fa(Sn)).
Por fim, as ameaças condicionais implícitas podem se apresentar a partir da
proposição lógica:

F(p) ⇒ Fa(Snimp)

Isto é, o enunciador realiza (F(p)) um enunciado com determinada força


ilocucionária (pedido, ordem, sugestão) e, se não for atendido (⇒), a negação
107

implicará a sanção negativa apresentada implicitamente no enunciado (Fa(Snimp)).


Vale lembrar que, a partir da proposição lógica acima, objetivamos
apresentar, de modo sucinto, não a totalidade dos atos de fala de ameaça, mas uma
tentativa de configuração lógico-formal desse ato. Assim, um ato de fala detentor de
determinada força ilocucionária é proferido, por exemplo, como um pedido ou uma
ordem, representado por F(p); e, se esse pedido, ordem ou outro ato de fala que
represente uma condição não for seguido pelo sujeito interpretante (⇒), então essa
ação implicará a ameaça propriamente dita, representada por Fa = força
ilocucionária de ameaça mais Sn = sanção negativa; neste caso específico, uma
sanção negativa implícita (Snimp).
Nesta subseção, amparados por pesquisadores que se filiam, principalmente,
à Pragmática e à Filosofia da Linguagem de base analítica, bem como à Linguística
Forense, apresentamos nossas reflexões referentes aos aspectos pragmático-
discursivos do ato de fala de ameaça em língua portuguesa do Brasil. No próximo
item, apresentamos a configuração do subgênero carta de ameaça.

2.5.3 A carta de ameaça como um subgênero atrelado ao domínio interpessoal

Ancorados em estudiosos da Linguística de Texto, mas, sobretudo, guiando-


nos por Charaudeau (2004), no âmbito da Semiolinguística do Discurso,
procederemos à configuração da carta de ameaça como um subgênero do gênero
carta. É importante frisar que, em consonância com as pesquisas mais recentes no
âmbito da Linguística de Texto e da Análise do Discurso, nesta pesquisa, os termos
gênero textual e gênero discursivo deverão ser concebidos como sinônimos.
Compreendemos dessa forma devido ao fato de as abordagens atuais das duas
disciplinas mencionadas entenderem que o texto, como evento comunicativo, está
sempre atrelado ao seu contexto de realização. Assim, conforme explicam Koch e
Elias (2017 [2006], p. 71), durante o processo de leitura de um texto:

[...] é impossível fazer abstração do contexto, das condições de produção,


da situação de enunciação (quem fala, com quem, quando, onde, em que
condições, com que propósito etc.). Trata-se de um conjunto de fatores que
determinam necessariamente a produção de linguagem e que variam a
cada nova enunciação.

Desse modo, no processo de interação, a partir do qual emergem os textos


108

efetivamente produzidos, é necessário que os interlocutores levem em conta


diferentes fatores para que os sentidos diversos do texto sejam satisfatoriamente
produzidos e compreendidos. Levando em conta, portanto, os aspectos
extratextuais, sociais, históricos, culturais e discursivos, entendemos atualmente que
os gêneros são “os textos materializados em situações comunicativas recorrentes”
(MARCUSCHI, 2017 [2008], p. 155).
Ainda de acordo com Marcuschi (2017 [2008], p. 147), “o estudo dos gêneros
textuais não é novo e, no Ocidente, já tem pelo menos vinte e cinco séculos, se
consideramos que sua observação sistemática iniciou-se com Platão”. Na Grécia
Antiga, Aristóteles já teorizava acerca de gêneros utilizados na polis ateniense fora
do âmbito literário, como o gênero judiciário, que servia para acusar ou defender, o
gênero deliberativo, que servia para aconselhar ou desaconselhar, e o gênero
epidídico, cuja função era a de louvar ou censurar (MARCUSCHI, 2017 [2008]). Com
isso, a necessidade de categorizar diferentes gêneros apresenta, pelo menos, dois
mil e quinhentos anos de tradição no Ocidente.
Para uma explanação teórica, entretanto, acerca dos gêneros discursivos no
âmbito da Linguística de Texto e da Análise do Discurso, faz-se necessário um
percurso que se inicia por Bakhtin. Para esse filósofo da linguagem, os gêneros são
“tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 279). O
autor, embora não tenha sido redescoberto até a segunda metade do século XX, já
fazia reflexões acerca da natureza genérica em relação às práticas sociais ainda no
início do século XX. Bakhtin (2003 [1979]) ensina que, para categorizar um evento
comunicativo, um texto, como um gênero, devemos levar em conta seus aspectos
formais, conteudísticos e estilísticos, ou seja, seu formato, seu conteúdo e a forma
como a língua é utilizada em sua composição. Conforme lembra Rodrigues (2005),
no entanto, na visão bakhtiniana, o que constitui um gênero não é unicamente sua
forma, mas a questão de ele estar relacionado a uma situação de prática social, uma
interação propriamente dita.
Assim, para Bakhtin (2003 [1979]), os gêneros estão atrelados a certas
esferas de práticas sociais, como a do trabalho, a científica, a religiosa, a escolar
etc.. A partir dos usos diferenciados da língua, a depender das finalidades da
interação e da esfera de prática social, é que surgem os diferentes gêneros do
discurso que, apesar de apresentarem certa estabilidade, são também flexíveis e
alteráveis, alguns mais que outros. Desse modo, já em Bakhtin, encontramos a
109

noção de que novos gêneros surgem atrelados a novas práticas sociais.


Essas reflexões foram sendo reelaboradas e influenciaram a noção de gênero
textual, ou discursivo, nas pesquisas em Linguística de Texto a partir da década de
oitenta. Dialogando com as ideias bakhtinianas, encontramos, por exemplo, em
Bathia (2009), a explicação acerca da definição de gêneros tomando por base os
usos da língua em determinados contextos comunicativos.
Para esse autor, esses usos dão origem a conjuntos específicos de
propósitos comunicativos, de finalidades, e, a partir daí, os grupos sociais podem
estabelecer as formas como determinado uso linguístico deve ser empregado em
dados contextos. Isto é, as situações de uso restringem os formatos dos gêneros,
que passam a ser produzidos segundo determinadas regras sociais, o que garante
sua estabilidade. Apesar disso, conforme explica Bathia (2009), os gêneros
apresentam certa tendência para a inovação, já que são construtos dinâmicos e,
assim, temos a relativização da estabilidade. De acordo com esse autor, portanto,
são as novas situações de uso, as novas possibilidades e necessidades de
interação apresentadas pelos falantes que farão com que novos gêneros surjam e
outros se modifiquem, adaptem-se.
Assim, alinhamos nosso ponto de vista a essa tradição advinda de diversas
correntes dos estudos linguísticos, como a Linguística de Texto, que vê o gênero
discursivo relacionado a uma prática social. Corroborando essa visão, trazemos a
voz de Rodrigues, que ensina:

O que constitui um gênero é a sua ligação com uma situação social de


interação, e não as suas propriedades formais. Por exemplo, embora se
possam encontrar traços formais semelhantes entre os gêneros biografia
científica e romance biográfico, eles são gêneros distintos, pois mesmo que
os “valores biográficos” (princípio organizador da narrativa que conta a vida
de um outro, ou da própria vida, na autobiografia) sejam compartilhados
pela ciência e pela arte, eles se encontram em esferas sociais diferentes,
com funções discursivo-ideológicas distintas (finalidade histórico-científica e
finalidade artística) (RODRIGUES, 2005, p. 164).

Já no que tange à Teoria Semiolinguística do Discurso, o processo de


descrição e análise de um gênero deve seguir uma metodologia particular.
Charaudeau compreende que “as características dos discursos dependem
essencialmente de suas condições de produção situacionais nas quais são definidas
as coerções que determinam as características da organização discursiva e formal”
(CHARAUDEAU, 2014, p. 251) e, por isso, fala-se em gênero situacional na TSD.
110

Para sua configuração e análise, em primeiro lugar, o analista deve perceber quais
são as expectativas – enjeu – da troca linguageira, quais visadas discursivas são
predominantes na situação de comunicação para que os sujeitos envolvidos
alcancem seus objetivos comunicacionais.
Charaudeau (2004) diz, assim, que uma metodologia de configuração e
análise de um dado gênero deve levar em conta o nível situacional, no qual se
encontram as finalidades do ato discursivo; o nível das restrições discursivas, que
dizem respeito à forma como o discurso é construído; e o nível da configuração
textual, no qual se encontram os padrões enunciativos e recorrências lexicais e
formais. Além disso, o analista deve levar em conta as informações trazidas pela
situação de comunicação, como as identidades que emergem da troca comunicativa,
os temas tratados e até mesmo as circunstâncias materiais.
A carta de ameaça seria, portanto, um texto classificado como gênero carta,
que abarca outras designações a depender da finalidade comunicativa, das
identidades que emergem da troca comunicativa, do tema ou assunto, etc.
Falaríamos, então, de um subgênero, a exemplo da carta de amor, da carta
administrativa, da carta pessoal, dentre outras possibilidades. Discorrendo sobre as
características que fazem com que diferentes textos sejam agrupados sob o rótulo
de carta, Andrade afirma que:

A carta obriga o enunciador a abrir, enquanto escreve, um espaço de


diálogo com o interlocutor ausente. Ainda que haja particularidades entre os
diversos tipos de cartas (carta pública, carta comercial, carta do editor, carta
do leitor, carta-circular, carta aberta, carta-convite; carta-pedido; carta de
aconselhamento; carta de agradecimento; carta de congratulações; carta
pessoal; carta de amor, entre outras), em todas elas operam determinadas
relações dinâmicas fundamentais que configuram a matriz epistolar;
presença-ausência; oralidade-escritura; privado-público; envolvimento-
distanciamento; fidelidade-traição; realidade-ficção (2010, p. 101).

Como pode ser notado, na lista das diferentes classificações dos gêneros
epistolares, a carta de ameaça não costuma ser elencada. Esse fato refere-se à
escassez de pesquisas referentes aos discursos criminalizáveis, já que a Academia
parece ter um interesse maior em gêneros políticos, midiáticos e acadêmicos. De
acordo com o ponto de vista de Andrade (2010), entretanto, podemos incluir a carta
de ameaça no rol de tipos de carta, visto que ela compartilha com os outros
subgêneros determinadas características inerentes ao grande grupo das cartas.
Em uma abordagem de caráter histórico, percebe-se que o gênero carta,
111

muito popular em períodos pretéritos, tem hoje sua circulação social muito reduzida.
Poucas vezes, um indivíduo envia uma carta a alguém, a não ser em situações
protocolares, como em ambiente empresarial, ou quando opta por formalizar uma
ocasião, enviando, por exemplo, um convite de casamento. Apesar dessa alteração
natural, já que os gêneros, sendo atrelados a determinadas práticas sociais,
emergem quando novas práticas surgem e desaparecem quando essas práticas
desaparecem (MARCUSCHI, 2017 [2008]), o gênero carta, em suas diversas
modalidades, ainda permanece sendo utilizado.
Nessa mesma linha de pensamento, conforme assevera Leite (2008, p. 24),
“em termos de atualidade, o gênero carta ainda sobrevive ao advento do telefone,
mas edifica-se ‘via-satélite’, através do correio eletrônico (e-mail)”. Para a linguista,
que se ocupou de uma abordagem diacrônica do gênero carta (correspondência,
epístola ou missiva), apesar de a carta estar sendo gradativamente substituída pelo
e-mail, o correio eletrônico acaba por se apresentar também como uma espécie de
carta, “já que ‘recupera’, em algum sentido, as ‘fórmulas’ fixas das correspondências
internas das empresas, dos informes administrativos e até das cartas pessoais”
(LEITE, 2008, p. 51).
O crime de ameaça, conforme mencionamos anteriormente, também pode ser
efetivado através de diferentes gêneros, como e-mails e redes sociais. Em Silva
(2017b), por exemplo, procedemos à análise de ameaças veiculadas por meio do
Facebook, percebendo que diversos imaginários sociodiscursivos, como a alta
criminalidade e a violência urbana, subjazem às ameaças. Entretanto, por vezes,
alguns indivíduos preferem enviar suas mensagens ameaçadoras por meio de
cartas. Em nosso corpus, encontramos cartas de ameaça que foram enviadas pelos
Correios, de modo tradicional, deixadas nas residências das vítimas, espalhadas
pelas ruas ou mesmo postas para serem encontradas em locais de outros crimes,
como incêndio a ônibus ou agressão a algum indivíduo. As formas de entrega variam
a depender do sujeito que ameaça, que procurará, na maior parte das vezes,
garantir seu anonimato.
Quanto ao domínio discursivo, os gêneros epistolares em geral, por sua
natureza, são classificados como pertencentes ao que Marcuschi (2017 [2008])
chama de domínio interpessoal. De acordo com o autor:

Domínio discursivo constitui muito mais uma “esfera da atividade humana”


112

no sentido bakhtiniano do termo do que um princípio de classificação de


textos e indica instâncias discursivas (por exemplo: discurso jurídico,
discurso jornalístico, discurso religioso etc.). Não abrange um gênero em
particular, mas dá origem a várias deles, já que os gêneros são
institucionalmente marcados. Constituem práticas discursivas nas quais
podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes lhe são
próprios ou específicos como rotinas comunicativas institucionalizadas e
instauradoras de relações de poder (MARCUSCHI, 2017 [2008], p. 155.
Grifo no original).

De acordo com Marcuschi, portanto, os gêneros são produzidos, consumidos


e circulam no interior de determinadas esferas sociais. Pelo fato de as cartas
circularem no âmbito pessoal, familiar e também profissional, elas são consideradas
pertencentes ao domínio discursivo interpessoal. Dessa forma, neste trabalho,
atrelamos o subgênero carta de ameaça ao domínio interpessoal, seguindo o
exemplo de Marcuschi (2017 [2008]).
Na coletânea de textos relativos a esse domínio, o autor apresenta, além dos
gêneros típicos da comunicação íntima e familiar – como a carta pessoal, os
bilhetes, a lista de compras –, determinados gêneros cuja instância de recepção
seria pública, não familiar – cartas comerciais, cartas abertas, cartas do leitor, atas,
informes. Assim, o discurso interpessoal pode abranger, também, uma série de
gêneros que não apresentam apenas um interlocutor em particular. No entanto, tais
textos apresentam seus interlocutores bem delimitados, sejam eles pertencentes a
uma esfera privada ou pública.
É importante mencionar que alguns tipos de carta podem também fazer parte
de outros domínios, como a carta do leitor e do editor pertencem ao domínio
jornalístico, e a carta administrativa, ao domínio administrativo. Em nosso corpus,
deparamo-nos com cartas endereçadas ao cônjuge, a algum vizinho ou outra
pessoa do círculo social próximo do sujeito comunicante, entretanto, encontramos,
também, cartas escritas por facções criminosas que quiseram publicizá-las.
Conforme Marcuschi (2017 [2008]), é possível que um mesmo gênero migre
de um domínio discursivo a outro no curso da história, sem deixar de manter sua
função principal. No caso dos textos aqui analisados, poderíamos entender que a
carta de ameaça, enquanto circula entre seu remetente e destinatário, pertence ao
domínio interpessoal. Ao ser anexada, entretanto, a um inquérito judicial, servindo
como prova material do crime de ameaça, uma evidência, ela migra para o domínio
jurídico.
De igual modo, por vezes, algumas cartas de ameaça podem apresentar
113

características estilísticas e lexicais pertencentes a outro domínio discursivo, como o


administrativo ou o religioso, por exemplo. Essa natureza fluida acaba por fazer com
que ocorra uma interdiscursividade em alguns textos por nós analisados. Como
veremos no capítulo 4, as cartas assinadas por facções criminosas, como o
Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho (CV) e os Guardiões do
Estado (GDE), apresentam um estilo próximo, ou que tende a se aproximar, do
discurso administrativo e burocrático. Isto é, parece haver uma mudança de registro
linguístico, já que os sujeitos entendem que se posicionam no interior de uma prática
institucional, mesmo que seja ilegal, terminando a carta com um “atenciosamente”,
por exemplo, marca estilística normalmente encontrada em textos de cunho
administrativo.
Ainda tomando por base as ideias de Marcuschi (2017 [2008]), ao apresentar
alguns gêneros, tanto orais quanto escritos, relacionando-os a determinados
domínios discursivos, o autor insere no domínio interpessoal tanto a carta (exemplo
de gênero escrito) quanto a ameaça (exemplo de gênero oral). Discordamos de
Marcuschi (2017 [2008]) acerca da noção de a ameaça ser considerada um gênero
por si, principalmente sendo exemplificado apenas como um gênero oral, afinal,
defendemos anteriormente a posição de que a ameaça é um ato de fala que pode
ser produzido em diferentes gêneros de diferentes modalidades, tanto oral quanto
escrita e até multimodal.
A seguir, apresentaremos a configuração e descrição das características
composicionais e estilísticas do subgênero aqui analisado.

2.5.4 Configuração e descrição do subgênero carta de ameaça

Dadas essas explicações teóricas acerca dos gêneros discursivos, passemos


à configuração de análise do subgênero situacional – nomenclatura preferida por
Charaudeau (2004) – carta de ameaça. Para sua configuração e descrição, tomando
por base o referencial teórico e metodológico da Teoria Semiolinguística do
Discurso, debruçar-nos-emos sobre o texto transcrito a seguir. Trata-se de uma carta
de ameaça de morte pertencente ao nosso corpus e relativa ao conjunto de textos
de sujeitos que não se posicionam como criminosos, sendo encontrado nos anexos
sob o título de Texto VIII – Ameaça por dívida:
114

Dia 24 do 10 de 2012
(ilegível) quem fala aqui é a (ilegível). Voce acha que eu tenho cara de
palhaça pois voce vai ver se eu estou brincando todo dia voce fala que vai
pagar e continua enrolando pois voce vai enrolar no inferno eu vou
arrumar uma arma e vou meter uma bala na sua cara nunca mais voce
brinca comigo voce pensa que me engana sua vagabunda voce não paga
o prato que come voce me enganou que pagava tudo certo e eu confiei
numa praga (ilegível) voce está com o pé na cova eu vou te matar pelas
costas voce vai para o inferno voce e sua família inteira vai pagar por vc
tá ok.

O texto apresentado é a transcrição de uma carta veiculada na mídia online


através da qual a remetente ameaça de morte a destinatária, que lhe deve a quantia
monetária de trinta reais. Na carta, que apresenta datação, podemos perceber que a
visada de captação, fazer-sentir, é a mais saliente, já que o locutor parece desejar
fazer com que seu interlocutor efetue uma determinada ação: saldar a dívida.
Observamos que o sujeito enunciador do discurso, que se coloca na identidade
discursiva de alguém ofendido e disposto a concretizar suas ameaças, parece
querer fazer com que o sujeito interpretante acredite que, caso não venha a efetuar
o pagamento da dívida, possa ser alvo de um assassinato premeditado.
Percebemos, então, que a ameaça foi realizada através da visada de
captação, de fazer-sentir. Para levá-lo a saldar a dívida, o sujeito enunciador
emprega argumentos patêmicos pautados sobre a ameaça de morte implícita, como
“você vai ver se eu estou brincando” e “você está com o pé na cova”, ou explícita,
como “eu vou arrumar uma arma e vou meter uma bala na sua cara” e “vou te matar
pelas costas”.
Conforme foi dito na seção anterior, levaremos em conta os níveis de análise
estipulados pela TSL, a saber: o nível situacional, no qual se encontram as
finalidades do ato discursivo; o nível das restrições discursivas, que dizem respeito à
forma como o discurso é construído; e o nível da configuração textual, no qual se
encontram os padrões enunciativos e recorrências lexicais e formais.
No nível situacional, portanto, encontramos a predominância das visadas de
fazer-sentir para fazer-fazer através das estratégias de patemização relacionadas ao
emprego de implícitos e palavras, expressões e enunciados que designam
115

calamidade. Veremos, no capítulo 4, uma análise mais pormenorizada dessas


estratégias.
Quanto ao nível das restrições discursivas, encontramos a predominância do
Modo de Organização Argumentativo do Discurso, como ocorre nos seguintes
enunciados:

(33) Voce acha que eu tenho cara de palhaça pois voce vai ver se eu
estou brincando (Texto VIII – não criminosos).

Quando utilizados, os demais Modos servem à argumentação, como


podemos observar nas nomeações e qualificações atribuídas à destinatária, como
“vagabunda” e “você não paga o prato que come”, que correspondem ao uso do
Modo de Organização Descritivo do Discurso.
Por fim, no que concerne ao nível da configuração textual, como se trata de
uma carta, notamos que este texto em particular se inicia com a datação (Dia 24 do
10 de 2012), situando o enunciado em um determinado período temporal. Logo em
seguida, encontramos um vocativo referente à destinatária e a identificação da
remetente ((ilegível) quem fala aqui é a (ilegível)). Ao final, há a assinatura da carta.
Por razões éticas e jurídicas, os nomes foram suprimidos no texto veiculado pela
mídia.
Assim, temos como as circunstâncias materiais nas quais a troca se realiza o
fato de esse discurso ser veiculado em um texto escrito, a carta de ameaça. O que
difere esse subgênero de outros pertencentes ao gênero carta, como uma carta de
amor, por exemplo, é o tema abordado, bem como a finalidade da interação, no
caso, a ameaça de morte, além das identidades que emergem da referida situação
de comunicação.
Ainda no plano da configuração textual, encontramos a recorrência de
vocábulos e expressões pertencentes aos campos semânticos do crime e da
violência, como “bala”, “matar”, “arma”, “pé na cova”, “matar pelas costas”, que
dizem respeito à estratégia patêmica palavras e expressões que designam
calamidade. Além destas, destaca-se o uso de palavras entendidas como “de calão”
em nossa comunidade sociodiscursiva, com sentido impróprio, ofensivo, imoral, a
exemplo de “vagabunda”. Tais seleções vocabulares são marcas de estilo das cartas
de ameaça, o que configura a estratégia patêmica que chamamos de Emprego de
116

palavras de calão.
Embasados, portanto, em todos os aspectos relativos à análise de gêneros de
acordo com Charaudeau (2004), e amparados por outros pesquisadores, como
Bathia (2009), Rodrigues (2005) e Marcuschi (2017), podemos afirmar que a carta
de ameaça apresenta alguns fatores que a diferenciam de outros tipos de carta e a
definem como um subgênero do gênero carta. Dentre esses fatores, destacamos a
finalidade discursiva, que deve ser a de ameaçar; o tema, que deve girar em torno
da ameaça propriamente dita; e o fato de esse subgênero ser ancorado em uma
prática social homóloga, no caso, o crime de ameaça.

2.5.5 Os discursos criminalizáveis: uma possível conceituação

Ancorados nas seções precedentes, podemos afirmar que é o conteúdo


proposicional a garantia de que um texto seja considerado uma ameaça. Desse
modo, a depender das visadas discursivas – fazer crer, fazer sentir – e do tema, que
deve girar em torno de um mal injusto ou grave que acometerá o interlocutor, um
texto pode ser considerado uma ameaça. Para isso, contudo, deverá apresentar,
como vimos no início deste capítulo, obrigatoriamente uma sanção negativa explícita
ou implícita.
Assim, existe a possibilidade de esse texto, que demonstra a intencionalidade
do sujeito comunicante de provocar um atentado contra o interlocutor, ser passível
de tipificação, tomando por base o Código Penal (artigo 147). Caso esse texto seja
enquadrado em um tipo penal, é possível que se instaure um inquérito judicial que,
ao término do processo de trânsito em julgado, avalie a ação verbal como um crime
de ameaça. É imperioso notar que, para que uma ação seja considerada crime, ela
deve apresentar três características, a saber: tipicidade, sendo um tipo penal
apresentado na legislação; antijuridicidade, que diz respeito ao fato de essa ação
infringir uma lei; e culpabilidade, já que o transgressor será passível de punição
(BITENCOURT, 2010).
Nesta pesquisa, portanto, entendemos que alguns discursos são passíveis de
criminalização. Os discursos criminalizáveis são aqueles através dos quais um crime
de linguagem é efetuado. Seu conteúdo proposicional, ou tema, viabiliza sentidos
não costumeiramente aceitos pelos membros de uma dada comunidade
sociodiscursiva, em uma determinada época, podendo levar o interlocutor a se sentir
117

aterrorizado, ameaçado, ofendido, injustiçado, violentado, dentre outras


possibilidades perlocucionárias. Trata-se da violência verbal, ação linguístico-
discursiva definida da seguinte forma por Charaudeau (2019):

A violência verbal vem de um ato de linguagem que se manifesta pelo


emprego de certas palavras, estruturas ou expressões capazes de ferir
psicologicamente uma pessoa, presente ou ausente, diretamente dirigida ou
em posição de terceiro. Mas, para qualquer outro ato de linguagem, o
sentido do ato de agressão verbal e seu impacto dependem da
interpretação do receptor (CHARAUDEAU, 2019, p. 446, grifo no original).

Assim, se tais textos geram algum dano ao destinatário, este tem o direito de
se defender ou buscar ser ressarcido legalmente do dano ofensivo.
Tratando acerca de atos de fala que geram efeitos perlocucionários não
preferidos, sendo socialmente mal vistos, Salgueiro teoriza acerca do que ele chama
de atos de fala hostis, que ocorrem preferencialmente em situações de conflito:

Precisamente por sua hostilidade, por colocarem em risco a harmonia das


relações sociais, tipicamente os atos de fala hostis são socialmente (ou
moralmente) mal vistos, e são considerados com reprovação. Além do mais,
alguns desses atos verbais são ilegais, já que realizá-los (ou perpretá-los)
com sucesso é cometer delitos (ou faltas) com palavras (SALGUEIRO,
2008, p. 05. Tradução nossa. Grifos no original)24.

Salgueiro se debruça sobre diferentes atos de fala que tendem a ser vistos
como descorteses, entretanto, ao fazer menção a atos que servem para praticar um
crime, os atos hostis acabam por recobrir algumas ações que apresentam sanção
jurídica. Enquadram-se nessa classificação a calúnia, a injúria e a difamação –
conhecidos como crimes contra a honra –, bem como outras ações passíveis de
criminalização, como o assédio moral, o assédio sexual, a tentativa de extorsão, a
tentativa de estelionato, crimes de ódio, apologias a práticas criminosas, e a
ameaça, ou seja, os chamados crimes de linguagem. Tais ações podem ser
concretizadas em diferentes gêneros discursivos, mas apresentam, todas, a
possibilidade de serem tidas como crime, passando a fazer parte da categoria que
classificamos como discursos criminalizáveis.
Como pode ser notado, a exemplo do trabalho de Barros (2011) acerca dos
24
“Precisamente por su hostilidad, por poner en riesgo la armonía de las relaciones sociales,
típicamente los actos de habla hostiles están socialmente (o moralmente) mal vistos, y son
considerados con reprobación. Es más, algunos de esos actos verbales son ilegales, ya que
realizarlos (o perpetrarlos) con éxito es cometer delitos (o faltas) com palabras” (SALGUEIRO, 2008,
p. 05).
118

discursos intolerantes, não vemos os discursos criminalizáveis como um único


domínio discursivo ou gênero textual/discursivo. Pelo contrário, tais discursos podem
ser encontrados em diversas instâncias sociais, em diversas áreas de atuação
humana, como preconizou Bakhtin (2003 [1979]), lembrado por Marcuschi (2017
[1998]), quando este apresenta a noção de Domínio Discursivo. Desse modo,
conforme explica Barros:

Os discursos intolerantes participam de várias esferas de ação ou mesmo


de todas, e têm composição e estilos também diferentes, só podendo ser
classificados tematicamente, ou seja, pela organização do plano do
conteúdo [...]. Em outras palavras, no caso dos discursos intolerantes, há
apenas “estabilização” temática, pois há discursos intolerantes em
diferentes esferas de atividades (política, religiosa, familiar), de gêneros
diversos (notícias, sermões, batepapo, etc.) e de tipos diferentes (narrativo,
descritivo, etc.) (BARROS, 2011, p. 01; 02).

A depender da natureza temática de determinados discursos, de igual modo,


poderemos falar em discursos de ódio, assunto amplamente discutido na
contemporaneidade, principalmente no que concerne a textos veiculados através de
redes sociais. De acordo com Meibauer, o discurso de ódio se configura na “[...]
manifestação verbal de ódio contra pessoas ou grupos, que ocorre, particularmente,
por meio de expressões destinadas à desqualificação e à difamação de grupos
populacionais” (MEIBAUER, 2013, p. 01 apud HILGERT; NETO, 2017). Isto é, ao
procurar desligitimizar, ofender, discriminar, violentar o outro, desapropriando-o de
sua condição humana, estamos diante de discursos de ódio. Tais enunciados
costumam vir relacionados a determinadas formas de preconceito, como o racismo,
a homofobia e a xenofobia.
Desta feita, a noção de discursos criminalizáveis que ora apresentamos
dialoga sobremaneira com as noções de discursos intolerantes, apresentada por
Barros (2011), e de discurso de ódio, trazida por Meibauer (2013 apud HILGERT;
NETO, 2017), visto que, por vezes, discursos intolerantes e de ódio são passíveis de
criminalização. Em nosso corpus, há ameaças pautadas, também, sobre a condição
humana do sujeito destinatário da carta, como o fato de o alvo das ameaças ser
homossexual ou migrante, por exemplo. Dessa maneira, há a possibilidade de
classificar tais textos como intolerantes/de ódio e, por isso, passíveis de
criminalização.
Pelo fato de podermos classificar diferentes gêneros de diferentes domínios
119

discursivos como discursos criminalizáveis, faz-se pertinente levar em consideração


a área de atuação propriamente dita, ou seja, os espaços sociais nos quais esses
gêneros são produzidos, circulam e são consumidos. Como salientamos
anteriormente, a relação gênero-domínio discursivo não é biunívoca e, por vezes,
um mesmo texto pode circular em diferentes instâncias sociais.
Um texto produzido em uma esfera política, por exemplo, que negocie um
desvio de verba ou uma propina, ainda é pertencente ao discurso político, apesar de
ser passível de criminalização, já que a corrupção é um crime tipificado. De igual
modo, um representante religioso que durante sua pregação/sermão convença os
fiéis a entregarem uma abusiva quantia monetária, apesar de estar produzindo seu
discurso no âmbito religioso, também poderia ser considerado como um discurso
criminalizável, já que o estelionato diz respeito justamente à obtenção de bens
materiais através da ludibriação das vítimas.
Desta feita, a característica de criminalizável é mais concernente ao tema
sobre o qual se fala e sobre as finalidades da troca comunicativa do que à esfera de
prática social na qual esses textos circulam, são produzidos e consumidos. Se a
finalidade do sujeito comunicante é a de ameaçar, extorquir, assediar moral ou
sexualmente, caluniar, injuriar, difamar etc., ele poderá fazê-lo através de gêneros
diversos, em situações de comunicação diversas e em domínios de prática social
variadas.
A categoria aqui descrita como discurso criminalizável não diz respeito,
portanto, a um tipo de discurso ou a um gênero específico, mas a uma cenografia,
na nomenclatura de Maingueneau, ou seja, à forma como o discurso se apresenta,
levando-se em conta as finalidades, as identidades dos parceiros, as temáticas etc.
Para Maingueneau (2000), o gênero do discurso é estruturado em vários
níveis: a cena englobante, que corresponde ao tipo de discurso (jurídico, religioso,
midiático); a cena genérica, que diz respeito ao gênero discursivo; e a cenografia, a
situação de enunciação, o momento da enunciação. Para o autor, a cenografia,
portanto, é a forma como o texto se apresenta, a situação de comunicação, com
seus papéis, participantes e objetivos.
Ocorrendo através do processo de enunciação, o discurso implica um
enunciador e um interlocutor, um lugar e um momento através dos quais se
configura um mundo, correspondendo à forma como se apresenta o texto. Assim,
um romance, enquanto cena genérica, pertencente à cena englobante do discurso
120

literário, apresentaria várias cenografias no interior da obra, com vários momentos e


sujeitos. Da mesma forma, um panfleto midiático poderia apresentar vários temas
através de várias estratégias discursivas, com diversos efeitos diferentes. A cena
englobante (discurso midiático) e a cena genérica (panfleto) permanecem
inalterados, mas a cenografia de cada texto será o que o distinguirá de outros.
Desta feita, podemos entender que, nos textos que compõem o nosso corpus,
enquanto a cena englobante corresponde ao discurso interpessoal, a cena genérica
corresponde à carta, ou à carta de ameaça, um subgênero. Pelo fato de se
apresentarem, em sua cenografia, como discursos violentos, capazes de influenciar
o interlocutor de forma negativa, lesando-o, esses textos se revestem de
agressividade, sendo passíveis de tipificação e, por conseguinte, podem ser
entendidos como discursos criminalizáveis.
A título de exemplo, trazemos alguns gêneros por nós analisados em
trabalhos anteriores, o que demonstra que os discursos criminalizáveis podem
ocorrer em diferentes instâncias de produção e circulação de textos, ou seja, em
diferentes domínios discursivos.
Em Silva (2016), analisamos os gêneros conhecidos como golpe do falso
sequestro e golpe da recarga premiada. Ambos são gêneros praticados através da
modalidade oral, já que consistem em conversas via telefone. Apesar de poderem
simular domínios de comunicação diversos, como o policial e o administrativo (Cf.
SILVA, 2016), tais textos podem ser considerados como pertencentes ao domínio
interpessoal, já que se tratam, basicamente, de conversas via telefone, embora
apresentem fins ilegais. O golpe do falso sequestro consiste em uma tentativa de
extorsão, enquanto o golpe da recarga premiada consiste em uma tentativa de
estelionato, ou seja, estamos diante de discursos cuja cenografia permite que sejam
passíveis de criminalização.
Em Silva (2017a), procedemos à análise do que foi chamado de vídeo-
sequestro. Trata-se de um vídeo veiculado na televisão aberta do Brasil como
condição para que o repórter Cristiano Calado, da Rede Globo, fosse libertado. O
vídeo, que traz a imagem de um homem encapuzado lendo um texto de autoria da
organização criminosa Primeiro Comando da Capital, apresenta características
composicionais e estilísticas que nos levaram a classificá-lo como um gênero
específico, pertencente ao discurso midiático, visto ter sido produzido para a
divulgação na mídia. Pelo fato de o sujeito enunciador efetuar ameaças e fazer
121

apologia a diversas práticas criminosas, revestindo-se de uma cenografia violenta,


esse texto pode ser considerado como pertencente à categoria que chamamos de
discurso criminalizável.
Por fim, em Silva (2017b), realizamos a análise semiolinguística de ameaças
veiculadas pela rede social conhecida como Facebook. As mídias sociais ainda
estão em processo de estudo por parte de vários linguistas, mas há um consenso
em considerar os posts de Facebook como constituídos por diferentes gêneros. O
Facebook seria, nesse caso, um suporte, levando em conta a definição apresentada
por Marcuschi (2017 [1998]). Assim, a rede social funcionaria como o suporte para
diferentes gêneros, como memes, posts, mensagens, possibilitando a troca de
conteúdos diversos, por vezes, revestindo-se de uma cenografia determinada, a
partir da qual podem ser tidos como discursos criminalizáveis, a exemplo das
ameaças.
Podemos perceber através dos exemplos acima que os discursos
criminalizáveis não dizem respeito a um gênero ou domínio discursivo, mas à
possibilidade de esses discursos serem considerados crimes ao se apresentarem a
partir de uma cenografia violenta, indesejada, que lesa o interlocutor. É imperioso
salientar, contudo, que a noção de crime varia de determinada comunidade a outra,
bem como se modifica com o passar do tempo.
Na Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, por
exemplo, a prática religiosa não católica era permitida apenas no interior das
residências. Em seu artigo 5 do Título 1º, a Constituição trazia: “A Religião Catholica
Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para
isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo” (BRASIL, 1824).
De igual maneira, durante o período ditatorial brasileiro empreendido entre as
décadas de 30 e 40, no governo de Getúlio Vargas, conhecido como Estado Novo,
era proibido o uso de línguas estrangeiras no Sul do País. De acordo com a
historiadora Campos (2002), havia a noção de que o uso de línguas estrangeiras
incorria em perigo e risco à democracia brasileira, principalmente porque a mídia e o
governo relacionavam as conversas em alemão a possíveis grupos nazistas. Essa
proibição levou à circulação de placas que proibiam explicitamente a interação em
línguas estrangeiras, sobretudo aquelas relacionadas aos Países do Eixo
(Alemanha, Itália e Japão), inimigos dos Aliados, aliança da qual fazia parte o Brasil,
122

durante a II Guerra Mundial, como podemos observar na imagem abaixo:

Figura 07: Idiomas proibidos durante o governo Vargas


(Folha Pomerana, n° 231, 2018 – 17 de março de 2018).

Conforme pode ser observado, as práticas interacionais efetuadas em algum


dos idiomas acima especificados eram consideradas crime, sendo passíveis de
punição, o que não corresponde à atualidade. Hoje, percebe-se o contrário, pois as
diferentes manifestações culturais, incluídas as línguas, tendem a ser protegidas,
pelo menos do ponto de vista jurídico. Diversos esforços são empreendidos por
linguistas, por exemplo, de modo a coletar dados relativos às línguas indígenas
faladas no Brasil, bem como aos dialetos oriundos do contato linguístico entre o
português e outras línguas europeias.
Além dessas mudanças ocorridas no tempo, também podemos observar que
a noção de crime é variável a depender do espaço geográfico. De acordo com
Nhuch (2015), dos 35 países que compõem a Organização dos Estados
Americanos, 6 (México, Uruguai, Argentina, Costa Rica, El Salvador e Jamaica)
descriminalizaram os “delitos de opinião”, os crimes contra a honra, ou não adotaram
a seara penal como meio de solução dos conflitos. Desse modo, por razões
diversas, nesses países, a calúnia, a injúria e a difamação não são tipificadas como
crime, sendo entendidas como parte do direito à livre expressão. Outro exemplo é
trazido por Charaudeau (2019), que afirma ser a blasfêmia – o insulto contra o
Sagrado – um crime tipificado no código penal espanhol, mas não no francês.
123

A partir dos exemplos elencados, somos levados a entender que a noção de


crime varia tanto no tempo, quanto no espaço, sendo dependente dos valores
culturais de determinado povo em determinado período histórico. Assim,
contemporaneamente, enquanto alguns países criminalizam a homofobia, como a
Argentina, a Noruega e o Canadá, que entendem a prática como um agravante do
crime de ódio, outros criminalizam a relação homossexual, como a Arábia Saudita, a
Jamaica e o Sudão.
Nos primeiros, o que seria considerado um discurso criminalizável poderia
ser, por exemplo, um enunciado que pretende humilhar o destinatário, levando em
conta sua condição homossexual. Por sua vez, nos países que criminalizam a
homossexualidade, seria considerado um discurso criminalizável, por exemplo, uma
troca de mensagens amorosas entre casais do mesmo sexo.
Em decisão tomada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, a
homofobia passou a configurar crime no território brasileiro. A prática, agora, pode
ser enquadrada na lei 7.716/89, conhecida como Lei Antirracismo, que já abarcava
outros tipos de discriminação, como a racial, a étnica, a religiosa e a relativa à
procedência social, sendo que a pena, inafiançável, pode chegar a três anos de
prisão. Durante a realização desta pesquisa, portanto, houve alterações legais no
que concerne à prática da homofobia, que passa a ser considerada ilegal e passível
de tipificação.
Essa capacidade de se alterar a depender da região geográfica ou mesmo do
período temporal se deve ao fato de a noção de crime não ser tão clara, como
preconiza o Código Penal, afinal, o rótulo de crime pode ser entendido como uma
manifestação sócio-cultural. Esse ponto de vista é defendido pela Teoria do
Etiquetamento Social (Labeling Approach), vinculada à Criminologia Crítica, que não
procura mais entender o crime ou o criminoso de acordo com questões biológicas ou
psicológicas, mas sociais, econômicas e culturais. Além disso, no âmbito dessa
vertente crítica, o que leva alguém a considerar um sujeito como criminoso, ou sua
prática como crime, está profundamente relacionado a determinados julgamentos de
valor, estereótipos e preconceitos, principalmente raciais e sociais. Assim, de acordo
com o criminólogo crítico Baratta:

Na perspectiva da criminologia crítica a criminalidade não é mais uma


qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados
indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a
124

determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a


seleção dos bens protegidos penalmente, e dos comportamentos ofensivos
destes bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos
indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a
normas penalmente sancionadas (BARATTA, 1999, p. 161).

Isto é, a atribuição do rótulo de crime ou de criminoso não acompanha uma


orientação objetiva e imparcial, mas diz respeito a certos indivíduos já
estigmatizados, dentre todos aqueles que infringem a lei. Como se trata, também, de
uma prática discursiva, essa rotulação é perpassada por valores axiológicos
apresentados por aqueles que nomeiam, qualificam, descrevem, enfim, rotulam tais
ações e sujeitos como criminosos.
Como podemos perceber, não é fácil teorizar sobre as noções de crime e de
criminoso, podendo ser encontrados diversos embates teóricos e disputas de pontos
de vista diferentes acerca dessas noções. Devido a essas problematizações teóricas
e epistemológicas que escapam aos interesses imediatos desta pesquisa, iremos
nos valer, portanto, da noção de discursos criminalizáveis para nos referir àquelas
práticas discursivas que podem ser tidas como crimes em determinada comunidade
e em determinado período temporal. Para que essa noção seja aplicada a estudos
que versem sobre discursos produzidos em outras localidades espaço-temporais,
portanto, é necessário que as devidas ressalvas sejam feitas, principalmente, no que
é compreendido como crime nos copilados de textos jurídicos pertencentes a cada
comunidade.
No presente capítulo, apresentamos alguns conceitos teóricos basilares que
fundamentam nossa investigação. Inicialmente, trouxemos explicações concernentes
à Teoria Semiolinguística do Discurso, nomeadamente no que diz respeito aos
Modos de Organização do Discurso, às identidades discursivas e à patemização.
Posteriormente, apresentamos a Teoria da Argumentação na Língua, nos
debruçando, principalmente, sobre as noções de pressuposto e de subentendido.
Apresentamos também a Linguística Forense, campo ao qual vinculamos nossa
pesquisa, dada a natureza do objeto aqui analisado: a carta de ameaça.
Ao tratarmos do nosso objeto de investigação, iniciamos com uma abordagem
pragmático-discursiva do ato de fala de ameaça, procurando elaborar uma
proposição lógica dessa ação verbal. Em seguida, descrevemos e configuramos o
subgênero carta de ameaça, tomando por base a Linguística de Texto e a Teoria
Semiolinguística do Discurso. Por fim, apresentamos nossas reflexões acerca do
125

que chamamos de discursos criminalizáveis, vale lembrar, discursos passíveis de


tipificação. No próximo capítulo, passaremos à explicação acerca da metodologia
empreendida na coleta e no tratamento desse objeto de análise, que corresponde ao
nosso corpus.
126

3 METODOLOGIA

A presente investigação, segundo a natureza dos dados, é


predominantemente de cunho qualitativo, mas utilizaremos quantificações em
tabelas e gráficos que nos auxiliarão na compreensão e interpretação dos dados
encontrados. Assim, a partir de uma leitura cuidadosa do referencial teórico,
analisaremos o corpus com a finalidade de contabilizar, descrever e interpretar a
forma como a argumentação patêmica é utilizada nas situações de comunicação
nele encontradas.
Devemos ressaltar que, do ponto de vista do seu delineamento, esta pesquisa
tem caráter documental, na medida em que trabalha com um tipo específico de
documento: cartas de ameaça. Conforme ensina Gil (2002), esse tipo de pesquisa
diferencia-se da pesquisa bibliográfica por se debruçar sobre diferentes materiais de
pesquisa, não apenas livros ou outras publicações acadêmicas:

[...] o material utilizado para o fornecimento de dados nas pesquisas


bibliográficas é constituído basicamente por livros e revistas impressos em
papel ou veiculados por meio eletrônico. Já o material utilizado nas
pesquisas documentais pode aparecer sob os mais diversos formatos, tais
como fichas, mapas, formulários, cadernetas, documentos pessoais, cartas,
bilhetes, fotografias, fitas de vídeo e discos (GIL, 2002, p. 88. Grifo nosso).

