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Título original:

Les grandes théories de La linguistique


©Annand Colin, 2003
Coordenação Editorial
Editora Claraluz
À Sylviane
Revisão Técnica
Rosário Gregolin "0 passo mais difícil no estudo da
linguagem é o primeiro" (LeOnard
Bloomfield).
Diagramação
Maíra Valencise
Para Claudine
Elaboração de Capa
Dez e Dez Multimeios "A linguística conduz ao mais belo
resultado de toda ciência, que é o de
Impressão e Acabamento ligar ao grande todo as partes
Suprema Gráfica aparentemente mais fragmentárias"
(Gaston Pairs).
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca do ICMC/USP

P337g Paveau, Marie-Anne.


As grandes teorias da lingüística : da gramática compara-
da à pragmática I Marie-Anne Paveau, Georges-Elias Sarfati ;
Tradutores Maria do Rosário Gregolin, Van ice Oliveira Sargentini,
Cleudemar Alves Fernandes. - São Carlos : Claraluz, 2006.
256 p. ; 26 cm.

ISBN 85-&8638-13-4
1. Lingüística - Século XX. 2. Lingilística - Teoria. 3. Lingüística -
Aspectos epistemológicos. 1. Sarfati, Georges-Elia. li. Gregolin, Maria do
Rosário, trad. 111. Sargentini, Vanice Oliveira, trad. IV. Fernandes, Cleudemar
Alves, trad. V. Titulo.

©Editora Claraluz
Rua Rafael de Abreu Sampaio Vidal, 1217
São Carlos - SP 13560-390 Fone/Fax ( 16) 33748332
www.cdltoraclaraluz.com.br

.1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO

Introdução 7 . 1· ... tº asceu com Saussure e o


Segundo as representações usuais, a mgu1s 1ca n ,.. . d
. .. . . . d fi _, d disciplina con1enn o-
Curso de /111g111s11ca geral (CLG). Essa posição e me a uoxa a
. bé 1· 1'tes freqüentemente
lhe. ao mesmo tempo, sua aparente homogeneidade mas tam m 1m
Capítulo 1 A gramática comparada 9 restritivos. d
Neste livro, tentamos, de nossa parte, primeiro dar uma visão coer~nte as
concepções lingüísticas do século XIX que integre as principais cesuras teóricas ~or
Capírulo 2 A evolução da g ramática compara da 25
meio das quais, a partir de então, reunem-se as condições de desenvolvimento ui tenor
da ciência da linguagem do século XX. Com efeito, a apresentação das grandes etapas
Capítulo 3 A recepção frances a d a gramática comparada 43 do pensamento lingüístico entre 1800 e 1900 possibilita uma melhor compreensão das
conceituações contemporâneas. É por isso que esta obra pretende ser um panorama
das teorias lingüísticas, desde a gramática comparada (a partir do século XIX) até os
Capítulo 4 F. de Saussure: a teorização da lingüística moderna 63 questionamentos teóricos mais recentes.
Esta obra procura responder a uma tripla exigência: pedagógica, histórica e
Capítulo 5 A recepção francófona do CLG: estruturalismos 85 epistemológica.
_ Uma exigência pedagógica: o livro propõe aos estudantes de c iê nc ias
humanas, mas também aos seus professores, a primeira siotese global das grandes
Capítulo 6 Os estruturalismos funcionais 115 teorias lingüísticas apoiada na mobilização dos grandes quadros conceituais que
balizam a formação da disciplina. Isso implica certas escolhas por parte dos autores,
cujo esforço de esclarecimento não visa a uma restituição exaustiva dos conhecimentos
Capítulo 7 As teorias funcion alistas 135
teóricos, mas prioritariamente uma melhor transmissão dos saberes lingüísticos;
_ Uma exigência histórica: trata-se de dar ao leitor uma visão de conjunto,
Capítulo 8 Formalismos: do descritivismo ao gerativismo 147 geral e dinâmica, que evite, o quanto possível, os posicionamentos redutores e
dogmáticos;
_ Uma exigência epistemológica: esta obra pretende contribuir para uma
Capítulo 9 As lingüisticas enunciativas 173 melhor compreensão da disciplina lingüística, de suas fundações, de seus bastidores
teóricos e de sua evoluções.
Capítulo 1O As lingüisticas discursivas 191 Esta obra comporta onze capítulos, construídos e organizados segundo um
. d
perspectiva que respon e, tanto quanto possível, a uma progressão h"sto' ·
a
· · filº E 1 nca
preocupa.da em restituir as 1 1ações. . m cada t 11Q1
,.. · o
l Capítulo 11 As teorias pragmá ticas 215 . caso, nosso interesse fundame na
de respeitar, ao mesmo tempo, a singularidade das teorias e suas dete · õ
conceituais e históricas. rmmaç es
Conclusão 247 O capitulo 1 expõe, em suas principais articulações as cond"çõ à ·
• · d · • 1 · es s quais a
emergenc1a a gramática comparada continua indissoluvelme t r d .
grandes momentos do primeiro comparatismo (essencialmente n efi :;ª.a, nos dois
Bibliografia 249 versão historicista, instaurando, a parti r desse momen mor o g1co),: de sua
desenvolvimento da lingUlstica. to, as perspecti vas d o
Índ ice de autores 261 O capitulo 2 toma como principais objetos os tem d
aos excessos do comparatismo especulativo das .· as ª reação neogramática
. . o11gens. Ele evoca c .
nova ori entação teórica - notadamente ligada à 1 b . om precisão a
Índice remissivo 265 conceito de lei fonética-e finaliza com a evpo . eã adoração, assim como à crit.ica do
" s1ç o a reflexã · •
O capitulo 3 privilegia as perspectivas segundo a o i~ovadora de Whitney.
francesa, pouco a pouco, fez suas as interrogações r 1 s quais a escola lingülstica
ormu adas em outros pa·
ises, quer
~~

a • A.s Cn1111/a Tl'9t'i11J 1/11 / ,1111.1111111,1

se tratem da construção de domínios específicos (romanisticos, dialectol' .


.
emergência de one11t;1çõcs • .
tconcas ale. cntao
- 1neu1
. -.1·1as ( particularmente
. asog1
l cos1. •da Capítulo 1
semântica nascente), ou 11111ua
• . 1 .1
ua smgu
• .. uma re nexão fundament conas da
1an.d ade ue
às condições de uma ciência da linguagem (Henry) - tanto quanto de ~1tocante
crnciais que acomptmham as e1aboraçÕes do primeiro
(Meillet).
. . modelo lingüístico com omentos
P1eto
A gramática comparada
O capitulo 4 considera a dimensão da ruptura teórica promovida
pensamento de Saussure a partir · d as conce1tuaç
· ões d"1stmtivas
· · dos ensinamentospedo 10
Curso de Lingiiística Geral: desde a caracterização de um método próprio no qual se 1.AS ORJGENS
desenvolve a autonomização da lingüística até a formulação das divisões teóricas eda Esta denominação consagrada pelo uso designa tradicionalmente os
concepção sistemática de seu objeto, a língua. desenvolvimentos da lingüística durante o século XIX, especificamente no
O capítulo 5 analisa o CLG, visto agora da perspectiva da posteridade, ou período que vai de 181 Oa 1875.
seja, avaliado a partir de suas incidências sobre três pensamentos lingüísticos que Ela recobre, de fato, dois momentos distintos da disciplina que, para definir
renvindicam explicitamente a denominação de "estruturalista". Éo caso respectivamente suas especificidades, convém expô-los separadamente. Estritamente falando,
da alternativa aberta pela estilística (Sally), ou, mais fielmente talvez, de duas outras a gramática comparada concerne tanto a um domínio de estudos quanto a uma
interpretações que constituem a psicomecânica (Guillaume) e a sintaxe estruiural orientação da 1ingUística que consistiu cm estabelecer as ligações de parentesco
(Tesniere). existentes entre dois ou vários idiomas separados no tempo e, mais
O capítulo 6 expõe, com detalhe, as implicações da interpretação estrurural- freqüentemente, no espaço. Foi somente a partir de 1860, aproximadamente,
funcionalista do CLG: desde a contribuição fundadora do Circulo de Praga (marcada que a gramática comparada orientou-se para a lingüística histórica, com o
pelos trabalhos de Troubetskoi' e Jakobson), até as conceituações, decisivas para a programa explicito de reconstituir com detalhe o intervalo e as linhas de evolução,
semiótica, do Círculo de Copenhague (Hjelmslev). inacessíveis, que, em princípio, ligam numa relação de dependência (ou de
O capitulo 7 especifica as linhas da leitura funcionalista da contribuição "filiação") uma língua B - atual ou tardiva - a uma língua A que lhe é
saussureana. Ele mostra notadamente a particularidade de uma orientação que. cronologicamente e culturalmente anterior.
ordenada a partir do mesmo ponto de partida, diversifica-se graças a três tentativas de
reconstrução da ciência lingüística (Martinet, Halliday, Jakobson). 1.1. A impulsão
O capítulo 8 expõe as principais opções teóricas da interpretação fonnalista. A abertura do que será o principal canteiro científico do século XIX em
marcando segundo quais linhas de progressão os principais protagonistas desta matéria de reflexão e de pesquisa sobre a linguagem e sobre as línguas é
orientação situam-se cm relação ao postulado dinâmico (Sloomfield, Harris, Pike, Gross, atribuída à "descoberta" da língua brahmi (sânscrito) por eruditos e tradutores
Chomsky). ingleses no final do século XVIII.
O capítulo 9 é inteiramente consagrado às teorizações que. provindas de w. j 0 nes ( 1746 - 1794), promotor da Sociedade Asiática ( 1784) e iniciador
Sally e de Sakhtin, tentam pensar os mecanismos da discursivizaçào, abrindo~ reflexão dos estudos sobre o sânscrito, destaca a importância dessa descoberta. Ele,
lingüística à problemática da enunciação, integrando, segundo ênfases diversas. 3 com efeito, evidenciou o fato de que o sânscrito, o latim e o grego apresentam
questão das regulações do discurso . e do lugar que nele ocupa o suJe1 · ·to falante "afinidades tanto nas raízes dos verbos quanto nas fonnas gramaticais, que
(Senveniste, Ducrot, Culioli). •• c· não podiam ser atribuídas somente ao acaso; afinidades tais que nenhum filólogo
, · · no qua1ac1c11 13 saberia lhes examinar, mesmo superficialmente, sem ser convencido de que
O capítulo 1Odelineia, com a precisão poss1vel, um dom11110 b'etOS
da linguagem tenta ultrapassar os limites de uma ling!lística restriln somente aos. ~.:~icia. essas línguas derivam de uma origem comum, que talvez nem exista mais"
morfossintáticos. Três importantes linhas de pesquisa respondem a esta elx(ig\ Jrun). (apud LYONS, 1970, p. 22).
cada uma a seu modo, com um programa teórico ong111al: . . n r·111gu1s.1
··· t'cn tcx1ua
· / l· Essa mesma constatação, recuperada por numerosos estudiosos, está na
a análise do discurso (Maingueneau) a semântica de textos (Rnst1cr). . , \.: rios origem de um desenvolvimento imprevisível dos conhecimentos sobre a
, . . 1uc·1so1 ·1 linguagem e a formação de línguas.
O c:ipftulo 11 considera a originalidade da pcrspccllvn pragm.i ' . rccóric:i
pon l os .1uc vista:

sua origem

lilosófica (J\uslm. • G ncc ' com aind:1
. )• ~un re•111"110 •1 su:i
contemporânea (Pcrclmun), sua contribuição i\ lingOlst1c11 (Oucrot).. 0 11·~o de su:is 1.2. Os precedentes
rei omaua.1
sob a ó l1ca
. cognitivista (Sperber-Wilson . )• cn 1·1m d11 gc111:rallzaç. ) Embora a análise de semelhanças (sânscrito/grego/latim) tenha sido decisiva
abordagens no quadro de uma semiótica comprcens1vn . (Escoln de r '·1lo Alto · para a abertura de um setor científico imenso - o domínio dos estudos indo-

--
10 • ~ '1 C n111d11 '/ fori111 1'11 1 .ilJ.(HÍJlitu
,
A (,rr11ntitit11 Co111/Mrmffl . 11

europeus-, convém lembrar que o tipo ele curiosidade intelectual s .


· 11:10
esse d0111 flllO "' f'01· nem o un1co
· · . . em seu gênero.
nem o primeiro ' N USCilado
d Por 0 começo dos estudos indo-europeus. Antes ele considerar as grandes etapas
dos séculos XVII e XVIII, com efeito, várias iniciativas tão notã 0. ecorrer dessa disciplina, é necessário precisar que o estudo dos parentescos linguísticos
·
am b.1c1osas J< · s1'do concebi'd as e lograram resultados consi'd
·á 1mv1am 'veis· quant
. 0 foi. primeirmnentc, devido ao~ linguistas que trabalhavam fora do domínio indo-
· · d
perspectiva comparat1sta espertara a atenção de certos gramárcraveis . ·A europcu. tais como: P. Sanov1cs, autor de uma Démonstration que /e hongrois
exemplo, H. W. Ludolf (1624 - 1704) provou de maneira conc'c 5: por
· 'd d · 'd . 1us1va a
° 111 /e /apon sollf une seu/e el 111ê111e tangue ( 1770), ou S. Gyarnathi, autor de
uma Démonstration de /'afflnilé linguistique du hongrois et du flnnois
pr~x1~11 a e e a contmu1 ade existente entre o etíope e o amharique. G. W
Le1bn1tz ( 1646 - 171 6), paralelamente a seus trabalhos de matemático enco · · (1799).
. . - d · · • lajOU
a co~s_t1tu1çao e uma. v~~ta .enc1clopéd1a d~ línguas faladas nas fronteiras do
lmperio Rus~~· Essa~ m1c1at~vas, bastante diferentes, mas parcialmente plenas 1.3. O método comparativo
d~ no~o espmto enc~clopé~t~?· definiam, com um.a 7e.rta o~dem, orientações Como destaca G. Bergougnioux:
m111uc1osas de pesquisa. A 1de1a segundo a qual ex1stmam ligações históricas
entre diferentes grupos de línguas advém, muito mais, é verdade, da intuição A lingüística constitui-se como ciência a partir do momento no qual a descrição
de uma língua (sua forma fonética, sua organização sintática, seu semantismo)
que da certeza científica rigorosamente fundada. Mas algumas observações não foi mais efetuada por uma análise interna, imanente, mas pela comparação
práticas já estão formuladas, e por mais que não se possa falar propriamente com diferentes línguas. ( 1994, p.123).
de um programa de pesquisa, os intelectuais de então dispõem de provas iniciais
tangíveis e, sobretudo, de um verdadeiro horizonte de trabalho. Novas iniciativas O comparativismo lingüístico, assim definido em seu princípio, pode ser
juntam-se às primeiras. Em 1756, A. Turgot redige para a Encyclopédie1 um resumido a duas orientações fundamentais. A partir da constatação da analogia
artigo fundamental ("Etimologia") que será objeto de reflexão para os primeiros notável indicada pela aproximação do sânscrito, do latim e do grego (num
compara tistas (em particular o dinamarquês R. Rask). O linguista J. C. Adelung primeiro momento) e depois do sânscrito com um grande número de línguas
(1732 - 1806) - cujo Dictionnaire2 assim como os trabalhos de gramática européias (antigas e modernas), os primeiros comparatistas levantaram a
contribuem para a normatização da língua alemã - pretende redigir, de um hipótese de que existia entre essas línguas diferentes tipos de afinidades
outro ponto de vista, um tratado completo das línguas então conhecidas. A obra ("parentesco") as quais era preciso verificar segundo as seguintes perspectivas:
intitulada Mithridates (em referência ao soberano poliglota da antiguidade _ de que as línguas (da Índia à Escandinávia) são procedentes por
grega) é lançada postumamente, mas inacabada, já que seu autor não pôde "herança" das transfonnações de uma mesma língua-tronco ("o indo-europeu")
ultrapassar o tratamento das línguas asiáticas. O empreendimento de Adelung desconhecida mas acessível por reconstmção;
deve ser aqui mencionado em razão da idéia que essa conduta inspira. Na falta _ de que é possível, por meio da comparação de seus elementos
de um aparelho filológico suficientemente estável - em função da insuficiência gramaticais (do que decorre a denominação de "gramática comparada"),
do saber filológico de seu tempo - o autor fundamenta-se engenhosamente no estabelecer as correspondências formais entre essas línguas, ou ainda, de
critério empírico da proximidade geográfica das línguas descritas para sustentar restabelecer os detalhes de sua evolução, ou, na impossibilidade disso, de
a hipótese de seu provável parentesco. Na mesma época, P. S. Pallas ( 17.41 - estabelecer essa mesma evolução nas suas grandes linhas (segundo o esquema:
1811) publica em São Petersburgo, em latim, um Vocabulaire compare des língua mãe/ grandes línguas I famílias de línguas).
tangues du monde ( 1786 - 1789). Fundamentando-se nessa obra, qual ele ?ª
propõe uma análise aprofundada, C. J. Kraus afirma que a contnbu1çào ~e 2. O ADVENTO DA DISCIP LINA
Palias constitui uma orientação muito confiável. Para fazer progre?1r Do ponto de vista terminológico, as denominações variaram no curso de
sensivelmente a ciência das línguas, ele continuará a aprofundar a pesqu~sn um intervalo muito breve, o que é indício de um domínio em busca d~ se~s
sobre a repartição geográfica das línguas, interessando-se também, de maneini quadros e de suas referências. A expressão "indo-europeu" apareceu em 111gles
detalhada, pela sua organização fonética, morfológica, e semântica. ~embm,mos e.~ 1814, concorrente, em alemão, da expressão indogerm.an!sc.h
que é nesse ponto da história que intervém a descoberta do sânscrito ( 1784) e ( tndogermànico"), sob a pluma de A. F. Pott, a partir de 1833. Os principais
artesãos do domínio indo-europeu recrutam-se, com poucas exceções, entre
os er~dilos e cientistas alemães: Schlegel, Grimm, Humboldt, Bopp, Pott,
1 NT: Trata-se da enciclopédia froncesn intitulndn Eucy dopédic 011 Dictiv1111nilv Raisounéi/es Schle1cher etc. O desenvolvimento da pesquisa do indo-europeu coincide com
Sclrmces, dc.r Arts ct de.v Métlar.v de Dídcrot e de D' Alcmbcrt ( 1756).
2 ADELUNG, J. C. Dlcllonna lre gra mma llcRI et critique, Leipzig. 1774 -1786, 5 vol. ?S momentos mais marcantes do romantismo - nol'adamente filosófico -, no
intervalo de duas gerações: Herder ( 1744 - 1803) e Goethe ( 1749 - 1832) de

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lado, l legcl ( 1770 - 1831) ele outro. Nesse sentido, Robins evidencia fato
deqm:: 0 expõe em La littémture et l 'Art ( 1801 - 1804) sua concepção dos mitos
(:malisados como formações inconscientes da imaginação) ou ainda da poesia
Esse período da lingüística é quase o apani1gio da erudição germânica, aqueles e da linguagem. E também A. W. von Schlegcl que propõe uma tipologia
que 1rahalh:u11 com a lingiiística nos outros países ou eram cientistas que haviam tripartite das línguas a partir de então diferenciadas em "isolantes", "afixantes"
eslUdado na Alemanha, como o americano W. D. Whitney, ou alemães e "flexionais". Essa classificação será posteriormente retomada por Humboldt.
expatriados, como Max Miillcrem Oxford. ( 1976, p. 177). Por meio dessa primeira descrição da organização formal das línguas, fixa-se
uma hierarquização filosófica implícita que consiste em observar as línguas
Examinemos, a seguir, segundo quais preocupações são desenvolvidas as flexionais (européias) como provenientes das mesmas formações culturais e,
principais contribuições.
considerando que elas atingiram um grau mais acabado de constituição,
presume-se que tenham maior aptidão expressiva. É sobretudo no quadro da
2.1. F. von Sch legel (1772 - 1829): a idéia de "gramática lingüística histórica que esse ponto de vista etnocenlrista prevalecerá de
comparada" maneira mais explicita.
.A.~ção do: ir.mãos Schlegel mostrou-se decisiva tanto para a propagação
das ideias romanticas quanto para a formulação de perspectivas, tanto cruciais 2.2. J. Grimm (1785-1863): a idéia de "lei fonética"
quanto novas, no domínio comparatista. Eles foram co-fundadores do Círculo Considera-se que o verdadeiro começo da gramática na Alemanha deu-se
Romântico de léna3 e participantes fervorosos do movimento Sturm und Drang a partir da publicação, por Jacob Grimm, da Grammaire Germanique (1819-
(Tempestade e Paixão) que atrairá toda uma geração, durante as duas décadas 183 7). É igualmente a ele que a crítica atribui a lei lingüística que porta seu
de seu desenvolvimento ( 1770 - 1790). Sob a influência de Rousseau dos nome ("Lei de Grimm"). Na verdade, é depois da leitura do primeiro trabalho
Réveries du promeneur so/itaire (Devaneios de um caminhante solitário), de Rask ( 1818) que ele introduziu, na segunda edição de seu tratado de
e do Essai sur /'origine des tangues, o romantismo exalta a sensibilidade gramática (1822), observações que sistematizam certas conclusões do lingüista
(Empfirdlichkeit) contra o racionalismo das Luzes (Aufklãrung). É dinamarquês. Sintetizando, Grimm afinna que as línguas germânicas comportam
notadamente nesse clima intelectual e cultural que os dois autores - ao mesmo regularmente um "f" onde o grego e o latim comportam um " p"; um "p" no
tempo que os irmãos Grimm - instauram as primeiras balizas da disciplina. O lugar do "b''.; uma transcrição análoga ao "th" inglês no lugar do "t", enfim um
próprio termo de gramática comparada (vergleichende Grammatik), atribuído "t" onde outras línguas empregam um "d" etc. Para explicar a regularidade
a F. von Schlegel, apareceu numa publicação da qual o título indica o interesse dessas correspondências, Grimm postulava uma mutação advinda do período
que seu autor, nos rastros de Herder, atribui à reflexão das línguas enquanto pré-histórico do germânico. Como o resume Lyons:
expressão de culturas. O título dessa obra é De la tangue et du savoir des
Jndiens (1808), na qual Schlegel valoriza a análise morfológica e sublinha a As consoantes aspiradas indo-européias (bh, dh, gh) tornaram-se não aspiradas
importância dessa análise para a elucidação das relações genético-lingüísticas. (b, d, g); as consoantes sonoras (b, d , g) tornaram-se surdas (p, t, k); e as
No contexto romântico, a reflexão lingüística e filológica permanece, por outro consoantes surdas (p, t, k) tornaram-se aspiradas (f, th, h). ( 1970, p. 24).
lado indissociável da exasperação da ideologia nacional. Assim a tradução das De fato, essa série de correspondências (sânscrito/grego/latim/gótico)
grandes obras do patrimônio literário europeu e su~ "a.nexaçào" à cult~ra alemã atesta um mecanismo de mutação consonântica (la11/verschieb1111g), que o
participam desse impulso que ultrapassa os limite~ d.a lilolog1a: Essas próprio Grimm esclarece, afirmando que "a mudança fonética é uma tendência
preocupações ressaltam claramente na Histoire de la l1t1erat11re ~11c1em1e et geral" e que "não é seguida em todos os casos". Nós veremos mais adiante de
moderne ( 1815) na qual F. von Schlcgel expõe seus pontos de vista sobreª que maneira a "lei de Grimm" foi em seguida completada, no decorrer dos
função da literat~ra e da filosofia da linguagem. Os mesmos temas per:orren~ últimos 30 anos do século XIX. As pesquisas comparativas de Grimm traçaram
igualmente os escritos de seu irmão A. W. von Schelegel ( 1767-184)). qui: a via por meio de importantes contribuições, tais como as Rec/1erc/1es
étymologiques dans /e domaine des tangues i11do-e11ropée1111es ( 1833 -
1836) de Pott, ou ainda a liistoire de la linguistique et de la pllilologie
orientale en Allemagne ( 1869), de T. Ben fey ( 1819 - 1881 ).
3 NT. O Romantismo alcmllo dividiu-se cm trcs pcrlodos: "Ronmntismo de l~nn", ··Romantismo
de Hcidclberg" e "Romantismo tardio", sendo o primeiro o mnis conhecido e mais imponantc. Com seu irmão W. Grimm ( 1786 - 1859), J. Grimm leva a cabo ainda,
compreendendo o pcrlodo de t 797 a 180 t e organ izou-se cm tomo dos inm'los Schlegcl e da além de muitos outros trabalhos em filologia e lexicografia, a Histoire de la
revista Athe11ii11111.

~
~

JI • .A.t Grt:cdu Tt'CTÍ41 IÍ..l L P:;;nítTIJ / I C rum álit11 y,,,fHm1rl11 • U

langue a/le111a11de ( 1852 - 1859). assim como o Dictio111wire ai/emanei ( 1852 provável do qual procede - no quadro de sua investigação - a antiga língua
- 1859). O 7nrusiasmo suscita?o pelo rom~n~ismo, paralelamente :'1 exumação escandinava. Segundo Hjelmslev, Rask está entre os precursores da lingüística
do ~assado indo-europeu das linguas gemrnmcas, esteve tam.bém na origem de estrutural; ele é, absolutamente ao mesmo tempo," um dos que reconheceram

um importante trabalho de ~onsagr?ção folclore alemão. E desse modo que, e estabeleceram nas suas grandes linhas a família (lingüística) indo-européia"
com a cooperação do escritor nac1onahsta J.J von Gõrres ( 1776 - 1848), os e" o fundador da tilologia nórdica". Todavia, é forçoso constatar que, em seu
innãos Grimm transcreveram e tomaram acessíveis os contos e as lendas tempo, a influência de Rask foi menor que a de F. Bopp.
veiculados pela cultura popular, tais como os Contes c/'e1!fa11ts et du foyer
( 1812) e as Légendes liéroiques allemandes ( 1829). 2.4. F. Bopp (1791-1867): a idéia do "organismo lingüístico"
O projeto de Franz Bopp é sensivelmente diferente, marcado por uma
2.3. R. Rask (1787 - 1832): a idéia de "mudança lingüística" forte ambição de totalização. Apesar do cientista distanciar-se da maior parte
O lingüista dinamarquês Rasmus Rask aparece, antes de tudo, como um das interpretações românticas da filosofia da linguagem (natureza, origem etc.),
herdeiro do século XVIII, e, notadamente, do racionalismo empirista marcado ele continua ligado à hipótese de uma "língua mãe". Seu interesse, marcado
pela descrição e pela classificação dos dados. Sem dúvida, é preciso também pela pesquisa dos innãos Schlegel e Grimm, o co!1duz a pesquisar o motivo
ver, nessa orientação, a contribuição do naturalismo de C. von Linné (1707 - comum do conjunto das línguas indo-européias. E Bopp que, na Alemanha,
1778) que, tendo sido precursor em botânica e em zoologia, propôs uma paralelamente a Rask na Dinamarca, orientará a gramática comparada para o
nomenclatura binária, levando à classificação dos seres vivos em género exame da organizaçao morfológica das palavras (notadamente do nome e do
(comum a várias espécies) e em espécie (própria a cada um), assim como a verbo). Ele evidenciará numerosas regularidades históricas, por meio das quais
influência do evolucionismo de J. B. Lamarck (1744 - 1829). A transposição os mecanismos das línguas atestadas são definidos e formados a partir de
desse cenário científico, no cadro da gramática comparada em fonnação, formações arcaicas. Bopp é um dentre os cientistas de sua época que tomam
permite a Rask ultrapassar os limites do comparatismo lingüístico. Depois de posição em favor da hipótese da primogenitude do sânscrito: esse idioma seria
um primeiro estudo consagrado à Grammaire de/ 'is/andais ( 1811 ), ele buscou o tronco inicial do qual todas as línguas indo-européias derivariam ao fina l de
estabelecer, nas Recherches sur /'origine de /'ancienne tangue nordique uma longa seqüência de transformações. Essa perspectiva, proveniente do
ou is/andaise ( J818), o parentesco do islandês com as línguas eslava, báltica, transfonnismo de Lamarck e de Darwin ( 1809 - 1882), traçava o caminho
grega e latina. Essa pesquisa magistral apoiou-se na reflexão, já assinalada, para a formulação de uma lei da evolução que afetaria diretamente as formações
conduzida em 1754 por A. Turgot, sobre a preeminência, na evolução das idiomáticas. O primeiro estudo significativo de Bopp é o Systeme de
línguas, das relações etimológicas. Comparando a fonna de numerosas palavras conjugaison du sanskrit ( 1816). Propondo uma reconstrução da gramática
pertencentes aos vocabulários de línguas diferentes, Rask demonstra o original do sânscrito, ele sustenta a tese segundo a qual as línguas indo-européias
parentesco que o "som" de uma língua estabelece com o "som" de uma outra são o resultado de uma desintegração progressiva do antigo sistema flexional.
Jíngua4, a partir do postulado naturalista da estabilidade relativa das espécies O estudo de 1816 servirá de matriz e de ponto de partida à pesquisa que Bopp
(no caso, aplicada às relações etimológicas). O método então empregado é já publicará entre 1833 e 1852, em seis partes, sob o título de Grammaire
aquele da filologia (que será efetivamente fundado pelos trabalhos do helenista comparée du sanskrit, du zend, du latin, du litunien, du vieux slave, du
A. F. Wolf, no fim do século XVIII). Essa demonstração conduz Rask a deduzir gothique et de /'al/emand (Gramática comparada do sânscrito, do véstico,
que: do latim, do lituano, do velho eslavo, do gótico e do alemão). A análise
Se descobrimos que em duas línguas as formas de palavras indispensáveis dessas línguas mencionadas no título da obra tende a verificar de um lado a
concordam a um tal ponto que se pode descobrir ns regras das mudanças de existên~ia da~ regularidades formais que as regulam, de outro,~ caracteriza;-
letras que permitem passar de uma a outra, então existe um parentesco por meio d? investigação etimológica preconizada por Turgot e aplicada por
fundamental entre essas línguas. (apud ROBINS, 1976, p. 179) Rask.- a origem de suas fonnas flexionais. Com um resultado impressionante,
~~ns1derado o caráter ~ecente do método comparativo, Bopp consegue
O lingllista recusa-se, todavia, a acreditar na hipótese de uma "língua mãe", dstabel~c~r q.uc, de maneira prevalente, a organização flexional (notadamente
tendo como objetivo manifesto da pesquisa aproximnr-sc do tronco mais das desincncias nominais e verbais) das línguas derivadas do sânscrito resulta
e um estado de afixação anterior de termos auxiliares que estavam disjuntos
pe1o passado.
4 Lembremos que os primeiros comparntislas trnbalhavom com documentos escritos. Além
disso, na ótica da tradição gramatical, os grníemas representam os sons.
~

111 • • fr (.n m1/11 '/ iN1111 1/.1 1111t!11/1t1111 A C:r111Htítim Con1fHm1dr1 • l7

3. \Y/. VON H UMJJOLDT (1767 - 1835): A ANTROPOLOGIA 3.2. O contexto teórico


O pensamento de Humboldt inscreve-se no cruzamento de quatro
LI N GÜÍSTICA iníluêncins maiores: aquelas de Bopp, Goethe, Herder e Kant.
Wilhcim von 1lumboldl ocupa um lugar à parte no campo da gramática
De Hcrder, discípulo contestador de Kant, Humboldt retoma a idéia de
cornpnrnda. Contrariamente aos outros teóricos, suas perspectivas não conferem
sua filosofia da história segundo a qual uma língua é a expressão do gênio
~\ histórin um estatuto privilegiado; bem ao contrário, elas desenham uma
popular. Ele radicaliza o alcance dessa idéia, aprofundando a ligação de interação
concepção dinâmica e estrutural da linguagem. ( Wc/ta11sicht) que condiciona a relação língua/cultura ("a língua de um povo -
escreve ele - é seu espírito, e seu espírito é sua língua").
3. 1. A formulação do projeto Caracterizando a linguagem e, portanto, as línguas como atividades
Numa carta a Goethe (07/09/18 12), Humboldt expõe as grandes linhas de distintivas do humano, Humboldt instaura uma primeira definição da competência
seu programa científico: lingüística (consistindo esta no aspecto criador da utilização da linguagem),
assim como uma concepção da língua compreendida como dinâmica e como
Abordando as línguas, nós não devemos esquecer de ver nelas uma parte da sistema:
~iistória da csp.écie humana e o meio mais importante na economia da natureza
intelectual... E por isso que os momentos essenciais de todas as pesquisas Cada segmento expresso instaura o inexpresso, 011 o prepara (ibid. , pp. 72-73)
concernentes ao caráter nacional e à distribuição da espécie humana em grupos Por mais longe que se v;í no trabalho de interpretação e de decomposição, resta
e nações entram evidentemente nas pesquisas desse gênero... (apudCAUSSAT, um resíduo, impossível de conhecer: essa presença que se desvela à elaboração
1974, p. 67). teórica é precisamente o lugar de sua unidade e o sopro de sua vida (ibid. P. 76).
O enunciado desse postulado anuncia o essencial de uma pesquisa que A exemplo da história, dotada de uma teleologia própria, a língua assemelha-
subordinará a concepção geral à análise dos fatos: se a um processo em perpétua emergência. Humboldt empresta também de
Goethe o modelo de tipo orgânico: cada língua, como um organismo vivo,
E todo o conhecimento que podemos ter do papel que desempenha comporta em potência ("em germe") todas as suas formações posteriores.
massivamente as línguas sobre o espírito e a mentalidade das nações apenas
tem algum interesse para a pesquisa lingüística propriamente dita, se soubermos
reconhecer ao mesmo tempo sobre quais elementos 1s1 ingulares, presentes · 3.3 .A forma interna da linguagem
nas suas partes componentes, apóia-se tal intervenção (ibid.). A noção de "forma interna da linguagem" (lnnere Spracheform) visa a
qualificar, segundo a análise de O. Hansen-Love ( 1972, p. 70), a "simples
Por meio dessa última observação Humboldt recusa, de um lado, toda expressão" da " unidade de uma relação".
racionalização a priori, e toma, por outro lado, uma decisão metodológica que As línguas, manifestando-se sob a relação de um material sonoro cada
consiste em pluralizar os elementos de comparação: vez específico, articulam, antes de mais nada, representações semânticas. Desse
ponto de vista, a noção de "forma interna da linguagem" pode ser aproximada
É aqui, muito particularmente, que as racionalizações a priori são poucas ou
da noção de esquematismo concebida por Kant, na Critique de la raison
não operantes; pois é organizando a comparação de um grande númer? de pure ( 1781 ). Em Kant, o esquematismo designa o processo de organização
línguas e de suas operações próprias que podemos nos engajar nesse caminho
dos dados sensíveis da experiência em categorias ou "intuições" intelectuais
com proveito (ibid.). (o espaço, o tempo, a causa). Essa problemática, deslocada por Humboldt
Uma segunda carta, endereçada posteriormente a Bopp (06/02/ 1830), para o plano da linguagem, consistiria em reconhecer em cada idioma, dotado
formula uma proposta simétrica. Ela testemunha a constante tensão que existe de sua forma interna, um mecanismo ativo de síntese das percepções assim
cm Humboldt entre a reflexão sobre a linguagem e a análise das línguas: elaboradas num conlinuum sonoro. A forma interna da linguagem seria uma
"arte escondida nas profundezas da alma humana, da qual será sempre difícil
Estou muito absorvido, tunto que nn minha obra [trata-se da /11trod11ctio11 à arrancar o mecanismo verdadeiro para expô-lo à descoberta" (HANSEN-
0 Kavi] as línguas malásias
l'oe11vre sur /e Kavi; !111rod11çtio ci ohra sohre LOVE , 1972, p. 72).
servem-me de trampolim pum passar ,,5 considerações de porte mais geral (ibid.
p. 137).

.....
18 • As Cmndes Ttorias dn Li11g11úlirn

i '
- -
1 (.r1111111//,,1 Crmt/hmu/11 • t'I
Três princípios
o tema precedentemente evocado e~tá no centro_ da reflexão ?e Humboldt.
Ele promove uma paciente elaboração CUJO desenvolvimento penmte reconhecer du langage ( 1851), e. de um Précis de linguistique ( 1850 - 1871 ), Stheinthal
funda, em 1859, a importante Revue de p.1:vclwlugie de.1· peuples et de
três grandes princípios diretores:_
phi/ologie. Os trabalhos de_W. W~ndt ( 1.832 - 1.920) prolongam a mesma
_A linguagem é um modo de atividade do espír~to humano. Segundo linha de pensamento. a partir da ps1colog1a experimental (sobre as fontes do
uma distinção clássica, herdada da filosofia grega, a linguagem é energeia pensamento lógico), até uma reflexão aprofundada sobre la psychologie des
peuples ( 1900 - 1920). As mesmas perspectivas marcam ainda as pesquisas
(produção) e não somente ergon (produto); de L. Weisberger, especificamente consagradas à linguística alemã (Sur /es
_ A linguagem unifica uma dimensão espiritual a uma matéria sonora mécanismes de la tangue allemande, 1949 - 1950; Sur l 'esprit de la tangue,
sensível. A esse princípio liga-se uma noção original da especificidade do signo 1964.
lingüístico, apreendido numa perspectiva dinâmica: Na França, é na obra de G Guillaume, inteiramente consagrada a uma
concepção psicomecânica da 1inguagem, que a influência das idéias de Humboldt
Cada língua é desde sempre composta de um substrato material trabalhado mais ressoou.
p~las gerações anteriores, desde um passado distante que nos escapa; e (...] a Pelo intermédio de D. G Brinton, tradutor de Humboldt, a escola americana
atividade espiritual que profere o pensamento, encarnando-o na expressão de lingüística elabora suas próprias ferramentas e define seu programa de
sempre relacionada com um conteúdo já dado, opera antes uma reorganização trabalho. F. Boas ( 1858 - 1942), de origem alemã, emigra para os Estados
que uma produção no sentido rigoroso do termo (apudCAVSSAT, 1974, p. 73) Unidos onde se consagra às pesquisas sobre antropologia física (variação dos
grupos sob a influência do meio) e antropologia cultural (mitos e tradições
_ A forma interna da linguagem determina para cada idioma um orais). Ele influenciou decisivamente os trabalhos de E. Sapir ( 1884 - 1939),
modo de organização particular. Essa economia distintiva governa um conjunto fundador de uma tipologia das línguas a partir da análise conceituai operada
de relações de dependência entre.as diversas unidades que a constituem: pela linguagem. Essa mesma tese, retomada por B. L. Whorf ( 1897 - 1941 ),
definiu, a partir da antropologia lingüística aplicada aos falares ameríndios, o
[A língua) compartilha a natureza de tudo o que é orgânico na medida em que que se convencionou chamar, a partir de então, "hipótese Sapir-Whorf'. Com
cada elemento não existe senão em relação ao outro e sua soma apenas subsiste um século de intervalo, desde Humboldt, essa hipótese rearticula o tema da
graças à energia única que satura o conjunto. [...]a frase mais simples se engaja, língua-visão-de mundo com orientações científicas melhor fundamentadas.
por mais que ela implique a forma gramatical, na unidade de todo o sistema Por outro lado, a obra de Sapir language ( 1921 ), tendo em conta o fato
(ibid. p. 73). atropológico global, teve um impacto notável sobre as teorizações posteriores,
já que Sapir defendia ao mesmo tempo o princípio de uma lingüística sincrônica
O módulo língua e de uma lingüística dinâmica, a partir da identificação de uma "frase-núcleo"
No seu comentário dos princípios da Introduction à l 'oeuvre sur /e Kavi, modificável.
Caussat afirma que "a linguagem sempre é, ao mesmo tempo, produt~r~ ~e A opção sincrônica e funcional encontra um eco maior em L. Blomfield
história e de sistema" e que o empreendimento de Humboldt "excede a d1v1sao ( 1887 - 1949). Depois de ter seguido o ensinamento de Wundt (cf. sua
sincronia/diacronia" (ibíd. p. 140). · lntroduction à /'étude du langage -, composta numa filiação direta à
gramática comparada das línguas indo-européias), Bloomfield orienta-se na
A dupla influência racionalista (Kant) e romântica (Herder, Goethe~ conduz direção da psicologia do comportamento. Seu livro mestre, language (1933),
Humboldt a conceber a linguagem como receptáculo do espírito inquieto que enraiza a lingüística americana sobre bases descritivas e indutivas.
apreende a matéria sonora para se exprimir. Essa operação de informação . A orientação dinâmica (tranformacionalista avant la lettre) determina
· fiOIJar,
mu· tua e cons t ao t e permite · por diferenciações sucessivas,· 0 caráter indiretamente as teorias de Z. S. Harris ( 1909 - 1992) e de N. Chomsky (nascido
próprio de cada idioma. em ~ 928). A história dessa filiação constitui, por fim, um dos principais motivos
do livro de Chomsky denominado A lingüística cartesiana ( 1967).
3.4. A influência de Humboldt _ é exagero
Ela exerceu-se muito além de sua época, de tal modo que 0 0 olvimento ª 4.A.SCHLEICHER(1821 - 1868):ALINGüfSTICA
HISTôRJCA
identificar, através das diferentes obras que nela se inspiram, o desenv
de uma verdadeira escola de pensamento. . tbal ( J823 4.1. O tlm do comparatlsmo
Na Alemanha, é preciso primeiro mencionar a obra de~· St~m a Origine
- 1899). Principal discípulo de Humboldt, autor de um ensa10 so re
......,
/1 Crnmótiro Comparado • 21

20 • / 11 (,'nmt!t J 'f 'f.nthu 1/11 J .i1~w11rtif11

transposição das representações naturalistas (botânica, zoologia) aos domínios


A introdução do temn hi~t?ricista, a formulação dt~ hip~>!cse indo-européia da lingi.ilstica histórica. À maneira tipologizante que permetia visualizar as
assim como a reflexão teom:a sobre o _est.atuto c1ent1l1c_o da lingUístic~ ligações dos engendramentos idiomáticos, e que obedecia ao princípio da
caracterizam, cada um a seu tempo, a contnbu1çilo desse contmuador da escola classificação dos seres vivos segundo as categorias do gênero e da espécie,
alemã. acrescenta-se a dimensão linear ou plurilinear das filiações linguísticas, sob a
Num contexto teórico que levou à maturidade o evolucion ismo cicnlílico relação de linhas de evolução ( Haeckel/ Darwin)6 . É esse processo de
(com a inlluéncia crescente de Darwin) e o romantismo filosófico (com a diferenciação que a Stammbaumtheorie (literalmente: "teoria genealógica")
filosofia da história de Hegel), a obra de August Sehleicher marca uma
tende a ilustrar a partir da figuração explícita das ligações entre " língua mãe"
reviravolta radical nos desenvolvimentos da gramática comparada. Essa obra
constitui ao mesmo tempo uma síntese e uma superação do empreendimento (análogo ao tronco da árvore) e das "línguas filhas" (assimiladas aos galhos da
de Rask e de Bopp. Schleicher conduz à visada histórica, em germe na escola árvore). Duas leituras dessa representação genealógica são desde então
compara tista, com a Grammaire historique de /'allemand ( 1860), com as possíveis:
Recherches sur les tangues d 'Europe (1850), sobretudo, com o Ahrégé de _ uma leitura ascendente, que segue a ordem possível da reconstrução,
la grammaire comparée des tangues indo-européennes ( 186 1 - 1862), assim segundo o esquema: línguas comuns/subdivisões em sub-famílias/língua de
como com la théorie danvinienne et / 'esprit des /angues ( 1865)s - obra família comum/ língua arcaica (Ursprache);
que fecha o ciclo de seus trabal hos. _ uma leitura descendente, que permite seguir a ordem histórico-genética
da diferenciação: língua arcaica/pluralidade lingilística.
4.2. A hipótese indo-européia
4.3. O estatuto das ciências da linguagem
A idéia de Ursprac/1e
Para Schleicher, a superação do comparatismo consiste em ultrapassar a Ponto de vista sobre a lingüística
demonstração das correspondências interlingüísticas. O método comparatista Em relação aos comparatistas da geração precedente, Schleicher radicaliza
deve ter por fina lidade reconstituir os intervalos que separam duas línguas algumas de suas posições teóricas. Para ele, com efeito, a científicidade da
parentes ou dois estados da mesma língua. Recusando um dos postulados da lingüística resulta de seu pertencimento às ciên~ias naturais (dado ao próprio
gramática comparada - segundo o qual o sânscrito constituiria a "língua mãe"
fato da natureza orgânica da linguagem). E a partir desse modelo de
de todas as línguas européias -, Schleicher formula a hipótese do indo-europeu,
conhecimento que, com Schleicher, a reflexão lingüística define sua nova
verdadeiro Ursprache (literalmente: ..língua primeira"). A partir dessa hipótese,
todo o empreendimento comparatista redefine-se em lingüística histórica, orientação:
encarregada de restituir e de reconstruir os lapsos dos estados de evolução, A glótica ou ciência da linguagem é uma ciência natural; seu método é, de uma
assim como as filiações diretas ou transversas capazes de conduzir, o mais maneira geral, o mesmo que o das outras ciências naturais. (apud DESMET,
perfeitamente possível, a indução dos encadeamentos de causalidade que levam 1996, p.49).
de um idioma originário às ramificações de idiomas que lhe seriam
geneticamente ligados. Existe, no entanto, um ponto de articulação entre a língi.iístíca - alçada à
categoria de ciência natural - e a filologia - compreendida como ciência
A Stammba11mtheorie histórica. Essa ligação não aparente sustenta o contato supostamente
O esforço de Sch leicher traduz-se por duas grandes inovações encarregado de reger as relações do grupo e do individuo singular:
metodológicas: de uma lado, pela introdução do esquema da árvore genealógica
em lingüística (da qual as diferentes representações arborescentes constituem A s literaturas não lhes interessam [aos lingüistas] anilo ser na medida em que
as remanências na lingüística estrutural), por outro, pela reconstrução hipotética elas lhes permitam registrar as llnguas. [...]já com a filologia é diferente, pois
do indo-europeu primitivo (objetivo revelado em seu programa de pesquisa). A para ela a linguagem é o instrumento cuja pressuposição é necessária se
árvore das filiações genéticas entre línguas procede provavelmente de uma
6 Provavelmente, outro contexto teórico que condicionou o linglllstica histórica de Schleicher
foi o método de reconstrução genealógica dos manuscritos (F. Ri etschel) e, evidentemente, 0
S A obra mestre de Darwin, Da origem das espécies ao melo da seleção 11at11rul, apareceu em método de interpretação dos textos (hermenêutica geral) professado por F. Schleirmacher ( t 768
1859. • _1834), em Berlim. Nos dois casos, trata-se de métodos que privilegiam uma perspectiva
h11tórico-genética fortemente apoiada sobre a filologia.
..........

2l • 1· h (."mndu ·1rr11i11 ,L1 I mcut ail.1 ' 'I'".."''• ( f'~""'"'- • n

quisen1111s :isccmlcr it vitln espiritual dos povo~. e s6 :;e pode tomar a lini1 . . um é'1>1.ado b1~tónco. carac-teri7ado por uma forte tD\ o lução da
como objeto ;\ me11id11 que cio lhe sirvn tlc q11111lr11 e ele concliç~o ~.' 11~1111 or~u~ào formal da\ lmguas.
m;mifcstaçilo dessa vida espirilunl (ílilc/. 11. 52). '" · ª l .i.~ pcnpectJ' a tende. portanto. a situar o indo-europeu no ponto de Junção
de d.ua' época... au1m c-0mo a discernir nas línguas fl exionais existentes
Num es pirit o que evoca aquele 011 lfoc:ii: lupéúiu ( IJIDER<n e cparucuW'ment.e o alemão) um tipo de organização superior. Os pressupostos
D"ALEMBERT, 1756), pela imporlfütcia que seus autores atribuem ú articulação wbjacentô a lógica bJstoricista oons1stem em reconhecer como mais aptaS à
racional das ramilicações do conhccimcnto7, Schleicher objetiva subdividir a ~da nuance intelectual as línguas que possuem declinações (sânscrito
ciência da linguagem em quatro vertentes (capazes de considerar, cada uma a grq.o la.um alemãoJ. em detrimento das 1inguas isolantes (mais especi ficament.e
sua maneira, a originalidade de cada língua): u líoguü asl.átJcas) e das línguas aglutinantes (as línguas semítjcas). Se ele
dJ, erge profundamente de HumboldL no que concerne à avaliação fil osófica
A ciência lingUística [...) sudividir-se-á, então, cm teoria do fonetis mo [...1. ern da\ dJferenças idiomáticas. ScbJeicber partilha com ele. e com a herança das
teoria da forma das palavras - ou morfologia - . cm teoria da funçilo - teoria gr:amáucas gerais. a convicção segundo a qual a linguagem. de maneira universal.
funcional -, e em teoria da estrutura das frases - sintaxe. Cada uma dessas representa uma formalização sonora do pensamento. A teoria dos estados de
partes da ciência pode, por sua vez, dirigir-se, seja à totalidade da linguagem.
C\'olução lingüística def~da por ScbJeicber distingue-se devido a um fone
seja a algum segmento mais ou menos extenso (ibid. p. 54)
postulado etooceotrista. E razoável observar aqui. entre outras fontes teóricas
É importante destacar que a classificação esboçada aqui nilo reserva um (em patticuJar filosóficas). uma das premissas do -mito ariano'" (POLlAKOV.
lugar para a lexicografi a. Esse ponto merece ser lembrado quando se sabe que 197 1J. Sua lenta maruração. assim como sua difusão regular. em função das
em ciência da linguagem, ao menos até a metade do século XIX, essa disciplina circunstáocias políticas e do desenvolvi mento das ideologias de hegemonia
era freqüentemente considerada como auxiliar ou periférica: (pangermanismo romântico, oatiooal-socialismo). afirmará - a partir e além
das esferas acadêmicas - a pretensa preeminência -racial- dos povos indo-
Sentir-se-á a ausência, nesse sistema da ciência lingllística ou glótica. da europeus.
lexicografi a[... ). Não há lugar para o dicionário no sistema da ciência; eh: e.
em sua própria ordem, inteiramente extra-científico e desempenha somente 4.4. A inflaêacd de Scltleicher
um papel prático (ibid. p. 54 - 55). Ela foi duradoura. primeiro naAJemanba. depois oa França onde a difusão
de seu pensamento coincidiu com a introdução do oomparatismo.
A concepção da linguagem ~a AJemanha. um dos ruscípuJos de ScbJeicher. J. Schmidt. propôs uma
Segundo Schleicher, de modo semelhante a Bopp, mas antes dele. as línguas ah.emat.iva à Stammbaumtheorie. Schmidt insistiu mais sobre o que seu mestre
são organismos vivos que, na condição de objetos possíveis de estudo. prestam· não ba\•ia feito em relação ao papel dos contatos entre línguas, de modo a
se a uma classificação científica: fazer prevalecer outras causas da mudança lingüística. Ele antecipava assim.
oo quadro da Willentheorie (literalmente: teoria das mudanças voluntárias..).
As línguas s11o organismos naturais que, exterior à vontade hu111am1 e seguindo leis algumas das teses que uma pane da escola oeo-gramática desenvolveria a
deicnninndas, nascem, crescem, desenvolvem-se, envelhecem e mom:m; das també111 partir do encontro com o historicismo. Schmidt atenuaria assim, por meio de
manifestam, portanto, essa st!ric de fênomcnos <1uc se compn:cndc lmbituahnc1llc ~ob u
um ouiro tipo de argumento, o gradualismo' um pouco mecanista de Schleicher.
nome de vidn (ibicl. p. 56).
O que os naturalistas designariam pela palavra 'classes', os língllistas chanuun Jc Paralelamente, M. Mülle r foi sem dúvida o herdeiro de Scbleiche r que
troncos de lfnguas; as classes mais aproximadas nomdam-sc familias de Unguas 1k uni impulssiooou, o mais longe possível. as teses naturalistas. O que fez dele o ator
mesmo tronco[ ...) (ibícl. p. 57). de uma polêmica importante (sobre o estatuto da lingüística e a natureza da
linguagem). que o opôs a W. D. Wbitoey.
Em conformidade com o esquema cvolucionista-historicistn, Schleiclll'r A influência de Schleiche r não foi meno r na França, ainda que
distingue, no desenvolvimento das línguas, diferentes estados de evolu~·:1C\: diferentemente atestada. V. Henry, por exemplo, que desempenhou, ao mesmo
. . _ .um estado pré-histórico, mnrcado pch1 emcrgcnein de li.innn\·Oi.:s tempo que M. Bréal, um papel preponderante na promoção da gramática
1d1omát1cas cada vez mais complexas: comparada. declarava-se voluntariamente ··schleicheriano de fonnaç! o e de
11111111
1 O cuidado cncictnpédico é, por 11111ro lodo, no sécnln XIX, um 1knu111inndur cu1111
8 /.~. •mudança por grau. aniloga mi lingilistica da posiçlo tnnfonn ista em c iencias naturais.
historicismo de lf c~cl e do posi1 ivi811ttt de C11111tc.
......
u • •·11 Gr.int!r1 Trori"1 da Ur::,uiltir.i

temperamento•·. ainda que ele tenha reservado o essencial de suas cn·t·


. E · · 1cas ao Capítulo 2
postu 1a do natura 11sta. ntre os c1ent1stas como G. Paris ou P. Me
ºbºlºd d 1 · · ·
sens1 11 a e evo uc1omsta, mesmo que muito presente, lembra em vário yer, a
aspectos, as posições desenvolvidas por Schleicher, sem que se~s trabalho~ A evolução da gramática comparada
possam, com toda certeza, ser tomados como influências diretas de seu
pensamento. Quanto ao lingüista A. Darrnesteter, em contrapartida, a posição
naturalista e o engajamento manifesto da lingüística ao domínio das ciências do 1. OS NEO-GRAMÁTICOS: O POSITIVISMO EM
ser vivo deixam menos dúvidas quanto ao caráter imediato da ascendência LINGÜÍSTICA
exercida pela lingüística histórica sobre suas pesquisas. Enfim, está estabelecido
que o pensamento de Schleicher promoveu diretamente o nascimento da escola 1.1.Acritica do historicismo
naturalista francesa, com teóricos como A. Hovelacque ( 1843 - 1896) ou H. No decorrer das últimas décadas do século XIX (a partir dos anos 60 -
Chauvée ( 1815 -1 877) - assim como de toda uma linhagem de pesquisadores 70), emerge uma nova sensibilidade teórica, fundada sobre uma renovada
originais - que impulssionaram a reflexão lingüística até as fronteiras da exigência de cientificidade em função do contato com o positivismo fil osófico
antropologia, mas também da pré-história nascente. de A. Comte ( 1798 - 1857) e do método experimental preconizado por C.
Bernard ( 181 3 - 1878). Os protagonistas dessa mudança engajam-se numa
forte crítica dos pressupostos filosóficos e metafisicas ainda persistentes nos
BIBLIOGRAFIA trabalhos de seus predecessores imediatos. Pode-se julgar essa nova
perspectiva a partir dessa observação de Osthoff e Brugmann:
DESMET P. La Linguistiq ue naturaliste en France (1867 - 1922).
Só o comparatista que abandona a atmosfera carregada de hipóteses de
Leuvens: Peeters, 1996. laboratório onde se forjam as formas-mães do indo-germânico, para emergir à
HANSEN-LOVE O. La Révolution copernicienne du langage daos luz da realidade tangível e do presente, a fim de retirar dela a informação que a
l'reuvre de W. von Humboldt. Paris: Vrin,1972. teoria ignora ou não pode jamais fornecer, pode chegar a uma apresentação
ROBINS H. R. Breve histoire de la linguistique. Paris: Seuil, 1976 exata da vida e das tranformações das formas lingüísticas. (apud ROBINS,
[Pequena história da lingüística. Rio de Janeiro: Ao livro técnico](em 1976,p. 196)
particular, capítulo 7).
1.2. Um novo espírito científico
A ofensiva dos neo-gramáticos foi iniciada na universidade de Leipzig,
especialmente em tomo dos trabalhos de G. Curtius ( 1820 - 1885), autor de
uma importan te síntese, Grundzüge der Griechischen Etymologie
(Fundamentos da etimologia grega). Sob sua influência, nasce uma nova
geração de pesquisadores. E é com objetivo derrisório que os primogênitos
dessa geração chamam os mais jovens - dos quais eles atacam certas teses -
de Jungrammatiker (os jovens gramáticos ou os novos gramáticos). Essa
mudança reúne, entre outras personalidades: G. 1. Asco li ( 1829 - 1907), A.
Leskien ( 1840 - 1916), H. Paul ( 1846 - 1921 ), K. Brugmann ( 1849 - 1919), F.
de Saussure ( 1857 - 1912), etc. Hostis às concepções românticas do século
que chega ao fim, eles acentuam, antes de mais nada, a regularidade das leis
fonéticas, apoiando seus trabalhos nos princípios do positivismo.