O caráter empírico da pesquisa é comprovado pelo fato de usarmos um


corpus constituído por textos de natureza escrita oriundos de situações reais de
comunicação. Para a obtenção dos textos que compõem nosso corpus, fizemos
buscas em sites diversos a partir da rede mundial de computadores. Em sua maioria,
os textos coletados foram divulgados em matérias jornalísticas. A respeito da noção
de corpus, Jean-Claude Beacco, trazido por Charaudeau e Maingueneau, em seu
Dicionário de Análise do Discurso, ensina que:

Nas ciências humanas e sociais mais particularmente, corpus designa o


conjunto de dados que servem de base para a descrição e análise de um
fenômeno. Nesse sentido, a questão da constituição do corpus é
determinante para a pesquisa, pois trata-se de, a partir de um conjunto
fechado e parcial, analisar um fenômeno mais vasto que essa amostra
(BEACCO, 2014, p. 137 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014.
Grifos no original).

Em outras palavras, a partir de um grupo determinado e finito de textos, o


127

pesquisador tenta encontrar padrões recorrentes de certo fenômeno linguístico-


discursivo e, possivelmente fazer generalizações acerca desse fenômeno. Esta
pesquisa é, portanto, de natureza indutiva, método a partir do qual se faz um
movimento centrífugo de partir do particular (corpus limitado) para o geral
(generalizações).
Como recurso informático de auxílio à nossa pesquisa, fizemos também uso
da ferramenta Google Alertas, da empresa Google®. A partir do cadastro das
palavras-chave “carta” e “ameaça”, o site de busca enviava para o e-mail cadastrado
qualquer notícia ou reportagem na qual aparecessem, no título, as palavras
cadastradas, a exemplo da imagem a seguir:

Figura 08: Ferramenta de busca Google Alertas

Como pode ser observado na imagem acima, os termos “carta” e “ameaça(s)”


aparecem em negrito em várias manchetes de diferentes fontes, facilitando o
trabalho de busca dos textos para a composição do corpus de análise. A carta
especificada no alerta, na verdade, era um e-mail e, por isso, esse texto não foi
utilizado nesta pesquisa.
A partir de buscas em sites diversos, obtivemos diferentes textos classificados
128

como cartas de ameaça. Assim, optamos por selecionar aqueles textos que melhor
se adequavam ao nosso projeto investigativo, excluindo do processo alguns textos
que, embora tenham sido chamados de carta de ameaça pela mídia, não se
mostravam interessantes à nossa pesquisa.
Ao final da seleção, nosso corpus se constituiu de 50 cartas de ameaça
divulgadas por diversas mídias online. Apesar de serem obtidas a partir da instância
midiática, por estarmos lidando diretamente com a digi t aliza çã o do texto
o ri gin al , temos acesso ao material produzido em um contexto criminalizável, o
que garante a fidelidade do corpus aos objetivos desta investigação. Além disso, não
levamos em conta os textos produzidos pelos jornalistas ou as transcrições das
cartas, quando existiam.
Selecionamos o material que compõe o corpus a partir das fotografias ou
outros meios de digitalização das cartas originais, como a representada na imagem
abaixo, que faz parte do grupo de textos escritos por sujeitos que se posicionam
como criminosos. As matérias jornalísticas, no entanto, foram levadas em conta para
que pudéssemos nos situar melhor acerca dos contextos socio-históricos nos quais
circularam as cartas de ameaça:

Figura 09: Exemplo de carta de ameaça25

25
Site da Tribuna do Ceará. Disponível em <tribunadoceara.uol.com.br >. Acesso em 20 mar. 2018.
129

Após a coleta, os textos foram separados em dois grupos relativos às


identidades adotadas pelos sujeitos enunciadores: 25 textos escritos por sujeitos
que se posicionam na identidade social e discursiva de criminoso e 25 textos
escritos por sujeitos que não se posicionam como criminosos. Conforme vimos
antes, de acordo com Charaudeau (2009), a identidade social estaria relacionada ao
sujeito enquanto ser empírico, social, e ditaria sua legitimidade, seu direito à palavra.
Por sua vez, a identidade discursiva seria aquela construída no e pelo discurso, o
que está relacionado ao ethos discursivo e às estratégias de credibilidade e de
captação.
Em nosso corpus de análise, determinados textos são construídos por
sujeitos que se posicionam como criminosos, delinquentes que agem contra a lei,
muitos deles se afiliando a uma facção criminosa, como o Primeiro Comando da
Capital (PCC), que age principalmente no Estado de São Paulo, o Comando
Vermelho (CV), atuante no Rio de Janeiro, e os Guardiões do Estado (GDE), cuja
área de atuação são alguns Estados do Nordeste, como o Ceará. Esses sujeitos,
portanto, veiculam uma identidade social e discursiva relacionada ao mundo do
crime. Em outros textos, esse posicionamento não ocorre, visto que os sujeitos não
veiculam uma identidade social relacionada ao crime, mas se projetam como
cidadãos de categorias sociais diversas, como membro de uma determinada
entidade religiosa, vizinho, esposo, cidadão de bem etc., em uma tentativa de
preservar sua face, como veremos no capítulo 4.
Na medida em que, entretanto, esses indivíduos, ao ameaçar, praticam uma
ação passível de ser tipificada de acordo com o Código Penal, vindo a ser
reconhecida como um crime, emerge a identidade de um sujeito ameaçador e capaz
de cometer o delito. Devemos ressaltar, ainda, que, conforme vimos anteriormente,
para Charaudeau, “A identidade é, assim, um problema complexo, pois ela não é
apenas um problema do indivíduo, mas também dos outros ou, mais exatamente, o
problema de si através dos outros” (2015, p. 15-16. Itálico no original), afinal, o EU
apenas se reconhece no TU graças ao princípio de alteridade da mise en scène
discursiva. Desse modo, o outro deve ser capaz de reconhecer a identidade
construída pelo enunciador em seu discurso.
Posteriormente, separados os dois grupos, fizemos a classificação das cartas
de acordo com os tipos de ameaça encontrados, a saber: I – textos dos sujeitos que
se posicionam como criminosos: ameaça de morte (12 cartas); ameaça contra a
130

segurança pública (10 cartas); e ameaça com sanção indefinida (03 cartas); e II –
textos dos sujeitos que não se posicionam como criminosos: ameaça de morte (19
cartas); ameaça de agressão (02 cartas); e ameaça com sanção indefinida (04
cartas).
Após a transcrição desses textos visando à optimização da análise – visto
que, como ilustramos anteriormente, alguns são fotografias das cartas originais,
manuscritas, e, portanto, de difícil decodificação do conteúdo escrito –, fizemos as
análises a partir do referencial teórico e dos postulados metodológicos da Teoria
Semiolinguística do Discurso. As análises discursivas sob a luz dessa teoria devem
se debruçar sobre os Modos de Organização do Discurso que compõem os textos
do corpus, bem como sobre as estratégias discursivas utilizadas pelos participantes
da situação de comunicação. De igual modo, baseamo-nos também na Teoria da
Argumentação na Língua, especificamente no que concerne aos postulados sobre
os operadores argumentativos, pressupostos e subentendidos. Quando necessários,
outros pesquisadores foram trazidos, de modo a apresentarmos as análises
qualitativas e quantitativas da forma mais pormenorizada possível.
Amparadas nessas bases teóricas, as análises foram efetuadas levando-se
em conta questões de natureza macro e microestruturais. De acordo com Gouvêa
(2002, p. 123), a abordagem microestrutural é “o estudo de cada enunciado
isoladamente”, enquanto a soma desses recursos constitui-se no todo argumentativo
do texto, sua macroestrutura. No que concerne à abordagem micro, levamos em
conta as estratégias de patemização cujo enfoque abarca a seleção lexical,
modalizadores, índices de avaliação e operadores argumentativos. No que concerne
à abordagem macro, debruçamo-nos sobre os modos de organização do discurso,
principalmente sobre o projeto argumentativo dos textos, desvelando questões de
natureza extratextuais, como implícitos, topoi e imaginários sociodiscursivos.
Para a categorização e análise das estratégias de patemização utilizadas nas
cartas de ameaça que compõem o nosso corpus, utilizamos a nomenclatura
proposta por Gouvêa (2017), que se baseou em alguns estudiosos do fenômeno
argumentativo, como Charaudeau (2010) e Plantin (2010). Para essa pesquisadora,
podemos encontrar uma gama de estratégias utilizadas por sujeitos que buscam
captar seus destinatários, conforme verificamos no capítulo 2.
Quanto ao tratamento quantitativo do corpus, para facilitar a apresentação
dos dados, foram elaborados gráficos e tabelas que procuram comparar os números
131

de ocorrência e porcentagem de cada aspecto linguístico-discursivo analisado. A


partir dos dados numéricos obtidos, foram feitas generalizações que contribuíram
para a explicação de determinados fenômenos observados, de modo a confirmar
totalmente, parcialmente ou refutar as hipóteses levantadas no início da
investigação. A análise quantitativa foi utilizada de modo a apresentarmos os dados
referentes ao número total de textos que compõem o nosso corpus, visto que, na
análise qualitativa, dada sua natureza, não pudemos levar a cabo a análise dos 50
textos, sendo selecionados 10 dentre o total.
De acordo com Kauark et al, a abordagem quantitativa:

[...] considera o que pode ser quantificável, o que significa traduzir em


números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. Requer o
uso de recursos e de técnicas estatísticas (percentagem, média, moda,
mediana, desvio-padrão coeficiente de correlação, análise de regressão)
(KAUARK et al., 2010, p. 26; 27).

Das técnicas estatísticas apontadas pelos autores, no presente estudo,


utilizaremos apenas a porcentagem e a média. De modo a facilitarmos a
apresentação, elaboramos tabelas que trazem os dados numéricos, quando
necessárias, bem como gráficos que ilustram percentualmente os dados obtidos.
No âmbito das Ciências da Linguagem, estudos vinculados à Sociolinguística
Variacionista, à Psicolinguística e à Linguística Computacional parecem buscar com
maior propriedade um embasamento quantitativo, sobretudo no que concerne ao
tratamento estatístico de grandes corpora. Na Análise do Discurso, entretanto, não
podemos fazer essa afirmação, principalmente porque as metodologias e mesmo as
teorias que subjazem às diferentes correntes que se intitulam de análise do discurso
não seguem uma única linha de pensamento epistemológico. Isto é, o que é
entendido como “analisar um discurso” pode mudar substancialmente a depender da
corrente teórica adotada.
Apesar disso, este trabalho, por influência26 de pesquisas realizadas nos
Programas de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ e Pós-Graduação em
Letras da UFV, principalmente as que se filiam à Teoria Semiolinguística do
Discurso, procura apresentar um subsídio quantitativo para as análises e inferências
qualitativas. Corroborando nosso ponto de vista, trazemos Conde, que afirma:
26
Aqui, queremos nos referir, nomeadamente, aos conselhos e orientações das Professoras
Doutoras Lúcia Helena Martins Gouvêa (UFRJ) e Mônica Santos de Souza Melo (UFV). Ambas
incutiram em nós a importância de um olhar quantitativo em relação aos dados da pesquisa.
132

[...] é bom lembrar que o levantamento de dados com a devida


quantificação, organização e interpretação demonstra, de modo mais
aprimorado, fenômenos que podem estar dispersos em diferentes
manifestações textuais (orais ou escritas) (CONDE, 2015, p. 240).

O autor defende a importância de uma análise lexicométrica estatística,


visando a manter a materialidade em pesquisas de análise do discurso. Além disso,
para ele, mesmo que tais análises quantitativas não nos levem a nenhuma
conclusão, ou nos levem a dados negativos, o importante é justamente o foco na
análise material e empírica. No capítulo 4, apresentaremos nossas análises
qualitativas e quantitativas, e essas questões epistemológicas ficarão mais
esclarecidas e exemplificadas.
Visando a um melhor entendimento dos processos levados a cabo para a
realização desta pesquisa, apresentamos o nosso passo-a-passo metodológico no
organograma abaixo:

Classificação e
Coleta e tratamento Embasamento contagem das
do corpus teórico estratégias de
patemização

Análise qualitativa e Escrita em


Elaboração de interpretação dos constante retorno
gráficos resultados ao corpus e ao
quantitativos referencial teórico

Figura 10: Processo metodológico desta pesquisa

As etapas da pesquisa, na verdade, sobrepõem-se em determinados


momentos. A fundamentação teórica, por exemplo, acontece antes, durante e após
a coleta do corpus, estendendo-se até o final do processo de redação do texto.
Podemos entender, portanto, que determinadas fases acontecem diversas vezes
durante o processo investigativo. A elaboração do organograma, entretanto,
apresenta a finalidade de elencarmos o passo-a-passo seguido nesta pesquisa
sendo, possivelmente passível de ser utilizado em diversas pesquisas com o aporte
da Semiolinguística. Além disso, essa metodologia pode ser utilizada em outras
pesquisas com referencial teórico diferente, mas que se fundamentem sobre uma
133

abordagem qualitativa e quantitativa de natureza documental.


Neste capítulo, apresentamos nossos métodos de coleta e análise do corpus.
Posteriormente, definimos e explicamos a natureza da pesquisa. No próximo
capítulo, traremos as análises qualitativas e quantitativas, aplicando o que foi
discutido nos capítulos antecedentes.
134

4 ANÁLISE: ARGUMENTAÇÃO E PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA

Neste capítulo, apresentaremos os resultados de nossas análises. Conforme


já mencionado, foram selecionados 50 textos para compor nosso corpus, a saber: 25
textos pertencentes ao conjunto de cartas nas quais o sujeito enunciador se
posiciona como criminoso; e 25 textos do conjunto de cartas nas quais não há esse
posicionamento.
Ademais, ainda ocorreu uma subdivisão, a depender da temática de cada
carta. Dentre as 25 cartas dos sujeitos que não se posicionam como criminosos, 19
são cartas de ameaça de morte; 02 são cartas de ameaça de agressão; e 04
apresentam ameaças com sanções indefinidas, ou seja, sabemos que um mal
poderá acometer o destinatário, mas esse mal não é explicitado. Já no grupo de 25
cartas escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos, obtivemos 12 cartas
de ameaça de morte; 10 cartas de ameaça à segurança pública; e 03 cartas de
ameaça com sanções indefinidas.
Primeiramente, apresentaremos a análise qualitativa. Nesse item, observando
questões de cunho macro e microestrutural, empreenderemos a análise da
argumentação patemizante utilizada pelos sujeitos enunciadores das cartas de
ameaça. Posteriormente, procederemos à abordagem quantitativa.
Acreditamos que essas análises possam fazer com que a ação de ameaçar,
através de cartas, seja mais bem compreendida a partir do viés discursivo. Nossas
reflexões, dessa forma, podem servir de contributo não apenas para a Análise do
Discurso, mas também para a Linguística Forense, visto que este campo de estudos
se propõe a entender de forma mais aprofundada os fenômenos que relacionam os
estudos linguísticos aos jurídicos. Pretendemos contribuir, assim, para questões
jurídicas que versem sobre o significado de algum texto, quando estiver em
questionamento seu teor ameaçador e, portanto, criminalizável. Trata-se da área de
especialidade conhecida como determinação de significados.

4.1 ESTRATÉGIAS DE PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA: ANÁLISE


QUALITATIVA

Antes de empreendermos a análise propriamente dita dos argumentos


patemizantes, é importante lembrar que, pelo fato de a análise qualitativa ser, por
135

natureza, mais detalhada e profunda, não poderemos nos ater exaustivamente à


análise de todos os textos. Assim, iremos discorrer acerca de algumas
características que merecem destaque. Para a análise qualitativa, portanto,
escolhemos 03 cartas de ameaça de morte, 01 carta de ameaça de agressão e 01
carta de ameaça com sanção indefinida, do grupo de cartas escritas por sujeitos que
não se posicionam como criminosos; e 02 cartas de ameaça de morte, 02 cartas de
ameaça à segurança pública e 01 carta com sanção indefinida, do grupo de sujeitos
que se posiciona como criminosos.
Ao todo, analisaremos, de modo qualitativo, 10 cartas. Os números não foram
escolhidos de forma aleatória, mas levamos em conta a recorrência temática em
cada um dos grupos de cartas. Por exemplo, visto termos mais cartas de ameaça de
morte no primeiro grupo, analisaremos 03 de modo qualitativo. No segundo grupo,
por sua vez, obtivemos uma quantidade aproximada de cartas de ameaça de morte
e cartas de ameaça à segurança pública e, portanto, analisaremos 02 textos de cada
temática.
Esses textos são apresentados na íntegra e, posteriormente, analisados de
modo macro e microestrutural. A abordagem macroestrutural leva em conta o projeto
argumentativo do texto, evidenciando questões relacionadas aos modos de
organização do discurso. Por abordagem microestrutural, entendemos a análise que
leva em conta questões de natureza linguística a partir da seleção de determinadas
estratégias discursivas, bem como o léxico selecionado. Durante as análises,
também procuraremos desvelar sentidos de língua e de discurso que se valem do
interdiscurso e dos imaginários sociodiscursivos.
Devemos sublinhar, ainda, que os textos analisados nesta investigação, por
serem oriundos de situações de comunicação relativas a ameaças, acabam por
apresentar as três condições cruciais para que um enunciado seja considerado
patêmico, como explica Charaudeau (2010). Assim, tanto o dispositivo comunicativo,
uma carta de ameaça, quanto a temática evocada, bem como a visada de fazer-crer
para fazer-sentir já favorecem a instauração de uma atmosfera que permite o
despertar de sentimentos relacionados ao medo, ao terror e à insegurança no sujeito
interpretante para quem a carta é endereçada.
Conforme podemos observar, portanto, estamos lidando com textos que
apresentam, em sua natureza, um teor patemizante. Com isso, nos discursos que
aqui analisamos, qualquer enunciado é potencialmente capaz de levar o sujeito
136

interpretante a experienciar alguma emoção. Essa realidade deve ser levada em


conta na análise de todo o nosso corpus.
É importante reiterar, ainda, que a grafia original das cartas foi mantida,
visando a garantir a integridade do texto original. Assim, os textos foram transcritos,
não retextualizados, já que o processo de retextualização pressupõe a criação de
um novo texto (MARCUSCHI, 1997).

4.1.1 Abordagem macro e microestrutural das cartas dos sujeitos que não se
posicionam como criminosos

Primeiramente, apresentaremos as análises concernentes ao grupo de cartas


dos sujeitos que não se posicionam como criminosos em seu discurso.
O primeiro texto analisado (Texto I) corresponde a uma carta de ameaça de
morte 27. Como já apresentamos esse texto anteriormente, quando configuramos o
subgênero carta de ameaça, iremos apresentá-lo novamente, mas analisando-o a
partir dos vieses macro e microestruturais:

Texto I – sujeito que não se posiciona como criminoso: ameaça de


morte devido a uma dívida

Dia 24 do 10 de 2012
(ilegível) quem fala aqui é a (ilegível). Voce acha que eu tenho cara de
palhaça pois voce vai ver se eu estou brincando todo dia voce fala que vai
pagar e continua enrolando pois voce vai enrolar no inferno eu vou
arrumar uma arma e vou meter uma bala na sua cara nunca mais voce
brinca comigo voce pensa que me engana sua vagabunda voce não paga
o prato que come voce me enganou que pagava tudo certo e eu confiei
numa praga (ilegível) voce está com o pé na cova eu vou te matar pelas
costas voce vai para o inferno voce e sua família inteira vai pagar por vc
tá ok.

O texto acima se apresenta predominantemente argumentativo, embora

27
A carta pode ser encontrada nos anexos deste trabalho sob o título Texto VIII – Ameaça por dívida
137

outros Modos de Organização tenham sido utilizados, como o Modo Descritivo, que
auxilia no projeto argumentativo do texto. De acordo com Charaudeau (2008), o
Modo Descritivo do Discurso serve, dentre outras finalidades, para nomear, localizar
e situar os seres no mundo. Assim, o Modo Descritivo foi utilizado, por exemplo, na
datação da carta, que situa os parceiros da troca comunicativa em um determinado
espaço temporal, como vemos logo no início do texto:

(34) Dia 24 do 10 de 2012

Identificamos, ainda, o Modo de Organização Enunciativo que, de acordo


com Charaudeau (2008), interfere na encenação, na mise en scène dos demais
Modos, já que todo discurso é produzido por um sujeito que se situa e situa os
outros, em maior ou menor grau, em seu discurso. Assim, o Modo Enunciativo
fundamenta a enunciação, já que é através dele que o sujeito se posiciona em
relação ao seu próprio discurso. Através da modalidade elocutiva, o sujeito se insere
no discurso, marcando-se subjetivamente a partir de pronomes de primeira pessoa e
índices de modalização. Como podemos perceber no excerto (35), a seguir, a
presença do sujeito enunciador se marca através do pronome de primeira pessoa
“eu”:

(35) [...] eu vou arrumar uma arma

Ao fazer uso da modalidade alocutiva, por sua vez, o sujeito enunciador


marca seu interlocutor no enunciado, principalmente através de pronomes de
segunda pessoa, como no excerto (36):

(36) [...] todo dia voce fala que vai pagar

Os pronomes de primeira e segunda pessoa, de acordo com o que


Benveniste (1991) propõe em seu aparelho formal da enunciação, são os pronomes
de pessoa. Além deles, de acordo com o linguista, há também os pronomes de não
pessoa, sobretudo os pronomes de terceira pessoa, como “ele, ela, eles, elas”. Além
dos pronomes de terceira pessoa, o sujeito enunciador também pode procurar
provocar um efeito de distanciamento e objetividade, não se inserindo nem inserindo
138

seu interlocutor em seu discurso, como em:

(37) Dia 24 do 10 de 2012

Apesar de a datação ser uma ferramenta do Modo de Organização Descritivo


do Discurso, conforme vimos anteriormente, de acordo com Charaudeau (2008), o
Modo de Organização Enunciativo perpassa toda a mise en scène dos demais
modos. Com isso, mesmo sendo uma sequência descritiva, há a possibilidade de o
enunciador se marcar no discurso, marcar seu interlocutor ou, como no excerto (37),
não fazer menção às pessoas do discurso.
Conforme pode ser notado, na carta em apreço, encontramos, principalmente,
enunciados construídos com recurso às modalidades elocutiva e alocutiva do Modo
de Organização Enunciativo, correspondendo ao uso da enunciação da expressão
patêmica (CHARAUDEAU, 2010), já que esses recursos são empregados em um
dispositivo patemizante. A modalidade delocutiva corresponde ao que Charaudeau
(2010) chama de enunciação da descrição patêmica.
Quanto aos demais modos de organização do discurso – vale lembrar, o
descritivo, o narrativo e o argumentativo –, notamos a predominância do Modo de
Organização Argumentativo do Discurso na carta em apreço. Encontramos, assim,
uma tese implícita que pode ser verbalizada da seguinte maneira: “você deve me
pagar”. Para defender essa tese, o sujeito enunciador elenca uma série de
argumentos, como “você me enganou” e “você vai ver se estou brincando”, para
justificar sua ameaça e levar o interlocutor a acreditar que, pelas suas ações
passadas, está com a vida ameaçada. Pelo teor da carta, entretanto, observamos
que há uma condição para que a ameaça não seja efetivada: o pagamento da
dívida. Com isso, percebemos que o texto se constrói a partir de uma série de
argumentos que trazem, de modo implícito ou explícito, ameaças de morte.
Durante o percurso argumentativo do texto, notamos que o sujeito
enunciador se posiciona na identidade de vítima, procurando construir, no processo,
o ethos de uma pessoa enganada, considerada “palhaça” pela destinatária. Apesar
disso, outros ethé são construídos, como o ethos de potência, de alguém que
procura garantir credibilidade a suas ameaças, afirmando que a destinatária da carta
sofrerá consequências por não saldar sua dívida; no caso, a consequência, a
sanção negativa, seria sua morte.
139

Observemos o excerto (38) a título de ilustração:

(38) todo dia voce fala que vai pagar e continua enrolando pois voce vai
enrolar no inferno

Nesta passagem, através do recurso da enunciação da expressão patêmica,


já que encontramos a modalidade alocutiva do Modo Enunciativo, representada pelo
pronome de tratamento “você”, o sujeito enunciador ameaça o sujeito destinatário.
Passando, agora, a uma abordagem microestrutural, conforme pode ser
observado, a ameaça expressa em (38) é realizada a partir da estratégia de
patemização denominada, nesta pesquisa, de emprego de implícitos, já que o
sentido da expressão “enrolar no inferno” equivale a dizer que o interlocutor vai ser
assassinado. Trata-se, portanto, de uma ameaça direta, por não ser condicional, e
implícita, conforme categorizamos no capítulo 2, já que ocorre a quebra da máxima
de modo.
De acordo com Grice (1991 [1968]), um dos princípios de cooperação levados
a cabo pelos parceiros de uma interação preconiza que o enunciado deve ser claro e
não obscuro. Ao fazer uso da metáfora, entretanto, o sujeito enunciador não cumpre
essa regra do princípio de cooperação. Resta ao interlocutor recuperar os sentidos
implícitos, velados, de modo a equilibrar novamente a interação. O sentido implícito,
conforme alegamos, diz respeito, justamente, à ameaça de morte.
Além disso, notamos que o raciocínio foi efetuado a partir do operador
argumentativo “pois”, que, conforme Koch (2015 [1993]), introduz uma justificativa
relacionada a um enunciado anterior. No caso em apreço, entretanto, “pois”
apresenta o valor semântico de “logo”: continua enrolando para pagar, logo, vai
enrolar no inferno. Dessa forma, esse operador argumentativo introduz a própria
conclusão (ou tese) – você vai ser morta –, configurando um uso da estratégia de
patemização expressões modalizadoras.
O operador argumentativo “pois”, portanto, vincula a conclusão “você vai
enrolar no inferno” ao argumento previamente apresentado “todo dia voce fala que
vai pagar e continua enrolando”, inserindo um modo de encadeamento pautado em
uma relação lógica de consequência/conclusão (CHARAUDEAU, 2008) entre as
duas asserções: X logo Y. Conforme salienta Gouvêa (2006), os operadores
argumentativos constituem verdadeiras pontes entre o nível linguístico e o nível
140

discursivo, já que eles expressam a intencionalidade argumentativa do enunciado.


No que concerne aos imaginários sociodiscursivos, notamos que a ameaça
implícita no enunciado (38) – “voce vai enrolar no inferno” –, por fazer menção ao
Inferno, lugar entendido como o destino escatológico dos pecadores não redimidos,
no Cristianismo, é realizada através de uma escolha lexical que conota a possível
morte do destinatário. A compreensão adequada dos sentidos de discurso
veiculados por esses enunciados só é possível pelo fato de certos pensamentos
cristãos configurarem saberes de crença compartilhados por grande parte dos
brasileiros.
A ameaça direta explícita produzida pelo sujeito enunciador aparece no
enunciado (39), apresentado a seguir:

(39) eu vou arrumar uma arma e vou meter uma bala na sua cara

No enunciado (39), percebemos que o sujeito enunciador faz uso de itens


lexicais relacionados ao campo semântico da violência, como “arma” e “bala”,
visando a amedrontar o sujeito destinatário. Estamos, portanto, diante da estratégia
de patemização chamada de palavras, expressões e enunciados que designam
calamidade, principalmente pela expressão “meter uma bala na sua cara”, que
denota o assassinato da destinatária.
Além dessa estratégia, também encontramos alguns usos da estratégia de
patemização chamada por nós, nesta pesquisa, de emprego de palavras de calão,
conforme podemos observar nos enunciados (40) e (41) a seguir, a partir das
seleções lexicais em negrito:

(40) voce pensa que me engana sua vagabunda


(41) voce me enganou que pagava tudo certo e eu confiei numa praga

Como já mencionamos no capítulo 4, as palavras de calão e os palavrões


apresentam a particularidade de expressar emoções intensas e, por isso, acabam
por consistir em uma estratégia de patemização. Nos casos em apreço, tais
seleções lexicais poderiam levar o sujeito interpretante a se sentir indignado diante
dessas qualificações, já que o termo “vagabunda” é frequentemente relacionado a
uma mulher cujo comportamento sexual é considerado imoral, embora não seja
141

necessariamente uma prostituta. Por sua vez, o termo “praga” se relaciona ao


campo religioso, designando uma desgraça, uma maldição, a exemplo das dez
pragas do Egito, descritas no livro de Êxodo.
Faz-se oportuno notar, conforme Sandmann (1992), que alguns campos
semânticos são mais propícios a agrupar elementos lexicais considerados como
palavrões ou palavras de calão em nossa comunidade sociodiscursiva. Dentre eles,
situam-se o campo semântico da religião e do sagrado, a exemplo do termo “praga”
(excerto 41), e da sexualidade, como o termo “vagabunda” utilizado no excerto (40).
Para Sandmann (1992, p. 223), ainda:

Focalizando apenas o palavrão tal qual ele é corrente entre nós, podemos
apontar alguns campos semânticos nos quais ele se nutre com destaque.
Referindo-se ao homem, ser humano do sexo masculino, ganham acento os
palavrões que enfocam a sexualidade passiva (bicha, veado) e o ser vítima
de infidelidade (corno, chifrudo), enquanto a mulher é estigmatizada mais
pela prostituição (puta, galinha, fêmea), sendo de destacar o aspecto
cultural de que se fêmea é negativo para mulher, macho e machão não são
para o homem.

De acordo com Sandmann (1992), os palavrões costumam ser relacionados a


determinados tabus sociais, temas sobre os quais não se fala, como o sexo, a morte,
alguns fluidos corporais, ou temas sobre os quais se fala com respeito, como a
religião e a morte. Faz-se necessário notar que, dentre os termos relacionados ao
ato sexual e aos órgãos genitais, parece ser uma constante cultural, principalmente
pela tradição patriarcal do Ocidente, relacionar o feminino aos valores negativos.
Abaixo, apresentamos outra ameaça implícita efetuada pelo enunciador deste
primeiro texto através do enunciado (42), que consiste na conclusão à qual se pode
chegar a partir dos argumentos anteriormente elencados:

(42) voce está com o pé na cova

Nesse excerto, podemos observar que, para que o argumento patemizante


surta o efeito visado, no caso, o de amendrontar o sujeito interpretante, é necessário
que este partilhe, ao menos em parte, dos universos de crença do sujeito
comunicante, além dos conhecimentos a respeito do código linguístico, no caso, o
português brasileiro. Assim, sendo integrante da mesma comunidade
sociodiscursiva, é certo que a expressão metafórica “estar com o pé na cova” sirva
142

como o equivalente semântico para “estar prestes a morrer”, na conclusão (42):


“voce está com o pé na cova”.
Pelo fato de o sujeito enunciador lançar mão de uma metáfora que designa a
morte do sujeito destinatário sem, no entanto, enunciar o verbo “matar” ou algum
verbo relacionado, compreendemos esse enunciado como um uso da estratégia de
patemização emprego de implícitos. Para ser efetivamente compreendido, já que
houve a quebra da máxima de modo (GRICE, 1991 [1968]) pelo sujeito enunciador,
que se valeu de uma metáfora e não foi claro o suficiente, o sujeito interpretante
necessita recorrer aos sentidos implícitos que subjazem a expressão “estar com o pé
na cova”.
Assim, para que os sentidos sejam plenamente interpretados, essa expressão
não deve ser compreendida em seu significado literal. Se o projeto de fala do
enunciador for bem compreendido e o equilíbrio da interação for restaurado, é
possível que o sujeito interpretante experiencie emoções relacionadas ao medo, à
preocupação, ao terror, caso seja o alvo das ameaças.
Deste modo, o sentido implícito torna-se um recurso de patemização que, se
compreendido, pode levar o sujeito interpretante a se amedontrar e, com isso,
aceitar a tese apresentada pelo sujeito enunciador. Vale lembrar, a tese defendida é
a seguinte: “você deve me pagar”. Dentre os argumentos levantados para defender
essa tese está o fato de a destinatária estar prestes a ser morta pelo sujeito
argumentante. Logo, a destinatária deve saldar sua dívida, pois ela está com o pé na
cova.
Dando prosseguimento à análise, observamos novamente o recurso à
estratégia de patemização relacionada ao emprego de palavras, expressões e
enunciados que designam calamidade, como podemos ver no excerto (43) abaixo:

(43) eu vou te matar pelas costas

Observamos, no enunciado (43), que o sujeito enunciador ameaça novamente


a vítima, o sujeito destinatário, lançando mão de outra ameaça explícita, conforme
atesta o enunciado “eu vou te matar pelas costas”. O argumento ad baculum em
apreço evoca um assassinato cruel e covarde, visto ser realizado de forma traiçoeira
(pelas costas), o que consiste no uso da estratégia de patemização palavras,
expressões e enunciados que designam calamidade, no caso, o assassinato.
143

A enunciação do verbo “matar” consiste em uma marca linguística da


estratégia evidenciada. Na situação de comunicação como um todo, e mesmo neste
excerto em particular, o emprego de palavras, expressões e enunciados que
designam calamidade é capaz de fazer com que o sujeito interpretante sinta-se
amedrontado, desesperado e aterrorizado. Esses efeitos patêmicos podem ser
experienciados no caso de o sujeito interpretante acreditar nas palavras do sujeito
comunicante, afinal, poderá ser vítima de um assassinato.
Como vimos anteriormente, essa é uma estratégia de patemização bastante
recorrente no subgênero aqui analisado, visto que palavras que remetem aos
campos semânticos da guerra, da violência e da morte apresentam alto teor
patêmico. Na medida em que a finalidade principal das cartas de ameaça é
justamente fazer com que o destinatário se intimide, tais escolhas lexicais podem se
mostrar bastante profícuas, o que acaba por se tornar uma marca estilística desse
subgênero discursivo, como vimos no capítulo 2.
Por fim, visto estarmos analisando uma carta de ameaça, considerada aqui
como um subgênero do gênero carta, faz-se pertinente ressaltar que toda a situação
de comunicação gira em torno de uma visada patemizante. Para garantir a captação
de seu destinatário, levando-o a experienciar diferentes emoções – mais
notadamente aquelas pertencentes ao campo semântico do medo, do terror, do
desespero –, o sujeito se vale de diferentes enunciados que cumprem o projeto
argumentativo do texto.
Findada a análise do texto I, passemos, agora, à análise da segunda carta de
ameaça de morte pertencente ao grupo de cartas dos sujeitos que não se
posicionam como criminosos28:

Texto II – sujeito que não se posiciona como criminoso: ameaça de


morte passional

Belo Jardim 24/05/2013

Ola Dona Mônica pelo visto nós não temos como se intender como
marido e mulher. Sua vida é sua vida. A minha a parte. Não faz parte da

28
O texto pode ser encontrado em nossos anexos sob o título Texto XII – Ameaça de morte
passional.
144

sua. Isso vai dá errado. Não tenha dúvida. Você só pença em si mesma
eu sou para você um pânaca. hoje eu estava pençando. Falta 06 mêses
para sua formatura. Você já mim excluio. As coisas qui lhi aconteçe você
não mim fala nada. Sei atraves dos outros. Qui esposa é você. Eu inexisto
neste mundo. Você não mim ver mais. As pessoas, sim. A cada dia qui se
passa você mim decepciona mais. Você e burra além do limite. A cada dia
você tira uma pá de terra da sua cova. Você vai receber amargamente
tudo qui vem fazendo comigo. Se nossa filhinha precisa de por um limite
sobre a teimosia dela, ela com 03 anos, e imagine você. Já passou. A
muito tempo. Só que tudo tem seu dia e este dia já chegou. Eu sou
passado para tráiz o tempo todo por você. Mais em breve você terar uma
grande surpresa. Á sua altura ok. Quem planta dores colhe flores. Quem
planta espinho??? Isso é á vida neste plâneta. Tente si corrigir antes qui
seja tarde de mais isso é apenas um aviso de (ilegível).

Em uma abordagem macroestrutural, é possível notar que a carta foi


construída levando-se em conta as características composicionais típicas do gênero
carta. Há uma datação, uma saudação inicial e uma despedida, que funciona como
a condição para que as ameaças implícitas não sejam efetuadas.
Notamos que o enunciador inicia sua carta apresentando uma série de
argumentos que levam à tese por ele defendida. A tese, o ponto de vista defendido
pelo enunciador, diz respeito aos males que poderão recair sobre a destinatária,vale
saber:

(44) Isso vai dá errado.

O encapsulador “isso” corresponde, na tese acima, aos enunciados que a


precedem, no caso, os argumentos que a fundamentam, os quais elencamos abaixo:

(45) Você só pença em si mesma eu sou para você um pânaca.


(46) As coisas qui lhi aconteçe você não mim fala nada. Sei atraves dos
outros.
(47) A cada dia qui se passa você mim decepciona mais.
145

Nos excertos (45), (46) e (47), podemos perceber que o sujeito enunciador
elenca uma série de argumentos que deixam clara sua insatisfação com a atual
situação do casal. Devido a esses fatos apresentados, o enunciador chega à tese,
uma proposta sobre o mundo (CHARAUDEAU, 2008), vale lembrar, a de que “isso”
– a situação narrada representada pelo encapsulador – “vai dá errado”, o que
prenuncia um possível mal vindouro. Encapsulador, de acordo com Santos et al
(2016), diz respeito a uma partícula que resume (encapsula) uma porção de texto
precedente ou subsequente, estratégia de retomada anafórica que pode ocorrer
através do uso de pronomes demonstrativos, como o “isso” utilizado no enunciado
(44) para encapsular a porção de texto que diz respeito aos argumentos pró-tese.
Assim, a orientação argumentativa do texto leva-nos a esse último enunciado,
a condição que deverá ser seguida:

(48) Tente si corrigir antes qui seja tarde de mais isso é apenas um aviso

Durante o percurso da carta, desenvolvida principalmente através do Modo de


Organização Argumentativo do discurso, o sujeito enunciador procura convencer o
sujeito destinatário de que foi alvo de injustiças e, por isso, o destinatário sofrerá
consequências. É importante notar que esse enunciador procura proteger sua face,
construindo para si um ethos de vítima (cf. SILVA, 2016), de alguém que ama sua
companheira, mas não foi devidamente incluído nos planos e na vida da parceira.
Há, no percurso argumentativo da carta, uma constante comparação dicotômica
entre a vida da ex-esposa e a do enunciador, como em:

(49) Sua vida é sua vida. A minha a parte. Não faz parte da sua.
(50) As coisas qui lhi aconteçe você não mim fala nada. Sei atraves dos
outros.
(51) Você não mim ver mais. As pessoas, sim.

Para o sujeito enunciador, aparentemente, esses são motivos suficientes


para ameaçar a ex-esposa de morte, pois ele constrói para si o ethos dito de
“panaca”, descrevendo-se como decepcionado com a destinatária.
Em uma abordagem microestrutural, levando em consideração os enunciados
passíveis de provocar algum efeito patemizante no sujeito interpretante, quando este
146

for o destinatário da carta, notamos que a datação e a localização que aparecem no


início do texto já apresentam a capacidade de patemização:

(52) Belo Jardim 24/05/2013

Em uma carta de ameaça, visto o dispositivo comunicativo ser condizente


com a patemização, a localização temporal e espacial pode levar o sujeito
interpretante a experienciar emoções relativas à angústia e ao medo, no caso de o
sujeito comunicante se encontrar em um local próximo, por exemplo. Trata-se,
portanto, da estratégia de patemização referente ao princípio de proximidade ou
distanciamento.
No percurso da carta, é possível perceber que o sujeito enunciador procura se
mostrar entristecido com a situação do casal, estado emocional transparecido pelas
escolhas lexicais feitas por ele, como nos enunciados (53) e (54), abaixo:

(53) eu inexisto neste mundo”


(54) Eu sou passado para tráiz o tempo todo por você”.

Na medida em que “a atitude subjetiva do locutor em face de seu enunciado


pode traduzir-se também numa avaliação ou valoração dos fatos, estados ou
qualidades atribuídas a um referente” (KOCH, 2015 [1993], p. 53. Grifos no original),
ou seja, dos índices de avaliação, estamos diante da estratégia de patemização
relacionada ao princípio de avaliação.
Os argumentos apresentados em (53) e em (54) apresentam um julgamento
de valor de base axiológica por parte do enunciador, já que ele afirma que “inexiste”
neste mundo para sua esposa, a destinatária da carta, que “o passa para trás”
frequentemente. Trata-se do que Plantin (2013), recorrendo à tradição retórica,
chama de argumentum ad misericordiam, uma estratégia argumentativa que busca
despertar a piedade, a pena, no interlocutor. Em sua Retórica, Aristóteles, no livro II,
ao falar sobre o sentimento de piedade, assim o define:

Vamos admitir que “a piedade” consiste numa certa pena causada pela
aparição de um mal destruidor e aflitivo, afectando quem não merece ser
afectado, podendo também fazer-nos sofrer a nós próprios, ou a algum dos
nossos, principalmente quando esse mal nos ameaça de perto
(ARISTÓTELES, 2005, p. 284).
147

Ao empregar argumentos que visam a despertar um possível sentimento de


piedade, misericórdia ou pena, no sujeito destinatário, o enunciador procura
demonstrar que suas ameaças, realizadas em seguida, apresentam fundamento.
Isto é, se ele ameaça, é porque sua esposa não mais o trata como ele merece.
Assim, após esses argumentos que, através do princípio de avaliação,
objetivam levar o sujeito interpretante a experienciar emoções relacionadas à
piedade, à pena, ou mesmo à culpa, o sujeito enunciador efetua algumas ameaças
de morte em relação à esposa:

(55) A cada dia você tira uma pá de terra da sua cova.


(56) Você vai receber amargamente tudo qui vem fazendo comigo.

Nos excertos acima, as sanções negativas estão veladas, já que estamos


diante de ameaças implícitas, correspondendo ao uso da estratégia de patemização
por nós classificada como emprego de implícitos. Os enunciados (55) e (56)
consistem em transgressões à máxima de modo (GRICE, 1991 [1968]), já que o
enunciador não foi claro o bastante, recorrendo a um uso figurativo. Assim, visando
a restaurar o equilíbrio da interação, o interlocutor tende a recuperar, a partir de um
processo cognitivo de inferência, os seguintes sentidos implícitos desvelados a partir
do enunciado (55): (1) a cada dia você dá mais motivos para ser morta e (2) a cada
dia você está mais perto de ser assassinada. A locução adverbial “a cada dia”
denota uma ação contínua por parte da destinatária, a vítima das ameaças.
Para a compreensão adequada dos sentidos de discurso evocados pelo
enunciado (55), além dos conhecimentos linguísticos, ou seja, dos sentidos de
língua, o sujeito interpretante precisa compartilhar com o sujeito comunicante alguns
imaginários sociodiscursivos e outras pistas trazidas pela situação de comunicação,
como as identidades dos parceiros da troca comunicativa. Apesar desse uso
aparentemente eufemístico e velado, visto o vocábulo “cova” pertencer ao campo
semântico da morte, podemos perceber que a ameaça implícita é facilmente
recuperável no contexto em apreço.
No excerto (56), entretanto, a ameaça de feminicídio é um pouco mais velada,
ficando a cargo da expressão “receber amargamente tudo qui vem fazendo comigo”.
Houve novamente a transgressão à máxima de modo, já que o sujeito enunciador
procura ser obscuro, não fornecendo informações completas para que a ameaça
148

fosse compreendida de forma inequívoca. Visando à inferência dos sentidos velados


nesse enunciado, entram em jogo os conhecimentos, tanto linguísticos quanto
enciclopédicos, que nos permitem compreender que o gosto amargo é
frequentemente relacionado a algum alimento estragado. A extensão semântica,
portanto, permite-nos entrever que uma sanção indesejada poderá incidir sobre o
sujeito interpretante, embora, apenas através deste excerto, não seja possível
recuperar com exatidão a sanção negativa que seria imposta a ele.
Dentre os sentidos possíveis de serem inferidos desse enunciado (56), vale
lembrar “Você vai receber amargamente tudo qui vem fazendo comigo”, podemos
elencar os seguintes: (1) você vai receber de volta tudo de ruim que fez comigo; (2)
você vai sofrer tudo o que me fez sofrer; (3) você vai se arrepender por tudo o que
me fez. Esses sentidos, corroborados pelo todo argumentativo da carta, permitem
inferir que os males poderiam corresponder, inclusive, à morte da destinatária.
Desta feita, pelo fato de estarmos diante de ameaças que dependem dos
sentidos de discurso e não apenas dos sentidos de língua para serem
compreendidas plenamente, estamos lidando com o que Ducrot (1987) chama de
subentendido. Há um sentido implícito que é compreendido apenas quando
questões de natureza discursiva e extradiscursiva são levadas em conta, como as
identidades dos sujeitos, a finalidade da situação de comunicação e os imaginários
sociodiscursivos.
Pelo contexto da carta, notamos que as ameaças, apesar de veladas, podem
ser facilmente compreendidas pelo sujeito interpretante. Assim, para salvar sua face,
o sujeito enunciador não admite que faz uma ameaça, mas chama sua ação verbal
de “aviso”, outro ato de fala. De acordo com Fraser (1998), como vimos
anteriormente, os atos de fala de ameaça e de aviso diferem substancialmente entre
si, já que na ameaça há a intenção explícita de provocar uma intimidação no
interlocutor. Em consonância com o pensamento de Fraser, Walton (2014) assevera
que, quando estamos diante de um ato de fala que deixa clara uma sanção negativa
que poderá acometer o destinatário, estamos diante do ato de fala de ameaça.
Essa característica pode ser utilizada, por exemplo, em demandas judiciais
nas quais se tenha alguma dúvida acerca da natureza de um enunciado, se se trata
ou não de uma ameaça. A definição acima pode então ser aplicada a casos judiciais,
contribuindo para a Linguística Forense no que diz respeito à análise de evidências
linguísticas, especificamente na área de determinação de significados.
149

Passemos para a análise da terceira carta pertencente ao grupo de textos


escritos por sujeitos que não se posicionam como criminosos em seu discurso,
consistindo, também, em uma carta de ameaça de morte 29:

Texto III – sujeito que não se posiciona como criminoso: ameaça de


morte por motivação xenofóbica

AVISO PARA OS BAIANOS


Nossa Brusque deixou de ser uma cidade boa para viver, nos últimos 5
anos foi invadida por imigrantes de outros estados, principalmente da
Bahia das cidades de Itabuna, Ilhéus Buerarema etc.
Sabemos que todos tem o direito de ir em busca de uma vida melhor, mas
sabemos também que quem chega numa nova cidade, deve respeitar os
costumes e estilo de vida do povo local. Os mais sensatos respeitam e
são bem sucedidos em tudo, podem estudar, fazer curso técnico no
SENAI e conseguem empregos bons, agindo assim, conquistam
amizades, afinal, TODOS PRECISAM DE AMIGOS.
Infelizmente junto com os bons vem também os ruins (não civilizados,
ignorantes mesmo), que são a maioria e estão incomodando a vida dos
moradores locais fazendo um INFERNO como: Ouvir música em alto
volume, tanto nos carros como em casa mesmo e em qualquer hora,
falam muito alto e os vizinhos são obrigados a suportarem isso, se
alguém reclama eles ficam bravos, se alguém chama a polícia, ao verem
a viatura da PM baixam o som e se comportam como gente civilizada,
mas quando a PM vai embora, voltam a fazer bagunça.
Brusque é uma cidade de povo ordeiro, trabalhador e honesto e NÃO
MERECEMOS ISSO. Em muitos casos que foram registrados BO (boletim
de ocorrência) não deu em nada, então vamos fazer justiça com nossas
mãos, ESTAMOS CANSADOS E REVOLTADOS.
Desde o mês de março deste ano formamos um grupo com 28 pessoas,
somos cidadãos trabalhadores, honestos e honrados, estamos bem
preparados, resolvemos dar um BASTA nessa situação nosso grupo é

29
Este texto se encontra nos anexos sob o título Texto XIII – Ameaça xenofóbica.
150

discreto e bem estruturado. Estamos publicando este AVISO para depois


não reclamarem do pior que vai acontecer, estamos dando uma chance
de mudarem de comportamento.
Moro em Águas Claras há 26 anos, tenho filhos que moram em outros
bairros, e também estão sofrendo. Não vamos nos mudar por causa
desses desordeiros.
Fizemos um levantamento nos bairros: Águas claras, Azambuja, Sta.
Terezinha. Nova Brasilia, 1º de maio, Bateias e Steffen, constatamos que
é absurdo, inaceitável o que acontece nos bairros, além do barulho, até
trafegam na contramão com carros e motos em alta velocidade e alguns
com a descarga aberta (sem o silencioso), na Bateia por exemplo teve
várias discussões por PERTUBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO entre
vizinho local e baiano e os baianos se juntaram para agredir o que estava
certo. No Azambuja uma senhora de 62 anos tem que tomar remédio para
dormir e calmante durante o dia.
No Steffen teve também discussão por PERTUBAÇÃO DO SOSSEGO
ALHEIO e os baianos armados com faca quiseram ter razão, e disseram o
seguinte: “Essa rua é nossa é nóis que manda aqui e pronto, os
incomodados que vão embora, pagamos aluguel e podemos fazer o que
quiser a qualquer hora”.
Durante esses 8 meses de levantamento, já temos as placas dos carros
que são 34, e motos são 22, temos também a foto desses desordeiros.
Fiquei feliz ao comentar com 2 policiais sobre essa carta (antes de ser
publicada) para saber a opinião deles e os 2 disseram assim: “Finalmente
acordaram, é bom mesmo que alguém faça alguma coisa para acabar
com esses alienígenas” porque 90% dos casos envolvem baianos. “Não
diga à ninguém nosso nome” – eu disse tudo bem.
BAIANOS, vocês conseguiram deixar o povo revoltado, TOMEM
CUIDADO e tratem de mudar de comportamento URGENTE. VAMOS
ELIMINAR VOCÊS, ISSO MESMO, VAMOS MATAR OS RUINS e acabar
com essas pragas.
Nosso grupo, composto por 28 cidadãos, onde 11 estão ansiosos para
começar a matança, nem queríamos publicar esse aviso, porém, a
maioria decidiu avisar antes.
151

Nossa Brusque será de novo uma cidade boa para viver, CUSTE O QUE
CUSTAR.

A carta acima, que circulou na internet no ano de 2013, é pautada em uma


motivação de caráter, sobretudo, xenofóbico em relação a alguns migrantes baianos
que se mudaram para a cidade de Brusque, localizada no estado de Santa Catarina.
De acordo com o sujeito enunciador da carta, a cidade, que era “boa para viver”, foi
“invadida” por migrantes de outros estados nos últimos cinco anos. Temos, logo no
primeiro enunciado da carta, a verbalização da tese:

(57) Nossa Brusque deixou de ser uma cidade boa para viver, [pois] nos
últimos 5 anos foi invadida por imigrantes de outros estados

A tese de que “nossa Brusque deixou de ser uma cidade boa para viver”
demonstra o ponto de vista do sujeito enunciador acerca da situação experienciada
pela comunidade de sua cidade. Nota-se, através do verbo “deixar” – marcador de
pressuposição que indica um valor de mudança de estado –, o pressuposto de que
antes a cidade era boa para se viver, fato alterado por uma perturbação, no caso, a
vinda de migrantes. Durante o percurso argumentativo do texto, o enunciador
procura elencar uma série de argumentos para comprovar essa tese.
Assim, observamos que a carta é construída predominantemente a partir dos
recursos do Modo de Organização Argumentativo do Discurso, sendo apresentadas
passagens narrativas e descritivas que favorecem a argumentação. No que diz
respeito ao Modo de Organização Enunciativo do Discurso, nota-se a predominância
da modalidade elocutiva, já que o sujeito enunciador se marca continuadamente,
seja como um indivíduo isolado ([Ø] moro em Águas Claras), seja como membro da
comunidade residente em Brusque ([Ø] sabemos que todos tem o direito de ir em
busca de uma vida melhor).
No início do texto, é levantada a tese de que “Nossa Brusque deixou de ser
uma cidade boa para viver” e, em seguida, são apresentados diversos argumentos
que buscam comprovar a tese defendida na carta, através dos quais o enunciador
elenca uma série de atitudes consideradas inapropriadas ao bom convívio social. Ao
final, todos os argumentos, dentre os quais diversas ameaças, culminam na
conclusão de que “Nossa Brusque será de novo uma cidade boa para viver, custe o
152

que custar”. A conclusão é obtida através da racionalização: se nossa cidade deixou


de ser boa para viver, então temos de fazer algo em relação aos baianos. Os
argumentos elencados pelo sujeito enunciador serão analisados a partir de uma
abordagem microestrutural.
No primeiro argumento apresentado (nos últimos 5 anos [Brusque] foi
invadida por imigrantes de outros estados), a escolha do vocábulo “invadida” deixa
clara a tomada de posição xenofóbica por parte do enunciador, podendo ser visto
como um emprego da estratégia de patemização princípio de avaliação. Para o
sujeito interpretante que faça parte da comunidade de migrantes daquela cidade,
essa seleção lexical pode levar a experienciar, por exemplo, um sentimento de
revolta, indignação ou mesmo humilhação.
O vocábulo “xenofobia” é construído etimologicamente pela junção dos
radicais gregos “xeno”, estranho, estrangeiro, e “fobia”, medo, aversão. Para o
enunciador da carta, os migrantes não chegam, não vêm, não são recebidos pela
cidade, mas a invadem. São, portanto, não esperados, não sendo bem-vindos. A
partir dessa representação, que se vincula a uma formação discursiva não favorável
a migrações, o enunciador baseia todo o seu projeto argumentativo no restante do
texto. A formação discursiva, termo apresentado por Foucault, seria o lugar da
constituição do sentido e da identificação do sujeito. O sentido das palavras se altera
a depender da formação discursiva de onde se discursa, já que as formações
discursivas dizem respeito à partilha de sentidos em comum, são regiões de sentido
(BARONAS, 2007).
Amparado nessa posição ontológica acerca do discurso, Possenti explica que:

Quando dizem que colocar o dito implica rejeitar o não-dito, isso não
significa que quem diz uma coisa não diz outra, simplesmente porque não
se podem dizer duas coisas ao mesmo tempo (o que é discutível, no
entanto). Trata-se de uma rejeição de natureza completamente diversa, que
pode ser exemplificada assim: se digo que os sem-terra ocuparam uma
fazenda, rejeito que eles a tenham invadido. Ou seja, um certo discurso e,
consequentemente, um certo sujeito rejeita invadir (dizendo ocupar). Outro
rejeita ocupar (dizendo invadir). Não se trata de uma seleção paradigmática,
em termos de língua, mas de assumir uma posição discursiva (POSSENTI,
2004, p. 377. Grifos no original).

Desta feita, nem sempre a escolha lexical se fundamenta, unicamente, pela


seleção paradigmática. Assim, as seleções vocabulares também carregam sentidos
relacionados a determinados discursos hegemônicos que, por sua vez, disseminam
153

certas ideologias, preconceitos e estereótipos, termos que Charaudeau abarca sob a


abrangente noção de imaginários sociodiscursivos. A diferença, conforme explica
Charaudeau (2007), atendo-se à noção de estereótipo, é que, enquanto os
estereótipos preconizam pontos de vista que podem ser comprovadamente falsos
sobre uma parcela da realidade, os imaginários não são verdadeiros nem falsos,
mas são embasados em saberes de crença e de conhecimento.
Como podemos perceber, a escolha lexical não trata apenas de uma questão
estilística, mas orienta o projeto argumentativo do texto, por vezes corroborando a
disseminação de determinados imaginários. Através de certos usos lexicais, o
sujeito pode, inclusive, gerar para si problemas de cunho jurídico quando, por
exemplo, seleciona um termo pejorativo que atente contra a honra de alguém ao se
referir a uma pessoa, o que configura o crime de difamação ou injúria, a depender
da natureza da ofensa.
Assim, essa posição discursiva mencionada por Possenti (2004) é bem
salientada na carta em apreço quando o enunciador escolhe dizer que os migrantes
“invadiram” sua cidade. Esse ponto de vista é salientado no enunciado (58), abaixo:

(58) Sabemos que todos tem o direito de ir em busca de uma vida


melhor, mas sabemos também que quem chega numa nova cidade,
deve respeitar os costumes e estilo de vida do povo local.

Neste excerto, o sujeito enunciador se vale de duas estratégias de


patemização. Na primeira oração, estamos diante de um enunciado que pode
produzir efeitos patemizantes. Em determinadas circunstâncias, o sujeito
interpretante poderia ser levado a se solidarizar com aqueles que migram, visando a
um futuro melhor. Na carta em apreço, no entanto, percebemos que a concessão foi
utilizada pelo fato de o enunciador já antecipar uma possível voz que usaria esse
argumento contra suas ideias, em um processo polifônico.
Do grego poli (muitos) e fono (vozes, sons), polifonia é um conceito advindo
dos estudos efetuados por Bakhtin acerca do romance de Dostoiéviski, postulando
que um mesmo enunciado pode apresentar e ser constituído por diferentes vozes,
cada uma representando um determinado ponto de vista. Assim, o conceito se refere
a diferentes “vozes” que se fazem ser ouvidas no discurso, o que se relaciona à
noção de dialogismo (cf. o capítulo 2).
154

Deste modo, primeiramente, o enunciador apresenta uma voz oriunda de uma


formação discursiva favorável à migração, vale lembrar, “Sabemos que todos tem o
direito de ir em busca de uma vida melhor”. Entretanto, a partir da restrição
introduzida pelo operador argumentativo “mas” em “mas sabemos também que
quem chega numa nova cidade, deve respeitar os costumes e estilo de vida do povo
local”, deparamo-nos com uma formação discursiva contrária ou ao menos não tão
favorável à migração. Afinal, há uma série de condições que devem ser observadas
pelos migrantes para que o convívio se dê de forma pacífica, de acordo com o ponto
de vista do sujeito enunciador da carta.
A concessão é uma estratégia argumentativa que permite esse jogo entre
dois pontos de vista antagônicos. De acordo com Gouvêa (2002):

A concessão é um processo por intermédio do qual o locutor reconhece a


legitimidade do argumento do alocutário (de um enunciador virtual ou da
opinião pública), concordando com sua pertinência, porém contrapõe a esse
argumento um outro mais forte, que apontará para a conclusão
predominante. Trata-se de uma manobra discursiva bastante eficaz, pois,
ao se incorporarem ao discurso pontos de vista alheios, confere-se à própria
tese uma confiabilidade que ela não teria se fosse apresentada de modo
categórico (GOUVÊA, 2002, p. 10).

Assim, notamos que, ao introduzir um argumento virtual que diz que “todos
têm direito de ir em busca de uma vida melhor”, concordando com ele, os
enunciadores antecipam uma possível contra-argumentação. Em seguida, inserem o
argumento mais forte a partir do operador argumentativo “mas”, com sentido de
restrição. Nessa parte da carta, foi utilizada a estratégia de patemização expressões
modalizadoras. De acordo com Koch (2015 [1993]), o operador argumentativo “mas”
é usado prototipicamente para introduzir o argumento mais forte de uma escala
argumentativa:

O esquema de funcionamento do MAS (o “operador argumentativo por


excelência”, segundo Ducrot) e de seus similares é o seguinte: o locutor
introduz em seu discurso um argumento possível para uma conclusão R;
logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão
contrária não R (~R) (KOCH, 2015 [1993], p. 36. Grifos no original).

O sujeito que argumenta, primeiramente, apresenta um argumento possível,


concedendo razão ao interlocutor, mas apresentando outro argumento que conduz à
conclusão que, em seu ponto de vista, prevalescerá. No projeto argumentativo, o
155

enunciador insere outras vozes no discurso, através de um processo polifônico:


sabemos que todos têm direito de ir em busca de uma vida melhor, é um argumento
que aponta para uma dada conclusão R (ao mudar de Estado, eles estão agindo
corretamente). Entretanto, a partir do operador argumentativo “mas”, que introduz
um argumento que aponta para a conclusão contrária, o argumentante insere o
argumento decisivo, o mais forte: mas sabemos também que quem chega numa
nova cidade, deve respeitar os costumes e estilo de vida do povo local. Esse
argumento aponta para a conclusão não R (ao desrespeitar os costumes e os estilos
de vida, eles não estão agindo corretamente).
No que se refere à ameaça propriamente dita, que consiste em uma ameaça
direta explícita, já ao final da carta, na segunda lauda, após elencarem uma série de
motivos que os levaram a tomar a atitude de divulgar o texto, os sujeitos
enunciadores afirmam:

(59) VAMOS ELIMINAR VOCÊS, ISSO MESMO, VAMOS MATAR OS


RUINS e acabar com essas pragas.

No enunciado (59) em apreço, a estratégia empregada foi a que chamamos,


tomando por base Gouvêa (2017), de palavras, expressões e enunciados que
designam calamidade, afinal, os enunciadores deixam claro que irão assassinar
alguns migrantes. Além do verbo “matar”, cujo sentido de língua já garante essa
interpretação explícita, encontramos também os verbos “eliminar” e “acabar”, cujos
sentidos de discurso, levando em conta o contexto situacional, asseguram essa
interpretação.
Esses argumentos apresentam a capacidade de despertar emoções
relacionadas ao medo, ao terror e à insegurança nos sujeitos interpretantes que
efetivamente forem os destinatários da carta de ameaça. Afinal, a finalidade da
carta, além de provocar terror nos migrantes, é o de levá-los a mudar de
comportamento ou, até mesmo, deixar a cidade.
Salientamos que, conforme apresentado no capítulo 2, por vezes, o sujeito
interpretante não condiz com o sujeito destinatário. Desse modo, outros sujeitos que
não fossem os destinatários da carta podem ter entrado em contato com o texto,
seja na própria cidade, já que a carta foi disseminada localmente, seja através da
mídia, visto que o texto foi divulgado pela imprensa online.
156

Assim, a depender dos valores compartilhados pelos sujeitos interpretantes,


estes poderiam ser levados a experienciar emoções relativas à indignação, caso
sejam favoráveis àqueles migrantes, ou à satisfação, caso sejam favoráveis aos
moradores incomodados. Há ainda a possibilidade de outros sujeitos interpretantes
concordarem com o fato de que os migrantes devem se adaptar à vida do novo local,
mas se indignarem diante das ameaças efetuadas pelo sujeito enunciador. Não há
apenas um posicionamento dicotômico, como podemos observar, já que os efeitos
patêmicos são condicionados pelo universo de crença, pelos valores de cada sujeito
interpretante (CHARAUDEAU, 2010).
Além disso, é importante notar que, durante o projeto argumentativo da carta,
os enunciadores deixam claro que irão atentar contra as vidas daqueles
considerados “ruins”, ou seja, trata-se da estratégia patemizante do princípio de
avaliação. Esses migrantes ruins estariam em uma posição antagônica em relação
aos enunciadores da carta, visto que estes se posicionam discursivamente como
“cidadãos trabalhadores, honestos e honrados”, procurando construir, no percurso,
um ethos de virtude que não se sustenta, visto ser incompatível com a ameaça
efetuada. O enunciador salienta, inclusive, que os moradores tomaram providências
legais para resolver a situação, fazendo boletins de ocorrência. Entretanto, diante da
inércia da justiça, o enunciador, posicionando-se como um sujeito plural, afirma que
resolveram “fazer justiça com nossas mãos”, pois estavam cansados e revoltados
diante da situação vivida.
A forma como os migrantes são referenciados no decorrer do projeto
argumentativo do texto também merece destaque. Em um primeiro momento, é
apresentado o objeto de discurso “imigrantes de outros estados”. O objeto de
discurso, segundo Mondada e Dubois (2016), não se confunde com o referente, este
sendo pertencente ao mundo real. Após o processo de semiotização do mundo,
entretanto, esse mundo a significar passa a ser um mundo significado, sofrendo as
influências do ponto de vista e dos julgamentos de valor de base axiológica por parte
do sujeito enunciador. Fala-se, portanto, em “objeto de discurso”, o referente que
passou pelo crivo da subjetividade.
Notamos que, quando retomado, o objeto de discurso “imigrantes de outros
estados” foi referenciado de forma anafórica direta como “baianos”, sendo
qualificado, posteriormente, como “baianos armados com faca”. Ao final do texto,
quando novamente referenciados, esses sujeitos foram descritos como “alienígenas”
157

e, por fim, como “pragas”. Estamos diante de usos da estratégia de patemização do


princípio de avaliação, nas primeiras referenciações, e diante da estratégia relativa
ao emprego de palavras de calão, no que se refere ao uso do termo “pragas”.
A partir dessas referenciações, falamos, ainda, no processo de
recategorização, que diz respeito ao fenômeno cognitivo-discursivo relacionado às
transformações sofridas pelo referente no interior de um texto. De acordo com
Cavalvante e Matos (2016), a recategorização apresenta importância crucial no
projeto argumentativo do texto. Desse modo, ao retomar o objeto de discurso
“imigrantes de outros estados” como “baianos” e “baianos armados com faca”, o
enunciador recategoriza o referente, valendo-se de uma qualificação, ferramenta do
Modo de Organização Descritivo do Discurso. Assim:

[...] os objetos de discurso vão mudando ao longo do texto por meio de


acréscimos de atributos ou predicados a eles conferidos pelo locutor, por
meio de diversas marcas textuais estratégicas, as quais são capazes de
remodular a imagem do referente construída pelo interlocutor, mediante a
negociação de sentidos em prol das mais diversas intenções comunicativas,
dentre as quais a de imputar juízos de valor, demonstrando o
posicionamento do produtor do texto, seja por meios implícitos, seja
explícitos, de modo a demonstrar claramente seu propósito argumentativo,
ou a ocultá-lo (CAVALCANTE; MATOS, 2016, p. 95).

Posteriormente, ocorrem novas recategorizações que culminam nas


nomeações “alienígenas” e “pragas”. Alienígena é um ser estrangeiro, não
pertencente àquela comunidade, nomenclatura atribuída, no imaginário popular, a
seres vindos de outros planetas. “Praga”, por sua vez, remete ao discurso religioso,
sendo considerado uma maldição, uma calamidade. No discurso científico,
entretanto, o termo corresponde ao animal ou planta, também não autóctone, que
acaba por se espalhar de modo desordenado em dado habitat, causando um
desequilíbrio ambiental por não apresentar predadores naturais. Por extensão
semântica, o vocábulo passou a ser utilizado como um xingamento, uma palavra de
calão utilizada para ofender ou injuriar. Observamos, portanto, que as diferentes
categorizações acompanharam o projeto argumentativo do texto, constituindo a
seguinte cadeia referencial:

imigrantes de outros estados



baianos
158


baianos armados com faca

alienígenas

pragas

Em uma escala argumentativa que vai do termo mais neutro ao termo mais
marcado subjetivamente, o objeto de discurso foi sendo recategorizado a cada nova
referenciação, aderindo-se a ele novas qualificações que explicitam cada vez mais
sua periculosidade. Com isso, a partir dessas recategorizações, podemos notar que
o sujeito enunciador orienta seu projeto argumentativo para a conclusão de que, a
exemplo de um organismo alienígena ou de uma praga, ambos não pertencentes ao
local no qual se encontram, os imigrantes devem ser também combatidos.
Quanto às ameaças, apesar de efetuar ameaças de morte de forma explícita,
o sujeito enunciador classifica seu texto como um aviso:

(60) Estamos publicando este AVISO para depois não reclamarem do


pior que vai acontecer, estamos dando uma chance de mudarem de
comportamento.

O vocábulo “aviso” foi digitado em caixa alta, possivelmente visando a


destacar que o objetivo do enunciador não era o de ameaçar, mas o de avisar. Ao
classificar seu ato de fala como “aviso”, o sujeito enunciador procura preservar sua
face, afinal, estava tentando construir para si um ethos de virtude. Entretanto, logo
em seguida ele afirma que algo considerado “pior” pode acontecer aos migrantes,
caso estes não mudem de comportamento. Tais enunciados tipificam o crime de
ameaça, mesmo que o enunciador classifique seu texto como um aviso.
A carta em apreço, portanto, apresenta alto teor patêmico, procurando fazer
com que os migrantes baianos residentes na cidade de Brusque (SC) amedrontem-
se, mudem de comportamento ou mesmo deixem a cidade.
Passemos à análise da próxima carta. Além dessas três cartas de ameaça de
morte, analisaremos uma carta de ameaça de agressão e uma carta com sanção
indefinida. Ambas são pertencentes ao primeiro grupo do corpus, composto por
159

cartas de sujeitos que não se posicionam como criminosos. As duas cartas de


ameaça foram motivadas por homofobia, ou seja, por aversão a cidadãos
homossexuais. Segue-se a análise da primeira delas:

Texto IV – sujeito que não se posiciona como criminoso: ameaça de


agressão por motivação homofóbica

Faremos uma limpeza em Betim


A cada um desses que andam pelas ruas declarando seu “amor” bestial
traremos o fogo santo da purificação para que quando fizermos nosso
papel de apresentá-lo ao senhor Jesus Cristo elas possam passar pela
sua aprovação
Esse foi apenas o primeiro caso na cidade a passar pela purificação
Todos o que tivermos acesso passarão também
E esse é o recado que o nosso salvador transmite através de nós seus
servos.
Que acabe a abominação da homossexualidade
Que acabe sua sujeira nesse mundo
Amém

A carta em apreço30 foi deixada ao lado de um rapaz homossexual agredido


por um grupo de indivíduos que o acusavam e injuriavam. De acordo com o
agredido, as injúrias eram relativas à sua condição homossexual, o que nos permitiu
classificar a carta como uma ameaça de agressão por motivação homofóbica.
Durante a construção do texto, evidencia-se, novamente, a predominância do Modo
de Organização Argumentativo do Discurso. Inclusive, o sujeito enunciador evoca a
autoridade divina para embasar sua argumentação, evidenciando que aquelas
palavras seriam um recado transmitido pelo “nosso salvador”, em um processo
interdiscursivo com o discurso religioso. Trata-se do argumento de autoridade
(FIORIN, 2016).
Deste modo, pelo teor argumentativo do texto, podemos perceber que há uma
tese implícita, a qual o sujeito enunciador, que se identifica como um grupo plural,

30
O texto se encontra nos anexos sob o título Texto XV – Ameaça com motivação homofóbica.
160

procura defender: Betim será limpa da sujeira da homossexualidade. Embora não


esteja marcada verbalmente, a tese pode ser inferida por meio dos argumentos
apresentados no decorrer do projeto argumentativo da carta, como:

(61) A cada um desses que andam pelas ruas declarando seu “amor”
bestial traremos o fogo santo da purificação

O enunciado (61) em apreço é constituído pela modalidade delocutiva (a cada


um...) e pela modalidade elocutiva (Ø traremos) do Modo de Organização
Enunciativo do discurso, correspondendo aos usos da enunciação da descrição
patêmica e da enunciação da expressão patêmica, respectivamente. O destinatário
não é nomeado, não consiste em apenas um indivíduo, mas corresponde a terceiros
ausentes – marcados pela modalidade delocutiva –, sendo chamados de “cada um”,
ou seja, qualquer indivíduo que se comporte da maneira descrita pelo sujeito
enunciador, vale saber, indivíduos que andam pelas ruas “declarando seu ‘amor’
bestial”: os homossexuais.
É importante ressaltar que, por todo o percurso argumentativo do texto, a
carta apresenta extensa interdiscursividade com o discurso religioso, pois o sujeito
enunciador se apresenta como um “servo de deus” que é capaz de trazer o “fogo
santo da purificação” para apresentar as vítimas ao “senhor Jesus Cristo”. De acordo
com Melo (2017):

[...] o discurso religioso é aquele que se propõe a doutrinar um conjunto de


fiéis leigos, propondo a eles orientações de ordem espiritual e
comportamental a partir de um conjunto de princípios previamente definidos,
que se pautam num amálgama das ordens do humano e do divino, do
terreno e do sobrenatural (p. 144).

O sujeito enunciador, valendo-se do discurso religioso que, conforme Melo


(2017), visa a doutrinar, orientar o comportamento dos leigos, procura intimidar os
sujeitos destinatários da carta, especificamente os homossexuais daquela cidade.
Tais argumentos, por estarem relacionados interdiscursivamente ao discurso
religioso, são propensos a levar o sujeito interpretante a experienciar emoções
diversas, a depender de seus imaginários sociodiscursivos a respeito da
homossexualidade e do Cristianismo, conforme veremos a seguir.
Em uma abordagem microestrutural, é importante perceber que o amor
161

homossexual é questionado, já que o vocábulo que nomeia a referida emoção é


colocado entre aspas. O enunciador parece não reconhecer o sentimento entre duas
pessoas do mesmo gênero como passível de ser classificado como amor. De acordo
com Koch (2015 [1993]), o uso de aspas é um índice de polifonia, processo já
explicado anteriormente a partir do qual se fazem ouvir outras vozes no discurso.
Para a autora, “o uso de aspas é frequentemente um modo de manter distância do
que se diz, colocando-o ‘na boca’ de outros” (KOCH, 2015 [1993], p. 65). Isto é, para
o sujeito enunciador, alguém afirma que o sentimento entre pessoas do mesmo
gênero é amor, mas ele não concorda com essa denominação, recorrendo às aspas.
Além disso, juntamente ao recurso às aspas, o princípio de avaliação é
utilizado quando esse amor, além de deslegitimado, é qualificado como bestial. Tais
estratégias de patemização podem levar o sujeito interpretante a experienciar um
sentimento de indignação, de revolta, caso seja partidário dos direitos LGBTI+, ou
levar o sujeito interpretante a concordar, despertando um sentimento de alívio, por
exemplo, caso ele seja contrário à pauta LGBTI+ e suas manifestações públicas de
afeto. A depender sempre dos valores de cada sujeito interpretante, entretanto, é
possível que, mesmo não sendo partidário da causa LGBTI+, o sujeito seja levado a
experienciar um sentimento de indignação diante das ameaças de agressão.
É importante salientar que o ato de relacionar a homossexualidade à
bestialidade e a outros desvios de conduta sexual de natureza patológica é muito
recorrente em diversos tipos de discurso, por exemplo, o de alguns religiosos
conservadores. Analisando o discurso do pastor neopentescostal Silas Malafaia,
Marques (2016) chama a atenção para o fato de a homossexualidade ser
aproximada da bestialidade, o sexo com animais, colocando a relação homossexual
muito próxima ao desumano. De acordo com o autor:

A desumanização consiste em deslegitimizar um grupo retirando traços


humanos dessa comunidade e, além de figurar como recurso
argumentativo, é uma das bases do discurso de ódio. Negar traços
humanos de um grupo abre margem para ataques discursivos mais diretos
sem que se negative a imagem de quem ataca, já que não se atacam
pessoas, mas seres divergentes. Além de preservar a face do endogrupo, a
desumanização gera medo e violência ao criar a realidade discursiva do
convívio com indivíduos não humanos, que fugiriam não somente das
características comuns ao que é classificado como humano, mas também
das regras que controlam a vida humana: ser não-humano representaria
risco à ordem comum (MARQUES, 2016, p. 135; 136).

Assim, através do processo de desumanização, é negada ao indivíduo vítima


162

da violência sua condição como ser humano. Na carta em apreço, por exemplo, ao
negar a humanidade aos homossexuais, chamando seu amor de bestial, o sujeito
enunciador procura preservar sua face, já que ataca alguém que escapa do plano
divino e da ordem natural, sendo rechaçado pela sociedade.
É por essa razão que, embora pareça paradoxal, nessa carta, os sujeitos
enunciadores não se posicionam como criminosos, apesar de terem agredido
alguém e ameaçarem agredir outras pessoas pelo fato de declararem publicamente
seu amor homossexual. No texto, os sujeitos enunciadores se apresentam como
servos de Jesus Cristo que detêm o papel sagrado de apresentar as vítimas perante
o Senhor. Tais expressões utilizadas, a saber, “fogo santo da purificação”, “senhor
Jesus Cristo” e “amém” são exemplos da estratégia chamada por Gouvêa (2017) de
palavras ou expressões que desencadeiam emoção, visto estarem relacionadas ao
campo semântico da religião e da espiritualidade.
Por um lado, essas estratégias de patemização podem levar alguns sujeitos
interpretantes a se identificar com os enunciadores, possivelmente experienciando
emoções relativas à satisfação, ao alívio, por entenderem que os indivíduos
homossexuais serão agredidos, ou mesmo exterminados. Por outro lado, entretanto,
se o interpretante for uma possível vítima ou alguém que, mesmo não sendo
homossexual, compreenda a importância dos Direitos Humanos e seja partidário da
defesa da dignidade e da vida humana, ele poderá experienciar emoções relativas
ao medo, à revolta, à indignação e até mesmo ao ódio.
Dando prosseguimento à análise, notamos que, logo no início do texto, os
sujeitos enunciadores fazem uso da estratégia de patemização princípio de
proximidade ou distanciamento, afirmando que farão uma “limpeza” na cidade de
Betim, que se localiza na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais:

(62) Faremos uma limpeza em Betim

A partir desse argumento (62), os sujeitos enunciadores se situam


geograficamente, delimitando uma área na qual agirão. A proximidade garantida
com a localização pode favorecer o despertar de diferentes emoções, como o medo
e a insegurança, sobretudo na comunidade LGBTI+ residente na cidade e região,
visto que a carta apresenta, como destinatário, essa comunidade.
Ainda no que concerne à interdiscursividade com o discurso religioso, já
163

salientada, podemos evidenciar os seguintes enunciados:

(63) Que acabe a abominação da homossexualidade


(64) Que acabe sua sujeira nesse mundo

Os enunciados acima foram construídos com recurso ao modo subjuntivo,


configurando-se como uma heterogeneidade tipológica (MARCUSCHI, 2017 [2008])
com o gênero oração, como se fosse um pedido, uma súplica a Deus. De acordo
com Marcuschi (2017 [2008]), a heterogeneidade tipológica ocorre quando um
gênero adquire traços formais e estilísticos de outro, como a carta em apreço, que
foi elaborada de modo muito aproximado ao de uma oração.
Além disso, no enunciado (63), o termo “abominação” veicula ainda uma
interdiscursividade com o discurso religioso, já que esse vocábulo é frequentemente
utilizado por alguns cristãos que se baseiam em uma passagem do livro de Levítico,
capítulo 20, versículo 13, que afirma: “Se um homem dormir com outro homem,
como se fosse mulher, ambos cometerão uma coisa abominável. Serão punidos de
morte e levarão a sua culpa”31.
No segundo enunciado (64), observamos a qualificação da homossexualidade
como algo detentor de “sujeira”, ou seja, trata-se de mais um argumento que procura
comprovar a tese de que “Betim será limpa da sujeira da homossexualidade”. Há,
portanto, um descrédito do comportamento homossexual, ponto de vista que parece
ter sido o catalizador da ameaça.
Nesses dois exemplos, percebemos que o sujeito enunciador se vale do uso
da estratégia de patemização vinculada ao princípio de avaliação, já que eles julgam
a relação homossexual como algo abominável e sujo. Novamente, a depender do
universo de crença e dos valores compartilhados pelos sujeitos interpretantes,
diferentes emoções podem ser experienciadas a partir dos usos dessa estratégia:
por exemplo, um sentimento de indignação, de medo ou de ódio pode ser
experienciado por um sujeito interpretante que seja contrário à conduta homofóbica,
mas um sentimento de alívio e satisfação pode ser experimentado por um sujeito
interpretante que seja desfavorável à conduta homossexual. Outras possibilidades
perlocucionárias não podem ser excluídas, como a de algum sujeito interpretante

31
Bíblia Ave Maria online. Disponível em: <http://www.claret.org.br/biblia>. Acesso em 27 abr. 2019.
164

que acredite na condição pecaminosa da relação homossexual, mas que não admite
ameaças e agressões, sendo levado a experienciar um sentimento de indignação,
por exemplo.
No que concerne à ameaça propriamente dita, esta se encontra nos seguintes
enunciados:

(65) Esse foi apenas o primeiro caso na cidade a passar pela


purificação. Todos os que tivermos acesso passarão também

Graças ao contexto extralinguístico, podemos perceber que a “purificação” à


qual os sujeitos enunciadores se referem no enunciado (65) é a agressão física
sofrida pelo rapaz com quem foi deixada a carta. Houve, neste caso, a quebra da
máxima da qualidade, que preconiza o seguinte: fale apenas o que souber ser
verdade (GRICE, 1991 [1968]). Já que o sujeito comunicante opta por fazer a
ameaça de modo velado, chamando a agressão de “purificação”, estamos diante de
uma quebra dessa máxima, afinal, ele sabe que não é verdade que as vítimas
poderão passar por uma purificação, mas serão agredidas.
Assim, levando em conta o espaço físico e informações extratextuais, fomos
levados a classificar este texto como uma carta de ameaça de agressão. No espaço
do dizer, entretanto, a ameaça torna-se implícita, velada. Desse modo, pelo fato de
estarmos diante de uma implicatura conversacional inferida a partir da restauração
do equíbrio da interação por parte do sujeito interpretante, classificamos os
enunciados acima como o uso da estratégia de patemização relacionada ao
emprego de implícitos. Afinal, é necessário levar em conta todo o contexto linguístico
e extralinguístico para que os sentidos sejam devidamente interpretados.
No enunciado (65), em apreço, o vocábulo “purificação” foi usado no sentido
figurado, possivelmente remetendo à autoflagelação realizada por determinados
religiosos católicos em épocas pretéritas. Dessa forma, dentre os sentidos possíveis
de serem recuperados a partir do uso eufemístico do vocábulo “purificação” no
excerto “Todos os Ø que tivermos acesso passarão também” estão os seguintes: (1)
Todos os homossexuais aos quais tivermos acesso também serão agredidos e (2)
Todos os homossexuais aos quais emboscarmos serão espancados.
Tais sentidos podem ser recuperados para preencher as lacunas deixadas
pelos sujeitos que ameaçam, visto que a elipse [Ø] permite a recuperação anafórica
165

do objeto de discurso “cada um desses que andam pelas ruas declarando seu ‘amor’
bestial”, apresentado logo no início da carta. De igual modo, o advérbio de inclusão
“também”, que funciona como um operador argumentativo, refere-se anaforicamente
à agressão sofrida pelo jovem com quem foi deixada a carta. Assim, o sujeito
enunciador deixa claro que houve apenas um incidente, o primeiro, mas outros mais
poderão ocorrer, já que o numeral “primeiro” pressupõe minimamente um segundo
caso.
Atesta-se, portanto, a ameaça que, embora implícita, pode ser recuperada
tanto a partir do contexto linguístico, tomando por base a pressuposição inferida pela
marca linguística “primeiro”, quanto pelo contexto extralinguístico, a agressão sofrida
pelo rapaz com quem foi deixada a carta.
Esses pressupostos e subentendidos podem levar o sujeito interpretante da
carta a experienciar emoções relativas ao medo, à insegurança e ao desespero,
caso seja uma das possíveis vítimas ou não concorde com as ameaças e agressões.
Em outros sujeitos interpretantes, entretanto, tais enunciados podem gerar um
sentimento de alívio ou satisfação.
Por fim, o término da carta com a palavra “amém” traz novamente à tona uma
relação intertextual com as orações cristãs, principalmente pelo fato de esse termo
de origem hebraica designar, no Cristianismo, algo como “assim seja”, reiterando
que as ameaças devem ser efetivadas, já que são aprovadas. Diante de tais
enunciados, como já mencionamos alhures neste texto, as emoções podem ser
diversas a depender do universo de crença do sujeito interpretante da carta,
levando-se em conta o fato de ele ser um dos sujeitos destinatários ou não.
Apresentaremos, a seguir, a última carta analisada nesse primeiro grupo –
sujeitos que não se posicionam como criminosos –, que apresenta, também, uma
motivação homofóbica, conforme fica evidente logo no primeiro enunciado:

Texto V – sujeito que não se posiciona como criminoso: ameaça


lesbofóbica com sanção indefinida

MHJ – Movimento Homofobia Já: Primeiro aviso: nossa comunidade não


admite mais estas atitudes imorais em nosso bairro. O Mollon, que sempre foi
um bairro de família respeitado com seus idosos e crianças, hoje está
habitado ou empesteado por gays, lésbicas, sapatões, seja lá que merda for.
166

Já conseguimos ficar livres de duas casas assim, temos nossos métodos.


Vocês estão sendo vigiadas 24 horas pela vizinhança. Conhecemos todos
que frequentam esta pocilga. Os vizinhos não aguentam mais som alto com
músicas de baixo calão, brigas e gritarias até altas horas. Se isso não
bastasse, temos fotos e filmes de lésbicas se beijando em frente da casa.
Como já disse, temos crianças e pessoas de família que não são obrigadas a
conviver com isso. Se esta é a vida que escolheram viver, vão ter que sofrer
as consequências da repugnação das pessoas de bem. Queremos vocês
fora daqui. Vão ser felizes no inferno.
Em sua casa nada vai acontecer, mas quando saírem na rua prestem
atenção. A polícia e o Conselho Tutelar vão adorar saber que existe uma
criança que vive no meio da orgia e drogas. Como eu disse, temos fotos de
tudo isso, não somos amadores. Sempre tem um primeiro aviso, depois
ação. Gays e negros são lixo. Coisas vão acontecer.