1.3. Contra A. Schlelcher


O empreendimento neo-gramático constitui de fato um ataque combinado
a várias concepções julgadas, a priori, da lingüística histórica, particularmente
~

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- ------
,,.., I :1'tJÍN(tift tltt f :r,u111ilit11 C.im 1/1t1r11d11 • 27
n obra de Schkicha. Os lingui stas positivistas recusam, em conjunto 0
principais objetivos da "hipótese indo-européia'': ' s Nn mesma t!poca. (1 lingüista dinamnrquês K. Vcrncr corrige e completa a
"lei de Grimm" (estul:>clccida, lembremos, a partir dos trabalhos de Rask).
_ a explicação filosófica de tipo metafisica (no limite, meta-histórica)' Vemcr consegue demonstrar que as correspondências como /d/ gótico = /tl
eles denunciam como não científica a questão da origem da linguagem e com~ latim (como: gótico: fodnr: latim : làter) podem ser consideradas como regulares
mítico o postulado de uma língua-mãe; com a condiçilo de que se considere o lugar do acento nas palavras sânscritas
_a explicação historicista de tipo teleológica (finalista), que está subjacente correspondentes (sânskrito: pitàr / gótico: fadar / latim: fater). Em uma análise
à concepção evolucionista das línguas; posterior, em 1876, Lcskien - que foi aluno de Schleicher - sugere, em resposta
_ a explicação especulativa (esse último tenno é aqui entendido no sentido às primeiras objeções que "deve existir uma regra para as exceções de uma
daquilo que concerne ao funcionamento do espírito); ela constitui um regra; o único problema é descobri-la".
prolongamento tardio, no quadro do romantismo, da gramática geral. já que No mesmo ano, aparecem os Principes de phonetique de E. Siviers. O
consiste em sustentar a tese do paralelismo lógico-gramatical entre pensamento sub-título da obra: lntroduction à l 'étude des sons dons les tangues indo-
e linguagem. européennes, sublinha a amplitude das mutações teóricas em curso. Na ordem:
Essa crítica preconiza o desenvolvimento de uma reflexão metodológica afirn1ação do primado da fonética, crítica da preeminência da letra gráfica
como unidade gramatical, em proveito da sonoridade, i. e. primado do oral
mais ampla, de tal modo que seja capaz de emancipar a pesquisa lingüística em
sobre o escrito, o que constitui uma reviravolta dos hábitos de trabalho e das
relação às assunções do historicismo e do naturalismo9 • orientações teóricas.
2. UMANOVACONCEITUALIZAÇÃO 2.2. As pesquisas morfológicas
Nesse clima de intensos debates teóricos- que envolve o próprio estatuto
2.1. O conceito de "lei fonética" e o futuro da ciência lingüística-, os neo-gramát:icos decidem criar um organismo
Além dos protestos convergentes, relativos ao lugar da lingüística histórica editorial, Morphologische Untersuchungen (Pesquisas morfológicas).
(última fonnulação da gramática histórica), os adeptos do positivismo em Animada por H. Ostoff e K. Brugmann, a revista, criada em 1878, tornar-se-
lingüística exprimem um certo número de teses que tipificam a tendência que á um dos principais suportes de difusão das teses da escola. Na primeira
eles encarnaram, afinnando, de maneira unânime, o primado das leis fonéticas. circulação das Pesquisas ( 1, 1878, p. 3 - 20), pode-se ler claramente:
A pesquisa lingüística alterna-se, então, entre as questões aprofundadas e
a reflexão metodológica geral. Ascoli ilustra muito cedo essas duas orientações. Todas as mudanças fonéticas, como processos mecânicos, têm lugar segundo
lançando uma P~onologie comparée du sanskrit, du grec et du latin ( 1870). leis que não admitem exceções (ausnahmlose lautgezetze), no interior do mesmo
dialeto, e o mesmo som realizar-se-á da mesma maneira num ambiente idêntico;
assim como os Etudes critiques de linguistique (1861 - 1877). Em 1875. W. mas as criações analógicas e as correções de palavras especificas como
Scherer afinna: entidades lexicais ou gramaticais são igualmente componentes universais da
mudança linguística de todos os períodos da história e da pré-história (apud
As mudanças fonéticas que nós podemos constatar nos documentos da história ROBINS, 1976,p. 194).
lingilística procedem segundo leis imutáveis que não admitem variação senão
em conformidade com outras leis (ibid.). A pesquisa sistemática das regularidades fonéticas conduz os neo-
gramáticos a aliar o exame dos fatos disponíveis com a fonnulação de princípios
9 Um julgamento de Saussure, de uma extrema severidade, articula numa mesm11 proposiç~ a hipotético-dedutivos que autorizar:n a reconstrução de mecanismos linguageiros
reprovação metodoló"ic:a e a condenação, sem apelo, do grande represen1an1e Ja lingüisw:a há muito tempo desaparecidos. E no horizonte desse tipo de reconstituição,
hi1tórica: ..Isso sempre será um motivo para reflexão filosófica. como, duninit• um período de obtida por um alto grau de abstração do cálculo das leis fonéticas, que se situa
ci nquc:nta anos, 11 ciência lingOlstica nascida na Alemunha. desenvolvida nu Alemanha. ,·ara à a importante contribuição de Saussure: Mémoire sur /e systeme primitif des
Alemanha por um grande "rupo de indivíduos, nno teve jamais a intençfto de eh:vur·se ao grau de voye/les en indo-européen (Dissertação sobre o s istema primitivo das
1b11raçãu que: é necesllérin poro dominar de um lodo <1 que se fiiz, de outro em que o q11e sefaz
vogais em indo-europeu) (1879). Estudante em Leipzig, sob a orientação de
lem uma legitimidude e uma rodo de ser no coajun10 dos ci6ncias; mas, um segundo mo1ivo,
surpreendente, ser6 o Jc: observar que, uma vez que, finalmente, esta ci~cia parece triun far Leskien, no decorrer dos anos 1876-1877, Saussure participa, então, plenamente
sobre seu torpor, ela chep • tenlativa ri.Jvel de Schloicher, que se deamoroa.a sob seu próprio do movimento neo-gramático.
ridlculo(... J. Por ludo o que llÓI pocianOI controlar, é vi1lvel que Olta tencativa foi da mais
completa mediocridade, o que nlo q;chú u pretelllÕel. (citado por R. JUobeon, 1973, p. 276). 3.AEXPLICAÇÃO EM LINGÜÍSTICA

~ .....
---
28 • A1 C:mJJdr.r Tt<J1Ít1.1 rlt1 Lit{(111ítitt1

3. 1. Princípios e método
o ess~ncial do método preconizado e operado pode ser reunido em duas
"' 3.4. O sentido das p:tlnvnts
.11 l ~1wlu(tifl ,/11 ( ;r;11111itir11 f".om!JJm11/11 • l?

~s anál.ises prece?cntes da nmdai~ça implicam uinda, u partir ela etimologia


gran des orientações: e da filologia.ª. descnção comp~·eens1va da evolução do sentido das palavras.
--:-- a primeira direç~o de trabalho consti.tui um postulado fundamental: A noção de senlldo fündamental e postulada: sempre numa perspectiva histórica
superando~º ~ompa~atrsmo que se preocupava com a regularidade das a pesquisa lamça então a hipótese de que as acepções mais recentes ele um~
correspondencras, a ltngüística deseja, a partir de então, privilegiar o exame palav~a resultam de uma. série de derivações obtidas a partir de urna acepção
das tranformações fonéticas; anterior. Essa perspectiva, fecunda para o estudo do léxico, inspirará a
_a segunda direção diz respeito à própria escolha de um procedimento semântica (histórica) de M. Bréal , e marcará, quase na mesma época, a
de análise. Os neo-gramáticos afirmam aqui duas prioridades: a) A análise renovação da lexicografia (na Alemanha, F. Diez; na França, É. Littré, A.
lingüística não deve se limitar a descrever ou constatar as mudanças ocorridas Dam1esteter, A. Hatsfeld).
entre dois (ou vários) estados aparentados de língua; ela deve igualmente
produzir uma explicação positiva das causas que conduziram às mudanças 4. H. PAUL: A SÍNTESE
observadas; b) por isso, o organicismo e o naturalismo cedem lugar aos métodos O livro de Hermann Paul, publicado em 1880, Prinz ipien der
da observação indutiva e dedutiva que caracterizam a perspectiva explicativa Sprachgeschichte (Princípios do devir da linguagem) pode ser considerado
das ciências da natureza (tais como a fisica, notadamente). De fato, a grande como a síntese das concepções da escola neo-gramática. Nós nos centraremos
problemática dos neo-gramáticos gravita em tomo do caráter absoluto ou relativo aqui sobre algumas passagens significativas do texto.
das leis fonéticas.
4.1. A impressão psíquica das sonoridades
3.2. Natureza da mudança lingüística No capítulo desse tratado consagrado ao problema da mudança lingüística,
Essa perspectiva explicativa, marcada pelo positivismo nascente (A. Comte, Paul descreve, primeiramente, os mecanismos que acompanham toda produção
C. Bernard) tem por correlato teórico a afirmação do primado das leis fonéticas, de linguagem articulada. Ele menciona principalmente "os processos fisicos e
i.e. absolutamente ao mesmo tempo sua universalidade (elas apresentam-se psíquicos que estão constantemente em uso no momento da produção dos
em todos os idiomas), e sua generalidade (elas são eficazes segundo certas
regularidades em cada idioma particular). Os neo-gramáticos, desde então, complexos fonéticos".
Além do uso dos órgãos fonadores e "a série de impressões de que se
atribuem as mudanças lingüísticas a ações mecânicas inteiramente necessárias, acompanham esses movimentos", o lingüista insiste sobre o fato de que esses
em relação às quais a vontade humana não conta em nada. Assim, a mudança, últimos "deixam na sua seqüência um efeito psíquico persistente" identificado
atribuída a causas articulatórias, exige explicações de tipo fisiológico.
como "imagens memoriais".
A caracterização desse fenômeno mostra-se da mais alta importância para
3.3. o papel da analogia compreender a própria possibilidade da reiteração da atividade lingüística. Paul
As infrações aparentes ao caráter necessário das leis fonéticas são assim concebe o mecanismo como inteiramente independente da vontade dos
interpretadas como indícios de uma lei a pesquisar (sob o modelo da exceção locutores:
que confirma a regra). Ao lado da causa mecânica (articulatória), os neo-
gramáticos distinguem, como segundo motivo da mudança lingüística, uma É enganar-se gravemente estimar que para apreender, em toda sua
tendência à analogia, à qual atribuem o estatuto de causa psicológica. Como o especificidade, a sonoridade de uma palavra, ao ponto de tornar possível uma
termo analogia o sugere, esse outro fenômeno consiste na formação, pelos excitação de representações que lhe são associadas, fosse preciso que a
consciência viesse até aos sons elementares com os quais se compõe a palavra
locutores (de forma ocasional ou durável), de locuções ou palavras em
( 1978,p. 53).
conformidade com outros elementos da mesma língua, com base em uma
semelhança mais freqüentemente sonora. A produtividade dessa tendência à . Paul resume aqui as principais aquisições da gramática comparada no que
analogia é a de operar, naturalmente, por agrupamento de tennos em classes, diz respeito à análise do substrnto fonético da linguagem, esclarecendo a estreita
apresentando um traço formal de identidade (ex: adição/adicionar: solução! dependência da atividade locutória face i\ restrição fisiológica/psíquica. Mas,
solucionar etc). Desse ponto de vista, a lei da analogia (causa psicológica) so?rc~udo, essas perspectivas deixam entrever a problemática do enraizamento
aparece - sob sua vertente puramente formal - como uma especificação da ps1qu1co da~ sonoridud~s e~t!uturantcs de cada idioma (i.e. aquilo que Saussure
lei fonética (causa articulatória). reconhecera em cada s1g111!1cante como "imagem acústica") .


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4.2. As leis fon éticas: reexame No interior do mesmo dialeto não se vê nunca desenvolver-se a incoerência; se
tal é o caso, é somente na seqüência de uma mistura dialetal ou, para nos
O tratado de Paul apresenta ainda um interesse maior para quem queira scrvinnos de uma expressão mais exata, na seqüência do empréstimo de um
apreender os remanejamentos da doutrina neo-gramática a respeito das "leis termo de um dialeto estrangeiro[...). Tratando de estabelecer as leis fonéticas
fonéticas". A escola teve que resolver certos entraves, com o objetivo de evidentemente nós não consideramos esse tipo de incoerências aparentes'.
enfrentar as críticas que lhe foram endereçadas por parte dos especialistas de (ibid.).
dialetologia e de geografia lingüística. H. Paul reexamina o conceito de lei
fonética, a fim de estabelecer uma definição mais nuançada, interrogando o 4.4. Escrita e fala
caráter de necessidade absoluta que se lhe reconhe.cia no. princípio. Desde Enfim, a síntese de Paul explicita os termos de uma reviravolta radical no
então, o mecanismo que designa esse conceito é apreendido em termos de desenvolvimento da gramática comparada. Com efeito, antes da concentração
"congruência", i.e. de pesquisa de equilíbrio e de adequação entre todos os do comparatismo sobre os mecanismos fonéticos da mudança lingüística, a
elementos sonoros em jogo: referência à representação gráfica da linguagem (a escrita) é muito velada.
Os neo-gramáticos são os primeiros a ter denunciado o caráter ilusório da
O conceito de "lei fonética" não poderia ser entendido no sentido que nós
falamos de leis em tisica ou em química(...). A lei fonética não enuncia o que, escrita, a preconizar a ultrapassagem da letra (o grafema do alfabeto fonético)
dadas certas condições gerais, deve necessária e perpetuamente produzir.se, e a elegerem os sons como verdadeiros objetos de suas análises.
ela constata somente a congruência existente no meio de um grupo de fenômenos Trata-se, aqui, de uma verdadeira ruptura teórica em relação à tradição
históricos dados ( 1978, p. 62). gramatical herdada da Antiguidade. A gramática é primeiramente constituída
como ciência do gramema, valorizando, assim, a análise das línguas por meio
Por outro lado, Paul lembra que a pesquisa fonética soube manter a de suas atestações escritas (de onde as valorizações sucessivas dos diferentes
exigência comparatista, incorporando, pouco a pouco, as formas do raciocínio patrimônios literários e a definição normativa dos usos em referência à língua
mais abstrato: dos "grandes escritores"). Paul aborda, então, essa questão de dois pontos de
Para estabelecer as leis fonéticas, parte-se sempre de uma comparação. vista.:
Relacionam-se os estados de um dialeto com aqueles de um outro [...). Isolam- _ Ele ressalta, primeiramente, que a escrita, i.e. a representação gráfica
se também, por abstração, leis fonéticas, comparando os diferentes estados no da fala, não constitui, em nenhum caso, um instrumento de análise confiável
interior do mesmo dialeto e da mesma época( ...) (ibid.). para o lingüista:
4.3. A analogia e o empréstimo A palavra não se reduz à justaposição de um número determinado de sons
Complementando essa retificação, Paul lembra que existe uma relação de independentes dos quais cada um poderia ser exprimido por meio de um sinal
complementarid.ade es~eita .e~tre o mecanismo insconsciente da evolução alfabético; ela não é outra coisa, fundamentalmente, do que uma série contínua
fonética e o sentimento lmgUtstico dos locutores, quando eles são levados, em de sons infinitamente numerosos, e as letras do alfabeto só fazem marcar, de
maneira imperfeita, certos traços característicos desta série ( 1978, p. 54).
certos casos, a submeter sua atividade lingílística a novos usos (analogia,
empréstimo): Ele ratifica a desqualificação do fundamento gramatica l
(i.e.gramemático) da lingüística e preconiza claramente a constituição de uma
o único ponto sobre o qual se pode (...) razoavelmente discutir concerne ã ciência específica das sonoridades:
questão de saber se a analogia funciona, intervindo desde a percepção de uma
divergência, mesmo que mínima, entre as formas etimologicamente dependentes;
ou se ela limita-se ao momento no qual a possibilidade provisória de exprimir-se Ora, essa continuidade da palavra exclui a possibilidade de a representação
toma-se patente" (ibid. p, 63 ). dos diferentes elementos impor imediatamente sua presença e acarreta que ela
possa ser somente o produto de uma retlexã·o científica, mesmo muito primitiva,
cujo primeiro papel foi sustentado pela necessidade e pela prática da escrita
A essa questão, Paul responde que "é a segunda hipótese que dá conta fonética (ibid.).
dos casos mais freqüentes" (ibid., p. 64).
Sobre o estatuto do empréstimo, e o efeito aparentemente pertubador que Notemos, para prevenir toda confusão que nessa época os termos
po~e dele resultar para a economia fonética, o lingüista mostra-se também
muno categórico:
"fo11éf " " ' , '
ica e fonologia" são empregados indiferentemente. É a partir dos
~abalhos do Círculo Lingüístico de Praga que a lingüística reservará o uso

-._________ •
esses termos para designar dois setores distintos: a fonética como estudo das
.\l • ,,- IJ { :mmlrt 'l (y111(11 d 11 I il~~111·,Ji,.,,

realizações sonoras efetivas. a fo nologia como esludo do sistema dos . A EtVJl11r,io rln Cmm1ílit11 Comfmmda ell
. d' · · d t 'd' · ·
( tonemas) 1st11111vos e cm 11 1 1onrn.
sons
Em tomo de cientistas como K. Vossler, na Alemanha, ou 8. Croce, na
5.ACRÍTICA DIALETOLÓG ICA J1ália, a escola idealista (ou "estética") desenvolveu um outro tipo de crítica
Contra o princípio da univocidadc e da uni versalidade das leis fonét' em dialetologia. Essa crítica consistiu em reafirmar a importância da iniciativa
• • Q . d . ã 1cas
a1gumas vozes se fazem ouvir. uan o essas vozes n o preconizam pu ' individual no processo da mudança lingüística. Contra o postulado neo-gramálico
simplesmente a renúncia dos postulados teóricos - como o faz H. Schuchrade do caráter de necessidade cega da mudança fonética, os partidários desse
· p I1011et1q11es:
na o bra Des Ims ·· contre I es neo-grammanens
· . . ( 1885) _ ar1 t movimento consideram que as mutações são antes de tudo imputáveis à vontade
emanam, na sua maioria, dos círculos de lingüistas especializados no e~te: de alguns locutores conscientes de seu empreendimento. Parece que três
influências preponderantes sustentam essa corrente: primeiro, a psicologia social
dos dialetos. u o
de G de Tarde (segundo a qual a adoção de uma inovação resulta da aplicação
de uma "lei da imitação", a partir de um mesmo "ambiente de difusão"), a
5.1. Principais objeções . filosofia da história de Hegel (sobre o papel histórico das individualidades fortes,
À uniformidade da varição fonética ("leis"), a dialetologia nascente opõe dos "grandes homens"), enfim, a antropologia lingUlstica de Humboldt (sobre o
"a individualidade etimológica". No que concerne à apreciação das causas da aspecto criador da utilização da linguagem).
mudança lingüística. várias objeções prevalecem:
em vez das forças de conservação lingüística (imputáveis por exemplo 5.3. Panor ama
à produtividade da analogia) eles acentuam o processo da mudança lingüística; Diferentes aquisições da gramática comparada, reinterpretada pelos neo-
a idéia de mudança choca-se com a diversidade e com a complexidade gramáticos, devem ser aqui focaliza dos panoramicamente. A linearidade da
dos fenômenos: o princípi o da diferenciação e do empréstimo dialetal cadeia falada, a organização ao mesmo tempo física e psíquica dos sons, a
desempenhariam um papel, no mínimo, tão importante quanto o próprio processo dimensão mnemônica dos sons elementares (sob a relação do empréstimo
de mudança fonética; psíquico), a crítica da escrita, a redefinição do conceito de lei fonética, a
_ do mesmo modo, o exame atento das dinâmicas linguageiras mostra consideração gradual do papel do empréstimo e da analogia na economia da
que ao lado dos parâmetros isolados pelos neo-gramáticos é preciso levar em mudança lingüística: todas essas problemáticas são tão relevantes que
conta outros fatores: a produtividade das etimologias populares (falsas), o continuarão a informar, conseqüentemente, a reflexão epistemológica de
Saussure. Todas elas serão o objeto de uma retomada e de uma reavaliação no
empréstimo a um (ou a vários) dialeto(s) vizinho(s), o conflito homonímico;
Curso de Lingüística Geral (I 916).
_ para pensar a evolução lingüística em termos menos mecanicistas, é
importante considerar, com mais atenção, o mecanismo da divisão social dos 6. UM SÉCULO DE DEBATES TEÓRICOS
idiomas; do mesmo modo, convém pensar - abrindo-se também à diversidade
- a delicada questão dos limites geográficos e temporais de um dialeto. No momento em que a gramática comparada é introduzida na França, a
interrogação lingüistica foi instada a se situar em relação aos principais
5.2. Principais movimentos movimentos do pensamento do século XIX, antes de ganhar definitivamente
sua autonomia. Os lingüistas importantes, aqueles que propuseram e que
A partir das críticas constantemente expressas, algumas sensibilidades
sustentaram os modelos teóricos, foram obrigados a explicitar suas reflexões
teóricas bem definidas destacam-se. Em tomo de cientistas tais como R. em relação a três grandes problemas: a função e a natureza da linguagem, o
Meringer - fundador da revista Worter und Sachen (As Palavras e as Coisas) estatuto da ciência lingüística.
-, uma extensão da dialetologia orienta-se para o estudo de setores inteiros do
vocabulário referentes às práticas. Fundamentalmente, centradas. no 6.1. A fu nção da linguagem
conhecimento onomasiológico, essas pesquisas visam a um exame ~inucioso Esse primeiro problema recebe da filosofia suas primeiras teorizações. O
da historicidade das profissões, considerando os conjuntos lexicais criados ~or Essai sur /'origine des langues de Rousseau ( 1781) veicula duas teses,
elas. Aa~álise das r~Jações palavras-coisas não exclui, portanto, tod~ perspecti~~ aparentemente antinômicas, mas, por elas mesmas, coerentes, se admitimos
referencial, na medida em que esta permite uma melhor compreensao da relaç compreendê-las numa perspectiva histórica. Rousseau desenvolve, com efeito,
línguas/culturas, a partir de um critério de repartição e de difusão geo~r~?ca. uma reflexão bem acabada, ainda que inteiramente especulativa, sobre a
ontogênese da linguagem:
Além da influência que ela exerceu sobre lingüistas inovadores, como J. G1lheron,
esse movimento conheceu importantes desenvolvimentos, no século XIX, colll
eruditos como W. von Wartburg.
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_ no estado primeiro da ~atureza, a invenção da linguagem está ligada à hisloricismo filosófico h11sc11 suu principnl justilicaçl1o nas diversas fo rmulaçõc'l
expressão das emoções (alegria, cólera etc.). Assim concebido, o emprego da do naturalismo: do Mganicismo tipnlogin1ntc de Linné ao organiCl'. mo
voz humana, de. modo semelhante a uma harmonia imitativa, teria precedido e evolucionisla de Darwin. Nessa primeira. mas longu. ru~c de formaçao da
moldado a aparição da música; lingilística. 11 linguagem é tcoricamenlc considerada corno organismo vivo, e
estudada como tal. No úllimo lerço do século. o positivism(1 li losófico (1\. ComtcJ.
_ no estado mais tardivo da cultura marcado pelas coerções da
depois experimental (C'. Bemard). substilui. pouco a pouco. o romantismo
socialização (vida em grupo, necessidade econô:nica, emergência das hierarquias (hisroricista e organicista). Os neo-gramáticos rompem progressivamente com
e das relações de dominação), a linguagem, rebaixada de sua função primeira,
os pressupostos filosóficos do romanlismo. mas consagram. ao mesmo tempo.
seria convertida, pouco a pouco, em meio de expressão das necessidades.
fora de toda perspectiva especulativa aparente. o primado da função
É notável que as teses do Ensaio influenciaram profundamente a filosofia comunicativa da linguagem (primado afirmado em detrimento da função
da linguagem, principalmente na Alemanha. representativa). Apesar disso, a questão da natureza da linguagem não está
Com Herder, a primeira geração romântica admite que a linguagem, por inteiramente resolvida. A lingüística positivista toma emprestado ainda do
meio das diferenças culturais, recebe o caráter próprio dos povos. Via Rousseau, naturalismo uma parte de suas referências conceituais (a idéia de lei fonética
a filosofia da linguagem de Herder encontra alguns acentos da gramática aparece como um analogon da noção de lei tisica).
filosófica . Mas, além de toda consideração individual e subjetiva (Descartes/
Port Royal), o primeiro romantismo reconhece, antes de tudo, na linguagem 6.3. O estatuto da lingüística
uma função de representação do pensamento (na ocorrência da formalização Considerada a impulsão que ela recebe, desde seus começos. do
do "gênio" de cada povo). romantismo, do historicismo e do organicismo, a lingüística define-se. por longo
Com Hegel, a segunda geração romântica integra mais claramente a tempo, como uma ciência natural (o ponto forte dessa conceitualização remete
filosofia da linguagem à filosofia da históría. Elaborando uma concepção do a Schleicher). A emergência gradual do positivismo autoriza a tematização de
trabalho (da atividade humana como atividade industrial-produtora), uma metodologia mais rigorosa. Mas, simultaneamente, a formação das ciências
compreendido como mediação transformadora da relação homem/natureza. a sociais - o desenvolvimento da história e da psicologia social de G. de Tarde
fenomenologia do espírito faz valer a função econômica da linguagem, seu (1843 - 1904) com les /ois de /'imitation (1890) e da sociologia funcionalista
valor simbólico preponderante no desenvolvimento das instituições humanas. de É. Durkheim ( 1858 - 1917) com les regles de la mérhode sociologique
Aqui, encontram-se as grandes teses de G 8. Vico ( 1668-1744). (1895) - cria um novo polo de debate. Num lapso de tempo relativamente
As concepções românticas são recebidas de modo diverso pelos primeiros breve, novas orientações teóricas e epistemológicas aparecerão. A lingüística
comparatistas. Próximo de Herder, Humboldt desenvolve uma teoria da geral, na busca de um método próprio, problematiza os fundamentos científicos
linguagem ao mesmo tempo culturalista (antropológica) e mentalista. Herdeiro da gramática comparada.
de Herder e de Hegel, Schleicher - como Bopp, antes dele - relaciona a
hipótese indo-européia ao mito da crença na degenerescência das línguas. Da 7. W..p. WHITNEY (1827"-,1894):
pré-história à época indo-européia - que marca o começo do período histórico A IDEIA DE UMA LINGUISTICA GERAL
- , as línguas seriam destinadas a representar o pensamento humano no mais
alto grau de sofisticação. Com o começo do período histórico - marcado pelo Americano formado na Alemanha - especificamente ao lado de Bopp -
desenvolvimento da civilização - as línguas, corrompidas pelas exigências da William D. Whitney destacou-se no domínio do sânscrito e da gramática
comunicação, teriam entrado numa fase de decadência irreversível (estado de comparada antes de orientar-se para o estudo das línguas ameríndias. Seu
decadência do qual sua organização formal, geralmente deflexiva, seria trabalho de lexicógrafo é tão importante quanto sua obra teórica. A dara de
testemunho). 1867 evocada por Saussure é aquela da publicação de sua principal obra:
language and the study oflanguage (Unguagem e o es111do da linguagem).
6.2.A natureza da linguagem que foi seguida, em 1875, por The life and growrh of language (A vida e o
Os pressupostos filosóficos, mencionados anteriormente, não justificaram. desenvo/vímenro da linguagem).
por eles mesmos, o curso do estudo da linguagem durante o século XIX. Eles
encontraram potentes cauções nos modelos cientlficos dominantes. Entre o 7.1. O p rojeto do conjunto
começo e o fim do século - i.e. até o momento da critica neo-gramática - , o A exposição das principais concepções de Whitney exige uma atenção
particular quando se sabe qual foi seu papel de precursor da ciência da

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linl.!uaucm. A consickraçào dos grandes princípios de seu pensamento dev A formulnçl'io d..: um programa de pesquisa com contornos <.:laramcnh.:
- - a\lnliada. tcntlo por base a unan11ni
também e ser
. 'da d.e que e1a desfrutou entre
..• . algumas notas os definidos permilc n \Vhi~ncy conclui_i: qu~ a ~is: ip lina lingilística cm formação
cientistas de seu tempo. E o que re tlt
e e com mui t a e1oquenc1a constitui. por suns premtssns. uma c1cnc1a dtst111ta e completa:
assinadas por Saussurc no momento da morte de seu predecessor:
Ek nos deixou trabalhos. nos quais. a partir dos resultados da grama·i·
iilo logo na~cidn. n ciência da linguagem jú é um dos gr:1ndcs pontos de partida
. superior
emnpar:ida. de d uz-se uma via . e gera 1 so b rc a 1·mguagem: sendo eICa da crilica modcnia. Ela é tão extensa em sua base, tão definida cm seu objeto.
justnmcntc sua grande originalidade desde 1867 (apud JAKOBSON, 19 Sta tão severa em seu método, tão fecunda em seus resultados quanto qualquer
~ 77). 73 • p. outra ciência ( 1978, p. 123).

7.2. O objeto da lingüística A partir das perspectivas abertas por esse novo campo de conhecimento,
\Vhirney atribui à ciência da linguagem um programa muito ambicioso. Whitney fonnula igualmente uma visão fecunda sobre o papel de pólo de
Este deve atingir vários objetivos, assim delimitados'º:
unificação de outras ciências que a lingüística é sem dúvida capaz de
Ess.1 cit!ncia tem por objeto compreender a linguagem, primeiro, em seu conjunio, desempenhar:
como meio de expressão do pensamento humano, em seguida, nas suas
vari..:dndes [... ]. Enfim. ela persegue indiretamente um outro estudo: é aquele ela planificou os obstáculos entre vertentes de conhecimentos que estavam
dos progressos da humanidade [...] conquanto se possa descobri-los pelos separadas, mas que poderiam estar reunidas, e ela penetrou, por assim dizer, no
fatos da língua ( 1978. p. 123). interior do edi ficio do pensamento moderno, de modo a tomar-se indispensável
ao pensador e ao escritor (ibid., p. 124)
Ess:i primeira definição prioriza, antes de mais nada, um cuidado fonnal.
que \1lloriza ..o estudo da linguagem ou da lingüística" corno tal. Todavia. Whitney O gesto fundador de Whitney distingue-se ainda por sua novidade na medida
- fonnado nos quadros da gramática comparada - não hesita em definir os em que a constituição de uma teoria da linguagem acompanha a formulação de
objeti,·os que. por eles mesmos, excedem as concepções então em vigor. O urna demarcação clara entre lingüística e não-lingüística. Encontraremos essa
estudo dos fatos de linguagem é também foca lizado como uma preciosa fonte maneira de proceder no Cours de linguistique généra/e (Curso de lingiiística
de infonnaçi'io para pesquisa antropológica: Geral) de Saussure. Assim, Whitney delimita também o domínio da lingüística
pela negativa, tomando, em princípio, distância em relação a algumas orientações
Ela forneceu para a história da humanidade e de diferentes raças as verdades
precisas e as percepções profundas que jamais seriam obtidas sem seu auxilio da lingüística histórica. Ele opera assim uma dupla ruptura:
(ibid.). - recusando a perspectiva metafísica e teológica, situa fora do campo da
lingüística toda especulação sobre a origem da linguagem, em proveito da
Além disso. a lingüística é capaz de renovar completamente o ensino ~ 35 problemática das causas de sua evolução:
línguas. Por meio dessas considerações, Whitney problematiza. de mnneir.1
ainda prospectiva. as relações que a pesquisa de base é interpelada a empreender Mas como ela [a linguagem] é um produto, um resultado histórico, dizer que ela
com as cil!ncias aplicadas (em particular a didática das línguas): surgiu pronta e acabada, e ao mesmo tempo que o homem, é afirmar um milagre
[...). A.~ou.trina da verdadeira natureza da linguagem, tal como ela é estabelecida
· dt· .1in11uas
Ela prepara a renovação de velhos métodos aplicados ao ensino 'bilita pela c1enc1a lingüística, destrói completamente, ao menos cm sua forma antiga.
desde há muito familiares, tais como o grego e o latim. Elu nos po~~\QiS. o dogma da origem divina da linguagem (ibid., p. 142).
ensinar outras, das quais, há alguns anos, nós sabíamos apenas o nolllt
p. 123 - 124).
i d • .rdccusando a confusão entre lingilíslica e psicologia evita a assimilação
n cvi ªde seus respectivos objetos: '
7.3. Os limites internos da lingüística
A• faculdade huma11a q11c p1·oúuz, rnn1s
· d'iretamcntc n hngungcm.
· e,· como nos
· o
Vimos aquela de ad t · 1· '
lingüi \. .· ' ap nr ~nte 1gcntementc os meios no fim [...] n:lo cabe ao
.
10 As criações de Whi111i.:y sdo eximidas . (A~~m
do co letivo Awmt Sa 11ssm'I! 11 S 1ss1111•) esse ~s0ª• ~s,sim como ao historiador, cxplicnr os segredos do espírito humano:
()97lS,. e ' ' " }(fl/10 do p.vlc:lllogo (i/Jid.).
Sobre esse último W .
psicologia como ponto, h1tney observa as relações entre lingüística-
uma complementaridade frutífera:
~
~
..
\A • ,, ' .~, 1"'4fM• ~t f J'f.t,Nl•l1u1
.lf HrV1hl(1io 1/11 (1m1J11iJJM l.b111/~mula . J?
1\ 11111d11 d11 psic1\lug11 scn.11)rc é preciosa, e ela o é sobretudo no est· d
· que lod o o resto, o corpo do pensauo
. nguugcm e'mais
h11111111j1.l'111: porque a 11 da O homem possui,. como uma de suas ~orncterlsticas distintivas mnis marcantes,
1ihi.I. \. mento a faculdade do discurso:[...] mas ns. l:tculdmlcs são uma coiso. e seus produtos
claborndc;>s ~iio uma m~tra [. ..!. Ass1.m, o homem tem uma capacidade natural
Fm :mnrn. 11 ulirmução de uma ciência da linguagem constrói-se sob paro a pl~stu.:a. paro a 111vençao de 111strumentos, para as matemáticas, e para
1 mda 1,1s1ca
1\'l.'liS:l hllllu la menta1.ismo (ps1co
. quanto do
1
.
. og1smo). re a várias coisas grandes e nobres; mas nenhum homem nasce artista, engenheiro,
matemático, do mesmo modo como, ao nascer, não possui uma língua (ibid. p.
7.4. O antigo e o novo 133).
Ao longo de sua conceituação, Whitney tenta manter aliadas as diferentes Essa distinção fundamenta l, estabelecida em beneficio do processo de
cxigcncius du gramática comparada e aquelas de uma ciência da linguagem. transmissão e de aprendizagem, justifica a caracterização histórico-cultural
Nesse sentido, é importante destacar a sua proposta de hierarquização dos das línguas:
dados e a maneira, principalmente, com que ele justifica o lugar do comparatisrno
(domínio da confrontação empírica dos dados) sob o olhar da ciência da Ora, esses produtos acumulados das faculdades humanas que se exercitam e
linguagem (ou lingüística geral, compreendida como teoria pura, mas edificada se desenvolvem, produtos que crescem e mudam dia após dia, são o que nós
sobre bases emplricas): chamamos de instituições, os elementos da civilização. Cada seção da
humanidade deles possui alguma coisa (ibid. p. 133).
A filologia comparada e a ciência lingüística são os dois lados de um mesmo
estudo. A primeira compreende, em princípio, os fatos isolados de um certo Assim, Whitney insiste sobre o fato de que a linguagem é um obra coletiva,
corpo de língua, os classifica, indica suas relações, e chega às conclusões que sem negligenciar a parte devida a cada contribuição individual. Como fato
essas contribuições sugerem. A segunda faz das leis e dos princípios gerais da histórico, a dinâmica linguageira articula em si uma parte de coerção com a
linguagem seu principal objeto e somente se serve dos fatos como exemplos de possibilidade de inovação:
apoio (ibid., p. 149).
Cada um adquire o que o acidente do lugar de seu nascimento colocou em seu
Enfim, é interessante salientar, na obra de Whitney, um traço de época, caminho. e faz dele o ponto de partida do exercício de suas próprias faculdades,
caracte rísti co da epistemologia do final do século XIX, quando o encontrando-se ao mesmo tempo constrangido e fortificado pelo meio, meio no
desenvolvimento recente das c iências humanas contrapõe-se ao peso da qual o próprio indivíduo está destinado a crescer (ibid. p. 134).
tradição:
Enfim, contra a idéia de um controle evidente da linguagem pelos locutores,
O trabalho de comparação foi feito e continua a se fazer em grande escala e com Whitney - aproximando-se da psicologia - sustenta fortemente o caráter
resultados de grande vulto; mas a ciência da linguagem, propriamente dita, está inconsciente da faculdade da linguagem:
na sua infância, e seus princípios são o tema de uma grande diversidade de
opiniões e de uma viva controvérsia[...). Há um tempo em que esse estado de Não há uma pessoa em cem, em mil, que se dê conta do uso que ela faz da
coisas, tolerável no começo de uma ciência, cessa, e que em lingüística, como linguagem , ela sabe que fala e isso é tudo[ ...) (ibid. p. 136).
nas outras ciências de observação e de dedução[...] haja um corpo, não somente
de fatos reconhecidos, mas de verdades estabelecidas, que se impõem a todos Linguagem e comunicação
aqueles que pretendem o título de cientista (ibid.: 149 - 150).
A originalidade de Whitney consiste, como vimos, em romper com os últimos
7.S. A faculdade de linguagem pressupostos metafisicos da gramática comparada, conservando todavia o que
lhe permite fundar uma análise funcional da faculdade de linguagem. Essa
última somente se justifica, segundo Whitney, sob a perspectiva de um "desejo
Propriedade específica de co'!lunicação", ou ainda da necessidade, para a espécie humana, de traduzir
Whitney instaura uma distinção fundamental entre a linguagem c,omo pela !ala a expressão de suas necessidades fundamentais:
fac~dade antropológica ("capacidade inata") e a atividade linguageira ~SF,1,fic~
~amculannente ligada ao domínio de uma língua ("produto adqu!ndo ). É quando a exprcssi\o cessa de ser limitndn à emoçilo que é sun bnse nnturnl, é
linguagem constitui uma disposição inata da espécie, suscept1vel, pe1 ª quand~ ela vol~n-se aos usos intelectuais que começa a história dn linguagem
l:··l· La onde falta o desejo da co1111111icaç<io, nilo hã nenhuma produção de
aprendiz.agem, de desenvolver-se em aquisição:
~ngua&em. [...) a necessidade de comunicaçilo sempre é a principal força
etermmante que faz com que o homem fole (ibid. pp. 136- 137).

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Nessa nova .reflexão, su_bsi~te uma tentativa. para pensar a ontogênese · · Por
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· lado. com · vistas a cuntcmplnr 111dus· ••is• 1·11 nn.1s• t 1e cxprcss'io
da função comunicativa em referencia a um estado mais recuado da sociabilidade
simbohca.· \ 1Hllll'Y 11:mal1i'a.
· . :iti lnclo dn pnpd dn lingu:1.,c
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humana: corrd:t11vt1. t tl~. mc1t1s t1l' cxprcss:1n 11:111 wrhu l. nos quuis ele rcco~hcc ·
estatuto de :111x1han.:s: eo
A linguagem audível começou, podemos dizer, quando um grito de dor
nós ICllHl . S tamh~m .IHlSSllS lll.tldlls . 11n1urais. de '""Jlrcss~o
• .. 1' (l l!CSI O. na
provocado pelo sofrimento, compreendido e sentido pela simpalia do outro foi "
p:mton11m:1.
· na cnwna,·:lo.
t e .m1s scrv11nos
. . deles:
. de um hdl1
• . como-meios · de
repetido, via imitação, não mais instintivamente mas intencionalmente [...).' Ao
comu~11ca.;:lo. qunm o 11s mews 11rtl1!1t11·i11s lnlhnm. como ocorre entre homens
edifício a ser construído, bastava esta base (ibid.).
que nno sal~cm mutuah~1cn1c suas hn~uas. ou com s11rtlos: .:. por ouiro lado.
p:ir:t d:ir m:i1s for.;:i. m:us graça ou mais clarcz:i :i lincu:igem ordinária (ihid p
No entanto, o ponto de vista utilitarista prevalece em Wbitney para dar 135). - - . .
conta do alcance da "necessidade de comunicação". A atividade linguageira
constitui uma garantia para os conhecimentos, assim como para sua transmissão; É patente que. nesses pontos fundamentais. Saussure. do qual falaremos
ela mostra-se igualmente fundamental para a renovação das idéias assim como mais adiante. continua profundamente devedor de algumas de suas teses
para a relativa estabilidade dos idiomas: fundamentais à reflexão predecessora de Whitney.
É para que os conhecimentos nos sejam comunicados que nós aprendemos
nossa língua, e é por meio da comunicação que nós aprend~mo-la. E ainda por
7.6. A polêmica Whitney/Schleicher e M iiller
meio da comunicação que nós renovamos nossas idéias. E a necessidade de A reflexão de Whitney foi também rnarcnda por seus freqüentes
conservar esse meio que coloca um freio na mudança dos dialetos, e é ela que, posicionamentos contra o naturalismo de Schleicher e Müller. Diversos escritos
consciente ou inconscientemente, cada um reconhece por regra (ibid. p. 137). pontuam a história dessa polêmica decisiva (principalmente Stricwres11011 the
views of A. Schleic/1er concemi11g the origi11 of /anguage. 1871 e M
Linguagem e instituição Miiller and the Scie11ce of /011g11age. a criticism, 1892): uma polêmica no
Whitney promove aqui uma ruptura com a tradição lingüística anterior: término da qual triunfam as teses defendidas por Whitney.

Nós consideramos, portanto, cada língua como uma instituição e uma dessas O antinaturalismo
que, em cada sociedade, constituem a civilização (ibid. p. 134) Ele desdobra-se, em princípio, a partir de um ataque radical que visa ao
postulado principal das obras de Schleicher e de Mil Iler (a assimilação das leis
Para desenvolver essa nova perspectiva, Whitney estabelece um
paralelo entre a expressão humana e a expressão animal: lingüísticas às leis naturais, o apagamento do parâmetro humano):

A diferença essencial que separa os meios de comunicação que têm os homens, Há tanto mitologia lingliíslicn em afirmar que a linguagem é governada por leis
dos meios de comunicação que têm os animais, é que, nestes últimos, eles são quanto em afimrnr a ausência daquilo que lhe é essencial. justamente a ação
instintivos, uma vez que nos primeiros eles são inteiramente arbitrários e dos homens, o que permite considerá-ln como um organismo (ibid. p. 152)
convencionais (ibid. pp. 134 - 135).
Ele conduz, em seguida, a uma dupla afirmação: de um lado, o caráter
O lingüista inova radicalmente, caracterizando a língua como ~ma social da linguagem, de outro, o papel detenninante dos usos:
institujção na qual os signos são ao mesmo tempo convencionais e arbitrános:
Se nós_d~vcmos dar à linguagem um nome que evidencie suas caracter~sticns
Não há uma única palavra em nenhuma língua conhecida que se possa dizer esscnc1~1s do modo mais distinto e mnis preciso, tomando mesmo a direção
existir, phusei, naturalmente, mas cada uma cumpre seu emprego, thesei,por ~po~ta aqueles que queriam torná-ln um orgnnismo, nós a chamaremos de
atribuição.[... ] (ibid. p. 135). ms11t11içt10, uma das instituições que constituem a cullurn humnnn (ibid)

Em suma, Whitney posiciona-se no interior do debate filosófico- O convencionalismo


lingUístico. Lembrando a divisãophusei/thesei, ele atualiza os termos da antiga
reflexão sobre a linguagem (Platão, Crátilo) sobre a origem dos nomes.
Defendendo o tema da linguagem-thesei, Whitney consagra a autonomização
da lingüística, ligando-a ao domínio das ciências históricas. 11 É desse texto que silo eximidas as citações a seguir.


4? • ~ 11 Gnmt!u "J"ro11~11 da I Ji{~11í1tim ~

Ele sustenta-se em dois argumentos maiores. Whitncy, cm primeiro ,


afimm papel da s~cia
0 . J.1zaçao
- no desenvo1v1mcnto
. da 1aculdade
r. 1ugar C:ipítulo 3
de linguagem'
por meio da aprendizagem: •

Cada ser humano, se ele recebeu os dons ordinários da espécie human·


uma ' •rngua,• ·1s~o. r.~az parte d. e s~u apren d'rza do, assim a,possur
. como todos os
.
outros
A Recepção Francesa da Gramática
elementos da c1v1hzação no 111tcrror da qual ele nasce, e cuja aquisição faz dei
um homem civilizado[...] (ibid). · e Co1nparada 12

Passando do objeto estudado (a linguagem) à consideração da ciência que


a estuda (a lingüística), Whitney defende, em seguida, o paralelo entre a Como afim13 M. Bréal cm uma contribuição intitulada le progres de la
lingüística e outras disciplinas, a fim de melhor evidenciar seu estatuto de ciência grammaire comparée ( 1868):
histórica:
Nos trabalhos de Bopp, de Pott, de Benfey, retoma-se a honra de ter reconheci~o
Além disso, o estudo que toma as línguas por obje10 - sua variedade, sua e percorrido. pela primeira vez, o domínio que deverá explorar no futuro a filologia
estrutura, as leis de seu desenvolvimento - não é uma ciência natural, não mais ariana. Como se esperava, o período das grandes obras, com seus méritos e
que o estudo da civilização, em seu conjunto, ou de qualquer um de seus suas fraquezas, precedeu o das pesquisas especializadas e dos estudos de
componentes, a arquitetura, a jurisprudência, a história. As numerosas e detalhe ( 1994, p. 135).
surpreendentes analogias que ela apresenta com as ciências tisicas, recobrem
uma diferença maior; seu método essencial é histórico (ibid. pp. J 52- 153).
1 OS CANTEIROS LINGÜÍSTICOS

BIBLIOGRAFIA Em matéria de "pesquisas especializadas", convém, a fim de ilustrar a


panicularidade da escola francesa, considerar dois grandes pólos de pesquisa:
MALMBERG, B. Histoire de la linguistique. PUF, 1992. o dos estudos lingüísticos propriamente ditos e o das grandes reflexões teóricas.
NORMAND, C. et ai. Avant Saussure. Choix de textes (1875 - 1924).
Bruxelles: Complexe, 1978 (em particular capítulos Ir e IV). 1.1 O domínio francês
NORMAND, C. (dir.). Saussure et la linguistique pré-saussurienne. lo: Reagrupamos sob essa denominação a exposição sucinta de duas grandes
Langages, n. 49. Paris: Didier-Larousse, 1978. imponantes contribuições em matéria de história e de descrição da língua
francesa.

G. Paris (1839-1903): a romanística


A romanística já havia se constituído no momento em que Paris lança sua
obra:

- na França, F. Raynounrd ( 1761-1836) tomara-se precursor no domínio


do estudu da aniigu llngua francesa , com duas contribuições notáveis: tanto
Cltoix des poésies origina/e.\· des Tro11bado11rs ( 1839- 1821 ), como Lexiq11e
mman ( 1839-1844 );
·na Alemanha, F. Dicz ( 1794-1876) ltavin resolutamente enmiznclo os estudos
românicos no quadro da linglllstica histórica, ele um Indo, com a Grammaire

12 A maiorin das cituçõcs desse capilulo sdo extrnldns do livro de G. Dcrgougnioux


(1994).

-- --
.a.a • AI G~nuultJ liori1.IJ d.1 til~11útir,1
...1 Hrrr/>(1io f rrmrtlll tlit ...~m1»1ÍfÍ(tl ((}tnfHmu!tie .as

des langues romanes ( 1836- 1844), de outro, com o Dictio1111aire étymolo .


de la la11g11e romane ( 1853). Por fim, o Dictio1111aire de la langue fiwgtq~ie
no estudo dos falares franceses uma base de pesquisa sólida, ainda que mínima,
( 1863-1872) de Littré não se conceberá sem esse pano de fundo imedi:;aise
A contribuição especifica de Gaston Paris - que foi aluno de Diez -con ~· .
conforme afirma Gilliéron:
em promover uma concepçao . 'fi1ca d a fil1 o1og1a,
- c1enll . a partir
. dos métod SIShU
d se se pretende fomecer aos lingüistas - o que lhes falta ainda totalmente -
gramática comparada. Co-fundador da Rev11e Critique ( 1866) e da re~~ ª materiais fielmente 1ranscritos e amostras de pontos suficientemente numerosos
Roma11ica ( 1872), Paris desenvolveu a Société des a11ciens textes ji·an •st~ e vizinhos, para que possam ser estudados, em si e cm função, os ferment~s da
( 1874) e contribuiu também com a fundação da Société des parlers Fan~a~s matéria lingüística; se se trata, enfim, de detalhar as superficies lexicológicas,
( 1893). Na aula inaugural, pronunciada na abertura da cadeira de gramát~s
fonéticas, morfológicas e sintáticas [... ]; se assim for, pode-se dizer que o
desiderat11111 formulado pelos Parlers de France, longe de atingir o máximo da
histórica da língua francesa que acabara de lhe ser confiada (1906), ele expõ: tarefa[...] indica verdadeiramente apenas o mínimo exigido (ibid. p. 31 1).
um programa de pesquisa que comporta três pontos:
Gilliéron foi um dos inventores da geografia lingüística, disciplina à qual
primeiro[...) aproximaremos do francês propriamente dito os outros dialetos da ele se dedicou nobremente em La généalogie des mots qui ont désigné
langue d'oil 1l [ .•• )depois, faremos[ ... ] o mesmo trabalho com os outros grandes l'abeille ( 1917):
dialetos derivados do latim e, sobretudo, com o provençal, que forma com 0
francês uma subdivisão particular; enfim[... ] teremos ocasião seja de comparar O estudo das palavras que designaram a "abelha" nos fez descobrir a intervenção
o latim, nos caracteres legados às línguas românicas, com os outros membros de numerosas etimologias populares. É um acaso o fato de ter se ligado à
da família indo-européia, seja de emprestar, em geral da história de outras línguas, abelha mais do que a qualquer outra palavra? De maneira alguma! O estudo da
alguns traços que iluminam fatos análogos no desenvolvimento da nossa(...] "abelha" é somente um reflexo de tudo que se produziu em todos os lugares na
(1994, p. 158). língua: a etimologia popular é um dos fatores mais importantes na formação da
língua e seu conhecimento imperfeito induziu em erro os foneticistas que viam
A tradição do estudo francês, inaugurada por Diez e Paris, culminou nos na constituição da língua apenas o elemento mecânico e não se preocuparam
trabalhos do lingüista dinamarquês K. Nyrop ( 1858-1931 ), autor de uma suficientemente com o outro elemento, com o elemento psicológico(...] (ibid.:
Grammaire historique de la tangue Jrançaise ( 1899-1930). 325).
A orientação teórica inaugurada por Gilliéron deu origem a uma linha de
J. Gilliéron (1854-1926): a dialetologia pesquisa original, a partir de uma referência constante aos princípios do
Aluno de Paris, Jules Gilliéron - nascido e morto na Suíça - ensinou movimento Wort und Sachen (As Palavras e as Coisas) - notadamente em
dialetologia na EPHE14 a partir de 1883. Diante do centralismo político-lingüístico tomo do lingüista suíço W. von Wartburg ( 1888-1972), continuador dessa linha
característico da França saída da Revolução, a dialetologia encontra, portanto, de pensamento, com o Dictionnaire étymologique du /rançais et de ses
todos os tipos de obstáculos, tanto teóricos quanto institucionais, antes de se dialectes.
fixar na paisagem acadêmica e pedagógica. Há muito tempo, os dialetos No mesmo período, M. Schwob ( 1867-1905) e L. Sainéan (1859-1934)
regionais eram depreciados, vistos com maus olhos e tomados como "linguajares'' desenvolveram o estudo da gíria, domínio até então depreciado do ponto de
pelos eruditos franceses. Uma iniciativa, nesse tempo isolada, como a de C. de vista acadêmico.
Tourtoulon (1836-1913), autor de Des Dialectes, de /eur classification et de
leur délimilation géographique ( 1980) constitui, nesse domínio, um precede~te Os desenvolvimentos da fonética
considerável. A contribuição de Gilliéron é ao mesmo tempo a de um verdadei~ A emergência de uma escola de fonética propriamente francesa deve ser
promotor e a de um erudito. Ele foi, antes de tudo, o tutor e autor, c?m. · entendida à luz dos desenvolvimentos da gramática comparada além-Reno.
Edmont, do Atlas linguistique de la France (1902). Trata-se de uma pr~m~~ 0
Três eruditos marcaram com suas idéias a construção desse domínio:
pesquisa com uma envergadura capaz de fornecer aos lingüistas especializa - O abade J.-P. Rousselot (1846-1924) foi levado à fonética a partir de
uma pesquisa sobre Les modifications phonétiques du langage étudiées
dans /e patois d'une familie de Cellefrouin (Charente), 1891. A integração
. . da Franç a ·. Jangues d. '((ao
º' de dados da fonética à dialetologia (Rousselot foi um colaborador de Gilliéron)
13 N.T. Expressão utilizada para classificar as língua regionais -se em língua o conduziu a dar um fundamento científico à fonética acústica, assegurando
norte); tangues d'oc (ao sul). Uma das variedades das la11g11es d'oil transformou assim, a ligação dessa disciplina à lingüística. A redação de sua obra maior Le;
oficial da França (o francês). 1868.
Príncipes de phonétique expérimentale ( 1897-1901 ), foi ao encontr~ de
14 N T • ·
· · Ecole Pratique •
des Hautes Etudes, em Paris, fundada por v·c1or
1 ouroy. em

_J
-
46 • , fJ GrrmdtJ ºlllm'.11 ,/,, I i1{e,11iJtiM

...-1 Ht«/>(rirJ fnmft"' d111.r..,1111Jlim tomptmtr/11 • -17 1

importantes aplicações terapêuticos. cm ortoépia (tratamento dos defeito d


pronúncia). assim como cm ortofonia (tratamento <las deficiências articulat .s. e fonética) dos antigos egípcios, e que registrou os resultados de seus trabalhos
.. ) onas
e au d1t1vas . em textos tais como lcttre à /11/. Dacicr relativc à/ 'a/pliabet eles liiéroglyp/ics
- É a P. Passy ( 1859-1939) que n fonéticn deve. principalmente u µ'1011étiq11es ( 1822). como também o Précis d11 systê111e /1yéroglyplriq11e des
rcllc:\ào impo11ante sobre le François par/é ( 1886), na qual o autor d~st~ª a11cie11S Egyptie11s ( 1824).
a dl!làsagem persistente que reina entra as formas do oral e as restriçõeª
ortográficas. A crítica neo-gramática da representação gráfica da palavra tra~ Os estudos asiáticos
para esse lingüista um prolongamento decisivo com a preparação do Alfabeto Eles remontam, na França, à influência dos estudos indo-europeus que se
Fonético Internacional (AFI), cujos princípios foram expostos em l 'Écriture desenvolveram além-Reno.
phonétique ( 1896). E. Bumouf( 1801-1852) assegurará a continuidade francesa dessa tradição
- M. Grammont ( 1866-1946) participa do movimento de pesquisa introduzido recente, ao ministrar o ensino de sânscrito no College de France a partir de
por Mémoire sur te syteme primitif des voyelles en indo-européén 1832. Além disso, especialista na língua avéstica (zend ou iraniano arcaico),
(SAUSSURE, 1897). Com La Dissimilation consonantique dans les tangues e tradutor das Avestas (1832-1833), Bumoufampliará o domínio asiático com
indo-e11ropée1111es (J 895), Grammont analisa um fenômeno lingüístico que se o estudo do budismo a partir da fntroduction à/ 'histoire du 8011d'1isme indien
encontra no entrecruzamento da fonética e da gramática : (1845).
A. Bergaigne ( 1838-1888) desenvolverá de maneira bastante particular o
A dissimilação é uma ação produzida por um fonema sobre um outro fonema estudo do domínio sânscrito, principalmente por meio de seu ensino (a partir de
que figura na mesma palavra ou no mesmo grupo de palavra. e com o qual ele 1868, na EPHE, depois, desde 1877, na Sorbonne). Foi, também, o hábil autor,
não está em contato (1994, p. 275). ainda que desiludido, do Manuel pour étudier la tangue sanskrite (1844).
Contemporâneo de P. Régnaud, que ministrava a mesma disciplina em Lyon,
A reflexão desse lingüista compreende igualmente pesquisas sobre o falar: Bergaigne Jogo se impôs como o único representante francês do domínio indo-
Traité de pronunciation française ( 1916), Traité de fonétique ( 1933), assim europeu com o Essai sur la construction grammaticale considérée dans
como uma importante contribuição sobre a dimensão fõnica da linguagem poética son développement historique en sanskrit, en grec, en latin, dons les formes
com Le Vers français (1904), retomada posteriormente em perspectiva romanes et germaniques ( 1873). Com a morte de Bergaigne, é V. Henry,
pedagógica (Petit traité de versification française, 1908). outro grande criador da gramática comparada, que lhe sucedeu na Sorbonne.

1.2 O domínio estrangeiro Os estudos semíticos


A introdução na França dos métodos e das aquisições da gramática Na França do século XIX, o desenvolvimento dos estudos semíticos está
comparada concerne, como vimos, à formação de uma escola lingüística imerso em jogos políticos. Encontra, de um lado, a hostilidade da Igreja católica,
especificamente ligada ao estudo da língua francesa. Produz-se um movimento que nisso viu a ocasião de uma relativização dos fundamentos do cristianismo;
análogo àquele que havia se produzido na Alemanha, mas os jogos culturais. e choca-se, de outro, com a reação anti-semita, principalmente no momento do
mesmo políticos, não são os mesmos nos dois países. O estudo científico de caso Dreyfus 1s. Entretanto, E. Renan (J 823-1892) é o verdadeiro fundador do
línguas estrangeiras se inscreve cm outras tradições. domínio pois, devido ao seu distanciamento da Igreja, sua obra aparece como
um "grande momento de reapropriação pela ciência daquilo que tinha sido um
Os estudos orientais monopólio da exegese clerical" (BERGOUGNIOUX, 1944, p. 11 ). Próximo,
em seus primeiros trabalhos (por exemplo, num ensaio intitulado De/ 'origine
Existia já uma tradição de orientalismo própria às ambições diplomáticas e
des tangues, 1848), do naturalismo lingüístico professado por Schleicher e
políticas da França. Ela remonta a François 1, com a instituição do College de Müller, mais tarde Renan se impôs como o mestre dos estudos semíticos com
France, onde foram, entre outros, ministrados ensinamentos de língua árabe. a Grammaire Comparée des tangues sémitiques ( 1885). Ele ocupou, a partir
Com o expansionismo napoleônico, a questão do Oriente desperta i~1ter~sse
(desde a campanha do Egito ele 1798- 180 1). Assim, o empreendimento c1ent11ico
de J.-F Ch~mpollion ( 1790-1832) dificilmente se explica fora desse contexto 15 N.T. Trata-se do mais famoso caso de erro judiciário da Fronçn: Alfred Dreyfus (1859·
histórico. E no interior dessa mesma instituiçflo honrosa do College de Fran~e 193.5), de origem judiu, foi condenado à prisilo perpétua nu ilho do Diubo (Guinnn Francesa) por
que será criada, em 1831, a cadeira de Egiptologia: ou seja, dez anos dep~is espionagem em 1894; seu julgamento envolveu o debate pró e conlro o nnti-semitisrno; em
que Champollion decodificou a escrita hieroglífica (meio-ideogramática, me10- 1906 foi comprovada sua inocência.
.. 8 • ,41 (:ronda Trori111 t/11 1i1~(ll1Ílir,1

A RLupçiio franu1u da gramóliw '1Jmpar11d1t. 49


de 1862. a cadeira de hebreu no Colle![~ de France, e tev~ a iniciativa da
criação do Corpus inscriptorum sem1t1cat:um ( 1867): Simultaneamente
historiador do cristianismo, Renan sofre~ c~ít1cas d.a lgreJa com a aparição da Ela se impõe na França como um prolongamento crítico da gramática
//e de Jésus ( 1863), a primeira das contribuições laicas para a história política comparada: depois da análise das formas e das funções gramaticais (morfologia,
e cultural do cristianismo. sintaxe), e aquela dos elementos sonoros (fonética), os lingüistas empreendem
Outros eruditos, levados pelo anti-semitisi:io repressor em seus países de a análise das significações (semântica).
origem. emigram para a França. Em graus diversos, A. Darmesteter e M.
Bréal. os fundadores da semântica, ou ainda J. Oppert e J. Halévy, os A. Darmesteter (1846-1888): uma " psicologia das significações"
continuadores de Renan, aumentam o número desses eruditos que aparecem_ Aluno de Paris, Arsêne Darmesteter se impôs, primeiro, na filologia,
publicando a primeira edição crítica das glosas bíblicas do sábio judeu, o
segundo a consagrada expressão de D. Bourrel - como " agentes de comentador Rashi de Troyes ( 1040-1105). Esse estudo estabelece de maneira
transferência cultural". científica a imensa contribuição da hermenêutica hebraica em matéria de
J. Oppert ( 1825-1905), especialista em sânscrito e em árabe, desenvolverá memorização e de definição do léxico francês (Rashi usa, freqüentemente, por
brilhantemente o estudo das línguas semíticas, abrindo ao estudo científico as necessidade de seus comentários, a transcrição, em letras hebraicas, de palavras
mitologias assíria e sumeriana. Ele expõe resultados de sua contribuição decisiva da tangue d 'oif). Ensinando na EPHE, a partir de 1872, Darmesteter contribui
à decodificação dos caracteres cuneiformes no Expédition en Mésopotomie duplamente com os desenvolvimentos da lingüística francesa. Primeiramente,
( 1859). Seus trabalhos provocam a incorporação do mesopotâmico à família com uma importante obra de lexicografia (produzida em conjunto com Thomas
das línguas turanianas. Fundador da Revue d 'assyriologie, foi-lhe atribuída, a e Hatsfeld) que aparecerá sob o título de Dictionnaire Général de la Langue
partir de 1874, a cadeira de filologia e de arqueologia assiriana do College de Française (1890). Em seguida, destacando-se em pesquisas consagradas à
gênese do vocabulário francês, desde De la formation des noms composés
France.
en français (l 872) e De la création actuelle des mots nouveaux dans la
J. Halévy ( 1827-1917) se distinguiu por sua contribuição ao conhecimenlo
tangue française ( 1877) à La Vie des mots ( 1886).
da língua e da ,cultura etíopes, cujos principais resultados foram agrupados ao Próximo da escola histórica alemã , Darmesteter sustenta uma concepção
volume dos Etudes sabéennes (1873-1874). A obra dava continuação ao naturalista da linguagem que ele acredita transpor à ontogênese das significações:
Rapport sur une mission archéologique dans /e Yemen (1872). A partir de
J880, Hal évy ensinou o etíope e as línguas turaniaoas na EPHE. Pesquisas desenvolvidas há muitos anos sobre a história das línguas românicas
responsabilidade à qual lhe foi acrescentado o ensino do asstrio em t889. e, em particular, do francês( ...) conduziram durante muito tempo a essa conclusão
Fundador da Revue sémilique, Halévy envolveu-se em uma intensa potêmica de que o transformismo é a lei da evolução da linguagem (ibid. p. 287).
com Oppert, defendendo (injustamente) que o mesopotâmico era uma ttepa Entretanto, Darmesteter professa um historicismo temperado, pois ele não
semítica. O afinamento dos conhecimentos nesse domínio - notadarnel* adere ao mito da origem absoluta:
sustentado pelos resultados da historiografia (T. Reinach) - viria, pouco a f><*CO-
validar a tese defendida por Oppert. Esse último ponto merece ser sub~ Determinar a vida de uma significação, não é voltar à origem primeira da palavra,
na medida em que, uma vez mais, lembra que os debates científicos toe~ 6: mas ao sentido anterior que o explica, como em história natural, voltar à origem
perto os jogos socioculturais. Como o precisa muito justamente Bergoug~· de um indivíduo não é voltar à origem da espécie, mas aos indivíduos, macho e
temea, dos quais deriva (ibid. p. 286).
"Uma motivação nascida da resistência de uma pressão xenófoba .,ode ier0
constituído uma forte incitação para que esses intelectuais se vol~• para J>:. posição teórica do lingüista constitui, aparentemente, uma reformulação
traço identitário que constitui a língua" ( 1994, p.172). da atitude intelectualista das gramáticas filosóficas. Nessa ótica, a linguagem
torna-se uma representação do pensamento. Entretanto, são verdadeiramente
os estados de evolução formal dessa visada que interessam ao teórico:
2 A REFLEXÃO TEÓRICA
·~nct.~ as pal~vras exprimem as idéias. A palavra é criada para exprimir o pensamento.
Ela se orienta, de um ledo, em direção à constituição de wna e~ ~ua! ~a relação que a une à idéia para a qual ela é o signo? Até que ponto a
significações (Darmesteter, Bréal), de outro, no sentido de uma rev histor~a das mudanças de sentidos reflete a história do pensamento? [... ]
dos fins e dos métodos da lingUfstica geral (Meillet). gostaríamos de detenninar, primeiro, os caracteres lógicos dessa vida intelectual
e moral que nosso pensamento dá às palavras[ ...] (ibid.).
2.1. A idéia de semAntlca
A Ker.Pfào ji·anusa dn gro111dtito r4mparndo • SI
so • As Grnntlu Tt4rio1 tia •

e propriamente, sob a pluma d Em uma nota, o teórico da semântica explicita o alvo de suas críticas,
• 1·ca não ap arec • . . e
O termo, sem~n 1 e üentemente, pensar que a tennmolog1a vitalista marcando sua discordância de principio com seu predecessor imediato:
Darmesteter. E poss1~el, ~ons q t 0 subentende, de alguma maneira, no estilo
à qual ele se vincula mtelfamen e o leitor ITancês lembrar-se-á, sobretudo, do pequeno livro deArsene Darmesteter,
metafórico: la vie des mots. O autor, certamente, mergulhou demais, lançou-se fundo demais
. . e das palavras; temos razão de chamar esse opúsculo na comparação, de maneira que, em alguns momentos, parece acreditar em suas
Nascimento, vida e ~od~, dans leurs signfications (ibid.) metáforas(...) (ibid.).
de La vie des mots etu iee
, . to merece ser evocado. Refere-se à li~ação da lingüística A mesma passagem comporta uma análise muito apropriada das
Um .~lti~o pon . ltaodo a temática neo-gramátlca de uma evolução contradições que minam em seu princípio o sistema de Schleicher, modelo por
com as c1enc1as naturais, ressa .d d fu .. excelência da lingüística naturalista:
. fi tu sob 0 domínio de uma necess1 a e cega e gitiva
da lmguagem que se e e a
que escapa à vontade dos locutores: a época da perfeição das línguas estaria situada bem longe no passado,
anteriormente a toda história: a partir do momento em que um povo entra na
A 1.mguagem e• uma mate'ria sonora que o pensamento
· d
humano transforma
• · · 1 história, começa a haver uma literatura, uma decadência, uma decadência
· 1mente e sem fim , sob a ação inconsciente a concorrenc1a v1ta e da
·msens1ve irreparável se instala. A linguagem se desenvolve no sentido contrário ao dos
seleção natural (ibid. p.287). progressos do espírito. Exemplo remarcável do poder que as primeiras
impressões, as idéias recebidas na infância podem exercer! (ibid.: 291 ).
M. Bréal (1832-1915): a ciência das "signi_ficações" .
Tradutor da Grammaire comparée de Bopp, M1chel Bréal foi o grande 2.2 A fundação do domínio
introdutor da tradição lingüística alemã na França. Ocupou a cadeira de Quando se trata verdadeiramente de afirmar seu projeto, Bréal fonnula
gramática comparada do College de France e foi secretário da Société de um último postulado, que concerne à natureza e às causas da mudança
Linguistique de Paris (desde 1868). Comentando seu projeto, Meillet afimia lingüística. O ponto de vista defendido tende a causar uma ruptura com as
que Bréal busca "explicar os fatos lingüísticos pelo uso lingüístico". concepções admitidas pelos neo-gramáticos:
A formulação da idéia de uma semântica provoca vários deslocamentos.
Bréal inicia, primeiramente, com um balanço científico da gramática comparada Deixando de lado as mudanças da fonética, que concernem à gramática
e sublinha a ausência de uma reflexão lingüística que "fale à inteligência": fisiológica, estudo as causas intelectuais que presidiram à transformação de
nossas línguas (ibid. ).
~o se limitar às mudanças das vogais e das consoantes, reduz-se aquele estudo
as proporções de uma vertente secundária da acústica e da fisiologia; ao se Além do fato de se distanciar quase inteiramente da linha teórica dos neo-
c~ntentar em enu~e~ar as per~as provenientes do mecanismo gramatical, dá-se gl'amáticos, Bréal se distancia ainda do ponto de vista da filosofia da linguagem,
a 1lu~ão de um ed1fic10 que cai por terra; ao se dividir a origem da linguagem em afinnando - inclusive contra seus rivais franceses (como A. Darmesteter) -
ti:onas vagas, acre~centa~se'. ~e~ grande proveito, um capítulo à história dos que:
sistemas (...) ~xtrair da lmgü1stica o que dela sobressai como elemento !Para
reflexão[...), eis o que merece ser trazido à luz[...) (ibid.p. 289). ª história da linguagem, ao lado das mudanças desenvolvidas com um
extraordinário impacto, apresenta também uma quantidade de tentativas
~ segunda etapa consiste em uma crítica radical do naturalismo, roas esboçadas que ficaram no meio do caminho (ibid. p.291).
tambem da adoção a-crít1·ca desse mo de1o. Ao precisar
. seu argumento,
· Bre'ai
.
discerne na tentação naturalista uma fonna não dissimulada de antropomorfismo, da eObse~emos que a posição defendida por Bréal parece fazer eco às teses
~~j!~' o uso do estilo metafórico leva o pesquisador a desconsiderar seu esta~iº'ª idealista. Essa afinidade objetiva não nos permite, entretanto,
Possa ecer, com certeza, uma filiação direta, ainda que essa convergência
social r~ultar da influência exercida sobre as duas concepções pela psicologia
ª · de
O abuso das abstrações, o abuso das metáforas, tal foi,. tal e, 1.1:da o. disseram·
pengo causar arde). Para melhor definir a amplitude causal ou, mais exatamente,
nossos estudos. Vimos as línguas serem tratadas como seres vivos. morria!ll· categtª dessa ação voluntária, Bréal hesita em usar uma terminologia
nos que as palavras nasciam, travavam combates, propagavam-se e houvesse intelec~c~18 demais. Ele evita toda objeção, determinando que as "leis"
Não haveria nenhum inconveniente nessas maneiras de falar se não diferença Sào [...] ~ n~s quais ele pensa "não são essas leis sem exceções [...) como
pessoas para tomá-las no sentido literal( ...) O que escrevemos sobrel:s tambéfll Propõe e s leis da fonética" (ibid. p. 291 ). Tomada essa precaução, Bréal
das línguas mães e das línguas filhas? As línguas não têm filhas, e ssa caracterização:
não dão a luz a dialetos (ibid. p. 290).
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Acredito que é preciso apresentá-la tcssa vontade) sob a forma de milhões d


mi!harcs de ensaios empreendidos por meio de tentativas [...1 e que, as~i~ Fazem :iinda parle desses marcadores de subjetividade certos pronomes,
guindo~. assim corrigidos, assim aperfoiçoados, che9aram a se precisar em uma
certa d1rcç;lo. O objetivo, cm matéria de linguagem, e ser compreendido (ibid. p t:iis como os pronomes cxpletivos ''lançados no meio de uma narração, na qual
293) . o mmador parece repentinamente levar em consideração seu público" (ibid.p.
236) 1 ~. Bréal observa ainda que o caráter heterogêneo da linguagem (que se
Reconhecendo que essas leis repousam sobre um substrato psicológico, compõe tanto de elementos objetivos quanto de elementos subjetivos) faz "com
Bréal lhes credita um certo grau de generalidade: que uma porçilo importante da gramática tenha nele sua origem" (ibid. P·
237). Alguns modos e tempos verbais permitem, além disso, a expressão do
As leis que tentei indicar, pelo fato de serem mais, ~e ?rdcm psic~_lógica, não elemento subjetivo; assim:
duvido que possam ser identificadas fora da fam1ha 111do-europe1a. (ibid. p.
293). - o subjuntivo é adequado "para exprimir um desejo" ("Que Deus te ouça!";
"Tomara que você consiga!" ( ibid. p.239);
O paralelo que existe entre Bréal e os neo-gramáticos é demasiadamente - o condicional é capaz de "enunciar a ação com um pensamento baseado
manifesto para não ser sublinhado. Se Bréal deles difere em relação ao objeto na dúvida" ("Você seria da opinião de que... "; Você poderia estar certo")
de estudos, são as grandes orientações metodológicas da gramática comparada (ibid.p. 240);
que continuam, apesar de tudo, a infonnar seu projeto: a perspectiva histórica - o imperativo é o "modo no qual o elemento subjetivo se mostra mais
se torna predominante, da mesma maneira que a postulação (mesmo atenuada) fortemente" , pois seus empregos pennitem "unir à idéia da ação a idéia da
das regularidades sistematizáveis ("leis"). É precisamente o fato de o método vontade daquele que fala" (ibid. p.240).
neo-gramático lhe servir de base de pesquisa, ou seja, de motivo, que funda a Nota-se, entretanto, nesse último caso, que Bréal não subestima o papel
originalidade teórica de Bréal. Particularmente, quando propõe chamar de eminente da expressão para-verbal, diretamente correlata ao uso desse modo:
"semântica" à "ciência dos significados", em "oposição" - e dever-se-ia
compreender, por analogia - à "fonética, a ciência dos sons" (ibid.). É verdade que, em vão, procurar-se-ia, na maioria da.s formas do imperativo, as
sílabas que exprimem especialmente essa vontade. E o tom da voz, é o aspecto
da fisionomia, é a atitude do corpo que estão encarregadas de exprimi-la. Não
O elemento subjetivo na linguagem se pode ignorar esses elementos que, por não serem notados na escrita,
É por meio da seguinte definição que Bréal introduz a noção de "elemento constituem uma parte essencial da linguagem (ibid.p. 240-241 ).
subjetivo":
Do ponto de vista propriamente sintático, Bréal menciona o valor e o alcance
Se for verdade, como já se desejou algumas vezes, que a linguagem é um drama subjetivo do discurso indireto:
no qual as palavras figuram como atores e na qual o agenciamento gramatical
reproduz os movimentos dos personagens, é preciso, ao menos, corrigir essa O discurso indireto, com suas regras variadas e complicadas, é como uma
comparação por meio de uma circunstância especial: o diretor freqüentemente transposição da ação cm um outro tom (ibid. p. 240),
intervém na ação a fim de misturar suas reflexões e o seu sentimento pessoal
(...]Essa intervenção é o que proponho chamar de o lado subjetivo da linguagem E o autor acrescenta:
(1982:234)
Aquilo que, para os modernos, a língua escrita obtém por meio das aspas, a
A partir dessa definição geral, Bréal detalha as diferentes dimens~es
língua falada marcava pelas diversas fomias do verbo (ibid. p. 240)
propriamente lingüísticas do lado subjetivo da linguagem. Supondo wna narraçao_. Esses diversos recursos (lexicais, verbais, sintáticos), Bréal os qualifica
ele objetiva evidenciar aquilo que, na proposta do narrador, não pertence a de meios de "desdobramento da personalidade humana" (ibid.p. 241 ).
narração propriamente dita, mas as marcas que manifestam sua presença, sua
intrusão incidente: Desse primeiro inventário, ele passa à analise do sistema dos pronomes
conjuntivos (eu, tu, ele). A separação previamente efetuada entre a parte objetiva
~ma quantidade de ndvérhios, de ndjeivos. de membros de frase, qu~
mtcrci~lnrn.os du mcsmn maneira, silo rellcxõcs ou apreciações do narrador. Citarei, 16 Como nesse exemplo do final dn fóbuta O let711, o lobo e n mpo.va, de La Fontaine: Não
cm pru11c1ro plano, expressões que marcam mais ou menos a certeza ou a queirais. cortesãos, destruir ninguém; não vos prej 11diq11cis 11a corte 11111t11ame111e. Retoma
0
certamente daquele
confiança etc. (ibid.que !'ala, como sem dúvida ' talvez ' provavel111e11te,
p.235). mal a vós 110 q11ádmpto cio bem.
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e a parte subjeti va da linguagem cu lmina em conseqüência de uma última lll


forte demonstração: ' as Veremos quais laços unem as duas obrus.
Sobre as três pcs~oas do verbo, há uma .que .se reserva absolutamente (a u 3.2. A busca dos fundamen tos
que se convencionou chamar de primeira) . Dessa maneira opõ~ ela
individualidade ao resto do universo. Quanto à segunda pessoa, ~la tam~ua
não nos distancia muito de nós-mesmos, porque a segunda pessoa somen~
O contexto fil osófico
tem razão de ser se for interpelada pela primeira. Pode-se, portanto, dizer que e A reflexão de Henry se inscreve na tradição filosófica (cartesiana e
terceira pessoa somente representa a porção objetiva da linguagem (ibid.pa kantiana) dos discursos de fundação (Chiss, 2000, p. VII); ela visa a estabelecer
242). . bases metodológicas e teóricas estáveis para a ciência da linguagem. Isso leva
o lingüista a buscar bases sólidas para a disciplina, a fim de superar a
É incontestável que esses desenvolvimentos do Traité de sémantique intransponível divisão que reina entre os resultados e os pré-requisitos da
influenciaram, conseqüentemente, por muito tempo, as pesquisas de lingüistas lingüística:
tais como C. Bally, É. Benveniste, O. Ducrot. Quer se admita explicitamente
ou não, a reflexão desses protagonistas da semântica da enunciação se inscreve Nenhuma outra ciência foi mais contestada que a lingüística - nenhuma mais
na linha da pesquisa de Bréal. injustamente, a julgar pelos resultados - nenhuma em tão pleno direito, se nos
fixarmos em suas premissas (ibid. p. VII).
3 V. HENRY (1850-1907)
AS CONDIÇÕES DE UMA CIÊNCIA DA LINGUAGEM Essa si mples constatação leva Henry a submeter as "premissas" da
gramática comparada a um exame crítico rigoroso. Trata-se respectivamente
3.1. Uma reflexão radical das três problemáticas da origem, da natureza da linguagem e da relação
pensamento/linguagem. Além disso, o objetivo verdadeiro da sua primeira obra
Victor Henry desenvolve uma reflexão radical, no sentido próprio do tenno, (Les Antinomies linguistiques, 1896) é o de propiciar as condições de
na medida em que, propondo-se examinar "os irredutíveis malentendidos da possibilidade da ciência lingüística. A consideração conseqüente das premissas
lingüística do século XIX" (2000, p.7), ele ataca as "raízes" da disciplina. Duas da gramática comparada desemboca em inevitáveis antinomias. Lembremos
obras balizam essa reflexão: Les Antinomies linguistiques ( 1896), Le /angage que na Critica da razc7o pura, Kant define a antinomia como "um conflito
martien ( 190 J). O primeiro destaca uma teoria pura, o que Henry assume inesperado que não poderá nunca se apaziguar pelo habitual método dogmático,
totalmente, pronta a derrotar seus contemporâneos: porque tese e antítese podem ser estabelecidas por provas igualmente luminosas,
Essas considerações, por mais banais que possam parecer à mais frágil reflexão. claras e irrefutáveis".
não deixarão de surpreender os espíritos que a especulação coloca em dúvida
(ibid.:p.6) A ascendência de Bréal
Como qualificar a linguagem? E sobretudo: sobre qual pressuposto teórico,
A essa afirmação, Henry acrescenta que não é preciso prender-se aos tendo fortemente destacado a relação do sujeito fa lante com a linguagem, pode-
"termos de que [os lingüistas] são forçados a se servir" (ibid.) e que é se pensar seu estudo? Na época em que Henry se exprime, duas posições
conveniente precaver-se contra a "tirania das palavras [... ] pela análise teóricas prevalecem: o naturalismo de Schleicher (que prolonga, na França, a
minuciosa das idéias" (ibid. p. 7). obra de Darmesteter), e o intelectualismo da escola idealista (que representa,
O segundo livro (Le langage martien, 1901) participa de urna longa série na França, Bréal). Como vimos anteriormente, essas duas posições determinam
de escritos consagrados a casos de glossolalia. Nessas circunstâncias, para duas concepções absolutamente distint~s da mudança e do uso lingüístico.
sustentar sua reflexão teórica Henry interessou-se pelo caso da médium Darmestcstcr e Bréal dcfcn~em respec~1v.mnente o ponto de vista da lógica e
Senhorita Smith, capaz de uma comunicação supra-terrestre em "lfngua aquele da vontade. É sob o s1gn~ desse ultimo que Henry coloca sua iniciativa
marciana": exprimindo
• .
fortes reservas tcóncas quanto no postulado teórico do fundado r'
da semantica:
O presente livro é nada mais que uma verificação experimental dos princípios
especulativos que eu tinha ali exposto [na obra precedente]. Encontrei-me levado, Admiraria mais [M. Brénl], se n quase cnch! página não me sentisse imobilizado

.. naturalmente, a examinar o problema irritante da conformidade originária da e locado pela pennancnte presunção, conle~sadn ou latente, da intervenção da
consciência nas operações elementares da lmgungem (ibid.p.91 ).
linguagem e do pensamento (ibid. p. 183).
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- --- -
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A retomada da questão epistemológica de Kant ("o que eu po


conhecer?'") aplicada ao domínio das ciências da linguagem se mostra, porta~:º nós. conosco e na nossa vida.. (ibid. p. 60). Em contraste com a "linguagem
indissocialvelmente ligada ao estado do saber cientifico em matéria de teo ?· transmitida... a "linguagem aprendida guarda sempre em nosso espírito a rigidez
do sujeito. É na esteira dos debates mais recentes de seu tempo que He~'ª e a inflexibilidade" de urna "nomenclatura", de maneira que "ela se toma
problematiza. conseqüentemente, a questão d_o s fundamentos teóricos Z estrangeira à nossa vida menta l'· (ibid. p.58). A aproximação das duas
experiências da linguagem (transmitida ou aprendida) deixa entrever a resolução
lingüística. De maneira constante, contra a premissa naturalista (que reconduz
a posição lógica) e contra a premissa intelectualista (que valoriza erroneamente da antinomia da relação linguagem/pensamento: somente a linguagem aprendida
o papel da consciência e da vontade), Henry sustenta que "a linguagem é a faz verdadeiramente parte do nosso pensamento.
elaboração consciente de um sistema complexo de formas insconscientes"
(ibid. p.23). O radicalismo teórico de Henry procede em grande parte do O trabalho lingüístico
deslocamento que ele provoca por meio do método crítico, aplicando-o à Fortemente ligado à psicologia de seu tempo, que busca rev~lar a
linguagem dos lingüistas. Ele denuncia notadamente o papel opaco e enganoso manifestação do eu (cf. Egger, La parole intérieure; Freud-Breuer, Etudes
de certas expressões metafóricas (reconduzindo, assim, o gesto de Bréal ao sur / 'hystérie), Henry corrobora sua demonstração analisando - como outros
especialistas antes dele, tais como Flournoy na psicologia, ou Saussure na
encontro de Darmesteter). Quando ele submete ao exame a expressão então
lingüistica- o fa lar da Senhorita Smith. O diagnóstico que ele apresenta em le
banalizada "a vida das palavras" é para deduzir uma sutil distinção entre "a
/angage martien é o seguinte:
vida orgânica", de um lado, e "a vida consciente", de outro lado, para finalmente
concluir. O marciano somente é verdadeiramente original pelo seu vocabulario.
Sua gramática e sua sintaxe, desprovidas também de interesse tanto uma quanto
A consciência é um fenômeno acessório que se superpõe à vida sem acompanhá- a outra, apresentam entre elas os mais tocantes contrastes: uma é frouxa,
la necessariamente (ibid. p.23). flutuante, tão mal fixada quanto possível na maioria dos pontos nos quais
pareceria dever se deixar surpreender o rudimento, ao menos, de uma norma
Estimulado na sua reflexão pela evolução da psicologia que tende cada gramatical; a outra, ao contrário, rígida e dura, é impiedosamente colocada e
vez mais a incorporar a hipótese da constituição igualmente insconsciente do mantida no leito de Procusto da sintaxe francesa (ibid. p. 94).
sujeito, V. Henry assim encerra sua pesquisa:
Essa segunda contribuição reitera, a partir de um caso específi co, as idéias
Estabelece-se por meio de via experimental o que me esforçei para demonstrar fundamentais do livro Les Antinomies linguistiques , a saber, os diferentes
em grandes bases de argumentos e de análises lógicas: que a linguagem é a níveis de estruturação de um idioma (fonético, morfológico, sintático, semântico)
obra espontânea de um sujeito absolutamente inconsciente dos procedimentos procedem, todos igualmente considerados, de uma "ordem inconsciente e
que ele emprega com esse efeito (ibid. p. 68). mecânica". No caso da linguagem marciana, o idioma falado pela Senhorita
Smith se edifica por analogia à sintaxe de seu idioma materno. Como o sublinha
3.3 O exercício da lingüística
Chiss a propósito de Henry:
O segredo da linguagem Seu discurso fundador, contrariamente ao Curso, sem constituir o coração de
Levando em conta as "recentes pesquisas que tão fortemente modificaram uma herança submetida aos avatares da reformulação disciplinar e da transmissão
e desestablizaram a antiga noção da unidade do eu" (ibid. p. 39), com qual cultural é uma verdadeira terapêutica terminológica e metodológica (...] que
grau de certeza o lingüista pode apreender seu objeto? Henry declara q~er~r busca, como o Curso de Saussure, mas sem dúvida de maneira mais radical,
penetrar ..o segredo da linguagem", por exemplo, "o segredo de sua permanencia formular por subtração e "trabalho de luto" as condições gerais de um
conhecimento lingüístico (ibid. p. VI 1e XVI).
cem vezes secularizada e de sua mobilidade de todos os instantes" (ibid. p. 73).
Sua particularidade deve-se notadamente à força de uma "volição idêntica e 4A. MEILLET (1866-1936): A LINGUAGEM, FATO SOCIAL
consciente" da qual derivam "resultados inconscientes diferentes" (ibid. P·
73). Tendo em vista esse estado, Henry faz emergir a relaçã? de 4.1. A herança da gramática compa rada
desconhecimento constitutivo no qual o sujeito fa lante - comum ou Jingü_1sta - Com Bréal, Meillel contribuiu para o desenvolvimento da gramática
se e.ncontra face à linguagem. Essa relação de desconhecimento distingue comparada na França. Ele reina sozinho na lingüística francesa durante décadas.
particularmente o laço que o sujeito falante estabelece com seu idioma matemo, Suas diferentes visões fizeram escola; ele se ~iga, entre outros discípulos, a
o único "adequado ao nosso pensamento" (ibid. p.55), "aquele que vive em estudiosos tais como Guillaume, Cohen, Benvemste, Dumézil. Sucessor de Bréal
~
P'"

~ o ~. ( • ..,,.,m. ,......... M / F~(#1</r"I A Rrrr/'(1io f mnttm "" /l,ntmtitit11 ftJl/Jpomtln . ~'

na l'adeira de gr.:1m:ltil.'.a compamda do Coll<~ge de France, Meillet expõe n Com a adoção do conceito de sistema, a perspectiva defendida por Meillet
sua aula inaugural t"O est:ido atual dos estudos de lingüística geral", em 13 dª faz positivamente eco ao ensino saussureano:
tewreiro de 19()(1) o essencial de suas opções de pesquisa. e
A nova lingüística geral[...] fornece uma renovação completa dos métodos e
O destaque da perspectiva das idéias: aos fatos históricos particulares, ela sobrepõe uma doutrina de
conjunto. um sistema. (ibid. p.15).
A inte.1)\·ão de Meillet se faz sentir desde as primeiras linhas de sua proposta
inaugural. Ek enx:a. primeiramente. as "considerações que [o] levaram a A lingüística geral, assim compreendida, teria como verdadeiro objeto menos
hu~.u. em suas primeira lições[ ...]. as causas sociais dos fatos lingüísticos" o estudo das fonnas particulares que a produção de uma reflexão capaz de um
( 19~2. p. 2-3). alto grau de abstração, isto é, de uma unificação do saber:
Meillet recebeu parcialmente suas concepções de Bréal tanto quanto de
Sau.."-"ure l do qual seguiu o ensino parisiense), de Darmesteter e de Grammont, A pesquisa das leis gerais, tanto morfológicas quanto fonéticas, deve ser de
por quem ele se diz igualmente influenciado (ibid. p.1-2). O lingüista prepara agora em diante um dos principais objetos da lingüística. Mas, pela sua própria
um primeiro balanço do domínio. lembrando que os conceitos de lei fonética, de definição, essas leis ultrapassam os limites das famílias das línguas; elas se
analogia e de empréstimo defin em "os três princípios de explicação que aplicam à humanidade inteira (ibid. p. 13).
reconheceu a lingüística ao longo do século XIX" (ibid. p. 4). Essas diferentes
De fato, por razões culturais e institucionais, a gramática comparada
aquisiçx)es não se limitam a um acúmulo de novos saberes. Elas definem também
desenvolveu-se principalmente a partir do domínio indo-europeu. De maneira
ferramentas de analise suscetíveis de serem empregadas em novos campos de
aplicsçào: que vertentes inteiras do conhecimento lingüístico não puderam se beneficiar
das aquisições teóricas dessa escola. Nada, por outro lado, permite tirar
Primeiramente. há ainda famílias inteiras de línguas às quais sequer se iniciou conclusões gerais a priori, em termos de gramática comparada, "dos outros
sua aplicação f...] (ibid. p. 4). grupos de línguas". Como resultado dessa situação de desequilíbrio científico,
Meillet sugere que os modelos de análise evidenciados a partir das línguas
Elas permitem.. igualmente, sustentar o estudo, pouco desenvolvido até iodo-européias poderiam servir de quadro para o exame científico de outros
·então.. das línguas atualmente faladas:
conjuntos idiomáticos:
C.oJocamcrnos a descrever com uma exatidão singular todos os detalhes dos À medida que as gramáticas comparadas dos diversos grupos se constituirem
idiomas modernos (ibid. p. 5).
de uma maneira mais sistemática, as leis da lingüística geral conquistarão mais
certeza, mais precisão e esgotarão mais completamente o conjunto dos fatos de
Paralelamente, esse mesmo dispositivo conceituai é capaz de promover língua (ibid. p.14).
uma compleu renovação do estudo dos fenômenos lingüísticos já parcialmente
idemifirados:
4.2 As causas sociais da mudança lingüística
S~ domínios que foram estudados mais atentamente, não há, sem dúvida, uma Os limites da gr amática comparada
quesião a partir da qual não se possa renovar o estudo [...], utilizando as
~dos filólogos que se dedicam a cada língua[...] (ibid. p. 4-5). O panorama das aquisições e das possibilidades da gramática comparada
constitui uma prévia ao enunciado de uma perspectiva nova de trabalho. Meillet
O.rwWt•com o conjunto aponta aqui os limites da gramática comparada (particularmente, aquela de
Da mesma maneira que Whitney, Meillet também lamenta a disp~i~a~e seu momento histórico). Essa disciplina, datada de um século verdadeira matriz
.'JDeJ:e.lOõl álll:e o avanço dos conhecimentos lingüísticos (comparatismo, histona) da ciência da linguagem, limitou-se a perscrutar as causas me~ânicas ocasionais
~ a elabol.a~, de wrut teoria geral orientada a ordenar metodologicamente um da mudança lingüística; em nenhum momento ela se deu os meios para isolar a
~ ~~ 1't tornou pletórico. Considerando as diferentes formas da mudança causa invariante do processo:
llngrtíi.llt:a <ki f~ca. analogia, empréstimo), Meillet exprime a preocupação
de Wll ~~vista sí~temático sobre os fatos da linguagem: Todas as leis gerais que se colocaram, todas aquelas que esta pesquisa, apenas
iniciada, reserva ainda à descoberta, têm, no entanto, um defeito: elas anunciam
ourn:a ~ 1egíti11)() lentar explicar um detalhe fora da consideração do sistema possibilidades, não necessidades (ibid. p.15).
~«la lingua na qual ele ap-c11ece (lbld. p.11)


60 • .~J <.:mndu l i-on 1u d 1 I 111i:,1111111,1
l ~· f l(r11ftr.io fi .nur111 ,t, f.'•11111it1M 1nmp1n<ul11 • til

A hipótese
O parâmetro causal. invariavelmente considerado como responsável Pela Nesse momento ela arn\lisc. Mcillct opern 11111 deslocamento cm relação ús
mudança lingüística. Mcillet vai delimitá-lo ao entorno imediato de cada língua: concepçõc.:s c.:nt:1o ndmitidas pelos objetivos dn ling!listica. A valorizaçilo teórica
do pnrfünctro social sô tem um precedente se considerarmos o movimento de
Mas há um elemento cujas circunstâncias provocam perpétuas variações, tanto valorizaç:'io teórica elas leis fonéticas empreendido pelos nco-gramúticos. !\
repentinas
da quanto
sociedade lentas, mas jamais inteiramente interrompidas: é a estrutura
(ibid. p.16). constituiçi\o da cnusalidndc social como objeto de pesquisa inédito conduz Meillet
a definir. nssim. sua nova hipótese de trabalho:

!! prov:ivcl a priori que toda modi licaçilo da estrutura social se traduzirá por
O caráter social da linguagem uma mudança das condições nas quais se desenvolve a linguagem (i/Jid. p.17).
<;oi:n as leis fonéticas, a analogia e o empréstimo, a estrutura da sociedade
cons~tm o qu~o "princípio de explicação" da mudança lingüística. Essa posição Essa perspectiva não é sem conseqüência para a conceituação dos objetivos
auton za Me1llet a dar o primeiro passo para uma nova caracterização da da lingüística. Meillet opera, então, uma distinção de importância entre a
linguagem e, finalmente, para uma nova orientação da lingüística: lingüística geral e a lingüística enquanto ciência social:
A linguagem é uma instituição que tem sua autonomia; é preciso, portanto, nela
Ora, a linguagem é eminentemente um fato social[...] pois se a língua não é algo detenninar as condições gerais de desenvolvimento a partir de um ponto de
de substancial, ela não existe menos por isso. Essa realidade é ao mesmo tempo vista puramente lingüístico, e esse é o objeto da lingUistica geral[ ...) mas pelo
lingilística e social (ibid. p. 16). fato da linguagem ser uma instituição social, resulta que a lingüística é uma
ciência social [...] (ibid. p. 17).
Embora de aparência dogmática, essa asserção provoca uma dupla
justificativa teórica. A vertente propriamente "lingüística" da língua constitui O programa
uma ordem de restrição interna: A partir dessa distinção, Meillet percorre a via de uma nova área da
lingüística. A caracterização dessa orientação compreende um enunciado
Ela é lingüística: pois uma língua constitui um sistema complexo de meios de programático:
expressão, sistema no qual tudo se realiza e no qual uma inovação individual
poderá dificilmente encontrar lugar [...) se ela não estiver em harmonia com as Será preciso determinar a que estrutura social responde uma estrutura lingiiística
regras gerais da língua (ibid. p. 16). dada e como, de uma maneira geral, as mudanças da estrutura social se traduzem
por mudanças de estrutura lingüística (ibid. p.18).
Quanto à vertente especificamente "social" da língua, essa define uma
ordem de restrição externa, mas coletiva: Explicitando o laço entre linguagem e sociedade, Meillet despede-se da
lingüística do século XIX e assegura à ciência da linguagem a passagem da
Sob outra perspectiva. a realidade da língua é social: ela resulta[ ...) daquilo que idade da história à idade das ciências sociais:
é 0 meio de comunicação entre os membros de um mesmo grupo e daquilo que
não depende de nenhum dos membros do grupo para modificá-la[...] (ibid. p. O século XIX foi o século da história, e os progressos realizados pela lingüística.
17). ao se colocar do ponto de vista histórico, foram admiráveis; as ciências sociais
se constituem nesse momento e a linguística deve ocupar o lugar que sua
Apo iando-se nessa segunda justificativa, Meillet lembra a função de natureza lhe designa. (ibid. p. 18).
restrição objetiva correlativamente assegurada pelas regulações do uso. mas
sobretudo pela instituição escolar: Para concluir esse ponto, é preciso dizer algumas palavras sobre a inovaçilo
de Meillet. Sem forjar sua exata denominação, Meillct é,juntamente com Bally.
nas sociedades civilizadas modernas, exclui-se de todos os principais empregos um dos dois mais importantes protagonistas dn sociolingilísticn na esfera
examinados aqueles cidadãos que não sabem se submeter às regras da francófona.
linguagem, às vezes, bastante arbitrárias. mas que já foram adotadas pela Com a idéia de uma lingllistica social, Meillct resolve de uma maneira
comunidade. (ibid. p.17). original a aparente antinomia linguagem/sociedndc, ressocializando, para assim
dizer, a divisão individual/coletivo. Sabe-se, no entanto, que Sausuure, um dos
4.3. A idéia de uma lingüfstica social seus mestres, sobrepujou a mesma dificuldade reservando à semiologia o estudo

62 • /11 Grn11d<J Teoriru da U11g11í1lita

da vertente social da linguagem 17• Meillet foi, juntamente com seu aluno M
Cohen (1_884-1_974), o organizador das Langues du monde (l 924, 2 ed. 1952): Cnpítulo 4
Esse conjunto ilustra o postulado segundo o qual as línguas são "o reflexo do
comportamento e da mentalidade". A tematização por Meillet do papel
predominante dos processos sociais proporcionava novas interpretações.
Compreende-se, por exemplo, como, a partir desses mesmos postulados, Cohen
propôs uma teoria marxista da linguagem em Matériaux pour une sociologie
FERDINAND DE SAUSSURE :
du langage ( 1956, 2 ed.197 J). A reflexão indo-europeanista de Meillet foi A teorização da lingüística moderna
trabalhada por dois outros discípulos, É. Benveniste ( 1902-1976), autor, nesse
domínio, do Vocabulaire des instituitions indo-européennes (cujas posições Saussure mostra que o homem não é senhor de sua língua. Ao questionar as
se encontram esparsas na obra de Meillet), e G. Dumézil ( 1898-1986) que, ao evidências gramaticais e a maneira pela qual elas funcionam parn o sujeito
se apoiar nos métodos da gramática comparada, conferiu um fundamento filiante. Saussure contribuiu para tirar a reflexão sobre a linguagem das evidências
científico ao estudo da mitologia comparada (em particular: L 'idéologie empíricas: ao estudar a língua como objeto abstrato. um sistema cujas forças
são exteriores ao mesmo tempo ao indivíduo e à realidade tisica. a teoria
tripartite des Jndo-Européens). saussureana produziu um efeito de desconstrução do sujeito psicológico livre
e consciente que reinava na reflexão da filosofin e das ciências humanas
BIBLIOGRAFIA nascentes. no final do século XIX.
BERGOUGNIOUX G. Aux origines de la linguistique française. Paris:
Pocket, 1994. Essa observação de Gadet ( 1966, p. 7) expõe ao mesmo tempo o projeto
BRÉAL M., Essai de sémantique. Paris: Brionne, Gérard Monfort, 1982. de Saussure ( 185 7-1913) e suas conseqüências na ciência lingüística do século
XX. O Curso de Lingiiistica Geral (CLG). publicado em 1916 por Sally e
HENRY, V Les antinomies linguistiques, suivies du Langage martien. Séchehaye, segundo as notas dos estudantes que tinham seguido os cursos de
Paris: Peeters, 2000. Saussure entre 1906 e 1911 18, aparece como o texto fundador da lingüística
MEILLET A. Llnguistique historique et linguistique générale, Genebra: moderna, repousando sobre o estudo da língua como sistema. Ainda que
numerosos temas abordados por Saussure já circulassem em pesquisas da
SJat:kine; Paris:Champion, 1982. segunda metade do século XIX'°, o CLG, constitui, no entanto. o que se pode
chamar de "corte epistemológico''. isto é. uma maneira radicalmente diferente
de considerar os fatos da linguagem. O trabalho de Saussure instaura, com
efeito, uma ruptura com a lingüistica comparatista:o de sua época. propondo
uma abordagem não histórica. descritiva e sistemática (dir-se-á. mais tarde,
"estrutural..).

1KFcnlinuml dl! S:.1 uss111\! 111inisLrt1111r1:s cursos i:m G.:n.:bm i:m 1906-1907. 1907- 1908. 1910-
1'.l l I. Q CL(j ll(lf'l:St'llHI. ponu1111J. lllllU Wl'Sttl) unilk:llla d.: um trnh:ilho <Jll<! SI! linha feito
c:struti ficall111m·1111!.
l'.l Asociologiu tlc Uurkhd111 inllut·nci.m l'l.in,·111,·111.: a 1.:orin do fow lingllistirn: ··um lilto sodal
se n.·conhccc pdu pmkr de f'l:sU·i\·tlo c:x1.:m11 t111e i:xc:f'I:<: ou.! •·apaL 1k cxc:f'l:.:r solm: os individuos,
..: n prc:sl'111·111lessc p111kr Sl' n:l'lmh1.•cc. Jhlf sm1 w1, s1.-jn pl'ln cxis1ência de algumas sanç<ks
llc:1t•n11i1111dns. sc:ju pdu f'l:sislliu.: iu <Jll<' o ll11<1 ''J><k ;i ' " " ' ' C:lllJll'l.'<-'llllimc:n1,1 individual <111<: h:nde
17 "A natureza social da língua é uma das suas características internas. Pode-se, 11 vinl.:1111\.fn ( 149:!, p. 11 ).
portanto, conceber uma ciência que estuda a vida dos signos no interior da vida social '.?O S''lllllllln 11s l'omp:mllistns 1ln s<'culn XIX. cm Jlí111k11lnr c:m 1omo de F. Bopp. ns línguas se
[...]Nós a nomearemos semiologia [...]A tarefa do lingüista é definir o que faz da língua dc:l!md11111 uo 1.·vol11i~111 snh o di.-it11 1111.s lds li1n.'1il'us. nn ··01111111k:w110. Tm1:1-se <k comparar os
cs111,l11s n111igos :111s 1.•s1111t.1s pl\'S<'lltl'S tln lin!).llll.
um sistema especial no conjunto dos fatos semiológicos" ( 1995, p. 33).
M • /11 Grn11du 1'toria1 da U 1w11i1ifa

I ilf \ 11H'"''' ,, /11J11 o··lf•'" ,/,, lmt)'li ftal 111ul101t1 • " '

· O_s conceitos pr?postos por Saussure foram largamente expforad


primeiro pela fono logia de Praga e, depois J.á nos anos 1960-1970 · ~s, t. l. A llngfllsllcn: fnrcfn s e ohjclo
da corrente est tu r ' •no interior
ti . . 21 ru ra 1sta, por outras disciplinas que se inspiraram no model
onolog1c? · ~~sa é a razão p~la qual Saussure foi consagrado como 0 "pai d~ As 111n•fn s cl11 ll11gfllsllc11
e_struturalismo , e~ u~a tardia retrospectiva que não foi de maneira alguma No in k in (1\\ ( 'f .( i, S111tss11n.: aprcscnln cl11rn111cnlc Jrês Jarcfos da lingüística
''rigorosa
. ,,no plano cientifico (ele não fala de "estrutura", por exemplo, mas de gcr:il. nome que ele d1\ 1\ ci~nda nova que dc.;vc s11c.;cdcr a lingUíslica histórica
sistema .' º. tenno estrutura/ismo somente aparece por volta de 1928), mas e :1 grnm:\Jit.::t comparada:
que const1tu1 um fato histórico na história da lingüística.
O CLG teve, portanto, um estatuto emblemático, e constitui ainda hoje 0 A t:ircfa da lingllistica scrú:
fundamento do ensino da lingüística22. Pesquisas filológicas mostraram que a)fozc~ a dc~criç~o e a história de Iodas as línguas que puder abranger,.º que
esse texto sofre um tratamento interpretativo que o distancia às vezes de seus q11cr_d11.cr: lazer a história das familias de línguas e reconstituir, na medida do
conceitos originais, e seria preciso talvez efetuar um trabalho de "restauração" poss1vcl. :is linguas milcs de cada família;
do pensamento de Saussure. Mas adotamos aqui a posição de Nonnand em b). procurar as forças que estão cm jogo, de modo permanente .e
seu ensaio sobre Saussure: "usar com toda liberdade essa herança histórica, universal. cm todas as linguas e deduzir as leis gerais às quais se possam referir
sem se deixar impressionar pelo argumento, tendencialmente terrorista, dos todos os fenômenos peculiares da história·
"originais" (2000, p. 16). c)delímilar-se e definir-se a si própria. ( l 99S, p. 13).
Exporemos, portanto, o conteúdo do CLG a partir da edição original de Essa lista é dirigida por duas motivações fundamentais para Saussure: a
Sally e Séchehaye (apresentada e anotada por de Mauro, 1995), mas também pesquisa da generalidade e a fundação de uma disciplina« útil ».Na versão do
da versão estabelecida a partir do caderno de notas de um estudante do Curso TCLG ( 191 0-19 11 ), ele, com efeito, afirma:
(Émile Constantin), publicada, em 1993, por Komatsu e Harris, sob o título
Troisieme Cours de linguist~que généra/e (TC LG). Daremos também Uma vez a lingüística assim concebida, isto é, tendo diante de si a linguagem em
elementos provenientes dos Ecrits de linguistique générale (ELO), que todas as suas manifestações, um objeto que é o mais amplo possível.
contém textos e trabalhos de Saussure organizados por Engler e Bouquet em compreendemos por assim dizer imediatamente o que não era ainda claro: a
2002. utilidade da lingiiística ou a título de que ela pode vir a figurar no ciclo dos
estudos que se interessam por aquilo que chamamos de cultura geral. ( 1993. p.
1 CO NCEPÇÃO DA LÍNGUA E DA LINGÜÍSTICA 4-5).

É dentro da parte do CLG que os editores denominam de Introdução que Efetivamente, a lingüística será útil se ela fornecer ferramentas de
Saussure lança os fundamentos da lingüística geral. Depois de tê-la constituído observação suficientemente gerais e precisas para serem utilizadas por todos
como ciência, definindo suas tarefas e seu objeto, Saussure evidencia uma das aqueles que estão interessados na língua. Saussure quer, portanto, ultrapassar
antinomias fundamentais do CLG: a distinção entre língua e fala. a comparação conjuntural das linguas particulares, como o fazem os especialistas
da gramática comparada na sua época, para estudar a estrutura geral da língua.
Para fundar uma tal disciplina, é preciso, antes de tudo, definir seu objeto.

21 Em antropologia (Lévi-S1rauss), cm filosofia (Ahhusscr), na psicanálise (Lacan). na semiótica


O objeto da lingüística
(Barthes), na psicologia (Piagct) etc. O objeto da lingüística recebe de Saussure várias defini ções que vão
22 N.T.No Brasil, a lingüística foi introduzida como disciplina obrigatória dos currículos de Lerras configurar o conjunto de sua teoria:
no início dos anos 1960. Joaquim Mattoso Câmara Junior - que foi aluno de Roman Jakobson nos
Estados Unidos- é considerado o pioneiro da lingüística descriliva no Brasil. Foi ele quem ministrou - O objeto da lingüística não é, ao contnlrio das ciências exatas. dado
o nosso primeiro curso de lingUística, na Universidade do Distrito Federal ( 1938 e 1939) e depois na antecipadamente, mas resulla da construção de um ponto de vista:
Universidade do Brasil, a partir de 1948. Como resultado de seus cursos surgiu, em 1942, o primeiro
manual de ling1iística do Brasil: Princípios de lingiiírtica Geral como F1111dame1110 para os Estudos Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se podem
Superiores da língua Portuguesa (Rio de Janeiro: Briguiet; a partir da 2• ed. 1954, Rio de Janeiro: considerar. em seguida. de vários pontos de vis1n: cm nosso campo, nada de
Acadêmica). Para uma visllo da história da lingaística no Brasil, leia-se: ALTMAN, C. A pesquisa semelhante ocorre [... ] Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de
lingliística do Brasil. São Paulo: Humanitas, 1998. vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de
~
f'. dt S llNIJNrt.' o ltoriz.a1iio do li#f/ifrrita motltrno • f7
66 • •"'' e nutikJ ·rt0ri11J "'' I J'l(t.NÍJ/1(,1

.E 0 TCLG acrescenta :
antemão que uma dessas maneiras de considerar o fato cm questão seja ant .
ou superior às outras. ( 1995, p. 15) erior E, assim, poder-se-á introduzir uma ordem interior nas coisas que concernem à
linguagem (p . 66)
Encontra-se nos ELG uma formulação ainda mais clara e concreta d
idéia: essa -A lingüística faz parte da semiologia. A definição do objeto da lingüística
d t rmina, em contrapartida, a natureza dessa disciplina. Enquanto ciência dos
A lingüística encontra diante dela, como objeto primeiro? imediato, um obj t ~ eos a lingüística entra, segundo Saussure, em uma ciência mais geral que
s1gn , . .
dado, um conjunto de coisas que se encontr~m sob o sentido, como é 0 casoe~ ele nomeia sem1olog1a:
tisica, da química, da botânica, da astronomia, etc.?
De maneira nenhuma e em nenhum momento: el.a é colocada no extremo opos10 A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparável, por isso,
das ciências que podem partir do dado dos sentidos (2002, p. 19-20). à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de
polidez, aos sinais militares etc., etc. Ela é apenas o principal desses sistemas.
Isso quer dizer que os fatos da linguagem não são exteriores à experiência pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da
humana, mas fazem parte dela, são mesmo o seu produto, porque a linguagem vida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte,
é uma atividade do homem. da Psicologia geral; chamá-la-emos de Semiologia (do gregosemeion, "signo").
- O objeto da lingüística é a língua e não a linguagem. Com efeito. a Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem[...) A Lingüística
linguagem é uma faculdade humana, muito mais vasta e menos específica que não é senão uma parte dessa ciência geral. ( 1995, p. 24).
a língua. A linguagem supõe somente que seres humanos falem e ela engloba
ao mesmo tempo a produção e a recepção, o pensamento e sua expressão
Lingüística interna e externa
fônica, a dimensão individual e social, a dimensão estática e histórica. Essa é, Nossa definição de língua supõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja
diz o TCLG, "uma faculdade que nos vem da natureza" (p. 66). A língua na sua estranho ao organismo, ao seu sistema, numa palavra: tudo quanto se designa
relação com a natureza é definida como "o produto social cuja existência permite pelo termo "Lingüística externa". Essa Lingüística se ocupa, todavia, de coisas
ao indivíduo o exercício da faculdade da linguagem" (p.66), formulação talvez importantes, e é sobretudo nelas que se pensa quando se aborda o estudo da
mais lapidar do que a primeira definição do CLG: linguagem. (1995, p. 29).
Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a lirguagem: é O que Saussure chama de "lingüística externa" estabelece, com efeito,
somente uma parte detenninada, essencial dela, indubitavelmente. E. ao mesmo relações com a etnologia, a história política, o que ele chama de " instituições
tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto ~e d~ todos os !ipos" como a Igreja e a Escola, a geografia lingüística e a
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerdc10
dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme dialetologia. E uma lingüística que descreve os laços que a língua pode ter com
e heteróclita; a cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo llsica. ~que está fora dela mesma, que acumula informações, mas que não dâ conta
fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao domin~o e seu funcionamento interno e autônomo:
social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos. pois
não se sabe como inferir sua unidade. A Lingüística externa pode acumular pormenor sobre pormenor sem se sentir
A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação. {1995. P·
17). !~~da no torniquete dum sistema.(...] No qu,e concerne à .Lingüistica interna,
so coisas se passam de modo diferente( ...] a lmgua é um ~1stema que conhec~
Esse "todo por si'', é o "sistema de signos", que tem como princi~al mente sua ordem própria. Uma comparação com o JOgo de xadrez fara
característica sua autonomia e sua "ordem própria", condições necessánas ~~pr~ndê-lo melhor. Nesse jogo, é relativamente fácil distinguir o externo do
para aceder ao estatuto de objeto da lingüística. Essa é a razão pela qual ª in~rno, 0 fato de ele ter passado da Pérsia para a Europa é de ordem externa;
3 • ]~' ao contrário, é tudo quanto concerne ao sistema e às regras. ( 1995, p.
ordem da língua serve, de certa maneira, como modelo rigoroso para abordar
os fatos da linguagem:
13
É necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como
normu de Iodas as outras manifestações da linguagem. De fato, entre tantas 1.2. Lingua/fala
Carletetisttcu da~~ da fala
dualidades, somente a llngua parece suscetivel de uma definição autônoma e
fornece um ponto de apoio satisfatório para o espfrito. ( J 995, p. 16-17).