A carta acima32 foi deixada na casa de um casal lésbico, no ano de 2013. Por
não ser explicitada a sanção negativa que poderia acometer as vítimas da ameaça,
classificamos esse texto como uma carta de ameaça com sanção indefinida.
Construído predominantemente com recurso ao Modo de Organização
Argumentativo do Discurso, em uma abordagem macroestrural, observamos, logo no
início do texto, a explicitação da tese, vale saber: “nossa comunidade não admite mais
estas atitudes imorais em nosso bairro”. A partir do momento em que o sujeito
enunciador apresenta essa tese, falando em nome de toda a comunidade, ele passa a
elencar uma série de argumentos que busca comprovar a tese, com a qual ele concorda.
Durante o percurso argumentativo do texto, o enunciador constroi sua imagem como
alguém virtuoso, que luta contra aqueles que agem de modo imoral em sua comunidade:
o casal lésbico.
Assim, chama a atenção o suposto movimento que se autodenomina MHJ –
Movimento Homofobia Já. Ao contrário de muitos sujeitos comunicantes que
produzem discursos com teor homofóbico, mas negam essa fobia, os sujeitos
enunciadores dessa carta se apresentam como homofóbicos. Essa nomeação, uma
das funções do Modo de Organização Descritivo do Discurso, serve como um

32
O texto pode ser encontrado nos anexos sob o título Texto X – Carta de ameaça lesbofóbica.
167

possível desencadeador de emoções, visto a homofobia ser considerada,


normalmente, algo que deve ser evitado. Os sujeitos enunciadores dessa carta, no
entanto, desejam deixar claras suas intenções homofóbicas e até mesmo racistas,
pois encontramos, ao final da carta, o seguinte enunciado, evidenciando o discurso
de ódio:

(66) Gays e negros são lixo.

Apesar de a carta apresentar motivação homofóbica, o sujeito enunciador


inseriu uma injúria à comunidade negra, além da comunidade LGBTI+.
Provavelmente, essa escolha pode estar relacionada ao fato de esses grupos
minoritários estarem frequentemente juntos em pautas políticas que defendem o fim
da segregação social e racial, bem como lutam pela afirmação de políticas públicas
para as minorias. Atesta-se, portanto, uma relação dicotômica que perpassa todo o
projeto argumentativo do texto: por um lado, os moradores revoltados e, por outro, o
casal lésbico que, supostamente, efetua atitudes consideradas inapropriadas pelo
sujeito enunciador, vale saber: “som alto com músicas de baixo calão, brigas e gritarias
até altas horas”.
Em uma abordagem microestrutural, notamos que, nesse enunciado (66),
estamos diante da estratégia do princípio de avaliação. Afinal, o sujeito enunciador
apresenta um julgamento de valor axiológico a respeito desses dois grupos
minoritários, caracterizando-os como “lixo”, ou seja, indivíduos sem importância, que
podem ser descartados.
Neste ponto, o princípio de avaliação acaba por consistir em uma estratégia
argumentativa há muito conhecida pela filosofia e pela retórica como o argumentum
ad personam, a partir do qual o orador não ataca os argumentos, mas a pessoa do
adversário, procurando deslegitimá-lo. De acordo com Schopenhauer (2014 [1864],
p. 77), que apresenta esse tipo de argumento, mas salientando que ele deve ser o
último recurso utilizado pelo orador, “ao ir para o lado pessoal, abandona-se o
assunto completamente e os ataques são direcionados à pessoa do oponente: a
pessoa então será sujeita a humilhações, maldades, afrontas e grosserias”. Essa
explicação condiz com o que acontece no excerto analisado, quando o enunciador
classifica os negros e os homossexuais – dentre os quais se encontram os
destinatários da carta –, como “lixo”, escolha lexical corroborada pelo uso do termo
168

“pocilga” para se referir à moradia do casal:

(67) Conhecemos todos que frequentam esta pocilga.

De acordo com o dicionário Aurélio33, “pocilga” é sinônimo de chiqueiro de


porcos, lugar imundo. Novamente, dentre os possíveis interpretativos desse
enunciado, encontra-se o referente à bestialização da condição homossexual.
Notamos, portanto, que tanto nesta carta quanto na anterior, a condição
homossexual foi designada como suja, pois no texto IV os sujeitos enunciadores
afirmam que farão uma “limpeza” na cidade de Betim, enquanto, neste, os
enunciadores qualificam não apenas os homossexuais, mas também os negros,
como lixo.
Trata-se, portanto, de discursos de ódio, de violência verbal, o que pode
configurar, além do crime de ameaça, previso no artigo 147 do código penal, o crime
de injúria, tipificado no artigo 140 do mesmo código. Estamos diante, por
conseguinte, daquilo que chamamos, neste trabalho, de discursos criminalizáveis.
Em outros enunciados, essa relação entre a homossexualidade e algo sujo,
doentil, continua, pois, procurando legitimar suas ameaças e comprovar sua tese, o
sujeito enunciador afirma, através do princípio da avaliação, que seu bairro:

(68) [...] sempre foi um bairro de família respeitado com seus idosos e
crianças

Ao fazer uso dessa estratégia de patemização, avaliando o lugar onde vivia


como um “bairro de família respeitado”, salientando-se a presença de idosos e
crianças, o sujeito enunciador objetiva despertar no sujeito interpretante da carta a
noção de que haveria, anteriormente, um tempo de paz, possivelmente procurando
captar o interlocutor. De acordo com sujeito enunciador, então, a paz anteriormente
vivida estaria, em seu ponto de vista, ameaçada pela presença do casal lésbico na
comunidade, já que o bairro:

(69) [...] hoje está habitado ou empesteado por gays, lésbicas, sapatões,

33
Disponível em <https://www.dicio.com.br/pocilga/>. Acesso em 07 jan. 2019.
169

seja lá que merda for.

Neste excerto, deparamo-nos com o uso da estratégia princípio de avaliação,


já que a seleção lexical do termo “empesteado”, vocábulo derivado da palavra
primitiva “peste”, que semanticamente designa uma doença contagiosa, denota o
ponto de vista do sujeito enunciador diante dos moradores homossexuais de seu
bairro. Com isso, é possível que diferentes emoções sejam despertadas no sujeito
interpretante, como a revolta e a indignação, caso esse sujeito interpretante seja um
dos destinatários da carta ou mesmo alguém que não compartilhe desse ponto de
vista homofóbico.
Entretanto, como já vimos, Charaudeau (2010) adverte que as emoções
efetivamente experienciadas pelo sujeito interpretante serão dependentes de seus
valores e imaginários sociodiscursivos. Isso vale dizer que, caso o sujeito
interpretante concorde com o ponto de vista homofóbico do sujeito enunciador, ele
poderá ser levado a um sentimento de satisfação, por exemplo. Por fim, é possível
que algum sujeito interpretante não concorde com as atitudes supostamente
tomadas pelo casal, mas também não concorde com a ameaça, considerando-a uma
ação desnecessária e descabida.
É imperioso sublinhar que, no exerto (69) “[...] hoje está habitado ou
empesteado por gays, lésbicas, sapatões, seja lá que merda for”, o sujeito
enunciador primeiramente seleciona o vocábulo “habitado” para fazer menção aos
moradores homossexuais. Entretanto, ele lança mão do processo de reformulação,
através do operador argumentativo “ou”, que veicula um sentido de alternância,
reparando seu texto, não mais fazendo uso do termo “habitado”, mas do termo
“empesteado” para se referir aos moradores homossexuais do bairro.
Apesar de a reformulação ser uma ferramenta de coesão e coerência muito
comum em textos orais (MARCUSCHI, 1997), os textos escritos, principalmente os
digitados em computador, como é o caso da carta em apreço, apresentam
ferramentas eficazes para que o sujeito comunicante apague os termos que não
deseja utilizar na confecção de seu texto, como é o caso das teclas delete ou
backspace. Podemos perceber, portanto, que a reformulação introduzida pelo
operador argumentativo não foi efetivada visando ao reparo do texto, mas se trata
da estratégia de patemização expressões modalizadoras.
Assim, o uso dessa estratégia de patemização, realizada a partir do operador
170

argumentativo “ou”, em conjunto com a estratégia de patemização relacionada ao


princípio de avaliação, efetivada a partir da escolha lexical do termo “empesteado”,
que reformula o termo “habitado”, permite o despertar de diferentes emoções no
sujeito interpretante. Afinal, o sujeito enunciador deseja transparecer seu julgamento
de valor diante dos moradores homossexuais de seu bairro: eles não habitam o
lugar, mas o empesteiam.
No excerto (69), “[...] hoje está habitado ou empesteado por gays, lésbicas,
sapatões, seja lá que merda for”, ainda em apreço, também encontramos a
estratégia patêmica que designamos por emprego de palavras de calão, já que, fora
da comunidade sociodiscursiva homossexual, o termo “sapatão” é utilizado para
ofender a mulher lésbica. Desse modo, caso o sujeito interpretante seja
homossexual, por se vincular a determinada formação discursiva, o termo “sapatão”
mostra-se ofensivo, possivelmente despertando emoções relacionadas à indignação
e mesmo ao ódio no sujeito interpretante. No interior de outra formação discursiva,
quando outras identidades emergem, esse vocábulo não seria considerado ofensivo,
mas poderia ser usado como uma forma de empoderamento, legitimando a luta da
comunidade LGBTI+.
Além desse termo, também encontramos a expressão “seja lá que merda for”,
novamente, um uso da estratégia de patemização relacionada ao emprego de
palavras de calão – merda. Nesse contexto, o enunciado veicula um sentido de
descaso, talvez impaciência, o que pode levar o sujeito interpretante a experienciar,
por exemplo, emoções relativas à indignação ou mesmo à tristeza, por saber dos
sentimentos e pensamentos homofóbicos por parte do sujeito que ameaça.
É válido notar que, dentre os vocábulos possíveis de serem utilizados na
estratégia de patemização emprego de palavras de calão, situam-se aquelas
consideradas como imorais, obscenas, relacionadas a funções fisiológicas humanas,
como o sexo, tido como um tabu por várias sociedades. Refletindo sobre o que ele
chama de “linguagem proibida”, Preti (2010) diz:

[...] pode-se dizer, em geral, que os vocábulos obscenos vêm sempre


associados a certa classe de falantes menos cultos, exceto quando são
empregados para a função injuriosa ou blasfematória, ocasião em que se
perde essa relação. E, nessa função, os termos grosseiros coincidem com
um tom mais forte, que lhes acentua o caráter agressivo, tornando-se um
veículo de expressão de sentimentos, muito mais do que de comunicação
(PRETI, 2010, p. 83. Grifos nossos).
171

É certo que tais vocábulos não são restritos a determinadas comunidades de


fala menos letradas. Entretanto, justamente pelo estigma sociolinguístico atribuído a
esses termos, eles acabam sendo avaliados como próprios de falantes menos
cultos, mais “grosseiros”. Esse equívoco é facilmente desfeito quando nos
lembramos de alguns poetas eruditos, como Bocage, em Portugal, e Gregório de
Matos, no Brasil, cujo fazer poético se valeu, muitas vezes, de impropérios e
palavras obscenas.
Para Preti (2010), a relação entre vocábulos obscenos e falantes menos
cultos não se sustenta quando esses termos de calão são utilizados para injuriar ou
blasfemar, ocorrendo em qualquer nível social, visando a expressar um sentimento,
uma emoção, normalmente agressiva ou violenta. Essa afirmação atesta que as
palavras de calão fazem parte da comunicação cotidiana, mas por serem
relacionadas a tabus sociais, como fluidos corporais ou práticas sexuais, muitas
vezes, seu uso é suprimido e evitado.
A relação que Preti (2010) apresenta entre palavrões e a expressão de
sentimentos é estudada por alguns neurocientistas. De acordo com Van Lancker e
Cummings (1999), por exemplo, em algumas pesquisas, foi percebido que os
palavrões aparentemente são processados no sistema límbico cerebral, ao contrário
de outros comportamentos linguísticos, mediados principalmente pelo hemisfério
esquerdo do cérebro. Como descrevemos no capítulo 2, o sistema límbico é o
principal responsável pelo processamento das emoções. Assim, em um âmbito
neurolinguístico, os palavrões e as emoções estão intimamente relacionados.
No que diz respeito aos aspectos socioculturais do palavrão – palavra
lexicalizada cujo sufixo -ão perdeu o sentido de aumentativo –, o professor
Sandmann (1992) relata que:

É interessante observar que os palavrões fazem parte de determinados


campos semânticos, em outros termos, seus referentes são objetos,
entidades de campos específicos do nosso universo biofisicossocial.
Importante é, porém, observar que nossa atitude ou relação não é
emocionalmente neutra. Impera um sentimento de sagrado – no caso da
religião – ou de proibido – caso mais freqüente – ou ainda um sentimento
qualquer de desagrado (SANDMANN, 1992, p. 222. Grifos nossos).

Podemos observar que Sandmann (1992) salienta a capacidade patemizante


dos palavrões, ou palavras de calão, mesmo que não faça uso do termo
patemização. Desse modo, percebemos que, dentre as características pragmático-
172

discursivas referentes à verbalização de vocábulos relacionados a campos


semânticos tidos como tabu, em dada comunidade sociodiscursiva, está a
capacidade de externar e também, como defendemos neste trabalho, despertar
emoções.
Desta feita, o emprego de palavrões e palavras de calão pode ocasionar um
efeito perlocucionário relacionado ao despertar de determinada emoção no
destinatário, o que permite averiguar que esse emprego consiste em uma estratégia
de patemização. Quando dirigido diretamente ao destinatário, o emprego de
palavras de calão pode consistir no que os estudos retóricos clássicos chamam de
argumentum ad personam que, como vimos anteriormente, ocorre quando o orador
não ataca os argumentos, mas a pessoa do adversário, procurando deslegitimá-lo
(SCHOPENHAUER, 2014 [1864]),
Ao final do texto em apreço, deparamo-nos com a ameaça propriamente dita:

(70) Em sua casa nada vai acontecer, mas quando saírem na rua
prestem atenção.

Temos, aqui, uma relação dicotômica entre o espaço da casa e o espaço da


rua. Em um, os sujeitos destinatários da carta estão seguros; no outro, devem
prestar atenção, pois, conforme o sujeito enunciador atesta ao final da carta:

(71) Coisas vão acontecer.

Nos dois enunciados de ameaça (70) e (71), estamos diante da estratégia


emprego de implícitos, já que, para entendermos a ameaça velada, é necessário
levar em conta nosso conhecimento linguístico e extralinguístico de modo a inferir
que algo ruim pode acontecer aos sujeitos destinatários da carta quando estiverem
fora de sua residência. No enunciado (71), houve a quebra da máxima da
quantidade, já que o sujeito comunicante opta por não fornecer maiores informações
sobre o que pode acontecer em relação às vítimas da ameaça. A máxima da
quantidade, apresentada por Grice (1991 [1968]), preconiza que o ato de fala não
deve ser nem mais nem menos informacional do que o necessário. Neste caso,
observa-se que faltam informações e, para restaurar o equilíbrio da interação, é
necessário que o interlocutor faça inferências, procurando os sentidos velados do
173

vocábulo “coisas”.
Atesta-se, assim, que a ameaça não é realizada contra o patrimônio do casal,
já que em sua casa nada iria acontecer, mas atenta contra a integridade física das
destinatárias da carta. Dessa forma, dentre os sentidos possíveis de serem inferidos
a partir desses enunciados, podemos elencar: (1) Em sua casa nada irá acontecer,
logo, vocês estarão seguras; (2) [...] mas quando saírem na rua, prestem atenção,
pois vocês não estarão protegidas; (3) portanto, coisas ruins vão acontecer com
vocês.
Os índices linguísticos que apresentam sentidos de discurso passíveis de
serem tidos como ameaças são, respectivamente, a solicitação para que as
destinatárias da carta “prestem atenção” quando saírem à rua, e o termo genérico
“coisas”, que acontecerão ao casal. Podemos notar que o sujeito enunciador é
assertivo ao afirmar que “coisas vão acontecer”, não modalizando seu enunciado,
por exemplo, a partir de um verbo modal como o “poder”, que denota um sentido de
incerteza.
A partir dos sentidos implícitos, portanto, o sujeito interpretante poderia ser
levado a experimentar um sentimento relacionado ao medo, à insegurança, à
impotência, quando for condizente com o sujeito destinatário da carta, no caso, o
casal lésbico. Caso essas ameaças surtam o efeito perlocucionário desejado, o de
amedrontar as destinatárias da carta, é provável que elas venham a acreditar na
tese defendida pelo sujeito enunciador durante todo o percurso argumentativo do
texto, vale lembrar, “nossa comunidade não admite mais estas atitudes imorais em
nosso bairro”.
Conforme podemos perceber, os conhecimentos extralinguísticos e, portanto,
discursivos e pragmáticos precisam ser levados em conta para que um enunciado de
ameaça seja efetivamente compreendido como tal. Esse fato nos leva, juntamente a
Nini (2017), a questionar pesquisas que buscam analisar ameaças unicamente a
partir de uma abordagem linguística, conforme vimos no capítulo 2.
É importante ressaltar que os sujeitos enunciadores dessa carta, durante todo
o percurso argumentativo do texto, procuram construir para si diferentes ethé
discursivos. Em um determinado enunciado, encontramos o ethos dito de “pessoas
de bem”, grupo no qual se inclui o sujeito enunciador, consistindo no que
Charaudeau (2015 [2005]) chama de ethos de virtude. Além desse ethos,
encontramos também o ethos de competência, já que o enunciador afirma que, para
174

efetuar as ameaças, “temos nossos métodos”, configurando-se em uma estratégia


de credibilidade:

(72) Já conseguimos ficar livres de duas casas assim, temos nossos


métodos

Desse modo, o sujeito enunciador procura reforçar a imagem de alguém que


é detentor de um saber-fazer. Afinal, graças a esses métodos, eles já conseguiram
“ficar livres de duas casas assim” – o termo “assim” designa uma casa na qual mora
um casal homossexual e onde, segundo o sujeito enunciador, ocorrem orgias, brigas
e gritarias.
Novamente, estamos diante de um ponto de vista antagônico: o sujeito que, a
despeito de suas agressões, se vê como uma “pessoa de bem” que luta contra o mal
representado, nas palavras dele, pelos indivíduos homossexuais que “empestearam”
seu bairro. Desta feita, o sujeito enunciador não apenas constroi seu ethos de
virtude, mas elabora, no processo, uma imagem discursiva do inimigo que deve ser
combatido. Esse movimento é natural nos movimentos sociais e dizem respeito à
problemática identitária, afinal, eu sou “eu” apenas porque não sou “tu”
(CHARAUDEAU, 2016a). Com isso, para se filiar a um grupo, é preciso deixar claro
que não se pertence a outro grupo.
Por ser natural nas relações humanas, essa dicotomia, refletida no princípio
da alteridade da Teoria Semiolinguística do Discurso, é entendida, por Charaudeau,
como uma característica da construção identitária dos variados grupos:

É por isso que a percepção da diferença é acompanhada, geralmente, de


um julgamento negativo, pois ameaça a sobrevivência de si mesmo. É como
se não fosse suportável aceitar que outros valores, outras normas, outros
hábitos diferentes dos seus sejam melhores ou, simplesmente, existam. E
quando esse julgamento endurece e se generaliza, torna-se o que se
chama de estereótipo, clichê, preconceito. É preciso compreender que, ao
julgar o outro negativamente, protegemos nossa identidade, caricaturamos a
do outro e nos persuadimos de que temos razão contra o outro. É assim
que, persuadido de que sou sensível, acolhedor, caloroso, serei levado a
julgar o outro como racional, frio ou agressivo, ou, inversamente, persuadido
de que sou racional, seguro, direto e franco, o julgarei anárquico,
extrovertido, pouco confiável (CHARAUDEAU, 2016a, p. 25. Grifos nossos).

É importante reiterar que mesmo as ameaças feitas de forma implícita


permitem ainda que o interlocutor perceba que algo ruim e não desejado pode
175

acontecer a ele, levando-o a se sentir ameaçado e lesado. Como vimos antes,


apresentar uma sanção negativa considerada um mal injusto ou grave é a condição
sine qua non para que um enunciado seja ou não considerado uma ameaça, o que
permite que esse tipo de análise seja utilizado para aplicações em perícias criminais
ou judiciais.
Portanto, em uma demanda jurídica na qual um dos envolvidos tenha
efetuado uma ameaça implícita como a expressa no enunciado (71), vale lembrar,
“coisas vão acontecer”, o sujeito comunicante pode negar que seu enunciado tenha
sido efetivamente uma ameaça. Entretanto, levando-se em conta a condição básica
para que um enunciado seja considerado uma ameaça – a presença de uma sanção
negativa –, um perito especializado em linguística poderá ser convocado por um
representante da Justiça para elaborar um laudo de determinação de significado
acerca da ocorrência ou não do crime.
Essa questão judicial é pertinente, pois os sentidos implícitos e subentendidos
são utilizados justamente para que o enunciador não se comprometa com o que está
dizendo, conforme afirmam Ducrot (1989) e Fiorin (2016). Devido a isso,
defendemos, na presente pesquisa, que as ameaças implícitas são mais utilizadas
nas cartas dos sujeitos que não se posicionam como criminosos, já que eles
preferem preservar sua face, construindo para si um ethos de virtude.
Após realizada a análise pericial, portanto, caso seja possível determinar,
através do contexto, que uma sanção negativa acometerá o interlocutor, um linguista
forense pode concluir, em seu laudo, que houve efetivamente uma ameaça. Para
cada texto e cada demanda judicial, o linguista forense deve recolher o máximo de
informações possíveis acerca do contexto no qual foi produzido o enunciado. É
importante reiterar que o linguista contratado para realizar um laudo pericial deve ser
ético e apenas aceitar a demanda judicial se for especialista naquela determinada
área da linguística, conforme assevera Shuy (2006).
No próximo item, apresentaremos as análises qualitativas referentes às cartas
de ameaça escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos em seu
discurso, partindo de uma abordagem macro e microestrutural.
176

4.1.2 Abordagem macro e microestrutural das cartas dos sujeitos que se


posicionam como criminosos

Passemos, agora, à análise das cinco cartas pertencentes ao grupo de


sujeitos que se posiciona como criminosos. Nesse grupo de cartas, os sujeitos
valem-se de identidades discursivas diversas, objetivando aderir legitimidade a si
mesmos, enquanto sujeitos enunciadores, e credibilidade a seus argumentos. Já
que esses sujeitos se apresentam como encarcerados, membros de facções
criminosas ou como aguém que detém contato com o crime organizado, o sujeito
interpretante pode ser persuadido a acreditar nas ameaças efetuadas, o que garante
a captação desse sujeito. No processo, o interlocutor é levado a experienciar
diferentes emoções.
Apresentamos abaixo, na íntegra, o primeiro texto analisado, que consiste em
uma carta de ameaça de morte endereçada a promotores de justiça. A carta foi
entregue à sede do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), de
Campinas, no ano de 201334:

Texto VI – sujeito que se posiciona como criminoso: carta de ameaça


de morte a promotores de justiça

PRESTA BASTANTE ATENÇÃO SEUS PROMOTORES DE XXXXX


MAIS UM POLICIA DO DENARC QUE VOCE SACANEAR, VAMOS
MANDAR ESQUARTEJAR A XXXX DA SUA MAE. VOCE VAI ACHA-LA
EM XXXXXX EM CADA CANTO DE CAMPINAS. E A HORA QUE VOCE
ESTIVER SAINDO NA SUA CARANGA NOVA, VOCE VAI LEVAR
TANTO TIRO DE AR15 QUE A PERICIA NÃO VAI NEM CONSEGUIR
CONTAR AS PERFURAÇOES.
O MESMO SE APLICA AO OUTRO PROMOTOR DE XXXXX QUE
MORA EM CAMPO LIMPO. VAMOS MANDAR METRALHAR O CARRO
QUE LEVA AS CRIANÇAS PARA A ESCOLA.
POR UM QUILO DE PÓ O PCC FAZ O TRABALHO PARA NOS.
TENTA FAZER SO UMA SACANAGEM. SÓ MAIS UMA.

34
A carta pode ser encontrada em nossos anexos, no grupo de cartas escritas por sujeitos que se
posicionam como criminosos, sob o título TEXTO 6 – Ameaça ao promotor do caso Denarc.
177

MATAMOS VOCE E SUA FAMILIA TODA. NÃO NECESSARIAMENTE


NESSA ORDEM.

A carta foi completamente escrita em caixa alta e digitada em computador.


Esse recurso tecnológico pode servir para impossibilitar uma perícia grafotécnica,
cujo enfoque se dá sobre a escrita manual de textos a fim de identificar o indivíduo
que o escreveu.
Notamos, de imediato, que, de um ponto de vista macroestrutural, não há a
apresentação de uma tese explícita que será defendida, embora ela seja
recuperável a partir dos enunciados elencados como argumentos. Para o sujeito
enunciador, os promotores vítimas da ameaça estavam prejudicando os policiais,
portanto, a tese pode ser verbalizada como “é melhor que vocês parem de prejudicar
os policiais envolvidos no caso Denarc”.
O texto foi escrito predominantemente com recurso ao Modo de Organização
Argumentativo do discurso, conforme atestam as tomadas de posição, os
operadores argumentivos e a seleção de argumentos marcadamente patemizantes.
A título de exemplo, foquemo-nos nos excertos abaixo, que buscam
comprovar a tese. Assim, é constituído o raciocínio “é melhor que vocês parem de
prejudicar os policiais envolvidos no caso Denarc”, e nós dizemos isso porque, se
não pararem:

(73) [...] vamos mandar esquartejar a xxxx da sua mae

(74) [...] voce vai levar tanto tiro de AR15 que a pericia não vai nem
conseguir contar as perfuraçoes.

(75) [...] vamos mandar metralhar o carro que leva as crianças para a
escola

Os três argumentos pró-tese acima consistem em ameaças de morte


explícitas efetuadas contra o próprio destinatário da carta (excerto 74) ou
ameaçando a mãe do destinatário e os filhos do outro promotor, residente em
Campo Limpo, de acordo com o texto (excertos 73 e 75, respectivamente). Assim,
ao fazer uso da modalidade alocutiva, através do pronome possessivo “sua”, no
178

enunciado (73), e do pronome de tratamento “você”, no enunciado (74), bem como


da modalidade elocutiva por meio do pronome “nós”, elipsado, em (75), observa-se o
recurso à enunciação da expressão patêmica.
De acordo com Fiorin (2016), os argumentos acima elencados podem ser
compreendidos como exemplos do que é conhecido na retórica como argumentum
ad baculum, visto que, desprovidos de razão para argumentar, os sujeitos se valem
da força física e da ameaça. Como é possível perceber, tais argumentos apresentam
alto teor patêmico, sendo capazes de despertar sentimentos relacionados ao medo,
ao terror, à insegurança no sujeito interpretante, que se vê ameaçado de morte
violenta, bem como tem seus entes queridos com a vida também em risco.
Portanto, em uma abordagem analítica macroestrutural, notamos que o
projeto argumentativo do texto gira em torno das ameaças efetuadas contra o
destinatário da carta. Assim, o sujeito enunciador elenca uma série de argumentos
que, procurando comprovar a tese – “é melhor que vocês parem de prejudicar os
policiais envolvidos no caso Denarc” –, conduzem para a conclusão de que o
enunciador é capaz de efetivar as ameaças caso o destinatário aja contra os
policiais. Alguns desses argumentos serão analisados individualmente.
Recorrendo a uma abordagem microestrutural, notamos que, dentre as
principais estratégias de patemização utilizadas para a composição desse texto,
destaca-se a estratégia palavras, expressões e enunciados que designam
calamidade, visto que essa escolha estratégica perpassa todo o percurso
argumentativo do texto.
Nos enunciados (73), (74) e (75) apresentados anteriormente, por exemplo,
os vocábulos “esquartejar”, “AR15”, “perfurações” e “metralhar”, pertencentes aos
campos semânticos da guerra e da violência, por si, já apresentam alta capacidade
de patemização. Essas escolhas lexicais, vinculadas aos vocábulos que remetem à
mãe e ao carro que transporta as crianças para a escola, levam o sujeito
interpretante, quando este for a vítima propriamente dita da ameaça, a se
desesperar diante das ameaças do sujeito enunciador. Por serem vocábulos
pertencentes a campos semânticos relacionados à violência, à agressão, podemos
perceber que ocorre um tipo de violência verbal, já que essas escolhas lexicais
apresentam a finalidade de tornar o discurso agressivo e, assim, mais propenso à
patemização.
É importante lembrar que os textos analisados nesta pesquisa circularam na
179

mídia online. Dessa forma, diversos sujeitos interpretantes entraram em contato com
o texto em apreço, o que permite concluir que diferentes emoções foram
experienciadas por diferentes sujeitos. Dentre essas emoções, podemos destacar,
possivelmente a indignação diante da atitude audaciosa do sujeito enunciador, que
ameaça autoridades jurídicas. Por outro lado, visto que as emoções são
dependentes dos sistemas de crenças compartilhados pelo sujeito interpretante,
bem como seus valores e posicionamentos ideológicos, somos levados a reconhecer
que alguns sujeitos possivelmente experienciaram emoções relacionadas à
satisfação, por reconhecerem as ameaças como legítimas.
Chama a atenção, nesses usos da estratégia relacionada ao emprego de
palavras, expressões e enunciados que designam calamidade, a descrição
minuciosa dos possíveis assassinatos. Com enunciados detalhados, o sujeito
enunciador atesta que a mãe do destinatário seria esquartejada, tendo as partes de
seu corpo espalhadas por toda a cidade de Campinas. Ao fazer menção à localidade
geográfica, estamos diante do uso da estratégia de patemização princípio de
proximidade e distanciamento, já que a proximidade com o endereço da vítima e de
sua família pode intensificar o efeito perlocucionário de patemização.
Além disso, o sujeito enunciador ainda argumenta que tanto o destinatário
quanto o carro que leva as crianças para a escola seriam alvos de ataques por
armas de fogo, um fuzil AR15 e uma metralhadora, respectivamente. Tais
argumentos revelam um sujeito enunciador que apresenta um saber-fazer bélico,
projetando um ethos de competência de alguém que conhece armamentos de fogo e
sabe utilizá-los, revelando, ainda, que o enunciador detém conhecimentos acerca da
rotina dos filhos de um dos ameaçados. Novamente, emoções relacionadas ao
medo, ao terror e ao desespero podem ser experienciadas.
Ao final da carta, deparamo-nos com outra ameaça direta explícita:

(76) Tenta fazer so uma sacanagem. Só mais uma. Matamos voce e


sua familia toda. Não necessariamente nessa ordem.

Nos enunciados em apreço, percebemos a presença de três estratégias de


patemização diferentes encadeadas a partir de um raciocíno lógico de causa e
consequência, vale saber, causa: se o destinatário continuar prejudicando o
enunciador ⇒ implicará a consequência: ele e toda a sua familia poderão ser
180

assassinados. Observamos uma estratégia argumentativa pautada sobre um


raciocínio lógico, entretanto, o conteúdo proposicional é amplamente patemizante, o
que nos permite classificar tais argumentos a partir da nomenclatura apresentada
por Gouvêa (2017).
Inicialmente, o sujeito enunciador se vale da estratégia expressões
modalizadoras, através do operador argumentativo “só”, que orienta para a negação
da totalidade (KOCH, 2015 [1993]), no caso, a totalidade de ações que podem ser
tidas como “sacanagem”, pelo enunciador. Assim, o sujeito enunciador leva o
interpretante a concluir que bastaria uma “sacanagem” para desencadear as
sanções negativas expressas a seguir pela estratégia palavras, expressões e
enunciados que designam calamidade, através do verbo “matamos”. Por fim, é
utilizada a estratégia relativa ao princípio da classificação, enumeração ou
quantidade, visto que os sujeitos enunciadores afirmam que não haveria uma ordem
seguida pelas mortes do sujeito destinatário e sua família. Com isso, eles poderiam
inverter a ordem dos assassinatos, matando a família primeiramente e o destinatário
em seguida, evocando possíveis sentimentos relativos ao terror e ao medo.
Novamente, há uma tomada de posição através da qual o sujeito enunciador
se identifica discursivamente como um assassino, alguém cruel que não se importa
em matar e, inclusive, apresenta um saber-fazer relativo à prática de assassinato.
Desta feita, é construído um ethos de potência, de alguém que pode matar, bem
como um ethos de competência, conforme já foi mencionado, de alguém que sabe
como fazê-lo. Essa identidade é corroborada pelo argumento de que “por um quilo
de pó o PCC faz o trabalho pra nos”, revelando um sujeito enunciador que se mostra
em contato com uma das facções criminosas mais consolidadas e perigosas do
Brasil.
Essa aproximação ao Primeiro Comando da Capital, facção que detém o
controle de muitas penitenciárias brasileiras, estendendo seu poder para além das
prisões, acaba por aderir legitimidade ao sujeito que ameaça e credibilidade a seus
argumentos, visto que ele não se afilia ao PCC, mas demonstra manter contato com
a facção. Embasados em imaginários sociodiscursivos acerca da criminalidade
urbana, é quase certo que, ao se mostrar vinculado de certo modo a uma facção
criminosa, haveria mais chances de o sujeito destinatário acreditar nas ameaças do
sujeito enunciador.
Ao objetivar a construção desse ethos, o sujeito procura garantir sua
181

legitimidade tomando por base aquilo que chamamos, nesta pesquisa, de ethos de
desvirtude. Em nosso entendimento, ao contrário do ethos de virtude descrito por
Charaudeau (2015 [2005]), o ethos de desvirtude é baseado no que é considerado
como desvirtuoso em dada comunidade sociocultural, a exemplo de alguém que
pode e sabe cometer um assassinato, tendo, inclusive, contato com facções
criminosas.
Por fim, à medida que o enunciador procura garantir sua legitimidade e
credibilidade a seus argumentos, ele objetiva levar o sujeito interpretante a
experienciar emoções relativas ao terror, ao medo e ao desespero. Ao fazer uso da
estratégia discursiva da captação, portanto, o enunciador elenca diferentes
estratégias de patemização, com predomínio do emprego de palavras, expressões e
enunciados que designam calamidade.
Caso os promotores, sujeitos destinatários da carta, fossem levados a
experienciar tais emoções, possivelmente estariam dispostos a ceder às chantagens
do sujeito enunciador, pois, como afirmou Aristóteles ainda em ~300 a.C., “os juízos
que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 97).
Apresentada a análise concernente ao primeiro texto do segundo grupo do
corpus, passemos, agora, à análise da segunda carta de ameaça de morte escrita
por sujeitos que se posicionam como criminosos em seu discurso:

Texto VII – sujeito que se posiciona como criminoso: carta de


ameaça de morte com reivindicações de presidiários

CPPL 1 É CARRAPICHO

REIVINDICAMOS O DIREITO DOS PRESOS, RESPEITO COM OS


PRESOS E SUAS VISITAS.
ATENÇÃO POIS ESTAMOS COM FALTA DE ÁGUA E DE ENERGIA
CUIDADO COM AS COMIDAS NAS VISTORIAS, POIS VARIAS VEZES
SÃO DERRAMADAS NO LIXO
PEDIMOS QUE NÃO RETIRAM OS PRESOS DE CELA PRA BATER
PEDIMOS QUE CUMPRA-SE NOSSAS EXIGÊNCIAS, POIS SE NÃO
VAMOS COMEÇAR A TIRAR A VIDA DOS AGENTE
182

FORTALEZA, 03 DE JULHO, 2015

A carta acima 35 foi entregue por delinquentes a um motorista de ônibus. Logo


após, eles incendiaram o veículo. Esse modus operandi, que causa terror na
população, é uma prática bastante comum no estado do Ceará, inclusive,
acontecendo novamente por diversas vezes no início do ano de 2019. O texto em
apreço, porém, data de 03 de julho de 2015, conforme pode ser observado ao final
da carta.
Em uma abordagem macroestrutural, notamos não haver uma tese
verbalizada no texto, que é constituído a partir de uma série de reivindicações, o que
mais o aproxima de uma lista do que de uma carta propriamente dita. Há, entretanto,
uma localização e uma datação, características composicionais do gênero carta. Por
haver a ameaça explícita ao final, e pelo fato de a carta ter sido entregue a partir de
um modus operandi criminoso, afastando-se sobremaneira do modo de entrega de
cartas convencionais, o texto em apreço consiste em uma carta de ameaça,
subgênero do gênero carta, conforme mostramos no capítulo 2.
Apesar de não ser explicitada, é possível recuperar a tese defendida no texto,
que é predominantemente argumentativo. Assim, o sujeito enunciador, se
identificando como um grupo plural, procura defender a seguinte tese: vocês devem
respeitar os presos e suas visitas. Para comprovar essa tese, o sujeito enunciador
elenca uma série de argumentos, como: (i) os presos estão com falta de água e
energia; (ii) as comidas, na vistoria, são derramadas no lixo; (iii) os presos são
retirados das celas para apanhar e (iv) se não forem cumpridas as exigências
efetuadas, os presos irão tirar as vidas dos agentes. Dado seu teor patemizante,
esses argumentos podem levar o sujeito interpretante a experienciar diferentes
emoções a depender de seu universo de crença.
Deste modo, durante o percurso argumentativo do texto, o sujeito enunciador
se identifica como um encarcerado que reivindica os direitos da população privada
de liberdade e busca respeito para “os presos e suas visitas”. Esse ethos, somado à
forma como a carta foi entregue – incendiando-se um ônibus –, levou-nos a
classificar este texto como sendo escrito por um sujeito que se posiciona como

35
A carta pode ser encontrada nos anexos sob o número 12, no grupo de textos escritos por sujeitos
que se posicionam como criminosos
183

criminoso.
Ademais, além do Modo de Organização Argumentativo, predominante,
notamos que, durante o percurso argumentativo da carta em apreço, são dadas
diversas instruções ao sujeito destinatário. A partir da modalidade alocutiva do Modo
de Organização Enunciativo do Discurso, portanto do recurso à enunciação da
expressão patêmica, o sujeito enunciador interpela seu interlocutor, através do uso
dos termos “atenção” e “cuidado”, realizados com um sentido imperativo:

(77) ATENÇÃO POIS ESTAMOS COM FALTA DE ÁGUA E DE


ENERGIA

(78) CUIDADO COM AS COMIDAS NAS VISTORIAS

Como pode ser notado pelos enunciados (77) e (78), a carta se baseia em
uma série de reivindicações efetuadas por parte do sujeito enunciador,
reivindicações feitas em nome da comunidade encarcerada no CPPL1 – Centro de
Privação Provisória de Liberdade 1 –, localizado no Estado do Ceará. Assim, durante
o percurso argumentativo do texto, o sujeito faz pedidos e reivindicações, exigindo
melhorias no ambiente prisional. Se esses pedidos não fossem atendidos, conforme
o sujeito enunciador afirma, ele e outros encarcerados poderiam assassinar alguns
agentes, funcionários do presídio. Trata-se, portanto, de uma carta de ameaça de
morte.
Passemos à análise microestrutural de cada argumento que busca comprovar
a tese. No texto, os sujeitos enunciadores afirmam que a população encarcerada no
Centro de Privação Provisória de Liberdade 1 é violentada e desrespeitada,
defendendo a tese de que “vocês devem respeitar os presos e suas visitas”. Assim:

(79) Reivindicamos o direito dos presos. Respeito com os presos e suas


visitas.