68 • ,111 Gn111tlt1 º/(ori11, d,, 1 Íl((11titim

P. de S111f11ttrr: n ltOriZft(1io tia li11gii/1tim 11101/er1111 • 69

Ao c?locar uma das antonomias fundamentais da CLG, a distinção ent


lingua e fala, Saussure dá definições mais claras de língua e esclare assim re Desse caráter da língua decorrem outros: a língua é marcada pelo essencial,
relação entre língua e linguagem: ' 'ª isto é, o pennanente, ela é adquirida de maneira passiva, por interiorização da
parte de cada um do bem comum a todos; e ela é coletiva, pois é compartilhada
Recapitulemos os caracteres da língua: pelo conjunto dos locutores. No plano cognitivo, ela é detida mentalmente por
1. Ela é ~m objeto be~ defi~ido no conjunto. heter~cli~o .dos fatos da lin~uagem . cada um sob a forma de "marcas", que são de natureza psíquica, enquanto as
[... ] Ela e a parte social da ftnguagem, ex tenor ao md1v1duo, que, por s1 só, não produções da fa la são marcadas pela dimensão física da fonação.
pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie
d~ ~ontrato estabelecido entre os membros da comunidade. [...] 2. A língua,
distinta da fala, é um objeto que se pode estudar separada~ente. [...]Não só Lingüística da língua e lingüística da fa la
pode a ciência da língua prescindir de outros elementos da hnguagem como só Essa distinção entre a língua e a fala e a decisão de fazer da língua o
se toma possível quando tais elementos não estão misturados. 3. Enquanto a objeto da lingüística "útil" levam Saussure a distinguir, e mesmo a hierqui.zar,
linguagem é heterogênea, a língua assim dei imitada é de natureza homogênea: dois tipos de lingüísticas. Ele considera, assim, a lingüística da fala como
constitui-se num sistema de signos onde, de essencial, só existe a união do secundária:
sentido e da imagem acústica, e onde as partes do signo são igualmente
psíquicas. (1995, p. 22-23). O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem
por objeto a língua, que é social cm sua essência e independente do indivíduo;
Ele precisa igualmente, em um quarto ponto, que « a língua, não menos esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por objeto a parte
que a fala, é um objeto de natureza concreta[...] Os signos lingüísticos, embora individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fenação e é psicofísica.
sendo essencialmente psíquicos, não são abstrações» (p. 23) Com efeito, o ( 1995, p. 27).
signos são realidades concretas do plano fônico, mas também da escrita, pois
as imagens acústicas podem ser fixadas por imagens visuais (sistema da escrita). Mas ele anuncia claramente a assimilação necessária, segundo ele, da
Saussure enumera as distinções entre a língua e a fala, que pode se resumir lingüística à lingüística da língua:
no seguinte quadro, emprestado de Gadet ( 1996, p. 77): Pode-se, a rigor, conservar o nome de Lingüística para cada uma dessas duas
disciplinas e falar duma Lingüística da fala. Será, porém, necessário não
FALA
1 confundi-la com a Lingüística propriamente dita, aquela cujo único objeto é a
L ÍNGUA língua. ( 1995, p. 28).
Social Individual o TCLG formula essa questão de maneira um pouco diferente: a lingüística
Essencial Acessório mais ou menos acidental da fala é somente distinguida da lingüística da língua (os dois objetos línoua e
Registrada passivamente Ato de vontade e de inteligência fala "exigem cada um a s.ua.te?ria separa?a'~, cf. p. 92). Saussure assinai~ que
Psíquica Psicofísica não se trata da mesma d1sc1pltna e a ass1m1lação de uma pela outra como é
Soma de marcas em cada cérebro Soma do que as pessoas dizem apresentada no CLG, apresenta-se, aqui, sob forma de uma interro~ação. A
Modelo coletivo Não coletivo lingüística da fala não sofre, portanto, a exclusão que se tornou tradicional na
v~lgata. É um ponto importante na medida em que as evoluções futuras das
ciências da linguagem vão explorar largamente os domínios de uma lingüística
Que a língua seja um fato social é central na lingüística saussureana e da fala (estilística, pragmática, análise do discurso etc.), freqüentemente contra
encontram-se nos ELG numerosas reafinnações desse princípio. Dois exemplos: os defensores de uma pura lingüística da língua. Ora, as duas são colo d
como possíveis para Saussure e apesar de ele demonstrar sua prefe • c~ as
Elemento tácito, que cria todo o resto; que a língua corre entre os homens. que separação não tem caráter de verdade exclusiva. rencia, a
ela é social. Se eu abstrair dessa condição. se cu me divertir. por exemplo, e~
escrever uma lingun no meu escritório, nada que vou dizer sobre "a língua" sera Lingua oral e língua escrita . ~ .
verd~de, ou será necessariamente verdadeiro (2002, p. 94). .
Para Saussure, é a língua em suas man1festaçoes orais que deve ser
objeto da lingüística, e ele se levanta ~?~tra .ªpredominância da representação0
Conttnuamcnte, considera-se a linguagem no indivíduo humano, ponto de vista )
falso. A natureza nos dá o homem organizado pela linguagem articulada, mas t
sem linguagem articulada. A llngua é um fato social (2002, p. 178). escrita da língua, o que ele chama de tirania da letra" ( 1995, p. 41 ):

...........
70 • • 4 j.1 <, mN1lr• 'l ifinat tlr1 1 Jff~N11t1111
F. dt S1111JSlfrr: 11 kmizt1(tin dfl li11p/fí1liro 111odtr11a • 71

Língun e escrilll silo dois sis t.c111~1s di stint r~s de ~ign~~s; .ªúnica razão de ser do
segundo é rcprcscntnr o ~mnc1ro: o objeto l1n gü 1 s~1c.o não se define pel O argu~ento principal de Sau s~ure é aqui a tradução: 0 fato de que as
·onihinadlo da palavra cscntn e dn palavra falad a: esta ultima, por si só, constJ' tUI~
\: Y • • . • • • mesmas realidades possuem nomes diferentes em diversas línguas é uma prova
tal nbjl'lo. Mns a palavra escrita se m1slura ti10 intimamente com a palavra da não-coincidência entre a língua e o mundo. Saussure se opõe aqui a uma
falado. da 41 wl é a im~1gc.111. qu': a~ab.a por usurpar-lhe e~ papel principal:
icnniil<llllOS por dar mator 11nportam;1a a representação do signo voçal do qu longa tradição representada pela lógica de Port-Royal de Arnauld e NicoJe2J
ao próprio signo. E. como se acre d'1tassemos ,
que, para conhecer uma pesSOa.
e para os quais existe uma estrutura geral da idéia que organiza o enunciado. N~
melhor fosse contemplar-lhe a fotografia do que o rosto ( 1995, p. 34). CLG, a idéia é uma "massa amorfa", uma "nebulosa" (p. 155) antes de sua
colocação em língua.
É preciso, portanto, liberar-se da palavra escrita e estudar os sons da
2.2. A natureza do signo
língua, "substituir de imediato o artificial pelo natural" ( 1995, p. 42). Esse é 0
objetivo da fonologia, que permite escapar às " ilusões da escrita" ( 1995, p. Significado e significante
43). Essa precisão leva Saussure a definir a noção de signo lingüístico:
Saussure estabelece a fonologia distinguindo-a da fonética: a segunda é
"uma ciência histórica", enquanto a primeira "está fora do tempo'' (lbid.). Ele O signo lingüístico une não urna coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
utiliza, como sempre, uma metáfora para explicar a diferença entre as duas: imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente tisica, mas a
impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o
testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-
[A Fonologia] constitui um sistema baseado na oposição psíquica dessas la "material", é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da
impressões acústicas, do mesmo modo que um tapete é uma obra de ane associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (1995, p. 80).
produzida pela oposição visual de fios de cores diferentes; ora, o que importa.
para a análise, é o jogo dessas oposições e não os processos pelos quais as O esclarecimento sobre o aspecto não material (ainda que concreto) da
cores foram obtidas. ( 1995, p. 43). imagem acústica é muito importante, e articula a distinção entre fonética (ciência
do som material) e a fono logia (ciência da imagem acústica). Saussure faz,
E a introdução é seguida de um apêndice intitulado " Princípios de
com efeito, do signo uma "entidade psíquica" (poder-se-ia igualmente dizer
Fonologia", que será fundamental para os lingüistas do Círculo de Praga, pois
"abstrata"), conforme às precisões da primeira parte sobre a língua, vista como
o modelo fonológico constitui para eles uma das bases da lingüística renovada.
soma de "impressões tisicas" depositadas no cérebro:
20SIGNO
O signo lingilfstico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces, que pode
É na primeira parte do CLG que Saussure situa a teoria do signo. ser representada pela figura:

2.1. Lfngua e realidade/pensamento conceito


Ele precisa, primeiramente, a respeito do signo, um princípio que estava
subentendido nas páginas precedentes: a língua não é o reflexo da realidade imagem acústica
(as palavras da língua não são etiquetas colocadas sobre as realidades do
mundo), nem do pensamento (a língua não traduz o pensamento que teria uma
forma precisa anterior a ela): Esses dois elementos estão intimamente ligados e um reclama o outro.[...] Esta
definição suscita uma importante questão de terminologia. Chamamos signo a
Para certas pessoas, a língua, reduzida a seu principio essencial, é uma combinação do conceito e da imagem acústica. ( 1995, p. 80-81 ).
nomenclatura, vale dizer, uma 1is ta de temtos que correspondem a outras ~~!ª5
coisas. [... ] Tal concepção é criticável em numerosos aspectos. Supõe ideias
completamente foitus, pré-existentes às paluvras [...]ela não nos diz se a palav~
é de natureza vocul ou pslquica r... ]
por fim, ela faz supor que o vínculo q~e un 2 3 N.T.Trata-se do livro Lógica e arte de pensar (1662) escrito por A. Amau ld e Pierre Nicole.
um nome a uma coisa constitui uma operação muito simples, o que esta beJll Amauld escreveu também, junto com Lancelot, a Gramática geral e raciocinada ( 1660). Os
longe da verdade. ( 1995, p. 79). autores eram abades do convento de Port-Royal. Esses dois livros são considerados modelos do
espírito racionalista cartesiano e tomaram-se tão famosos que são referidos, respectivamente,
apenas como lógica de Port-Royal e Gramática de Port-Royal.
u • Ai f,1,m;/11 / ro17ttt t/11 l 1111 fah 11111

F. tlt Sn1111Nrt: a ltoriza{àq da 1i1J.!Jilitka 1n()tÜrn.a . 1J

() termo ~ugno correria o risco. de. ser utili;1,ado somente pela ima
, . • gern
acústica; pnr i N~o. o 11 lermos "'m""''" e /ma~em ucus11ca 1oram substituídos No entanto, os signos evoluem com o tempo:
por i í~llí/i('(ldo e .vl~nl/1"anle :
O tempo que assegura a continuidade da língua, tem um outro efeito, em aparência
r•roponi o-no' con ~crvar
. o, lermo .vígno
, .'fi para
.1
designar
• . o total, e a subsft1 Ulr. contraditório com o primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos
r·mu·d to e lmo}.!em º"L~.vtu:a por .v1J<~! 1cauo e s1gn!11ctmte; estes dois termos lingüísticos e, em certo sentido, pode-se falar, ao mesmo tempo, da imutabilidade
térn a vantagem de ass1m1lar a opos1çâo que os separa, quer entre si, quer do e mutabilidade do signo. ( 1995, p. 89).
total de que fazem parte. ( 1995, p. k 1).
Essa evolução é definida por Saussure como um "deslocamento da relação
Saussure coloca, portanto, claramente a realidade (do mundo real ou do entre o significado e o significante" (1995, p. I09). Trata-se, portanto, de uma
pensamento) à parte na concepção do signo. Signo e realidade pertencem a evolução interna ao signo. Por exemplo, o latim necare (em francês, tuer:
duas ordens diferentes, e não se trata de correspondê-las: a ruptura é feita "matar") que gerou noyer em francês (em português, "afogar"), testemunha
com a concepção clássica do signo como representante de uma idéia (Saint- esse tipo de evolução, porque a relação entre o significante e o significados~
Augustin, Port-Royal), e com o problema da correspondência entre a língua e modificou: necare que corresponde a "levar à morte; fazer perecer", evolui
o mundo, problema de ordem filosófica, mas não lingüística. Como explica para noyer, correspondente a "fazer perecer imergindo em um líquido", com
Milner (2002, p. 28) claramente, Saussure faz a concepção do signo passar da uma restrição de sentido.
assimetria à reciprocidade: Na continuação do CLG, Saussure desenvolve os dois princípios que
ele estabeleceu para o estudo do signo: o arbitrário do signo e a linearidade do
a doutrina port-royalista do signo se fundava na relação de representação. significante.
Essa relação é assimétrica: A representar B não implica que B represente A. Ora.
é notável que Saussure não fale apenas de representação. O termo decisivo na
doutrina saussureana é aquele da associação; ora, a relação de associação é 2.3 A arbitrariedade do signo
recíproca: A estar associado a B implica que B esteja associado a A. O significante A arbitrariedade do signo é uma questão delicada que se inscreve em dois
não representa o significado; ele lhe é associado e, da mesma maneira, o debates diferentes: um, filosófico, da relação entre o nome e a coisa (opondo
siginficado, por sua vez, está associado ao significante. Se alguma coisa tradicionalmente os naturalistas, estudiosos de uma relação natural entre nome
representasse, isso poderia ser não mais que o signo no seu conjunto. mas e coisas e os convencionalistas, para os quais eles estão associados por
nota-se, que essa relação do signo com a coisa significada, não importa de convenção) e outro, lingüístico, estabelecido por Saussure, da relação entre o
maneira alguma a Saussure. Assiste-se, portanto, a um deslocamento decisivo: significante e o significado. O lingüista não entra no primeiro debate e, portanto,
Saussure constrói um modelo do signo que se separa de toda teoria da não apresenta demonstração que possa sustentar o princípio da arbitrariedade
representação.
(o TCLG fala de "verdade primeira"), que se afirma assim:
A imutablidade do signo . ., _ O laço que une o significante ao significado é ~rbitrário ou então, visto que
O signo lingüístico "escapa à nossa vontade" ( 1995, p. 85), o md1v1duo nao entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com
pode escolher os signos, ele os herda, na sua estabilidade. Saussure fala, port~to. um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo lingüístico é
da "imutabilidade do signo", que ele justifica pelas quatro consideraçoes arbitrário. ( 1995, p. 81 ).
seguintes:
Ele esclarece, em seguida, que não entende arbitrário no sentido de "livre"
1.0 c';lráter ar.hitrário do signo[ ... ] põe a língua ao abrigo de toda tentativa e propõe o sinônimo imotivado: '
que vise a mod1ficá-la;
2.A n11tltfdào d~ signos necessários para constituir qualquer língua: ~palavra arbitrário[ ... ] não deve dar a.idéia de que o significado dependa da
3. O carater m11110 complexo do sütema; . _e livre escolha do que fala[ ...)· queremos dizer que o significante é imo11•.., ,a-' ·
4.A resl.vt~ncia da inércia coletiva a toda renovaç<io lingiiística. A hngufi d ' b. ' · ) - ·fj d
e, ar 1trano em re açao ao s1gm 1ca o, com o qual não tem nenhum Jaç 0 tu 1 uO, IS1O
eHta consideração sobreleva todas as demais - é, a cada momento. tarf ªm: na realidade. ( 1995, p. 83). na ra
toda gente. l ... j Nesse particular, não se pode estabelecer comparaçãoª gu
entre ela e as outras instituições. ( 1995, p. 87-88).
Por exemplo, ele explica, a idéia de "irmã" não tem laço particular com a
. As ~.uatro_ razões cx~l icam que o signo não possa ser modificado ~egu~d:i seqüência de sons [irmã). E os s_igni?cantes diferentes de uma língua a outra
locut?res ou c1rcunstâncias, e que o reservatório dos signos da lfngua e estav confirmam 0 princípio de arbitrariedade: o significado "boi" tem como
significante [boi] no Brasil, em francês é [boet] e [oks] na Alemanha .


e registrável, cm uma época dada (em um dicionário, por exemplo).
r ~

74 • AI Gn111du T rorifll dn U11g11íllim t·: t!c S11,,s1nrt: " 1rolizpr1in t/11 lh{~íí/Jti(ll 111odrr11fl • 7S

Por conseguinte, a arbitrariedade do signo, em sua versão radical , parece


. Sau~~u~e afirm~, além disso, que o signo é di~ere~te do símb~lo, pois no contra-intuitiva. na medida em que constitui uma ruptura com a maneira
s1mbolo ha um rudtm~nto de laço natural entre o significante e o significado"
costumeirn que os locutores têm de associar um significante a um significado24 •
( 1995, p. 82). Com efeito, no símbolo existe uma correspondência analógica· Os signos motivados introduzem a racionalidade e estão em conformidade com
se a pomba é o símbolo da paz (e não a águia ou o abutre), é devido~ a intuição dos locutores na medida em que eles permitem uma certa
características naturais do pássaro transportadas para a cultura humana: previsibilidade do sentido: o locutor que tem, por exemplo, assimilado o sentido
brancura, falta de agressividade, proximidade harmoniosa com o homem etc. do sufixo adverbial -mente poderá racionalizar sua compreensão dos advérbios
O signo não se apresenta dessa maneira: não há nenhuma relação entre 0 1risteme111e, brilhantemente, dificilmente, porque ele poderá reconhecer a
significante [põba] e o significado associado com essa seqüência de sons. associação de dois signos elementares (triste+ mente etc.).
Saussure examina, no entanto, dois contra-argumentos eventuais ao No entanto, não é somente por isso que a arbitrariedade do signo é uma
princípio da arbitrariedade do signo: a existência das onomatopéias (como glu- noção capital no CLG. Gadet assinala que Saussure menciona esse princípio a
glu ou tic-tac) e das exclamações (como ai), que parecem com os decalques cada vez que ele trata um conceito importante. Isso, para a autora, é o índice
da vida natural. Ele rejeita ambas: essas seqüências de sons constituem de um elemento detenninante na definição da ordem da língua:
imitações aproximativas, com uma parte de convenção, não são idênticas em
todas as línguas (o "ai" do português diz-se em francês "ouah-ouah'', e em A característica fundamental da arbitrariedade do signo é, com efeito, afirmar
alemão "wauwau") e estão, sobretudo, submetidas, com? todas as p_ala~r~s, às que nada de uma ordem outra que aquela da língua venha determinar o que se
evoluções da língua. São signos completos, submetidos ao pnnc1p10 de passa na língua ( 1996, p. 44).
arbitrariedade. De fato, a noção de arbitrariedade está ligada a dois outros princípios
fundamentais do CLG: o aspecto social da língua (como os signos são arbitrários,
O princípio de arbitrariedade recebe, no entanto, um tipo de retificação,
o sistema é validado pelo consenso social) e a consideração das mudanças
bem mais adiante no CLG (em sua segunda parte). Em um parágrafo intitulado lingüísticas (como o laço entre significante e significado não é natural, os signos
"O arbitrário absoluto e o arbitrário relativo" ( 1995, p. 152), Saussure afirma a
podem se modificar).
existência de uma escala na arbitrariedade:
o princípio fundamental dá arbitrariedade do signo não impede distinguir, em 2.4. O caráter linear do significante
cada língua, o que é radicalmente arbitrário, vale dizer, imotivado, daquilo que O segundo principio saussureano é menos claro, exposto mais rapidamente
só o é relativamente. Apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária; do que o precedente, sem explicação metafórica nem exemplos.
em outras, intervém um fenômeno que permite reconhecer graus no arbitrário Notemos, primeiramente, que se a arbitrariedade concerne ao signo, a
sem suprimi-lo: o signo pode ser relativamente motivado. ( 1995, p. 152). linearidade concerne somente ao significante: trata-se, portanto, somente das
imagens acústicas. A formulação do CLG é a seguinte:
Para ilustrar esse fenômeno, ele compara vinte a dezenove, eucalipto a
pereira, pastor a vaqueiro. Os signos da primeira série são absolutamente O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente,
arbitrários, enquanto aqueles da segunda o são relativamente, porque o locutor e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b)
reconhece neles outros signos que guiam sua compreensão (dez e nove, pêra e essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha. ( 1995, p. 84).
vaca): há, portanto, um laço de motivação, ainda que tênue, entre o significante
e o significado. Mas esses signos elementares que constituem o signo A linearidade do significante é, portanto, a consideração de sua dimensão
relativamente motivado são eles mesmos arbitrários. temporal. Os significantes sucedem-se-se segundo a linha de seu
O " relativamente motivado" é para Saussure mais do que uma característica desenvolvimento no tempo e Saussure utiliza a imagem da cadeia :
do signo, é também um princípio de ordem na língua:
Cor:n e~eito, todo o sistema da Jingua repousa no principio irracional da
arb1tranedade do signo que, aplicado sem restrições, conduziria à complicação 24 Toda uma tradição literária repousa, no en1nn10, sobre n exploruçilo dcssn nssociuçilo: pensemos
suprema; o espírito, porém, logra introduzir um principio de ordem e de no soneto Vogais, de Rimbaud, no qual os sons têm cores, nus pnssngcns de Em busca do tempo
regularidade em certas partes da massa dos signos, e esse é o papel do pe1·d/do de Proust sobre o conteúdo dos nomes próprios. Notemos, além disso, que o trabalho
relativamente motivado. ( 1995, p. 154). de R. Jakobson contesta cm parle essa arbitrariedade saussurennn.

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76 • .rl1 (.;mndt1 Tt01i11J (/;, /_i1~~u/Jtim P. de Sm11111rt: " ltOriZft(tio dt1 lit~íi1ilirf/ 111odm1f/ • n

Por oposição aos signilicantes


. 1 • visuais (signos
á . d.
marítimos etc.) que podem
oferecer complicações s11nu taneas em v rias 1mensões, os signific união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são
acústicos só dispõem.. da linha do tempo; igualmente psíquicas. ( 1995, p. 23).
d . Eseus elementos
. apresentam-santes
. euns
após os outros, eles lormam uma ca eia. sse carater aparece 1mediatam
· · a linha espaente
quando 0 s1·gm'ti1cante é represen tado pe1a escriºta e se su bst1tu1 .1 -A propósito da semiologia :
dos signos gráficos pela sucessão no tempo. ( 1995, p. 84) eia
A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparável, por isso,
Esse segundo princípio é capital para Saussure: "todo o mecanismo da à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de
polidez, aos sinais militares etc., etc. Ela é apenas o principal desses sistemas.
língua depende dele", encontra-se no CLG (ibidem), sem outra precisão. o ( 1995,p.24).
TCLG apresenta, no entanto, um esclarecimento:
-A propósito da lingüística interna :
Se podemos recortar as palavras em frases, isso é uma conseqüência desse
princípio. Ele exprime uma das condições às quais estão sujeitos todos os A língua é um sistema que conhece somente sua ordem própria ( 1995, p. 3 1).
meios dos quais dispõe a língua ( 1993, p. 77).
-A propósito da distinção sincronia/diacronia
A linearidade do significante é, portanto, uma condição necessária para a
segmentação dos encadeamentos da língua em unidades interpretráveis, o que A língua é um sistema do qual todas as partes podem e devem ser consideradas
a arbitrariedade sozinha não permitiria. em sua solidariedade sincrônica ( 1995, p. 102).
Vale ressaltar que Saussure é, sobretudo, na sua época, o autor de uma
30SISTEMA tese sobre o sistema das vogais nas línguas indo-européias25 : a noção está,
portanto, já bastante consolidada em sua lingüística. Além disso, a visão da
3.1. Natureza do sistema língua como sistema é antiga: presente em Aristóteles, elaborada pelos estóicos,
Uma das noções mais fortes e mais retomadas do CLG é aquela de sistem_a; ela atinge seu ponto alto na gramática especulativa do século XII. A noção de
o método de explicação de Saussure é a metáfora do jogo de xadrez, muito sistema não é, portanto, nova no momento em que Saussure ministra seus
conhecida, mas também a das bandeiras, que se encontra nos ELG: cursos; mas o que ele inaugura é a idéia de que as unidades da língua são
definíveis, não pela sua descrição isolada e diacrônica (conforme os métodos
O sistema da língua pode ser comparado com vários elementos e em vári~ de seus predecessores), mas pelo seu lugar e suas relações no interior do
sentidos; embora a comparação seja das mais grosseiras, [podemos coi:npara· sistema. As unidades da língua não têm nenhuma característica própria, fora
lo] com um sistema de signos marítimos obtidos no meio de bandeiras de diversas das relações que elas entretêm com as outras, relações definidas por Saussure
cores. Quando uma bandeira tremula no meio de várias outraS [...], bá duas como oposições negativas. Milner resume claramente o funcionamento
possibili~ades: a pri'!leira é de ser. uma peça de tecido vermelha ou azu~d~ sistemático do signo:
segunda e de ser um signo ou um objeto, entendido como dotado de um seno
por aqueles que a percebem (2002, p. 54).
O significante e o signficado de um signo dado somente se juntam por meio de
um encerramento no qual esse signo seja considerado. Esse signo somente tem
Não há no CLG um capítulo ou um parágrafo especificamente consa~~o0 propriedades devido às relações de diferença que entretém seu significante
à noção de sistema. No TCLG, essa noção aparece no título do capttu com todos os outros significantes da língua - e seu significado com todos os
consagrado ao signo ("A llngua como sistema de signos" p. 92), mas ,es~e outros significados da língua (2002, p. 35).
título não foi seguido pelos editores do CLG, que optaram po; chamar ~ capttu ~
de "Natureza do signo lingüístico" (parte 1, capítulo f). A noção ~e s1ste:~~~ .A noção de sistema não é utilizada somente para a construção do objeto
no entanto, colocada constantemente, por meio de formulaçoes bas ~~ l~n~üística, é também uma escolha epistemológica, uma definição da
célebres, em observações sobre outros itens: tsciphna, como sublinha Normand:
-A propósito da distinção língua/fala:
E 1· atureis
25
~.T. Mémoíre sur /e systéme primitifdes voyelles dans les langues indo-e11ropéennes. Trata-
hnquan.to ª. mgua.ge~ é heteróclita, a língua assim delimitada .éden xiste a sc e tese de doutorado, defendida por Saussure na Un iversidade de Leipzig, em 1878.
omogenea. const1tu1-se num sistema de signos onde, de essencial, só e
~
~
- -
/o. dr .l'.111rsNrt: ,, tron;:1r,1o "" lit(~ll/1fir.t 1111J1!rrt111 • 7'l
7A • .•11 Cmmlr1 '/ rorÍlll ,/,, I it(~t1íllir.t

A noção de sincronia contém jogos importantes: um jogo epistemológico,


escolher partir do sistema, é recusar, ou em todo caso, evitar partir d nn medida cm que ela assinnla uma ruptura com ns aproximações dominantes
comunicação. (2000, p. 44). ª da época baseadas no exame elas mudanças (lingüist ica hi stórica e
compnratismo) e. portanto. a consideração ele unidades isoladas: um jogo teórico,
Ainda uma vez, é a ordem da língua, distinta do que ela não é, que se pois ela permite clnbornr n lingun como sistcmn abstrato: um jogo metodológico,
afim1a, portanto, na lingüística saussureana. na medida cm que ela permite organizar o campo da lingllística. Saussurc propõe
a seguinte organização ( 1995. p.139):
3.2. Sincronia/diacronia
A concepção da língua como sistema define uma concepção da lingüística: O esquema seguinte mostra a forma racional que deve assumir o estudo
linguístico:
A multiplicidade dos signos, já invocada para explicar a continuidade da língua.
nos impede absolutamente de estudar-lhe, ao mesmo tempo, as relações no
tempo e no sistema.Eis porque distinguimos duas lingüísticas ( 1995, p. 96).

Saussure hesita nos nomes a dar a essas duas lingüísticas, uma estuda a
evolução da língua, a outra seu funcionamento em um estado dado: ele propõe,
primeiro, evolução e lingüística evolutiva vs ciência dos estados da língua
ou lingüística estática ( 1995, p. 117), depois, estabelece o par sincronia vs
1.
~mgungcm
< < Língua
L

rata
Sincroni-1

Diacronia
,

diacronia que organizará, em boa parte, a lingüística do século XX:


(1995, p. 115).
Para melhor assinalar essa posição, porém, e esse cruzamento das duas ordens
de fenômenos relativos ao mesmo objeto, preferimos falar de Lingüística E na última frase da parte 1do CLG, encontra-se o programa da lingüística
sincrónica e de Lingüística diacrônica. É sincrônico tudo quanto se relacione saussureann, que será desenvolvido nas duas primeiras partes seguintes:
com o aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito ãs
evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia designarão respectivamente A Lingiiística si11crô11ica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que
um estado de língua e uma fase de evolução ( 1995, p. 96). unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são percebidos
pela consciência coletiva.
Para explicar essa disjunção entre estado de língua e fase de evolução. A lingiiística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem termos
Saussure retoma a metáfora do jogo de xadrez e dá um exemplo tirado do sucessivos niio percebidos por uma consciência coletiva e que se substituem
alemão: uns aos outros sem formar sistema entre si. ( 1995, p. 116).

Numa partida de xadrez, qualquer posição dada tem como característica singular Vê-se, portanto, que Saussure não abandona a lingüística diacrônica, como
estar libertada de seus antecedentes; é totalmente indiferente que s~ ten~~ grande parte dos seus críticos sugeriram, mas distingue cuidadosamente as
chegado a ela por um caminho ou outro; o que acompanhou toda a pa~1da n duas vertentes; a exclusão da vertente diacrônica que se pode ler muito
tem a menor vantagem sobre o curioso que vem espiar o estado do JOS0 n~ claramente nos ELO não se efetua em si, mas na relaçao com a definição da
momento critico; para descrever a posição, é perfeitamente inútil recordar~ que
ocorreu dez segundos antes. Tudo isso se aplica igualmente à língua e consagra lingüística sincrônica:
a distinção radical do diacrônico e do sincrõnico. A fala só opera sobre urn
estado de lfngua, e as mudanças que ocorrem entre os estados não tem • neste5 Nós sustentamos, com efeito, precisamente o inverso, que existe um estudo
nenhum lugar. ( 1995, p. 105). científico relativo a cada estado de língua tomado nele mesmo; que esse estudo
não somente não necessita a intervenção do ponto de vista histórico e não
Com efeito, para compreender a forma plural Gaste, por exemplo, não é depende dele, mas tem como condição preliminar que se faça tábula rasa
necessário se informar sobre sua versão antiga gasti, mas é preciso conhecer sistematicamente de toda espécie de posição e noção histórica quanto de toda
a alternância singular/plural de Gast/Gasle. A sincronia efetua o relacioname~to terminologia histórica (2002, p. 46).
de dois termos do sistema (Gast/Gas te) enquanto a diacronia diz respeito
somente a um deles (a evolução de gasli em Gaste).
fff • l , ( . ._.it;-T"..;,,...;-,ü f J'f(Mllf11, I
--- E tlr Smwrrrr: " ttoriz.orno tltt lingiiútim motlrrna • SI

Os dois tipos de abordagem (sincrônica/diacrónica) estabelecem relações,


mas são ixrteitamente autonõmas. o que Saussure explica com a ajuda da No interior de uma mesma língua, todas as palavras que exprimem idéias vizinhas
metáfora do plano: se limitam reciprocamente: sinônimos como recear, temer, ter medo só têm
valor próprio pela oposição; se recear não existisse, todo seu conteúdo iria
Para mostrar ao mesmo tempo a autonomia e a interdependência do sincrónico para seus concorrentes ( 1995, p. 134-135).
e do diacrônico, pode-se comparar o primeiro com a projeção de um corpo
sobre um plano. Com efeito, toda projeção depende diretamente do corpo Esse jogo de oposição que faz existirem os signos se aplica "a qualquer
projetado. mas ele dela difere, e é uma coisa ã parte (2002, p. 124 ). tem10 da língua, por exemplo às entidades gramaticais», afirma Saussure, dando
o exemplo do plural, que não existe sem a sua oposição ao singular (1995, p.
3.3. Valor t 35). O valor de uma unidade a não diz respeito, portanto, à sua substância,
A definição da língua como sistema e a adoção da abordagem sincrónica mas ao fato de que ela seja não-b. Saussure atribui, portanto, aos valores uma
implicam considerar as unidades da língua somente nas relações que elas definição negativa: "Sua mais exata caracterlstica é de ser o que os outros não
entretêm umas com as outras. Todo fato lingüístico consiste em uma relação, e são" ( 1995, p. 136). Os ELG propõem uma formulação ainda mais clara:
consiste em nada mais do que uma relação, pode-se ler nos ELG (2002, p. Considerada não importa de qual ponto de vista, a lingua não consiste em um
263). conjunto de valores positivos e absolutos, mas em um conjunto de valores
É a noção de valor que vai constituir o princípio organizador da análise do negativos ou valores relativos que somente têm existência pelo fato de sua
que Saussure chama as "entidades lingüísticas". oposição (2002, p. 77).
Para finalizar, como atinnaram inúmeros estudiosos e exegetas do CLG,
As entidades concretas pode-se falar de quase-equivalência entre signo, valor, relação, todas noções
Saussure insiste no fato de que os signos são "objetos reais" ( 1995, p. 119) que implicam uma articulação negativa. Saussure afirma esse tipo de sinonímia
e não abstrações. Ele os nomeia "entidades concretas" ou "entidades
nosELG:
linguísticas" e lhes aplica dois grandes princípios:
Nós não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos valor, sentido~
1. A entidade lingüística só existe pela associação do significante e do significado significação.função ou emprego de uma forma; esses termos são sinônimos. E
(...] 2. A entidade lingüística não está completamente determinada enquanto preciso reconhecer, no entanto, que valor exprime melhor que qualquer outra
não esteja delimitada, separada de tudo o que a rodeia na cadeia fônica. São palavra a essência do fato, que é também a essência da língua, a saber, que uma
essas entidades delimitadas ou unidades que se opõem no mecanismo da língua. forma não significa, mas vale: esse é o ponto cardinal. Ela vale,
(1995,p.120-121). conseqüentemente, ela implica a existência de outros valores (2002, p. 28).

O verbo opor-se é fundamental, pois ele nomeia o modo de existência~ 3.4. Relações sintagmáticas/relações associativas
entidades da língua. Com efeito, elas não existem em si, mas somente por meJO Uma vez definidos o sistema da língua e a natureza puramente relacional
dos jogos de oposição nas quais estão inseridas: de suas unidades, resta explicar seu funcionamento, para compreender "a vida
dalíngua"(1995,p. 142).
A língua apresenta, pois, este caráter estranho e surpreendente de não oferecer Saussure situa a atividade da lingua em duas "esferas" distintas, uma
entidades perceptiveis à pri~eira vista, sem que se possa duvid~. ~~uu: evidenciando a linearidade da língua e a outra a ordem do sistema.
de que existam e que é seu Jogo que a constitui. Truta-se. sem duvida. de
traço que a distingue de todas as outras instituições semiológicas. <1995· P·
124). A esfera sintagmática
, A esfera sintagmatica é o lugar do encadeamento linear das unidades da
São, portanto, os jogos de oposição que tàzem os signos existirem.. dotando- lmgua, ligadas por "relações sintagmáticas":
os de um valor.
De um lado, no discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude de

V•
Para s .ituar . de valor, Saussure apóia-se no fato da si·nooírn1a:
. a noção
. encadeamento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a
possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo [... ) Tais
combinações., que se apoiam na extensão, podem ser chamadas de sintagmas.
(1995,p. 142).
82 • A1 Grandr1 Ttorin1 da I i11f,11/JtiM
--
E tlt S11NJJ11rr: 11 ltoriZf'l(tio tia lint/ÍÍJ/Írd lllfl(/r11111 e l l

Para Saussure, o termo sintagma designa toda seqüência lingüística da


palavra à frase, composta "de duas ou várias unidades consecutivas" ( l 99S p. Fora da cadeia do discurso, formam-se mentalmente associações entre as
142), contrariamente aos usos que serão feitos posteriormente do termo ~m palavras, por evocação:
26
lingüístíca : reler; contra todos; a vida humana; Deus é bom; Se o tempo
estiver bom, sairemos ... etc. entre outros, dados como exemplos no CLG
( 1995, p. 142). Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se
associam aia memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam
relações muito diversas. Assim, a palavra francesa enseignement ou a
As relações sintagmáticas são dotadas das seguintes características: portuguesa ensino fará surgir inconscientemente no espírito uma porção de
outras palavras (enseigne1; renseig11e1; apprentissage etc.; ou, ainda, éducatio~,
-trata-se de relações in praesentia, ou seja, que repousam sobre elementos apprentissage); de uma maneira ou de outra, todas têm algo de comum entre s1.
( 1995, p. 143).
efetivamente presentes na cadeia falada;
Trata-se, portanto, de "relações associativas"28, que não repousam
-a sucessão dos elementos segue uma ordem cristalizada: em português - unicamente sobre um ponto comum, mas que se organizam em séries construídas
reler, por exemplo-, o prefixo é inserido obrigatoriamente à esquerda; segundo o tipo de relação levado em consideração: por exemplo; a série ensinar,
ensino, ensinemos repousa sobre um radical comum; e a série ensino,
-o número dos elementos é limitado: um sintagma não pode articular um instrução, aprendizagem, educação, repousa sobre sobre "a linica analogia
número infinito de elementos. dos significados" (1995, p. 144).

Os sintagmas relacionam-se à língua ou à fala? Saussure explica que tanto As relações associativas são dotadas das seguintes características:
a língua quanto a fala devem ser levados em consideração e que isso depende
da natureza da unidade considerada; quanto mais o sintagma é regular, mais - trata-se de relações in absentia, isto é, sem presença efetiva na
depende da ordem da língua: cadeia falada, porque a série é estabelecida virtualmente na memória;

Cumpre atribuir à língua e não à fala todos os tipos de sintagmas construídos - a ordem de sucessão é indeterminada, porque não há nenhuma
sobre fonnas regulares. Com efeito, como não existe nada de abstrato na língua, imposição de linearidade;
esses tipos só existem quando a língua registrou um número suficientemente
grande de espécimes. (1995, p. 145). -o número dos elementos é indeterminado (exceto nas séries flexionais ,
por exemplo, nas quais as formas de conjugação são em número fixo).
Por exemplo, uma palavra como indeclinável somente é possível porque
a língua j á propõe um esquema presente em imperdoável, intolerável,
incansável, etc.
BIBLIOGRAFIA
Por outro lado, o locutor exerce também sua criatividade nas associações
sintagmáticas, em particular, na dimensão frástica: exitem várias maneiras de GADET F. Saussure, une science de la langue. Paris : PUF, 1966.
organizar uma frase, mesmo simples, como o mostram vários exemplos, tanto MILNER J. -C. Le périple structural. Figures et paradigme. Paris: Seuil,
nos textos literários quanto ordinários 27• 2002.
SAUSSURE F. (de). Cours de Linguistiq ue Génerale. Ed. Tulio de Mauro.
Paris : Payot-Rivages, 1986 [Curso de Lingüística Geral. São Paulo : Cultrix,
A esfera associativa 1995]

26 O termo sintagma
. .
designa, .
correntemente, em sintaxe, "
um grupo que 1orma uma unidade na 28 Os sucessores de Saussure falarjo mais tarde de« paradigma» ou« de relações
organização hierárquica da frase: fala-se de sintagma nominal, verbal, adjetival etc. lo Paradigmáticas », mas com um sentido mais estreito, porque em um paradigma as posições
27 NT OH . . . • · e· um exernP gramaticais dos elementos são idênticas.
: mo Nacional Brasileiro, com suas complexas construções sintatlcas
dessa possibilidade de manejo dos sintagmas.
84 • A s Grandes Ttoria1 da I illJ!.llÍJtirll

SAUSSURE, F. (de). 1993. Trois.ie me cours de ling uistique générale


Capítulo 5
( 1910-1911), d'apres les cahiers d'Emile Constantin (éd. Bilingue français-
anglais). Ed. E. Komat~u & R. Harris. Oxford : Pergamon Press, 1993.
SAUSSURE, F. (de). Ecrits de Linguistique Générale. éd. S. Bouquet & A recepção francófona do Curso de
R. Engler. Paris : Gallimard, 2002 [Escritos de Lingüística Geral . São Paulo:
Cultrix].
lingüística geral: estruturalismos

l A RECEPÇÃO CRÍTICA

Na aparição do CLG, as resenhas abundam. O acontecimento é para os


lingüistas, sem dúvida, a ocasião de marcar sua posição no campo teórico,
sublinhando por quais temas eles se aproximam ou se distanciam das
concepções preconizadas por Saussure. Nós apresentaremos aqui um
levantamento dos pontos de vista mais específicos que foram expressos.
Evitando os efeitos de redundância sobre a exposição propriamente dita da
doutrina do Curso, evidenciaremos alguns dos traços mais salientes da crítica,
selecionada entre os lingüistas francófones (exceção feita a Jespersen e a
Bloomfield)29•

1.1 As objeções
Elas consistem mais freqüentemente na reprovação do fonnalismo , do
rigorismo e da abstração que caracterizariam as concepções defendidas por
Saussure. Para Meillet (1917)-que saúda a iniciativa de Bally-Séchehaye - o
talento dos redatores não está em causa, mas a própria proposta resgatada por
eles:
A consciência e o talento dos redatores não deixam dúvida sobre a fidelidade
com a qual foi resgatado, em geral, o pensamento do mestre [... ]. Quanto à
forma , temos uma impressão do ensino de Saussure, mas de modo
esquematizado[...]. As objeções que somos tentados a fazer-lhe incidem sobre
o rigor com o qual as idéias gerais que dominam o curso são perseguidas ( 1978,
p. 164-165).

" . Para Schuchardt ( 1917), não se passa de outro modo; é por seu
s1stem~tismo" (sic) que peca o CLG, ao qual ele objeta ter relegado a segundo
plano o interesse pel~s fatos concretos. Ele come~a por "sublinhar a reprovação
geral[) contra os sistemas que procedem por d1v1silo e violentam as coisas"
e depois acrescenta: '

29 As citações foram extraídas de NORMAND, C. et ai. (1978).


U. "'' Gnuulu "l 'ron~IJ tlfl 1it!(lllÍlito
A rrrtpf<iO fm11rófa11n do CLG: r1fmf11rt1'is1110J • 87

Saussurc não começou pelo verdadeiro começo, isto é, pela (iníea representação com uma pedagogia da linguagem, não com uma pesquisa sobre a linguagem,
co~creta aqui acessível, aquela du llngua individual: a 1í11gu'.1gl.obal é q~alqucr sendo essa expressamente desconhecida (ibid. p.179)
coisa de abstrato, tal como a almn coletiva cliunlc da alrna 1nd1 v1dual (thid. p.
175).
Meillet arremata sua crítica objetando a Saussure de desconhecer as causas
sociais da mudança 1ingüística, o que é uma maneira de fazer valer sua própria
As distinções estabelecidas por Saussure são denunciadas como artificiais concepção de sujeito:
e, finalmente, inoperantes, como, por exemplo, para Schuchardt, a principal
dentre elas, a divisão sincronia/diacronia: Separando a mudança lingüística das condições exteriores das quais ela
depende, F. de Saussure a priva da realidade, ele a reduz a uma abstração, que
quando os fatos sincrônicos deveriam ser determinados pela diacronia, é antes é necessariamente inexplicável[...) ele não tenta nenhuma classificação, ele não
o in.ver~o que parece de fato impor-se: 'um estado absoluto defi~e-se ~la traz nenhuma nova visão[...]. E parece, ao ler essas páginas, que o problema
a~senct~ das mudanças'. Daí toda oposição desaparece entre sincronia e seja quase quimérico (ibid. p.166).
diacronia (ibid. p.178).
A mesma posição encontra-se em Vendryes, partidário de uma aproximação
Jespersen critica essa mesma distinção, mas utiliza argumentos entre a lingüística e a sociologia:
completamente diferentes. Se a divisão sincronia/diacronia mostra-se inoperante,
é menos por seu caráter artificial que por causa da impossibilidade de Saussure Mas o que é que introduz na língua a mudança criada na fala, senão uma causa
em j ustificar efetivamente essa distinção. Ele vê ai uma "tendência a exagerar social? (ibid. p.172).
a diferença entre os dois aspectos, como se fossem duas coisas absolutamente
1. 2. A novidade
independentes uma da outra" (apud CHISS, ibid. p.159). Essas críticas fe itas a Saussure são mais ou menos nitidamente
Uma outra critica negativa consiste em objetar ao CLG suas escolhas de reconhecidas pelos diferentes autores. Séchehaye relativiza a contribuição do
escrita; em particular, uma retórica certamente didática, mas que emprega CLG, lembrando que ele é antes de tudo a obra de um brilhante continuador de
muito freqüentemente metáforas, o que tem como efeito opacificar a proposta Whitney:
do autor ao invés de esclarecê-la. Essa mesma objeção encontra-se sob a
pluma de Schucbardt e também na de Sécbehaye: um livro, sem dúvida, já havia exercido uma profunda influência sobre seu
pensamento e o havia orientado para a boa direção (...), a obra do sanscritista
Saussure usa comparações para animar sua propost~ o que seria concebível se americano: Whitney, A vida da linguagem[ .. .]. A linguagem é antes de tudo um
admitíssemos qu_e não se possa, sem comparações, desvendar os problemas da conjunto organizado de costumes (ibid. p. 184-186).
linguagem, p_re:1~amente porque ela é qualquer coisa de incomparável. Além
~isso, a mult~phc1dade das con;iparações emp~egadas por Saussure (aquela da Essa observação, que pode parecer ambígua, sublinha como um traço de
hngua ~ do Jogo de_ xadrez) e grande demais; elas se confundem entre si, originalidade a tenacidade de Saussure ao seguir e aprofundar uma via aberta
neutralizam seus efeitos respectivos (ibid. p. 181 ). por Whitney:
Ou ainda (trata-se de Séchehaye):
Todo seu esforço incide, desde então, sobre essa única tarefa: corrigir, completar,
Saussure gostava de dizer: "Um estado de língua é uma posição no jogo de transformar Whitney, conservando absolutamente o princípio bastante simples
xadrez". Quando uma peça é removida, todo o equilíbrio das peças, todos os e bem evidente que ele já havia postulado com tanta força e bom senso (ibid.
valores sofrem o contragolpe, cm virtude de sua solidariedade. Somente p.186).
enquanto o jogador calcula seu golpe, tendo em vista um fim, a mudança. que
provoca um novo equilíbrio se faz sem intenção, por um acontecimento mais ou .o que parecia para alguns autores como um defeito fatal do método é
menos fortuito (ibid.p . 195). ~u~h.nhado ~or outros como a marca de uma conceituação inédita. Tal é a
P1ntão elog1osa, mas lúcida, de Bloomfield:
Mas o ataque mais vivo vem ainda de Schuchardt que contesta ao CLG
todo o caráter fundador. Para ele, a verdadeira qualidade do CLG é de ordem O valor do CLG está centrado na sua demonstração clara e rigorosa de princípios
pedagógica, e não científica: fundamentais. A maior parte do que disse o autor esteve por muito tempo 'no

~
ar' e foi expressa aqui e ali de maneira fragmentária, a sistematização é sua obra
(lbid. p.198).
De .q.ualquer modo, essa obra merece nossa admiração; ela está escrit~ no
espinto e com os meios da ciência, mas institui ela uma ciência? Ela se relaciona
~
, -
u • As Grmttfu T<ori111 J,, U11,~111itir.1 .li l'rfr/'(•'io fn11ui}imn tfo Q...(;: tJ/nt/11nifi1JNOI • l'I

Mas também. numa menor medida. esta é a opinião de Séchehaye: O termo sistema (do grego sustemo) designa uma reunião, e, desde o
século XVII, um conjunto que constitui um todo orgânico. É aproximadamente
Saussure não era homem de se contentar. no que concernia à língua, com a nesse sentido que Saussure utiliza o termo no ClG para dar uma primeira
ciência dos fatos (ibid. p.183) cnracterização dn língua ("sistema de signos"). Considerando rigorosamente
essa definição bastante geral, ela não diz nada sobre a maneira pela qual é
Para Vendryes ( 192 1), o imenso mérito do CLG é o de ter tomado possível organiz~do o "todo orgânico" que constitui um sistema dado (lingüístico ou
a autonomia da lingüística em relação às outras ciências. Esse novo estado de outro). E aí que intervém precisamente o conceito de estrutura, posto que ele
coisas deduz-se notadamente da distinção liminar língua/fala: vem designar e qualificar um certo tipo de relação entre os elementos que se
compõem no "todo orgânico" em questão. De fato, a definição completa da
a distinção entre a língua e a fala é fundamental. limitando o objeto da lingüística, palavra sistema inclui uma especificação suplementar: um sistema é um conjunto
ela isola essa ciência ao mesmo tempo da fonologia (fonética) e da psicologia que constitui um todo orgânico e que possui urna estrutura. Esses dois elementos
(ibid. p.168). definidores compõem, por conseqüência, o estado de uma relação de
complementaridade, e até mesmo de uma inclusão: a divisão sistema/estrutura
Vendryes justifica sua proposta, lembrando as fina lidades da ciência da refere-se não somente à possibilidade de um todo dotado de autonomia, mas
linguagem, tanto quanto seu verdadeiro pertencimento ao domínio das "ciências ainda à idéia de um todo dotado de um modo de organização própria ao qual ele
semiológicas": deve justamente sua autonomia: por exemplo, uma certa lei de combinação
que rege a relação dos elementos que a constituem.
O ato lingüístico está na associação de um conceito psíquico e de uma imagem A definição do conceito de estrutura adotada na filosofia das ciências
acústica, e o objeto da lingüística é o de estudar a relação que une os dois.[...) contempla manifestamente o que se impõe então como um certo tipo de restrição
Ciência das relações entre os valores, a lingüística faz parte das ciências ou de regra, posto que designa um conjunto formado de fenômenos solidários,
semiológicas (ibid. p.169) de tal modo que "cada um depende dos outros e n~o pode ser o que ele é senão
na e pela relação com eles" (LALANDE, 1972). E, portanto, a particularidade
Bloomfield desenvolve uma argumentação análoga, no que concerne à do modo de estruturação de seus elementos que funda a especificidade de um
autonomização da lingüística, precisando que "a psicologia e a fonética não sistema. Se o consideramos atualmente, ultrapassando uma definição puramente
têm nenhuma importância e são, em princípio, não pertinentes ao estudo da intensiva (semântica) desses dois termos e o jogo teórico que resulta de sua
língu a" (ibid p. 198). articulação em diferentes quadros conceituais, é mais fácil compreender as
De todos os lingüistas citados, Bloomfield é o único a sustentar o caráter bases que sustentam as diferentes versões do estruturalismo para definirem
fundamentalmente inovador do CLG: tantas interpretações produtivas do conceito saussureano de sistema. Tratou-
se, em cada caso, de orientar as teorias por meio de programas de pesquisa
Saussure foi o primeiro a esclarecer o mapa-múndi no qual a gramática histórica que pressupõem diferentes níveis de organização da língua, a partir do princípio
do indo-europeu não é nada mais que uma simples província; ele nos deu 3 de que seus constituintes obedecem a regras precisas e identificáveis de
base teórica para uma ciência da linguagem (ibid. p.199). agenciamento e de emprego.
2 DO SISTEMA À ESTRUTURA 2. 2. As elaborações do conceito de estrutur a
O que interessa, com efeito, num segundo momento, é mostrnr que, além
2. 1. Os jogos teóricos da terminologia de urna definição geral do termo, o conceito de estrutura foi objeto de diferentes
Há uma certa vulgata no uso freqüentemente indiferenciado dos termos cl~boraçõcs teóricas, ao longo de toda história da lingllistica. Assim. em
sistema e estrutura. Entretanto, eles não recobrem necessariamente os mes~os l111g11istiq11e et estructuralisme ( 1968), Ducrot trnz uma contribuição bastante
qados, mesmo se eles são indissociavelmente ligados do ponto de vista t~ónc~. esclarecedora à história dos usos teóricos do conceito:
E fato que a afirmação do conceito de sistema remete freqüentemente a~u: e Se se compreende por estrutura toda orgnniznç1lo regular, n pesquisa das
qe es~tura, tanto que ~xiste de um.a o~tro .u~a dinâ!11ica de mútua rem~ssa;~ estruturas lingUisticas é tilo v~lhn quanto o. estudo dns línguas. Desde que
E preciso lembrar aqui que na teoria lmgfüsttca a circulação do conceito essas últimas tornaram-se obJelo de dcscrn,:ilo. desde que os gram:\ticos
·
sistema '
precede o emprego do conceito de estrutura. Como compreende! essa empreenderam desmontar o instrumento ling!listico ( ...] percebeu-se que cada
correlação e, por via de conseqüência como nela discernir os Jogo~ uma delas possui uma organização ( 1968, p.17).
ª
L · 1og1cos.
t ermmo • · ? Para responder a essa dupla
definição primeira desses dois termos.
' · re tornar
questão, convem
~
90 • AI G m11dt.J Tt0ri111 "" I J11s,11fltit11

, J trtr/>(<io fn111rofa1111 do CLC:: tJ/mf11m/ül/loJ 0 91


o estruturalismo do século XX não introduzirá., portanto a noçã
· ' · d · . · · ' o de
estrutura, que se encontra des(1e o rn1c10 as 111vest1gações lingüísticas S
originalidade é antes a de estabelecer, pela reflexão sobre as formas· ua três concepções estruturais, todas liéis ao CLG de Saussure, mas profundamente
· ·
nova significação " de estrutura ' uma
dessa pa 1av1·a, a de t rans fiormar a ·1<1eia distintas quanto a suas orientações.
, e não a
de aplicá-la (ibid. p. 18). . 3 A RECEPÇÃO TEÓRICA
A partir dessa contextualização, na qual se mostra que a referência 1 •.
à idéia de estrutura foi feita no sentido de uma tomada de consciênci~ondca 3. t. C. Bally (1865-1 947): a estilística
uma tematização progressiva, · Ducrot 1so· 1a d uas etapas fundamentais eEI e
. - · as Bnlly e Saussure
correspondem às duas grandes conce1Luaçoes que marcaram o desenvolviment0
A exposição das grandes teses de Charles Bally tem especialmente o
de uma ciência da linguagem: objetivo de avaliar o que está na base do projeto de uma estilística que constitui
uma ~ltem~tiva às concepções expostas por Saussure no CLG.
O ponto de partida foi a constatação, tão velha quanto as gramáticas, de uma
organização. A primeira etapa, que começou a ser de fato empreendida no fim E preciso constatar que, no essencial, a publicação da obra de Bally (que
do século XVIII, era para afirmar que a organização de cada língua lhe é própria, se declara voluntariamente saussureano) é anterior à publicação do CLG. Tal
e que ela não se funda sobre nada de exterior. O momento saussureano consiste é, com efeito, o caso do Précis de stylistique (1905), do Traité de stylistique
em reivindicar, para essa organização, uma realidade e uma certeza iguais, ao .française ( 1909), ou ainda do volume intitulado le /angage e/ la vie ( 1913). A
menos, àquelas dos elementos (ibid. p.60)30• priori, Bally não deve a Saussure nenhum desses seus projetos. E ainda que
Bally partilhe com Meillet numerosas perspectivas sociolingüísticas, em relação
É interessante notar que a redefinição na extensão do conceito de estrutura à importância da obra desse último (Linguistique historique et linguistique
constitui a identidade de cada orientação teórica. De modo que, considerando générale), a publicação de linguistique générale e/ linguistique française
os desenvolvimentos mais recentes da lingüística (teoria da enunciação, (1942) marca, na verdade, urna inflexão, indicando obstinadamente que doravante
pragmática), uma terceira acepção do conceito de estrutura revela-se tão é o ponto de vista da "lingüística geral" que comanda toda empreitada da pesquisa
legítimo quanto os precedentes: em lingüística.
Comecemos por sublinhar que Bally separa-se de Saussure num ponto
a combinatória semântica da lingua é constantemente explorada pelos sujeitos capital. Em relação àquele que foi seu mestre, Bally preconiza uma concepção
falantes para organizar as relações intersubjetivas no diálogo[...]. Sua estrutura da lingüística inteiramente voltada para o estudo das produções verbais,
manifestar-se-ia, então, como uma nova estruturação do debate humano.como coletivamente atestadas é verdade, mas fundada sobre o primado do método
uma nova distribuição dos papéis no jogo social (ibid.p.112). empírico. Em contrapartida, ele concorda com Saussure sobre um certo número
de pontos, tais como a crítica da escrita como representação aproximativa da
Ducrot observa, talvez com urna certa ironia no que concerne ao imobilismo cadeia falada. Mas essa desconfiança comum (que se enraíza nos trabalhos
que caracteriza às vezes a "ciência normal"(; expressão é de Kuhn): dos neo-gramáticos) acompanha-se, no caso de Sally, de uma rejeição muito
'1 · · · b· assim particular à literatura, sustentada pela suspeita de que ela é extremamente
A o tima 1. de 1·nossa
.. , ana. 1se da 1dé1a de estrutura, nós desco nmos' .. urna
. ~ Ge11era /•s
1 dependente da velha tradição normativa do uso lingüístico. É também sobre 0
perspect 1va mgu1stica exatamente oposta àquela das Gra111111aire . 11·~a terreno metodológico que Bally reivindica sua inscrição na tradição de
' · · .1 'd
(G.~amoucas ge'.·a1sh que compunha nosso ponto de parti a 0 que , ( não nup " •
pensamento oriunda da reflexão saussureana.
ahas, que os dois pontos de vista sejam incompatíveis) (ibid P· l l-).
N .. . .d des ti:óric:is. Delimitação d o domínio
. ~~.se mesmo espmto, resta-nos examinar sob quais prwn rop0st3S ª No contexto francês senão francófono, o termo estilística conduz
de linguistas tão originais quanto Bally, Guillaume e Tesniere, foralll P imediatamente a pensar na' literatura, sobretudo quando se sabe que, desde a
decadência da retórica, esse termo designa normalmente o estudo dos processos
. a Hnguíl de estéticos próprios de um autor. A escolha dessa palavra por Bally não impediu
' viou ass1111 .' • nJidade
. "Arrastando com elu o nrb1tráno,
30 Ducrot precisa: . . n.com. unicaçno
à ela dodcs . .10· /1,or1g1n
esplfl parJll·s13S uma certa incompreensão:
sua vocaçilo, impedindo-a de constituir uma ordem analogalq. 11guagcnt oque 05(11 0111 insttU111(111e0
de · · somente em tomar como constt·tut'voda
1 . tn d n entahnen.1e•urbitran° , . que5 limitada de um lado pela relação mestre-discípulo, a consideração da obra de
d Saussure consiste
1 Bally encontra-se tomada, por outro lado, P.cla etiqueta "estilística", assumida
. corno sua depravação. Para ele, to dn I'ingu.a é: ia
escreviam fune éanesse próPrio a
de comunicação: elo é portanto fundamentalmente arbitrar Por seu autor, mas geradora de mal-entendidos persistentes (CHISS 1977 p
147) ' • .
deve buscar uma ordem autônoma" (ibid. p. 66).
r--
92 • / li Cnmrltl '/ 'roriaJ dn f1'i~(llliti"1
~ -- ...r rrtrf'(<itJ frn11rójmr1 ti# í./,C: utnllNrnliJlllOJ • 9J