No que diz respeito às estratégias de patemização, o excerto acima foi


classificado como o emprego da estratégia palavras ou expressões que
desencadeiam emoção, já que os vocábulos “reinvidicamos”, “direito”, “presos” e
“respeito”, em um mesmo enunciado, apresentam alta capacidade patêmica. Além
184

disso, por meio do item lexical “presos”, os sujeitos constróem para si o ethos de
desvirtude, que legitima suas reinvidicações e ameaças, consistindo em uma marca
identitária.
No contexto da carta, portanto, visto estarmos diante de um dispositivo
comunicativo cuja temática já torna o texto passível de despertar emoções, os
enunciados apresentados poderiam levar o sujeito interpretante a experienciar
emoções diversas, a depender de seu universo de crença. Desse modo, um sujeito
interpretante que acredite que os indivíduos encarcerados estão cumprindo suas
penas de forma justa, poderia ser levado a experienciar um sentimento de
indignação ao ler tais enunciados. Por outro lado, alguém que luta pelos direitos
iguais e acredita que apenas a penitenciária não garante a reabilitação e
ressocialização do cidadão privado de liberdade poderia experienciar emoções
relacionadas à piedade.
Chama a atenção o fato de o item lexical “presos” ter sido reiterado, o que
configura um processo de identificação do sujeito enunciador enquanto um indivíduo
encarcerado. Essa nomeação acaba por despertar um efeito perlocucionário de
captação no sujeito interpretante da carta, já que, ao menos em nossa comunidade
sociodiscursiva, os sujeitos encarcerados são frequentemente classificados, a priori,
como criminosos e, por isso, foram afastados do convívio social. Devido a esses
sentidos veiculados pelo vocábulo “presos”, muitos deles favorecidos por
estereótipos e preconceitos, diferentes emoções são desencadeadas no sujeito
interpretante. Novamente, tais emoções são dependentes de seu sistema de crença.
Quando se posiciona na identidade de um indivíduo privado de liberdade, um
presidiário, o sujeito enunciador parece procurar garantir a legitimidade necessária
para si e a devida credibilidade para seus argumentos e ameaças. Trata-se,
portanto, de uma construção, além do ethos de desvirtude, do ethos de potência, de
um poder-fazer que é assegurado pelos imaginários sociodiscursivos acerca da
periculosidade inerente a alguns indivíduos privados de liberdade. Afinal, alguns
sujeitos interpretantes podem ser persuadidos a acreditar nas ameaças
evidenciadas na carta, experienciando emoções relativas ao medo e ao desespero,
por meio do seguinte raciocínio: esses indivíduos que ameaçam estão presos, logo,
devem ser criminosos que podem cumprir suas ameaças.
A despeito desse ethos de delinquente perigoso, na carta, o sujeito procura
também construir para si um ethos de virtude, de alguém que luta para que a justiça
185

seja assegurada aos sujeitos encarcerados que também são seres humanos e
merecem o mínimo de condições.
A seguir, é elencada uma série de argumentos que procuram captar o
destinatário da carta, demonstrando que os indivíduos encarcerados vivem em
condições insalubres e desumanas:

(80) [...] estamos com falta de água e de energia

(81) Cuidado com as comidas nas vistorias, pois varias vezes são
derramadas no lixo

(82) Pedimos que não retirem os presos de cela para bater

Os três argumentos acima, que buscam comprovar a tese de que os sujeitos


encarcerados, bem como suas visitas, devem ser respeitados, foram classificados
como estratégias de patemização diferentes. Pelo conteúdo da carta, a depender
dos valores sociais e imaginários sociodiscursivos apresentados pelo sujeito
interpretante, é possível que emoções relacionadas à pena e à piedade sejam
desencadeadas. Com isso, o sujeito interpretante pode ser levado a experienciar
diferentes emoções a partir do seguinte raciocínio: esses sujeitos estão presos, mas
ainda são seres humanos. Sob esse ponto de vista, esse enunciado pode ser
classificado como um argumentum ad misericordiam, o apelo à piedade (PLANTIN,
2013), já discutido anteriormente.
No excerto (80), a denúncia da falta de água e energia elétrica, condições
básicas para a vida contemporânea, corresponde ao uso da estratégia enunciados
que podem produzir efeitos patemizantes. Esse excerto pode levar o sujeito
interpretante a experienciar um sentimento de indignação, de piedade. Afinal, o
consumo de água é uma condição para a manutenção da vida de qualquer espécie
conhecida em nosso planeta. A falta de água potável também está relacionada a
condições insalubres, de falta de higiene, que se relacionam diretamente à
perpetuação de doenças.
No excerto (81), a locução adverbial “várias vezes” foi classificada como um
emprego do princípio de classificação, enumeração ou quantidade, visto que esse
uso favorece a conclusão de que o alimento dos encarcerados, diversas vezes, fora
186

jogado no lixo, possivelmente vindo a despertar um sentimento de indignação no


sujeito interpretante que valoriza o consumo consciente de alimentos. Esse
raciocínio é baseado em determinados topoi e imaginários sociodiscursivos que
circulam em nossa sociedade e salientam a importância de se consumir alimentos
de forma consciente, pois muitas pessoas sofrem de escassez e miséria.
Por fim, o excerto (82) apresenta o emprego da estratégia de patemização
palavras ou expressões que desencadeiam emoção, designadamente, através dos
substantivos “presos” e “cela” e do sintagma preposicional “para bater”. Por si, tais
elementos lexicais já despertam emoção, visto estarem relacionados aos campos
semânticos da penitenciária, da agressão física e da violência. Aqui, deparamo-nos
com uma crítica ao sistema prisional brasileiro, já que, segundo o sujeito enunciador
da carta, os policiais e outros agentes penitenciários retirariam os encarcerados de
suas celas e, supostamente, os agridiriam.
Após a crítica acerca da forma como os sujeitos privados de liberdade são
tratados no sistema penal do CPPL 1, presídio anteriormente conhecido como
Carrapicho, o sujeito enunciador faz sua ameaça, deixando clara a condição que os
agentes da lei devem cumprir para que essa ameaça não seja consolidada:

(83) Pedimos que cumpra se nossas exigências, pois se não vamos


começar a tirar a vida dos agente

Na ameaça condicional explícita (83) acima, construída com recurso ao


raciocínio lógico de causa (se não cumprirem as exigências) e consequência (irão
matar os agentes), ocorrem três estratégias de patemização. O primeiro enunciado,
“pedimos que cumpra se nossas exigências”, foi classificado como um emprego da
estratégia de patemização enunciados que podem produzir efeitos patemizantes,
visto que, para que o sujeito possa experienciar determinadas emoções, é
necessário que ele leve em conta todo o contexto da carta. Conforme dissemos
anteriormente, a visada de patemização (fazer-sentir), bem como a temática
(situação dos encarcerados e ameaça de morte) e o dispositivo comunicativo (carta
de ameaça) já propiciam um ambiente discursivo favorável à patemização, como
postula Charaudeau (2010).
A partir do operador argumentativo “pois”, que orienta para uma conclusão,
aliado ao operador argumentativo “se”, que veicula um sentido de condição, temos a
187

estratégia de patemização relativa ao emprego de expressões modalizadoras, que


diz respeito à sanção negativa da ameaça à vida dos agentes penitenciários. Por
sua vez, a oração condicionada referente à ameaça de morte, vale saber, “vamos
começar a tirar a vida dos agente”, foi classificada como um uso da estratégia
patêmica palavras, expressões e enunciados que designam calamidade, pois veicula
os sentidos de um possível assassinato em massa.
Conforme já mencionado, em Gouvêa e Silva (2018), observamos que, em
ameaças veiculadas por uma construção condicional do tipo se X, então Y, a
primeira oração, chamada de oração condicionante, é sempre expressa por meio da
estratégia de patemização relacionada ao uso de expressões modalizadoras. Por
sua vez, a oração condicionada, na qual é deixada clara a sanção negativa que
poderá acometer o destinatário da ameaça, é expressa por meio do recurso
patêmico relacionado ao emprego de palavras, expressões e enunciados que
designam calamidade. Caso a ameaça seja velada, a oração condicionada
corresponde ao uso da estratégia de patemização relacionada ao emprego de
implícitos.
De modo a captar o destinatário, portanto, convencendo-o a atender às
condições expressas no decorrer da carta, os sujeitos elencam diversas estratégias
de patemização, inclusive, recorrendo à ameaça que poderá ser efetivada caso a
condição não seja atendida.
Além dessas duas cartas de ameaça de morte, analisaremos também outras
três cartas que apresentam ameaças de natureza diversa. Passemos, agora, à
análise das duas cartas de ameaça à segurança pública, também pertencentes ao
grupo de textos escritos por sujeitos que se posicionam como criminosos. A primeira
delas diz respeito a uma ameaça efetuada por parte de sujeitos que se afiliam à
facção conhecida como Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte36:

Texto VIII – sujeito que se posiciona como criminoso: ameaça contra


a segurança pública por parte da facção Sindicato do Crime do RN

SINDICATO DO CRIME DO RN COMUNICADO

36
O texto pode ser encontrado nos anexos sob o título Texto 23: Carta do Sindicato do Crime do RN.
188

ESTAMOS AQUI EM MEIO A ESSE COMUNICADO PARA DEIXAR BEM


CLARO QUE SOMOS A FRENTE DE TODO O SISTEMA PRISIONAL DO
ESTADO DO RN, NÃO ESTAMOS AQUI PRA MEDIR FORÇAS COM O
GOVERNO DO ESTADO, MAS TAMBÉM NÓS NÃO IREMOS ACEITAR
PERDE PRA OS VERMES DO PCCU NEM UM PRÉDIO NOSSO.
SE QUEREM LEVAR OS PCCU PRA ALGUM LUGAR, QUE LEVEM
ELES PRA CARAÚBAS, PAU DOS FERROS OU PRA SÃO PAULO QUE
É O LUGAR DELES DE ORIGENS, DEIXAMOS BEM CLARO QUE SE
CASO VINHEREM A MEXER COM ALGUM DE NOSSOS PRÉDIOS
IREMOS REAGIR A ALTURA, POIS SOMOS MAIS FORTES AINDA NA
RUA, TEMOS INTEGRANTES DISPOSTOS A CONCLUIR TODOS OS
NOSSOS SALVES, IREMOS ATACAR TODOS OS TIPOS DE ÓRGÃOS
PÚBLICOS IREMOS CAUSAR UM CAUS NO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE.
DE INICIO VAMOS TOCAR FOGO EM ÔNIBUS DELEGACIAS, CARROS
DO GOVERNO TODOS ÓRGÃOS PÚBLICO COM EXEÇÃO DE
ESCOLAS E HOSPITAIS. TOMAR ARMAS DE VIGIAS, MATAR
POLICIAIS E AGENTES PENITENCIÁRIOS ATÉ VOCÊS
AUTORIDADES COMPETENTES NOS OUVIR.
IREMOS TAMBÉM MOSTRA QUE PREDOMINAMOS EM TODO
SISTEMA CARCERÁRIO VAMOS QUEBRAR TODAS AS UNIDADES
QUE PODEMOS PRA ASSIM VOCÊS VER QUE ESTAMOS DANDO
FORÇAS A QUEM NÃO TEM POIS NÃO ACEITAREMOS PERDE NADA
QUE É NOSSO.
ESTAMOS PRA RESOLVER DA MANEIRA QUE VOCÊS
AUTORIDADES VENHA NOS OUVIR NÃO INICIAMOS A GUERRA,
MAS, TAMBÉM NÃO FUGIMOS DELA.
ATENCIOSAMENTE FINAL E CONSELHO DO SDCRN

A carta em apreço foi assinada pela facção criminosa conhecida como o


Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte – SDCRN – e também foi escrita
inteiramente em caixa alta, sendo digitada no computador.
A nomeação “facção criminosa” parece não ser um consenso no âmbito da
Criminologia, visto que o termo “criminoso”, de acordo com a Teoria do
189

Etiquetamento Social (Labeling Approach), como já foi discutido no capítulo 2,


também se apresenta problemático e ainda é passível de muita discussão dentre os
juristas, sociólogos e criminólogos. Além disso, esses agrupamentos de indivíduos
que agem contra a lei são frequentemente relacionados ao crime organizado, o que
não corresponde completamente à realidade, pelo menos em âmbito brasileiro
(SHIMIZU, 2011).
Nesta pesquisa, temos noção da complexidade envolvida nos conceitos
acima apresentados, que trazem consigo, inclusive, pontos de vista e julgamentos
de valor de caráter ideológico. Portanto, visto ser este um trabalho em Linguística,
mesmo se tratando de uma abordagem em Linguística Forense, não nos
aprofundaremos em incursões teóricas no âmbito da Criminologia ou do Direito,
procurando, justamente, evitar análises errôneas acerca de tão complexo objeto.
Antes, ainda apoiados em Shimizu (2011, p. 80; 81), entendemos o conceito de
facção criminosa como:

[...] grupos de pessoas em que se verificam relações de solidariedade e


gregarismo, que surgiram nos presídios brasileiros e foram fundados,
prioritariamente, sob o lema da defesa dos interesses da comunidade
carcerária, tendo a prática de atos tipificados em lei como crimes como um
de seus modos de atuação dentro e fora dos presídios.

Nota-se, portanto, que a solidariedade entre os membros da facção, que


lutam contra abusos sofridos pela comunidade encarcerada, é o que define, no
cenário brasileiro, certos grupos como facções criminosas. A adjetivação “criminosa”
ou “criminoso”, conforme abordagens vinculadas à criminologia crítica, não é
científica, já que o que é definido como crime apresenta-se como um rótulo, podendo
variar consoante o tempo e a cultura, conforme foi discutido no capítulo 2.
Em uma abordagem macroestrutural, notamos que, na carta em apreço, os
sujeitos enunciadores reivindicam para si o controle do presídio, exigindo que as
tranferências dos detentos não sejam realizadas. Logo no início do texto,
percebemos a tese explicitada pelo sujeito enunciador, no caso, ele procura
comprovar que sua facção está à frente de todo o sistema prisional do estado do Rio
Grande do Norte. Durante o percurso argumentativo do texto, o enunciador
apresenta argumentos como “caso vinherem a mexer com algum de nossos prédios
iremos reagir a altura” e “temos integrantes dispostos a concluir todos os nossos
salves”, que buscam comprovar essa tese, inclusive, valendo-se de ameaças contra
190

a segurança pública, o que poderia gerar assassinatos em massa e grande terror na


população.
No que se refere aos Modos de Organização do Discurso utilizados na
composição desta carta, também notamos a predominância do Modo de
Organização Argumentativo, já que o sujeito enunciador procura fazer com que o
destinatário acredite em suas ameaças e efetue as solicitações. O Modo de
Organização Descritivo foi utilizado, por exemplo, no momento em que o sujeito
qualifica sua facção, atribuindo a ela uma especificação subjetiva:

(84) SOMOS A FRENTE DE TODO O SISTEMA PRISIONAL DO


ESTADO DO RN

Essa qualificação expressa em (84) acaba por consistir em uma estratégia


discursiva que procura garantir a legitimidade para esse grupo, já que os sujeitos
visam a construir para si um ethos de potência, defendendo que a facção está à
frente, na liderança do sistema prisional de todo o Estado do Rio Grande do Norte,
sendo legitimada a falar em nome dos encarcerados. Além disso, por configurar a
frente do sistema prisional, a facção detém recursos para levar a cabo as ameaças
efetuadas na carta, o que acaba por condizer com a estratégia discursiva da
credibilidade.
Quanto ao Modo de Organização Enunciativo do Discurso, percebemos a
predominância do comportamento elocutivo. Este fato pode estar amparado no
contrato que rege essa situação de comunicação, pois, como integrante de uma
facção, o sujeito procura todo o tempo construir um ethos coletivo de uma facção
capaz de efetuar as ameaças enunciadas, o que garantiria a sua credibilidade.
Observamos esse pormenor, principalmente, através do uso de verbos na
primeira pessoa do plural do Modo Indicativo, como “iremos”, “somos”, “deixamos”,
bem como do pronome possessivo “nosso(s)” e do pronome oblíquo “nos”. Essas
marcas da modalidade elocutiva, que correspondem ao que Charaudeau (2010)
chama de enunciação da expressão patêmica, podem ser encontradas no excerto
abaixo:

(85) DEIXAMOS BEM CLARO QUE SE CASO VINHEREM A MEXER


COM ALGUM DE NOSSOS PRÉDIOS IREMOS REAGIR A ALTURA,
191

POIS SOMOS MAIS FORTES AINDA NA RUA

É importante ressaltar que o Modo de Organização Enunciativo do Discurso,


conforme foi explicado no capítulo 2, influencia na mise en scène dos demais
Modos, perpassando todo o texto.
Durante o percurso da carta, os argumentos que buscam comprovar a tese de
que a facção está à frente do sistema penal no estado conduzem à conclusão de
que, caso as solicitações da facção criminosa não sejam atendidas, a população do
Rio Grande do Norte poderá sofrer diferentes tipos de atentados. O sujeito
enunciador procura deixar claro que está fazendo um “comunicado” e pretende
“resolver da maneira que vocês autoridades venha nos ouvir”.
A certa altura do texto, o sujeito afirma que irão incendiar ônibus, delegacias,
carros do governo e outros órgãos públicos, mas deixam claro que irão excetuar
escolas e hospitais. Essa tentativa de construção de um ethos de virtude, embora
paradoxal, pois o ethos de desvirtude também é construído, parece ser uma
constante nos discursos de facções criminosas, pois elas afirmam que sua luta é
contra o sistema e a favor dos sujeitos encarcerados, conforme já foi salientado.
Passaremos, agora, para a análise das estratégias de patemização em uma
abordagem microestrutural, levando em conta as escolhas lexicais, já que o teor da
carta procura justamente levar o interpretante a experienciar emoções relativas ao
medo, ao terror e ao desespero. Caso o sujeito interpretante fosse levado a
experienciar essas emoções, a finalidade comunicativa da carta seria atingida, vale
saber, fazer com que os governantes não efetuem a transferência de presidiários
mencionada no texto.
Nessa carta, há uma profícua utilização de diferentes estratégias patêmicas e,
devido a isso, iremos selecionar alguns enunciados específicos para realizarmos
nossa análise. Como podemos perceber, foi utilizada a estratégia emprego de
implícitos, que se configura em uma ameaça:

(86) TEMOS INTEGRANTES DISPOSTOS A CONCLUIR TODOS OS


NOSSOS SALVES

No excerto (86), houve a quebra da máxima de modo (GRICE, 1991 [1968]),


já que o sujeito enunciador se vale do termo “salve” para obscurecer as verdadeiras
192

informações, que devem ser inferidas pelo interpretante. Assim, o sujeito enunciador
faz uso de um enunciado patêmico que depende de determinados imaginários
sociodiscursivos e conhecimentos prévios para que seus sentidos sejam
devidamente apreendidos, afinal, os chamados “salves”, conhecidos como as
solicitações efetuadas por determinadas facções criminosas, podem ser entendidos
como pedidos que serão levados a cabo por outros integrantes do grupo criminoso.
Desse modo, dentre esses pedidos, poderiam estar, inclusive, assassinatos ou
outras solicitações, o que configura o enunciado (86) como uma ameaça direta
implícita.
De acordo com o antropólogo social Mallart (2011, p. 314), o Salve Geral,
particularmente vinculado ao PCC, corresponde a uma “categoria ‘nativa’ que aponta
para a existência de conexões entre áreas urbanas, instituições prisionais e
unidades de internação para adolescentes”, sendo formas de comunicação entre os
membros de uma determinada facção criminosa. No texto em apreço, portanto, se o
sujeito interpretante compartilhar desse conhecimento prévio, poderá perceber que
os sujeitos que ameaçam apresentam contato com pessoas exteriores ao presídio,
que poderiam cumprir as solicitações e ameaças efetuadas.
A ameaça, nesse ínterim, pode ser compreendida como um alerta para um
possível agir por parte da facção. O grupo criminoso é, então, descrito como uma
facção organizada, dotada de integrantes que trabalham em equipe, estratégia
discursiva a partir da qual procuram garantir credibilidade a suas ameaças. Esse
ethos de competência (CHARAUDEAU, 2015 [2005]) é reforçado pelo uso de alguns
termos e expressões formulaicas tipicamente associados ao discurso administrativo
e empresarial, em um processo interdiscursivo, como a própria designação da
facção como “sindicato”, e outras escolhas lexicais, por exemplo: “comunicado”,
“atenciosamente”, “em meio a este comunicado” e “conselho final do SDCRN”. Tais
seleções lexicais permitem inferir que há, entre esses indivíduos, uma estrutura que
se aproxima de uma empresa ou organização.
Notamos, também, a tentativa de utilização de um registro formal do
português brasileiro, apesar de muitos desvios em relação à norma culta, em
diversos níveis gramaticais. A utilização de um registro formal advém da
competência comunicativa dos indivíduos, visto que se trata de um comunicado que
tende a se aproximar do discurso empresarial. Embora a seleção lexical seja oriunda
de um registro mais formal da língua portuguesa do Brasil, observamos a grafia de
193

“perde” em vez de “perder”, “caus” em vez de “caos” e “vinherem” em vez de


“vierem”, para selecionar algumas ocorrências. Tais desvios ortográficos, apesar de
serem sociolinguisticamente explicáveis, já que muitos são ocasionados por
influência da oralidade referente a dado socioleto e/ou dialeto, acabam por
corroborar a imagem negativa de um sujeito delinquente, um ethos relacionado à
criminalidade.
Apesar de essa possível atitude linguística do sujeito interpretante perante os
desvios ortográficos ser baseada no preconceito linguístico, dados do Infopen
(SANTOS, 2017) – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias –
coletados até 2016 revelam que 51% da população encarcerada brasileira apresenta
o ensino fundamental incompleto; 6% foi alfabetizada de forma irregular; 4% é
analfabeta; 14% apresenta ensino fundamental completo; 15% frequentou, mas não
concluiu o ensino médio; e 9% apresenta o ensino médio concluído. Quanto ao
acesso ao nível superior, apenas 1% apresenta curso superior incompleto, e a
porcentagem para aqueles que obtiveram curso superior completo e pós-graduação
consta como 0%. Os dados são relativos a 482.645 presidiários, o que, à época,
correspondia a 70% da população encarcerada no Brasil.
Desse modo, podemos notar que, mesmo sendo motivada por preconceito
linguístico, essa atitude linguística que relaciona desvios da norma culta à identidade
de delinquente, nesse caso específico, pode estar relacionada aos saberes de
conhecimento que dizem respeito ao baixo nível de escolaridade apresentado pela
população encarcerada. Em uma perícia linguística, também seria pertinente
levantar a possibilidade de o sujeito comunicante alterar propositalmente seu
registro, se apresentando como um indivíduo menos letrado como uma forma de
disfarçar a autoria da carta.
Ainda no tocante às estratégias de patemização, além da estratégia emprego
de implícitos, a incidência da estratégia relacionada ao uso de palavras, expressões
e enunciados que designam calamidade também é observada, conforme podemos
observar nos excertos abaixo:

(87) IREMOS CAUSAR UM CAUS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO


NORTE.

(88) DE INICIO VAMOS TOCAR FOGO EM ÔNIBUS DELEGACIAS,


194

CARROS DO GOVERNO TODOS ÓRGÃOS PÚBLICO COM EXEÇÃO


DE ESCOLAS E HOSPITAIS.

Notamos que os usos do termo “caos”, grafado como “caus”, e da expressão


“tocar fogo”, evocando a prática de incêndios criminosos, consistem na estratégia
palavras, expressões e enunciados que designam calamidade e servem como
patemas. Esse recurso possivelmente despertaria emoções relacionadas ao medo
nos sujeitos interpretantes que tivessem acesso à carta de ameaça, sendo que a
visada de captação é corroborada por diversos imaginários sociodiscursivos que
circulam na sociedade brasileira acerca do alto índice de criminalidade encontrado
nos grandes centros urbanos.
No excerto (87), também encontramos a estratégia patêmica princípio de
proximidade ou distanciamento, já que o sujeito enunciador localiza o espaço
geográfico que será alvo de seus ataques: o Estado do Rio Grande do Norte. Ao se
encontrar próximo geograficamente do local dos ataques, é possível que emoções
relativas à insegurança e ao terror sejam experienciadas pelo sujeito interpretante.
No excerto (88), por sua vez, também nos deparamos com a estratégia
enunciados que podem produzir efeitos patemizantes, a partir do momento em que o
sujeito enunciador afirma que irão excluir as escolas e hospitais. Possivelmente essa
estratégia de patemização serviria para levar o sujeito interpretante a experienciar
emoções relativas ao alívio, por exemplo. Nesse processo, o sujeito enunciador
parece ter a intencionalidade de construir para si um ethos de virtude, de alguém
consciente da importância de preservar a vida de crianças e enfermos. Entretanto,
conforme estamos defendendo neste trabalho, esse ethos não é consolidado, não se
mantendo na medida em que o ato de ameaçar não condiz com o que é considerado
virtuoso pela maioria dos membros de nossa comunidade sociodiscursiva.
Estaríamos diante, portanto, de um paradoxo.
Em seguida, a ameaça continua:

(89) [vamos] tomar armas de vigias, matar policiais e agentes


penitenciários até vocês autoridades competentes nos ouvir

Novamente, estamos diante da estratégia de patemização relacionada ao


emprego de palavras, expressões e enunciados que designam calamidade, pois um
195

verdadeiro terror é planejado pela facção criminosa que assina a carta. Através de
descrições das ações futuras dos membros da facção, é possível vislumbrar um
quadro de guerra que poderá ser instaurado caso as condições impostas pelos
sujeitos que ameaçam não sejam atendidas. Parte dessas condições é expressa, no
enunciado (89), através da estratégia expressões modalizadoras, já que o operador
argumentativo “até”, apontando para um limite, denota que as ações contra a
segurança pública continuarão enquanto os governantes não ouvirem e atenderem
as condições impostas pela facção.
Em trabalho anterior, ao nos debruçarmos sobre um comunicado divulgado
pelo Primeiro Comando da Capital em uma emissora de televisão, percebemos que
diversas estratégias de patemização foram elencadas pelo sujeito enunciador.
Dentre elas, o princípio de avaliação, através do qual os sujeitos avaliam o sistema
penal brasileiro como falido e desrespeitoso, pois:

[...] de acordo com o sujeito argumentante, os presidiários têm seus direitos


humanos violados nas penitenciárias, sendo ‘jogados’ em um ‘depósito’
‘como se fossem animais’. Esses argumentos patêmicos e avaliativos [...]
indicam a intenção do sujeito que discursa de despertar emoções
relacionadas à piedade e à pena nos sujeitos destinatários, já que
posicionam os sentenciados em uma condição sub-humana, bestializada.
Os criminosos, no entanto, deixam claro que a luta deles não é contra a
sociedade, mas contra os governantes e policiais (SILVA, 2017a, p.31).

Conforme pode ser visto por meio da citação acima, embora os textos sejam
de gêneros discursivos diferentes, produzidos por facções criminosas distintas,
ambos procuram legitimar a luta pelos direitos dos presidiários. Essa construção
identitária por parte das instâncias de produção instaura uma posição antagônica em
relação ao governo, mas não em relação à sociedade civil, o que parece ser também
uma constante nos discursos divulgados por essas facções.
Passaremos, em seguida, à análise da segunda carta de ameaça contra a
segurança pública, também escrita por um sujeito que se posiciona como criminoso,
pois se afilia a uma facção37:

Texto VIX – sujeito que se posiciona como criminoso: ameaça contra


a segurança pública no Estado do Ceará

37
A carta pode ser encontrada nos anexos sob o título Texto 24: Carta dos Guardiões do Estado.
196

GUARDIÕES DO ESTADO
AVISO PARA GOVERNO CORRUPTOS SE MEXER COM AS
UNIDADES PRISIONAIS IGUAL ESTÃO FAZENDO IREMOS PARAR O
ESTADO DO CEARÁ E EXPRODIR A SECRETARIA DE SEGURANÇA E
AQUELE AVISO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CARRO BOMBAS
VAMOS FAZER VALER DESSA VEZ. GOVERNO CORRUPTOS PAREM
AGORA OU CEARÁ IRA VIVER UM MÊS DE TERROR ATENTADOS E
EXPLOSÕES NOS PRÉDIOS PUBLICOS TODOS INOCENTES
MORTOS SERÃO GOVERNO RESPOSABILIZADOS POIS IREMOS
ATACAR OS ORGÃOES PÚBLICOS E PARA O ESTADO AQUELES
FUNCIONARIOS PUBLICOS DO GOVERNO QUE NÃO SAIAM DE
SUAS CASAS POIS PODERAM SOFRER NESSA GUERRA CONTRA O
GOVERNO ACASO NOSSA ORDEM NÃO SEJA ACATADO

QUEREMOS TRANSFERÊNCIA DE MEDIATO DA CPPL2 OU TIRA OU


NÃO VAI PARA OS ATAQUES!

GDE745

O texto acima foi assinado pela facção criminosa atuante no Estado do Ceará
conhecida como Guardiões do Estado. Na carta, datada de abril de 2017, os sujeitos
enunciadores assumem autorias de ataques contra a segurança pública.
Novamente, deparamo-nos com condições exigidas pela facção criminosa que, caso
não sejam atendidas, levarão à execução das atitudes ameaçadas. Não se
evidencia uma tese explicitada verbalmente, entretanto, a partir de uma análise
macroestrutural, é possível perceber que os sujeitos defendem a tese de que “o
governo corrupto não deve interferir nas unidades prisionais”.
Durante o percurso argumentativo do texto, os sujeitos elencam uma série de
ameaças, chamadas por eles de aviso e reinvidicações. Tais ameaças são utilizadas
como argumentos que buscam comprovar a tese. Desta feita, “o governo corrupto
não deve interferir nas unidades prisionais”, pois o Estado do Ceará pode parar
devido aos ataques da facção.
Assim, valendo-nos de uma abordagem analítica macroestrutural, notamos
que o texto se organiza predominantemente tomando por base o Modo de
197

Organização Argumentativo do Discurso. Todos os argumentos apresentados


orientam para a conclusão de que, ao serem observadas as condições expressas
pela facção criminosa, as ameaças não seriam consolidadas, sendo cessados os
ataques. Apesar de ser classificada como um “aviso”, a carta tem a finalidade de
amedrontar, de ameaçar o governo e, por extensão, toda a população cearense, ou
seja, trata-se de outro ato de fala com outra força ilocucionária: ameaça, não aviso.
Pelo fato de o dispositivo comunicativo, uma carta de ameaça, bem como o
conteúdo proposicional possibilitarem o despertar de diferentes emoções no sujeito
interpretante, dentre os argumentos apresentados pelo sujeito enunciador, iremos
nos pautar, principalmente, sobre as estratégias de patemização apresentadas por
ele no texto acima. Passando a uma abordagem microestrutural, observemos o
primeiro excerto:

(90) se mexer com as unidades prisionais igual estão fazendo iremos


parar o estado do Ceará e exprodir a secretaria de segurança

O enunciado (90) foi construído a partir de um racionício lógico de causa e


consequência relacionado ao que Charaudeau (2008) chama de dedução
condicional. Lançando mão da estratégia de patemização expressões
modalizadoras, observada pelo uso do operador argumentativo “se”, que veicula um
sentido condicional, o sujeito enunciador apresenta a condição que deverá ser
obedecida por seu destinatário, chamado de governo corrupto, um uso da estratégia
patêmica do princípio de avaliação. Isto é, caso o governo continue a contrariar a
facção, informação pressuposta a partir da expressão “igual estão fazendo”, a facção
irá praticar atos contra a segurança pública no Estado do Ceará.
O argumento através do qual são expressos tais atos, presentes na oração
condicionada acima, diz respeito ao uso da estratégia patêmica relacionada ao uso
de palavras, expressões e enunciados que designam calamidade. É possível que o
sujeito interpretante da carta, sendo ou não o destinatário efetivo, experiencie
emoções relativas ao medo, terror e desespero ao se deparar com tais enunciados.
Ao serem tomados por essas emoções, que consistem em um possível efeito
perlocucionário experienciado a partir desses argumentos, é provável que o sujeito
interpretante se torne mais inclinado a aceitar a tese defendida. Dessa maneira, ao
ser tomado pelo medo e pelo desespero, o sujeito interpretante poderá concluir que,
198

se os sujeitos que ameaçam podem fazer tanto mal à sociedade, é melhor que o
governo não interfira nas unidades prisionais.
A seguir, as ameaças, que ocupam grande parte da extensão do texto,
continuam:

(91) parem agora ou o Ceará ira viver um mês de terror atentados e


explosões nos prédios publicos

Novamente, estamos diante de um raciocínio lógico do tipo causa e


consequência que expressa a condição que deverá ser atendida, vale saber, “parem
agora”. Através do operador argumentativo “ou”, que introduz um argumento
alternativo (KOCH, 2015 [1993]), o sujeito enunciador orienta para a conclusão a
seguir: se a condição não for atendida, então o Ceará irá viver um mês de terror,
com atentados e explosões em prédios públicos. A explicitação do nome do Estado,
por ser uma localização geográfica específica, foi classificada como um emprego da
estratégia de patemização princípio de proximidade ou distanciamento, pois se um
atentado contra a segurança pública é passível de acontecer mais perto do sujeito
interpretante, emoções mais fortes tenderão a ser experienciadas.
Apesar de encontrarmos o operador argumentativo “ou”, bem como uma
palavra que descreve de modo transparente uma emoção (GOUVÊA, 2017), “terror”,
optamos por classificar essa estratégia de patemização como um uso de palavras,
expressões ou enunciados que designam calamidade. Afinal, a visada discursiva
principal parece ser a de levar o sujeito interpretante a experienciar emoções
relativas ao medo e ao terror a partir da verbalização dos atentados e explosões que
poderão atingir o Estado.
A seguir, encontramos outra estratégia que merece destaque:

(92) [...] aqueles funcionarios publicos do governo que não saiam de suas
casas pois poderam sofrer nessa guerra contra o governo

No excerto (92), a nomeação “nessa guerra contra o governo” foi classificada


como um emprego da estratégia palavras ou expressões que desencadeiam
emoção, já que essa nomeação, apesar de subjetiva, não depende unicamente do
dispositivo comunicativo ou da situação de comunicação para que seus efeitos
199

patemizantes sejam produzidos. Ao contrário, o vocábulo “guerra” por si já apresenta


alto teor patêmico e, por isso, uma “guerra contra o governo”, a depender sempre
dos imaginários sociodiscursivos apresentados pelo sujeito interpretante, apresenta
ampla capacidade de gerar, por exemplo, um sentimento de medo, de terror e de
insegurança no sujeito interpretante da carta.
Faz-se oportuno observar que o acontecimento no mundo real, o mundo a
significar, corresponde a fatos e ações efetuadas tanto pela facção criminosa quanto
pelo governo, por meio das instituições jurídicas e policiais. Entretanto, a partir dos
processos de transação e de transformação, já apresentados no capítulo 2, esse
mundo que pré-existe ao discurso passa a ser um mundo significado, não sem antes
sofrer alterações pelo ponto de vista subjetivo do sujeito que enuncia.
Isso quer dizer que os mesmos incidentes do mundo real (mundo a significar),
quando significados através do discurso, serão apresentados de modos diferentes
por diferentes sujeitos, em diferentes posições ideológicas e formações discursivas.
No caso em apreço, a luta entre o crime e a lei aparece nomeada de “guerra contra
o governo”, correspondendo a um posicionamento subjetivo e ideológico por parte
do sujeito enunciador, posicionamento dependente de suas próprias vivências,
valores e identidades.
O último excerto analisado é aquele com o qual a carta se encerra:

(93) [...] queremos transferência de imediato da CPPL2 ou tira ou não vai


para os ataques!

Neste enunciado, através do uso da estratégia expressões modalizadoras, já


que a orientação argumentativa gira em torno da oposição expressa pelo operador
argumentativo “ou”, o sujeito enunciador deixa claro, novamente, que, caso a
condição não seja atendida – vale lembrar, a transferência imediata da CPPL2 –, os
ataques não cessarão. CPPL2 é a sigla para a Casa de Privação Provisória de
Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL) II, em Itaitinga, no Estado do Ceará.
Pelo fato de essa ameaça ser pautada, principalmente, sobre a oposição
expressa pelo operador argumentativo “ou”, a classificamos como um uso da
estratégia de patemização expressões modalizadoras, cujo emprego é capaz de
levar o sujeito interpretante a experienciar emoções diversas, a depender de seu
universo de crença. Assim, um sujeito interpretante poderia vir a experienciar um
200

sentimento de medo, pois a transferência não seria realizada, enquanto outro


poderia ser levado a experienciar um sentimento de alívio, acreditando que bastaria
a transferência para que os ataques não ocorressem.
No texto em apreço, notamos que as ameaças veiculadas apresentam
determinadas escolhas lexicais que procuram demonstrar a força da facção
criminosa, como “explosões”, “carro bomba”, “atentado”, o que aproxima o teor do
texto às ações de grupos terroristas e extremistas. Além da escolha lexical, a
organização de algumas ameaças, pautadas em uma relação lógica de causa e
consequência, asseveram o poder que a facção julga apresentar. Assim, o sujeito
enunciador oferece uma escolha aos governantes, os sujeitos destinatários,
entretanto, caso a ação escolhida não seja favorável à facção, as ameaças poderão
se concretizar. Com isso, os sujeitos argumentantes procuram aderir credibilidade
aos seus argumentos e ameaças, construindo, no processo, um ethos de potência,
de alguém que pode e vai agir contra a segurança pública.
Notamos que, mesmo afirmando que os inocentes mortos serão
responsabilidade do governo, os sujeitos enunciadores alertam os funcionários
públicos para que não saiam de suas casas, pois poderão ser vítimas dos ataques.
Isto é, novamente, o crime organizado procura se mostrar contra o governo, mas
não contra a população. Conforme foi visto anteriormente, tal posicionamento parece
ser uma constante nos discursos divulgados por facções criminosas, como o
Primeiro Comando da Capital, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte e,
agora, também percebido no texto veiculado pela facção Guardiões do Estado. Esse
posicionamento parece ser uma tentativa de construção de legitimidade por parte
dos membros dessa facção, já que eles afirmam que sua luta é contra o sistema
opressor e contra os “políticos corruptos”.
Ao final da carta, observamos a assinatura com a sigla GDE seguida do
número 745 que, segundo o site do jornal Brasil de Fato38, diz respeito à posição, no
alfabeto, de cada letra da sigla. O uso de números correspondendo à posição de
cada letra é um recurso bastante utilizado pelas facções como um código em
mensagens criptografadas.
A seguir, trazemos o último texto analisado por meio de uma abordagem
qualitativa. Trata-se de uma carta de ameaça classificada como ameaça indefinida,

38
Disponível em <https://www.brasildefato.com.br/2017/04/21/faccao-queima-onibus-ataca-bancos-e-
delegacias-em-fortaleza/>. Acesso em 08 jan. 2018.
201

pois observamos implicitamente que uma sanção negativa poderá ocorrer,


entretanto, essa sanção não pode ser recuperada a partir do texto39:

Texto X – sujeito que se posiciona como criminoso: ameaça com


lista de reinvidicações de presidiários

- Queremos a presença do superintendente sr. José Carlos


- O Juíz desta comarca
- Direitos Humanos
- A imprensa local, aqui nas dependências da Penitenciária, para
podermos conversar, à respeito das nossas reinvindicações.
- A transferência de alguns reeducandos para Penitenciária central do
Estado.
- À respeito dos reeducandos que se encontrão no direito à progressão de
regime.
- Se entrar, estamos com 6 refens, os passarinhos da diretora, estão
todos amarados.

A carta acima foi entregue a jornalistas durante um motim de indivíduos


encarcerados em uma penitenciária do Mato Grosso do Sul, no ano de 2012. Nela,
notamos que uma série de exigências é feita por parte do sujeito enunciador, que se
posiciona como um dos presidiários. Não há, novamente, uma tese verbalizada e o
texto se apresenta quase predominantemente como uma lista de desejos, o que
deixa transparecer uma organização prototípica do Modo de Organização Descritivo
do Discurso. O texto, entretanto, apresenta uma dimensão argumentativa, pois se
constroi, em algumas ocasiões, como explicitamente argumentativo, já que “a
argumentação pode revestir-se de aspectos variados” (AMOSSY, 2018, p. 43).
Assim, percebemos que a organização descritiva em forma de lista auxilia no projeto
argumentativo do texto.
Ao levarmos em conta o conteúdo temático da carta em apreço, em uma
abordagem macroestrutural, notamos a defesa de um ponto de vista relativo ao fato

39
O texto pode ser encontrado nos anexos sob o título Texto 4: Carta de ameaça com lista de
reinvidicações de presidiários.
202

de que os indivíduos encarcerados detêm algumas reinvidicações e querem


apresentá-las às autoridades. Nota-se, portanto, uma tese velada que corresponde
a: “temos reinvidicações importantes e faremos o possível para que elas sejam
atendidas”. O interesse extremo em ter as exigências observadas é percebido pelo
fato de o sujeito, não estando em uma posição legitimada para exigir algo, fazer uso
da estratégia de captação, visando a despertar emoções relativas ao medo no
sujeito interpretante, visto que ameaça alguns reféns.
Ao elencar uma série de exigências rotuladas como reivindicações, o sujeito
enunciador endossa a visada argumentativa do texto, já que são esses os efeitos
perlocucionários que ele pretende despertar em seu destinatário: fazer-sentir para
fazer-fazer. Desta feita, se seu projeto argumentativo fosse bem executado e
cumprisse os objetivos da situação de comunicação, vale saber, amedontrar o
interlocutor, levando-o a aderir à tese apresentada, possivelmente este cumpriria as
exigências listadas.
Devemos perceber, portanto, que a listagem também adere
argumentatividade ao texto, de modo que as reinvidicações servem para comprovar
a tese de que os sujeitos farão o possível para terem suas exigências ouvidas. As
primeiras exigências encontram-se nos excertos (94) e (95) a seguir, a partir das
quais passaremos a empreender uma abordagem analítica microestrutural,
salientando as estratégias de patemização empregadas:

(94) Queremos a presença do superintendente sr. José Carlos

(95) O Juiz desta comarca

Os dois enunciados fazem referência a indivíduos cuja presença o sujeito


enunciador deseja, valor expresso pelo verbo “querer”. Esses enunciados, que se
configuram no uso da estratégia de patemização enunciados que podem produzir
efeitos patemizantes, apresentam uma possível capacidade patêmica, pois, a partir
do dispositivo comunicativo da carta de ameaça e da temática evocada, é possível
que o sujeito interpretante sinta receio pelos indivíduos convocados. Além disso, a
depender, como sempre, do universo de crença do sujeito interpretante, este pode
ser levado a experienciar um sentimento de indignação, por não entender que os
sujeitos encarcerados estejam em uma posição legítima para fazer exigências.
203

Na medida em que esses sujeitos não apresentam a legitimidade necessária


para que suas exigências sejam atendidas, eles se valem da ameaça, do
argumentum ad baculum, que apela para a força. Conforme explica Charaudeau
(2004), trata-se de uma visada de incitação: o eu quer “mandar fazer”, mas não está
em posição de autoridade e, por isso, ele só pode “incitar a fazer”. O eu deve, então,
“‘fazer acreditar’ (por persuasão ou sedução) ao tu que ele será o beneficiário de seu
próprio ato; tu está, então, em posição de ‘dever acreditar’ que, se age, é para o seu
bem” (CHARAUDEAU, 2004, p. 06).
Em seguida, o sujeito enunciador continua com suas exigências:

(96) Direitos Humanos

Neste excerto, o sujeito que argumenta exige a presença de representantes


dos Direitos Humanos. Classificamos esse enunciado como um uso da estratégia de
patemização palavras ou expressões que desencadeiam emoção, afinal, os Direitos
Humanos são preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada
pela Organização das Nações Unidas – ONU. Por Direitos Humanos, entendem-se
os direitos básicos que garantem uma vida digna a todas as pessoas pelo simples
fato de serem humanas, de existirem enquanto cidadãos, como o direito à
alimentação, saúde, moradia, liberdade e educação.
Ao evocar esses direitos básicos, o sujeito enunciador procura levar o
destinatário a experienciar sentimentos de empatia, piedade, caso seja partidário da
equidade dos direitos. Trata-se, portanto, de um tipo de argumento conhecido na
tradição retórica como o argumentum ad misericordiam, através do qual o orador
apela para a pena possivelmente despertada no interlocutor.
Se algum sujeito interpretante, entretanto, não concordar que os
encarcerados sejam resguardados pelos Direitos Humanos, esse sujeito
interpretante pode experienciar emoções relacionadas à indignação, por exemplo.
Novamente, são os imaginários sociodiscursivos que embasam o despertar de uma
ou outra emoção, pois, ao ser confrontado com um enunciado patemizante, “o
sujeito mobiliza uma ou várias das redes inferenciais propostas pelos universos de
crença disponíveis na situação onde ele se encontra, o que é susceptível de
desencadear nele um estado emocional” (CHARAUDEAU, 2010, p. 30). As crenças,
entretanto, dizem respeito aos valores compartilhados entre o sujeito e sua
204

comunidade sociodiscursiva, o que permite que cada indivíduo, a depender de suas


próprias vivências, apresente um conjunto individual de valores.
Dando sequência às reivindicações, exigindo as transferências de alguns
encarcerados, o sujeito enunciador faz uso do termo “reeducandos”. Trata-se do uso
da estratégia patêmica princípio de avaliação. Através dessa qualificação, o sujeito
enunciador não identifica a si e aos outros como encarcerados, presidiários, mas
como reeducandos, indivíduos que estão passando por um novo processo de
educação, talvez, visando a retornar à sociedade e recomeçar sua vida. Esse ethos,
entretanto, não se preserva, pois, ao final da carta, deparamo-nos com a ameaça
propriamente dita:

(97) se entrar, estamos com 6 reféns, os passarinhos da diretora, estão


todos amarrados.