o próprio Sally tentou, no entanto, inicialmente, prevenir a confusão qu d Se o estudo da linguagem é o estudo de um sistema de relações entre o espírito
.
começa por d1ssoc1ar . o que e1e entende por est1·1·1sllca ' an o
. de toda referênc·
. . 1·1terano:
domínio estel1co . . 'ª ªº e a fala. a estilística pode ser isso, e tudo isso[...]; nós pretendemos que seu
objeto seja a expressão falada e não o fato pensado; seu olhar está voltado
para o fora e não para o dentro ( 1909, p. 12-13)
Esta [a estilística] observa, aquela [a estética) dá conselhos; esta constata
arte de escrever ensina a manejar a língua numa intenção estética (1909, p. f ) Objeto da estilística
4
Tendo definido a estilística a partir da identificação das formas da
Bally recusa, portanto, o que o campo acadêmico entende geralmente por
subjetividade lingiilstica, Bally associa a análise desses dados ao domínio da
estilística, indo até a noção de estilo, no sentido retórico do termo. Após haver
"língua fa lada".
sugerido o que não é a estilística, Bally avança uma definição positiva de seu
projeto: Por essa designação, é preciso prioritariamente entender a língua da
comunicação, ou ainda a língua familiar (dita "de todos os dias"). Para tanto,
A estilística estuda os fatos de expressão da linguagem organizada do ponto de Sally delimita mais precisamente o objeto da estilística quando ele identifica,
vista de seu conteúdo afetivo, isto é, da expressão dos fatos da sensibilidade na língua falada, o que se inscreve por um lado nas suas formas espontâneas,
pela linguagem e a ação dos fatos de linguagem sobre a sensibilidade (ibid. p.6) e, por outro, nas suas fonnas derivadas. As fonnas derivadas são facilmente
Ou ainda: transponíveis ao domínio da escrita; elas são correspondentes às situações
específicas e constituem gêneros: "discursos, sermões, conferências, palestras,
O que a lingüística da expressividade estuda são (...] os procedimentos, os discussões, debates de assembléias deliberantes, etc." (ibid.p. 285).
signos por meio dos quais a língua produz a emoção (J 913, p. 60) Bally distingue, além disso, dois registros de expressão: o registro afetivo e
o registro intelectual. O registro afetivo, privilegiado pela estilística, divide-se
Mais adiante, Sally esclarece que "a estilística não é o estudo de urna em expressão da percepção e da emoção:
parte da linguagem, mas o estudo da toda a linguagem, observada sob 11111
ângulo particular (id. p. 62). Essa definição bastante extensiva da estilística Nosso pensamento oscila entre a percepção e a emoção; por meio dele nós
(que engloba "todos os fatos lingüísticos" tanto quanto eles "possam manifestar compreendemos e sentimos; freqüentemente temos ao mesmo tempo a idéia e o
alguma parcela da vida do espírito") tem como fonte de influência algumas sentimento das coisas pensadas: em proporção infinitamente variável, é verdade
[... ](ibid.: 151 -152).
teses da gramática comparada do século XIX. A idéia de "vida do espírito" -
idéia filosófica por excelência (notadamente referida a Herder e a Hegel) - Essa distinção não se justifica senão de um ponto de vista metodológico:
foi, lembremo-nos disso, o horizonte conceituai de comparatistas tão diferentes na prática, acontece de um modo bastante diferente, já que os dois registros
quanto Humboldt ou Schleicher, igualmente desejosos, na análise das línguas, interferem-se muito mais que se manifestam isoladamente um do outro. Bally
de isolar a "visão do mundo" que cada uma delas implica. E quando Sally fala também os reaproxima em tennos de prevalência ou de "dominância":
de considerar "sob um ângulo particular" a "linguagem inteira", ele faz ec~ à~
orientações fundamentais da escola alemã, segundo a qual uma llngua cons11tu1 mas pela observação prática, pode-se dizer que é tanto a inteligência quanto o
a expressão dinâmica do espírito de um grupo (de uma cultura, de uma nação): sentimento que dá o tom; o pensamento é orientado para um ou outro desses
pólos, sem jamais atingi-los completamente; ele tem, conforme o caso, uma
A escola alemã vê na estilística de uma língua o estudo dos caracteres dessa "dominante" intelectual ou uma "dominante" afetiva (ibid. p.151-152).
língua; esses caracteres lingüísticos, na sua natureza, reíletem, por seu 1urno,
os caracteres psíquicos da coletividade que fala esse idioma (ibid. p.53) É preciso aqui lembrar que, além da referência teórica à escola lingüística
alemã, Bally pennanece devedor da tradição retórica. Com efeito, a distinção
Todavia, Sally mostra-se inovador quando ele resgata a própria eti1~ologia d~ ~ois regimes de expressão (intelectual I afetivo) evoca necessariamente a
do conceito de estilo para lhe fazer tomar a acepção inicial da expressão s!ng~la~; di~tmção estabelecida por Aristóteles entre a dimensão lógica e a dimensão
Ora, trata-se simplesmente de apreender pela análise da "linguagem 111teirn ~hco-patética do discurso, já que numa terminologia aproximada, a estilística
seu caráter, ou, mais exatamente, seus traços de sensibilidade que ~azem ª e B~lly constitui uma teoria do discurso afetivo. São abundantes as definições
unicidade de seu espírito (seu gênio próprio, no sentido de Herber). Cu1dado~o qu~ crrcunscrevem mais precisamente o que Sally entende por "língua familiar",
ao situar-se em relação aos debates teóricos de seu tempo, sobre a fun_ç.i~
assun:
primeira da língua (expressão do pensamento ou condição da fala), Sally s111"
o programa da estilística do lado da fala: O que mais surpreende no falar verdadeiro, é que ele revela um pensamento
quase constantemente subjetivo, concreto e afetivo (ibid.p. 286)
-....
~ • ,•f/ ( :rw...111 ·;;;;;;;:;J,/,, I i 1{i!,lllilir.1
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• 1 tr.Yl'f·,hJ {mrtrti/111.1 tÍft ( I / ,: fJ/rNl1m1/11rro1 . 95
,\ cxprcssi1o fo mil iar ê. por assim dizer. o aspecto subjetivo e asp .
da língu:l comum. essa que compreende o conjunto dos fatos dae~toafetivo
0

falada que exprime as coisas da vida real de uma maneira impess '"cg·uagern Essa noçilo de estilística. 4uc provoca linnlmcntc muila confusão. vai
292) ºª1 1b1d. p, dcs:1pa!\'ccr !'l'pcntinamcntc pam dar lugar ;i noçi\o de c111111ciaçilo ( 1998, p. I 07).
A expressão afetiva, pelas razões evocadas precedentemente nãos d . E o alltl'l' aacsccnta:
·
circunscrever r. ·1 mente.
1ac1 para reme d'rar essa d1'fi1cu Idade prática, Bally
' ee e1xa.
. • . d . . . 1 . . nunc1a B:illy. de acordo com nosso conhecimento. nilo comenta nem justifica sua
um prmc1p10 e pesquisa 1ntang1ve . Diante da 11npossibilidade de isol !\'\'ir:woha tcnninológica. Devido a essa discrição bas1ante surpreendente. ele
- a t•e 1·1va pura, a q~estao
~xpressao - ser~• a de e~tu d.a-.1a em re 1ação com a expressão
ar a niio assinal:u-j esse tenno com a sua marca (ibicl.)
mtelectual. Sally define assim seu objeto de investigação, tomando como medid
de comparação uma perspectiva contrastiva: ª Ainda detendo-se no exame da frase, Bally abre um novo capítulo de sua
pesquisa que acolhe. dessa vez. as implicações do sujeito falante no seu discurso.
Em virtude da relatividade geral dos fatos de expressão, o elemento afetivo de Nesse sentido, uma observação merece ser lembrada: "A frase é a forma mais
um foto de linguagem não pode ser isolado senão por oposição com seu conteúdo simples de comunicação de um pensamento" (BALLY, 1942, p. 35). Embora a
intelectual (ibid.p.117) fr:lse constitua a unidade de estudo basilar da gramática tradicional, Sally vai
reim·estir esse objeto numa perspectiva estritamente enunciativa.
Depois de Bréal, e muito antes de Benveniste, é incontestavelmente Bally A divisão tema/proposição. Essa distinção, doravante clássica em
o primeiro a descrever a subjetividade expressiva como um fato de língua: lingüística textual, permite delimitar na construção de uma frase dois modos
essenciais de repartição da informação. "Toda enunciação compreende
aquele que fala para exprimir uma emoção, para rezar, para ordenar não tem logicamente dois tennos: a coisa da qual se fala e o que dela se diz" (BALLY,
quase nunca necessidade de inventar para ser expressivo: ele encontra os 1942, p. l O1). O principal risco dessa distinção é o de indicar que a organização
meios de expressão já prontos na forma falada. São de falo os primeiros que lhe in1ema da frase comporta algumas instruções relativas à hierarquização da
vêm ao espírito (1913, p. 158). informação comunicada. Todavia, o cuidado de Bally é, uma vez mais. o de
marcar a preeminência da intervenção do sujeito falante sobre o agenciamento
Essa perspectiva fundamental exclui, por conseqüência, a sustentação da de seu discurso. Diz-se que a comunicação da própria informação revela-se
expressão subjetiva numa fala individual improvisada. Ela exclui também, ao secundária em relação à matéria com a qual essa informação é apresentada.
contrário de algumas leituras frequentes, a compreensão da estilística como Durrer emite uma crítica bastante pertinente quando sublinha o caráter
uma lingüística da fala (por oposição a uma lingüística da língua, da qual Saussure aproximativo, até mesmo indefinível, do estatuto da informação assim
seria o único representante). Na verdade, Bally ratifica a divisão língua/fala considerada:
concebida no CLG, mas aproveita a ocasião para, na fundação da estilística não se sabe verdadeiramente se esses dois termos (tema/proposição) remetem
que se atém à " língua falada", proceder a uma reavaliação do conceito de a uma oposição entre infonnações antigas e infonnações novas ou regras que
língua. Radicalmente distintas da fala e efetivamente compreendid.a~ como são secundárias e outras que são importantes ( 1998, p.135)
uti lização da língua, as condições da " língua fa lada" (ou língua fam1lrar) são
apreendidas no horizonte do conceito de língua: A relativa flexibilidade das construções sintáticas (especialmente na língua
falada) toma difici l, a priori, a identificação de mecanismos lingüísticos que
Em suma, cu permaneço fiel à distinção saussureana entre a língua~ a fala, ~:C recobrem os conceitos de tema e de proposição. Também Bally insiste em
eu anexo ao domínio da 1íngua uma província que se pode com mui~a ~ena Ela reconhecer o caráter aleatório de sua distribuição, a partir do momento em que
atribuir: a língua falada focalizada no seu conteúdo afetivo ~ ~u~Jet~~ dos os procedimentos de deslocamento e de segmentação desempenham um papel
reclama um estudo especial: é esse estudo que eu chamo de estrhsticacÍ e na prepondcran1e na forma do discurso:
objetos de meu ensino será o de mostrar como a estilística enqua ra·S
lingüística geral (ibid. p. 158-159) A segmentação permite fnzer de qualquer parte de uma frnsc ordint\rin o tema e
da outra parte o enunciado propriamente dito; ussim "Eu não consigo resolver
Estilística ou enunciação ssões esse problema." toma-se "Eu, cu nilo consigo resolver esse problema.". ou
Depois de uma série de trabalhos consagrados às formas das expre frase "Resolver esse problema, isso cu nilo consigo.", etc. ( 1949, p. 61)
afotivas, Bally orienta s ua pesquisa para o estudo mais específico ~a Esses mesmos mecanismos (particularmente no cnso da segmentação)
com lingüística Geral e Lingüística Francesa. Durrer observa que.
/I '"'/'f''" fi.uut/""'' ,/,., (,/ /~: rllt11/11t'lll111n1;t • ri
~.·t1 z:;;;;;z, 'l'r.i.11 J11 I 1nJ..!1;;;;,
· . ão do aspecto supra-segmentai do falar (dimensão uu!rosas cslrntégias du discurso: a negaçilo polémica, a mentira, a ironia
são recobertos pe1a 1mpress _ . ) 1111
prosódica, mais freqüentemente realizada pela pontuaçao na escnta : ele.
Esses três modos constituem três operações de discurso que se apóiam
É assim que na forma falada um frase ligada pode tornar-se segmentada pela sobre esse recurso./\ semántica da enunciação desenvolvida por Ducrot ( 1984;
1942 64
simples aplicação da música de segmentação ( • P· ) 1995) explorou, nos quadros da teoria da polifonia, a distinção estabelecida por
A divisão dictumlmodus. Essa outra disti~ção adquir~u ~ma .grande
Bally.
importância, em diversos níveis, sobretudo nas teonas da enunciaçao. Eis como Uma concepção sócio-pragmática
Sally a justifica: Em relação às concepções infonnativas da linguagem, herdeiras da tradição
A frase explicita compreende, po~nto, duas partes: uma é o correlato ~o gramatical ou da epistemologia do CLG, Sally introduz numerosos elementos
processo que constitui a represeotaçao (por exemplo, a chuva, uma cura); nos de crítica. Ele promove simultaneamente uma concepção pragmático-enunciativa
a chamamos, conforme os lógicos, o dictum. _ . e sociolingüística da "língua falada''.
A outra contém a peça-mestra da frase, aquela sem a qu~l .nao ha frase, a saber, A atividade enunciativa. Demarcando-se do CLG, Sally valoriza o estatuto
a expressão da modalidade, correlativa à operação do su1e1to pensante ( 1949. p. do sujeito falante, para evidenciar especialmente o próprio mecanismo de
36). expressão:
A oposição assim caracterizada permite isolar um outro mecanismo O estudo de uma língua não é somente a observação das relações que existem
lingüístico - por assim dizer, correlativo - da análise sintática precedente. Por entre os símbolos lingüis1icos. mas também das relações que unem a fala ao
esse viés, Sally evidencia a maneira pela qual o sujeito falante se situa em pensamento [...]: é um es1udo em parte psicológico (... ): um estudo mais
relação ao seu enunciado. Trata-se ai, portanto, de uma extensão da reflexão lingüístico. entretanto. na medida em que ele esuí voltado para a face expressiva
estilística na condição de análise específica das formas do "elemento subjetivo do pensamento e não para a face pensada dos fatos exprimidos ( 1909. p. 2).
na linguagem" (Sréal). Parece, de fato, que a expressão modal do dictum seja
mais importante que o dictum considerado isoladamente. Nisso, Bally recorta A partir dessa especificação. Bally desenvolve uma crítica da concepção
a distinç~o mais tarde operada pela filosofia da linguagem ordinária (e a corrente informatiYa da linguagem. em proYeito de uma concepção subjetiva da fala.
pragmática que dela procede), e que consiste (por exemplo, em Austin) em Toda fala tende a caracterizar os sentimentos do sujeito falante, muito além da
separar, no ato de fala, o que se inscreve no conteúdo enunciado (ato comunicação de um simples conteudo infom1ativo:
locuci.onário) e. o que. se ~n.screve na maneira pela qual 0 locutor enuncia esse
Qiundo dizemos que est3 calor. que está frio ?u que ~ho,·e. _quase n~nca se
co.nte.ud? (ato 1locuc1onano). A partir daí, Sally aplica-se em identificar os tr:au de uma simples consrntaçào. mas de uma 1mpressao afetiva. ou amda de
prmc1pa1s aspect~s do modus, na perspectiva, parece-nos, de uma longa tradição um julg:u11en10 prático suscetível de detem1inar uma ação ( 1913. p. 17).
de reflexão filosofica sobre as faculdades do espíritol':
~osso pensamento acrescenta espontaneamente às menores percepções uma
· modalidade é a fiorma 1·mgu1
A · de um JUigamento
...st1ca . ·mtelectua t. de um3 'idêia de valor· [... ): as coisas afetam-nos agradável ou desagradavelmente:
JU1ga!n~nto afetivo ou de uma vontade que um suj·eito pensante enuncia elss di\"idem-se em coi535 com as quais nós nos regozijamos e coisas com as
proposno
parte d de uma . pe rcepção ou de uma representação de seu espinto · · [··· J· A qw.is nôs sofremos ( 1909. p.152).
dictum (1~~~~~'.ª3d~)que exprime o julgamento da vontade [...] está contida no
A tematização do Yalor subjetivo da expressão lingüística não se limita n
:ma elaboração do conceito de sujeito falante. Ela é paralela com a construção
discurso entre ~ ~·interroga-se sobre o grau de coinc1denc1a
Sally, em segu ·d · . • . · t no
que exis e da ~ ';I::n :ioYo objeto. Assim. os usos linguageiros são caracterizados tomando
coincidência 0
(SF/~~}ito
falante.(S_F) e o sujeito modal (SM). A su~vers~~ção co:no medida de comparação a problemâtica da interação. Mas esse novo
das duas instâncias não conshtut uma exceção na forma falada. A_d~s~ocde de :r.ia~o _de análise é. por seu rumo. apreendido a partir de uma concepção
opera, ao contrário, como condição de posstbihda ~ª:lmlca. Para B:illy. toda fala é dirigida. mas a troca verbal aparenta-se a
"!lm lugar de confrontação simbólica:
. de remete
31 Cilado por Durrer ( 1998 p. J 27) que ressalta: "uma mi concepç ão
. da modahda
desejo. vo ntade) A li::iguagem 1.0nu-se então Wll3 arma de combate: [...) busca-se captar simpatia
·
evidentemente •
à velha metafisica das· três faculdades da alma (en1end1me010• OUJÜnda. Ole,,"1..-munbo de respeito. de admiração (1913. p. 18). •·
resgatada em 1902 pela Sociedade Francesa de Filosofia."

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"""111111111

A rrrtp(âo fmnr6/011r1 tio O...C: t11mt11m/ifmo1 • 99


91 • Ai Grr111tk1 TrilfÍIJI tia LingRIÍIÍro

_ a atividade lingüística determina, além disso, a imagem que o sujeito


Bally.obs~rva que o caráter.confl!tuoso da interlocução "não é incompatível fa lante tem dele mesmo - seu ethos - uma vez considerado o estatuto de seu
com a sohdanedade e ~om a s1mpat1a" (ibid. p. 20); ele su.st~nta-se, antes de interlocutor:
tudo, num esforço mutuo de adaptação da parte dos sujeitos falantes em
presença, esforço tanto mais necessário quanto haja entre eles disparidades Mas, quase não se pode falar, _sem falar com alguém, ou sem pensar emai ém
que se relacionam notadamente a uma "concordância incompleta das crenças [...]. Concebamos,
· d então' a linguagem corno a expressa.o_ de um pensamento
gu
dos desejos e das vontades" (ibid.) ' comunica o ao outro ou expresso com a representação do outro[...) (ibid. p.&).

Uma atividade determinada. O primado da expressão subjetiva não se Confluências


inscreve, no entanto, numa posição a-histórica. Muito ao contrário, Bally Trata-~e de evocar aqui as rupturas ou de assinalar as convergências de
consagra numerosas análises ao caráter socialmente condicionado da atividade ponto .de vista que re~ultam da aproximação do pensamento de Bally com as
lingüística. Uma série de restrições pesa de maneira constitutiva sobre a pesquisas contemporaneas.
interlocução. Segundo Bally, a troca verbal é fundamentalmente dominada pela . ~i~1111/taneidades. Em primeiro lugar, é preciso sublinhar as afinidades da
situação extra-lingüística assim como pelo cotexto (ambiente lingüístico), ou es11hst1ca com certos ~esenvolvimentos das pesquisas anglo-saxãs:
pelos parâmetros semióticos associados ao verbal (tais como a expressão - n? campo da h~gü ística francófona, Sally promove uma concepção
mímico-gestual). pragmática do ato de lmguagem. Tomando distância da filosofia clássica da
A atividade lingüística opera, antes de tudo, como uma atividade socialmente comunicação, ele oferece muitos pontos de convergência com a filosofia analítica
determinante, já que ela permite também "classificar" os sujeitos falantes, uma (di~a, "da linguagem ordinária"); esse fato foi sublinhado há bastante tempo
vez considerados seus diferentes pertencimentos: (RECANATI, 1980);
A linguagem é ainda um fato social de primeiro nível, porque ela classifica, de - a caracterização da "língua falada", com sua crescente abertura para as
uma maneira ou de outra, o sujeito falante ( 1909, p. 203). coerções sócio-culturais problematiza, antes da sociolingüística norte-americana
(LABOV, 1976; GOFFMAN, 1974) o estatuto das variações discursivas (hiper-
Por outro lado, a atividade lingüística é apreendida por meio das dimensões correção, adaptação, teoria das faces).
dinâmicas e axiológicas. Três características podem ser isoladas: Filiações. Em segundo lugar, é necessário precisar de que maneira a
_ a atividade lingüística exige um esforço de ajustamento ao contexto estilística de Bally marcou sua influência sobre diversas correntes de pesquisa,
durante toda a duração da troca verbal, mas o sucesso dessa troca permanece especificamente francesas:
aleatório: "classifica-se mais ou menos conforme a maneira pela qual se fala. - o ensino de línguas, e notadamente a didática, a partir da contribuição
[...]pode acontecer de o mesmo indivíduo pronunciar sua língua materna de direta de Sally, de uma parte (A crise do francês, 1932), mas sobretud_o da
várias maneiras, e se isso não é percebido, o que mais freqüentemente acontece, ressonância dos trabalhos de Frei (A gramática de erros, 1932), que foi seu
ele o faz instintivamente (ibid p. 232);
discípulo direto·
- a atividade lingüística desenvolve-se na perspectiva da recepção. Ela :-- a teoria' da enunciação: nesse domínio, a dívida ~ontraída pelos
supõe a consideração constante do co-enunciador cuja presença opera também
como uma coerção sobre o sujeito falante: contmuadores de Sally permanece freqüentemente escondida (no c~so ~e
Benveniste) ou tardiamente reivindicada, notadamente no que concerne a teona
~epresenta-se a condição social dessa pessoa, sua situação, superior ou inferior da polifonia (DUCROT , 1984, 1995); , .
a_noss~, sobretudo as ~elações que existem entre ela e nós e que podem nos - a sociologia de Sourdieu, e particularmente o emprestu~o por parte desse
d1s~nc1ar ou nos aproximar dela[...). Essas considerações criam, por seu tumo, autor do conceito de distinção ( 1985), notadamente reinvestido no importante
sentimentos de uma ordem especial, elas afetam diversamente; elas vêm trabalho sobre a economia das trocas lingüísticas (1982); . .
acrescentar-se aos sentimentos individuais, elas as modificam por atenuação,
algumas vezes, por reforço[... ) (ibid. p. 9). - o movimento chamado de Escola francesa de análtse do discurso, no
que co~ceme à concepção polêmica dos usos linguageiros. Essa filiação, talv~z
Es~: ti~o de adaptação à imagem
conseqüenc1a a própria " d
do co-enunciador detennina por via de
· · • d
à revelia, é geralmente imputada a autores como Althusser e f?ucault, e mais
B li . •• . iorma a mensagem como o 10d1cam os exemplos e recentemente a Bourdieu. É possível que, nesse caso, as mediações recentes
a y. Voce poderiafiaze ·
p.9).
fi :> [
r ISSO, por avor. . ..] Vamos! Faça isso!
·b 'd
(1 ' . tenham particularmente ocultado a influência da estilística. Mas .basta lembrar
que 0 próprio Sally, bastante próximo do pensamento alemão, veiculou sobre 0

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100 • .'11 <.n111rlr1 limM• tf,, 1 ''~f."'''''"
A rurJ1fÔ'i /r01u,:fon11 tf'J CLC: tJIT11f11ralitn101 • 101

terreno da temia ling!llsticn 11 tcmu lilosólíco (l lcgcl) da lula das consciências


pélo reronhecimenlo 11 • Fala a-fisica efalafisica. A partir dessa crítica, Guillaume propõe uma
outra análise da passagem da língua à fala , passagem doravante descrita como
3. 2. G. Gullluumc ( l HH3- I% 0): u 1>slcomecânlca da linguagem um processo de atualização. Tendo admitido que "o sujeito falante encontra a
Discípulo de Mcillel. leitor de Snussurc. Oustavc Ciuillaumc reivindica lín!!ua pronta a lhe servir" (1973 , p. 70), ele julga necessário precisar quais
tipÕs de mecanismos recobrem a fala:
equitativamente. a dupla hcrn111;n du gramática comparada e das consoli<laçõc~
do CL G. Todavia. o modelo que ele ela hora distingue-se, antes de tudo, por seu
A-fisica no nível da língua, ela [a fala] torna-se fisica no nível do discurso, se
postulado radil:almcntc mentalista, de modo a inscrever-se na tradição este último não permanece interior (ibid. p.72).
filosótico-lingUl stica que vai de Port-/ú~110/ a Humboldt. Segundo Guillaume, a
linguagem articula às estruturas psíquicas subjacentes as estnituras semiológicas Da necessária distinção entre os dois regimes estruturais da fala (fala-
encarregadas de manifestá-las. idéia e fala-efetiva), Guillaume deduz o esquema seguinte (ibid. p.71 ):

O ponto de partida Discurso -7 psiquismo subjaccncc -7 fala efeti va


Representação e expre.çsão. Da reflexão de H. Delacroix (A linguagem
e o Pe11sa111ento. 1930), Guillaume conserva que "o pensamento constrói a Linguagem -? fala idéia
linguagem, construindo-se pela linguagem"; de Meillet, ele conserva a convicção
de que "a linguagem é uma mecânica maravilhosa na qual tudo se passa''. Linguagem -7 psiquismo subjace nte
Seus trabalhos comportam numerosas figurações topológicas ("por movimento
e figura de 111ovime1110 - o conselho de usar isso desse modo é de Leibnitz". Precisemos, enfim, que a substituição do termo discurso por fala advém
1995. p. 369) suscetíveis de tomar tangíveis, com fins heurísticos e pedagógicos. do fato de que Guillaume define na extensão a noção de discurso: essa noção
os movimentos do pensamento ("cinetismos") que regem a economia dos signos. remete a toda manifestação de linguagem, articulada e não-articulada; dito de
Segundo Guillaume: "A economia da linguagem é a de traduzir em possibilidade outro modo, a fala, no sentido saussureano, não seria senão uma dimensão do
de dizer (dizibilidade) os mecanismos que trazemos conosco, primeiramente, a discurso (o qual inclui, então, tanto a expressão verbal quanto a não-verbal).
visibilidade" ( 1973 ). Isso supõe, como o explicitará Benveniste, em termos distintos, que a língua
A visibilidade, da qual se fala aqui, designa a operação mental fundamental seja a condição de possibilidade de todas as formas de expressão.
de intelecção dos "conteúdos" a serem formulados. Quanto à dizibilidade. ela Essa emenda acompanha-se de uma re-avaliação completa da teoria da
designa a fonnação fônica do que é representado. De modo que "a passagem língua tal como ela foi exposta por Saussure no CLG.
do visível ao dizível" - ou do representado ao expresso - constitua um processo
psiquico-flsico cuja realização comporta quatro etapas: "visibilidade (mental)/ Potência e efeito. Ao postulado saussureano do caráter estável da língua
dizibi 1idade (oral ou escrita)/ dizer efetivo/ dizer terminal" ( 1973, p. 40-41 ). e do caráter variável da fala, em Guillaume ecoa a tese do caráter instituído da
língua e improvisado do discurso. A radicalização dessa distinção conduz a um
Guillaume leitor de Saussure . reexame da concepção de signo:
A principal crítica que Guillaurne deduz da leitura do CLG concerne,:
À fala ideal, sob uma ou várias condições, opõe-se a imensa diversidade da fala
interpretação da divisão língua/fala. Essa oposição lhe parece insuficicntemen efetiva, variável segundo o sujeito falante e também, para um mesmo sujeito
sólida: 'I falame, segundo as circunstâncias da fala (ibid. p. 70)
.
- e1a não considera a ligação que cada um dos termos esta.be.:•tece com• '
. .,, de outm.de:
ordem do pensamento, de uma parle, e com a ordem do d1scursv. d G~ill~ume faz, então, uma distinção entre o signo em posição de significado
- e a n o permtte descrever de maneira sntisfotóna a tota ' do ato
1 ã . . . l'd·lde
1 ~ ~otenc1a e o signo em posição de significado de efeito (como tal, dotado de
linguagem. :.ettos de sentido variáveis segundo o contexto). Considerado do ponto de
15
0
ta do ato de linguagem, a passagem da língua ao discurso é concebida como
•. irênica. do m processo que articula de maneira consecutiva:
· ma1con
32 Concepção que se associo rior ol1tr11 Indo de modo mmto • 1 n teoria. antes
·tendam m uitO

principio de coopen11;ão (Cirice). . emborn . pragma•t ·ic·os prc
• os teóricos
.
~-Um tempo inicial de potência que vai dos elementos de formação da palavra
frequentemente ligar Bnlly 1i corrente pragmática. ªpalavra construída;

j ·L ·~-;-
,~..l t ..."'•
102 • A.s (,"n1mlr 1 T rnd11J tf,, I il~~11ÜIÍM
-
...r 1rrr/1r1l n f n111rd/nn111/0 CI .C: t1lml11mli 111101 • IOJ

B. Um tempo final de efeito que vai da palavra à frase, isto é, da unidade de


potêncin à unidade de efeito[ ...] das palavras ao pensamento manifesto (ibid. O essencial dessa técnica consiste cm representar ca<la lcnômcno lingüístico
p.145) sob o aspecto de seu desenvolvimento longitudinal e cm fazer sua anúlisc,
assim como o do próprio pensamento. por meio de cortes transversais orientados
Enfim. toda utilização da língua em discurso supõe uma duração infinitesimal pelo atravessamento do desenvolvimento longitudinal. Qualquer que seja a
que Guillaume propõe chamar de tempo operativo. questão tratada, a técnica em questão permanece a mesma (ibid. p. 93).
É com a ajuda dessa técnica, assim definida, que Guillaume busca
Os três patamares da análise lingüística caracterizar problemas tão diferentes quanto aquele da formação dos signos
Guillaume assinala à teoria lingüística a tarefa de penetrar nos mecanismos (e dos sistemas gramaticais), da construção da temporalidade lingüística, ou
e operações construtoras que regulam a elaboração da linguagem, e, mais ainda dos mecanismos da determinação.
especificamente, a economia de uma língua particular:
A ordem estrutural da linguagem
A atitude contínua do lingüista deve consistir numa busca incessante de um Origem e causalidade. Em termos de antropologia lingüística, a posição
ver imanente a uma grande compreensão (ibid. p.80). de Guillaume efetiva a síntese das idéias debatidas ao longo do século XIX.
Para uns, a linguagem constituía, antes de tudo, uma expressão do pensamento,
A ciência da linguagem alia uma dupla exigência de descrição empirica para outros, ela favorecia a expressão das necessidades, fundando o laço social
(aquela do observável, do "ver imanente") e da explicação dedutiva (uma sobre a relação político-econômica. Guillaume assume as duas teses, mas
"grande compreensão"). Ela é concebida como um princípio de saber que, ai privilegia a idéia da linguagem-representação sobre a idéia da linguagem-
ainda, faz eco ao axioma do CLG, segundo o qual "é o ponto de vista que instruniento de comunicação:
determina o objeto".
Além da empiria, isto é, considerados suas hipótese e seus postulados de Em geral, conviria, pelo progresso simultâneo da lingüística e da filosofia, não
trabalho, Guillaume distingue três patamares de análise: repetir demais o lugar-comum de que a linguagem é um fato social, porque se
ela está indubitavelmente na relação dos homens que dela se servem, ela é uma
- Apsicosistemática: ela tem por objetivo a descrição completa do sistema coisa muito diferente disso, na profundeza do pensamento humano que a edifica
da língua, considerando que cada língua utiliza um modelo de representação de e que por ela é edificado(... ]. Um lingüista verdadeiramente realista[ ...] deverá
tomar como ponto de partida as duas relações: a relação social homem/homem
um mundo específico (isso lembra a concepção romântica herdada de Herder). e a relação, de uma outra ordem, universo/homem: praticamente a relação
Assim como o precisa Guillaume: universal/singular, sua deriva qualitativa (1969, p. 45-46).
A psico-sistemática não estuda as relações da língua e do pensamento, mas os Guillaume toma, assim, distância de seus predecessores (Bréal, Meillet e
mecanismos definidos e construídos que o pensamento possui para operar mesmo Saussure). Nos textos mais tardios, ele retoma ainda essa questão, nos
uma apreensão dele mesmo, mecanismos por meio dos quais a língua oferece seguintes termos:
uma reprodução fiel (ibid. p.94 ).
Na raiz tem-se: universo/homem.[ ...] Há no fundo do espírito humano[...] uma
- A psicomecânica: ela tem como objetivo principal a descrição dos assimilação do pensamento do universo ao pensamento do homem. [...]Em
psicomecanismos identificados pela psico-sistemática. É seu agenciament? due seguida, vem a relação homem/homem (ibid. p. 273-274).
produz a singularidade de um sistema lingüístico e de um tipo de língua (in ;
européia, semítica, asiática etc.). Eles permanecem subjacentes a to 8 d A construção dos signos. A formação dos signos (ontogenia, ou gênese
formu lação efetiva; d0 seu ~odo de ser) precede seu uso (praxeogenia). Para considerar a ontogenia
e um s_istema gramatical, Guillaume distingue duas operações complementares,
.• • . . . . é feito
~ A ps1cosemw log1a: ela tem o objetivo de considerar o us? qu~ ue as por meto da aplicação da lingüística de posição:
dos signos, e, do estrito ponto de vista da fala manifesta. das vanaç~e q rfo-
coerções dessa fala impõem aos significantes (morfossintaxe, morfologia, mo cba - uma primeira operação de discernimento (ou de particularização)
fonologia). mada de 1deogênese, no curso da qual o pensamento discrimina uma noção;
de ;u~a ~egunda operação de entendimento (ou de generalização) chamada
. . . 1Guillau111e ..
ª1
lllate~r ?genese, ~o curso da qual o conteúdo previamente discriminado

~
Enfim, o trabalho do lmgü1sta apóia-se sobre uma técntca à qua 1
0
dá nome de lingüística de posição: tza-se em imagem e matéria fônica.
,... ......-- .,
ICM • A1 GnmdtJ Tt0ria1 da I '"!$M1Ífitt1
..~'IY''" fnm"V"",., 1/<1 ( 11 .: -;;;;;;;;m/11mo1 • 105

A consecução dessas duas operações define a totalidade do processo de predicativas e não-predicativas (MOIGNET. 1981) conforme elas sejam
lexigênese, isto é, de fonnação das unidades lexicais: constituídas de matéria nocional "pesada.. ou "sutil" (W I LM ET, 1978). Por
É recorrendo aos métodos da lingüística de posição que se pôde descobrir 0
analogia com º.conceito gramatical cl:íssico. a predicação designa, cm
que é o sistema da palavra, não somente nas línguas indo-européias, mas mais Guillaume. a aptidão de algumas palavras para poder dizer alguma coisa sobre
amplamente, na universalidade das línguas (ibid.). outros palavras. Mas essa divisão justifica-se, sobretudo, em relação ao grau
de incidcncia que distingue cada categoria de formas. Entre os elementos
Guillaume, em seguida, observa que a consecução do movimento de predicativos, Guillaum~ elenca o substantivo e o pronome, o verbo, o adjetivo e
particularização e de generalização "representa a própria atividade do 0 advérbio. O substantivo, que comporta em si a categoria da pessoa cardinal
pensamento, que opera nele mesmo uma apreensão dessa atividade por meio (objeto pró~rio da perspect!va predicativa), revela-se auto-incidente, já que ele
- o único do qual ele dispõe - de cortes orientados através da linha vetorial" predica a s1 mesmo a partir de uma semiotização do espaço (isto é, de uma
(ibid. ). ..substància"). O verbo - no qual a noção temporal constitui-se a partir da
A partir desse processo de formação, Guillaume interpreta os pressupostos representação espacial - caracteriza-se pela incidência externa do primeiro
que correspondem a cada apreensão: grau em relação ao substantivo que lhe serve de suporte. O adjetivo entra no
discurso sob as mesmas condições em relação ao substantivo. Quanto ao
- o primeiro corte transversal determina a base da palavra; advérbio, seu semantismo é regido pelo regime de incidência externa do segundo
- o segundo corte fixa a morfologia da palavra; grau, já que essa parte da língua aplica-se ao substantivo (ou ao pronome
- o terceiro perfaz a formação do signo, revertendo cada um deles numa pessoal), mas pela mediação do verbo. A discursivização das partes da língua
"parte da língua" específica. não-predicativas é regida pelo mecanismo da trans-incidência,já que as palavras
semanticamente vazias que são tendencialmente as palavras gramaticais,
Conforme o esquema: servem somente para colocar em relação sejam outras palavras (é o caso das
conjunções de coordenação), sejam as proposições (é a função das conjunções
de subordinação). A mobilidade do discurso, notadamente implicada pelas
Particularização Universalização restrições enunciativas, pennite a essa sistemática da língua regular-se em
Discernimento inicial Operações Mediadoras Entendimenco Final função de um duplo princípio de economia e de congruência expressiva.
Base da palavra Morfologia da palavra Parte da línl"Ua Asp ectos d a psicomecâ nica
Matriz (idéia particular) Forma pré-conclusiva Forma conclusiva A operação de determi11ação. É a partir de uma pesquisa sobre O
problema do artigo e sua solução na lí11g11afra11cesa (19 19) que Guillaume
1º corte 2° corte 3° corte formula pela primeira vez a hipótese do cinetismo fundamental por meio do
qual o pensamento representa a relação particular/universal.
O que, segundo os textos, Guillaume nomeia alternativamente de "formas
A operação gramatical tomada sob a ótica da semiologia do artigo verifica
vetoriais" ou "operações mediadoras", coincide no processo de lexigênese com ~lcnamente o mecanismo mais ou menos preciso da designação. Esse processo
a atribuição de características formais: undamental se deixa esquematizar sob a forma do tensor binário:
As indicações gramaticais degenero, de número, de caso ou de pessoa, qu~:i~
se trata do nome, as indicações de modo, de tempo, de pessoa, quando se
do verbo (id. ).
··························································· / ····················································
cincsc sing-ularizanrc cinese generalizante
A redefinição d a língua . d que
Guillaume desloca a concepção saussureana da língua, precisan ~ição
esta é "um sistema de sistemas". O que isso quer dizer? A língu~, em poã de
de continente universal, recompõe-se por um mecanismo de .integraç t~Pos J São ;rn .francês moderno, os diferentes empregos das formns artigos (o/um)
reri êest~nados à expressão de apreensões determinativas que vilo do uto de
uma série de dispositivos integrados onde se reconhecem os d1ferent~~ guas ll~ ncia genérico indistinto ao ato de dctcrminm,:ilo definida (específico);
de "palavras". Assim, as diversas partes da língua dividem-se em 1" esquema:
_.
IP"
106 • As Gra1tdrs Tmnns da 1Jlf.r,tfÍSlim A rrtt/>(tio fmn"fona tfo CLC: tsln1/11mli1mo1 • 107

realização: ele define uma apreensão injieri; o modo indicativo recobre uma
l + G Un G + 4 Lc representação da temporalidade inteiramente realizada; esse modo integra as
~ formas do presente, do passado simples, do imperfeito, do futuro e do
condicional: ele define uma apreensão in esse.
P2 Un P3 Le - A teoria do tempo. O espaço temporal que contém todos os
acontecimentos do mundo se reparte entre as diversas representações do
........................................................................................... processo verbal. Nesse sentido, ele se apresenta como acontecendo ou
acontecido.
( l) Un soldai frança is ne craint pas la fatigue (Um soldado francês Cada eixo modal integra, por conseqüência, cada um desses dois níveis:
não teme a fadiga) um nível de incidência (aquele do processo acontecido), um nível de decadência
(2) Un soldai sort du baraquement (Um soldado sai do acampamento) (aquele do processo não-acontecido). Algumas representações verbais
(3) Le soldat traverse la cour avec son paquetage (O soldado oferecem uma propriedade mista (particípio presente, imperfeito, condicional),
atravessa o pátio com seu equipamento) que mistura uma parte da realização a uma apreensão de realização. Os
(4) Le soldai /rançais ne craint pas la fatigue (O soldado francês diferentes tipos de temporalidade verbal se repartem assim, cada vez
não teme a fatiga) subdivididos, em função de três estados de cronotese da qual eles dependem
do ponto de vista modal.
A diversidade dos empregos mostra que as formas uni/e (um/o) podem - O aspecto. Em gramática tradicional, a noção de aspecto designa o
entrar em concorrência para exprimir o mesmo valor de discurso (efeito de ponto de vista a partir do qual o processo é percebido. A representação temporal
sentido): em (1) e (4) um/o têm uma mesma dimensão genérica; enquanto que é indissociável do processo; quanto à dimensão aspectual do processo, ela
em (2) e (3) eles têm uma dimensão específica. Por outro lado, é sensível que determina um tempo interior. A concepção psicomecânica reserva os termos
em discurso, a determinação específica (tipo: 3) pressuponha sempre a de imanência e transcendência para qualificar a natureza do processo verbal,
determinação genérica (tipo: l). considerando-se a perspectiva que permite discernir as variações. Guillaume
distingue três formas aspectuais fundamentais:
A representação do tempo. A concepção psicomecânica da temporalidade - uma forma imanente (aspecto tensivo) na qual o acontecimento é
verbal foi exposta a partir de 1921 , no ensaio Tempo e verbo. Ela institui o percebido "dentro do processo": os modos do infinitivo, do subjuntivo e do
conceito de imagem-tempo cuja particularidade, segundo os termos de indicativo perfazem a categoria da imanência aspectual (por exemplo: Eu
Guillaume, é de ser "apoiada sobre a representação do espaço". almoço; Eu estou a almoçar etc.);
- uma forma transcendente (aspecto extensivo) a partir da qual a
- A teoria dos modos verbais. Dois movimentos do pensamento são percepção do processo é "reduzida ao ponto de observação". Essa forma
intrinsecamente ligados à elaboração do que Guillaume chama de imagem- "exprime a anterioridade sem necessidade de mudança de época" (por exemplo:
tempo: Logo que ele termine de almoçar, ele vai embora);
- uma forma bi-transcendente (aspecto bi-extensivo) que exprime a
consegui detenninar, como fonte universal da arquitetura lingilistica do temPo· anterioridade relativa a uma forma de aspecto transcendente (por exemplo:
a cronogênese, que é[...] gênese da potência de construir o tempo. e a cronotese. ªºr.· logo ele terminou de almoçar, ele foi embora).
que é o exercício dessa potência ao longo de sua aquisição (ibid.).
A distinção liminar do eixo longitudinal da cronogênese e dos .eixos 3. 3. L. Tesniere (1893-1954): uma sintaxe de dependência
transve~sos da cronotese permite explicar. numa perspectiva mentahsta.
8
A idéia de uma sintaxe estrutura l
categoria do modo verbal. Assim, sobre a linha vetorial de uma representação
linear da temporalidade (cronogênese). os três modos verbais identi~cados5 ~ inéd!esniere sustenta o paralelo entre a fonologia estrutural e a perspectiva,
"de ita a~tes dele, de uma sintaxe estrutural, quando afirma que é preciso
pela gramática tradicional (quase nominal, subjuntivo, indicativo) são s1tu~do Par~c~bnr, atrás da natureza puramente fisica dos fenômenos , sua aptidão
com.o três estados de elaboração da imagem-tempo (inicial ou precoce, ~ediano. Denu ~sempenhar funções propriamente lingüísticas" ( 1988, p. 40).
tardio ou final). O modo infinitivo - ao qual estão igualmente associadas as do e~ciando o "preconceito escolar" que quer que a sintaxe consista no "estudo
formas d? pres~nte e do pas~ado - constitui uma representação virtual de ui::~ Prego das formas", Tesniere igualmente observa que "a maioria das
tempor~hdade mstada a realizar-se: ele define uma apreensão in posse; 0 mo de
subjuntivo corresponde a uma representação da temporalidade em curso
~

101 • .llJ T:n~111/tr Trorim d,1 I JNJ.NÍJtit11 .-1 trrr/l(<'HJ fn111rAfa1111 ,,;, C/ ,(;: t1/m/11mhi1POJ • 109

sintaxes que foram publicadas desde um século são (assim) somente sinta
morfológicas" (ihid. p. 34. § 8). xes O estudo d:1 frase que é o objeto d:1 sinlaxe estrutural (...) é essencialmente o
Por outro lado, Tcsnicre delimita rigorosamente o objeto do model 0 estudo de sua cslnttura. que não é outra coisa que a hierarquia das conexões
ele propõe assinalando-lhe o estudo da frase : que (ibid. p. 14. § 6).

O objeto da sintaxe estrutural é o estudo da frase. Assim, os lingüistas ale ã O próprio de uma conexão é ligar "em princípio um termo superior (regente)
quando lhes é necessário traduzir a palavra sintaxe na sua língua el m :S· 3 um tenno inferior (subordinado)"(§ 1). Também, para facilitar a análise
encontraram melhor equivalente que Satzlehre: 'ciência da frase' " cibi:s n1ª° estntmral da frase, Tesniere tenta usar uma representação esquemática chamada
§ 1). • p. 2•
estema:
O projeto de Tesniere inscreve-se na tradição filosófico-lingüística orientada, O conjunto dos traços de conexão constitui o e.riema. [Ele) mostra claramente
como em Humboldt, para o princípio da autonomia da sintaxe: a hierarquia das conexões, faz aparecer esquematicamente os diferentes nós
que os amarram num feixe e materializa, assim, visualmente a estrutura da frase
a sintaxe é anterior à morfologia. Quando falamos, nossa intenção não é a de (ibid.p. 15, § 9)
encontrar a posteriori um sentido a uma seqüência de fonemas que lhe são
preexistentes, mas, antes, a de dar uma forma sensível facilmente transmissível Da ordem linear à ordem estrutural. Munido dessa ferramenta analítica,
a um pensamento que lhe preexiste e que é a sua única razão de ser[ ...) (ibid. p. a teoria de Tesniere permite diferenciar nitidamente dois planos de elaboração
36,§4).
do discurso. Com efeito, "estabelecer o estema de uma frase, é transformá-la
Nesse sentido, Tesniere separa-se da vertente mais representativa da de uma ordem linear numa ordem estrutural" (ibid. p.19, § 2), sendo que "toda
gramática comparada (de Bopp a Meil let), e aproxima-se resolutamente de a sintaxe estrutural repousa sobre as relações que existem entre a ordem
lingüistas como o dinamarquês Brondal ou o suíço Sally que, segundo ele, estrutural e a ordem linear" (§ 1).
"teve o mérito de haver reabilitado a forma interior da linguagem diante da
morfologia" (ibid. p.35, § 12). É o que ilustra o seguinte exemplo:
A releitura de Humboldt conduz Tesniere a distinguir nitidamente entre a
forma exterior da linguagem (sua morfologia) e sua forma interior (sintaxe).
Ordem linear: Os pequenos córregos fazem os grandes rios.
Os conceitos descritivos
A conexão. Como o relembra Tesniere num axioma simples, a Ordem estrutural:
inteligibilidade tanto quanto a construção da frase assentam-se na existência

'r~
de algumas relações entre seus elementos:

Toda pala~r~ q~e. faz parte de uma frase deixa por ela mesma de estar isola~a
co~o no d1c1onario. Entre ela e suas vizinhas, o espírito percebe conexões, CUJO córregos rios
conjunto forma a armação da frase (ibid. p.11, § 3).
e: 1 ~
Os pequenos os grandes
.
compreender uma frase é apreender o conjunto das conexões que unem as
diferentes palavras (íbid. p.12, § 1Q)ll.

A análise das conexões faz intervir igualmente uma concepção hierárquica Dessa distinção resulta uma definição rigorosa do processo lingüístico de
das relações sintáticas:
produção /recepção: falar uma lingua,"é transformá-la de umn ordem estrutural
numa ordem linear", e compreender uma língua, "é transfonm\-la de um ordem
33 Tesniere esclarece: "É, aliás, a noção de conexão que exprime o próprio
. nom., e da
d sintaxe,
uramente
em linear numa ordem estrutural".
grego "colocação em ordem, disposição". E é igualmente a essa noção, amiu ebpldt"(ibid.
. . que corresponde a innere Sprachform 'forma .interior
mtenor,
§12). . da lingu a' • de Hum o Mas Tcsnicre sublinha que "há [...) antinomia entre a ordem estmtural
que possui várias dimensões (reduzidas a duas no estema), e a ordem linear',

.......
-
tN • I• (.,.._.'14:ft, 11"~"'1.tr .1J l . ~lf.tS."1..1

/1 t'UtP(tlo fmntójonfl tio é.l .C: tslnt1umlisn101 • 111

que possui uma dimensão" (*


3). esclarecendo que "essa antinomia é a
·quadratura do círculo· da linguagem". enquanto "sua resolução é a condição outra parte, as circunstâncias (primeiro, de tempo: sempre; segundo, aqui, de
sine qua nem da fala .. {ibid. ).
lugar. no qual se desdobra o processo: em tudo). Quanto ao possessivo seu, ele
é reagrupado, no estema, à esquerda, abaixo do segundo actante. Uma convenção
O conceito de octante. A delimitação da frase em relação às restrições de escritura determina que a representação semântica da ordem estrutural
de ordem estrutural implica uma critica das categorias da gramática tradicional. situe "os actantes à esquerda" e "as circunstâncias à direita" (ibid. p. I02).
particularmente da oposição sujeito/predicado:
A valência. A estrutura dos verbos é descrita nos termos de uma teoria de
O esquema da frase \'erbal (... ] difere consideravelmente daquele que a gramática valência que modifica sensivelmente, mais uma vez, a compreensão dos
tradicional adota ( 1988. p. I03. § 1): fundando-se sobre princípios lógicos. a mecanismos lingüísticos:
gramática tradicional se esforça para encontrar na frase a oposição lógica entre
o suporte e o predicado. o sujeito é de quem se diz alguma coisa. o predicado 0
que dele se diz(§ 2). O verbo é uma espécie de átomo capaz de exercer sua ação sobre um número
mais ou menos elevado de actantes [...]o número de actantes, que ele é capaz
de reger, constitui[...] a valência do verbo (ibid. p. 239, § 3).
Tesniere. de modo análogo a Guillaume. denuncia o uso da "lógica formal
que a priori não tem nenhuma relação com a lingüística" (§ 2), sublinhando
que •·a conclusão que pemlite" a consideração a posteriori dos fatos da língua A partir dessa caracterização, Tesniere distingue quatro tipos verbais:
é ''de uma natureza completamente diferente", já que "em nenhuma língua,
nenhum fato propriamente lingüístico convida a opor o sujeito ao predicado"(§ - os verbos a-valentes: esses correspondem aos verbos impessoais da
6). gramática tradicional (ex.: chove);
Por essas razões, ele propõe substituir as categorias lógicas da gramática
tradicional pelo conceito de actante; trata-se de designar por esse termo - os verbos monovalentes: essa categoria corresponde àquela dos verbos
"pessoas ou coisas que participam de algum modo do processo" (ibid. p.105, § intransitivos (ex.: Alfredo dorme);
l ). Uma propriedade especifica a disposição na forma de frase dos diferentes
tipos de actantes que são ·•em princípio, substantivos", "subordinados imediatos - os verbos bivalentes: esses correspondem, como os seguintes, à categoria
ao verbo'' (ibid. p. 106, § 2). dos verbos transitivos (diátese ativa: Alfredo chuta Bernardo; diátese passiva:
Tesniere observa então que "do ponto de vista estrutural, e não do ponto Bernardo é chutado por Alfredo; diátese reflexiva: Alfredo se mata; diátese
de vista semântico [...],o sujeito é um complemento como os outros" (ibid recíproca: Alfredo e Maria se casam);
p. l 09, § 13), no sentido de que ele é um "actante que completa o regente".
- os verbos trivalentes: segundo Tesniere, eles recobrem, "em princípio,
O nó verbal. A sintaxe e~trutural vê no "nó verbal" o principio ativo da os verbos do dizer e do dom" (ex.: Alfredo dá o livro a Carlos; Alfredo diz
frase, seu pivô organizador. E sob a forma de um paralelo imaginado que o bom dia a Carlos; ou ainda, com esses dois significados: "pedir/perguntar",
lingüista descreve esse mecanismo: em: pedir um livro - para tê-lo; perguntar a hora - para sabê-la).

O nó verbal[...] exprime um pequeno drama. Como um drama, com efeito, ele A diferença lingüística: tradução, ensino
comporta obrigatoriamente um processo, e, freqüentemente, atores e
circunstâncias (ibid. p. I 02, § 1). O ensino das línguas, assim como a tradução, tirou um grande proveito das
perspectivas da sintaxe de dependência. Trata-se, nos dois casos, de uma
11
~lportante contribuição do modelo proposto por Tesniere à compreensão da
Transposto do plano da realidade dramática para o plano da sintaxe estrutural, diferença linguística (aprender e ensinar uma língua a partir de uma outra).
o processo, os atores e as circunstâncias tomam-se respectivamente o verbo,
os actantes e as circunstâncias (ibid. :p. 102, § 2).
Rec~nhecer uma lfngua. Gostaríamos aqui de chamar a atenção do leitor
No exemplo que segue: Alfredo sempre mete seu nariz em tudo•. o nó para~ vtrtude pedagógica do princípio de classificação das línguas (línguas
verbaJ organiza, de uma parte, os actantes (aqui, são dois: Alfredo e nanz), de centrifugas vs centrípetas) sublinhado por Tesniere, que observa:

~
112 • As Gmndn Ttorins d11 I ;n..~11íslim
......--
,.., tr•lj'(Jf> ; r.v::i/r.t:;; tÍ!J Q...C: 1r:r:,1:1r.:.'i1r:n • IU

Quando duas palavras estão em conexão estrutural, há duas maneiras de •


las em seqüência linear, na medida em que, se começando por uma ou poco1oca. Línguas banto
destaca-se esta, ou aquela, na cadeia falada (ibid. p.22, § 1). routra, Acentuadas línguas semíticas (hebreu, :írnbc)
Línguas austr:ilfanas (malayo-polinésia)

Essas duas maneiras determinam globalmente duas estruturas lingüística .


a estrutura descendente ou centrífuga (francês: cheva/ blanc [cavalo brancojj
e a estrutura montante ou centrípeta (inglês: while horse [branco cavalo]). No
primeiro caso, o termo regente (cavalo) precede o termo subordinado (branco)·
C<nuífug"
/
~
Línguas negro-africanas
Tasmaniana
Línguas da Ásia anceàor antiga
(elauúta, suméria)
Llnguas da América
no segundo, é o termo subordinado (branco) q~e _Precede o termo regent~ Basco
(cavalo). São as coerções de ordem estrutural (distinta da ordem linear) que Mitigadas
justificam, para cada língua, a denominação de "centrífuga" ou de "centrípeta". Llnguas célticas
Com efeito, na representação estrutural das línguas centrífugas, os termos são Línguas neolatinas
recenseados "distanciando-se do nó verbal", enquanto para as segundas, é o {italiano, espanhol, francês, português)
Línguas
inverso. Línguas indo-européias
Grego
A ordem mitigada vs acentuada. Mas Tesniere também observa que a Latim
repartição das línguas segundo a divisão centrífuga/centrípeta é "mais ou menos Línguas germânicas (inglês, alemão)
marcada'', de tal modo que uma língua "apresenta um caráter centrífugo ou Línguas esla,·as (russo)
centrípeto acentuado ou mitigado" (ibid. p.24, § 1). Por seu turno, a divisão Mitigadas
Línguas da Austrália

~
acentuado/mitigado justifica-se:
Línguas dos Papous
Centrlp<tao Línguas das ilhas Andaman
- "uma língua apresenta um caráter mitigado quando nenhuma das duas Llnguas sino-tibetanas (chinês)
ordens centrífuga ou centrípeta sobrepõe-se completamente à outra" (ibid § Línguas do Caucaso
2); Línguas sul-africanas
(hoccncote, bosquimano)
- "uma língua apresenta um caráter acentuado quando uma dessas duas Línguas draviclianas
ordens, centrífuga ou centrípeta, sobrepõe-se nitidamente à outra" (ibid § 3). Acentuadas Burusaski
Línguas hiperboreanas
Línguas ouralo-baltaicas
(aqui compreendidas o japonês e o coreano)
A alternativa estrutural
_A correspondência geolingliística. Distanciando-se do ponto de vista
As distinções até aqui esboçadas autorizam uma classificação inédi".1 ~ estritamente sincrônico (justificado pela idéia da estrutura), assim como do
línguas que constitui uma alternativa rigorosa para a classificação ge_ne~~g~: Pônto..de vista diacrônico (justificado pela idéia da origem), a classificação de
li
(~is!ó~ica) o~ tipológica (sincrônica). Ao primeiro (distinti~~ da lingil::). reslllere evita tratar, de maneira frontal, do parentesco ou da afinidade das
h1stónca), assim como ao segundo (distintivo da primeira gramanca c?m~põe 0 rnguas (o parentesco pode excluir a afinidade e a afinidade pode excluir o
fundado sobre o grau de fusão dos elementos de uma língua, Tes~iere fi rece Parentesco). Essa classificação proposta por Tesniere faz, além disso,
princípio de classificação "pelo sentido do estrato linear". Esse óltuno; ;) 110 ~~irecerem
1 paralelismos importantes entre a organização fundamental dos
a dupla vantagem de ser " fundado sobre um traço de estrutura" c2,;. 2 §1): crentes idiomas e suas zonas de repartição e de extensão geográfica:
mesmo tempo que "permite uma focalização cômoda sobre os fatos (J ' constatar-se-á uma repartição geográfica característica. As fonnas centrífugas
ocup~~ a maior parte da Áfiica (com exceção do extremo s1;1l) e da Oceania.Ao
contráno, as línguas centrípetas ocupam a maior pane da Asia. Seria estranho
que urna repartição tão nítida fosse o efeito de um simples acaso[...) (33, § 8).

.-.... J
- '" • .·IJ Gn111d1J "/'roli,u da 1ilf,;,lstlm

l
A tradução . .
-A noção de mctahtxe. _Em d1~erentes linguas, a expre,ss_ão das mesmas Capítulo 6
ºdéias (conteúdos semânticos) impõe estruturas sintat1cas distint
~reqilentemente, até mesmo bastante dessemelhantes: "A tradução de uas,
llngua ã outra obriga a que se faça apelo a uma estrutura diferente" (ibid rna
283, § 2). Tesniere propõe dar a essa "mudança estrutural" o nome de metaia"x~: Os estruturalismos funcionais
"as traduções que comportam metataxe são ~m algu~a medida traduçõe~
profundas (ibid, § 6).Essa operação revela, amda mais que a consideraÇão
dos mecanismos de uma única língua, o reconhecimento do paralelismo do J SITUAÇÃO E DEFINIÇÃO DA C ORRENT E
plano estrutural e do plano semântico: FUNCIONALISTA
A metataxe não é senão uma aplicação do princípio da independência do O próprio termo funcionalismo, no que ele permite supor quanto a autonomia
estrutural e do semântico [...)já que se trata de exprimir urna idéia semanticamente
idêntica por meio de uma frase estruturalmente diferente (ibid. p.284, § 8). dos trabalhos que ele designa e reúne em aproximadamente um século, pode
parecer des!gnar uma corrente em si, distinta ou separada do estruturalismo
A extrema diversidade dos casos de metataxe conduz Tesniere a distinguir fundador ormndo dos trabalhos de Saussure. Mas as etiquetas em - ismo achatam
"todos os tipos de graus na metataxe, de acordo com a maior ou menor as realidades teóricas, e os dicionários ou as obras de síntese apresentam como
importância da mudança estrutural a qual é preciso proceder para poder realizar distintas - freqüentemente por motivos de clareza didática - correntes, na
a tradução (ibid. p.284, § II). realidade, estreitamente imbricadas tanto nas suas opções teóricas quanto nas
- Os fios da tradução. A finalidade última da tradução consiste, desde suas filiações: funcionalismo, estruturalismo, formalismo, distribucionalismo não
então, em preservar o conteúdo semântico; este deve ser conservado, restituído constituem corpos teóricos completos e autônomos, mas correntes imbricadas
na língua de chegada a partir da língua de partida: umas nas outras, ligadas por relações de filiação ou de oposição e por escolhas
teóricas complexas. De fato, o funcionali smo tem seu lugar no conjunto do
o usuário da tradução somente tem necessidade de saber o conteúdo semântico movimento estruturalista; é um estruturalismo específico que se pode chamar
da frase e se desinteressa, em princípio, completamente pela sua ordem estrutural. de estruturalismo funcional. Se quisermos integrar o funcionalismo numa das
que é da alçada do tradutor (ibid p. 284, § 9). numerosas antíteses classificatórias das correntes lingüísticas que constituem
Daí resulta que o essencial do trabalho deva permanecer, ao final, totalmente o continente estruturalista, é ao formalismo que é preciso opô-lo: enquanto o
imperceptível: ponto de vista funcionalista privilegia as constantes transformações das formas
da linguagem na sociedade, o ponto de vista formalista tem no centro de suas
O tradutor tem o mesmo dever de ser discreto e de deixar na sombra toda preocupações o funcionamento interno do sistema linguageiro.
manobra estrutural, que constitui a técnica da tradução. Esta pode apresentar Mais do que uma teoria ou um conjunto de teorias, o funcionalismo é um
um grande interesse profissional para o tr~dutor, dado que é seu trabalho. mas modo de pensamento, um olhar sobre a linguagem e suas relações com a
ela não apresenta ab~olutamente !lenhum interesse para o usuário da tradução.
que pede, ao contrário, para ser liberado de toda restrição que o impeça de ter organização do mundo. Nascido dos trabalhos, das partilhas e dos exílios dos
acesso diretamente à idéia expressa [...) (ibid., § l O). membros do Círculo Lingüístico de Praga, a partir dos anos 20, o pensamento
funcionalista encontrou seus acabamentos mais notáveis nas teorias de alcance
BIBLIOGRAFIA geral. Assim, sucessivamente, examinaremos:
DUCROT, O. Le structuralisme em linguistique. Paris: Seuil, 1968.
DURRER, S. l~troduction à la linguistique de Charles Bally. Lausanne: - na Rússia e na Tchecoslováquia, o nascimento da fonologia com N.
Delachaux et N1estlé, 1998. TroubcstskoY·
FUCHS, C. ; f:..E GOFFIC, P. Les Unguistiques contemporaines. Paris: - na Di1;amarca no interior do Círculo de Copenhngue, a elaboração da
Hachette supéneur (2" éd.), 1992 (em particular o capitulo 3: Tesniere). glossemática, com L'. l-ljelmslev.
NORMAND, C. et ai. Ávant Saussure. Choix d e textes (1875-1924).
Bruxelles: Complexe, 1978 (em particular o capítulo V).
M~ND,RA_Y-LESGNE, F.; RTCHARD-ZAPPELLA, J. Lucien Tesniere Mas não se pode compreender esses itin.erórios. sem. considerarº. 1~úclco
auJourd hui. Acte.s du colloque internatlonal CN RS URA 1164-U de Rouen, fundador que foi o Círculo de Praga, verdadeiro cnchnho movndor e cr11Jco no
nov. 1992, Louvam: Peeters, 1995. campo cientifico europeu dos anos 20, matriz de uma nova maneira de pensar
WILMET, M. G ustave G uillaume et soo école lioguistique. Paris- ªlinguagem.
Bruxelles: Nathan-Labor, 1978.

.....-....
Os <Jlnt/11ralismos J1111tionais • m
,..
1~:nn11/t1 1;•f lfi111 1/11 J 11~wdr1i,,1
descritiva. Uma lingüística mais recente veio reconhecer que, ao lado do enfoque
histórico ou diacrônico, existem razões científicas equivalentes para postular
um enfoque não-histórico, sincrônico, nas pesquisas de uma língua dada e de
1. 1. O Circu lo de Praga uma época dada, sem considerar seu estado anterior. Porque somente uma
. Dcnomi.na-.s.e geralmente Círc111<~ de PraK_~ ou Escola de Praga 0 análise de todo o complexo dos fenômenos que se produzem simultaneamente
conjunto de ltngLl1stus que, em torno de 1 roubctsko1 e de Jakobson, elaboraram num momento dado permite-nos apreender a interdependência sincrônica que
as "teses de Praga" oriundas do primeiro Congresso Internacional de Lingüística os relaciona ao sistema lingüístico ( 1983, p.121-122).
de Haia. em 1928. Na realidade, o Círculo de Praga foi fundado em outubro de
1926 por Mathesius, que reuniu pesquisadores tche~os (Havranek, entre outros) A introdução e a justificação do enfoque sincrônico da língua não são,
e que recebeu a colaboração de lingüistas estrangeiros, como o alemão Bühler entretanto, apresentadas como uma verdadeira ruptura epistemológica que abre
os franceses Tesniere, Benveniste, Vendryes e Martinet. As figuras dominante~ caminho para uma re-fundação total da lingüística. Ainda que se fale em diversas
do Círculo de Praga continuam a ser, entretanto, os russos Troubetsko"i e retomadas de "nova lingüística" (new linguistics), Mathesius não sustenta a
Jakobson, que se juntam ao círculo em 1928, e, numa menor medida, Karcevskij. ilusão da novidade radical e inscreve seu trabalho e o de seu grupo na
Esses pragueanos de primeira hora serão substituídos em seguida por seus continuidade das aquisições científicas no curso da história:
discípulos (em particular, Vachek, considerado como o melhor aluno de
Mathesius) que assegurarão por meio das peripécias da história a continuidade O progresso n~ pesquisa cientifica é sempre completado metade pela aplicação
da escola até nossos dias34 • dos velhos metodo.s confrontados com materiais e com problemas novos, e
metade ~ela pesquisa de novos métodos que permitem lançar uma nova luz
Uma lingüística "de um novo tipo" sobre antigos problemas e extrair novas descobertas a partir de antigos materiais
A lingüística oriunda do Circulo de Praga constitui um tipo de revolução (1983, p. 121 ).
epistemológica nos enfoques europeus da língua, nos anos 20: dominada pelas
teorias filológicas fundadas na diacronia, representada essencialmente pelos No final de seu artigo, ele sublinha o quanto o funcionalismo pragueano,
trabalhos dos oeogramáticos, a lingüística tcheca às bordas do século XX estava nas suas próprias elaborações teóricas, é indissociável da produção literária do
centrada em tomo da mudança lingüística e ancorada na dimensão histórica. O mesmo período:
Círculo de Praga, sem recusar a fundamentação do enfoque diacrônico, vai
estabelecer como central e necessária a dimensão sincrônica. Sobre a questão da correção da língua, o lingüista que tem um ponto de vista
funcional sobre a língua anda de mãos dadas com o artista que produz criações
As origens: V. Mathesius (1882-1945). O método e os enfoques da lingüísticas. Não é um acaso. Essa relação estreita entre a nova lingüística e as
lingüística pragueana aparecem claramente fonnulados num artigo de Mathesius.. belas letras (les belles lettres) 35 mostra-se de fato proveitosa em outros
domínios. A nova lingüística contribui colocando as primeiras pedras da nova
"pai fundador" do Círculo de Praga. Intitulado Functional /inguistics e ciência da forma poética e ela mesma encontra junto aos autores de obras
publicado pela primeira vez em 1929 (retomado em VACHEK & DUSLOVA, literárias informações sobre as possibilidades da expressão lingüística. Aqueles
1983), o artigo oferece um bom apanhado da situação da lingüística tcheca. e que não são dotados de uma sensibilidade particular para os valores da
em parte européia, dos anos 20, e da novidade que a ela pôde trazer o olhar linguagem não podem tornar-se lingüistas da nova maneira. Tudo isso é uma
funcional. Mathesius lembra nesse artigo as duas pedras angulares do conseqüência perfeitamente natural. Como disse logo no começo, a lingüística
funcionalismo pragueano: a escolha da sincronia (linha de força da lingüística ~indoura aproximará as pesquisas lingilísticas da realidade, e está aí seu mérito
funcional), e os laços que as pesquisas linguísticas entretêm com o campo inegável ( 1983, p. 139)
social da arte e da criação.
A escolha da si ncron ia é fe ita claramente em oposição à escola dos . É sobretudo Jakobson quem, com sua poética, assumirá de maneira mais
neogramáticos: ngorosa esse laço entre literatura e lingüística e ver-se-á que suas concepções
fon~lógicas estão essencialmente ligadas à sua preocupação com o uso poético
A escola neogramálica [... ] acred itava firmemente que o único. n~é!odo da linguagem. É necessário por outro lado, precisar que as fontes de inspiração
verdadeiramente científico na pesquisa em lingüística era o método h1stonc~ e do e·. 1rculo de Praga são ·freqüentemente os signos
· não- 1..mg tli st1cos
· e, em
tudo o que não se conformava nesse método caía sob n acusação de gramática Particul~r. os trabalhos cinematográficos da vanguarda: a ltngungem aparece

----
SOlllente como um sistema de signos entre outros.
34 O Circulo de Praga, disperso pela Segundo Guerra Mundial ( 1939-1945) e praticamenle
reduzido ao silêncio pela chcgndu dos comunistas em 1948, conhece um renascimento desde lSEm~ · · 1
1990, sob o impulso de Vachek. •rancês e em itãlico no texto ongina ·

~
, 118 • A s Cm11/Íu Tt<>rias IÍa UngNístira
~

01 t.JffNl1m1/i.1mos fiuuionnis • 119

Primeira tese. "Problemas de método que decorrem da concepção da


As atividades do Círculo de Praga língua como sistem.a e importância da referida concepção para as línguas eslavas
o principal traço do Círculo de Praga é a combinação do estruturalismo e (o método sincrôn1co e suas relações com o método diacrônico, comparação
do funcionalismo, sendo a idéia geral que funda o pensamento pragueano a de estrutural e caráter fortuito ou encaixamento regular dos fatos da evolução
que a estrutura das línguas é determinada por suas funções características. É lingüística)".
preciso, portanto, dizer, com Danes ( 1987), que o enfoque lingüístico do Círculo Essa tese instala quatro principios necessários à elaboração de uma
de Praga constitui um "estruturalismo funcional": os funcionalistas são lingüística geral que não seja somente descritiva:
estruturalistas na medida em que seu objeto é de fato a líng:ua como sistema
mas eles acrescentam uma outra dimensão, aquela contida justamente no term~ _ 1. A língua é um sistema funcional orientado para uma finalidade:
funcional, que as classificações históricas retiveram unicamente. Diante de
uma interrogação em termos de sistema e estrutura, eles acrescentam um Produto da atividade humana, a língua partilha com essa atividade o caráter de
finalidade. [...] Desse ponto de vista, a língua é um sistema de meios de expressão
questionamento em termos de funções e tarefas. apropriados a um objetivo. Não se pode compreender nenhum fato da língua
O final dos anos 20 e o início dos anos 30 foi um período de intensa produção sem considerar cuidadosamente o sistema ao qual ele pertence.
para os lingüistas do Círculo de Praga e de instalação de manifestações
internacionais que terão uma longa posteridade. Em 1928 aconteceu em Haia -'b2.· É
õ preciso
d b privilegiar a a·na·1·ise smcron1ca
· •. sem negligenciar as
o Primeiro Congresso Internacional dos Lingüistas, seguido, em 1929, pelo . çao.
con tn uaç es a o •serva - d'1acromca
• · (o que constitui uma crítica da ênfase
Primeiro Congresso Internacional dos Eslavistas (em Praga), donde derivam dada por Saussure a sincronia):
as famosas "teses" que Jakobson apresentou em co-autoria com TroubetskoT
e Karcevskij. Depois, em 1932, aconteceu o Primeiro Congresso Internacional A_ me!h?r maneira de con.hecer a essência e o caráter de uma língua é a análise
das Ciências Fonéticas, em Amsterdã, que teve uma forte repercussão na smc.romca dos fatos atuais, ~ue oferecem sozinhos materiais completos e aos
qua1~ se pode .ter a~esso direto. [...) A concepção da língua como sistema
Europa, já que a partir daí começa-se a falar do Circulo de Praga por meio de funcional considera 1~ualmente o estudo dos estados de língua passados, quer
sua perspectiva da fonologia. O que constrói o laço entre os membros do Círculo se trate de re~ons~ru1-los ou. de. neles constatar a evolução. Não se poderia
de Praga não é somente a comunhão dos postulados, mas também um diálogo colocar barreiras mtranspon1ve1s entre os métodos sincrônico e diacrônico
constante, modelo de funcionamento que Mathesius instaurou e que toma o como o faz a escola de Genebra.
Círculo receptivo às novas correntes, dando-lhe disposição para reconsiderar
e eventualmente reformular suas posições. Essa polifonia interdisciplinar é -3. É preciso explorar o método comparativo numa perspectiva ao mesmo
específica do Círculo de Praga. tempo sincrônica e diacrônica:
[...]os métodos comparativos devem ser utilizados de uma n~aneira mais ampla;
é um método que pennite descobrir as leis da estrutura dos sistemas lingüísticos
As teses de Praga
Apresentadas pela primeira vez no primeiro Congresso Internacional dos ~ e da evolução desses últimos.
Lingüistas de Haia, em 1928, as teses de Praga foram publicadas como trabalho ~
~i
- 4. A teoria das mudanças isoladas e aleatórias deve ser substituída pela
coletivo no primeiro volume dos Trabalhos do Círculo Lingüístico de Praga
~ teoria do "encaixamento segundo as leis dos fatos evolutivos":
preparado pelo Primeiro Congresso Internacional dos Eslavistas de Praga, er:n
192936• rt s Nas ciências evolutivas entre as quais figura também a lingüística histórica,
De um número total de nove, elas são apresentadas em duas Pª3 ;e ~
,~
atualmente vemos a con~epção de fatos produzid?s arbitrariamente e ao acaso
distint;as: as três primeiras, que examinaremos aqui, expõem um prog~~culo - como se eles fossem realizados com uma regularidade absoluta- ceder terreno
pesquisa em lingüística geral. Ainda que freqüentemente se reduza 0. 10 do
1
! ~noção do encaixamento segundo as leis dos fatos evolutivos (nomogênese).
de P~aga à fonologia, as teses apresentam proposições sobre conJ~: teses
0 i~ E por isso que vemos também, na explicação das mudanças gramaticais e
funcionamento da língua, poético e literário, em particular. As outraS se ;f
• fonológicas, a teoria da evolução conv.ergente relegar a segundo plano a
formulam proposições para o estudo do tcheco e das línguas eslavas. concepção da expansão mecânica e fortuita.
. Segunda tese. "Tarefas necessárias para o estudo de um sistema
. . de de Lausanne. langüistaco,
· do sistema eslavo, em part1cu
· 1ar''·
36 N.T. Utiliza-se, nas citações, o texto online que figura no site da Un1versida
seção de línguas eslavas (unil.ch/slav/lingftextes/theses29.html).
l
'
......_
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120 • A .r G'mmlr.< ·1 fon'a.r r/11 I j,{l!/llÍ/i fll 01 c1/mllfrali111101 fi111rio11nis .121

Encontra-se nessa tese as primeiras bases da fonologia pragueana (devida ato criador da frase, é a predicação. A sintaxe funcional estuda sobretudo os
a Jakobson e a Troubetsko"i), uma teoria da palavra e uma teoria da sintaxe (a tipos de predicativos, considerando também, ao fazer isso, a forma e a função
primeira "gramática funcional", devida a Mathesius). do sujeito gramatical.
A necessidade da dimensão comparativa é reafirmada aqui: comparando
- a. Elementos para uma fonologia sincrônica. as estruturas frásticas de línguas diferentes (tcheco, francês, inglês), observa-
No primeiro ponto da tese 2, "Pesquisas relativas ao as~ecto fônico da se que as noções de sujeito gramatical e de tema não se recobrem forçosamente,
língua", é afinnada a necessidade de uma disciplina que separ~ra e estabelecerá e que as línguas empregam, cada uma delas, meios diferentes para construir a
claramente duas disciplinas diferentes, a fonética e a fonologia: predicação.
À guisa de anexo a esse último ponto, os redatores das teses esclarecem
Necessidade de distinguir o som como fato fisico objetivo, como representação,
e como elemento do sistema funcional. que a morfologia, definida como a "teoria dos sistemas das formas das palavras
e dos gmpos", não constitui uma "disciplina paralela" àquelas que acabam de
O som como fenômeno físico será, com efeito, o objeto da fonética, ser expostas (lexicologia e sintaxe), mas que ela "as atravessa, uma e outra".
enquanto o som considerado nas suas funções (trata-se, então, do fonema)
será objeto da fonologia: Terceira tese: as funções lingiiísticas. A terceira tese, intitulada
"Problemas das pesquisas sobre as línguas de diversas funções", apresenta,
(... ]as imagens acústico-motoras subjetivas não são elementos de um sistema em princípio, a noção central de função da língua que estará no centro de
lingüístico senão na medida em que elas desempenham, nesse sistema, uma todos os enfoques funciona listas ulteriores (primeiro ponto), mas apresenta
função diferenciadora de significações. O conteúdo sensorial de tais elementos igualmente um certo número de proposições sobre" a língua literária" (segundo
fonológicos é menos essencial que suas relações recíprocas no interior do ponto) e sobre "a língua poética" (terceiro ponto).
sistema (princípio estrutural do sistema fonológico).
- a. "Sobre as funções da língua".
- b. Teoria da denominação. O segundo ponto, intitulado " Pesquisas sobre Os redatores das teses formulam precisamente o princípio de base do
a palavra e o agrupamento de palavras", enfatiza os seguintes fenômenos: funcionalismo; a natureza das funções lingüísticas determina a estrutura da
A afirmação da existência da palavra como "o resultado da atividade língua:
lingüística denominadora":
O estudo de uma língua exige que se considere rigorosamente a variedade das
A lingüística que analisava a linguagem como um fato objetivado de caráter funções lingüísticas e de seus modos de realização no caso considerado. [...]É
mecânico tem amiúde negado completamente a existência da palavra, entretanto. de acordo com essas funções e com esses modos que se transformam a estrutura
do ponto de vista de sua função, a existência autônoma da palavra é algo fônica e a gramatical, e a composição lexícal da língua.
absolutamente evidente, ainda que essa existência se manifeste nas diverSaS
Hng.uas com um.a intensid~de variável e que isso seja um fato poten~ial. Pela Eles estabelecem, em seguida, um certo número de pares conceituais que
atividade denommadora, a lmguagem decompõe a realidade, quer ela seja externa estão no centro do programa funcionalista e que constituem o esboço da
ou interna, real ou abstrata, em elementos lingüisticamente apreensíveis. classificação das funções que será feita por Jakobson um pouco mais tarde:
A necessidade de praticar o que se chamaria atua lment: de ª . - A afirmação da importância da estrutura da língua: a "linguagem
"descompartimentarização das disciplinas",já que o estudo da palavra int~g~ interna" única e generalizável, contrariamente, à "linguagem manifesta":
ao mesmo tempo a dimensão sintagmática (a atividade denominadora "esta, ~s
vezes, indissociavelmente ligada à atividade sintagmática") e a ~i~:ns~o É oportuno distinguir a linguagem interna e a linguagem manifesta. Essa últíma
semântica (será preciso "ocupar-se de fatos que sobressaíam, de ordtnano, 8 não é, para a maioria dos sujeitos falantes, senão um caso particular, porque
semântica"). . eles empregam as formas lingllísticas pensando nelas mais freqüentemente que
delas falando: também é errôneo generalizar e superestimar a importância, para
- c. Si~taxe funciona l. O último ponto dessa segunda tese, intitulado '.'Teor.: a língua, do aspecto fônico absolutamente exterior, e é preciso considerar os
dos procedimentos sintagmáticos", e devido essencialmente a Mathesius, 8 fatos lingiiísticos potenciais.
da noção de predicação o centro da sintaxe:
. - Função social da linguagem. Os redatores consideram que "a linguagem
O ato sintagmático fundamental, que é ao mesmo tempo o próprio •ntelectual manifesta tem, sobretudo, uma destinação social"; a linguagem


122 • A1 Grr111du '/ 'torin1 d11 1JÍ((11í11ia1
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emocional, especificamente,
.
"tem
.
igualmente uma destinação social quande na escrita, e a linguagem descontínua (ou nllernadu, como na conversação) é
el a se propÕe suscitar no ouvinte algumas emoções (linguagem emotiva) aquela que mais se aproxima dn linguagem popular. São essas distinções e,
então é uma descarga emotiva, operada sem relação com o ouvinte". 'ou sobretudo. seus cmznmcntos que é preciso considerar para estudar a língua
literária.
~ Fu~ç~o d.e co~unicação e função p oética. No seu papel social, é
pre~1so d1strngutr a linguagem, segundo a relação que existe entre ela e a - e. "Sobre a linguagem poética"
realidade extralingüistica. Ela tem uma função de comunicação, isto é, dirigida As propostas que concernem à língua poética, que vêm, sobretudo, de
para um significado, e uma função poética, isto é, dirigida para o próprio signo. Jakobson, estabelecem todo seu trabalho ulterior e constituem os fundamentos
do que será a poética no século XX.
- M odo de manifestação escrito e oral. Os modos de manifestações Antes de tudo, a linguagem poética recebe uma definição, que a situa no
lingüísticas são: de uma parte, a manifestação oral (que se subdivide de acordo cruzamento da fala e da comunicação:
com a visibilidade / não visibilidade do sujeito falante para o ouvinte), e, de
outra parte, a manifestação escrita; em segundo lugar,_a linguagem alternada, A linguagem poética tem, do ponto de vista sincrônico, a fonna da fa la, isto é,
com interrupções e a linguagem monologada contínua. E importante determinar de um ato criador individual, que toma seu valor, de uma parte, sobre o fundo da
quais modos se associam a quais funções e em que medida. tradição poética atual (língua poética) e, de outra parte, sobre o fundo da língua
comunicativa contemporânea.
O último domínio de estudo proposto é a "dialetologia funcional", que propõe
considerar a variedade nas línguas: variedades dialetais no interior de uma Ela é, em seguida, definida por sua delimitação, isto é, sua autonomização
mesma língua, variedade das línguas especiais (isto é, Línguas de especialidade em relação aos códigos existentes ou anteriores:
técnicas, profissionais etc.), variedade das "línguas adaptadas às relações com
um meio de língua estrangeira" e variedade das "camadas lingüísticas nas Uma propriedade específica da linguagem poética é a de acentuar um elemento
cidades". de conflito e de deformação, sendo o caráter, a tendência e a escala dessa
defonnação bastante diversos. Assim, por exemplo, uma aproximação da fala
- b. "Sobre a lfngua literária" poética em direção à língua de comunicação é condicionada pela oposição à
Os redatores expõem a problemática que envolve as razões da emergência tradição poética existente[... ].
de uma "língua literária" em uma certa época e em certo contexto, língua
literária que se distingue da "língua popular". Eles explicam que "a distinção da Os redatores insistem sobre o estreito laço entre "os diferentes planos da
língua literária" é funcional: a língua literária "exprime a vida da cultura~ da língua poética", e explicam que na poesia, o ritmo, "princípio organizador",
civilização" e desse modo ela é o lugar de uma "intelectualização" devida articula-se com os elementos fonológicos, mas também morfológicos, lexicais
parcialmente, à necessidade de abstração e de formalização do pensamento, e sintáticos para produzir o verso. "Mesmo a rima não é um fato abstratamente
que se baliza sobre o plano sintático (a presença de subordinadas, por exemplo). fon~lógico", assinalam eles, insistindo sobre a mobilização de todos os planos
Ela é dotada de um certo número de propriedades: da lmgua na linguagem poética.
Mas, encontra-se, sobretudo, nessa terceira tese, um verdadeiro manifesto
"-( ... ] amplo controle (censura) dos elementos emocionais (cultura do e~ favor da consideração da forma no estudo da linguagem poética, contra os
eufemismo); metodos que consistem em descrever os conteúdos semânticos:
.- (... ] mai?r ~tilização funcional de elementos gramaticais e. lexic~is (e:
particular, lex1caltzação por grupos de palavras e delimitação mais precisa~ o índice organizador da arte, pelo qual esta se distingue das outras estruturas
funções que se traduz pela tendência a se evitar o equívoco e por unia maior semiológicas, é a direção da intenção não sobre o significado, mas sobre o
precisão dos meios de expressão); próprio signo. O índice organizador dn poesia é a intenção dirigida sobre n
c~pre~são verbal. O signo é uma dominante no sistema nrtlstico, e, quando o
- (.. .]maior abundância de normas lingOísticas sociais." historiador da literatura tomu como principal objeto de estudo nilo o signo. mns
0 que é significado, quando ele estuda a ideologia de umn obra literária como
• Acrescentando-se à distinção literária versus popular, as distinç~ segu!~f, uma entidade independente e nutônomn, ele rompe n hierarquia dos valores da
vem completar o programa de estudo: linguagem contínua (escnta ou 'ta estrutura estudada por ele.
ver~u.~ ~inguagem. desc.ontlnua (~scrita ou oral) e linguagem literária e;cr~.
ver.1~s linguagem ltterárta oral. A linguagem continua (isto é, de fato, rn°001 . g lat 2ANOÇÃO DE FUNÇÃO EM LI NGÜÍSTI CA
sem mterrupção) é o conservatório das marcas da lfngua literária, em parucu

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2. 1. Definição particular por meio de sua difusão 111assiv·i 110 c•iis·1110 .1 . I' . .1
Nos textos do Círculo de Praga, o termo função não está definido comumcnç. º ào. ' · uC 111gu,1 e ue
precisamente, mas utilizado com um sentido implícito. Se retomarmos a célebre Aos. três eleme~tos que organiza111 a comunicação segundo BOhler (mundo,
declaração da primeira tese ("a língua é um sistema de meios de expressão locutor. 111terlocuto1 ). _Jakobson acrescenta a mensagem, 0 código empregado
apropriados a um objetivo"), pode-se definir função como a tarefa atribuída a e o contato entre os mterlocutores. As seis funções que ele estabelece são
um elemento lingüístico estrutural (classe, mecanismo) para atingir um objetivo então:
no quadro da comunicação humana. .·a funç~o ~eferencial (cognitiva, para Bühler): o enunciado diz o mundo e
As interrogações sobre a identificação das funções da língua, e, portanto, realiza uma 'visada pa~a o referente" (p. 214);
sobre a natureza dessas tarefas atribuídas a esses elementos, desembocam .. - a funç~~ expressiva~ou. e~otiva: ela "visa a uma expressão direta da
sobre a criação de tipologias, que têm por objetivo descrever o funcionamento atitude do s~e1to en~ relaç~o aquilo que ele fala" (p. 214);
da língua como sistema de comunicação. A mais célebre é a classificação de - a funçao conat1va: orientada para o destinatário: o enunciado é destinado
Jakobson. Mas esta re-trabalha, de fato, a primeira tipologia funcional, proposta a agir sobre o interlocutor;
porBühler. - a função fática: o enunciado fala do contato entre o locutor e o interlocutor,
trata-se de U!f1ª mensagem que serve "essencialmente para estabelecer,
2.2. As grandes classificações prolongar ou interromper a comunicação, para verificar se o circuito funciona
K.Bühler (...],para atrair a atenção do interlocutor ou para assegurar-se de que ela não
Karl Bühler ( 1879-1963) é um psicólogo alemão que, na síntese sobre a relaxe" (p.217);
linguagem que ele publica em 1934, define três funções da linguagem (cognitiva, - a função metalingüística: o enunciado dá informações sobre a maneira
expressiva, conativa) que correspondem aos três protagonistas da comunicação pela qual ele é produzido, sobre o código no qual ele é produzido. "Cada vez
(mundo, locutor, interlocutor): que o destinatário e/ou o destinador julgam necessário verificar se eles bem
-A função cognitiva (ou função de representação do mundo) corresponde utilizam o código, o discurso é centrado sobre o código: ele perfaz uma função
à utilização da linguagem com objetivo informativo (transmissão de infonnações metalingüística (ou de glosa)" (p. 217-218);
• a função poética: o enunciado constitui uma produção que é dotada de
factuais);
um valor nele mesmo; a função poética "evidencia o lado palpável dos signos"
- A função expressiva (ou função de exteriorização) libera infonnações
sobre os estados interiores, disposições ou atitudes do locutor; (p. 218).
Jakobson esclarece que uma mensagem não se inscreve somente numa
-A função conativa (ou função apelativa) corresponde ao uso da linguagem
função, mas em várias, com uma dominante: há uma hierarquia das funções
que tem como objetivo influenciar o destinatário ou produzir efeitos pragmáticos.
nos enunciados produzidos.
N~ ª?álise de . Bühler, essas funções correspondem a fenômeno_s A primeira crítica geralmente feita à classificação de Jakobson é que cada
gramat1ca1s, em particular os modos e as pessoas. A função cognitiva passara, uma das funções não se 3:Póia forç?sam_ent~ sobre os el~m~ntos est~uturais
por exemplo, pelo empreg? d~ indicativo e da 3ª pessoa; à função express~va e_specíficos da linguagem. E, com efeito, d1fictl encontrar critér.t0s prop~1amente
co~~sp~nd.e~, antes,? subJunttvo e a 1• pessoa; a realização da função con~t1va lingüísticos para diferenciar as funções. Por exemplo, os dois enunciados "o
pnv1leg1ara o 1mperat1vo e a 2• pessoa. Para Bühler, como para os funcionahstas elemento argon é um gás raro" e "a palavra Vosmecê indica um tratamento
em geral •. ~s estrutu~as da líng_ua são explicáveis pelas funções da lín~~· • arcaico", têm exatamente a mesma estrutura e nenhuma marca lingilfstica
A cnttca que pode ser feita a essa classificação incide sobre a d1stm~ao assinala que o primeiro é referencial enquanto o segundo é mctalingíllstico. A
pouco clara entre ª_segunda e a terceira função: elas são ambas, com efeito, segunda crítica é que se encontram essas funções nos sistemas não-lingíiísticos
voltadas para o destinatário. de comunicação: elas não são específicas das línguas naturais.
R. Jakobson M. Halliday
. _Roman Jakobson ( 1896-1982) retoma e aprofunda essa classificação, . Em 1980, Miehael Halliday (nascido cm 1925) propôs, por seu turno. uma
mspi~ndo-s~ na teoria cibernética (SHANNON & WEAVER 1949) e propõe. llpologia funcional que estabelece relações entre ns estruturns grn111aticnis de
no artigo "L ··1 · ' ' 963 uma língua e suas funções. Hallidny está mnis próximo de B!lhlcr do que de
p. 209 _ ) mgu stica e poética'', dos Essais de linguistique género/ (1 '
248 um esquema de comunicação que repousa sobre seis funções. Jakobson e estabelece as três seguintes funções (retomaremos ndiante o termo
Esse esquema teve um tne1af11nções, empregado igualmente por ele):
a imensa fiortuna na segunda metade do seculo
º , vY em
/V'•
~ ~

01 nlmt11mli111101 fí111rio1111i1 . 121


121i • As Grandts ºf'tori111 da U n!,Nlilira

(Bloomfi~ld~ i:or ex~~nplo)._A~ém de seu trabalho de runclação da disciplina,


- a função ideacional que permite ao locutor exprimir, ao mesmo tempo sua contnbmçao teóttca mais 1mporlante é seu enfoque rigoroso da noção de
sua interioridade e o mundo exterior (reencontra-se, aqui, a função d~ fonema, e das relações que unem os fonemas entre si.
representação de BUhler); 3.1. Fonética e fonologia
• a função interpessoal, que permite estabelecer, manter e especificar
Para Troubctsko"i, é a questão da significação que distingue
relações entre os membros das sociedades (está-se próximo da função apelativa, fundamentalmente fonética e fo nologia:
de Bühler, e da função fática, de Jakobson);
- a função textual que permite a organização do discurso pertinente à O qu~ caracteriza p_articularrnente a fonética é que nela está absolutamente
situaçãol1. exclmda toda relaçao entre o complexo fônico estudado e sua significação
lingillstica ( 1964, p. 11 ).
Essas funções são intrínsecas (é o caso da função textual), ou extrínsecas
à linguagem (isto é, articulam-se sobre elementos extralingüísti~os e referem-
De seu lado,
se à realidade social, como na função ideacional e na função mterpessoal). A fonologia deve buscar algumas diferenças fônicas ligadas, na língua estudada,
Dessas funções deriva todo o sistema semântico de Halliday: em inglês a noção a diferenças de significação, como os elementos da diferenciação (ou marcas)
de modo deriva da função interpessoal, a de transitividade está ligada à função se comportam entre si e segundo quais regras eles podem se combinar uns com
ideacional, e a de tema à função textual. os outros para formar palavras ou frases ( 1964, p.11 ).
Essa classificação repousa sobre postulados um pouco diferentes daqueles
do Círculo de Praga, que inspiram Bühler e Jakobson. Para os lingüistas de Assim, os objetos do foneticista e do fonólogo não são os mesmos: enquanto
Praga, com efeito, duas ou mais funções podem estar presentes num mesmo o foneticista trabalha sobre "a face material dos sons da linguagem humana"
enunciado, mas apenas uma é predominante. Para Halliday, em contrapartida, (1964, p.1 1), o fonólogo observa o som na condição daquilo que realiza urna
todas as funções estão simultaneamente presentes numa frase sem prioridade função no sistema da lingua, função que está destinada a produzir sentido, na
de uma sobre as outras. Além disso, enquanto o Círculo de Praga jamais perspectiva fundamentalmente comunicacional que é aquela do Círculo de
relacionou os diferentes niveis sintáticos à tipologia das funções de Bühler, Praga. Num artigo de 1932, ele apresenta suas idéias de maneira bastante
Halliday pensa que as funções estão claramente refletidas na organização li clara:
interna da linguagem, por exemplo, no sistema de transitividade do modo e do ~
tema. ' Dito grosseiramente, a fonética pesquisa o que se pronuncia na realidade, ao
se falar uma língua, e a fonologia o que se imagina p ronunciar. ' O que se
pronuncia na realidade' muda de um momento a outro e de um indivíduo a outro
3 DESENVOLV~NTO DA FONOLOGIA: [...).Mas 'o que se imagina pronunciar' não muda (ao menos num estado dado
N.TROUBETSKOI dalíngua)(apudPARlENTE, 1969, p. 149).
Nesse mesmo movimento, as duas disciplinas não terão mais a mesma
As teses de Praga, nas quais Nikolai' Troubetskoi' ( 1980-1938) teve papel ~ natureza. Troubetsko"i assinala que a fonética, que Saussure, aliás, concebia
preponderante, assinalam o rápido desenvolvimento da fonologia P!agueana, inJ-
em particular, por meio da Conferência Internacional de Fonologia (Praga~ ft
como "ciência natural'', é "individualista", na medida em que ela observa
1930), que será seguida de outras manifestações internacionais. Troubetsk?1 ~i p:oduções reais e, portanto, marcadas pelas especificidades de sua produção;
aparece como aquele que permitiu a instauração e a sintetização da fonologia Ja a fonologia, porque trabalha sobre os princípios que, na estrntura da língua,
como disciplina, a partir das idéias fundadoras de Saussure no CLG. S~us
Princípi~s de Fonologia (Príncipes de phonologie) (1939, obra traduzida
em frances em 1949) constituem uma síntese da fonologia do Círculo de Praga.
Os trabalhos de Troubetskoi· permitiram igualmente dar à fonologia uma base
'
:!.
"I
ri ,/
regem a produção dos sentidos, é "universalista":
A fonética, índívídualista e atomista por sua natureza, estuda os fenômenos
fônícos ísolados; a fonologia, uníversalisla por sun natureza, parte do sistema
como um todo orgânico do qual ela estuda a estrutura (ibid. p. 150).
· ·
mternac1onal_, não somente na Europa, onde trabalhava a nova geraç.ão ·co da l~
~
época (Martmet, Gougenheim), mas também do outro lado do Atlanu 3.2. Os fon em as e s uas relações
A definição do fonem a
"fun~ão
37 Na primeira versão de sua tipologia ( 1975), Halliday falava de uma
de uma "função
erienc ial"nae
expseguida,
lógica" (a organização de informações), as quais ele reuniu, em t; Troubetsko"i dá ao fonema sua definição mnis estável, que será retomada
ern Ioda a fonologia moderna. No CLG, Saussure define o fonema como a


"função ideacional".
'
128 • •.. 1, r:m111/r1 ., ~;1iH ''" I .i1{~1tt'.rliM

01 tJfml11rnlis11101 fimrio11aiJ e 129

soma de i·mpress ões act'tst


. ..icas
e
e articulatórias,
.
da unidade
• éentendida e da unidade
falada. É ~ma definição "natural" do fo.n ema, isto . , que repousa ~obre
o pl~no do,s:ntido não seria pertinente. Fala-se então de oposição não-distintiva.
observações de ordem flsica e não funcional. Depois .dei~, .Baudoum de
"O inventa'.'º dos.fonemas de uma língua não é, propriamente falando, senão
Cotnienay (fonólogo russo) coloca o problema em tennos ps1colo~1cos: o fonema
um corolárro do s1ste'!1a dessas oposições fonológicas", ressalta Troubetskor
é a imagem psíquica do som, e ele d~ve~ se~ estudado s.ob. o .angul? ~e suas (1964: 69). Isso querd~z:rque o sistema fonológico de uma língua está fundado
funções lingüísticas. Isso implica a ex1st~nc1a ~~duas d1sc1plmas dtstmtas: a sobre relaç~es de opos1çao entre os fonemas, e não sobre sua simples descrição,
fisiofonética para o estudo do som e a ps1cofonet1~a .Pª~ª o estudo do fonema. o que levaria a adotar uma perspectiva fonética.
Troubetskol formulará mais rigorosamente essa d1stmçao entre som e fonema Troubetskor define dois tipos de oposição fonológica, a correlação e a
38
e dela fará a base de seus princípios de fonologia : disjunção. A oposição que se inscreve na correlação opõe pares de fonemas
A fonética atual se propõe estudar os fatores materiais d~s sons da fa~a humana:
que possuem ou não a propriedade de sonoridade (traço devido à vibração das
sejam as vibrações do ar que lhes corresponde, sejam as posições e os cordas vocais). Assim, em português, opõem-se, por exemplo, /pi e /b/, /ti e /d/
movimentos dos órgãos que os produzem. Por outro lad~, o q~e quer estudar a , /k/ e /g/, os primeiros não possuem os traços de sonoridade (são consoantes
fonologia atual não são os sons, mas os fonei:nas, isto. e,. ,os elementos surdas ou "desvozeadas") e os segundos o possuem (são consoantes sonoras
constitutivos do significante lingüístico, elementos mcorpora1s,Ja que o próprio ou "vozeadas"). Quanto à oposição derivada da disjunção concerne a pares de
significante é incorporal (de acordo com Saussure) (1932; apud PARIENTE, fonemas que se opõem sem formar um par de correlações: por exemplo, os
1969, p.148). fonemas /a/ e /u/, ou /p/ e /li, são disjuntos, pois eles não se opõem a partir de
um traço particular.
O fonema é definido nos Princípios de Fonologia (1939) como "unidade
fonológica que, do ponto de vista de uma língua dada, não se deixa analisar em A neutralização das oposições. Um dos princípios fundamentais do
unidades fonológicas ainda menores e sucessivas" (p. 37). É "a menor unidade sistema fonológico é a neutralização das oposições. Essa neutralização pode
fonológica da língua estudada" (p.37 -38) e trata-se de um "conceito antes de ser um fato de estrutura: cada língua utiliza incompletamente o sistema de
tudo funcional" ( 1964, p. 49). oposições, o que reduz as possibilidades de emprego de alguns fonemas.
Não há correspondência necessária entre os sons e os fonemas. Podem Troubetskor oferece um exemplo desse tipo de neutralização a partir da
existir vários sons que sejam a realização de um mesmo fonema: fala-se então comparação dos fonemas /ng/ e /ri em uma língua falada na. Mandach~ria e
de variante. Por exemplo, no português do Brasil existem maneiras diferentes em alemão: enquanto /ng/ é empregado em todas as posições na Imgua
de pronunciar o fone~a /t/, que são assinaladas por signos fonéticos diferentes, mandachuriana (inicial, interior da palavra, final), não existe senão em final e
uma vez que sons diferentes são produzidos: o /t/ oclusivo alveolar cuja no interior da palavra em alemã~; inve~s~~ente, t;t é empregado em. t?das as
posições em alemão, mas não existe na 1mc1al na lmgua da Mandachuna. Isso
trans,7~i~~o é [t] (ex: "tapa"); o/~ a~icado alveopalatal, cuja notação é [tj]
quer dizer que nas posições nas quais o fonema é imp~ssível, não há oposição
(ex: tia no falar do sudeste bras1le1ro) etc. Diz-se, então, que [t] e (tj] são
vanantes do fonema /t/. distintiva possível com um outro fonema. Portanto, o sistema fonológico geral
dos fonemas é superposto por um sist~ma pa~cial específi.co a uma língua.
As relações entre fonemas Mas há neutralizações contextuais, devidas ao ambiente fonológico de
a~guns fonemas. A neutralização dissimilativa (ou dissimilação) implica a
A oposição f onológica distintiva. A função lingüística dos fonemas diferenciação de dois fonemas idênticos ou que possuem um traço comum se
manifesta-se no quadro geral da oposição fonológica distintiva: trata-se d~ w:1ª ele~ e.stão na mesma vizinhança imediata. A neutralização assimilativa (ou
"diferença fônica suscetível de servir, numa língua dada, para a diferenc1açao ass1m1lação) implica a modificação de um fonema no contato com outro fonema
das significações intelectuais" ( 1964, p. 148). Por exemplo, no portug~~s do lend~ ambos traços articulatórios comuns. Em português do Brasil, por exemplo'
Brasil, pode-se falar de oposição distintiva entre os fonemas /p/ e /b/ Jª que ~s .fncativas /s/ e / • / são distintivas em palavras como "cansa" e "cancha"'
eles servem para distinguir as seqüências de sons [pa] e [ba], e, portanto.• as (~1ss~" e "nicho"; entretanto, há certas posições em que elas não contrasta '
palavras pato e bato que possuem significações diferentes. Em contrapartida, ""epo1s de vogal, em final de sílaba e de palavra) e assim palav m
[~•esta" ou " casas", tanto podem rea1. ' casa •• ]
.rzar-se como (fe • ta· ras como
uma oposição entre dois fonemas que não tivesse essa função distintiva sobre nesta; .casaS]. Nessas posições, portanto, o contras.te ent /~anto como
P:~trahzado e esses fonemas , nessas posições, não disf re s e I • I foi
38 Precisemos que N. Troubetskor, de um certo modo, respira 0 ar de seu tempo, uma vez qu~; f' avras. tnguem pares de
na mesma época e sem relação com a Europa, o linguista e antropólogo americano E. Sapt ~
formula também essa distinção.
...
~
UO • / IJ Gr"'ult1 Troriru da l i1(~H1'.rtil11
( ' ' rJ/ml1m1/11mo1 /mttUJN11Ü • Ut

Os grupos de fonemas. Os Princípios de Fonologia contêm um e Sem nd!nitir_esse clcmc1110 lclcológicu, é irnposslvel explicar a evolução
das características das vogais e das consoantes que detalharemos mais a/ªtne
1 fonológ!ca._l:ss~1 cv~luc;ílo lcm, portu~1lo, um sentido, uma lógica interna, que a
no tópico que se refere ao trabalho de Martinet sobre o sistema do fira ªº!e, fonolog1u h1stóncn é 111stadu 11 cv1dcnc1ar ( 1932, upud PARIENTE, 1969, p. 163).
. T b k .. dº .
Concentrar-nos-emos, aqui, no que rou ets 01 1z a respeito das leis gOCês. ·
que regem os grupos de fonemas (dito de outro modo, suas combinaçõ:~is o ponto de vista teleológico de Troubetsko"i implica que as mudanças
dos métodos adequados para estudá-los. e fonéticas e fonológicas não sejam _fenômenos isolaqos, mas organizados tendo
Se cada língua possui leis que re~em_ o grupo de seus _f?nemas, existe cm vista um fi m, que é ~ harmonia dos sistemas. E uma critica implícita das
entretanto, um tipo de combinação que e umversal_mente admitido (e, portanto' posições dos neograrnáttcos, mas também daquelas de Saussure, a quem os
possível em todas as línguas do mundo): a con:ibmação fonema consonantal: pragueanos reprovam o privilégio atribuído à s inc~o.nia. A afirma?ão dessa
fonema vocálico. Uma das tarefas da fono logia será a descrição do sistema tendência do sistema para um fim será ela mesma criticada, em particular por
dessa combinação, que é específico para cada língu~ , segundo um método que Martinet, que nela verá uma posição afetiva demais e pouco científic~..
Troubetskoi" detalha nos Princípios de Fonolog1a e que repousa sobre a Para finalizar, deixaremos o próprio Troubetsko"i resumir suas contnbu1ções
consideração, de um ponto de vista fonológico, de uma "unidade de quadro" à linguística do século XX:
mais ampla que é o morfema ou a palavra. O fonólogo estudará, com efeito, as
combinações de fonemas no interior de uma unidade significante Resumindo tudo o que acaba de ser dito, nós constatamos que, como
(contrariamente, ao fonema isolado, que, lembremo-lo, não porta significação), movimento científico, a fonologia atual é caracterizada, sobretudo, por seu
estruturalismo e seu universalismo sistemático. Esse traço a distingue
em virtude do principio fundador da fonologia que é o de considerar a radicalmente das escolas lingilísticas anteriores, individualistas e atomistas
"significação intelectual" do sistema fonológico de uma língua: por excelência. [...) A época na qual vivemos é caracterizada pela tendência de
todas as disciplinas científicas a substituir o atomismo pelo estruturalismo e o
Evidentemente, dever-se-á examinar separadamente, de um lado, as posições individualismo pelo universalismo (no sentido filosófico desses termos,
no interior das unidades de quadro em questão (inicial, interior da palavra, evidentemente)(ibid. p.164).
final), e, de outro, as três formas fundamentais dos grupos de fonemas (grupos
de fonemas vocálicos, grupos de fonemas consonantais, grupos de fonemas
vocálicos e consonantais) ( 1964, p. 272). 4 L. HJELMSLEV: A GLOSSEMÁTICA
Esse programa induz, em seguida, a exposição de um método: 4.1. Situação
O método que deve ser empregado no estudo dessas formas de grupos Por seus primeiros trabalhos (Études Baltes, 1932), Louis Hjelmslev ( 1899-
fonemáticos decorre, com uma lógica inelutável, das questões que esse estudo 1965) liga-se à tradição da lingüística histórica dinamarquesa (Rask, Thomsen,
deve responder. Deve-se, em princípio, investigar quais fonemas podem se Jespersen). Entre os anos de 1926-1927, o lingüista familiarizou-se com o
agrupar na posição em questão e quais fonemas excluem-se reciprocamente. princípio da lingüística geral, na sua proximidade com Meillet e com Vendryes,
Em seguida, deve-se estabelecer em qual ordem de sucessão esses fonemas se sendo essa influência sensível nos Príncipes de Grammaire générale ( 1928)
encontram um ao lado do outro na posição referida. E, em terceiro lugar, deve- e na Catégorie du cas (1935-1937). Mas o nome e a obra de Hjelmslev
se também indicar o número de cada grupo de fonemas admitidos na posição
em questão (ibid. p. 272) ~nnanecem ligados à co-fundação, em 1931 (com H. Uldall), do Círculo
Lingüístico de Copenhague: On the principies ofphonematics ( 1935) constitui
A evolução fonológica uma resposta crítica aos trabalhos do Circulo Linguístico de Praga. A partir de
Como membro do Círculo de Praga, TroubetskoY partilha a convicção de 1939, Hjelmslev dirige a revista Acta linguística previamente fundada por V.
que, no estudo do sistema de uma língua, é preciso articular estreitamente as Brondal. As pesquisas conduzidas por Hjelmslev, no começo dos anos 40,
perspectivas sincrônica e diacrônica. Essa convicção é derivada do fato ~e am~durecem uma conceituação fortemente marcada pela ambição teórica,
que sua fonologia integra a dimensão histórica. O sistema fonológico evolui e ~sim como o atestam os Prolégomênes à une science du langage ( 1943).
TroubetskoY exprime posições fortes (e que serão contestadas) sobreª razão _gualmente redigido em 1943, mas publicado em 1963, le langage - que
da evolução fonológica de um sistema: :~tr~~ o problema diacrônico - desenvolve a tese segundo a qual as mudanças
inguisticas não seriam devidas nem à necessidade das leis fonéticas (tese
Sendo tudo até certo ponto determinado pelas leis da estrutura geral_- e~: ~ogra~ática), nem a causas sociais (ponto de vista defendido por Meillet)
exclue~ algumas combinações, favorecendo outras-, a evolução do sistti
fonológico, a cada momento dado, está dirigida pela tendência para um 101· reasseriam principalmente imputáveis à modificação das relações lógicas qu~
&em a economia dos elementos de um mesmo sistema.

~ ..... .......
Ul • .l'lt (:runtltJ 'l fafi,u dt1 I Í11)..Wlll1M Os ts/f'M/11rali.r111os jN11rio11ai1 • W