O enunciado (97) acima também se pauta sobre a relação lógica se X, então


Y, chamada por Charaudeau (2008) de dedução condicional. Através desse
raciocínio, é compreendido que a condição expressa pelo operador argumentativo
“se” deve ser observada, mas, caso não seja, uma consequência poderá ser gerada.
Assim, o argumento acima é fundamentado pelo seguinte raciocínio: não queremos
que vocês entrem, mas se entrarem, então os passarinhos da diretora, que estão
incapacitados, poderão sofrer por isso.
Notamos, novamente, que a ameaça é pautada sobre o uso da estratégia
expressões modalizadoras, na oração condicionante iniciada pelo operador
argumentativo “se”. A oração condicionada, entretanto, diz respeito ao uso da
estratégia de patemização emprego de implícitos, pois há ali uma lacuna, um não
dito [Ø] que deve ser entendido pelo sujeito interpretante da carta a partir das
inferências efetuadas durante a leitura. Há, no enunciado (97), a quebra da máxima
da quantidade (GRICE, 1991 [1968]), pois o sujeito enunciador não fornece
informações suficientes, prejudicando a interação, ou seja, não afirma o que pode
acontecer com os reféns, deixando os sentidos implícitos a cargo do sujeito
interpretante.
Com isso, cabe ao sujeito interpretante cooperar, procurando restaurar o
equilíbrio da interação ao inferir que algo ruim pode acometer os reféns. Assim, ao
dizer que os encarcerados estão em posse de seis reféns, chamados de
205

“passarinhos da diretora”, que se encontram amarrados, é deixado claro que uma


sanção negativa pode ser imposta a esses reféns, caso a força militar entre no
presídio. Dentre os sentidos possíveis de serem desvelados, podemos elencar: (i) os
reféns podem ser mortos; (ii) os reféns podem ser espancados; (iii) os reféns podem
ser torturados, dentre outras possibilidades.
Reiteramos que o enunciado (97) corresponde a uma ameaça passível de
tipificação pelo Código Penal. Apesar de a sanção negativa não ser explicitada,
dado o conteúdo temático da carta, é possível perceber que um mal injusto ou grave
será imposto aos reféns, que se encontram amarrados. Dessa forma, a condição
essencial para que o ato de fala seja considerado uma ameaça, no caso, a sanção
negativa, está presente, mesmo que de forma implícita.
Como pode ser observado, o recurso a uma ameaça implícita é pouco usual
em cartas de ameaça de sujeitos que se posicionam como criminosos, sendo que,
nesses textos, o sujeito enunciador prefere deixar claras as sanções negativas que a
não observação de suas condições poderá gerar. Quando se trata de ameaças
explícitas, portanto, observamos o uso da estratégia palavras, expressões e
enunciados que designam calamidade.
Essa característica distancia os dois grupos de cartas de ameaça analisados
nesta pesquisa. Enquanto as ameaças implícitas são raras no grupo de cartas
escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos, que preferem não deixar
dúvidas acerca das sanções negativas que possivelmente recairão sobre o
destinatário da carta ou outros indivíduos, no grupo de cartas escritas por sujeitos
que não se posicionam como criminosos, ocorre justamente o contrário.
Desse modo, no grupo de cartas escritas por sujeitos que não se posicionam
como criminosos, os enunciadores procuram preservar sua face, construindo para si
determinados ethé discursivos com o objetivo de se distanciar da identidade de
delinquentes. Observamos, assim, uma recorrência maior de ameaças implícitas.
Nas cartas escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos, por sua vez,
notamos a predominância de ameaças pautadas sobre a estratégia relacionada a
palavras, expressões e enunciados que designam calamidade. Essa comparação,
em números, pode ser encontrada na próxima seção.
Apresentada, portanto, a análise qualitativa das dez cartas selecionadas,
passaremos, agora, à análise quantitativa, na qual discorreremos acerca dos dados
obtidos a partir da quantificação de marcas enunciativas e estratégias patemizantes
206

nas cinquenta cartas de ameaça que compõem o nosso corpus. Para isso,
apresentaremos alguns gráficos demonstrativos que confirmam completamente ou
parcialmente algumas das hipóteses aventadas neste trabalho, já que nenhuma
delas foi refutada.

4.2 ESTRATÉGIAS DE PATEMIZAÇÃO EM CARTAS DE AMEAÇA: ANÁLISE


QUANTITATIVA

Aliada à análise qualitativa procedida no item anterior, de natureza mais


exaustiva e pormenorizada, apresentaremos, nesta seção, a análise quantitativa,
que fornece as bases comprobatórias daquilo que procuramos demonstrar a partir
das hipóteses anteriormente levantadas. Assim, de modo a comprovar nossas
hipóteses, realizamos a contagem de determinadas variáveis – marcas de
enunciação e estratégias de patemização – encontradas no corpus de análise. Após
o rastreio dessas variáveis, foram elaborados gráficos e tabelas para que os dados
fossem mais bem apresentados.
É importante ressaltar que, apesar de lançarmos mão de uma abordagem
quantitativa, não estamos no terreno das ciências exatas. Se os dados aqui
apresentados forem questionados por outro pesquisador e, caso este resolva
replicar a metodologia seguida nesta investigação, como preconiza o método
científico de cunho positivista, é possível que se chegue a um número diferente de
estratégias utilizadas. Isso se deve ao fato de que, como bem salienta Gouvêa
(2002, p. 75), “os argumentos não são elementos tão definidos que possam ser
contados com a precisão com que se contam laranjas, por exemplo”.
Desta feita, enquanto, por vezes, classificamos um enunciado sob a
estratégia X, outro pesquisador poderia ser levado a interpretá-la como um emprego
da estratégia Y, o que desencadearia uma leve alteração, para mais ou para menos,
nos resultados numéricos. Apesar dessa possível diferenciação, contudo,
acreditamos que os resultados gerais, levando-se em conta as recorrências totais
das estratégias de patemização em uma abordagem comparativa, não serão
prejudicados.
É importante frisar que ambas as abordagens de análise – qualitativa e
quantitativa – foram descritas sistematicamente no capítulo 4. Passemos, portanto, à
207

apresentação dos resultados quantitativos.

4.2.1 Contabilização: tipos de ameaça

Nesta investigação, elencamos quatro tipos diferentes de classificação para o


ato de fala de ameaça, levando em conta o fato de a sanção negativa vir de forma
implícita ou explícita. Além disso, levou-se em consideração também o fato de haver
ou não uma condição marcada de forma linguística no enunciado. Essa classificação
se deu de modo a efetivarmos o primeiro objetivo delineado, vale lembrar: descrever
o funcionamento do ato de fala de ameaça em língua portuguesa, verificando os
sentidos explícitos e implícitos que dele emergem.
A partir das características observadas, é possível encontrar, portanto,
ameaças classificadas como diretas explícitas, portanto não condicionais; diretas
implícitas, também não condicionais, e condicionais explícitas ou condicionais
implícitas. Nestas últimas, encontra-se a condição que deverá ser observada pelo
sujeito interpretante da ameaça, podendo haver uma sanção negativa implícita ou
explícita.
Em relação ao número de ocorrências de cada tipo de ameaça observado em
nosso corpus, chegamos aos seguintes dados:

Tipo de ameaça Não criminosos Criminosos


Direta explícita 25 14
Direta implícita 40 08
Condicional explícita 04 17
Condicional implícita 07 06
nTotal 76 49
Tabela 01: Tipos de ameaça por número de ocorrência

Notamos, na tabela acima, que ocorreram mais ameaças no conjunto de


textos relativos aos sujeitos que não se posicionam como criminosos (76 oc.), do
que no conjunto de textos dos sujeitos que se posicionam como criminosos (49 oc.).
Fazendo uma média entre o número de ameaças efetivadas e o número de cartas –
vale lembrar, 25 cartas em cada grupo –, obtivemos os seguintes dados: 3 ameaças,
em média, por carta pertencente ao grupo dos sujeitos que não se posicionam como
208

criminosos; e 2 ameaças, em média, por carta pertencente ao grupo dos sujeitos


que se posicionam como criminosos.
Procurando apresentar de forma mais clara o conteúdo da tabela acima,
podemos recorrer à constituição de gráficos diferentes: o primeiro correspondendo
ao conteúdo da primeira coluna, que diz respeito ao grupo de cartas de sujeitos que
não se posicionam como criminosos; e o segundo gráfico correspondendo à
segunda coluna:

Condicional Não criminosos


Condicional implícita
explícita 9%
5%
Direta
explícita
33%
Direta
implícita
53%

Gráfico 01: Tipos de ameaça – sujeitos que não se posicionam como criminosos

Condicional
Criminosos
implícita
13%

Direta
explícita
31%
Condicional
explícita Direta
38% implícita
18%

Gráfico 02: Tipos de ameaça – sujeitos que se posicionam como criminosos

Nossos dados demonstram que há uma frequência maior de ameaças diretas


209

implícitas nas cartas escritas por sujeitos que não se posicionam como criminosos,
correspondendo a 53% do universo total da amostra. Conforme observamos, esses
sujeitos constroem para si ethé discursivos diversos, mas não se posicionam como
delinquentes, procurando preservar sua face. Dessa forma, podemos asseverar que
a nossa hipótese de número 01, vale lembrar, “a ameaça verbal ocorreria de modo
explícito ou implícito a depender do tipo de ameaça” foi comprovada.
Esses resultados também ajudam a comprovar nossa hipótese de número 04,
vale lembrar, a estratégia de patemização emprego de implícitos seria mais
recorrente nas cartas dos sujeitos que não se posicionam como criminosos.
Notamos, levando em conta tanto as ameaças efetivadas através de uma
construção condicional, quanto aquelas não efetivadas de modo condicional, 62% de
uso (47 oc.) de ameaças implícitas nas cartas dos sujeitos que não se posicionam
como criminosos, contra 31% de uso (14 oc.) de ameaças implícitas nas cartas dos
sujeitos que se posicionam como criminosos.
Devido a isso, após percebermos a contribuição desses dados para
confirmarmos as hipóteses de número 01 e 04, podemos afirmar que a primeira
parte da nossa hipótese básica foi constatada, a saber: a ameaça verbal em língua
portuguesa ocorreria como conteúdo explícito ou implícito. A segunda parte da
hipótese básica diz respeito ao fato de a força perlocucionária da ameaça ser
pretendida de se alcançar através de diferentes estratégias de patemização.
Procuraremos comprovar essa segunda parte da hipótese básica a seguir.

4.2.2 Contabilização: comportamento enunciativo e estratégias de patemização

Dando prosseguimento à aferição de nossas hipóteses, vale lembrar que, na


hipótese de número 02, foi aventada a possibilidade de a modalidade alocutiva do
Modo de Organização Enunciativo do Discurso ser a predominante nas cartas de
ameaça. Para a comprovação ou refutação dessa hipótese, procuramos cumprir o
segundo objetivo específico apresentado na Introdução, a saber: analisar o
comportamento enunciativo dos locutores, buscando encontrar o mais recorrente.
Após a contagem dos enunciados relativos a cada um dos comportamentos
enunciativos, percebemos que, no conjunto de textos relativos aos sujeitos que não
se posicionam como criminosos, a maior taxa de ocorrência foi registrada pelo
comportamento alocutivo do Modo de Organização Enunciativo do Discurso: 46% do
210

total (255 oc. em um universo de 556 registros):

Não criminosos

Delocutivo Elocutivo
24% 30%

Alocutivo
46%

Gráfico 03: Comportamento enunciativo do grupo de sujeitos que não se posiciona como criminosos

Por sua vez, o conjunto de textos relativos aos sujeitos que se posicionam
como criminosos, contrariando a hipótese, apresentou o comportamento alocutivo
em número menor de vezes, correspondendo a 35% do total (128 oc. em um
universo de 369 registros):

Criminosos

Delocutivo
25% Elocutivo
40%
Alocutivo
35%

Gráfico 04: Comportamento enunciativo do grupo de sujeitos que se posiciona como criminosos

Como pode ser notado, o comportamento enunciativo ligeiramente mais


recorrente no grupo de cartas escritas por sujeitos que se posicionam como
criminosos foi o elocutivo, correspondendo a 40% do total (147 oc.). Desse modo,
nossa hipótese foi comprovada apenas parcialmente.
Os números indicam que, nos textos escritos por sujeitos que não se
posicionam como criminosos, há uma maior preocupação em relação à interpelação
211

do interlocutor. Assim, o sujeito enunciador se dirige ao sujeito destinatário


frequentemente, deixando claro que suas ameaças são consequências de ações
efetuadas ou não efetuadas pelo interlocutor e que sanções negativas poderão ser
impostas a ele.
Por sua vez, o elocutivo foi o comportamento predominante no grupo de
textos escritos por sujeitos que se posicionam como criminosos. Acreditamos que
essa constatação se deve ao fato de, aparentemente, os sujeitos necessitarem de
se legitimar constantemente no discurso, marcando sua identidade, seja de modo
individual, seja como integrante de um grupo ou facção. Essa marca deixada pelo
sujeito no discurso parece garantir sua legitimidade, de modo que sua ameaça seja
mais credível, o que facilitaria a finalidade comunicativa, vale saber, a captação do
sujeito destinatário.
A partir da hipótese de número 03, começamos a aventar possibilidades
acerca do uso das estratégias de patemização.
Na hipótese de número 03, postulamos que as ameaças condicionais
iniciadas pelo operador argumentativo se, veiculadas pela estratégia de patemização
expressões modalizadoras, apresentariam maior recorrência nas cartas dos sujeitos
que se posicionam como criminosos.
A hipótese de número 04, por sua vez, dizia que a estratégia de patemização
relacionada ao emprego de implícitos seria mais recorrente nas cartas dos sujeitos
que não se posicionam como criminosos. Essa hipótese foi aventada por
acreditarmos que os sujeitos que não se posicionam como criminosos seriam mais
cautelosos quanto às suas ameaças, fazendo constantes usos de implícitos.
Por fim, a hipótese de número 05 postulou que a estratégia de patemização
palavras, expressões e enunciados que designam calamidade teria um mais alto
índice de ocorrência nas cartas dos sujeitos que se posicionam como criminosos.
Conforme explicamos na Introdução, devido à situação de comunicação aqui
analisada, seria pertinente supor que essa estratégia de patemização se mostrasse
bastante produtiva nesse grupo de textos, visto que os sujeitos pretendem não
deixar dúvidas quanto ao que pode ocorrer caso suas exigências não sejam
atendidas. Novamente, a hipótese foi levantada tomando-se como partida a natureza
do contrato de comunicação das cartas de ameaça.
Para comprovar ou refutar as hipóteses acima apresentadas, baseamo-nos
em alguns objetivos específicos que foram realizados, a saber: contabilizar,
212

descrever e analisar, comparativamente, os usos das diferentes estratégias de


patemização nas cartas de ameaça.
A partir da leitura dos gráficos a seguir, será possível apresentar os
resultados concernentes às hipóteses de número 03, 04 e 05. Conforme vimos
anteriormente, a hipótese de número 04 já foi parcialmente comprovada, entretanto,
havíamos analisado apenas os enunciados de ameaça. Agora, porém, efetivamos a
análise referente aos textos integrais das cartas.
Os gráficos apresentam, em porcentagem, as estratégias de patemização
empregadas nos dois conjuntos de textos que formam o nosso corpus. O universo
total da amostra corresponde a 649 patemas nas cartas dos sujeitos que não se
posicionam como criminosos, apresentando a média de 26 estratégias de
patemização por carta; e 484 patemas nas cartas dos sujeitos que se posicionam
como criminosos, o que corresponde à média de 19 estratégias por carta. Essa
diferenciação se deu pelo tamanho total dos textos:

Estratégias de patemização - Não Criminosos


Palavras/expressões que desencadeiam
emoção
Expressões modalizadoras

Princípio de avaliação
9% 7%
Enunciados que podem produzir efeitos
10% 14%
patemizantes
6% Princípio da classificação, enumeração
1%
ou quantidade
1% 16%
7% Princípio de proximidade ou
distanciamento
5%
Palavras que descrevem de modo
24% transparente emoções
Topoi

Palavras que designam calamidade

Emprego de Implícitos

Palavras de Calão

Gráfico 05: Emprego de estratégias de patemização no grupo de sujeitos que não se posiciona como
criminosos
213

Estratégias de patemização - Criminosos


Palavras/expressões que desencadeiam
emoção
Expressões modalizadoras
3% 2% Princípio de avaliação
0%
1% 10% 18% Enunciados que podem produzir efeitos
7% patemizantes
Princípio da classificação, enumeração
3% 17% ou quantidade
Princípio de proximidade ou
distanciamento
28% 11% Palavras que descrevem de modo
transparente emoções
Topoi

Palavras que designam calamidade

Emprego de Implícitos

Palavras de Calão

Gráfico 06: Emprego de estratégias de patemização no grupo de sujeitos que se posiciona como
criminosos

A partir dos dados expostos nos gráficos, podemos perceber que a estratégia
de patemização enunciados que podem produzir efeitos patemizantes foi a mais
recorrente nos dois grupos de cartas. Notamos a proporção de 24% (155 oc.) no
grupo de textos escritos por sujeitos que não se identificam como criminosos, contra
28% (135 oc.) no grupo de textos escritos por sujeitos que se identificam como
criminosos.
Apesar desse alto índice de ocorrência, acreditamos que tal valor foi obtido
pelo fato de o dispositivo comunicativo – carta de ameaça –, bem como as temáticas
evocadas – morte, agressão, assassinato – proporcionarem a ocorrência de
enunciados patemizantes. Portanto, nesses textos, todo e qualquer enunciado é
potencialmente capaz de levar o sujeito interpretante a experienciar algum tipo de
emoção. Assim, não levantamos uma hipótese acerca dessa estratégia de
patemização e, por isso, vamos nos debruçar mais detidamente sobre as estratégias
expressões modalizadoras, emprego de implícitos, palavras, expressões e
enunciados que designam calamidade, emprego de palavras de calão e princípio de
avaliação.
Conforme podemos observar a partir dos gráficos apresentados, a estratégia
de patemização expressões modalizadoras foi ligeiramente mais produtiva nos
214

textos dos sujeitos que se posicionam como criminosos em comparação aos textos
dos sujeitos que não se posicionam como criminosos, a uma proporção de 17% (80
oc.) para 14% (88 oc.), respectivamente. Levamos em consideração a porcentagem,
que diz respeito ao total da amostra, e não os números de ocorrência.
Além disso, realizamos também a contagem dos operadores argumentativos
utilizados nos dois grupos de textos. É importante frisar que, em determinadas
ocasiões, em um mesmo enunciado pode ter aparecido dois ou mais operadores
argumentativos. A despeito disso, no entanto, o uso da estratégia de patemização foi
contabilizado apenas uma vez e, por esse motivo, a soma dos operadores
argumentativos não corresponde ao total dos usos da estratégia expressões
modalizadoras. Além do mais, embora tenham ocorrido poucas vezes, orações
modalizadoras e verbos modais também foram contabilizados como usos da
estratégia de patemização expressões modalizadoras, conforme evidenciamos no
capítulo 2.
A partir da contagem dos operadores argumentativos utilizados, observou-se
que o uso do operador argumentativo se foi bastante recorrente, sendo mais
produtivo nas cartas dos sujeitos que se posicionam como criminosos: 32% (26 oc.
em um universo de 82 oc.) em comparação às cartas dos sujeitos que não se
posicionam como criminosos, que apresentou a ocorrência de 24% (23 oc. em um
universo de 97 oc.). Os resultados comparativos encontram-se na tabela a seguir,
evidenciando que o uso desse operador argumentativo é uma constante tanto nas
cartas escritas por sujeitos que não se posicionam como criminosos quanto nas
cartas escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos:

Sujeitos que não se posicionam como Sujeitos que se posicionam como


criminosos criminosos
Se 23 Se 26
Porque 09 Pois 15
Só 09 Então 07
Pois 06 Mas 07
Mais 04 Só 08
Mas 10 Porque 05
Já 04 Ou 02
Até 04 Caso 03
Ainda 04 Mais 02
Afinal 02 Já 01
Aliás 04 Até 04
Portanto 03 Além do mais 01
Também 01 Ou... ou 01
Então 02
Caso 02
215

Muito menos 01
Desde já 01
Além de 01
Porém 01
Inclusive 01
Tanto... como 01
Por isso 01
Ou 03
Total 97 82
Tabela 02: Ocorrência de operadores argumentativos
Fonte: Dados da pesquisa

Empreendemos também a averiguação acerca unicamente dos usos do


operador argumentativo se em ameaças condicionais explícitas e ameaças
condicionais implícitas nos dois grupos de textos. Os resultados demonstram que,
das 23 ocorrências da partícula se nas cartas dos sujeitos que não se posicionam
como criminosos, 15 ocorrem em ameaças condicionais, representando 65%. Por
sua vez, das 26 ocorrências do operador argumentativo se nas cartas escritas por
sujeitos que se posicionam como criminosos, 24 ocorrem em ameaças condicionais,
o que representa 92% das ocorrências.
Os dados são bastante representativos da natureza violenta do crime de
linguagem aqui analisado, visto que a condição funciona justamente para deixar
claro o que os sujeitos que ameaçam desejam. Caso a condição não seja atendida,
conforme vimos anteriormente, a ameaça poderia ser levada a cabo. A estratégia de
patemização expressões modalizadoras pode ser considerada, portanto, uma
estratégia prototípica do subgênero carta de ameaça, afinal, ao se ver diante de uma
condição que, se não atendida, possivelmente conduziria a uma sanção negativa, o
sujeito interpretante pode ser levado a experienciar diferentes emoções relacionadas
ao medo, ao terror. Se bem sucedido, o recurso a essa estratégia de patemização
pode levar o interpretante a aderir às teses apresentadas pelo sujeito que ameaça.
Em nossa pesquisa de mestrado (cf. SILVA, 2016), havíamos percebido que
há a constante utilização de orações condicionais iniciadas pelo operador
argumentativo se em outros crimes de linguagem, especificamente o golpe do falso
sequestro e o golpe da recarga premiada. Agora, pudemos atestar que esse uso se
faz também prototípico em cartas de ameaça, demonstrando que as ameaças
condicionais explícitas ou implícitas iniciam-se preferencialmente pelo operador
argumentativo se. Nas cartas dos sujeitos que se posicionam como criminosos,
encontramos ainda a ocorrência de ameaças condicionais iniciadas pelo operador
216

argumentativo caso, também com valor condicional, sendo registradas 03


ocorrências.
O fato de haver maior recorrência de ameaças condicionais iniciadas pelo
operador argumentivo se no grupo de textos escritos por sujeitos que se posicionam
como criminosos sugere que há, neste grupo, um maior indíce de exigências e
solicitações, quando comparado aos textos escritos por sujeitos que não se
posicionam como criminosos. Como vimos anteriormente, as solicitações e
exigências funcionam como as condições para que as ameaças não sejam
consolidadas.
Comprovada a terceira hipótese, passemos, então, para a quarta hipótese, na
qual aventamos que o uso de ameaças implícitas, a partir da estratégia de
patemização que chamamos, no presente trabalho, de emprego de implícitos, teria
um número maior de ocorrência nas cartas dos sujeitos que não se posicionam
como criminosos.
Novamente, nossa hipótese foi comprovada, com a proporção de 10% (66
oc.) de utilização dessa estratégia de patemização no grupo de cartas escritas por
sujeitos que não se posicionam como criminosos, para apenas 3% (14 oc.) no grupo
de cartas escritas por sujeitos que se posicionam como criminosos. Acreditamos que
essa diferença se deva ao fato de os sujeitos que não se posicionam como
criminosos, por se verem e identificarem a si mesmos como cidadãos comuns,
serem mais cautelosos quanto às suas ameaças, visando a preservar sua face.
Advém, daí, uma problemática identitária, já que, a despeito de estar
produzindo discursos criminalizáveis, praticando o crime de ameaça, a identidade
discursiva (CHARAUDEAU, 2009) desses sujeitos não se coaduna à identidade de
um criminoso. Conforme salientamos, consideramos como implícitos os usos não
literais de determinados termos e expressões, o que inclui expressões metafóricas,
bem como os silêncios, quando o sujeito enunciador deixa uma lacuna no sentido
para que seu interlocutor infira a sanção negativa que poderia ser imposta a ele.
Visando a preservar sua face, ação que contribui para a tentativa de
consolidar um ethos de virtude, portanto, o sujeito comunicante lança mão de
implícitos de modo a se distanciar da ação de ameaçar. Essa atitude pode se
mostrar, por vezes, polêmica e problemática no âmbito jurídico, no entanto, como foi
demonstrado anteriormente a partir dos estudos de Fraser (1998) e Walton (2014),
defendemos que um linguista pode ser capaz de, através de análises semânticas,
217

pragmáticas e discursivas, perceber a presença de uma sanção negativa que


acometeria o sujeito destinatário da carta. Haveria, assim, a intenção de ameaçar,
sendo possível tipificar o ato como uma ameaça, prescrita no artigo 147 do Código
Penal.
Desse modo, mesmo que seja efetivado a partir de sentidos implícitos, um
enunciado pode ser categorizado como uma ameaça, levando-se em conta
determinadas características pragmáticas e discursivas. Esse conhecimento pode
ser utilizado em perícias judiciais no âmbito da Linguística Forense, sobretudo no
que concerne à área de determinação de significados.
Por fim, na quinta hipótese, aventamos que haveria uma frequência maior de
ocorrência da estratégia de patemização palavras, expressões e enunciados que
designam calamidade nas cartas dos sujeitos que se posicionam como criminosos.
Conforme pode ser observado contrastivamente nos gráficos 5 e 6, em comparação
com os textos escritos por sujeitos que não se posicionam como criminosos, houve
um número superior de ocorrências dessa estratégia nos textos dos sujeitos que se
posicionam como criminosos, na proporção de 10% (46 oc.) para 6% (38 oc.), o que
comprova a quinta e última hipótese levantada.
Novamente, acreditamos que essa diferença diz respeito, principalmente, ao
contrato de comunicação instaurado na interação e às identidades assumidas pelos
sujeitos enunciadores. Na medida em que os sujeitos que se posicionam como
criminosos procuram garantir sua legitimidade como alguém capaz de cumprir suas
ameaças, a utilização de um léxico pertencente ao campo semântico da violência e
da criminalidade se mostra uma estratégia de patemização bastante produtiva.
Assim, esses sujeitos parecem não querer deixar dúvidas acerca do que pode
ocorrer caso suas condições não sejam observadas, lançando mão de um discurso
violento e agressivo no processo. É imperioso lembrar que, dentre as cartas dos
sujeitos que se posicionam como criminosos, foram analisadas cartas de ameaça
contra a segurança pública. Estas, dada a natureza do contrato, apresentam índices
linguísticos relacionados ao campo semântico da guerra, da violência, das
catástrofes como incêndios, explosões, assassinatos em massa etc.
Mesmo não tendo levantado uma hipótese acerca da estratégia relacionada
ao emprego de palavras de calão, os dados foram bastante característicos e
merecem destaque. Notamos que, nos textos escritos por sujeitos que não se
posicionam como criminosos, houve a utilização de 9% (62 oc.) dessa estratégia de
218

patemização, enquanto constatamos apenas 2% (10 oc.) de emprego de palavras de


calão nas cartas dos sujeitos que se posicionam como criminosos. Essa diferença se
deu pelo fato de os sujeitos que não se posicionam como criminosos, ao tentarem
preservar sua face, construindo ethé de virtude no processo, procurarem reforçar os
motivos que os levaram a tomar a referida atitude ilícita.
Assim, em uma problemática identitária relacionada ao princípio de alteridade
da Teoria Semiolinguística do Discurso, enquanto os sujeitos enunciadores que não
se posicionam como criminosos constroem um ethos dito de “justiceiro” (texto I),
“morador revoltado” (texto III), “ordeiro, trabalhador e honesto” (texto XIII) e “servos
de Deus” (texto XV), eles acabam por construir a imagem de seu destinatário como
um adversário “idiota”, “vagabundo”, “imbecil” (texto II), “biscate”, “otário”, “fodido”
(texto IV), “vagabunda”, “praga” (texto VIII), “filho de uma puta”, “maldito” (texto IX),
dentre outras possibilidades, lançando mão da estratégia emprego de palavras de
calão.
Pelo fato de serem tidas como “palavrões”, palavras cujo sentido ofende,
violenta e agride, tais escolhas lexicais apresentam alto teor patêmico, podendo
levar o interpretante a experienciar emoções diferenciadas, como a raiva, a
indignação e a ira. Conforme mencionado anteriormente, os palavrões, bem como as
blasfêmias e outras palavras tidas como de calão, representam um profundo estado
emocional do falante, sendo relacionadas ao sistema límbico cerebral. Seria possível
deduzir, a partir dos dados, que algumas cartas dos sujeitos que não se posicionam
como criminosos foram escritas sob violenta emoção, já que fazem constante uso de
palavrões e termos ofensivos.
A necessidade de avaliar o comportamento do destinatário também apresenta
relação com a problemática identitária. Assim, visando a justificar os motivos que os
levaram a cometer a ameaça, os sujeitos enunciadores que não se posicionam como
criminosos fazem um uso mais elevado da estratégia de patemização relacionada ao
princípio de avaliação. Conforme pode ser observado nos gráficos 5 e 6, a
frequência foi de 16% (101 oc.) de enunciados avaliativos nas cartas dos sujeitos
que não se posicionam como criminosos contra 11% (53 oc.) nas cartas dos sujeitos
que se posicionam como criminosos.
Neste capítulo, foram apresentadas as análises qualitativas e quantitativas
referentes aos dois grupos de cartas que compõem o nosso corpus. Pudemos
perceber, a partir das análises efetuadas no decorrer desta investigação, que, a
219

depender da identidade discursiva do sujeito enunciador, diferentes estratégias de


patemização são utilizadas, visando a levar o destinatário da carta de ameaça a
experienciar determinadas emoções. As diferentes escolhas estratégicas são
condicionadas pelo projeto de fala do sujeito, pelas finalidades da situação de
comunicação e pelos temas evocados.
Por levarem a cabo uma ação agressiva e violenta que pode ser considerada
um crime de linguagem, constituindo, portanto, discursos criminalizáveis, esses
textos tornam-se passíveis de se tornar evidências periciais em uma demanda
judicial. Esta investigação, portanto, pode contribuir em análises periciais levadas a
cabo por algum linguista forense que se debruce sobre algum texto cujo conteúdo
ameaçador esteja sendo contestado.
Findada a análise, no próximo capítulo, apresentaremos nossas
Considerações Finais e algumas perspectivas futuras que poderemos empreender a
partir dos dados aqui apresentados.
220

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visando a responder à nossa pergunta-problema – que estratégias de


patemização são mais utilizadas em cartas de ameaça? –, foram levantadas
algumas hipóteses e traçados determinados objetivos vinculados a cada uma delas.
Assim, de modo a contribuirmos tanto para a Análise do Discurso de orientação
Semiolinguística quanto para a Linguística Forense, procuramos, nesta investigação,
compreender de modo mais aprofundado, através de cartas, a natureza linguístico-
discursiva do ato de fala de ameaça em língua portuguesa.
Em vias de conclusão, já nos encaminhando para o final desta investigação,
apresentaremos novamente as hipóteses aventadas e suas respectivas conclusões.
Na primeira hipótese, postulamos que a ameaça verbal ocorreria de modo
explícito ou implícito, a depender do projeto argumentativo do texto. Confirmamos
essa hipótese ainda no capítulo 2, quando configuramos a proposição lógico-formal
do ato de fala de ameaça em língua portuguesa, a saber:

Fa(Sn)

Na proposição lógica acima, como vimos, Fa diz respeito à força ilocucionária


do ato de fala relativo à ameaça, e Sn diz respeito ao conteúdo proposicional, que
deve girar em torno de uma hipotética sanção negativa. De acordo com Walton
(2014), estudioso do fenômeno argumentativo sob um ponto de vista lógico, a
explicitação da sanção negativa que pode ser sofrida pelo interlocutor é uma
condição essencial para que um enunciado seja considerado uma ameaça e não
outro ato de fala, como um aviso ou uma promessa.
Entretanto, por vezes, a ameaça não se dá de forma direta, como preconiza a
proposição lógica Fa(Sn), sendo inserida a partir de uma oração condicional. Nesses
casos, é salientada uma condição que deve ser observada pelo sujeito interpretante
e, caso não seja, a ameaça poderá ser consumada. Por se tratar de outro formato,
elaboramos, baseados em Salgueiro (2010), a seguinte proposição lógico-formal:

F(p) ⇒ Fa(Sn)
221

em que:

F = força ilocucionária do ato de fala presente na oração condicionante: como


um pedido, solicitação, requerimento, ordem etc.
p = conteúdo proposicional da oração condicionante
⇒= condição, lê-se “se... então”
Fa = força ilocucionária de ameaça
Sn = sanção negativa

Vale lembrar, a ameaça pode ocorrer de modo explícito ou implícito, conforme


procuramos comprovar no decorrer desta investigação. Mesmo sendo enunciada de
modo velado, entretanto, caso a materialidade linguística e o contexto
extralinguístico permitam a compreensão de que uma sanção negativa, um mal
injusto ou grave pode acometer o interlocutor, é possível comprovar que a ameaça
fora realizada.
Desse modo, nossas conclusões e reflexões podem ser aplicadas à esfera
jurídica, já que, em uma demanda judicial na qual resta dúvida acerca de um
enunciado poder ser ou não tipificado como uma ameaça, um linguista pode ser
solicitado a colaborar com seu conhecimento. Desta feita, munido das ferramentas
teórico-metodológicas apropriadas, um linguista forense é o profissional capacitado a
atuar como perito judicial, fornecendo um laudo técnico-científico que baseie ou
refute a possibilidade de o crime de ameaça ter sido praticado.
Este trabalho, portanto, pode ser enquadrado no âmbito da Linguística
Forense no que concerne ao campo de estudos da linguagem como evidência de
um crime, especificamente, na área de determinação de significados (SOUSA-
SILVA; COULTHARD, 2016). Aqui, apresentamos uma proposição lógica para o ato
de fala de ameaça, considerado como um crime de linguagem (SHUY, 2005), e
mostramos que esses conhecimentos podem ser aplicados a uma demanda judicial.
Por estarmos lidando com discursos violentos, agressivos, postulamos a existência
daquilo que nomeamos de discursos criminalizáveis, compreendidos como discursos
que veiculam e são veiculados por ações linguísticas passíveis de tipificação, isto é,
criminalização.
Com a comprovação da hipótese de número 01, portanto, também
comprovamos a primeira parte da hipótese básica que orienta esta investigação,
222

vale lembrar: a ameaça verbal em língua portuguesa ocorreria como conteúdo


explícito ou implícito.
A segunda hipótese levantada foi a de que a modalidade alocutiva seria o
comportamento enunciativo predominante nos textos que compõem o nosso corpus,
tendo em vista que a pesquisa trabalha com cartas. Conforme vimos no capítulo 4,
entretanto, essa hipótese se confirmou apenas parcialmente, visto que, no grupo dos
sujeitos que se posicionam como criminosos, o comportamento enunciativo
predominante foi o elocutivo. Compreendemos que isso se deve ao fato de o sujeito
enunciador que se posiciona como criminoso não apresentar a legitimidade
adequada para fazer as exigências expressas nas cartas e, por isso, todo o tempo,
ele se insere em seu discurso, construindo diferentes ethé no processo.
No conjunto de textos escritos por sujeitos que não se posicionam como
criminosos, 46% dos comportamentos enunciativos dizem respeito à modalidade
alocutiva, contra 30% correspondentes à modalidade elocutiva e 24%, à modalidade
delocutiva. Por sua vez, no grupo dos sujeitos que se posicionam como criminosos,
a modalidade alocutiva corresponde a 35% das ocorrências, contra 40% relativos à
modalidade elocutiva – a mais recorrente –, e 25% correspondentes à modalidade
delocutiva. Nossa segunda hipótese está, portanto, confirmada apenas
parcialmente.
A partir da terceira, elaboramos hipóteses que nos ajudaram a comprovar a
segunda parte da nossa hipótese básica, a saber: a ameaça verbal em língua
portuguesa se consolidaria a partir de diferentes estratégias de patemização.
A hipótese de número 03 aventou que as ameaças condicionais iniciadas
pelo operador argumentativo se, veiculadas pela estratégia de patemização
expressões modalizadoras, apresentariam maior recorrência nas cartas dos sujeitos
que se posicionam como criminosos. Notamos que as expressões modalizadoras
correspondem a 14% (88 oc.) das estratégias utilizadas nas cartas dos sujeitos que
não se posicionam como criminosos e a 17% (80 oc.) das estratégias patêmicas
utilizadas nos textos dos sujeitos que se posicionam como criminosos. Há, portanto,
apenas uma ligeira diferença, demonstrando que o emprego da estratégia
expressões modalizadoras consiste em uma característica estilística do subgênero
carta de ameaça.
Quanto ao uso do operador argumentativo se em enunciados de ameaças
condicionais explícitas ou implícitas, os resultados demonstram que, das 23
223

ocorrências da partícula se nas cartas dos sujeitos que não se posicionam como
criminosos, 15 ocorrem em ameaças condicionais, representando 65%. Por sua vez,
das 26 ocorrências do operador argumentativo se nas cartas escritas por sujeitos
que se posicionam como criminosos, 24 ocorrem em ameaças condicionais, o que
representa 92% das ocorrências. A hipótese de número 03 está, portanto,
comprovada.
A hipótese de número 04, por sua vez, aventou que a estratégia de
patemização relacionada ao emprego de implícitos seria mais recorrente nas cartas
dos sujeitos que não se posicionam como criminosos. Após as contagens e análises,
chegamos aos seguintes resultados: ocorreram 10% (66 oc.) de uso dessa
estratégia nas cartas dos sujeitos que não se posicionam como criminosos, e 3% (14
oc.) nas cartas dos sujeitos que se posicionam como criminosos. Observamos que
essa diferença se deu por uma problemática identitária, pois os sujeitos que não se
posicionam como criminosos procuram preservar sua face, construindo para si ethé
diversificados que não correspondem à imagem de um criminoso ou delinquente.
Por isso, suas ameaças são mais veladas, realizadas principalmente através de
implícitos. Temos, portanto, a comprovação da hipótese de número 04.
Por fim, na quinta e última hipótese aventada, postulamos que a estratégia
de patemização palavras, expressões e enunciados que designam calamidade teria
um mais alto índice de ocorrência nas cartas dos sujeitos que se posicionam como
criminosos. Novamente, comprovamos essa hipótese, já que encontramos a
ocorrência de 10% (46 oc.) de utilização dessa estratégia no grupo de cartas escritas
por sujeitos que se posicionam como criminosos e, em contrapartida, a ocorrência
de 6% (38 oc.) no grupo de cartas escritas por sujeitos que não se posicionam como
criminosos.
De acordo com as análises efetuadas no capítulo 4, acreditamos que essa
ligeira diferença se deve, novamente, à questão identitária. Nas cartas escritas por
sujeitos que se posicionam como criminosos, pelo fato de eles não apresentarem a
legitimidade necessária para exigir que suas condições sejam atendidas, os
enunciadores constroem para si ethé de potência, lançando mão, nesse processo,
da estratégia de patemização relacionada ao emprego de palavras que designam
calamidade. Ao que parece, esses sujeitos pretendem não deixar dúvidas quanto ao
que pode ocorrer caso suas exigências não sejam atendidas e, para isso, lançam
mão de um discurso violento e agressivo.
224

Podemos perceber que determinadas escolhas lexicais relacionadas aos


campos semânticos do crime, da violência, da guerra e da morte são bastante
produtivas nos dois grupos de cartas analisados, o que também configura esse uso
como uma característica estilística e composicional do subgênero carta de ameaça.
Afinal, o emprego dessa estratégia, a depender dos imaginários sociodiscursivos
apresentados pelo sujeito interpretante, favorece a instauração da patemização,
despertando diferentes emoções que poderão levar o interlocutor a aderir ao projeto
argumentativo do sujeito enunciador, isto é, acreditar na ameaça.
Após a confirmação das hipóteses aventadas no início desta investigação,
portanto, podemos dizer que nossa tese está, finalmente, comprovada. Afirmamos,
então, que:

A ameaça verbal em língua portuguesa ocorre predominantemente


de modo implícito, em textos escritos por sujeitos que não se
posicionam como criminosos, e predominantemente de modo
explícito, em textos escritos por sujeitos que se posicionam como
criminosos.

Conforme pode ser notado através de nossas análises e argumentos, a


ameaça verbal em língua portuguesa ocorre como conteúdo explícito, principalmente
através da estratégia de patemização palavras, expressões e enunciados que
designam calamidade, ou de modo implícito, configurando a estratégia do emprego
de implícitos. Além disso, como as ameaças analisadas estão inseridas em um todo
maior, a carta de ameaça, que aqui consideramos como um subgênero do gênero
carta, outras diferentes estratégias de patemização são utilizadas, e demos
destaque às palavras de calão e às expressões modalizadoras.
A presente investigação representa uma contribuição singular à Análise do
Discurso de orientação Semiolinguística, pois procuramos endossar a produção de
estudos discursivos comprovativos da noção de que a argumentação também pode
ser efetivada através das emoções, instância subestimada durante séculos pela
tradição retórica ocidental. Além disso, contribuímos para a Linguística de Texto e
outras correntes discursivas ao categorizar e descrever as características
composicionais, formais e estilísticas da carta de ameaça como um subgênero do
gênero carta. Conforme havíamos salientado, não encontramos nenhum estudo que
225

mencionasse a carta de ameaça no vasto conjunto dos textos que são rotulados
como carta.
Nossa contribuição, ainda, conforme especifica o título do presente trabalho,
atinge outro campo dos estudos linguísticos: a Linguística Forense. No âmbito
brasileiro, essa disciplina, que se propõe a aplicar diferentes teorias e metodologias
dos estudos da linguagem à resolução de problemas judiciais e a um maior
entendimento do funcionamento da linguagem em âmbito jurídico, ainda carece de
investigações. Conforme visto no capítulo 2, ainda há poucos trabalhos produzidos
em território nacional que se filiam explicitamente à Linguística Forense.
Com isso, ao apresentarmos uma proposição lógica para o ato de fala de
ameaça, procuramos contribuir para que seja possível distinguir formalmente e
discursivamente a ameaça de outros atos de fala, como a promessa e o aviso. Em
consonância com Walton (2014), dissemos que, se um sujeito enunciador afirma que
uma sanção negativa acometerá o sujeito destinatário, podendo vir expressa ou não
uma condição que deverá ser seguida pelo destinatário, o ato de fala é considerado
uma ameaça. Conforme salienta o artigo 147 do Código Penal, se essa sanção
negativa for um mal injusto ou grave, a ação linguística poderá ser tipificada como o
crime de ameaça.
Vale lembrar que, por estarmos lidando com um crime praticado
exclusivamente através da ação verbal, nos debruçamos sobre um crime de
linguagem, conforme postula Shuy (2005). Assim sendo, de forma inédita, propomos
a nomenclatura discurso criminalizável para fazer referência às produções
discursivas que, dada a natureza de sua cenografia, podem ser tipificadas como
crimes, o que faz com que os sujeitos enunciadores desses discursos possam sofrer
sanções penais.
À guisa de conclusão, é válido lembrar que há outros crimes de linguagem
ainda não descritos e estudados de forma profunda nos estudos discursivos
brasileiros, como o assédio sexual, o assédio moral, o trote telefônico e os vários
golpes efetivados a partir de redes sociais. Esperamos que esta investigação possa
abrir as portas para pesquisas futuras que se debrucem sobre a natureza linguístico-
discursiva de produções verbais passíveis de serem tipificadas como crimes, o que
chamamos aqui de discursos criminalizáveis.
Para trabalhos futuros, podemos sugerir que a pesquisa aqui desenvolvida
articule novas investigações, como por exemplo:
226

(1) Comparar as estratégias argumentativas e de patemização utilizadas por


sujeitos que se posicionam como criminosos vinculados a alguma facção
em relação àqueles que, mesmo se identificando como criminosos, não se
afiliam a uma facção criminosa.
(2) Procurar desenvolver, por meio de recursos da Linguística Computacional
e da Ciência da Computação, um trabalho multidisciplinar que elabore
uma ferramenta informática que detecte ameaças online em língua
portuguesa, embasado na proposição lógica definida e apresentada nesta
investigação.
(3) Produzir um manual ou outro documento didático que forneça as bases
teóricas e metodológicas para o trabalho pericial em relação à
determinação de significados em ameaças implícitas. Essa ferramenta
poderia contribuir para o trabalho de diferentes instâncias jurídicas, desde
a capacitação de advogados até a análise pericial, melhor preparando os
profissionais do Direito para compreenderem a importância da Linguística
Forense.
(4) O trabalho aqui desenvolvido pode ainda lançar bases para novas
pesquisas que busquem averiguar os sentidos velados em outros crimes
de linguagem, por exemplo, a difamação, a calúnia, a injúria, o assédio
moral e o assédio sexual. Como comprovamos neste trabalho, mesmo que
o sujeito enunciador lance mão de implícitos, a partir de uma análise
sistemática, levando-se em conta tanto a materialidade linguística quanto
o contexto de produção, os sentidos podem ser recuperados e o crime,
tipificado.