A questão do sentido .
4.2. A in terpretação do CLG
Desde 1935. Hjcltnslev, numa definição que lembra a caracterização A anál ise da forma l~ngü í st i ca dá lugar a duas conceituações
complementares. Para. c~nce1tua.r a forma do conteúdo, Hjelmslev observa
negativa da lingüística de Saussure, indica que a "verdadeira lingüística"
e toda língua constitui um pnsma formal que opera um certo recorte da
deve tentar apreender a lingua não como um conglomerado de fenómenos não qt~lidade (isto é, da substância). O exemplo da delimitação do espectro das
lingüísticos (por exemplo, ílsico, fisiológico, psicológico, social) mas como re es em diversos idiomas
cor . é emblemático
. . . da . pertinência dessa tese. Se a
uma totalidade que se basta a si própria, uma estrutura sui generis ( 1935, p. 2). d'15criminação perceptiva constitui uma mvanante da espécie humana, resta
e os diferentes idiomas (ligados às diferentes culturas) conceitualizam de
A axiomatização quaneira específica a diversidade cromática. Um outro exemplo, emprestado
A teoria esboçada por Hjelmslev desenvolver-se-á como uma ~ um domínio prático, mostra essa mesma "ausência de concordância no
axiomatização das principais concepções do CLG. A análise da língua é aquela ·~erior de uma mesma zona de sentidos'', assim ocorre no caso das "seguintes
de um conjunto de funções (no sentido matemático), isto é, de relações entre ~rrespondências entre o dinamarquês, o alemão e o francês" (1971, p. 72)39:
diferentes variáveis do mesmo processo:
Francês Alemão Di11amarq11és
Deve-se afirmar que cada processo pode ser analisado num número limitado de
elementos que entram constantemente nas diferentes combinações [... ). Arbre Baum trae
Baseando-se nessa análise, deveria ser possível arranjar esses elementos em Bois Holz
classes, segundo suas possibilidades de combinação. E deveria, além disso,
ser possível fazer um levantamento geral e exaustivo das combinações possíveis
(ibid.). Wald skov
Forêt
Hjelmslev distingue três tipos de funções: as relações de interd~p:ndê_?ci~
(um termo pressupõe o outro), de determinação (a pressupos1çao n.a~ . e O tema da configuração da realidade pelas restrições cognitivas que lhe
recíproca), de constelação (trata-se de dependências mais livres). A 1de1a impõe a forma das línguas invoca diretamente a hipótese Sapir-Whorf. O sentido
primeira é, portanto, que os elementos implicados num sistema definem uma (ou a "matéria") constitui "uma entidade definida pelo fato de que ela contrai
estrutura. O objetivo da análise lingüística consiste então em interpretar toda uma função com o princípio estrutural da língua e com todos os fatores que
formação de signos como uma manifestação do sistema: fazem com que as línguas sejam diferentes umas das outras'', de modo que "a
fonna é projetada. sobre a matéria como uma rede aberta lança sua sombra
Partes coordenadas que procedem de uma análise única de um todo, dependem sobre uma superficie não dividida que se en~ontra sob ela". Segundo Hjelmslev,
de uma maneira reciprocamente uniforme desse todo (ibid.p. 17).
a forma do conteúdo é composta por unidades menores, os pleremas
Esquema/uso; conteúdo/expressão (equivalentes dos semas da semântica componencial). Aforma da expressão
Na perspectiva dos Prolegômenos, a divisão saussureana língua/fala é é composta, igualmente, por unidades elementares, os ceremas (análogos aos
reinterpretada sob a ótica da oposição esquema/uso. Hjelmslev organiza essa fone~~s ). As relações funcionais que se estabelecem entre ceremas e pleremas
distinção nela introduzindo um terceiro termo: a norma, concebida como COnd1c1onam a produção dos glossemas. A glossemática. oc~pa-se, en~o, do
generalização coletiva do uso. Essa tripartição sugere uma nova concepção da estudo das variações da relação estrutural que esses dois tipos de umdades
constituiç.âo .de .um idioma (no sentido: norma/ uso/esquema). Por outro lado. . erem - estudo tornado possível pela determinação de uma meta1·mgua
entr
um dos ~nnc1pa1s enunciados teóricos do CLG (segundo 0 qual "a língua elabo_ra ngorosa.
suas u01dades constituindo-as entre duas massas amorfas[.. .) essa combin.açao
P!' 11duz uma f~nna, não uma substância") conduz a um re-exame da teori.a do
0
~ 3 · ~s objetivos da teoria
~~~ ?· ~ara l-IJehn.sl~v, o signo constitui uma função com duas variáveis (o que op~oria da linguagem é concebida nos termos de "uma álgebra da língua,
sigmlicado, redefm1do como conteúdo, e o significante. redefinido como ra com entidades sem nome, isto é, com entidades arbitrariamente
expressão). Nessa perspectiva, a "fom1a" lingüística é concebida sob o mod?,
de uma rede de relações determinadas entre as ''peças do jogo de xadrez
(lembramos que a comparação é de Saussure).
39----
PalaN.T. Emd P<>rtuguês, respectivamente árvore, madeira, floresta. O autor chama a atenção
o fato
'~istein ª""e que, enquanto em francês há três pa.lavras para esses significados, em dinamarquSs
.. ~nas duas.
j
...-

1.w • Ai Gmndt1 Ttt1rir1.r dt1 1J11g11í1tir.J

nomeadas e que não têm designação natural". Abstrata em seu princípio, a


teoria deve ser independente de toda experiência; com efeito, "os fatos Capítulo 7
experimentais jamais podem reforçar a própria teoria, mas somente sua
aplicabilidade" ; enfim, a teoria distingue-se pela sua qualidade essencialmente
predictiva: uma vez que ela "deve servir para descrever e para predizer[...] As Teorias Funcionalistas
qualquer texto composto em qualquer língua", ela é suscetível de uma aplicação
"a línguas que talvez jamais sejam realizadas e das quais algumas talvez jamais
se realizarão". 1 UM A GENE RALIZAÇÃO FRANCESA: A. MARTINET
Uma forte vontade de formalização caracteriza, portanto, a glossemática. 1.1 O Pensamento Funcionalista
O modelo exercerá uma influência notável sobre os desenvolvimentos da
. O pensamento fun~ionalista de André Martinet ( J908-1999) situa-se na
semiótica européia e norte-americana. Na França, igualmente, ela suscitará o
hnha. direta do est~turahsmo europeu elaborado por Saussure e, na perspectiva
funcionalismo de Martinet, e será uma das maiores referências teóricas da func1onal, pelo Circulo de Praga, em particular, através dos trabalhos de
Escola de Paris. Partindo de Hjelmslev, dos trabalhos dos formalistas russos Troubetskoi'. Martinet começou com pesquisas sobre o indo-europeu e a
do Circulo de Moscou e do Círculo de São Petersburgo, como também da fonologia, depois estendeu seu trabalho à lingüística geral. Apesar de ele não
lógica formal de F. Reichenbach, A. J. Greimas exporá os princíp ios de uma ter proposto um modelo de lingüística geral (como o de Chomsky, por exemplo),
Semântica Estrutural ( 1969) capaz de integrar os diferentes níveis da análise o conjunto de seus trabalhos constitui uma teoria no quadro de uma lingüística
semiolingüística (desde a análise sêmica até o estudo das estruturas narrativas). funcional. Sua obra mais conhecida intitula-se Élemenls de linguislique
générale. Sem ser universalista, sua perspectiva é verdadeiramente generalista,
e apóia-se em uma retlexão constante sobre a diversidade das línguas, levando
em consideração as diferenças entre línguas. Martinet quis praticar uma
BIBLIOGRAFIA
lingüística definitivamente objetiva (recusando apoiar-se em um sentimento
lingüístico, ou na intuição psicologista) e escapando ao formalismo, isto é, ao
JAKOBSON, R. Essais de 1.inguistique génér ale, tomo 1. Paris: Minuit, dogmatismo. Sua exigência primeira é desenvolver uma descrição correta da
1963. realidade dos fenômenos linguageiros. O princípio teórico de base da lingüística
HJELMSLEV, L. Essais linguistiques. Paris: Mi nu it, 1971 [Ensaios de Martinet é sua definição de língua como "instrumento de comunicação
lingüísticos. Sã<?, Paulo: Perspectiva]. duplamente articulado e de manifestação vocal" ( 1991, p. 20). A partir de
TROUBETSKOI,, N. Principes de phonologie. Paris: Klincksieck, 1964. então, ele elabora os conceitos que constituirão o centro de suas proposições
TROUBETSKOI, N. "La phonologie actuelle". ln: Pari ente, 1969, p. 143-164 lingüísticas.
(Viena,julho de 1932)
TESES DE PRAGA, 1929. ln: unil.ch/slav/ling/textes29.html 1.2 Os C onceitos-C have

A Função
Em uma obra de 1989, Fonc1io11 el dynamique des langues, Martinet
apresenta uma definição sintética do sentido que ele dá à perspectiva funcional
de seus trabalhos:
O termo "funcional" é empregado em seu sentido mnis corrente e implica que
os enunciados Jinguageiros são analisados cm rcferêncin i\ maneirn como eles
contribuem parn o processo de conrnnicnçilo. A escolhn do ponto de vista
funcional derivu dn convicção de que lodn pesquisn cientílicn se funda no
estabclccime~ito de umn pertinénciu e que é es.snye!·linênc~n comunicativa que
melhor permite compreender a nall.m:~n ~ n d11rnn11c11 dn linguagem. Todos os
traços lingungciros serão, cntilo, pnontnnnmente, nprccndiclos e classificados
em referência no papel que desempenham nn comunicnçilo da infom1ação ( 1989
~~ .
..,

1.1<> •
1t C. f'.1•1/t't I ~n.1t :L1 I 111,.i:.111111;.1

.l'ÍJ /~fU! ./• ... 'l: !f•· !:~1 • "'

Essa detiniçào. que_ se situa clara1!1e~~~ ~o legado d~ escola de Praga,


repousa sobre uma noçao central da hngu1sttca de Martmet: a pertinência , 111,111lkndu de "ir" c111 opo'>içi'lo ao c;ignificado de outra fo rma verbal (por
comunicativa. 1~x 1·111plo, r 11111i') .
pri111cir:s ar1i c11laçilo só é pos<>ívcl porque os monemas são. eles
1'.1.o;11

A Pertinência Comunicativa 111c""'"" co11'>1i1uído'i da !>uccc;c;ão de unidades menores. não portadoras de


Para. Martinet, a pertinência comunicativa constitui um ponto de vista sobre si).11tilk 11do, o o; l(mcma!>: cS!>cc; constituem a segunda articulação.
0 objeto. uma maneira de apreendê-lo. Será considerado como pertinente sob S1•1:11111/a Articula('tio: Enquanto a lista dos monemas de uma língua é
o ângulo comunicativo todo objeto (estrutura formal, unidade) que tem por nhcrla (pois toda língu;1está cm constante evolução). a dos fonemas é fechada
função desencadear uma informação: e co11s1i111i um sistema, como mostrou Troubctsko"i. Assim. no exemplo ele mi
Cada ciência é caracterizada menos pela escolha dos objetos que pela escolha
ti 1·açt1, o moncma caça é constituído de quatro unidades da segunda articulação
de certas características desses objetos. Cada ciência se funda em uma /kasa/.
peninência. Na lingüística funcional, estimamos que a pertinência é a pertinência /\dupla articulação permite uma cx1raordin:'1ria q11an1idadc de mensagens
comunicativa ( 1989. p. 37) posslvcis, uma vez que o sistema fõnico. muito econômico (39 sons atualmente
no alfohcto fonético do francês'"). pcrmile formar milhares de moncmas. que
Martinet privilegia, então, a função mais englobante, aquela que acentua a silo combinúveis cm um número infini10 de enunciados.
troca verbal entre os protagonistas da comunicação e não somente sobre um
elemento do processo de comunicação. Ele distingue dois tipos de pertinência: 1.3 Um a ling üística geral funci onal
a pertinência distintiva (dos fonemas), e a pertinência significativa (dos monemas, partir desses princípios. ~lani ncl organiza os componentes da lingüística
Â
noção nova em lingüística que ele introduz no quadro de uma outra noção, a de <la seguinte maneira:
dupla articulação).
A fonol ogia ou fonem á tica
Estuda os fonemns. a entonação. os tons I! o lugnr do acento. Martinet
A dupla articulação: fonemas e monemas assim a define:
A dupla articulação é um traço distintivo da linguagem humana. As lín~as
humanas são, com efeito, construídas sobre uma codificação em dois estág10s, A fonologia i: o estudo da forma o~ginal com que cm/11 lí11.~1~a utiliza os recursos
fônicos para assegurar a comunicação ~ntre seus u_suanos. ~ntre todas as
e "cada uma das unidades que resultam de uma primeira articulação está, atitudes articulatórias. ela retém um certo numero suscellvel de rcahzar produções
portanto, articulada, por sua vez, a unidades de um outro tipo" ( 1991, p. 13). acusticnmentc bem idcntificâveis. São elas que os locutores utilizam para
curactcriznr. opondo umas às outras. as diversas unidades significativas e
Primeira Articulação: A primeira articulação faz combinar entre si as estabelecer os contrastes entre aquelas que se sucedem na cadeia falada. ( 1989.
unidades mínimas significativas, de maneira que ordena "a experiência comum p. 112).
a todos os membros de uma comunidade lingüística" ( 1991, p 14). Ao m~smo A moncmática
tempo, a infinita possibilidade de combinação dá a cada locutor a capacidade . Estuda os monemas. estabelecen~o .º inv7ntário dos monemas de uma
de produzir enunciados únicos. hngua e distinguindo os monemas lex1ca1s (objetos de uma lexicologia) e
Essas unidades da primeira articulação possuem um sign ificad~ e uma ~onemas gramaticais (o_b~etos d~ u'!1a gramática). Em nosso exemplo, ele v~~
forma vocal, são signos com duas faces, um significante e um significado. ª. ca5·a, o segmento 1w e const1tu1do de um monema lexical {portador d0
Martinet os denomina monemas (e emprega também signo como equivalente). s1gn1ftcado do verbo ir) e de um monema gramatical (portador de
de flexão verbal). uma marca
Ele utiliza essa noção para definir as unidades ou estruturas que possuem um~
pertinência comunicativa, considerando que a noção de morfema .º~º e sintemática
A
operatória. O monema não é necessariamente um segmento linguageiro distinto Estuda os sintemas (isto é, as palavras compostas e d ·
que teria um significado estável mas pode ser por exemplo uma diferença de fonnação. Martinet denomina sinrema um segme en~adas) e seu modo
.' aparente entre
fiorm~ 1· Se, no exemplo ele vai à 'caça há uma correspondência
' ue --- nto e enunciado que
as untda~es e os segmentos linguageiros, não podemos dizer, entret~t~~::Oa 40
NT: O alfabeto fonético do ponuguês é co mpost
ele tem cmco monemas. Na forma vai, Martinet supõe dois monemas. ª. e 0 5UJ>rassegmentnl. o por 33 fonemas. alé
" presente em oposição às formas de outros tempos (por exemplo, foi), m do fonema
..........._
~

comporta vários monemas lexicais combinados entre si; sendo o fenômeno da ,•Js lnuiur jimrin1111/il/111 • IJ?
combinação da ordem do sintático, ele é denominado como sintema. Por
exemplo, a palavra incompreensível comporta três monemas (o prefixo in-, r\ tilinçiin <k Mnthcsins 110 qne conccrn. ' ., 1111 1 . . .
ecl~~~·) ~ ti ca l1~nc1onnl é ~obrctudo
sufixo ível-, e a base compreens-) e constitui um sintema. 0 :mglt.'·snxônica: autot"l:S como Dik ( 1989 1 1 1
ocy& VanVal111
A sintaxe IIli 11 ·1
t<H) ' (t<)7 ') •K (I''' .
·' c uno :1S7) elaboram gra111útic·ts • r1 ·

· (1984)
.· · '
Como os trnbalhos de Halliday estão entre os mais ;1 ~u~~:~< ~~t~mc'.i~c l~11~c10~1ius.
Ela tem por tarefa estudar as relações de dependência dos monemas e as cm particular porque eles cobrem também o c·1m1Jo cio tc)s<t s edm.111~ chlund1dos,
funções que eles assumem em um dado enunciado. .• ' d ~1 . ' ·· x o e o< 1scurso, eles
s1.:n10 os mo e os q11c 11prcscntarcmos aqui como exemplo.
Esses quatro domínios constituem disciplinas autônomas, mas Martinet 2.1 O modelo sistêmico-funcional
lhes acrescenta duas disciplinas transversais: a morfologia e a axiologia.
A morfologia Uma abordagem sócio-funcional
Podemo? ~ua.lifi~ar o trabalho de Halliday (nascido em 1925) como
. C?nsti~i-se do estudo do conjunto das marcas formais não pertinentes da aborda~em soc10-hmc1onal da linguagem. Uma elas linhas centrais de sua obra
pnme1ra articulação e suas condições de aparição. "Eu designo como 'a está na mcoiyoração _da dimensão social à lingüística.
morfologia' o estudo das anomalias formais", declara Martinet (1989, p. 35). S_e Hallt~ay se situa .claramente na linha do funci onalismo de Praga e do
As diferenças formais que não marcam a função da comunicação são numerosas fmnces Martmet, ele se mspira também nos trabalhos da Escola de Londres
em línguas como o francês e o português: certas marcas de gênero para os (em particular, Malinovski e Firth) e de Copenhague (Hjelmslev). Seu interesse
objetos inanimados (que mesa seja feminino e sofá masculino, em português, por Malinovski, antropólogo especialista da Polinésia, para quem a linguagem é
não contribui para a comunicação, tanto é que em outras línguas os gêneros inteiramente dependente da cultura, explica a força com que afirma a ligação
dessas palavras podem ser diferentes), certas modificações de formas da base entre as estruturas sociais e linguageiras:
segundo a derivação (a diferença entre saber e sapiente não é pertinente).
A linguagem não é somente uma parle do processo social - ela é também uma
A axiologia expressão; e isto porque ela está organizada de uma maneira que foz ao mesmo
tempo uma metáfora do processo social (STEELE; THREADGOLD, 1987, p.
Estuda o valor significativo dos monemas, isto é, os traços constitutivos do 604).
significado (ou seja, os semas) dos monemas lexicais e gramaticais, bem como
Mas não se trata de uma simples teoria do reflexo. A articulação entre os
os efeitos de significado que as funções sintáticas podem produzir. Martinet dados sociais e as formas lingüísticas faz-se graças ao que Halliday denomina
distingue a axiologia da semântica: "a axiologia é, então, o estudo dos valores metafunçôes (ideacional, interpessoal, textual)._ As metafun?ões são para ele
significativos que se opõem" ( 1989, p. 36).
uma tentativa teórica de relacionar as formas internas da linguagem e suas
utilizações nos contextos da vida social:
2 UMA GRAMÁTICA FUNCIONAL: M. llALLIDAY
As metafunções são os conceitos teóricos que ~os permitem compr~ender a
os princípios de uma gramática funcional estão presentes desde 1909 nos interface entre a linguagem e o que está fora da lmguagem - e é essa 111terface
ensinamentos de Mathesius e estão expostos nas teses de Praga. A idéia ~entrai que modelou a forma da gramática (ibid. p. 608).
é de que a forma é subordinada à função. Mathesius propôs um modelo umversal
. Halliday explica em outros termos que as i:netafunções são o que permite
não apriorístico, fundado sobre a evidência de dois atos func ionais: o ato de sair do sistema para ir ao texto: a noção de sistema está no coração de sua
nomear (lhe naming act) e o ato de formar os enunciados sintagrnáticos (the lingüística (é por isso que ele fa la de um modelo sistêmico-funcional), e a
syntagmalíc utterance forming act). As noções de nome (name) e de definição que ele apresenta articula-se com aquela de estrutura.
enunciado (utterance) relacionam-se à função; considerando o que os locutores
produzem efetiva!llente, Mathesius falará sobretudo de palavra (word) e de Sistema e estrutura
frase (sentence). E a partir da relação entre nome e enunciado de um lado, e A dimensão paradigmática. Embo~a ao fi nal ~os anos 60 os lingüistas
pala~ra e frase de outro, que Mathesius estabelece os princípios da gramática tenh~m concentrado seu interesse no fu~cton~mento smtagmático da gramática,
fu~c1ona.J. Se as categorias funcionais (nomear, produz ir enunciados) sã~ 'Halltday assinala sua dimensão parad1gn~átic?. Ele r;~erva o termo estrutura
ª?s modelos de combinações em torno do eixo smtagmat1co e opta por deno ·
un1versa1s, o aspecto formal da linguagem (palavras e construção de frases) e
específico: cada língua efetua os atos funcionais de maneira específica. sistema o conjunto de possibilidades de escolha do locutor no eixo paradigm~~~~~~
1 ~
fr l tmt.11 /11nt1111111/111,11 • 111
140 • As Gm11drs ·1~01ins dt1 ,-;;;;;;;11ir,,

de escolho (C'lwice ,l.!1"<1111111m·). Mas o principio nílo se resume ;"i simrlcs


Esse co~junto constitui uma gigantesca rede (network). Halliday descreve possibilid:td~ de .umn c.:~colhn pdo locutor.·"' hipótese.: sobre a qual repousa a
com muita clareza a relação que existe entre estrutura e sistema: visão probnbilisltcn da hngungc.:m para l lall1day é que a escolha. consciente ou
não, produto da vontade.: 011 dc.:tc.:rminadn pdo contexto e a cu ltura, implica o
Eu encontrei ao longo de meu trabalho uma maneira eficaz de reconciliar essa sentido. O pc.:n:urso da milc.: na rc~h.: scnHintica dn disdplina nada tem de
distinção sistema-estrutura de maneira a poder representar o conjunto do sistema ~rbitr:\rio. produz um sc.:ntido. e diz respeito a um comportamento ling!ifstico, o
(no sentido hjemsleviano) inteiramente em termos paradigmáticos como uma que reflete n dimensão social da scmilnticn:
série de redes sistêmicas, que são formalmente equivalentes a uma enorme rede
sistêmica. ( ...)A estrutura altera neste caso a maneira que as escolhas sistémicas As escolhas semânticas estilo relacionadas, como implica a noção de rede, ás
são realizadas. (ibid. p. 605). escolhas léxico-gramaticais. O componente l<1111eaçal da rede da mãe pode ser
sub-clnssificndo, e aparecerem então ns escolhas perfeitamente delicadas
Halliday utiliza o exemplo de rede semântica da mãe educando seu filho e efetuadas pelo locutor quando ele produz tal ou tal frase ( 1970. p. 28):
o apresenta da seguinte maneira ( 1970, p. 24):

Controle
conttole impmtivo < ordem

ameaça
•m•W• ~ punição fisko (o 1)

P
uni - ·
<'h~"'
çao ps1cológica (a )
2
ogon" "P"lfi'° (b 1)
· ·
<"""º
c nao específico (b2)
loc"w (' 11
(o2)

/ regulamentaç>o (m/•gi•"iJ
Essa sub-classificação permite, por exemplo, mostrar que a frase Você
vai receber uma bofetada é uma expansão de (a) que passa pela seleção de
controle posicion~ ~ des.p,ovaç;o (ai) e (b2), ou que Papai irá se aborrecer com você é uma expansão de (a)
que passa pela seleção de (a2), (b 1) e (c2). Halliday insiste sobre o fato de que
uma frase não se explica somente pela sua forma, mas depende sobretudo do
contexto, imediato e amplo; e essa abordagem implica que os conhecimentos
busca de reparação dos parâmetros do contexto permitem previsões das frases possíveis.

É 0 locutor que traça seu caminho paradigmático na rede, segundo o 2.2 A Function a l Sentcnce Pcrspective (FSP) (Pe rspectiva
contexto imediato da situação e aquele, mais amplo, da cultura a que pertence. Funcional da Frase)
A noção de escolha. A noção de escolha é, para Halliday, definidora da A abordagem da frase que habitualmente nomeamos peln sigla inglesa
de rede. A linguagem é considerada como um reservatório de· possibilidades FSP {em português: perspectiva funcional da frase] vem de Mathesius e aparece
semânticas dirigidas para a comunicação; o locutor opera escolhas nas séries nas teses de Praga sob o título "Divisões atuais da proposição". A idéia central
de alternativas significantes: é que a frase tem por objetivo aportar informações novas (rema) apoiadas
sobre informações conhecidas (tema). O tipo de funcionamento determina a
O modelo sistema-estrutura não diz absolutamente nada a respeito de qualquer
processo de decisão ou intencionalidade da parte dos locutores ou dos ordem das palavras e a coincidência ou nilo coincidência entre a estrutura
receptores. Dclinimos um sistema semiótica como uma série de séries de lema-tema e estrutura sujeito-verbo, por exemplo.
alternativas; e uma estrutura é simplesmente a realização de uma escolha dentre líalliday retoma a distinção entre tema (aquilo sobre o que o locutor fala)
essas alternativas - de uma "expressão selecionada", como a chamamos. (ibid.
p. 606).
~cr~~a ~o que o locutor diz n propósit_o do_ tema). Ele considera que a estru~ra
in ~-rema (thematic structure) é s!nti\~1e11 (é. uma ocupação de lu ar·
g1 s, por exemplo, tema ocupa a prnnc1ra posição na frase)· mas " g ' em
A linguagem aparece então como um sistema de probalidades. Por isso, • a estrutura
sua gramâtica sistêmica (!Jystemic grammar) é, às vezes, chamada de gramática

~
14z • A1 (,m11du Teorinr dt1 U11g11í1lira

da informação" (information struct~re) é pr~sód!ca, relacionad~ ao som e à ~1 , IM1Ítw /1111ri1J1111/ÍJftlr • M 1

entonação. Com efeito, o tema e a mfonnaçao sao ambos selecionados pelo 11


locutor, mas 0 tema é orientado para o l~cuto: (ou seja, ele fala) enquanto a ( 1%.1 . p. ·IH )' : n co111hir111,·1l11 c u 11\!lc\!ílo. t\1mi111, lodo loculor sclcciorrn as
informação é orientada para o receptor (isto e, o que o locutor deseja que 0 unidnck:-: li11g1111µci rns 1111idus 1111 cc'1digo d11 ll11gun por rclaçcics de similaridade.
receptor preste atenção?· ., . . . Nu 111cnsngc111 produzido, css11s 1111id11dcs comhirrnd:rs c111relcm rclaçiks de
Essa abordagem se inscreve na sem1ot1ca social de Halhday: consistindo 0 Cllllligilidndc. lss\l qucr di:1.cr q11c ns si gnos li11guageiros estão sempre
tema em .informações já conhecidas, ~le relaciona e~treitamente as produções t-cl:u.:i\1n:Hlns :111m n11trn co11ju1110 dc sig11os, o código da língua, pelas unidades
linguageiras a seus contextos. Esta e uma das razoes pelas quais podemos ~ckdon:1d:1s. e :10 Cllntcxto dn mc11sagcm pelas unidades combinadas:
dizer que a FSP constitui uma fonna de gênese da lingüística textual e das
llS t~rn1sti111i111es de Ioda mensagem estilo necessariamente ligados ao código
abordagens pragmático-comunicacionais da linguagem. por 11111111d:1ç:lo interna e '' mensagem por uma relação externa. A linguagem cm
seus diforcntcs aspectos utiliza os dois modos de relação (p. 48).

3 LINGÜÍSTICA E POÉTICA: R. JAKOBSON Os Dois tipos de afasia


Não existe uma síntese teórica unificada dos trabalhos extremamente Jakobson propôs uma tipologia binária das afasias fundada sobre o modelo
numerosos de Roman Jakobson ( 1896-1982), que elabora uma lingüística seleção I combinação. Ele denomina "distúrbio de similaridade" a afasia cujos
aproximando várias disciplinas: fonologia, patologia da linguagem, antropologia, resultados são as dificuldades para encontrar sinônimos, para passar de uma
teoria da informação, estilí stica, folclore. A lista de seus trabalhos, língua a outra, para inserir-se como sujeito em um discurso monológico (seleção
frequentemente realizados em colaboração, é imensa e constitui um dos e substituição): já que ela não atinge o nível da combinação, no qual a
percursos lingüísticos mais importantes do século XX. A co-redação das teses contextualização funciona, o sujeito é mais proficiente no diálogo, em todas as
de Praga com Troubetskoi· constitui o fundamento. É a partir da fonologia que fonnas de discurso em que o contexto é importante. Tudo o que se relaciona
Jakobson desenvolve suas pesquisas lingüísticas: após ter elaborado o que se com a seleção/substituição lhe causa problema: ele tem, por exemplo, a tendência
denomina a "segunda fonologiajakobsoniana",já exilado nos Estados Unidos41 a substituir palavras específicas por palavras-vicárias como coisa ou troço,
(a classificação das oposições se encontra reduzida a uma tipologia de 12 que só adquirem sentido no contexto.
casos, e ele recebeu numerosas críticas vindas do mundo dos fonólogos) ele se Outro tipo de afasia é o "distúrbio da contigüidade" que se define pelas
orienta para uma reflexão sobre as relações entre som e sentido, em particular dificuldades ao efetuar combinações necessárias ao agenciamento dos
em literatura, e mais especificamente em poesia. enunciados:
A especificidade de Jakobson consiste em conceber ~ literatura e a Nesse tipo de afasia, deficiente quanto ao contexto(...) a expansão e a variedade
lingüística estreitamente ligadas nos fundamentos da poética. E sobretudo esse das frases diminuem. As regras sintáticas que organizam as palavras em unidades
aspecto de seu trabalho que exploraremos a seguir. mais altas se perdem(...) a ordem das pa_lav.ras t~rna-se caótica; as ligações de
coordenação e de subordinação gramat1ca1s, se1a de acordo ou de restrição,
3.1 Similaridade e Contigüidade: pesquisas sobre afasia são dissolvidas. Como poderíamos esperar, as palavras dotadas de funções
puramente gramaticais, como as conjunções, preposições, pronomes e artigos
Combinação e seleção desaparecem para fazer aparecer o estilo dit? "tcl~gráfico", enquanto nos caso~
do distúrbio da similaridade eles são os mais resistentes (p. 57).
Retomando as noções de eixo paradigmático e sintagmático de Saussu_r~;
Jakobson afirma que "todo signo lingüístico implica dois modos de arranJO O interesse dessa classificação binária de Jakobson é desenvolver e
enriquecer a oposição formulada por Saussure .entre r~lações paradigmáticas
e relações sintagmáticas. Mesmo se essa t1pologra de afasia, após ter
entusiasmado os psiquiatras e os neurologistas, foi em seguida contestada em

--
sferiu-se para
41 N.T. Depois de participar do Círculo de Moscou ( 1915-1920), Jakobson tra~ são nazista
a Tchecoslováquia e lá participou do Circulo de Praga ( 1920-1939). Fugindo da inva ·ro para a
.
e da perseguição .
aos Judeus, . P31'ses·
ele foi obrigado a emigrar para vános • •
primeiSuécia
' e de
Escandinávia onde participou do Círculo Lingüístico de Copenhague; de~ois, para~arvard e no

L
42 Todas as citações seguintes foram extraídas dn obro E.\'sai de li11g11is1iq11e Générale vol
lá emigrou para os Estados Unidos, onde passou a lecionar na universidade de 1963•Por .isso, mencionaremos apenas o numero
.. da pngma.
• . ' . 1'
MIT. Jakobson faleceu nos Estados Unidos, em 1982.
t« • Ai G'nJ11tlrJ '/ mri111 tlr1 1i1w1ütira
....-
/ Is trorim / 1111rio1111/ist11s • J.as
decorrência de seu simplismo, essa análise constituiu em seu tempo um av
nos estudos da uti lização da linguagem. anço
Equivalên cia : ·~segu~? 0 ~~ai critério lingüístico reconhecemos
. ,·camente a funçao poet1ca? interroga-se Jakobson após ter elaborado
3.2 Poética: prioridade da forma ernpir · das fu nç õ es da 1mguagem.
versão da tipologia · Ele oferece a resposta <em
Metáfora e Metonímia ~~a passagem célebre na qual aprese~ta a noção de equivalência. Escolhendo
. mplo de uma mensagem produzida com a palavra criança (escolhida no
Para Jakob~on, a oposiç~o similaridad~ / con!igüidade não se restringe ao o:~igma criança, pirralho, garoto, menino etc.) associada a um verbo do
~aradigma de sono (dorme, cochila, repousa), ele afirma:
estudo das afasias, mas func10na de maneira mais ampla como descrição da
utilização da linguagem, sob a forma de uma oposição que reinterpreta duas As duas palaVf'.IS e~col.hidas s~ c?m?inam na cadeia falada. Aseleção é produzida
figuras centrais da retórica, a metáfora e a metonímia: na base da equ1valenc1a, da s~m1 landade e da dissimilaridade, do sinônimo e do
antônimo, enquanto a combmação, a construção da seqüência, repousa sobre
O desenvolvimento de um discurso pode se fazer sob duas linhas semânticas a contigüidade. A.função poética proj eta o princípio de equivalência do eixo
diferentes: um tema (topic) conduz um outro, seja por similaridade seja por da seleção sobre o eixo da combinação. A equivalência ocupa a posição de
contigüidade. O melhor seria, sem dúvida, falar de processos metafóricos no procedimento constitutivo da seqüência (p. 220).
primeiro caso e de processos metonímicos no segundo, pois eles encontram
sua expressão mais condensada, um na metáfora outro na metonímia. [...)No Jackson assinala que, na poesia, em que predomina a função poética, mas
comportamento verbal normal, os dois procedimentos são continuamente também nas outras produções linguageiras em que ela não é dominante, as
agenciados, mas uma observação atenta mostra que, sob a influência dos modelos palavras são escolhidas não pelo seu valor comunicacional e informacional,
culturais, da personalidade e do estilo, um ou outro desses dois processos é mas pela relação de equivalência (por semelhança ou dessemelhança) que
privilegiado (p. 61 ). elas podem estabelecer com as outras. Ele fala também de "superposição da
similaridade sobre a contigüidade [que] confere à poesia sua essência de parte
A partir daí, Jakobson esboça uma classificação binária das formas de aparte simbólica, complexa, polissêmica" (p. 238). Isso ocorre porque a poesia
utilização da linguagem: a poesia seria dominada pela metáfora enquanto a é dominada por diversas formas de equivalência, no plano fónico (rimas,
prosa funcionaria sob a metonímia. Ele propõe também uma descrição das aliterações, assonâncias, paranomásias), rítmico (métrica), sintático
grandes correntes estéticas: enquanto o romantismo e o simbolismo priorizariam (paralelismos, simetrias) etc.
o processo metafórico, o realismo se fundaria predominantemente sobre o
processo metonímico já que "o autor realista opera digressões metonímicas da Ambigüidade: Essa definição da função poética implica que a linguagem
intriga à atmosfera e aos personagens no quadro espaço-temporal" (p. 63). poética não tem por função primordial descrever o mundo real: a função
A Jakobson tem sido reprovada essa tendência de impor um q~ ~ referencial não é mais que acessória, e ela é mesmo seriamente opacificada
descrição binária a todas as produções de linguagem. Mas esse quadro buláno. pelo. tr~balho poético. Como aponta Jakobson ao introduzir a noção de
talvez um pouco redutor, constitui uma aqujsição considerável para a abordage; ambigü1dade, podemos defini-la como a co-presença de dois sentidos, um que
lingüística dos textos literários, poéticos em particular: a elabora~ão ~ ~ postula a referência ao mundo, o outro que emana das combinações do contexto:
de função poética permite um olhar que privilegia a fonna do enunciado lite
e a fabricação dessa forma. A ambigüidade é uma propriedade intrínseca, inalienável, de toda mensagem
centrada sobre si mesma, logo, é um corolário obrigatório da poesia. [...]Não
A Forma da Poesia soment~ ªprópria mensagem, mas também o destinador e o destinatário tomam-
sfie ª.m.biguos. Além do autor e do leitor há o "eu" do herói lírico ou do narrador
ictic1oeo"1"
das • . u ou "vós" do destinatário
, suposto dos mono. logos drama·1·1cos,
.
Integrada no vasto movimento cultural do formaltsmo russo, e inspirada
coloc• a 5
uphcas, das epístolas (p. 238).
em seu interesse pelos poetas Khlebnikov e Maiakovski, Jak.ob~oo -"' texto
no~ã? de P,roc~dimento de criação n~ centro do es~udo ltngu
. "fsttCO uv
"orientação
poet1co. E o Jogo da função poética, caracterizado pela a e:rn parei•
(Einstellung) para a mensagem enquanto tal, o enfoque da m~ns ~
mesma" (p. 2 18) e coloca em evidência o "lado palpável do signo ·
r
146 • ,-1, Crmulrs Tt0rin1 dn U11glffrfir11

BIBLIOGRAFIA
Capítulo 8
HALLIDAY, M. A. K. Explorations in the Functions of Language. London:
E. Arnold, 1973.
JAKOBSON, R. Essais de linguistiquc générale. Paris: Minuit (tomes J et
2), 1963-1973.
Os Formalismos:
MARTNET. A. Éléments de linguistique génerale. Paris: A. Colin, 1961
[Elementos de lingüístíca geral. São Paulo: Martins Fontes]. do Descritivismo ao Gerativismo

A. lingüística americana possui características particulares na medida em


que foi, em grande parle, condicionada pelo estudo das línguas ameríndias: da
metade do século XIX aos anos 20 do século XX, um conjunto importante de
trabalhos lingüísticos no contexto americano teve como objetivo o conhecimento
dessas línguas para aprendizagem e análise, conhecimento que se integrou aos
processos mais amplos de compreensão cultural e social. Isso explica porque,
nos Estados Unidos, a lingüística esteve integrada à antropologia e tenha
funcionado como uma ciência auxiliar. Essa característica condiciona o fato de
os lingüistas americanos (que abordaremos neste capítulo), terem sido,
geralmente, especialistas nas línguas ameríndias.
Isso explica também, em parte, porque a tradição americana foi dominada
pelo método descritivo: Boas, que consagrou a maior parte de seus trabalhos
às línguas indígenas da América, instala uma tradição, isto é, uma escola
descritivista, no interior da qual seus sucessores, em particular Sapir e
Bloomfield, elaboraram suas teorias. Podemos caracterizar o descritivismo pela
escolha de uma abordagem teórica abstrata da linguagem destinada a produzir
descrições práticas e eficazes de línguas particulares (posição diferente da
que será, a partir dos anos 50, a abordagem chomyskiana, cujo objetivo será o
de observar línguas particulares para chegar a uma teoria geral da linguagem).
A lingüística descritivista é uma lingüística sincrônica e favorece a emergência
e, mais tarde, a dominância do paradigma estruturalista na lingüística americana
já subjacente no século XIX através da influência importante de Whitney: ness~
sentido, devido à necessidade de descrever 1ínguas ameríndias ágrafas, a postura
estrutural se impõe quase naturalmente.
No primeiro terço do século XX, o descritivismo toma a forma do que
denominamos, posteriormente, distribucionalismo, cujas figuras principais 5 -
Bloomficld, depois Harris e Pikc, aos quais é preciso acrescentar 0 fra ~o
Gross, introdutor dos métodos harissinnos na França. nces
1 L. BLOOMFIELD E O DESCRJTlVISMO
1.1 Uma Concepção Mecanicista da Linguagem
148 • A.r GnmdeJ ·1i'01i11.r da /Jt(~lliJlitn J·ô1"111t1!i11J1tJJ: tio t!nrn'til'ismo ao gemti1iJ111() • 149

Leonard Bloomfield ( 1887-1949) publica, em 1933, le ~angage, livro que e pock 1.mt1~l) ser .estudada de maneira cxtcr.na; não se trata para ele de uma
dlllltl'inn ps1colôg1cn. mas de uma metodologia.
constitui uma teoria geral da linguagem que será desenvolvida e aprofundada
por seus alunos sob a etiqueta de distribucionalismo, corrente que dominará Ek uplicn ú linguagem o célebre esquema estímulo-resposta, e o formula
do seguinte maneira: S-rs-R. Sé o estímulo externo que impulsiona qualquer
a lingüística americana até 1950. um a produzir n fofa r; essa resposta lingiiística constitui para o ouvinte um
estimulo s. que provoca como retorno uma resposta R. Para exprimir esse
Mentalismo e Mecanicismo itinerário comportamental de S a R, Bloomfield narra o célebre "apólogo de
Não se pode falar do trabalho de Bloomfield sem situá-lo em relação a seu Jill":
colega Sapir. De fato, os dois se formaram e trabalharam na mesma época,
concordando em priorizar o estudo da forma (Sapir fonnulou uma abordagem Suponhamos que Jack e Jill estejam seguindo um caminho. Jill tem fome. Ele vê
do fonema anterior àquela de Troubetskol, e, verdadeiramente, fora do contexto uma maçti cm uma árvore. Ele faz um barulho com sua laringe, sua língua se seus
das abordagens saussureanas), mas eles operaram escolhas teóricas diferentes. l:íbios. Jack salta a cerca, sobe na árvore, pega a maçã, leva-a para Jill, coloca-
Seria caricatural opô-los tenno a termo, mas pode-se mesmo afirmar que Sapir
ª cm sua mão. Jill come a maçã. Essa sucessão de acontecimentos poderia ser
estudada de numerosas maneiras, mas nós, que estudamos a linguagem, faremos
está do lado de uma abordagem mentalista da linguagem, enquanto Bloomfield naturalmente a distinção entre o ato de fala e as outras circunstâncias, que
é definitivamente mecanicista, adotando uma perspectiva behaviorista. Enquanto chamaremos os acontecimentos prúticos. Visto dessa maneira, o incidente se
Sapir fala de uma realidade psicológica do fonema, Bloomfield é explicitamente compõe de três partes, por ordem cronológica:
anti-mentalista, considerando que a linguagem é acessível do exterior, enquanto
comportamento, e não do interior, como expressão de realidades psicológicas A. Ações práticas que precedem o ato de falar.
B. O discurso
ou mentais: C. Ações práticas que sucedem o ato de falar. (p. 27).
A teoria menta/is/a que é muito mais velha, e sempre em vigor na concepção A partir dessa narrativa Bloomfield elabora seu esquema:
popular e entre os homens de ciência, pretende que a variabilidade da conduta
humana é derivada da intervenção de um fator não físico, de um espirito, de Éevidente que a relação entre os movimentos vocais de Jill (B 1) e a audição de
uma vontade, ou de uma consciência (em grego psique, de onde vem o tenno Jack (83) está submetida a muito pouca possibilidade de incerteza, ou variação
psicologia), presente em cada ser humano. Esse espírito, segundo a concepção porque não são mais do que ondas sonoras que atravessam o ar (B2). Se
mentalista, se diferencia totalmente daquilo que é material e, por conseguinte, representarmos essa relação por uma linha pontilhada, podemos simbolizar os
dois meios humanos de responder a um estímulo por esses dois esquemas:
segue um outro tipo de relação casual ou talvez nenhum.(...]
A teoria materialista (ou melhor, mecanicista) pretende que a variabilidade da reação sem fala: S Q R
conduta humana que implica o discurso provém somente do fato de que o
corpo hu_mano é ~m .sistema muito complexo. As ações humanas, segund.o a reação por meio da linguagem: SQ r Q s Q R (p. 29)
concepçao matenahsta, são uma parte das seqüências de causa e ~fe!to,
exatamente como aquelas que observamos no estudo da flsica ou da qu1m1ca. Éimportante notar que Se R são os "aconte~imentos prát~co~'.', p~rtencen~es
43
(1933, p. 35-36) • ªº m~ndo extralingüístico; somente r e s constituem o ato hnguistJco, aquilo
que e nomeado como discurso.
Bloomfiel?~ nã.o aceita os conceitos do mentalismo; para ele, espírito,
vonta?e,,,consc1enc~a não são mais que "configurações de sucessão do mundo O Primado da Descrição
material , dos movimentos corporais. ~partir desse esquema, Bloomfield propõe um programa descritivo: ele
~~~sidera 9~e ~explicação dos fenômenos de lingua~e1? ainda não é possível.
Uma Abordagem Behaviorista . e .descnttvismo é então uma escolha metodolog1ca, que acaba sendo
Sua abordagem te ·
do psicólogo W d) ve origem na psicologia behaviorista (sob a in
· fluência
é t~:~era~a.como redutora por seus detratores.,E~sa escolha o leva a recusar
qu s~onc1smo e todo funcionalismo (o que o d1stmgue de Sapir, por exemplo
explicável a part~~ t · Para o behaviorismo, o comportamento humannão
0
ob:earticuta simultaneamente forma e função): as formas da língua serã~
seriam mais do q~r . e ~ados externos, sem recorrer a dados internos q~ento que ~adas do exterior, sem levar em conta sua evolução histórica e a funçã
e 11us es. Para Bloomfield, a linguagem é um comporta e as desempenham no sistema. O descritivismo de Bloomfield implic~
43 Todas as citações de BI . dicarernos
somente a referên · d . º?mfield foram extraídas da obra de 1933 e, por isso, m
eia a pagina. '
1\
~
r l~k (;;,;1r1 Trori111 t/J1 I Ji~f,ll;ilim
h,,,.,,,;n,,,111: 1/11 tf,,1dtir/Jr111 1ut
-
.~rtllfinil'ln .1~1

Ou q1~c 11dt·,'·1m1 !' p1ill'llJ11Hlt1111t•11111ll1111111t•1·cifit11111 puder cvilnr 11 dilic1ild11dc de


. 1 erite uma exclusão da significação: ele recusa a concepção mentalista doll1111·
1 11111l1Ht1i ln~11\'!'1·:1, )1111.'lfllt' ll1'1'1•dll11 111 q11c se li1n1111 p11ru c11d11 loc tor. a tcs
rguai 111 d · . ·ti d · 11
dl.! 1111111d11r 1111111 1111'11111 lt11glll::ll1:11, 11111 p1·11ecss11 11110 llsico, /Jt 'llStllllL'llfo. 11
do S1•g•rii ficado
..
(a solução saussureana o. s1gn1 rca át'
o como concerto).
. Para ele•
1·0111·1'1111, lmfl,1/1'/l/, ,1·1·111/1111 ·11111, 11t11t!1·1·1111t11t!1'. 1111 q1111lq11crrnis11pnrecida,1 ...J
0 significado é o conjunt~ dos acont~c1mento.s pr r~os aos quais está ligado 1
11111·1·1111il'i:1111n 111)11111•1•il111·s:m 1111111,·1\11, (p. J,1:; ),
um enunciado; sua descrição é considerada 1mposs1vel porque a apreensão
desse conjunto é impossível: Ulon111licld c.'\plii:n (fllú us 1111\'lit.:s de i11111gt·111 111e11tnl 011 de sentimentos
nno flli'\!lll ll)JiiS do lfllú l'CclllWil' lllOVllllClllOS lllllilo concl'ú(OS cio corpo,
Para dar uma definição cientifica'!1ente exata d~ si~niticação de cada forma de t:1usi;llir11clos p111· oh; 0111 trCll tip11s:
uma língua, precisaríamos possuir um saber c1enttficamente exato de tudo
) )()11 prrn;cSSllN du lnrgn ~'Nl:lllll, l)lllJ s0n \IS lllCSIHOS Clll tfi Ji:rcnll•:; pessoas. e,
0
que forma o universo do locutor. (p. 132).
p1wq11c okN 1C111 1111111 i111pnrll\t1ci11 s11ci11 I, st\11 rc111·e:-:t•ntados por formas de
Mas essa exclusão concerne somente ao método de trabalho elaborado diiie111's11s co11vc111'11111nis: 1·sst• 1' 11 c11s11 de 1·11 rcnlt11 /i1111l' (e u estou bm1·0.
por Bloomfield: de fato, como veremos, a significação não está absolutamente 1111111•orrulo. d1·.1·11/od11, ./i'll::, 11·11/111 d111· t/1 · rnhcr" ele.):
ausente de suas análises, ela é mesmo onipresente em seu discurso, mas é 2)1\s 1.!llllll'll\'('lus n111sc11lt11\•s o ns s1·crC\'llcs gl1111dul11rcs cm l'scala reduzida,
ohilc11r11s u 111111111 vnrii\vois, que dili.:rum de pess1111 pum pes:-:oa. e l)Ue 11:1.0 1.::~1
considerada como uma dificuldade insolúvel no estado atual das pesquisas.
Estudar uma língua, será então reunir um corpus, isto é, um conjunto de in1p11nfü1d11 N\\l:inl i111cdi11tn. 111\11 stlo rqirese11111d11s por formns co11ve11c1ona1s
enunciados efetivamente produzidos, visando a fazer aparecerem as du dis1·111·so:
regularidades formais, sem levar em conta o aspecto semântico. O único ~)Os movi1111.:nlos sllcn1:i11sos dos 1'1rgtlos v11c11is. quc substituem os movimentos
conceito considerado válido na análise será aquele do contexto linear ou imediato
de produção. 1111 li1l11r u nno silo pcrccptlvuis 110:-: outros ("pensnr cm pnlnvms.. 2.4) (p. l 35). *
1.2 A significação 1.:\ As Unhlndcs dn Llngnn
Bloomfield retorna constantemente ao problema da significação em
linguagem, em particular no capítulo 9, intitulado A significação. Ele apresenta O posCulnclo fundnmcnCnl cln llngllfstkn
uma definição por meio de duas formulações, uma positiva, de inspiração l'\ s1111 rcllcxi\o sohrc 11 um111ci11\;i\o que o kvn n enunciar o que denomina
behaviorista, outra negativa, que serve de munição para o ataque contra a "o 1mst11l11do l\111d11111c11tnl dn li ngOlslicn", n partir do qunl proporú uma
postura mentalista e de apoio para a apresentação da concepção mecanicista or~.1111lz1t\'i\o dns ll.irnrns lingOlsticas dn llngun:
e fisicista da significação. Essas duas formulações são importantes, pois elas
exprimem claramente as idéias fundadoras da lingüística bloomfieldiana. lJ1n11 vez quo 11no ten111s 111oi1111lg11m de dutinir n mnior pnrte dns significações e
1l1·111011slr11r s1111 cslnhilidndc, dl·vemos c1111side111r o cnnítcr espedtico e estúvd
-A significação sob o prisma do behaviorismo: de 1111111 1111111111 como prt•ssuposi\·t\o do estu~k~ li11gilistico, da mesma maneira
IJllt1o presi;11pt111111s um 1wsst>s c1111l11t11s cot1d1:mos. t'lllll ns pessoas. Podemos
O estudo do som do discurso sem consideração de suas significações é uma l'll1tsider11r cssn prcss11pnsi~:l111 conw o p<1st11/ad11.f1111da1111•111a/ ela li11giiistica.
11111111 quc1· diicr:
abstração: no seu emprego efetivo, os sons do discurso são emitidos como
sinais. Definimos a significação de uma forma lingüística como a situ~ção na t 1·1·111,1· r11111111ilc/mll's (c111111111idoc/1•s li11gilistict1s) ccrws c111111(·iculo.s sào
qual o locutor a enuncia e a resposta que ela provoca da parte do ouvmte. A 1lú11
111
·• · 11·1/11111r1w 111·!11 /im1111 1• .1· i,i:11j/ii'11r1lo.
situação do locutor e a resposta do ouvinte são estreitamente coordenadas.
visto que cada um entre nós aprende a agir indiferentemente como locutor ou HsN~11 1 .1111111id11dc tlns. formns llll d~scur~o t.l ndquiridn _gm,·as :\ rt~~il:'~t:llidade [... ]
como ouvinte. Na seqüência causal ~ ss1! p11~tul111J11 tu11d111nun111I 1111phcn que i:ndn lorma lmgthsllcn tem uma
' l\llillt•1t\'n() C\lllSlllllte ll espcuflicn. (p. Jn).
situação do locutor Q discurso Q resposta do ouvinte
Con111r . .1 1 • · 1· '
. do locutor,. enquanto expressão primeira, apresentará ha b'tualmente ...111111 1 1:cnui.:-sc 1111c o prublcmn l 11 s1g111 . 1<.·t1\':io ni\I) \! colocado - ,..\ d
a situação • . li) l 11 I' li . \ . . • 10 " o
um aspecto mais simples que a resposta do ouvinte· isso porque discutrmo~e r111111i1111 , 111g( sllcn, 11111s serve. 1111 cnn.1r1no, de 11po10 para uma hipót
definimos habitualmente as significações em termo; de estímulo do locutor · 11 cntul s11hri.: o ti111cio1111111cnto dn l111g1111gc111. A partir d·if Blo f e~e
1.'l ti11r111111111
di.:scri\·llo do que úlc chn11111 formns lin11H1stic·is- .: .: . ?n~ te d
1
132). l'o 11 .......,t
" us e.."' ,1t1·lllS
• l.ll\I Sllll léOl'lll.
· e- ' • " -- 0 ns tlut11te S,

I'
-~.crítica à concepção mentalista da significação e a afirmação do
mecaructsmo: ....._
~I

IU , h ( ,1,1111/tr 'IN111111 1/11 1j11J,111ltiffl


/ 111I11t1h11"1Jr "" f'ÍI H fllllnm'J "" ~(r#1tn:w;v, • Ul

As formas lingüfsticas e os constituintes ,/ii/1111111 111111'. rlanr11111, /11w11n; lilt.wkllf•rry; cranherry; 1·trawberry; 1rw1flower.
As fonnas linguísticas são as unidades de sinal (Bloomfield fala em alguns l h1111 111111111 l111l!llf1>l11·11 11111: 11 1 1~:.111 uma :.<:mclhança fonética e semântica
1 parcial
1.1,1111 11111111111111 111111111 l111gilb1ic:1 é uma forma et1mplcxa. I\ pane comum de todas
momentos de "fonnas de sinal") que, pronunciadas pelos locutores, suscitam
ll1> lllllllll1> l'11111pf,·1111:. <cl11a:.. •111 nwis) é uma forma lingüística; é um constituinte
repostas a uma situação: 11111 1''"'l"'"""t•·) clc~~a11 l 1 >rrna~ complcxac;. Dizemos que esse constituinte
1 ,~ 11\ 1·11111111t11111:. 1011 incluído"ª"· ou incrustado nas) fonnas complexas (p 153).
Pronunciando uma forma lingüística, um locutor leva seus ouvintes a
responderem a uma situação: essa situação e sua resposta constituem a
significação lingüística dessa fom1a (p. 150). Nn:. i"\c111plos 11cima, podemos dizer que John e Bill são constituintes, o
• 1111 1 11 11l' mrr/11, mio, o diminutivo - y (cm Johnny e Billy), os morfemas -
1111 ~ . ~ . .
111111•111 rl1111ç11111,.fo~11111), -heny e -stniw. A noção de mclusao de const1tumtes
~ h'1erarqu1ca
Bloomfield distingue dois tipos de fonnas linguísticas: as formas lexicais e
'~implcs nus lhrnrn.s comp 1cxas. e , a. base da concepçao ' . da tirase em
as fonnas gramaticais.
l'l1tlstlluintcs imcd ratos.
Formas lexicais. Uma forma lexical é urna combinação de fonemas que
possui um sentido estável em urna comunidade lingüística. A terminologia de A i.:1·t111!1\ticn como arranjo das formas lingüísticas
Bloomfield às vezes varia: ele fala também de sinal lexical ou de forma fonética. !llooml~cld dc0ne a gramática de uma língua como um sistema de arranjo
Essa noção de forma lexical é uma maneira de conceber, no interior de uma tlns lormns l111gU lst1cas. Ele define quatro tipos de arranjos:
abordagem behaviorista da linguagem, o que uma outra tradição chamaria de
palavra. - li Ordem. É "a sucessão pela qual se pronunciam os constituintes de
nmn forma complexa" (p. 154). Por exemplo, em português, a ordem
Formas gramaticais. Uma forma gramatical é uma combinação do que !determinante + nome] ou [prefixo + radical). Essa noção corresponde ao
Bloomfield chama de taxemas; um taxema é um traço de disposição gramatical íuncionamento dos sintagmas, segundo Saussure.
(ele emprega, às vezes, a partir da palavra taxema, a expressão forma tática - A modulação. É "a utilização de fonemas secundários" (p. 155), isto
no lugar de forma gramatical). Como o fonema, o taxema ou traço de ê, dos fonemas que aparecem no nível dos arranjos gramaticais como a
disposição gramatical pode ser considerado como um elemento autônomo: entonação (que vai distinguir a questão da ordem em John ?, ou John!, por
exemplo).
Os traços de disposição gramatical aparecem sob as combinações variadas, - A modificação fonética. É uma "mudança de fonemas primários de
mas pode-se geralmente isolá-los e descrevê-los separadamente. Um traço uma fonna" (p. 156). Em inglês, do+ 1101 resultará don ~; duke, flexionado no
simples de disposição gramatical é um traço gramatical ou taxema. Um taxema é feminino, resultará duchess (modificação do k em eh), embora em count ->
para a gramática o que um fonema é para o léxico - isto é, a menor unidade da co11111ess., não se produza uma modificação. Em francês, é o caso, por exemplo,
forma (p. 157).
de mort -> morte/ (foneticamente, passamos de u~ t mu?o para um t sonoro)
em relação a origene -> origina/e em que não ha modificação"~.
O segmento Corra!, por exemplo, resulta da combinação de dois taxemas,
- A seleção das formas. No interior da mesma disposição gramatical,
a exclamação e o infinitivo, que podem ser isolados e descritos separadamente.
as formas podem ser selecionadas diferentemente, o que produz mudanças de
Bloomfield estabelece um paralelo rigoroso entre forma lexical ou fonética sentido. Enquanto João! ou Menino! constituem chamados, Corra! ou Pulei
e forma gramatical ou tática, insistindo sobre a ligação entre forma e sentido: ~ão. or.dens: a disposição gramatical é a mesma, mas a seleção das formas
Uma fonna fonética e seu sentido constituem uma forma 1ingüistica; uma forma ;~.icais (nome próprio ou verbo) é diferente. Da mesma maneira, em inglês,
111
tática e seu sentido constituem uma forma gramatical (p. 157). ·1n'fi1 k• llli/k

(beber o leite) e watch John (vigiar John), são expressões
e ni.tivas, enquanto fresh milk (leite fresco) e poor John (pobre John)
t?s ~onstituintes e sua análise. Bloomfield propõe igualmente a n?ç~o de v~n~tlluem fonnas adjetivas: a diferença está na seleção do primeiro constituinte,
~onst!tumte, que está na base do procedimento de análise em const1tumtes 1
da; ª1 ou adjetivo. Bloomfield conclui que drink e watch pertencem a uma
une~tatos (ACJ) tal como será desenvolvida por seus sucessores, sobretudo.a e asses formais do inglês e fresh e poor a uma outra (p. 156).
partlr dos trabalhos de Harris. Um constituinte é um elemento que é comum as
formas complexas: ;--
Nt: Urn co · 1 ji1111 efi11101(em que a nasalização
davog ~responde em português sena, por exemp o,
1
'lllqo:~ ~a Primeira, e o fonema/11/ , na segunda, implicam uma modificação); e lllês e lllesev
Vemos que certas fonnas lingüisticas têm semelhanças fonéticas e se~ântic:~ onema Is/, nus duas palavras, não sofre modificação. ·'
C-Om outras fonnas ; por exemplo John corria, John caia, Bill corria. Bill cm '
1;4 • At Grandtt TNIÍlll da Linj,llÍllÍra ,..,;;;;;;n;;;.1: tio~ llO 6'lJlllYJllll .w

Para Bloomfield, os taxemas de seleção repousam sobre os hábitos próprios Em rnzào da grande complexidade dos dados lin •ilisticos 1 . .
aos locutores de uma língua: ele explica que nos exemplos: John ran, John resíduo de elementos
· ·i
aparentemente
. . .
anômalogs ou de tipos
·. odadanállse deixa que
e estrutura um
Jell,Bill ran, Bill fel/ e Our horses ran mray, os taxemas de seleção são as n· ão1parecem
d s11111
• ·. nres aos
ã
tipos
· ·
pnnc1pais '
assim conio 1 •. •
e ementos ou sequencias •
;~~ ;s que pare1:em n o satisfazerem certas propriedades de sua classe ( 1971 ,
expressões nominais (John. Bill, our l10rses) e as expressões verbais
conjugadas (ran.fel/, ran cnray). E os taxemas de ordem determinam a ordem
3
[expressão nominal + expressão verbal]. As formas lexicais são utilizadas nas Para resolver esse probl~ma, e~e mantém o princípio das regras gerais e
duas posições de ator e de ação em virtude de restrições que associam as propõe. fa~er das exceções combinações particulares de regras gerais da
formas e as funções convencionais. Dito de outra maneira, as formas lexicais gramática ( 1971, p 193), ou extensões de regras gerais:
são associadas a classes formais:
O número de idiomas e outras expressões individuais de uma lingua é tal que
A gramática de uma língua compreende então uma série muito complexa de ~~a ve_z efetua?a a generalização, restam sempre numerosas exceçõe~
hábitos (taxcmas de seleção) que fazem com que uma forma lexical não possa 1d1om.áncas. Por isso, pode-se somente esperar formular as regras gerais de tal
ser utilizada a não ser cm certas funções convencionais; cada forma lexical é man;1~ que as exceções individuais possam ser pensadas como extensões do
sempre atribuída às formas de classes habituais. Para descrever n gramática de domm10 de uma regra, para além dos limites permitidos na regra geral ( 1971 p.
uma lingua, devemos definir as classes fonnais de cada fonna lexical, e dctenninar !~. ,
quais são as cnrncteristicas que fazem com que o locutor as atribua a essas Mas ele considera também inverter a relação entre particular e geral:
classes formais (p. 249).
No caso em que isso é impossível, deveríamos, talvez, mudar nossas definições,
O funcionamento dessas classes formais é apresentado como o objetivo deixando aos elementos um maior grau de liberdade, ou aceitando uma estrutura
da lingüística para Bloomlield, objetivo que seus sucessores, em particular Harris, mais frouxa, na qual a parte mais importante da linguagem (a parte mais regular)
realizaram sob a bandeira do distribucionalismo. constitui um caso particular ( 1971, p. 193).

2 Z . S. HARRIS E O DISTRIBUCIONALIS MO Seja qual for a explicação apresentada, a noção de generalidade é mantida:
ela é de fato central na lingüística barrissiana e constitui um verdadeiro postulado.
O trabalho de Zellig S. Harris ( 1909-1992) se desenvolveu em três grandes
etapas: primeiramente, o desenvolvimento do método distribucional marcado Os métodos da descrição lingüística
pela publicação de Methods in Structura/ linguistics, em 1947; em seguida a A descrição lingüística se faz em dois mome~tos: prirneira~ente, o inventário
passagem para a gramática transformacional com a introdução da noção de das unidades estruturais da língua, e, em seguida, a detenmnação das regras
transformação formulada em 1968 na obra Mathematical Structure of que concernem ao seu relacionamento (isto é, sua distribuição, conceito que
Language; enfim, a evolução por uma outra concepção de transformação Harris fonnaliza e que dará o nome à corrente que ele inicia). Harris sistematiza
exposta em A Grammar of English on Mathematica/ Principies, em 1982. a exclusão, no interior da análise lingüística, das noções de função e significação:
a única relação reconhecida como pertinente é a distribuição, apresentada como
2.1 Os quadros do distribucionalismo ª"pesquisa mais importante da lingüística descritiva" (1971, p.S).
Os objetivos da Lingüística distribucional Segundo Harris, existem dois planos na língua: o dos elementos
Para Harris, o objetivo da lingüística distribucional é mostrar, a partir da fonol~gicos e 0 dos morfológicos. Eles abrangem to~a a extensão de um
observação de um corpus finito de enunciados naturais, que o sistema da enunciado uma vez que todo enunciado pode ser descrito de uma parte pela
Jíngua funciona segundo regularidades demonstráveis: combinação de elementos fonemáticos e de outra como combinação de
elementos morfemáticos.
A tarefa da lingüística, como é o caso para os dados similares cm todas.as
. elementos indepen den tes' CUJ35
. . . li01. determinar quais são os
outras c1enc1as, As unidades da língua:
com mações regulares caracterizam, mais ou menos, todas as enll'd ªdes que
b .
aparecem de maneira independente - aqui as frases ( 1971, p. 179) ~ Os elementos fonemáticos. Para isolar os elementos fonológicos é
Preciso
coro a segmentar a cadeia · sonora: E ssa operação se faz a part ir 'da
S eu ob'~et~vo
· e, · portanto, a generalização de um método . que possa ddars sern~lhração entre numerosos en.u nc 1 ado~, colocando em evidência suas
conta do func.1onamento da linguagem. Seu trabalho inclui ~ proble~:s ; 0 anças. Por exemplo, os dois enunciados Can ~ do it e Carne
100
exceções, fenomenos que poderiam não entrar nas regras gerais deduzi tnuch possuem o mesmo segmento inicial Ca-. O mesmo ocorreras cost
tratamento dos enunciados: com 0

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~- A ~
l ·"nr11111/iJm01: 1/a t!nt1Üil'ÍJlllD ''º J!.tr11Jit'i11110 • 157
156 • A1 Grondt1 Teorias da U ngmilif<I

O contexto imediato do fonema /a/ consiste no conjunto dos fonemas /tr- yd/,
segmento final He s in e That smy pin. Não se trata de semelhança semântica, ou se as entonações fonêmicas são levadas em consideração, /tr- yd : + /./, ou
mas de semelhança formal, podendo permitir uma substituição. Nos dois mais completamente /ay#tr- yd/ ( 194 7. p 1S).
exemplos, ca- e - in são foneticamente substituíveis sem mudança. O princípio
da segmentação é unicamente formal e a significação não é levada em Sobre o plano morremico, o contexto imediato do morfema try é 1-ed.
consideração. O resultado é a produção de classes de segmentos, sendo estes A soma de todos os co-ocorrentes de A , observados nos enunciados
definidos pela totalidade de suas posições na cadeia falada. Esse procedimento coletados no co1p11s, constitui a distribuição de A . Harris dá a seguinte definição
é diferente daquele utilizado pela tradição fonológica européia, na qual os completa do conceito:
fonemas são isolados com base na distinção semântica (que considera, por
exemplo que /p/ e /b/ são fonemas diferentes porque eles distinguem pato e A distribuição de um elemento é a soma de todos os contextos nos quais ele
bato). aparece, isto é, a soma de todas as (diferentes) posições (ou ocorrências) de um
elemento relativas à ocorrência de um outro elemento ( 1947, p. 16).
- Os elementos morfemáticos. Harris propõe uma definição dos
morfemas que, igualmente, não recorre aos sentidos. É preciso ressaltar que a Mas pode-se igualmente definir a distribuição por meio de uma outra
acepção americana do termo mmfema é diferente daquela utilizada na Europa: operação, a substituição: se um elemento A pode substituir B nos mesmos
trata-se, em Harris. de um equivalente aproximativo de signo. A segmentação contextos, dizemos que A e B têm a mesma distribuição. Substituição e
em morfemas é definida da seguinte maneira: distribuição estão, então, estreitamente ligadas.
Uma seqüência de fonemas, por exemplo /ruwm@er/ em That s our roomer,
contém mais de um elemento moriemico se e somente se uma parte da seqüência Distribuição e significação. Pode-se afirmar que Harris exclui o
aparece independentemente de uma outra parte, no mesmo contexto geral: / significado de seu método mas que ele o faz, entretanto, intervir em suas
ruwm/ aparece também em That .5our room, !@ri aparece também em That :1· our análises. Ele explica sua posição sobre a questão ressaltando que distribuição
recorder(l947,p. 158).
e significação estabelecem evidentemente relações, mas que não existe
Podemos, então, concluir que /ruwm/ e /ri são elementos morfêmicos. paralelismo exato entre uma estrutura morfológica e qualquer coisa exterior
Harris as~inala que a .segmentação coloca certos problemas: na série que seria da ordem do sentido. A ordem da fonna e a do sentido são duas
strawbernes, black~ern~s, boysenberries, -berries pode ser isolado como coisas diferentes, mas, nos fatos, elas se encontram freqüentemente:
um morfema, mas e preciso que straw-, bfack- e boysen- apareçam também
em out:os co.ntextos. Esse é o caso dos dois primeiros, mas não 0 de boysen- Isso não quer dizer que as diferenças de significação ou a aparente identidade
' que nao _existe fora de boyse?berries ( 1947, p. 159). Da mesma forma, na das significações não possam ser utilizadas ao longo da pesquisa das
comparaçao de there, then, th1t~er, t~is e that, parece possível segmentar o segmentações do enunciado em segmentos mais amplos que os fonemas. Como
morfema th-,.qu~, segundo Hams, tena um valor interrogativo ( 1947 p. J 92). a segmentação distribucional [... ] e as divisões ligadas à significação [ ... ]
Podemos l ' J k, implicam uma segmentação dos enunciados em partes geralmente mais longas
/ f rac1ocmar
(1947 da mesma maneira para pi-empant.pan l I k, pow,puc
do que um fonema, é possível que as duas segmentações sejam freqüentemente
P ot, P ump • p._ l 93)? A resposta é antes negativa. Mas é preciso destacar
que essas mterrogaçoes nascem do rigor do métod d. t .b . 1· t idênticas. ( 1947, p.189).
Observamos que e _ . o IS n ucrona 1s a.
saussureana. De fato ssa ~oncepçao de .unidade é diferente da concepção Ele explica essa possível identidade pelo fato de que as diferenças
não é dada a priori 'efaara. a~ssure, ~ un1~ade não existe em si mesma, ~la semânticas correspondem em geral às diferenças de contexto:
negativamente em r~la ã~oà~xrste no mte_n.or d? si~ten:a da .língua, d~tinrda
~arecem, ao contrário, Jadas out~as: Na otrca d1stnbu~1o~ahsta, as unid?~es Há, em geral, uma estreita correspondência entre a divisão em morfemas que
lingüística consiste e ª
. pn.º':'• uma vez que a pnmerra etapa da analise
m seu mventáno. podemos estabelecer con1 base nas significações. e aquela que resulta de nossos
critérios distribucionais. E assim porque em geral os mortemas que diferem pelo
. A distribuição. A no ã0 . . . sentido diferirão também pelos seus contextos, se tomarmos contextos
imediato. Seia um 1 ç de d1stnbu1ção repousa sobre a de contexto suficientemente longos e em grande quantidade ( 1947, p. 189, nota 67).
e1ementos à 'sua direit e emento, A·· em· um enunciado,· ele está envolvi·do Por
ª
con~tituem a seleção deª; sua es~uerda, chamados de co-ocorrentes. Esses Dessa opção metodológica resulta que a análise distribucional é bastante
l trzed transcrito "o t' no enunciado em questão. Harris apresenta o exemplo restrita para tratar os casos de ambigilidade: com efeito, uma mesma distribuição
11
ne 1camente co I
mo ay#trayd/ e explica que: Pode ter duas segmentações e dois sentidos, como mostra o célebre exemplo
158 • A 1 GmndtJ TrorirJJ dn U11.ç11fJfirn
1'·~.... :.