A partir de todo o exposto, acreditamos que nosso trabalho pode contribuir


sobremaneira para o desenvolvimento da Linguística Forense em território brasileiro,
bem como ser aplicado a pelejas judiciais que envolvam ameaças como evidência
linguística. Se, porventura, esta investigação contribuir, mesmo que minimamente,
para inocentar alguém acusado de um crime não cometido ou penalizar um indivíduo
que tenha efetivamente produzido o crime de ameaça, todo o esforço empreendido
durante a realização desta pesquisa terá valido a pena.
227

REFERÊNCIAS

AMOSSY, Ruth. O lugar da argumentação na análise do discurso: abordagens e


desafios contemporâneos. Filologia e Linguística Portuguesa, n 9. ZAVAGLIA,
Adriana (trad.). São Paulo: USP, 2007 (p. 121-146).

AMOSSY, Ruth. A argumentação no discurso. São Paulo: Contexto, 2018.

ANDRADE, Maria Lúcia da Cunha Victorio de Oliveira. A arte de escrever cartas e


sua aplicação nas práticas escolares. Linha D’Água, n. spe, p. 97-117, 27 set. 2010.

ANSCOMBRE, Jean Claude; DUCROT, Oswald. L’argumentation dans la langue.


Bruxelas: Mardaga, 1983.

ARISTÓTELES. Retórica, 2ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2005.

AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. de Danilo
Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003 [1979].

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução


à Sociologia do Direito Penal. 3ª ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 1999.

BARBISAN, Leci Borges et al. Perspectivas discursivo-enunciativas de abordagem


do texto. In: BENTES, Anna Christina; LEITE, Marli Quadros. Linguística de texto e
análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez,
2010.

BARONAS, Roberto Leiser. Ainda sobre a noção-conceito de formação discursiva


em Pêcheux e Foucault. In: Roberto Leiser Baronas. (Org.). Análise do Discurso:
apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. São
Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2007.

BARROS, Diana Luz. A construção discursiva dos discursos intolerantes. In: Diana
Luz Pessoa de Barros. (Org.). Preconceito e intolerância. Reflexões linguístico-
discursivas. 1 ed.São Paulo: Editora Mackenzie, 2011. Disponível em:
<http://diversitas.fflch.usp.br/files/Texto%20Profa.%20Diana%20Luz%20Pessoa%20
de%20Barros%20(1).pdf>. Acesso em 03 set. 2018.

BATHIA, Vijay K. A análise de gêneros hoje. In: BEZERRA; BIASI-RODRIGUES;


CAVALCANTE (org.). Gêneros e sequências textuais. Recife: Edup, 2009.
228

BEACCO, Jean-Claude. Corpus. In: CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU,


Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2014.

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral II. Trad.


Eduardo Guimarães. Campinas: Pontes, 1989.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 15ª edição.
São Paulo: Saraiva, 2010.

BRAID, Antonio César Morant. Fonética Forense. Campinas: Millenium, 2003.

BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824).


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao
24.htm>. Acesso em 23 mar. 2018.

BUTTERS, Ronald. Forensic Linguistics: Linguistic Analysis of Disputed Meanings:


Trademarks. In C. CHAPELLE, Ed., The Encyclopedia of Applied Linguistics.
Oxford, UK: Wiley-Blackwell, 2013.

CAMPOS, Cynthia Machado. Falar alemão, falar português. Esboços (UFSC),


Chapecó: UFSC, v. 10, p. 63-81, 2002.

CAREL, Marion; DUCROT, Oswald. La semántica argumentativa. Una introducción


a la teoría de los Bloques Semánticos: Edición literaria a cargo de María Marta
Negroni y Alfredo M. Lescano. Buenos Aires: Colihue, 2005.

CAVALCANTE, Mônica Magalhães; MATOS, Janaica Gomes. Discutindo as marcas


avaliativo-argumentativas das recategorizações. Intersecções, ed. 18, ano 9, n 1 –
fevereiro/2016, p. 93. Disponível em <http://docs13.minha teca.com.br/883483028,
BR,0,0,interseccoes-ano-9-numero-1.pdf>. Acesso em 10 dez. 2018.

CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du Sens et de l’Expression. Paris : Hachette,


1992.

______. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. In:


MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato de (Org.). Gêneros: reflexões em análise do
discurso. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2004, p. 13-41.

______. Uma análise semiolinguística do texto e do discurso. In: PAULIUKONIS,


M. A. L. e GAVAZZI, S. (Orgs.) Da língua ao discurso: reflexões para o ensino. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2005, p. 11-29.

______. Les stéréotypes, c’est bien. Les imaginaires, c’est mieux. In BOYER, H.
(dir.), Stéréotypage, stéréotypes: fonctionnements ordinaires et mises en scène,
229

L’Harmattan, Paris, 2007.

______. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência


comunicacional. In: PIETROLUONGO, Márcia. (Org.) O trabalho da tradução. Rio
de Janeiro: Contra Capa, 2009, p. 309 – 326.

______. A patemização na televisão como estratégia de autenticidade. In: MENDES,


Emília; MACHADO, Ida Lúcia, As emoções no discurso, v. II. Campinas: Mercado
das Letras, 2010.

______. Um modelo sócio-comunicacional do discurso: entre situação de


comunicação e estratégias de individuação. In STAFUZZA, Grenissa; PAULA,
Luciane de (org). Da análise do discurso no Brasil à análise do discurso do
Brasil. Uberlância: Edufu, 2010b.

______. Uma problemática comunicacional dos gêneros discursivos. Revista Signos,


vol. 43, PUC, Valparaiso, 2010c. Disponível em:
<https://scielo.conicyt.cl/pdf/signos/v43s1/a06.pdf>. Acesso em 23 mar. 2019.

______. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto,


2008.

______. Gênero de discurso. In: CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU,


Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2014.

______. Discurso Político. São Paulo: Contexto, 2015 [2005].

______. Identidade lingüística, identidade cultural. In: Glaucia Proença Lara, Rita
Pacheco Limberti (orgs.). Discurso e (des)igualdade social, São Paulo, ed.
Contexto, 2015a, p.13-30.

______. A argumentação em uma problemática da influência. ReVEL, edição


especial vol. 14, n. 12, 2016.

______. A conquista da opinião pública: como o discurso manipula as escolhas


políticas. São Paulo: Contexto, 2016a.

______. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2018 [2005].

______. Reflexões para análise da violência verbal. Desenredo, v. 15, n. 3, p. 443-


476, set/dez. 2019.

______; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São


230

Paulo: Contexto, 2014.

CONDE, Dirceu Cleber. Lexicometria e Análise do Discurso. Revista da ABRALIN,


v. 14, n. 2, jul./dez., 2015.

COSTA Jr., Daniel Felix. Lógica em Linguística: o quadrado semiótico e os estados


intencionais da pragmática. Cadernos de Letras da UFF, n 46, 2013. Disponível
em:
<http://www.cadernosdeletras.uff.br/joomla/images/stories/edicoes/46/artigo9.pdf>.
Acesso em 19 dez. 2019.

COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic


Linguistics: Language in Evidence. New York: Routledge, 2007.

COULTHARD, Malcolm. Algumas aplicações forenses da linguística descritiva. In:


COLARES, Virgínia (Org.). Linguagem & Direito: caminhos para linguística forense.
São Paulo: Cortez, 2016.

DAMÁSIO, Antonio R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano.


São Paulo: Companhia das Letras, 2012 [1994].

DESCARTES, René. O Discurso do Método. In: Obras escolhidas. Tradução de


Jacob Guinsburg e Bento Prado Jr. São Paulo: Difel – Difusão Européia do Livro,
1962 (col. Clássicos Garnier), 1973.

DUCROT, Oswald. O Dizer e o Dito. Trad. Eduardo Guimarães. Campinas: Pontes,


1987.

______. Argumentação e “topoi” argumentativos. In: GUIMARÃES, Eduardo (Org.).


História e Sentido na Linguagem. Campinas, Pontes: 1989.

EMEDIATO, Wander. As emoções da notícia. In: MACHADO, Ida Lucia; MENEZES,


Willian; MENDES, Emilia (Org.). As Emoções no Discurso, v. 1. Lucerna: Rio de
Janeiro, 2007.

ESPERIDIÃO-ANTÔNIO, Vanderson et al. Neurobiologia das emoções. Revista de


Psiquiatria Clínica, nº 35, v. 2, 2008, pp 55-65.

FIORIN, José Luiz. Argumentação. Contexto: São Paulo. 2016.

FRASER, Bruce. Threatening revisited. International Journal of Speech Language


and the Law, v. 5, n. 2, 1998. Disponível em:
<https://journals.equinoxpub.com/index.php/IJSLL/article/view/516>. Acesso em 19
jul. 2019.
231

GALES, Tammy. Ideologies of violence: a corpus and discourse analytic approach to


stance in threatening communications. The International Journal os Sppeach,
Language and the Law, v. 17, n. 2, june 2010, p. 299-302.

______. Threatening Stances: A corpus analysis of realized vs. non-realized threats.


In: Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 2(2), 2015, p. 1-25.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Perspectivas argumentativas pela concessão


em sentenças judiciais. 2002. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro.

______. Operadores argumentativos: uma ponte entre a língua e o discurso. In:


PAULIUKONIS, Maria Aparecina Lino; SANTOS, Leonor Werneck (Org.).
Estratégias de Leitura: texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006, v. único, p.
105-116.

______. Patemização e discurso midiático: um estudo de argumentação e


persuasão na crônica jornalística. Universidade Federal Fluminense (artigo de pós-
doutorado). Rio de Janeiro, 2016.

______. Um estudo das emoções em crônicas jornalísticas. Revista de Estudos da


Linguagem, Belo Horizonte, v. 25, n. 2, p. 903-937, 2017.

______; PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; MONNERAT, Rosane Santos Mauro.


Modalização em textos midiáticos: estratégias de construção de sentido. Revista
Latinoamericana de Estudios del Discurso, v. 13, p. 41-61, 2013.

______; SILVA, Welton Pereira e. Argumentação patêmica por meio de períodos


hipotéticos em cartas de ameaça de morte. In: GOUVÊA, Lúcia Helena Martins;
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino (Orgs). Estudos do Discurso: 25 anos do
CIAD-Rio. 1ª ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018.

GOFFMAN, Erving. Les rites d’interaction. Paris: Les éditions de Minuit, 1974.

GRICE, Herbert Paul. Logic and Conversation. In: DAVIS, Steven. Pragmatics: a
reader. New York: Oxford University Press, 1991 [1968].

HALL, Stwart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro,


DP&A, 2006.

HILGERT, José Gaston; NETO, Adalberto Bastos. A irrupção de ódio na internet:


traços discursivos de sua manifestação no Facebook. Desenredo, v 13, n 3, 2017.
232

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.


Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

KADHIM, Sadiq Mahdi; ABBAS, Ibtihal Jasim. The Speech Act of Threatening in
English and Arabic with Reference to the Glorious Qur'an. Revista da Faculdade de
Educação Básica para Ciências Educativas e Humanas, Babylon University, n.
21, 2015.

KAUARK, Fabiana da Silva; MANHÃS, Fernanda Castro; MEDEIROS, Carlos


Henrique. Metodologia de pesquisa: um guia prático. Itabuna: Via Litterarum,
2010.

KOCH, Ingendore. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2015 [1993].

______; ELIAS, Vanda. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:


Contexto, 2017 [2006].

KRISTEVA, Julia. Introdução à Semanálise. Trad. Lúcia Helena França Ferraz. 3ª


ed. São Paulo: Perspectiva, 2012 [1969].

VAN LANCKER, D.; CUMMINGS J. L. Expletives: neurolinguistic and


Neurobehavioral perspectives on swearing. Brain Research Reviews. 1999, Dec; v.
31(1).

LEITE, Luciana Paiva de Vilhena. Do clássico ao contemporâneo: estratégias


discursivas em textos de cartas do século XVI ao século XX. 2008. 243 f. Tese
(doutorado em língua portuguesa). UFRJ, Faculdade de Letras. Rio de Janeiro:
2008.

LIMA, Helcira Maria Rodrigues de. Na tessitura do Processo Penal: a


Argumentação no Tribunal do Júri. 2006. 260 f. Tese (doutorado). UFMG, FALE.
Belo Horizonte: 2006.

LUCENA, José N. Souza. Tipologia e hierarquização das ameaças: a importância


das informações, tipos de sistemas de informações. Conferência integrada no
Curso de Defesa Nacional 1991/92 do Instituto da Defesa Nacional- realizada
no Porto em 07 Nov 91 e em Lisboa em 12 Nov. 91.

MAINGUENEAU, Dominique. Analisando discursos constituintes. Revista do


GELNE, v 2, n 2, 2000.

______. A propósito do ethos. In: MOTA, Ana Raquel; SALGADO, Luciana (Org.).
Ethos Discursivo. Contexto, São Paulo: 2008.
233

______. Tipo de discurso. In: CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique.


Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2014.

______. Interdiscursividade. In: CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU,


Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2014.

MALLART, Fábio. Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e unidades de


internação da Fundação CASA em comunicação. Revista de Antropologia Social
dos Alunos do PPGAS. UFASCar, v. 3, n. 1, 2011. Disponível em:
< http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_12.MALLART.pdf>.
Acesso em 30 abr. 2019.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e escrita. Signótica, n. 9, jan./dez. 1997.

______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:


Parábola, 2017 [2008].

MARQUES, Matheus Odorisi. Homofobia e referenciação: um estudo de caso. 2016.


Tese (doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de
Janeiro.

MASSOM, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial, v. 2, 7ª ed. São


Paulo: Método, 2015.

MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo


Horizonte: Editora UFMG, 2002.

MELO, Mônica Santos de Souza. Considerações sobre o Domínio de Prática


Discursiva Religioso. In.: MELO, Mônica Santos de Souza (Org.). Reflexões sobre
o Discurso Religioso. Belo Horizonte: NAD/UFMG, 2017.

MONDADA, Lorenza; DUBOIS, Danièle. Construção dos objetos de discurso e


categorização: Uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE,
Mônica Magalhães; RODRIGUES, Bernardete Biasi; CIULIA, Alena (orgs).
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2016.

NINI, Andrea. Register variation in malicious forensic texts. International Journal of


Speech, Language and the Law, Vol. 24, n. 1, 2017.

NHUCH, Flavia Kamenetz. A injúria e o problema da ofensa como crime.


(Monografia). PUC-Rio, 2015.

OLIVEIRA, Ana Maria Roza de Oliveira Henriques de. As neurociências a serviço da


linguagem. LINGVARVM ARENA, v 4, 2013.
234

PARRET, Herman. A estética da comunicação: além da pragmática. Editora da


Unicamp: Campinas, 1997.

PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. Estratégias Argumentativas na Gradação. In:


GONÇALVES, Carlos Alexandre V.; ALMEIDA, Maria Lúcia Leitão de;
CHIAVEGATTO, Valéria C. Estudos da Linguagem: atualidade & paradoxos. Anais
do VII Congresso Assel-Rio. Rio de Janeiro: UFRJ/FAPERJ, 1998.

______; GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Texto como discurso: uma visão
semiolinguística. Desenredo, v. 8, n 1, p. 49 – 70, jan./jun. 2012.

PLANTIN, Christian. A Argumentação. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

______. As razões das emoções. In: As emoções no discurso. MENDES, Emília.


MACHADO, Ida Lucia (orgs). Volume II. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010 (p.
57-80).

PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação –


A Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005 [1996].

PRETI, Dino. A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica. LPB,


São Paulo: 2010.

POSSENTI, Sírio. Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas. In:


MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. Introdução à linguística.
Fundamentos Epistemológicos. Volume 3. São Paulo: Cortez, 2004.

QUERALT, Sheila. Decalogue for requesting a linguistics expert report. 1ª ed.


Pie de pagina. Madrid, 2019.

RODRIGUES, Rosângela Hammes. Os gêneros do discurso na perspectiva


dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER; BONINI, MOTTA-
ROTH (org.), Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo, Parábola Editorial,
2005. pp. 184-207.

SALGUEIRO, Antonio Blanco. Cómo hacer cosas malas con palabras: actos
ilocucionarios hostiles y los fundamentos de la teoría de los actos de habla. Crítica,
Revista Hispanoamericana de Filosofía, v. 40, n. 118, 2008.

______. Promises, threats, and the foundations of speech acht theory. Pragmatics,
v. 20, n. 2, p. 213-228, 2010.

SAMPAIO, Thiago Oliveira da Motta; FRANÇA, Aniela Improta; MAIA, Marcus


Antonio Rezende. Linguística, Psicolinguística e Neurociência: a união inescapável
235

dessas três disciplinas. Revista Linguística, vol. 11, n. 1, 2015.

SANDMANN, Antônio José. O palavrão: formas de abrandamento. Letras, Curitiba,


n. 41-42, p. 221-226, 1992.

SANTOS, Leonor Werneck dos; PINTO, Rosalice; CABRAL, Ana Lúcia Tinoco.
Referênciação em textos jurídicos: da argumentação da língua à argumentação no
gênero. In: PINTO, Rosalice; CABRAL, Ana Lúcia Tinoco; RODRIGUES, Maria das
Graças Soares (orgs). Linguagem e Direito: perspectivas teóricas e práticas. São
Paulo: Contexto, 2016. P. 165-178.

SANTOS, Thandara (Org.). Levantamento nacional de informações


penitenciárias: INFOPEN. Brasília, Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Departamento Penitenciário Nacional, 2017.

SCHOPENHAUER, Arthur. 38 Estratégias Para Se Vencer Qualquer Debate. A


Arte De Ter Razão. São Paulo: Faro Editorial, 2014 [1864].

SEARLE, John R. Expression and meaning. Cambridge: Cambridge University


Press, 1979.

SHUY, Roger W. Creating Language Crimes: how law enforcement uses (and
misuses) language. New York: Oxford University Press, 2005.

______. Linguistics in the Courtroom: a practical guide. New York: Oxford


University Press, 2006.

______. Using Linguistics in Trademark Cases. In: SOLAN, Larry; TIERSMA, Peter
(org.). Handbook on Forensic Linguistics. Oxford U Press, 2011.

SHIMIZY, Bruno. Solidariedade de gregarismo nas facções criminosas: um


estudo criminológico à luz da psicologia das massas. IBCCRIM – Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais, São Paulo: 2011.

SILVA, Welton Pereira e. A argumentação em crimes via telefone sob a perspectiva


da Teoria Semiolinguística. Dissertação (Mestrado em Letras: Estudos
Linguísticos). Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa,
2016.

______. Análise de argumentos patêmicos em um discurso do Primeiro Comando da


Capital. In: GOUVÊA, Lúcia Helena Martins (Org.). Argumentação pela emoção:
um caminho para persuadir. Rio de Janeiro: UFRJ, 2017a.

______. Argumentação e imaginários sociodiscursivos em ameaças veiculadas


236

através de uma rede social. Anais. X Congresso Internarcional da Abrail. UFF,


Niteroi, 2017b, p. 222-228.

______; GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Argumentação por implícitos como


estratégia de patemização. Gragoatá, v. 24, n. 50, 2019. DOI:
<https://doi.org/10.22409/gragoata.v24i50.34169>.

SOUSA-SILVA, Rui; COULTHARD, Malcolm. Linguística Forense. In: DINIS-


OLIVEIRA, Ricardo Jorge; MAGALHÃES, Teresa (Org.). O que são as Ciências
Forenses? Conceitos, Abrangência e Perspetivas Futuras. 1 ed. Lisboa: Pactor,
2016, p. 137-144.

SOUSA-SILVA, Rui. Computational Forensic Linguistics: an overview of


Computational Applications in Forensic Contexts. Language and Law, v. 5, n.2,
2018. Disponível em:
<https://ojs.letras.up.pt/index.php/LLLD/article/view/6120/5762>, Acesso em 19 dez.
2019.

WALTON, Douglas. Speech Acts and Indirect Threats in Ad Baculum Arguments: A


Reply to Budzynska and Witek. Argumentation, 28 (3), 2014, p. 317-324. Disponível
em<http://scholar.uwindsor.ca/crrarpub/14>. Acesso em 02 de jan. 2019.
237

ANEXOS – Transcrições das cartas de ameaça

GRUPO I: CARTAS DE SUJEITOS QUE NÃO SE POSICIONAM COMO


CRIMINOSOS

TEXTO I: Ameaça ao ex-prefeito de Campina Grande, William Arruda


Data da reportagem: 02/10, ano não informado
Data da escrita da carta: 15/07/1980
Contexto: Ameaça a William Arruda efetuada pelo grupo “Mão Branca”

Transcrição:

CAMPINAS GRANDE 15 DE JULHO DE 1980


DR. WILLIAMS ARRUDA – REPRESENTANTE DO GOVERNADOR DO
ESTADO, EM CAMPINA GRANDE.
ESTA CARTA É, PARA ALERTAR V.Sa: PARA QUE NÃO SE ENVOLVA NESTE
ASSUNTO; DA (COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ)
V.Sa: ESTA DANDO PROTEÇÃO AO MARGINAL CLOVINHO, E EU PEÇO PARA
QUE O SENHOR, SAIA DESTA JOGADA, PORQUE SE S.Exa: CONTINUAR, NÓS
TEREMOS QUE LHE (FECHAR). LEMBRE-SE QUEM AVIZA AMIGO É?
SEU SOBRINHO ESTA NA LISTA E NÓS VAMOS MATA-LO.

ASSINA: (rubrica)____
UM JUSTICEIRO

OBSERVAÇÃO: DIGA AO DR. AGNELO AMORIM QUE TAMBÉM SAIA DA


JOGADA, PORQUE SE NÃO SAIR VAI SER (FECHADO)?

TEXTO II – Ameaça a pastor


Data da reportagem: 06/2001
Data da escrita da carta: 06/2001
Contexto: carta entregue via Correios
238

Transcrição:

Prezado Sr.
José Aparecido de Souza

Esta carta tem por finalidade focalizar alguns


aspectos deste triste episódio envolvendo você e a sua igreja, e também a
Associação Paulista da qual você está se tornando inimigo nº I pelo fato de sua
omissão com referência aos dízimos que são sagrados e você está se recusando a
envia-los para o local certo que é a Associação Paulista.
O seu comportamento na igreja de Poá no
que diz respeito a execução de suas funções como Iº ancião foi a pior possivel, e
agora depois de ter sido destituído do cargo de Iº ancião, o seu comportamento é
lastimável inclusive merecendo ser trancafiado em uma prisão de segurança
máxima, isso só já não aconteceu porque toda essa nojeira que você está
praticando ainda não saiu do recinto desta grande instituição religiosa que é a igreja
adventista do sétimo dia que você não está sabendo honra-la e muito menos
dignifica-la.
Você Aparecido como simples membro
desta conceituada organização religiosa representa um sacrilégio, xxx você nunca
foi crente, veio para esta xxx igreja com o intuito único e exclusivo de bagunçar o
coreto e fazer terrorismo; a Associação Paulista tem dado muita moleza para você, e
é por essa razão que você está tentando resistir fique sabendo desde já que você
não passa de um idiota, vagabundo, imbecil, salafrário, e ladrão do dinheiro da
igreja, qualquer pessoa que age dessa maneira o fim dela é a morte, e é o que
estamos providenciando para você caso não entregue logo os pontos, estamos
também de olho nos seus filhos que são uns desordeiros, portanto muito cuidado
seu vagabundo, quem elimina um tipo ordinário como você, não comete crime.
_________________________________
Antonio xxx xxx

OBS: - A associação Paulista, e também a União através de seus pastores que tem
a responsabilidade e o dever de resolver de maneira definitiva todo e qualquer
problema que venha surgir na organização principalmente casos dessa natureza,
239

que além de manchar o nome da organização causando escândalo, afasta a


possibilidade de todas as igrejas filiadas a esta mesma organização conquistarem
almas para o reino de Deus.
Essa sua atitude de não renunciar ao cargo
de Iº ancião desobedecendo as ordens superiores, e ao Próprio Deus, é
tremendamente maléfica e perigosa, tudo que é ruim, tudo que é escandaloso, tudo
que é pernicioso, tudo que é diabólico, você já causou na igreja de Poá.
Agora você só tem uma saída, cair fora, e
dar o lugar um ancião que seja crente de verdade, que possa atrair almas para a
igreja, e não expulsa-las como você tem feito até agora; saia o quanto antes, se não
sair por bem, sairá por mal, a primeira medida que iremos tomar, é o sequestro dos
seus filhos que são futuros salteadores, ladrões, estupradores e etc. que aliás já
estão cometendo alguns furtos, o nosso esquema é esse e não vai falhar, exterminar
um verme como você, representa um grande beneficio não só para a igreja, como
para a sociedade em geral.

TEXTO III – Ameaça ao diretor do IBAMA de Rondônia


Data da reportagem: 03/07/2009
Data da escrita da carta: 30/06/2009 (entrega da carta)
Contexto: carta entregue na Superintendência do Ibama, em Porto Velho.

Transcrição:

Senhor diretor do ibama de rondônia


Os moradores da resserva bom futuro qurem entender qual a rasão de todos
estarem sendo multados apesar da asinatura do acordo. O governador disse que
estava tudo resolvido ai chega o ibama e chico mendes e começa a multar com valor
muito alto de mais de um milhão para algumas, que ninguém tem condição de
pagar.
Ninguém vai pagar sabemos que todos terão o cpf cancelado. Quem podia ser um
aliado vai ser mais um forada lei porque sem cpf não vai mais poder recebe multa
vai poder desmatar o quanto quizer que não vai ter como multar mais. Portanto
queremos que pensem se o que estão fazendo vai ajuda a resolver a situação parar
240

o desmatamento e reflorestar acho que não.


o (ilegível) que sempre diseram para o povo o que ia ser feito na operação mentiram
nunca falarm em multa só na notificação. Os dois estão por trás disso nos
enganaram e agora fala que as multa é coisa de brasília mentira é coisa deles que
não conseguiram faze como queriam. Mentiram para as barreiras começa de forma
tranquila na paz pra depois meterem multa em todo mundo
Eles que não se arrisquem andarem por la tem muita gente com vontade resolve
isso na bala. To avisando cuidado.
Diretor esperamos que as multas seja cancelada porque se não for a coisa vai fica
feia pra vocês.
O bom futuro vai vira ummau futuro
Morador revoltado

TEXTO IV – Ameaça a família de candidato a vereador


Data da reportagem: 09/05/2011
Data da escrita da carta: 18/04/2011 (BO)
Contexto: ameaça para que um vereador desista da candidatura

Transcrição:

ALMIRANTE TAMANDARÈ, 18 DE ABRIL DE 2011


SRA ANGELA SIQUEIRA
XXXXDX
VAMOS DIRETO AO ASSUNTO, AVISE SEU QUERIDO MARIDO QUE
DESISTA DA IDÈIA DE SER CANDIDATO A PREFEITO. NÃO ESTAMOS
BRINCANDO, POR ENQUANTO ESTAMOS SÒ AVISANDO, ESTAMOS DANDO
UMA OPÇÃO DE ESCOLHA; VCS TEM FILHOS, CUIDADO. O QUE VALE MAIS, A
VIDA DO DINEI OU A PREFEITURA? SE ESSA CARTA FOR DIVULGADA, ou
DENUNCIADA, JÀ ENCOMENDA O FUNERAL. O PODER È UMA DROGA, E VCS
JÀ ESTÃO VICIADOS,
ESSA È A PRIMEIRA DE UMA SERIE DELAS, denuncias, planfletos, e
ameaças, GUERRA È GERRA.
ESTAMOS MANDANDO CÒPIA PARA A CAMARA, DASA DO DINEI E PRA
241

SRA;
“PRIMEIRA DAMA, OU VIUVA.

TEXTO V – Ameaça a advogado Anderson Miguel


Data da reportagem: 29/07/2011
Data da entrega da carta: sem informações
Contexto: carta copilada do processo judicial movido pelo advogado Anderson
Miguel, assassinado, que afirmou ter recebido uma carta de ameaça a ele e sua
namorada. A carta é endereçada à namorada, Sebastiana Dantas.

Transcrição:

Se liga aí sua Biscatezinha sem classe !

Fale pro seu advogadozinho “chinfrim”, dedo duro, irresponsavel e frouxo... Que ele
TÁ FODIDO!!!.
Esse “pançudo” mal caráter e desonesto, vai se arrepender de ter vindo da periferia
da Baixada Fluminense armar esquemas fraudulentos, aplicar golpes, e tripudiar na
nossa terra.
Ele ainda não sabe onde se meteu e com quem esta lidando.
Sabemos de todos os seus “pôdres” e porque vocês fedem !.
Esse “safado mentiroso” vai pagar caro pelo que deve, e pela boca suja que tem,
envolvendo pessoas sérias que não tem nada a ver com as sua sujeiras e as suas
falcatruas.
E você, “abra do olho”!!!
Foi cair na lábia desse “malandro de gravata” travestido de advogado, e vai acabar
de “fudendo” junto com ele pra deixar de ser “Otária”,
SUA OTÁRIA!!!
E não adianta querer sumir, porque até no inferno nós vamos atrás de vocês!
(é melhor que não acreditem).

TEXTO VI – Bilhete de ameaça a professores e estudantes em greve


242

Data da reportagem: 22/11/2011


Data da escrita da carta: por volta de uma semana antes da escrita da reportagem,
de acordo com o próprio veículo de comunicação.
Contexto: Bilhete deixado em diversos laboratórios, departamentos e na casa de
uma aluna da UFRO. Digitado no computador.

Transcrição:

Não adianta contar vitória antes do tempo. Muita água ainda pode rolar... Segue
alguns nomes que podem descer na enchente do rio:
Professores.
De Porto Velho: Tárique, Paulo Morais, Ninno Amorim, Lou-Ann, Marcelo Sabino,
Carlos Tenório, Paulo de Tarso, Petrus, Rogério, Rosinete, Socorro, Rubiane,
Estevão, Raitany, Geane, Mário, Paulo Borges, Erasmo...
De Rolim de Moura: Fabrício, Adriane, Graça, Rodolfo, marilsa...
De Ji-Paraná: João Gilberto...
De Ariuquemes: Verônica...
Alunos: Talyta, Vinicius, Daniel, Rafael, Fernanda Ortigosa, Gustavo, Maiara, Iagê,
Felipe, joyce, Débora, Cleiciane, Bárbara...

TEXTO VII – Ameaça a diretores de hospital (23/02/2012)


Data da reportagem: 23/02/2012
Data da escrita da carta: 23/02/2012
Contexto: carta deixada com falsa bomba em um campus da USP

Transcrição:

Caro excelentíssimo superintendente e diretores HC-RP,


Venho parabenizar pelos milhares dias de vida até o momento, pois a partir de hoje
suas vidas estão contadas.
Como diria Marx, “Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em
encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da
sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses
243

limites.”, portanto iremos lutar de todas as formas pela vida de nossos pacientes.
Não desistiremos até nossa missão se realizar.

TEXTO VIII – Ameaça por dívida


Data da reportagem: 26/10/2012
Data da escrita da carta: 24/10/2012 (BO)
Contexto: carta enviada cobrando uma dívida no valor de trinta reais

Transcrição:

Dia 24 do 10 de 2012
(ilegível) quem fala aqui é a (ilegível). Voce acha que eu tenho cara de palahça pois
voce vai ver se eu estou brincanco todo dia voce fala que vai pagar e continua
enrolando pois voce vai enrolar no inferno eu vou arrumar uma arma e vou meter
uma bala na sua cara nunca mais voce brinca comigo voce pensa que me engana
sua vagabunda voce não paga o prato que come voce me enganou que pagava tudo
certo e eu confiei numa praga (ilegível) voce está com o pé na cova eu vou te matar
pela costas voce vais para o inferno voce e sua família inteira vai pagar por vc tá ok.

TEXTO IX – Ameaça a favor dos animais


Data da reportagem: 25/01/2013
Data da escrita da carta: não informada
Contexto: ativista ofende e ameaça dono de dois cães

Transcrições:

Texto I
Aviso:
Você é um ser irracional trata seus cães como dejetos logo você irá ser punido.
Tenta passar, o dia inteiro preso naquele cubículo comesse sol escaldante de cuiabá
para ver se consegue filho de uma puta.
Preso 24 hs, sem um lazer só cuidando daquele estacionamento fudido.
244

você seu maldito ainda vai pagar muito caro por isso.

Texto II
Cubículo fétido e quente a água pega sol o dia inteiro como os ca~es vão
hidratar-se.
Você é um desgraçado que merece uma lição bem dada.
Vai cuidar direito daqueles animais escremento de porco só pensa em ganhar
dinheiro né veado fudido.
Fica lá quero ver se é home maldiçoado.
Você vai se ferrar aguarde.
Seu cretino.

Texto III
O AVA a associação da voz animal já abriu um processo contra você nojento
logo irá ser notificado.
Vai se ferrar desgraçado e eu vou adorar vai aprender a ser mais humano e
cuidar melhor dos animais.
Sua mãe não lhe deu bons modos cretino você está esnobando os avisos né
você não perde por esperar.

Texto IV
Aqueles cães podem ficar lá só no período da noite o dia inteiro não. Não.
Será que você não vê como eles sofrem maldiçoado, ignorante, pedante,
verme, arrogante, asqueroso, bicha, travesti desgraçado e puto.
Aguarde!!!

TEXTO X – Carta de ameaça lesbofóbica


Data da reportagem: 11/03/2013
Data da escrita da carta: 09/03/2013
Contexto: Bilhete deixado na casa de um casal lésbico. O jornal divulgou apenas
trechos da carta.

Transcrição:
245

MHJ – Movimento Homofobia Já: Primeiro aviso: nossa comunidade não admite mais
estas atitudes imorais em nosso bairro. O Mollon, que sempre foi um bairro de família
respeitado com seus idosos e crianças, hoje está habitado ou empesteado por gays,
lésbicas, sapatões, seja lá que merda for. Já conseguimos ficar livres de duas casas
assim, temos nossos métodos. Vocês estão sendo vigiadas 24 horas pela vizinhança.
Conhecemos todos que frequentam esta pocilga. Os vizinhos não aguentam mais som
alto com músicas de baixo calão, brigas e gritarias até altas horas. Se isso não bastasse,
temos fotos e filmes de lésbicas se beijando em frente da casa. Como já disse, temos
crianças e pessoas de família que não são obrigadas a conviver com isso. Se esta é a
vida que escolheram viver, vão ter que sofrer as consequências da repugnação das
pessoas de bem. Queremos vocês fora daqui. Vão ser felizes no inferno.

Em sua casa nada vai acontecer, mas quando saírem na rua prestem atenção. A polícia
e o Conselho Tutelar vão adorar saber que existe uma criança que vive no meio da orgia
e drogas. Como eu disse, temos fotos de tudo isso, não somos amadores. Sempre tem
um primeiro aviso, depois ação. Gays e negros são lixo. Coisas vão acontecer.

TEXTO XI – Ameaça a moradores possuidores de cães


Data da reportagem: 15/05/2013
Data da escrita da carta: não consta na carta
Contexto: carta anônima enviada a moradores de bairro de Joinville

Transcrição:

Senhores Moradores

Recebemos muitas reclamações, é cachorro latindo de manhã, a tarde a noite,


sábado domingo, dia santo, não dá mais para suportar, ninguém merece. Temos
direito ao lazer, descanso e ao silêncio, estejam atentos, cuidem de seus cachorros,
principalmente quem tiver mais de um animal, pois de agora em diante todos os
cachorros que latirem fora de hora, sem necessidade, estiverem enchendo o saco
na suas casas ou soltos nas ruas, serão visitados pelo Entregador de lingüiça que
as distribuirá gratuitamente, para que seus animais tenham um sono profundo, e não
mais perturbem o silêncio alheio. Existe um ditado popular que diz: Quem avisa
246

amigo é, tomem atitude, caso contrário a guapecada vai aparecer com as quatro
pernas pra cima com a boca cheia de formigas.
Pela sua atenção e providências
Agradecemos.

Comissão Silêncio no Saguaçu

TEXTO XII – Ameaça de morte passional


Data da reportagem:
Data da escrita da carta:

Transcrição:

Belo Jardim 24/05/2013

Ola Dona Mônica pelo visto nós não temos como se intender como marido e
mulher. Sua vida é sua vida. A minha a parte. Não faz parte da sua. Isso vai dá
errado. Não tenha dúvida. Você só pença em si mesma eu sou para você um
pânaca. hoje eu estava pençando. Falta 06 mêses para sua formatura. Você já mim
excluio. As coisas qui lhi aconteçe você não mim fala nada. Sei atraves dos outros.
Qui esposa é você. Eu inexisto neste mundo. Você não mim ver mais. As pessoas,
sim. A cada dia qui se passa você mim decepciona mais. Você e burra além do
limite. A cada dia você tira uma pá de terra da sua cova. Você vai receber
amargamente tudo qui vem fazendo comigo. Se nossa filhinha precisa de por um
limite sobre a teimosia dela, ela com 03 anos, e imagine você. Já passou. A muito
tempo. Só que tudo tem seu dia e este dia já chegou. Eu sou passado para tráiz o
tempo todo por você. Mais em breve você terar uma grande surpresa. Á sua altura
ok. Quem planta dores colhe flores. Quem planta espinho??? Isso é á vida neste
plâneta. Tente si corrigir antes qui seja tarde de mais isso é apenas um aviso de
(ilegível).

TEXTO XIII: Ameaça xenofóbica


247

Data da reportagem: 07/11/2013


Data da escrita da carta: por volta de uma semana antes da publicação da matéria
Contexto: carta circulava na internet

Transcrição:

(página 01)
AVISO PARA OS BAIANOS
Nossa Brusque deixou de ser uma cidade boa para viver, nos últimos 5 anos
foi invadida por imigrantes de outros estados, principalmente da Bahia das cidades
de Itabuna, Ilhéus Buerarema etc.
Sabemos que todos tem o direito de ir em busca de uma vida melhor, mas
sabemos também que quem chega numa nova cidade, deve respeitar os costumes e
estilo de vida do povo local. Os mais sensatos respeitam e são bem sucedidos em
tudo, podem estudar, fazer curso técnico no SENAI e conseguem empregos bons,
agindo assim, conquistam amizades, afinal, TODOS PRECISAM DE AMIGOS.
Infelizmente junto com os bons vem também os ruins (não civilizados,
ignorantes mesmo), que são a maioria e estão incomodando a vida dos moradores
locais fazendo um INFERNO como: Ouvir música em alto volume, tanto nos carros
como em casa mesmo e em qualquer hora, falam muito alto e os vizinhos são
obrigados a suportarem isso, se alguém reclama eles ficam bravos, se alguém
chama a polícia, ao verem a viatura da PM baixam o som e se comportam como
gente civilizada, mas quando a PM vai embora, voltam a fazer bagunça.
Brusque é uma cidade de povo ordeiro, trabalhador e honesto e NÃO
MEREMOS ISSO. Em muitos casos que foram registrados BO (boletim de
ocorrência) não deu em nada, então vamos fazer justiça com nossas mãos,
ESTAMOS CANSADOS E REVOLTADOS.
Desde o mês de março deste ano formamos um grupo com 28 pessoas,
somos cidadãos trabalhadores, honestos e honrados, estamos bem preparados,
resolvemos dar um BASTA nessa situação nosso grupo é discreto e bem
estruturado. Estamos publicando este AVISO para depois não reclamarem do pior
que vai acontecer, estamos dando uma chance de mudarem de comportamento.

(página 02)
248

Moro em Águas Claras há 26 anos, tenho filhos que moram em outros bairros,
e também estão sofrendo. Não vamos nos mudar por causa desses desordeiros.
Fizemos um levantamento nos bairros: Águas claras, Azambuja, Sta.
Terezinha. Nova Brasilia, 1º de maio, Bateias e Steffen, constatamos que é absurdo,
inaceitável o que acontece nos bairros, além do barulho, até trafegam contramão
com carros e motos em alta velocidade e alguns com a descarga aberta (sem o
silencioso), na Bateia por exemplo teve várias discussões por PERTUBAÇÃO DO
SOSSEGO ALHEIO entre vizinho local e baiano e os baianos se juntaram para
agredir o que estava certo. No Azambuja uma senhora de 62 anos tem que tomar
remédio para dormir e calmante durante o dia.
No Steffen teve também discussão por PERTUBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO e os
baianos armados com faca quiseram ter razão, e disseram o seguinte: “Essa rua é
nossa é nóis que manda aqui e pronto, os incomodados que vão embora, pagamos
aluguel e podemos fazer o que quiser a qualquer hora”.
Durante esses 8 meses de levantamento, já temos as placas dos carros que são 34,
e motos são 22, temos também a foto desses desordeiros.
Fiquei feliz ao comentar com 2 policiais sobre essa carta (antes de ser
publicada) para saber a opinião deles e os 2 disseram assim: “Finalmente
acordaram, é bom mesmo que alguém faça alguma coisa para acabar com esses
alienígenas” porque 90% dos casos envolvem baianos. “Não diga à ninguém nosso
nome” – eu disse tudo bem.
BAIANOS, vocês conseguiram deixar o povo revoltado, TOMEM CUIDADO e tratem
de mudar de comportamento URGENTE. VAMOS ELIMINAR VOCÊS, ISSO
MESMO, VAMOS MATAR OS RUINS e acabar com essas pragas.
Nosso grupo, composto por 28 cidadãos, onde 11 estão ansiosos para começar a
matança, nem queríamos publicar esse aviso, porém, a maioria decidiu avisar antes.
Nossa Brusque será de novo uma cidade boa para viver, CUSTE O QUE CUSTAR.

TEXTO XIV - Ameaça a blogueiro


Data da postagem no blog: 30/04/2014
Data da entrega da carta: 30/04/2014
Contexto: carta datilografada com ameaça a blogueiro
249

Transcrição:

Estamos havisando que a avenida já foi licitada, agóra vocês Podem engulir as
lonas pretas que vocês entenderan simulando o tapete preto.
Na verdade eu tenho pena destes bobalhão, porque vocês vão ter que mascarar o
freio oito anos
Se não focem tão burro, iriam colaborar com a administração para o bem do
municipio, mas como são filhos do diabo ,não podiam fazer diferente.
Só uma pergunta- este tal c ezar minuto , não é o mesmo que foi preso e codenado ,
por tentar estorquir a Prefeitura de NOVA LARANJEIRAS?
S e for ele havisen ele que lógo lógo ele vai ver a VACA.
Parece que ele estuda a noite NÉ? chega em casa tarde da noite.?
Umdia vão te encontrar com boca cheia de formiga , e com uns buraquinhos nº 38
lenbra do Tiago de Amorim Novaes?w ele está lá Inferno acertando as contas com
DIABO., taesperando voce, O mesmo que fes ele I que vai voce aqui.

TEXTO XV – Ameaça com motivação homofóbica


Data da reportagem: 25/09/2014
Data da escrita da carta: 17/09/2014 (data inferida pelos dados trazidos na
reportagem do Pragmatismo Político.
Contexto: carta deixada ao lado de jovem agredido por meliantes de inclinação
religiosa. Digitada no computador.

Transcrição:

Faremos uma limpeza em Betim


A cada um desses que andam pelas ruas declarando seu “amor” bestial traremos o
fogo santo da purificação para que quando fizermos nosso papel de apresentá-lo ao
senhor Jesus Cristo elas possam passar pela sua aprovação
Esse foi apenas o primeiro caso na cidade a passar pela purificação
Todos o que tivermos acesso passarão também
E esse é o recado que o nosso salvador transmite através de nós seus servos.
Que acabe a abominação da homossexualidade
250

Que acabe sua sujeira nesse mundo


Amém

TEXTO XVI – Ameaça de morte a cães


Data da reportagem: 05/12/2014
Data da entrega da carta: 03/12/2014
Contexto: carta anônima, digitada em computador, com ameaça de morte a dois
cães de moradora do Jardim América, Sorocaba (SP).

Transcrição:

Prezado(a) proprietária desse(s) cachorro(s):


Os latidos tão incomodado muito. Tem gente idosa e doente que não consegue mais
dormir por conta desses xxxxxx.
O problema é que você deixa esses bichos na frente da casa e eles ficam latindo
feito uns filhos da puta sem parar sempre que alguém passa, seja o lixeiro, pessoas
que estacionam carros, caminham pela rua ou estão conversando nos bares daqui
da vizinhança.
Se deixassem eles presos no seu quintal ou dentro de casa, eles não latiam. Você
deixa fora para não encher seu saco, mas tá enchendo o da gente, que trabalha.
Eu até gosto de bicho, mas vou matar esses filhos da puta envenenados.
Mas para não ser pecado resolvi te dar esse alerta antes.
Vou esperar uma semana. Se continuarem latindo na frente da casa, vou meter
comida envenenada. E facinho jogar ai.
Se gosta deles, prenda eles dentro e ensine a não latirem.
Se não fizer isso vou matar os filhos da puta. Entendeu? Aí a culpa vai ser sua, pois
o alerta já de, aí.

TEXTO XVII: Ameaça a diretora de colégio


Data da reportagem: 20/11/2015
Data da entrega da carta: 17/11/2015
Contexto: ameaça de morte a diretora de colégio e seu filho
251

Transcrição:

VOC~E ESYTÁ MEXENDO COM COISA PERIGOSA VO TE DA CONSELHO NÃO


SE EVOLVE NEM ENTRE PARA POLITICA, SE NÃO VAI SE ARREPENDER.
SEI DO TEU CAMINHO. CONHEÇO TRUA TEUS HOARIAOS, SEI TUDO E ONDE
VAI, SEU FILHO TAMBPEM
VOCÊ NÁO VAI QUER ESTRAG ESE ROSTINUO BONITO NE
NEM, PERDER TUA VIDA POR PODER

NÃO CONTE PRA NINGUÉM DESSA CRTA SENÃO VAI SE PIOR PORÁ VC
MANTENHA QUIETA DAÍ NINGUÉM SE MACHUVCA
FALE PRA TODOS QUE NÃO VAI SERNADA NA POLITICA E ESQUEÇA NOSSA
CISDADE
COM CERTEZA VAI SE MELHOR PRA VC

TEXTO XVIII – Ameaça de morte a colunista


Data da reportagem: 06/01/2016
Data da entrega da carta: 05/01/2016
Contexto: carta digitada deixada na caixa de correios da vítima.

Transcrição:

Você vai morrer, eu sei que você mora só, sei onde trabalha, você já viveu muito. Tu
vais pagar, acha que é inteligente e esperto.
Acha que esqueci a humilhação que me fez, logo eu te encontro. Tenho muitas
balas para você. Não esqueci o que você me fez.
Agora faça algo de útil e para de tira fotos, e uma besteira de investigação que você
sabe qual. Pare Pare Pare Pare Pare Pare

Tu vais pagar logo, estou muito perto de você.


Vai morrer (repete o verbo “morrer” 96 vezes)
TEXTO XIX – Ameaça passional
252

Data da reportagem: 13/01/2016


Data da escrita da carta: não informada
Contexto: ex-marido ameaça a ex-esposa por suspeitar de traição

Transcrição:

Sua vagabunda você pensa que tô brincando com você. Paula você vai se fuder
você vai pagar tudo que você fez comigo, principalmente traição você pode ir na
polícia onde você quiser, mas eu prometo pela minha vida que vô pegar ou (de
mas)... Eu vim aqui em manaus pegar grana e pegar outra coisa você sabe o que é!
Ei você vai morrer eu prometo eu so quero 5 metro de distancia pra mim fuder você
(ou os seus) vagabunda eu vo te pegar pensa que to brincando ne depois do dia 15
eu to voltando, cara eu vou te fuder Paula você nunca mais vai trair homem nem um
na vida tudo que você mim fez você vai pagar com a vida lugar de vagabunda é no
inferno pra onde vo mandar você sua puta...
Abre olho Paula eu vo te pegar eu prometo

VOCÊ VAI
MORRER SUA
VAGABUNDA, DEPOIS DO DIA 15.
EU FALEI ESSE ERA SEU ULTIMO NATAL

TEXTO XX – Ameaça passional, segunda carta


Data da reportagem: 13/01/2016
Data da escrita da carta: não informada
Contexto: ex-marido ameaça a ex-esposa por suspeitar de traição

Transcrição:

“Sua puta você vai morrer pode ter certeza Paula eu não vo desisir de pegar você,
eu prometo pela minha vida você nunca mais vai trair homem nem um eu to
chegando em porto velho vagabunda eu só quero 5 metro de distância pra mim te
fuder... Paula eu não to brincando com você não eu vo te pegar to indo de balsa vo
253

alugar um quarto qdo eu chegar ai, (ilegível) um mês. (tudo que você mim fez você
vai pagar com a vida) eu prometo eu tenho xerox do seu RG, CPF, vo usar seu
nome primeiro ai em porto velho, vagabunda eu prometo acabou pra você, eu tenho
ódio, raiva, desprezo por você... você mim prejudica muito, então você vai morrer,
vai morrer eu prometo eu to falando sério, eu não to brincando, entenda como você
quiser eu vo te pegar eu não tenho nada a perde... vai pesando que eu to brincando,
vai...
Vagabunda você vai pro saco... eu prometo

TEXTO XXI – Carta de ameaça ao juiz Renato Rainha


Data da reportagem: 21/01/2016
Data da escrita da carta: 11/01/2016
Contexto: ameaça motivada por Tribunal de Contas do Distrito Federal determinar a
devolução de um benefício pago a militares
Transcrição:

Renato Rainha,
Vc e o manoelsinho estão mandando descontar indevidamente dos PMs e
BMs a indenização de transporte de 20 anos ou mais.
Vou lhe dar um aviso: Sou da inteligência da PM e já te como certos militares
já prontos pra mata vc e o manoelsinho.
Se até desembro vcs não resolverem a situação vocês irão pro inferno.
Quero ver vc e ele com uma 12 nas suas caras e quero ver vocês cagarem de
medo.
Não e ameaça. E uma realidade. Vocês vão morrer.
Vocês não verão o Natal deste ano (lateral direita)
(Iningeligível) de filhos da puta (lateral esquerda)

TEXTO XXII: Carta de pedido de desculpas e ameaça


Data da reportagem: 25/04/2016
Data da escrita da carta: 22/04/2016
Contexto: homem furta mulher que conheceu em rede social e deixa uma carta de
254

desculpas com ameaças

Transcrição:

Me desculpa preciso fazer isso, vc uma mulher incrível


Seguinte se vc me denunciar
os caras vão invadir sua casa eles sabe aonde mora tudo de vc eles estão com
chave to indo para CG me perdoa vc é linda incrivel mais se no fazer isso, eles me
mata vc
trabalha com politico tem onde conseguir mais não
denuncia pq se eu for preso vai acontecer algo
vc super gente boa
não quero que acontece
nada com vc eles estão chave

TEXTO XXIII – Ameaça ao repórter R. B.


Data da reportagem: 16/06/2016
Data da escrita da carta: não consta na carta
Contexto: carta datilografada anônima, mas com inclinação militarista

Transcrição:
R. B.

Não sei se o seu nome está certo, aliás nem me interessa saber, pois eu (xxx)quero
que você se foda.
Cara, você precisa sair de cima do muro. Antigamente, você vivia reclamando da
DITADURA, dos MILITARES, de tudo que não lhe convinha. Não sei como você
escapou de uma “bala” bem no meio dos cornos. Agora, com esta maldita
democracia que você conseguiu, você vive reclamando de tudo. Aliás, não é sua
competência expor opinião no Jornal da Band, sua função de merda (merda) é ler o
xxxxxxx que está escrito na tela e transmitir para nós, seus patrões.
Outra coisa: quando você acaba de falar besteira, você vira para/ o lado, para a
jovem que trabalha com você e diz: Fulana de tal, como se estivesse ordenando que
255

ela continuasse. Ora cara, vá tomar bem no meio do cu (cu não tem acento,
oxítonos terminados em “u” não são acentuados, só hiato). Isto eu aprendi no meu
querido Colégio Militar, do qual, fui 1º aluno,
Lembre-se: Leia as notícias e fique quietinho. Xxxx Não reclame, afinal, a
democracia que você queria, está aí. Agora, enfie ela bem no meio do cu. Aliás,
estamos pensando seriamente em mandar a (xxxxxxxxxx) (sem crase) São Paulo,
uns quatro fuzileiros e trazer você ao Rio para nadar um pouco no Rio Paquerer, no
qual muitos vagabundos que nem você, nadaram nos anos 60/70.
Cuidado, você está na marca do penalty.

(Há dois símbolos que asssinam a carta)

XXIV – Ameaça homofóbica II


Data da reportagem: 13/09/2016
Data da entrega da carta: 12/09/2016
Contexto: Ameaça de morte de caráter homofóbico em Teresina

Transcrição:

Atenção: Vcs ñ moram só no condomínio Por isso pedimos respeito e menos


barulho principalmente em altas horas com gritarias, escandalos entre outros. Se
quiserem xx seus xxxx que façam fora daqui ok o aviso foi dado. Da próxima vez nós
arrombaremos a sua porta e tocaremos fogo em vcs!
Ass: condomínio

TEXTO XXV: Ameaça a cão


Data da reportagem: 20/01/2017
Data da escrita da carta: 20/01/2017
Contexto: carta anônima ameaça cães em Belo Horizonte

Transcrição:
256

Senhor vizinho, por diversas ocasiões me contive, deixei passei o incômodo


causado ladrar, latidos e uivos na noite e amanhecer do seu cachorro.
Mediante os últimos incômodos, neste mês de férias, me cabe a te avisar que seu
cão será envenenado. Devido ao seu descaso, desrespeito com o seus vizinhos
sociais, que não são obrigados a conviver com latidos tardosos na noite, cedinho
como de seu costume.
Que ele sofra muito para morrer, o que te ocasione uma reflexão de respeitar, não
promover o incômodo aos que convivem perto de vocês.
Assinado, um vizinho puto insatisfeito.

GRUPO II: CARTAS DE SUJEITOS QUE SE POSICIONAM COMO CRIMINOSOS


257

TEXTO 1 – Ameaça a vereador Toninho Kalunga


Data do post da vítima: 08/12/2008
Data da entrega da carta: sem informações
Contexto: carta digitada, supostamente escrita por um presidiário, endereçada a
vereador de Cotia.

Transcrição:

Calunga você precisa cala a sua boca porque vocês são três vereadores contra
nove mais dois são os maiores se você continua insistir com essas palhaçadas de
denuncia você não será diplomado e sim eliminado você lembra do toninho do pt e o
celso daniel? você sabe onde ele esta a turma do bem esta de olho em você juizes e
promotores tem como sobreviver em outras cidades você não otário peço para não
fazer passata para insentivar mais o porocesso contra a força da maquina joga o
jogo certo e continue numa boa você sabe que o oficial não que encontrar nossos
patrões e você insisti deixa a justiça desse municipio que resolva o problema e saia
fora dessa e pq eu quero o meu salário como todos vocês estou preso mais tenho
família que precisa de comida ai fora
respeita a força maior ass +++++++++++

TEXTO 2 – Reinvidicações e ameaças do PCC


Data da reportagem: 08/09/2009
Data da escrita da carta: 07/09/2009
Contexto: encarcerados do Presídio Rogério Coutinho Madruga ameaçam rebelião e
exigem melhoras no sistema prisional

Transcrição:

(parte 1)
Comunicado
Vinhemos por meio deste comunicado conscientisar os senhores diretores da
unidade e secretarios e governadores do estado do Rio Grande no Norte, que
estamos fasendo uma petição de uma forma democratica e pacifica, aonde
258

vinhemos revindicar a melhoria do presidio Rogerio Coutinho Madruga, aonde varios


presos se encontravam em unidades carceraria favoraveis que tinha os beneficios
que em qualquer outra unidade obtia.
Por exemplo (visita íntima, poder fumar), e outras coisa que vamos citar mais
abaixo.
Vinhemos concientisar os senhores responsaveis que já que a unidade sera
moradia e não castigo mais, então queremos nossos beneficios como tem em
qualquer outra unidade, então estamos escrevendo por meio desta carta e fazendo o
pedido de uma forma umilde e aguardamos uma resposta no prazo de oito dias para
que possa traser um retorno da revindicação com urgencia.
Revindicamos: 1º visita intima que temos direito, 2º televisão, 3º ventilador que
a unidade é muito calorosa, 4º fulgão de mola, 5º raidinho de pilha (ilegível) tinha na
unidade e a direção anterior veio esta tirano, 6º o aumento do aumoço dia de visita,
7º a entrada de salgados nos dias de visita, 8º a mesma quantia da feira que entra
em aucaque tatalisando 18 kg, 9º a entrada de cigarros e fumo preto maratá e
esqueiro aonde no ano de 2012 era liberada a entrada normalmente e não de uma
forma elicita, 10º a entrada normalmente de materiais de artesanatos para podermos
ocupar nossa mente, 11º a entrada dos nossos filhos que são registrados em nosso
nome sem precisar da autorisação da mãe pelo motivo de muitas veses as crianças
conviverem com os pais e de ter sido abandonado pelas mães e poriso muitas veses
fica dificil de pega a autorisação para a entrada das crianças, 12º a energia ligada
direto, 13º a entrada de sucos em liquido...

(parte 2)
Vinhemos revindicar da melhor forma possivel
Vinhemos umildemente por meio desta carta a uma revindicação de uma
forma pacifica aonde não queremos fazer paralisação e nem rebeliões nas cadeias
do estado do Rio Grande do Norte e no Nordeste do Brasil.
Vinhemos revindicar da melhor forma possiel da melhoria da unidade
carceraria e caso esta petição não for atendida na forma que estamos revindicano,
iremos fazer acontecer da forma que nois sabe fazer, paralisando o nordeste e
fasendo rebeliões em todas as cadeias e assim vocês verão que nois somos a
maioria em todo brasil e não a minoria que o secretario do estado do Rio Grande do
norte falou e então se os senhores responsaveis do estado não vinher a estar
259

atendendo nossa revindicação na forma umilde que nois estamos pedino, iremos
fazer os senhores responsaaveis pelo o estado acreditar em tudo que esta escrito
nessa carta. Pedimos uma total atenção pelos senhores responsaveis do estado.
OBS. No estado de Santa Catarina tem uma unidade carceraria na qual tem a
mesma estrutura da unidade do Rogerio Coutinho Madruga aonde obtem todos eses
beneficios que estamos pedindo na carta.
OBS. E aqui no estado do Rio Grande do Norte na unidade de Nova Cruz
aonde já vem obteno estes beneficios na qual estamos pedino.
Ass. Primeiro Comando da Capital

TEXTO 3 – Ameaça e união de partidos criminosos


Data da reportagem: 23/11/2010
Data da escrita da carta: carta que circula em comunidades do Rio

Transcrição:

ATENÇÃO!!!
Foi decretada pela união dos partidos CV, ADA e TCP todos os partidos que tenha
respeito e lealdade, força, humildade e amor no coração e muita dignidade a favor
de todas as comunidades, por favor se unam a nós.
Foi decretado pela união dos partidos, que quando tiver repressão da polícia em
qualquer favela fazendo coverdia, derramando o sangue, todas as comunidades
pegarão seus fizis e atiraram em prédios, em carros importados e no que tem de
mais rico e próximo a sua favela, saqueando empresas, lojas e mercados!
Foi decretado pela união dos partidos que cada morador inocente pobre que a
polícia matar, morrerá duas pessoas ricas.
Foi decretado pela união dos partidos, que cada integrante de partido que a polícia
matar morrerá dois policiais e seus familiares, pela união das comunidades que se
cansou de covardia dos policiais e do sistema, porque são eles que trazem as
drogas e as armas, o empresário financia e a polícia facilita e ficam os políticos
roubando bilhões, matando muita gente só com uma caneta, depois quer mandar
quem trás as drogas e as armas para o partido vir aqui na comunidade e matar
inocente. O pobre não dá lucro para a boca de fumo, quem compra todas as drogas
260

são as classes médias e os ricos.


- “Irmão, pode piar em qualquer favela olhando na bola dos olhos, mostrar que esse
modo de agir é retrólogo, a revolução verbal é aterrorizadora, junta seus pedaços e
vem pra arena, nosso irmão do PCC falou que o inimigo está de terno e gravata em
nome da paz e a favor de todas as favelas, que é a hora da união, da revolução.
Definitivamente, sem união não dá, então vamos todos juntos”

TEXTO 4 – Carta de ameaça com lista de reinvidicações de presidiários


Data da reportagem: 09/04/2012
Data da escrita da carta: não informada
Contexto: carta entregue a jornalistas durante motim de encarcerados em Mato
Grosso do Sul

Transcrição:

- Queremos a presença do superintendente sr. José Carlos


- O Juíz desta comarca
- Direitos Humanos
- A imprensa local, aqui nas dependências da Penitenciária, para podermos
conversar, à respeito das nossas reinvindicações.
- A transferência de alguns reeducandos para Penitenciária central do Estado.
- À respeito dos reeducandos que se encontrão no direito à progressão de regime.
- Se entrar, estamos com 6 refens, os passarinhos da diretora, estão todos
amarados.

TEXTO 5: Carta de presos ameaçando rebelião


Data da reportagem: 22/11/2012
Data da escrita da carta: 14/11/2012
Contexto: carta enviada ao G1 por um denunciante anônimo. Os presos são de
Lábrea, no Amazonas. A carta foi achada no chão do presídio por um membro da
Pastoral Carcerária, posteriormente, foi lida na rádio por um padre.
261

Transcrição:

Convite e convocação
14.11.2012
Viemos respeitosamente atraves desta humilde carta convocar o sr. Promotor de
justiça da comarca de Labrea, para se faser presente nesta delegacia de policia
onde convive nas formas da lei uma grande quantidade de pessoas presas pagando
por crimes cometidos pelos mesmo, mais que não perderiam seus direitos dado por
leis. Por este motivo decidimos convidar Vossa Excelencia para comparecer nesta
casa penal para nós tratarmos de um assunto que já se arasta por muito tempo e
niguem fais nada pois não esta avendo entereci por parte da promotoria pois não
temos visita nem banho de sol vivemos 24 horas trancados como animais.
(...) (faltam alguns trechos descritos apenas na reportagem)
Local do poder judiciario
Todos os conteúdos escritos ao Sr. juiz tem validade ao Sr. Promotor.
Contamos com suas presentças com urgencia pois tem muita roupa suja pra ser
lavada junto a justiça.
Sem mais.
Ass. Os presos como um todos desta casa penal.
E o prazo é até o final da outra semana
Nós não estamos de brincadeira não.
Se não tivermos uma resposta a cadeia vai pro chão.

TEXTO 6 – Ameaça ao promotor do caso Denarc


Data da reportagem: 12/09/2013
Data da entrega da carta: 22/07/2013
Contexto: Carta vinda de São Paulo e entregue na sede do Grupo Especial de
Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Campinas.

Transcrição:

PRESTA BASTANTE ATENÇÃO SEUS PROMOTORES DE XXXXX


MAIS UM POLICIA DO DENARC QUE VOCE SACANEAR, VAMOS MANDAR
262

ESQUARTEJAR A XXXX DA SUA MAE. VOCE VAI ACHA-LA EM XXXXXX EM


CADA CANTO DE CAMPINAS. E A HORA QUE VOCE ESTIVER SAINDO NA SUA
CARANGA NOVA, VOCE VAI LEVAR TANTO TIRO DE AR15 QUE A PERICIA
NÃO VAI NEM CONSEGUIR CONTAR AS PERFURAÇOES.
O MESMO SE APLICA AO OUTRO PROMOTOR DE XXXXX QUE MORA EM
CAMPO LIMPO. VAMOS MANDAR METRALHAR O CARRO QUE LEVA AS
CRIANÇAS PARA A ESCOLA.
POR UM QUILO DE PÓ O PCC FAZ O TRABALHO PARA NOS.
TENTA FAZER SO UMA SACANAGEM. SÓ MAIS UMA.
MATAMOS VOCE E SUA FAMILIA TODA. NÃO NECESSARIAMENTE NESSA
ORDEM.

TEXTO 7 – Ameaça encomendada por presidiário


Data da reportagem: 07/10/2013
Data da escrita da carta: não informada
Contexto: carta escrita de dentro de presídio em Teresina

Transcrição:

(página 01)
E ai Balbino quem fala é o irmão Daniel, olhe só Balgino to precisando que você
solucione uma questão pra mim se encontra na cela 06 uma pessoa de nome “Valter
Ricardo” ele virou evangelico, o que acontece é que ele ta envolvendo pessoas
inocente no “BO” dele, ele tá dizendo que um primo meu ta junto com ele na morte
de um político da região de São Julião – PI o que é mentira e além do mais ele
andou falando que vai continuar acusando meu primo desse homicídio, quero que
você fale com ele ai pra tirar o nome do meu primo dessa branca pois meu primo é
um cara homem e não merece isso, tá ligado? A audiência será segunda-feira

(página 02)
Próxima e se ele voltar a acusar ele pode sofrer por isso. Você Balbino tá ligado que
a atitude desse cara é errada e mostre a ele diga pra ele qual a real e mande a
resposta urgente pra mim saber qual vai ser a dele.
263

Qual é a tese dele na audiência pois já tou sabendo que ele vai continuar
acusando e vai volta pra cá. Então veja ai se ele vai mudar a história ou vai acusar
Fico na fé e mande a resposta logo.
Ass: Magão Latro.
Pau – B –

TEXTO 8 – Ameaça de presidiário a diretor de presídio


Data da reportagem: 08/10/2013
Data da escrita da carta: 04/10/2013
Contexto: bilhete encontrado em uma cela em Araguaina. Foi escrita por um
condenado por latrocínio

Transcrição:

Araguaina – TO 04 de Outubro de 2013


Aí seu Wanderlan eu Ademir estou ti dando esse prazo ate segunda-feira para
resolver minha situação por que só morreu 2 mais se você não mandar eu para o
prédio eu vou começar uma greve de fome segunda-feira daí e que vai morrer de
comforça
E segunda vai mais uns presunto ok. Se não vai ser aquilo tudo
Ass: Ademir
Quero a resposta até mais tarde.

A escolha e sua. Ok..


Aguardo resposta
Ass. 1533

TEXTO 9 – Suposta ameaça a rivais


Data da reportagem: 09/07/2014
Data da escrita da carta: não informada
Contexto: dois jovens presos detinham a carta
264

Transcrição:

EI É MELHOR VC SAI DA Q DESSA RUA.. NOIS TA SABENDO Q VC TA FALANO


MUITO E NOIS TA AVISANDO VC TEM FILHO SE Q CRIA ELES SAI. VIU. E NÃO
VA ATRAIS DE CONVERSSA NÃO VIU. ASINA. O CRIME

TEXTO 10 – Ameaça do Comando Vermelho


Data da reportagem: 01/03/2015
Data da escrita da carta: 28/02/2015 (entrega da carta)
Contexto: carta entregue a motorista de ônibus incendiado em Tocantins

Transcrição:

Salve Geral
Comunicado a todas as Autoridades do Poder Judiciário do Estado do Tocantins.
Vocês pensam que estamos só com apoio e conhecimento. Para quem pensa não
estamos não.
O comando (ilegível) existe e somos o Poder.
O que vier acontecer será de toda e total responsabilidade de vocês.
E essa são as reivindicações se a oprimição continua dentro do sistema
independente de qual presídio a chapa vai esquentar e sera dentro e fora do
presídio. O discaso com nossas visitas de nosso familiares e super lotação nos
presídios. E os desrespeito com nossa luta não sera mais tolerado e a cobrança
será severa.
Esse é só o começo se não quiser ver estado em chamas, de a atenção e devido
respeito com nossa Organização Não somos um grupo nem uma gangue de canto
de rua Somos facção Somos Comando Vermelho e somos o BRASIL todo. Hoje foi
um ônibus Amanha pode ser um quartel, uma delegacia, ou uma das suas viaturas.
E pense bem antes de qualquer decisão pois somos o crime e estamos
preparado para o problema.
Ass.
CV
265

TEXTO 11 – Carta de ameaça a conselheira tutelar

Data da reportagem: 18/06/2015


Data da escrita da carta: sem informações
Contexto: Carta entregue a Maria Concebina, conselheira tutelar

Transcrição:

Um aviso te
dou é melhor voce
sumir se não quizer
perder a língua
ou terminar numa
vala morta
dona maria
(embaixo, há o desenho de uma cruz com os dizeres na vertical “você vai” e na
horizontal “morrer”)

TEXTO 12 – Carta de ameaça com reivindicações de presidiários


Data da reportagem: 06/07/2015
Data da escrita da carta: 05/07/2015 (entrega da carta)
Contexto: carta entregue a motorista de ônibus incendiado no Ceará
Transcrição:

CPPL 1 É CARRAPICHO

REIVINDICAMOS O DIREITO DOS PRESOS, RESPEITO COM OS PRESOS


E SUAS VISITAS.
ATENÇÃO POIS ESTAMOS COM FALTA DE ÁGUA E DE ENERGIA
CUIDADO COM AS COMIDAS NAS VISTORIAS, POIS VARIAS VEZES SÃO
DERRAMADAS NO LIXO
PEDIMOS QUE NÃO RETIRAM OS PRESOS DE CELA PRA BATER
266

PEDIMOS QUE CUMPRA-SE NOSSAS EXIGÊNCIAS, POIS SE NÃO


VAMOS COMEÇAR A TIRAR A VIDA DOS AGENTE

FORTALEZA, 03 DE JULHO, 2015

TEXTO 13 – Carta com ameaças e instruções acerca de bomba

Data da reportagem: 18/12/2015


Data da escrita da carta: 18/12/2015
Contexto: carta deixada com empresário sequestrado. Digitada em computador.

Transcrição:
Atenção siga as orientações e tudo correrá bem.
Não haverá feridos se você seguir atentamente os itens
Relacionados abaixo:
Não deixe o carro morrer.
Não desligue o rádio.
Não desligue o ar condicionado.
Não use setas e não ligue o pisque alerta
Celular
Não ligue para ninguém!
Só atenda para receber instruções “desconhecido” ou “Viva Democracia”

Entre por detrás da Igreja do Carmo, no centro de Santo Andre, passe pelo
cartório e estacione na Oliveira Lima.

Não tente sair do carro em nenhum momento. Temos controle via rádio com o
artefato explosivo.
“Só saia do carro quando receber ligação de “desconhecido” ou “Viva Democracia”
autorizando tua saída, com ao código DEMOCRACIA SEMPRE!

Essa ligação será feita logo após as exigências serem atendidas pela imprensa.
Fique calmo, respire e espire devagar.
267

O mecanismo é super seguro, só depende de você para sair-te bem.


Distribua pelo trajeto as exigências, sua segurança depende disso, estamos
monitorando seu trajeto.
Distribua o maior número possível de exigências, a polícia pode se recusar a cumprir
as exigências, quando for acionada.
Peça para as pessoas entregarem as exigências para a imprensa assim que ela
chegar.
Não forneça nenhuma informação sobre os companheiros que te deram essa
missão, como peso altura, tipo físico, sotaque, roupa, veículos de paoio e tipo de
armamento.
De lembranças para o pessoal do GATE eles irão fazer jus aos seus salários,
daqui até que a ameaça a DEMOCRACIA acabe por completo.

TEXTO 14 – Carta de ameaça a vereadores II


Data da reportagem: 15/04/2016
Data da entrega da carta: 14/04/2016
Contexto: uma das três cartas encontradas no parabrisa do carro do vereador
Chiquinho de Assis. Feitas com recortes de revistas, com a primeira frase escrita a
mão.

Transcrição:

LEO 1º AVISO
GUERRA
Com você não tem mais jeitinho
Você arruinou o grupo na cidade e agora
O jeito é mudar o cardápio
Só alegria até agora para aliados do Zé
‘Regra do jogo’
É melhor falar menos, pois você já sabe quem fala demais amanhece como. Como
diz Zé, ta comendo muito mel. Cuidado.
É assim em todo lugar
A gente mata.
268

TEXTO 15 – Carta de ameaça a vereadores I


Data da reportagem: 15/04/2016
Data da entrega da carta: 14/04/2016
Contexto: Uma das três encontradas no parabrisa do carro do vereador Chiquinho
de Assis. As frases, em cores e fontes diferentes, foram digitadas de forma que
ficassem espalhadas pelo suporte, folha de papel, não dispondo de uma ordem
linear. Há a foto de um homem morto.

Transcrição:

LEO 2º AVISO
APAGAREMOS VOCÊS E SEM MEDO.
CHICÚ 1º AVISO
UM INTELECTUAL, IMPERADORZINHO
QUERENDO O QUÊ? TENS FILHO NÉ_
vocês conhecem o sistema bem.
TODOS CALEM A BOCA, SE NÃO UM VAI SER COM A PICARETA,
OUTRO NA LIXEIRA E UM COMO GOSTA DE PNEU SERA
CREMADO COM ELES.
WANDER 1º AVISO
Conhecemos os seus passos.
Não tire o que é meu.

TEXTO 16 – Carta de ameaça a vereadores III


Data da reportagem: 15/04/2016
Data da entrega da carta: 14/04/2016
Contexto: uma das três cartas encontradas no parabrisa do carro do vereador
Chiquinho de Assis. As partes endereçadas diretamente aos vereadores são
digitadas. O restante da carta é composto por recortes de outras digitações, alguns
da primeira carta, e figuras.
269

Transcrição:

LEO 2º AVISO
APAGAREMOS VOCÊS E SEM MEDO.
Leozinho como você gosta de pó poderá virar pó. Vc acha que enganha
Vc é o maior picareta.
CHICÚ 1º AVISO
Conhecemos os seus passos.
TODOS CALEM A BOCA, SE NÃO UM VAI SER COM A PICARETA,
OUTRO NA LIXEIRA E UM COMO GOSTA DE PNEU SERA
CREMADO COM ELES.
WANDER 1º AVISO
SEUS PASSOS ESTÃO MONITORADOS.
SABEMOS ONDE TE ENCONTRARNOS.
FINAIS DE SEMANA. POLITICOZINHOS!
FIQUE ATENTO
Vocês conhecem o sistema bem.
Não tirem o que é meu.

TEXTO 17 – Ameaça de terrorismo


Data da reportagem: 16/01/2018
Data da escrita da carta: 15/01/2018 (data de encontro)
Contexto: carta deixada no Fórum da cidade de Senador Pompeu, no Ceará

Transcrição:
Viemos aqui por meio dessa carta informar que nos do xxxxx estamos exigindo a
transferência de um irmão nosso: xxx que esta cercado pelos vermes do xxx, e esse
recado vai pro juiz, do legado, promotor, pra xxx que desacreditar do xxx da capital,
somos o crime organizado, e se as nossas exigências não forem obdesidas, senador
Pompeu vai pegar fogo órgão publico var o nosso alvo.
Ass: xxxx
270

TEXTO 18 – Ameaça a ladrões


Data da reportagem: 14/06/2016
Data da entrega da carta: sem informações
Contexto: carta anônima, digitada em computador, com ameaça a bandidos que
agem no bairro Horizonte, em Fortaleza.

Transcrição:

ATENÇÃO
COMUNICADO EM GERAL
NOS QUE SOMOS CRIAS E ORIUNDOS DE NOSSA CIDADE
VINHEMOS ATRAVÉS DESTE COMUNICADO INFORMAR PARA AQUELES QUE
VEM DESRESPEITANDO TODAS AS COMUNIDADES E A TODOS OS CIDADÃOS
DAS QUEBRADAS DA CIDADE DE HORIZONTE.
QUE NOS NÃO PERMITIMOS MAIS ESSE TIPO DE ATITUDES QUE ESTÃO
AGINDO EM NOSSAS QUEBRADAS. AS QUAIS SÃO ROUBOS DE PEQUENOS
PORTE. DO TIPO CELULARES, BICICLETAS, COMERCIOS E ETC...
ENTÃO QUEREMOS DEIXAR BEM CLARO PARA OS QUE JÁ VEM AGINDO
DESSA FORMA HA MUITO TEMPO QUE SI VINHER A DESRESPEITAR OS
NOSSOS BAIRROS. MANGUEIRAL, MUTIRÃO, SEM TERRA, PLANALTO,
PARQUE DIADEMA, CARANDIRUM 1.2.3.4 , ÁREA VERDE E AS ADJACÊNCIA
POR PERTOS DESSES BAIRROS E DE TODAS AS COMUNIDADES. NOS
VAMOS COBRAR A ALTURA ONDE O PODERÁ PAGAR ATÉ COM SUA
PRÓPRIA VIDA.
ENTÃO MEUS FILHOS AMADOS QUE DEUS TOQUE NO CORAÇÃO DE CADA
UM DE VOCÊS QUE VEM AGINDO DESSA FORMA QUE NÃO PASSA POR CIMA
DA NOSSA PALAVRA E NEM TRAGA PROBLEMAS PARA SUAS QUEBRADAS
PARA QUE NÃO VENHAM PERDER SUAS VIDAS. E AQUELES QUE QUISEREM
O NOSSO RESPEITO E APOIO AGINDO PELO CERTO PODE CONTAR COM
NÓS. AGRADEÇO A ATENÇÃO E A COMPREENSÃO DE TODOS.
ASS. O CRIME DO ESTADO DO CEARÁ E DA CIDADE DE HORIZONTE. G.D.E.
271

TEXTO 19 – Ameaça ao governador do Ceará

Data da reportagem: 18/07/2016


Data da escrita da carta: 17/07/2016
Contexto: crime organizado ameaça o governador Camilo Santana em carta deixada
em um veículo queimado em um ataque. Carta digitada no computador.

Transcrição:

F.I.P.I
D.P.O.E
Atenção

Salve geral seu governador de merda se você não parar com a opressão dentro do
sistema penitenciario (CPPL1, CPPL2, CPPL3, CPPL4, CPPL5, CPPL6, Carrapicho,
Pacatuba, IPPO2, Auri moura costa mas Principalmente na CPPL1, Onde se
encontra vários irmãos e cmpanheiros nossos sendo espancados, oprimidos e
mortos pela POLICIA (F-I-P-I e D-P-O-E) Se não retirarem esses policiais de dentro
das Cadeias Vamos Transformar o Estado do Ceará no Caos e Não vai ter mais
PAZ. (Nós gostamos de PAZ mais não fugimos da GUERRA!!!

Ass: O Crime do estado do Ceará...

TEXTO 20 – Ameaça a moradores em São Bernardo do Campo


Data da reportagem: 23/08/2016
Data da escrita da carta: sem informações
Contexto: trecho de carta que circula na internet endereçada a moradores dos
bairros Calux e Planalto, de São Bernardo do Campo

Transcrição:

Viemos por através de este comunicado trocar um papo para toda comunidade, pois
enfrentamos varias lutas para a comunidade estar da forma que esta!!!
272

Viemos deixar todos cientes que em cima de qualquer situação que vier ocorrer
dentro da comunidade para não chamar a policia estar chamando-nos que esta de
linha de frente da quebrada, que estaremos dando o apoio necessário...
Viemos então trocar um papo para evitar problemas futuros!! Não iremos admitir:
Desrespeito com moradores, usar droga na porta dos moradores, trazer veiculo
roubado para dentro da comunidade, durante o horário que as crianças forem para a
escola evitar ficar fumando maconha nas praças, não vamos admitir que ninguém
fique brigando no meio da rua, queremos respeito de um com o outro que aquele
que vier a passar por cima da nossa disciplina estaremos trocando um papo e
pedindo cobrança a altura.

TEXTO 21 – Ameaça devido ao Uber


Data da reportagem: 18/10/2016
Data da entrega da carta: 17/10/2016
Contexto: Ameaça de grupo criminoso a vereador contra entrada de Uber em
Florianópolis.

Transcrição:

Se o Uber entrar em Floripa tu vai pra vala seu plaiboi filho da puta
deixa os irmãos taxistas em paz seu jaguara verme

TEXTO 22: PCC ameaça governo do Rio Grande do Norte


Data do post: 18/01/2017
Data da escrita da carta: 16/01/2017
Contexto: cartaz encontrado após atentado contra a sede da Guarda Municipal de
Fortaleza

Transcrição:

Se o governo do Estado do Rio Grande do Norte mexer com integrantes do Primeiro


Comando da Capital (PCC) no presídio de Alcaçuz o Brasil todo vai estralar.
273

Assinado:
PRIMEIRO COMANDO CApital – 1533

TEXTO 23: Carta do sindicato do crime do RN


Data da reportagem: 18/01/2017
Data da escrita da carta: não informada
Contexto: carta ameaçando a segurança pública no estado no Rio Grande do Norte

Transcrição:

(primeira página)
SINDICATO DO CRIME DO RN
COMUNICADO

ESTAMOS AQUI EM MEIO A ESSE COMUNICADO PARA DEIXAR BEM CLARO


QUE SOMOS A FRENTE DE TODO O SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DO RN,
NÃO ESTAMOS AQUI PRA MEDIR FORÇAS COM O GOVERNO DO ESTADO,
MAS TAMBÉM NÓS NÃO IREMOS ACEITAR PERDE PRA OS VERMES DO PCCU
NEM UM PRÉDIO NOSSO.
SE QUEREM LEVAR OS PCCU PRA ALGUM LUGAR, QUE LEVEM ELES PRA
CARAÚBAS, PAU DOS FERROS OU PRA SÃO PAULO QUE O LUGAR DELES DE
ORIGENS, DEIXAMOS BEM CLARO QUE SE CASO VINHEREM A MEXER COM
ALGUM DE NOSSOS PRÉDIOS IREMOS REAGIR A ALTURA, POIS SOMOS MAS
FORTES AINDA NA RUA, TEMOS INTEGRANTES DISPOSTOS A CONCLUIR
TODOS OS NOSSOS SALVES, IREMOS ATACAR TODOS OS TIPOS DE
(verso da página)
ÓRGÃOS PÚBLICOS IREMOS CAUSAR UM CAUS NO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE.
DE INICIO VAMOS TOCAR FOGO EM ÔNIBUS DELEGACIAS, CARROS DO
GOVERNO TODOS ÓRGÃOS PÚBLICO COM EXEÇÃO DE ESCOLAS E
HOSPITAIS. TOMAR ARMAS DE VIGIAS, MATAR POLICIAIS E AGENTES
PENITENCIÁRIOS ATÉ VOCÊS AUTORIDADES COMPETENTES NOS OUVIR.
IREMOS TAMBÉM MOSTRA QUE PREDOMINAMOS EM TODO SISTEMA
274

CARCERÁRIO VAMOS QUEBRAR TODAS AS UNIDADES QUE PODEMOS PRA


ASSIM VOCÊS VER QUE ESTAMOS DANDO FORÇAS A QUEM NÃO TEM POIS
NÃO ACEITAREMOS PERDE NADA QUE É NOSSO.
ESTAMOS PRA RESOLVER DA MANEIRA QUE VOCÊS AUTORIDADES VENHA
NOS OUVIR NÃO INICIAMOS A GUERRA, MAS, TAMBÉM NÃO FUGIMOS DELA.
ATENCIOSAMENTE FINAL E CONSELHO DO SDCRN

TEXTO 24 – Carta dos Guardiões do Estado


Data da reportagem: 19/04/2017
Data da escrita da carta: 19/04/2017
Contexto: facção cearence assumindo autoria de ataques

Transcrição:

GUARDIÕES DO ESTADO
AVISO PARA GOVERNO CORRUPTOS SE MEXER COM NAS UNIDADES
PRISIONAIS IGUAL ESTÃO FAZENDO IREMOS PARAR O ESTADO DO CEARÁ E
EXPRODIR A SECRETARIA DE SEGURANÇA E AQUELE AVISO NA
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CARRO BOMBAS VAMOS FAZER VALER
DESSA VEZ. GOVERNO CORRUPTOS PAREM AGORA OU CEARÁ IRA VIVER
UM MÊS DE TERROR ATENTADOS E EXPLOSÕES NOS PRÉDIOS PUBLICOS
TODOS INOCENTES MORTOS SERÃO GOVERNO RESPOSABILIZADOS POIS
IREMOS ATACAR OS ORGÃOES PÚBLICOS E PARA O ESTADO AQUELES
FUNCIONARIOS PUBLICOS DO GOVERNO QUE NÃO SAIAM DE SUAS CASAS
POIS PODERAM SOFRER NESSA GUERRA CONTRA O GOVERNO ACASO
NOSSA ORDEM NÃO SEJA ACATADO
QUEREMOS TRANSFERÊNCIA DE MEDIATO DA CPPL2 OU TIRA OU NÃO VAI
PARA OS ATAQUES!

GDE745

TEXTO 25 – Carta Guardiões do Estado II


275

Data da reportagem: 19/04/2017


Data da escrita da carta: 19/04/2017
Contexto: facção cearence assumindo autoria de ataques

Transcrição:

ATENÇAO

AQUE E A G.D.E PORRA VOCES VEM COM OPRESSAO ENTAO NÓS VAI
TREMER O ESTADO SE VOCES NAO NOS ATENDER.

NOS QUER ESPAÇO DENTRO DO SISTEMA PORQUE NAO TEM CONDIÇÃO DE


ESTAR SO DENTRO DE UM SISTEMA.
NEM LUGAR PRA DORMIR NEM ANDAR NOS TEM.

E NOSSOS BENEFICIOS QUE VOCES TOMARAM E ETC.

ASS GUARDIOES DO ESTADO

Você também pode gostar