Flying f?lanes can be dange~ous45 • Essa dificuldade coloca-se particulannente !'\osso mêtodo cC1mpona, fündamcmalmcmc, uma teoria das r.:l:i~·õcs entre :is
se considerarmos os procedimentos de tradução automática das línguas. frases. Essa :ihClrdagcm d:i ~m:l1ic:icon:;istc cm pc~untar,cm primeiro lug:ir.
não como ns fl"3scs s:'io scgmcm:id:1s [...J. m!ls ú )ltlO as frases são ligadas entre
2.2 Do distribucionalismo ao transformacionalismo si. A relação de h.nse que se enc~'nrra esrnhctcddn nqui fündo1~a cm csqu~mas
de fi-Jscs que exigem ns mcsnlt'1s escolhas de pal:wms para tonnar as lmses
Das unidades às frases accitâveis t 11.)i 1.p. 55-56).
Em um segundo momento de sua pesquisa, nos anos 1960, Harris interessa.
se pelo~ planos da frase e do discurso, naturalmente, animado pela sua concepção ..\s relnções entre ns ~ses são fundadas na trtm.~/brmaçiio: as frases de
uma li~gun podem ~er nnaltsadns e cl~ssiticadns a pnnir de algumas operações
das umdades da língua que repousa na hierarquização:
formais npltcndas as estrutums de tmscs ditas de base (cm ingl~s. kem els,
Em todo material lingüístico, as unidades, ou ao menos seus segmentos iniciais, frases ~uclearcs). Por .exemplo. a frase Esse! w s1ido foi f c!ito por 1111m
podem ser ordenados lineannente. Cada discurso é uma seqüência de fonemas. w 111ri!m1 pode ser nnnhsnda como a tr:msfonnação passiva da frase orfoinal:
De maneira mais precisa, significa dizer que cada morfema é uma seqüência de C:ma coswreira fe~ •'Ss.· l'i?stido. Esse procedimento permite expti'Car a
fonemas, cada palavra uma seqüência de morfemas, cada frase uma seqüência produção de frases complexas a partir da decomp1)siç:10 cm frases simples.
de palavras, e cada discurso uma seqüência de frases ( 1971, p. 10). Por exemplo. n frase .\faria (~\plica q11<' Paulo está doente pode ser
Seu projeto distribucional é renovado pela noção de transfonnação e dá d~omposta em: .\faria !!.\ plica: Pa11/o •'Stâ do.·111e. que produzem a frase
origem ao transformacionalismo. Consoante com o método descritivo que complexa por subordina çi'io. Harri s propõe uma tipologia de doze
ele havia aplicado às unidades da língua e à sua relação distribucional, ele transfommções possi\·eis (transfom1nção passi,·a. subordinação. substituição
pronominal. redução por elipse etc.).
parte da observação de frases para propor em seguida uma formalização
possível. Seu objetivo não é o de poder dar conta da totalidade das frases Esse trabalho não pode ser feito para todas as fu1scs da lingua e não está
produzidas, mas distinguir as combinações de segmentos que formam as frases em questão. para Harris. propor uma descrição exaustiva das fu1ses de ~ma
aceitáveis dos que não as formam. Esse é, para ele. língua, e. menos ainda. propor um modelo abstr.\lo de geração de frases (proJ.eto
que será posteriom1ente desenrnhido por Chomsky): trat~-se de reduzir a
o problema central da gramática, a saber, a caracterização de seqüências de di,·ersidade e a complexidade aparentes das frases às combmações de frases
sons ou de palavras que constituem frases ou discursos, por oposição às que simples. que são em número finito:
não constituem. ( 1971, p. 23)
Pode-se explicar 0 fato de que discurso e frose são s~qüc!ncias de ~lementos
Harris está atento ao fato de que "nem todas as combinações de elementos discretos por meio dc uma considcr:1çào sobre seu numero. O conjunto dos
constituem um discurso" (título de um capítulo de Estruturas Matemáticas da elementos urom::iticais. de car:itcr arbilcirio (quer se u:ntc de sons. elcme1~tos de
\·o~ b 1· .-
Linguagem): 'ª u ano. ou regras de c1a:.- 5 ·1 i-1 caç~•1 o e . compos1çào)
. , deve. ser .fintto ou
.
'""nn .._. 1recurs1Yamente
~enutave • 3 p..uu;rd""
n ..
.. um numero fimto de -c.eradores,
d" se assim
Em uma língua dada nem todas as seqüências possíveis de fonemas que na'o o 1·osse. esse conjunto
• - Poden·a' ser composto de elementos
nao · · 1scretos
d · e
pertencem a essa língua constituem frases ou discursos. O fato de todas as P"""- · ta'-. - t "d · d' · -
..... ~ vc l!C1 os. a 1spos1çao c
onium do locutor
.. .e do ouvmte. Disso enva o
fi · (1971
combinações possíveis não se encontrarem realizadas permite definir todo f.~·o
"' de que ao menos uma das tiormas d:i :::..ramattca e de natureza mtta , p.
elemento complexo (por exemplo, os morfemas) como fruto de restrições impostaS 12~
sobre as combinações de elementos simples (os fonemas) ( 1971 , p. 13).
ParaH · a i:r:ansfom1nçào é uma forr:imenta de ordenamento da língua.
tra arns
A explicação desse fenômeno constitui, em síntese 0 programa mínimo do 0
Gross e d nsfonnac1onalismo será. de uma parte. exportado para a França por
transformacional ismo. ' ~erath . e outra pane retrabalhado e reinterpretado por Choms1'')' e a corrente
~ lSta.
A noção de transformação ões
A noção de transformação responde a uma interrogação sobre as re1aç · na.lise do discurso
A.a
estabelecidas entre as frases e não sobre sua construção: E .... .,5 qu~m invema a expressão ª".ª·1·1se "º d1sc11r~o,
lilnanili:....: " ,J - em
em 1?)2,
o f:rai:ic~ da reY1sta Language, intitulado D1sco11rse A_11a(rs1s (traduzido para
45 "Os aviões que voam podem ser perigosos", ou "voar a bordo do avião ~e ser dadisc em 1969 e publicado na revista Langages, numero 13). Por "análise
perigoso" sendo quejlying é interpretado como forma verbal ou forma adjettva. Urso". Hams entende a análise do "enunciado continuo (escrito ou oral)

......._ -
1'41 • As Gr1111tks Ttor1111 tia I }#g11istira
l 111111,1/11111t11: 1/0 1lno1tnu,,,1J ,,~ 1;1mt111t111'> • ' ' '

que chamamos discurso" (1969, p. 8), isto é, a .análise de u.ma estrutura


lingüística que vai além da frase . Ele propõe ~plicar a essa d1 m~nsão (por 31(. PIKET E A TAGM t NI CA
exemplo, o texto) o método distribucional de maneira a mostrar o funcionamento:
J. I A situação de K. Pike
Ocorre que não podemos dizer exatamente: O QUE o texto diz, mas podemos Kcnncth Píke ( 1912 2000) pertence a outra vertente da sucessão
determinar COMO ele o diz - isso que sao os esquemas de recorrência dos bl()Onlfiddiana: embora Harris refina. e formalize o postulado da centralidade
principais morfemas que o formam (1969, P· 8). da foni1a isolada no ~tudo da llngua, Ptkc c~colhc priorizar a dimensão funcional
cscinãntica. Sua posição, :xp~ess~ por ~e10 do que ele denominou tagmémica,
Seu programa de "discourse analysis" é produtiva em duas direções: de aparece então oposta ao d1stnbuc1onalismo estrito de Harris.
uma parte, a análise fonnal dos textos (que será desenvolvida por outros
pesquisadores, sob o nome de lingüística textual) e, de outra parte, a análise Pike, lingüista, mas também antropólogo, poeta e filósofo cristão, considera
social das produções verbais, isto é, a consideração do domínio extra lingüístico: que epossível ter dois pontos de vista sobre os acontecimentos humanos:
Pode-se considerar a análise do discurso a partir de dois tipos de problemas _ um ponto de vista externo, fonnal, sem hipótese sobre a função dos
que, de fato, estão ligados. O primeiro concerne ao prolongamento da lingüística acontecimentos observados; esse é o ponto de vista que ele chama ético (do
descritiva para além dos limites de uma única frase. O segundo concerne às
relações entre a 'cultura' e a língua (isto é, entre o comportamento não verbal e inglês etic, moldado a partir de phonetic); para Pike, essa é a posição
o comportamento verbal) ( 1969, p. 9). bloomfiediana e harrissiana;
O método que ele propõe é o das classes de equivalência. Sejam os - um ponto de vista interno, semântico, que integra a interpretação dos
seguintes enunciados: acontecimentos mediante sua função no mundo: esse é o ponto de vista êmico
(de emic, construído a partir de phonemic).
Aqui, as folhas caem no início de abril Pike considera que o ponto de vista ético deve servir apenas como ponto
Aqui, as folhas caem no meio do outono de partida para uma investigação êmica dos acontecimentos humanos, e das
As primeiras chuvas chegam no início do verão
Nós começamos a nadar no início de outubro. produções linguageiras em particular. Desse princípio de base nasce a
1agmêmica (do substantivo tagmema), que constitui o objetivo central de sua
Dizemos que no início de abril e no meio do outono são equivalentes teoria. Em uma primeira definição, podemos falar de uma lingüística que integra
porque aparecem no mesmo contexto imediato. O mesmo se dá com as à fonologia a função e a significação.
primeiras ch~vas chegam e começamos a nadar. Esses elementos são ditos
pertencentes a mesma classe de equivalência: 3.2 A tagmêmica
~iz-se q~e os elementos (partes de texto-
morfemas ou sequências de morfemas) A linguagem como comportamento
~;~ ~quivalente~ entre si se aparecerem no contexto de outros elementos
1 nllc?s ou equivalentes. Todo o conjunto de elementos equivalentes entre si Para Pike, a linguagem não pode ser vista como um sistema autônomo,
denom1na-se uma classe de equ1va · 1.enc1a.
· Cada frase sucessiva
· do texto e· entã0 observável sem recurso a seu exterior. Ela é, antes de tudo, um comportamento
representada
.ti por uma sequencia·· • · de classes de equivalência às quais. suas humano com tudo o que ele implica na relação com outros domínios da atividade
d1crentes partes pertencem. Obt é m-se assim . para todo o texto um quadro de humana (Pike assume plenamente o behaviorismo de Bloomfield). Por
dcouptºd
1a entrada' 0 . e_ixo
· honzontal
· ' • as classes de equ1valencia
representando . • · con~guinte, a lingüística deve inspirar-se em outras ciências humanas, em
n 1 a
Isso não é por uma umca fra se, eixo vertical representando as frases sucessi·vas
· d·
0 particular a psicologia, a sociologia e a antropologia. Sua concepção se exprime
esquemas d~~ qu~dro de estruturas de frase (sujeitos, verbos etc.) mas 69
e nas quatro afirmações seguintes:
19-20). orrencta das classes de equivalências em todo o texto (19 •P·
1. A linguagem é um tipo de comportamento humano:
A análise de discu h . . frases
não se encad · rs? amss1ana tem por obietivo mostrar que as A linguagem é um comportamento, quer dizer, uma fase da atividade humana
e1am arb1tr · , , · desse
encadeamento dºfi an amente, que existe uma gramat1ca ál"se ~~e.dnão deve ser tratada em sua essência como estruturalmente separada da
distribucional pod~ ~;nte da gramática da língua, mas de que a an n:es ivi ade não verbal ( 1967, p. 26).
ou em outros continent conta. O que seus sucessores, ligados a o~tras cori:nos. • 2 AI"
es, mostraram amplamente nos últimos cmqilenta e· inguagem deve ser considerada no contexto das relações huma


omo um todo: . nas
...

W.- /IJ Grwrtk.1 'liorio1 J.1 I }11f.NÍJlira


f'lll~1..-,.t: J1 M-:,-:..:.n.,.,.-.! .- ("'r."'~I ,,._ • llJ.

A atividade do homem constitui um todo estrutural, na medida em que nã


pode ser dividido em partes, ou níveis. ou compartimentos bem nítidos em
0 l'\'i:''$kl~' 1..-:.::_,.,..). ·' fr.1::,• 1.s•·:~. ··:. y\ '' l""'fr:ll\,. ,, di:>(ur.;:,, lll<'"''lôgil.'.1'. :1
a linguagem estaria situada em um módulo comportamental, isolada d~s outqrue ~":.l J;.lk~.hi.1 \' .1'"'ll'1..·n:.1,-.1,, •h.11,,~.hl.\..\ linf11.1:;cm pM::ui t1111:i c:stmtur:1
comportamentos no pano • . d . os ·.•. .J..tl lr-i":..'lk.' ..-:..-:.s:. ·~:) !'','t\.'\'f'llH'I th'S I~:> pl:rno:: d:1 fo111,hlgiu. d:i
1 de suas caractenst1cas, e seu conteudo e de s t:"l-'·' • • • • 1. • l . \. .
organização. A atividade verbal e não verbal constituem um todo unificadoua .·~··.t:i-~.l ,. U.I n.·kn'fü't .I l <:.~'-' 11 ttm.1 lfü' 111 :1 pr.igm. 11(:1 l' .1 IC:<'rt:l <ll'S :ll(lS
tanto a teoria quanto a metodologia deveriam estar configuradas ~~ ~~ f.11.it Qu..mt•' à s:·n:.\nti,·.1. t:l.1 Sl' Cllú'l\ll".1. ,1~1r:1.1:1d:1 cm ú'rl<'S tr.1..;M
estabelecidas para tratá-la enquanto tal. ( 1967, p. 26). ti••:d,,fk"\'$ ,. fr.11n:m,~.us e:. J'lt\.'t.lhfü'llk'. n:i n.-ll·n.·11,·1:1:
- 3. Uma teoria da linguagem é aplicável aos ~utros comportamentos _ .!, Tl'1"' irt'm listl' ~- 11.'1" t~n,\mc:th' lingu:1gt•in') JX'k scr \'ist1' segundo
humanos e às combinações de comportamentos verbais e não verbais; assim Cif~nt~·s r~~~-,,:-civ:ls. Pikl' ddinc: t~s ren-pel·tiv:is. :llr.wês das qu:iis
trata-se de uma teoria unificada (a noção de teoria unificada, isto é, global' ~~iri:im cn~ l't>j~tl\$ dit\:-!X'nt'l's, :1s p:1ni,·ul:is. :is l'nd:is e os campos:
figura explicitamente no título de sua principal obra: Language in Re/ation 1~
an Unified Theory o/ the Structure o/ Human Behaviour, cujas duas partes l ) ..\ ~~ti\'3 t"Sf'.irica dc:fine o item em p.1nkul:i (Jmrrid,•). Sob esse
su.rgem em 1955 e 1960)46. .i::~..tlo. o irem~ àiscret1.). indi\'idu3.I. .-\ s p!11!1,·ms is0bd:is. por exemplo. são
:x.c"-ri::i!:Is:
4. o comportamento humano é estruturado, ele não é fruto do acaso.
Pike o mostra ao analisar a organização de um serviço religioso, de um jogo de b) ..\ ~-pecti\'u dinàmirn define os itens em ondas (wm·es). É. então. a
futebol, ou de um café da manhã familiar. d:::imiC':l àos irens que ~ preciso le'1lf em conta. isto é. a mnndr:i pela qual
tit!S ~ imbriC3m uns nos outros. Os sons se imbricam (01·<!rlap) uns aos outros
O postulad o da lingüistica de Pike ~ ir..::.srorm:i.m-se em ond3.S. Esse é r:imbêm o caso dos tr:lços semàmicos.
!!::D.l ,·ez que eles não podem ser pen:-ebidos um a um. como as particulas:
Pike enuncia quatro postulados universais afirmados para todo
comportamento humano: e) ..\ perspecti\'a relacion:il le\'3 3 obserYnçào das relações das unidades
- 1. Todo comportamento intencional, incluindo a linguagem, é dividido r.o sistema. Urna s6ie rotai de relações e de unidades nessas relações é um
em unidades. A unidade distintiva de todo comportamento é o behaviorema ca:npo (fie/d). :\s pala\'ras. que são interligadas umas :is outras na língua. se
(tenno formado por analogia com fonema, morfema etc.); i::..-;crevem em um campo: enconmidas em um contexto. diz-se que elas se
i::..<;...--revem em um campo de discurso (discourse:fleld).
2. As unidades são produzidas no contexto. O contexto afeta a forma:
as frases devem ser sempre examinadas em contexto pois a escolha do tipo de OTa.,,OJ.Dema
discurso (narrativo, científico etc.) afeta as unidades de que o discurso é ~tes de formular a definição de tagmema. Pike define a unidade como a
composto. ''Nada é significante em si. Um objeto ou um acontecimento adquirem ~tação do traço (feawre), defini,·el por oposição com outras unidades, da
uma significação somente após serem considerados no interior de uma estrutura ~festaçào (realização no discurso) e da distribuição (papel nas unidades
mais ampla", escreve Pike ( 1981, p. 48). Por isso, a tagmêmica só leva em ~amplas). Ele resume essa definição na fónnula: U = FMD. As unidades
consideração as formas atuais (actua/forms), isto é, autênticas. O argumento rnan%guagem podem ser. ob_se~·a,das sob ? à~1~ulo de seu~ traços, o de sua
das formas impossíveis (marcadas por asteriscos) é recusado pela teoria de P?ra ~ção 1 e o de sua d1stnbu1çao. Isso s1gmtica que a unidade lingüística é
Pike;
COnte elum elemento fundamentalmente plural e ancorado na produção
~tua dos enunciados.
- 3. As unidades são organizadas hierarquicamente. A noção de hierarquia 01agm:U~do a n~o de tagmema (já mencionada por Bloomfield para quem
é a pedra angular da tagmêmica: unidades menores manifestam-se como partes
de unidades maiores. As unidades da hierarquia gramatical são o morfema
~ prol>Õc ªe ~m~.ºnJunto d~ taxe~ns). Pike n considera a unidade da gramática
es~ífica co g •nte defint~ão: e a correlação de uma função gramatical
(raiz), o grupo de morfemas (stem), a palavra, a expressão (phrase), ª lllan1fes1a em~ª classe de ttens que assumem essa função. o tagmema
lllJla função (s .~ lugar (~/ot) panicular. em uma frase onde ele desem ~e
46A linguagem em relação com uma teoria unificada do comportamento humano. Pike é quase ~ capaies dUJetto, predicado, núcleo, moditicador) que os itens de s . p~n a
ignorado na França , malgrado uma obra importante, em particular no domínio das uni~a~es ~etivo). Pikee~xercer (nome, sintagma nominal, verbo sinta ua e asse
transfrâsticas (texto, discurso). Somente sua gramática foi traduzida para o francês e a umca
uma definição do tagmema através do se' . g111a verbal,
aplicação européia que existe de seus trabalhos é suíça, proposta por Roulet, 1969. gumte quadro:

~----
• 1
,, 164 • As Grondts Trotios dn U11g11ístiro
h•r1110/i11111Jf: do 4/1 i.d/J,./,,1Jf1 ,111 ;:t1.1fh'/1111i1 • "·"

Caixa 1 Caixa 3 4 M. G ROSS E A LÉX ICO-G llA MÁTICA


ONDE Q UAL ou OQUE
4.1 ~ma a plicnçilo do método hurrissinno no l'n mcês
(nuclear ou marginal na seqüência) [=Classe]
No final dos anos 19.60: Mauricc Gross ( 1914-200 1) produziu lrnhalhos
(= Lugar]
inspirados no n~t.\tod~) harns~1<1no, que Wm por linnlidndc a descriçfüi sislemnlic:i
Caixa 2 Caixa 4 das estruturas s r~lt:ítrcas da ltngua francesa. Ele l'undn pnrcinlmenle seu 111~1odo
POR QUE COMO É RELACIONADO sobre a desconfiança em rclaçilo ô formaliznçilo lcóricn que produz modelos.
Co lo<:a~1do-sc. res.olutamentc .do h.1do do empirismo mnlemúlico. propi'h.: uma
[= Papel ou função] (no código, o guadro ou a referência
descnçao do fünc1onamcnto smt<)ttco elas palavras lhrncesas com base 1111 noção
o universo do discurso, o tempo, ~ de transformação.
espaço ou a anáfora)
/= Coesão] A escolha de exaustividade cmpír icn
A posição de Gross é a de um empirismo sistemútico, que se opõe :\queln
dos teóricos que, segundo ele, se contentam em recolher informações esparsas
O tagmema é a unidade em contexto dotada dessas quatro características, que os princípios teóricos ficam encarregados de unificar:
que se manifestam simultaneamente. Lugar, classe, função e coesão funcionam
juntos, e a noção de tagmema permite ao analista perceber essa simultaneidade. A abordagem muito difundida que criticamos e que nos propomos substituir
consiste essencialmente em efetuar observações isoladas cm diferentes regiões
da estrutura lingüística. Essas observações jamais são sistcmúticns. c us
Tagmema e discurso . . "buracos" que as separam não são explorados empiricamente. Os construtores
O objetivo final da tagmêmica é fornecer uma te~na que .integre a de modelos deixam à indução n tarefa de preencher os buracos ( 1975. p. 10).
informação lexical, gramatical e fonológica. Portanto, a visão de lmgu~gem
como comportamento necessita reconhecer que ela não pode ser formalizada Essa posição implica uma abordagem crítica da teoria lingüística concebida
e a tagmêmica procura, por conseguinte, um equilíbrio entre a necessidade de como uma construção que pretende explicar por indução o conjunto dos
generalização sobre a linguagem e as particularidades e variações encontradas. fenômenos da língua:
Nisso a tagmêmica difere da maior parte das abordagens americanas da época, Essa fé na indução não se firma em nlgumn base cicntílicn. Existe como uma
em particular porque ela ultrapassa os limites da frase para ir até a estrutura crença respaldada por certos mm~uais ~e li~osolia que atribuem ~1m poder
total do texto, integrado em seu contexto. Pike, conseqüentemente, propôs extrapolador considerável às teorias ~isto e.. nos mod~los). Mcd1111~te essa
uma teoria tagmêmica do discurso (tagmemic discourse theory) que é crença, uma teoria (um modelo) poderia P.red1zer um numero de fcnon~cnos
praticamente ignorada na França. Sozinho ou em colaboração, ele publicou muito mais importante do que os que .se.rv1rn~1 d.e base para a construçno da
numerosos trabalhos que têm por objeto o texto ou o discurso. Citaremos em teoria. Não parece que tenha jamais cx1st1do tais situações ( 1975, p. 9).
particular seu estudo sobre as "instruções de montagem de uma churrasqueira", . Fiel aos postulados harrissianos, G~oss opta por tentar uma exploração
apr~sentado .em 198 i e?l Tagmemics, Discourse and Verbal Art. Ele utiliza a
un~verso
sistemática da língua francesa : ele cons1dern que somente a acumulação ele
noçao de
extrato seguinte: de discurso (universe ofdiscourse) que está sintetizada no dados "permitiria desenvolver considerações que podem conduzir à formulação
de teorias" (1975 , p. 1O).
No•u ln~"'""''º do mat"i'l "crito o ora/ é iofluonciada pelo conju~;~~· O método transformacion al
"º""
•i""'' °·
oxpeci.tJv.,; é '<>mooto om "Í<cêoçJ,' um tipo part"ula< do go ,,;
o<tilo ou do back-ground P"'•oal, ou do modo/o do peo.,mooto, "'
o matenal pode 'fazer sentido'. Já assinalamos que o sujeito pro1eta seus sab.ed ,
No quadro de seu Laboratório de automática d?cumental e de lingilística
~~DL'. ~niversidade de Paris VII)'. G~·~ss orga!11z.a e dirige um trabalho
'"'"'º'"· "'º stem~tico de análise da estrutur~ smtat1c?-semant1ea do francês, segundo
· E' po, · quo " ·'""•uço., do montagom 'f:az em senti . o uHm ~etodo de análise transformacional denvado dos métodos 1)ror1ostos .
esp.eciticamente na medida
mais amplo do sujeito ( J98 I,em
p. Jque
6). elas estão ligadas ao universo do discurs arr1s El .. . ~ · • • 1 , pot
0 :
0 sentido.
e utiliza, portanto, cntenos 1ormais, que não levam em eonsider ,:.
açuo

l
sobreAaslagmêmi'.a
tipologiasédas
•tuaJmento discurso.pelos '"balho, de Longacre (/ 98J)
COntinuada
formas de ~le examina, por exemplo, o que Harris denominou " ver·bos 0
Ou seJa d
~
•os verbos de construçoes comp 1exas que regem proposiçõe pera
, ores"
. •
s complettvas
....._
166 • AI Gmnd•I Teo1i1u da U11g,11f.rtir11

I ~tw, 1b u#i\f,' ofrt 1/ft1n h l 'l ( l#lt , ,,, /!lllfll'ttlll•• • ln1

e infinitivas de diversos tipos. Ele chega a uma classificação de 1.500 verbos


operadores, utilizando unicamente critérios sintáticos, isto é, segundo a natureza
Os mecanismos e representações utilizados sílo intl'irumcntc 1kspn.:gmlos d1>s
de seus complementos. Na seqüência desse estudo, ele opera sobre uma sentidos. mas[... ] toda a abordagem consiste cm ''-'lh11ir as vnrit1\'t'es de formn
quantidade muito grande de verbos do francês, submetidos a diferentes critérios que mascaram a distribuiçi1o dos sentidos. ol~jl·tivo (nindn distnntd dn descriçi1o
e chega a um quadro de 6.000 verbos classificados segundo 350 critérios, qu~ lingüística. Os métodos lexicais e sintáticos disp11nlwis l'Sti111 l11ngc ck hnver
pem1ite formular o seguinte princípio: não existem dois verbos que tenham 0 esgotado seu domínio de aplicação. Conscqilcntcmcntc. ncnhunrn língun. nté
mesmo comportamento distribucional, mas os verbos podem ser reagrupados hoje, foi descrita de maneira mzoavclnwnte completo pnr meio dc:;ses m~todos.
Evidencia-se, no entanto. que progressos foram rcnlizndos 11u11nd11 n dcseriçl1o
em classes a partir de analogias significativas de comportamento, chamadas do sentido pôde ser separada da descrição das formas. cmh11rn nudn de coerente
classes de equivalência. Esse princípio deriva de um trabalho e um raciocínio ou de geral possa ser afinnado atualmente pum n menor unidade de sentido.
verdadeiramente matemáticos: Podemos somente esperar que os métodos de trntnmento do sentido possnm
ser desenvolvidos a partir dos sistemas léxico-sinttlticos cm curso de construçilo
Dois elementos (isto é, duas entradas) pertencem à mesma classe desde que ( 1998. p. 54).
possuam as mesmas propriedades sintáticas.
Para nosso conjunto de 3.000 entradas (isto é, verbos) essa relação fornece um 4.2 As transformações unitárias e binárias
conjunto de 2.000 classes. Uma classe contém em média 1,5 verbo, então, podemos Detalhadamente, as transformações podem ser classificadas em dois grupos:
afirmar que não existem dois verbos que tenham as mesmas propriedades as transformações unitárias e binárias.
sintáticas (1975, p. 214). As primeiras concernem às frases elementares. de um só verbo: são a
passivação, a pronominalizaçào. a posposição do sujeito. Elas conservam o
As transformações passiva e pronominal aplicadas aos verbos jlâner sentido das frases e podem ainda constituir classes semânticas de equivalência,
(passear) e aimer (amar) mostram, por exemplo, que esses dois verbos não como mostram as operações realizadas sobre a frase Max leu três desses
podem ser reagrupados em uma mesma classe: livros:

Lucjlane la nuit /*Luc lajlane ! *La nuit estflânée par Luc a) pronominalização: Ele leu três desses livros; Max os leu os três;
Luc aime la nuit ! Luc /'aime I La nuit é aimée par Luc41 Três, Max os leu;
b) passivação e pronominalização: Três desses livros foram lidos por
As classes de equivalência permitem explicar o funcionamento das frases Max; Três foram lidos por Max; Três desses livros foram lidos
elementares (com apenas um verbo). Daí a noção de léxico-gramática, definida por e/e; Três foram lidos por ele;
da seguinte maneira:
c) posposição do sujeito e passivaçào: Foram lidos três desses livros
Denominamos léxico-gramática o conjunto de classes de equivalência das frases por Max; Foram lidos três por Max; Foram lidos três desses livros
elementares, conjunto que serve de gerador para as frases complexas ( 1975, p. por ele; Foram lidos três por ele.
45).
As transformações binárias são as que permitem ligar duas frases
Para a língua francesa, em 1990, a léxico-gramática dos ver?~s si?1:ples
elementares entre si, por exemplo: Max leu três desses livros e Luc
recomendou doze livros a Max. Trata-se de coordenações (Luc recomend
comportava 12.000 unidades e a dos ver?os compostos (expressões 1d1omattcas, ªMax doze livros e ele leu três), de subordinações circunstanciai·s ( 1L1 1°u
metafóricas, locuções etc.) compreendia 20.000. três 1· · nax eu
. 1vros porque Luc lhe hawa recomendado), das relativações (o A
1
A questão do sentido :vros q~e Max leu foram recomendados por Luc) e das subord· s tres
ompletivas (Luc recomendou a Max que ele lesse três Jes . mações
Como em Harris, a questão do sentido, que não intervém nos procedi~~n~os u, ses 1ivros).
de análise, é, entretanto, central: o objetivo do trabalho é associar aos cntenos 5 N. CHOMSKY E O MODELO GERATIVO
sintáticos critérios semânticos, a fim de articular os sentidos e o comportamento ser A ii:nportância dos trabalhos de Noam Chomsk .
sintático. Mas, em 1990 essa articulação ainda estava apenas no programa: r
l 47
N.T. Em port.uguês: a) Luc passeia à noite! •Luc a passeia/ *A noite é passeada por Luc;
b) Luc ama a no1te I Luc a ama/ A noite é amada por Luc
ro· Dledtda pela sua repercussão mundial na lingü' (nascido em 1928) pode
co~tnplamente ~ifundida nos anos 1960 e 1970 ~s ica. A teo~ia chomski
lin-~ º.ºs do ensmo. O nome de Chomsky toro ' nto nos meios de pe ~na
6UJStJca. ou-se quase um . ~ . squ1sa
sinonimo do de
~ ~
......

u~• , 11 <,1, 111dn 'l 11111,11 1/11 I JHINflt1111 ~:51"ff'!i: J1 l.r1ontrn1"ro .; .c.<,.J."/nt,,,..,, • 1•9

5.1 O projeto chomskiano para chegar a um estado final. tendo como resultado a produçilo de uma frase:
Chomsky é um aluno de Harris, marcado por seu trabalho sobre a tradução isso é a gramática de estados finitos. que Chomsky considera como
automática no MIT (Massachusetts lnstitute of Technology, em Cambridge ..extremamente potente e gernl ..( 1957. p. 23). mas que e incapaz ele explicar
nos Estados Unidos). Mas ele contesta o princípio harrissiano do corpus finit~ certas frases.
de enunciados naturais (tradição do descritivismo, enraizado na lingüística Gramática dos co11stit11i11tes (GC). Chomsky volta-se. enlào. para a
americana desde a metade do século XIX): se ele recebe e aceita a herança análise em constituintes. que é uma descrição em termos de estru1ura
da formalização e do transformacionalismo. ele recusa a do empirismo sinta!!mática. O modelo propõe um conjunto de "fónnulas de instrução·· (isto é,
descritivista. É preciso assinalar suas ligações científicas com N. Goodman de regras de reescrita) que permitem engendrar frases por meio de un~
(um dos grandes teóricos do construtivismo), pouco conhecidas, mas que procedimento de "derivação... Por exemplo, a frase O homem jogou a bola e
explicam certos aspectos iniciais de sua teoria. en2endrada por uma seqüência de 9 derivações produzidas pelas fom1as de
Chomsky propõe uma teoria transformacional e gerativa, em que uma das in~ção, marcadas por o+ ( 1957, p. 30)4s:
características é a evolução dos modelos: ele expõe o que chamamos sua
"teoria padrão" nos anos 1950 e 1960, depois a "teoria padrão ampliada.. nos Frase (I)
anos 1970, e propõe um último modelo nos anos 1980, com desenvolvimentos SN + SV {li)
nos anos 90: a "teoria dos princípios e parâmetros... Exporemos aqui as grandes Art+ SN + SV (III)
linhas da teoria padrão, que dominou por longo tempo a lingüística nos Estados Art + N +V + SN {IV)
Unidos e parcialmente na Europa. O + N+V + SN (V)
O + homem + V + SN (VI)
5.2 A teoria padrão O + homem +jogou + SN (VII)
Trata-se de uma teoria das estruturas lingüist:icas expostas no livro Simacric O +homem +jogou + Art. + N. (VIII)
Str11cr11res ( 1957). Ele é centrada na sintaxe. que é para Chomsky o centro da O + homem +jogou +a + N. (IX)
análise de uma língua: para ele. a sintaxe é autônoma. e ela deve permitir O +homem +jogou + a + bola. (X)
"construir uma teoria geral formalizada da estrutura lingüística e explorar os
fundamentos de uma tal teoria..( 1957. p. 7). Em busca de uma linguagem formal. Chomsky constata que esse modelo é mais eficiente que o primeiro, mas
Chomsky examina a eficiência de abordagem teórica de vários modelos se funda no princípio de que "a prova mais decisiva da inadequação de uma
sintáticos antes de propor o seu. teoria lingüística consiste em mostrar que ela não pode absolutamente aplicar-
se a uma língua natural" (1957, p. 39), ele prova que ela é inadequada para
Os modelos sintáticos explicar a formação das frases.
Chomsky dá uma definição muito clara da sintaxe e de sua função:
Gramática tra11sfor111acio11al (GT). O modelo da GT vai prolongar e
~ sin1axe é o esl~do dos princípios e dos processos segundo os quai~ as melhorar o dos constituintes. Chomsky introduz novas regras, chamadas
t:Jses são constnuda~ ~as línguas paniculares. o estudÕ sintático M uma "transformações gramaticais":
hng~a tem como O~J~m·o a construção de uma gramática que p<Xlc ::er
,x1ns1Jc~da uma es!>('c1e de mecanismo que produz as frases da língua tomada Uma transformação gramatical T opera sobre uma seqüência dada [...] que
pamunãhse( l957.p. 13). possui urna eslrutura sintática dada, e a converte em uma nova sequência
dando-lhe uma nova estrutura sintagrná1ica derivada ( 1957, p. 50).
EI~ insiste no que denomina ..a independência d8 · ·, .. •m ~laçilll
ao sentido (encontramo · . . . g~mat 1\:a ~ .
. . d ,... . k s. aqui. um dado.do. d1stnbuc1onahsrno hamss1ano)..
ob~l·uvo l' '- 11oms y será elaborar u . . as
º . A transformação passiva, por exemplo, operando sobre John adm · .
~nc~rity (formalizável em: SN I - Aux - V - SN2), engendra Sinceri/'~s
fruses gramu1kais d, . m modelo capaz de explicar todas.

--
1 drnired by John (SN2 - Aux + be + en - V- by - SN1)49.
célebre exemplo da\: 1~~~ª. ln~~ª·. ~o plano de sua estrutura sintática. Ele da o
y s
pcrfoitamen1e 0"mm011· . 11.: .·h idt'ms .''i''!ll!s sc>m cor dormem furiosomenre.
1.:u mas 11-semttnt1l·o. 48SN· ·
J · sin1agma .
nominal; .
SV: sintogrnn verbal;Ar1: urtigo· N: 11011 • y
Gra111áti<·a do ~'Stadofi 110 d ohnadmiraasinceridade-Asinccridadeéudmiradap~r J h \C, ·verbo.
49
. C'h 0
teórico da comunica~ão 0
:;: · omsk~· e~amina. no quadro de um mod~lo 0 Paniclpio passado para os verbos como to eat (eaten). n. Oelemento en é a desinência
• so de uma maquina que pane de um estado inicial

Llllli.......L
,..
l'IU • tt ( '"'"''" l tml;o 1/d I "W''''"'' h1n1t''" "'"" ''" ,1,.1111/11'1t1/m 1HI Jf!f'll/ll'IJINO • 111

e'hoirniky clí 11tlngm: aH tru11111\irm11çé'les focullativas e obrigatórias. Se e é necessário compreender que a distin~·ilo chomskinna (competência/
fllUISÍvlu;no é fii cullulivu. o uuxiliu~ (para ohter .frase~, em ingl.és, no presen~ desempenho) não é somente teórica: é tnmbém epistemológica e institucional.
f!
111 •1'/i·rt, por cxe1t1plo) é 1111111 truns f~1rmac,:.í'lo ohngalóna; conjunlo de frases Estr11turas projimtla.o;/.rnperfldai.o;. A grnmát icn trnns formaciona 1
rirmluiidnKpcln 1rarncfi1rnwc,:í'lo ohngut~mu. é chumado ' nucleo da língua". As
f'rnses de 1111111 li ll KllU scrno c1.1tí'lo de dois ~1pos: as frases nucleares e as frases postula a existência de transformações n partir de fra ses nucleares e, a partir
dcriv11d11s de scq!lêm:ius s11hjucenlcs às frases nucleares. disso. propõe que duas thtses aparentemente diferentes (estrutura superficial )
baseiam-se em uma mesma estrutura profundo, comum ils duas frases antes
Em i>ltimn 11116lisc, Chomsky propôs uma urquitelura geral da gramática da transformação. O inverso é igualmente verdadeiro: duas fra ses
or81111iz111lu c111 três 11lvci11 sucessivos: ' aparentemente análogas podem proceder de duas estruturas profundas
diferentes. !Por exemplo, as duas frases Pierre promete a Maria vir e Pierre
n) cstruturn si11tugm{1ticu: é o nível da construção de seqüências de
permite a Maria vir são aparentemente análogas (mesma estrutura de
11111rlcmns urgunizudus segundo lonnulas de instrução;
superfície), mas diferentes na profundidade (uma sugere a vinda de Pierre, a
h) ci;truturn trunsfonnncionnl: us sequências de morfemas são submetidas outra a de Maria) 50•
1\s trunsform1u;ões llUe produzem sequências de palavras;
O modelo e seus componentes. O modelo exposto em Aspectos da
e) morf'ofonologiu: as sequências de palavras são convertidas em Teoria Sintática comporta três componentes:
seqllêneins de fone11111s.
Chomsky conclui pelo superioridade, em termos de eficiência explicativa - O componente sintático é constituído pelas regras de reescrita que
do modelo trunsfonnncionnl. ' produzem esquemas sintáticos e pelas transformações que perm item o
engendramento das estruturas superficiais a partir das estruturas profundas;
O modelo padrão - O componente semântico, relacionado à interpretação, sem relação
Em 1965 (com o livro Aspectos da Teoria Sintática), Chomsky propõe com o precedente, e ainda estático, é constituído pelo conjunto dos dados
umn teoriu geral (exposição mais elaborada da teoria padrão), que introduz necessários à compreensão; ele é articulado ao componente sintático no nível
dois conceitos que se tomam centrais em lingUlstica: as distinções competência das estruturas profundas.
/ desempe11/w e estruturas pro.fundas /superficiais, que dão uma dimensão
mentulista a seu modelo, uma vez que implicam a presença de esquemas internos - O componente fonológico, relacionado à interpretação, permite a
no sujeito, anteriores à produção das frases . Chomsky se afasta mais da herança co~rtura das estruturas de superflcie; é o que está mais ligado às línguas
distribucionalista, que privilegia o empirismo e o mecanicismo. particulares, e as variações são, por conseguinte, mais importantes.

Competêndaldesempenho. O par competência/desempenho tem As evoluções posteriores da teoria chomskiana vão no sentido de uma
analogias com o distinção saussureana língua/fala: como Saussure, Chomsky abstração crescente: na teoria padrão estendida, ele dota as estruturas
nfnstn os trabnlhos sobre os enunciados produzidos (domínio da fala) para ir superficiais de maior pertinência n,o modelo. Sua interpretação funda-se na
em direção à gramática (estrutura sintática), enquanto Saussure constrói uma noção de "fonna lógica da frase". E o coração do que se denomina a "teoria
lingUlsticu da llngua (sistema da lingua). dos traços".
Chomsky situa o trabalho do linguista ao lado da competência dos locutores, O campo aberto pela teorização de Chomsky é importante, tanto no
isto é, dos conhecimentos intuitivos que um sujeito falante tem de sua língua e Plano.do ~úmero de trabalhos que o evocam, quanto no de sua longevidade. Se
de suas estruturas: ªteoria sintática perdeu o lugar central que ocupou até os anos 1980 devido à
~lller~ência das lingOisticas da fa la (discurso, texto, interação), resta'ainda u
Umu grnmáticn nllo é um modelo do locutor ou do ouvinte [...] ela tenta anteiro aberto às pesquisas. m

---
cnrnctcrizar. dn maneira mais neutra, o conhecimento da língua que fornece sua
bnse ncolocnçllo cm ato efetivo da linguagem pelo locutor-ouvinte ( 1965, p. 19)
A linglllstica gerativa não é, portanto, uma teoria das performances, isto
so E .
é, ~as. produções efetivas dos locutores (seu desempenho). Outras lingüisticas lternpto citado por Fuchs & Le Gome, 1992, p. 76.
(d1stnbucionais, enunciativus. discursivas) colocam-se do lado do desempenho.

L.
112 • _..l.J Gr.:r.IÍll I t0nt11 J.; ' ""ftMUlt1;t

Capítulo 9
BIBLIOGRAFIA

BLOOMFlELD, L. Lc Langage. Paris: Payot, 1970.


CHOMSKY, N. Structures Syntaxiq ues. Paris: Seuil, 1969 [Estruturas As lingüísticas enunciativas
Sintáticas. Lisboa: Edições 70).
. têm por ~undam cn1o comum uma critica
HARRIS, Z.S. Analyse du discourse. ln: Langages, nº 13. Paris: Didier-
· ···As ·lingüísticas
d li enunciativas •.
a•
Larousse, trad. F. Dubois-Charlier, 1969, p. 8-45. hngu1st1ca
·d a ngua
1 e um desejo
. de
_ estudar os fatos de •r: 1 •. . d -
1a a . a pro uçao ed
GROSS. M. Sur la notion harrissienne de transformation et son application au enuncia
. ... os· pord ocutores
e. 1 · na .s1tuaçao
. real de comunicaça-0 . o programa teorrco
· ·
français. ln: Langages, nº 99. Paris: Larousse, 1990, p. 39-56. da 1mgu1stlca a 'ª a e explicitamente mencionado, mas logo d~scartado por
PIKE , K. & PIKE, E.G. Analyse g ramm aticale. Introd uction à la Sauss~re..~º ç:LG. Retomando ~ssa alternativa de uma lingüística da língua vs
tagmémique. Louvain-Paris: Peeters, 1995. uma lmgmstJca da fala, Benvemste assim reformula tal oposição:
Eis ~i verdadeir~~e.nte dois universos diferentes, embora abarquem a mesma
realidade, e poss1b1htem duas lingüísticas diferentes embora os seus caminhos
se cruzem a todo instante. Há de um lado a lfngua, c~njunto de signos formais.
destacados por procedimentos rigorosos, separados por classes, combinados
em estruturas e em sistemas; de outro, a manifestação da língua na comunicação
viva. (Benveniste, 1995, p. 139)
Segundo Saussure, no ELG 51 , esses dois universos "reclamam cada um
uma teoria separada" (p.92). Aquele universo da "comunicação viva", segundo
Benveniste, emerge a partir de uma problematização da hegemonia da língua
nos anos 1970. Em L 'Énonciation. De la subjectivité dans /e langage,
Catherine Kerbrat-Orecchioni resume, em cinco pontos, os postulados da
lingüística da língua e as críticas que lhe são endereçadas ( 1980: 6-8):
(1) Trata-se de uma lingüística do código, ao qual devem ser relacionados
todos os fatos da fala;
Duas críticas: de um lado, o código não tem nenhuma realidade empírica
(pois há os dialetos, os socioletos, os idioletos etc., enfim uma grande variedade
n?s_usos da língua) e, por outro lado inter;oga-se sobre a maneira pel: qual o
~od1go se manifesta cm discurso, por meio de um modelo de produçao e de
interpretação.
(2) Nessa perspectiva, a unidade superior a que chega a análise é a frase
[...).
Crítica: Existem "regras de combinatória trnnsfrásticn" que permitem dar

--
conta do funcionamento de unidades superiores il frase.

~\ SAUSSURE, F. de. Écrlts de Llngulstlquc Générulc. Puris: Gnllimard, 2002 [Escritos d e


QgQlstica Geral. São Paulo: Cultrix].
t74 e lt ( •'il•"'' I N~I J.i I l # t;#'f•hul
--
. 1' /i"._~,;rit1.·.11 oum.·i.111n11 • tu

(~)O mcc:mii<mo de produçi1o do« senlidllo; é relati vamente simples:


1.1.As origens csquccid~1s: C. Bnll:y e i\ t. llnkht in
reconhece-se nele um duplo suporte: A..tra?.~çào apr~.sc1~ta corm.'mt_:ntc Êmiic B~nvcnistc (anos t 950 e 1960)
como pai da te?n:\ d.1 enunctaçao. cmborn o lllll' rcssc dos lingilist:ts pelos
- o significante lexical 1... 1
- certas construções sintáticas 1... 1:·
pr?bl.emas enu~c1:it1vo~ remonte a.os anos ele 191O e t na Europa e na no
Russta. Nessa epoc~1 vc-se ..c?m efeito. emergir n problemática cnuncia1i va.
Critica: de fato. todas as unidades linglllsticas podem part icipar da mas seu desenvolvimento e mterrompido pela cxpnnsilo rúpida do modelo
construção dos sentidos. un idades fonéticas. gráficas. rítmicas. textuais. estrutura lista.
Houve. seguramente entre 1912 e 1926. uma polcmica sobre o discurso
(4) Quando se considera o problema da ' fala'. isto .é. do código em indireto livre que tem na origem as problemáticas da enunciação e dn in1craçiio5~.
funcionamento, é no quadro do famoso esquema da comunicação (Jakobson)
no qual a fala aparece como um colóquio ideal entre dois indivíduos li-.Tes e -
Charles Bally responde a um lingüista alemão assinalando a repunnància~
francês pelo discurso indireto devido à necessidade da constrnçiio conjuntiva.
do
conscientes e que possuem o mesmo código: comunicação. conseqüentemente, Ele explica. então, que o francês dispõe do discurso indireto livre. do qunl ele
transparente. sempre bem sucedida. analisa o funcionamento sobre o plano enunciativo. Nesse debate, as form as
Critica: Trata-se, neste caso, de uma concepção idealista que silencia os lingüísricas do discurso reportado são analisadas explicitamente segundo os
planos da enunciação.
fracassos da comunicação, suas incessantes regulagens. os fenômenos
inconscientes que a detenninam. A fala é uma atividade humana e deve ser Anterior a Benveniste. há também. do Indo russo. Mikhail Bakhtin-
abordada sob um ângulo prático. Volochinov ( 1895 - 197 5)53 • para quem a concepçno de linguagem,
fundamentalmente interativa, implica necessariamente considerar a enunciação.
(5) Postulado da imanência. enfim. que afirma a possibilidade e a Para ele um si!mo não existe senão em seu funcionamento social. a materialidade
necessidade metodológicas de estudar 'a língua nela mesma e por ela mesma·. e a idealidadeformam um todo. Ele não distingue o enunciado e sua enunciação.
desconsiderando radicalmente o extralingilistico. trata-se para ele de um único e mesmo dado. o "enunciad?-enunciaçào", ~ue ~
uma ''forma-sentido". Cada forma é portadora de senttdo e esse sentido e
Critica: não se pode desconsiderar o referente no estudo dos fenômenos proveniente de uma produção social. Nem sistema abstrai?· nem expressão
linguageiros (particulam1ente o caso d~s dêiticos, como veremos). nem 0 que é individual, a linguagem humana pode apenas ser compreendida se ancorada na
da orde~ ~os. contextos de produção. E necessária uma abertura em direção a dimensão social de sua origem.
outras d1sc1phnas.
As lingUisticas
., das quais.nós
. iremos falar aqu 1· i:aun damentam-secada uma 1.2. Da comunicação à enunciação
sobreuma á
·da ou v nas dessas cn11cas
. • a partir das q ua1·s e 1as f'undam os postu.1ados O esquema da comunicação de R. Jakobson
de parti : ( 1) e (3) par.t uma lingüística da · . . .
textual '4) e (5) para 8 r·ingo · . d . enunciação, (2) para urna hngil1sttca A consideração da dimensão enunciativa pem1ite enriquecer a concepção
·' 1st1ca o discurso
O estrutur.tltsmo desenvolv fu · da comunicação tal como ela é apresentada e difundida pelo famoso esquema
1970 momento no qual e e apro nda a teoria da língua até os anos de Jakobson em 1963:
expli~iwnente no segundo ~:ergem os trabal hos que. insere~ endo-se
mesmo tempo, tal abord . p grama, se concentram sobre a enunciação. Ao contexto
da lln~ua. uma vc1 que el:g:c~\in~o deve ser radicalmente oposta à lingilistic3 Destinador mensagem destinalúrio
Henveniste e: Culioli n amenta em uma pane de suas origens: Sally. canal
e"' trutura11s1a. A ltnu(lf'I5• 1'por
.11 .1exemplo . • s"ao gramat1
. .cos lormados
. no campo código
em um <'O nJun1o · ., 1.: uu enuncia"" . · · · · com cletto.
··
.1e. p ·s . ~"º·cm seu rnk 10 cons1s11a
· u · e quurns b • ' ·
enunrnll;àu na lula 111arc . que uscavam e analisavam as marcas da
enunciaçàu
· •
a ~UbJe11vida· us °
1 Jque sll as 1·erramentas cuja fünçllo é inscrever na
ue o 1ocutor. ::-- . . ver Boggioni, 1998 ln.: VION, 1998.
53 Para
s2 obra ,. arxi"smo e Fiiosofia tia Li11g1111g<'111 na Rlissia, em 1929.
relato detalhado .dessa poll:nu,c,u.
E )'I i
l.GÊNESt DAN la Só
1
· . M. ,Bakhtin. publica suo n e 0 ponuguês no linnl dos anos
0 franc.:s . 1970. Por questões
0ÇÃO DE ENUNCI AÇÃO Po\·1tcas,
. sera lradu21da
a obra paro na R.ussia com 0 nome de V.N. Voloclunov
foi publicodn

~.
176 • A1 ( ,'nmdtJ -""fui,~- t/11 T~11ÍJlir11

1'11 lil~P,11/Jtiftl1 r111111ri11lil'l11 . 111

As críticas a esse esquema são numerosas e podem ser resumidas em


quatro pontos:
no centro da lingüística. A concepção do sujeito clássico, isto é, autônomo, que
esse esquema desenha uma comun icação homogênea e linear quando coloca em palavras suas intenções, que dirige o conteúdo de suas falas e se
seria necessário falar mais precisamente de uma compreensão parcial entre o apropria das formas da língua, é fortemente atacada.
destinador e o destinatário; A partir dos anos 20, com Bakhtin, o sujeito falante é um sujeito em relação
com seu meio, que tem interiorizadas as normas e as formas discursivas
o código está situado exteriormente à comunicação, entretanto, ele é exteriores a ele, mas que o constituem. A enunciação é, então, o verdadeiro
constituído pelos saberes internos dos sujeitos falantes; lugar da 'fala', definida como interação verbal:

nada é dito sobre as competências extralingüísticas (enciclopédicas, A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de
psíquicas ou culturais); formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interaçcio
esse esquema não integra o modelo de produção (codificação) e de verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações ( 1986, p. 123)
interpretação (decodificação).
Para atenuar essas falhas, Kerbrat-Orecchioni ( 1980, p. 19) propõe a Essa concepção do sujeito heterogêneo é particularmente explorada nos
seguinte reformulação: anos 1980 por J. Authier que elabora o par heterogeneidade constitutiva vs
heterogeneidade mostrada ( 1982). O sujeito é constitutivamente heterogêneo
Competências j REFERENTE Competências na medida em que é atravessado por sua própria divisão, pelo social, pelo
lingiiísticas lingüísticas discurso de outrem, pelas numerosas formas de exterioridade. Mas esse sujeito
e paralingüfsticas e paralingüísácasl pode também mostrar sua heterogeneidade no seu discurso: ele submete-se a
uma encenação particular das diferentes vozes que o atravessam e ao falar
exibe a polifonia. Os trabalhos de Ducrot sobre a polifonia são fundados sobre
EMISSOR a contestação da unicidade do sujeito falante.
RECEPTOR
Codificação- MEN~EM- decodificaçãoj Essa concepção interacional da comunicação polemiza com uma
representação da comunicação que repousaria sobre as palavras de um locutor
Competências Competências destinadas a um interlocutor: os dois protagonistas constroem juntos a
ideológica e íli' ideológica e comunicação e é por essa razão que a enunciação toma-se, para Culioli, uma
culrural , cuJturaJ
1
co-enunciação. Há essa mesma idéia na filosofia da linguagem, ao referir-se à
comunidade de enunciação. Trata-se, também aqui, de uma concepção interativa
"psi" . 11 de enunciação:
''psi"
O conceito de interlocução é primitivo, ao passo que os conceitos de locutor e
Coerções do universo de alocutário são derivados (JACQUES, 1983, p. 57-58)
de discurso Coerções do universo
de discurso 1

Essa concepção de sujeito corno co-enunciador, co-autor da fala, encontrar-


se-á igualmente nos pesquisadores da Escola de Palo Alto e em Habermas
~oddo de pr~uç~ filósofo estudioso da comunicação. '
l\foddo de intcrpremçàt
1.3. As definições d a enunciação
O sujeito da enunciação

Bcnveo~'
A abordagem enunciativa da linguagem implica também uma teoria do
É.
· Benveniste · te ( 1902- 197 6) que se encontra a definição
f' · original e
ObJet~ ~rrabalho
'"i.•ito, i• quo •ão'"" mo"" do in"<ição no enunciado que con,.iruem o
E em , . "A cnuocinção é este colocnr em unc1onamento a

mdt~~
.do do lingüista. Enquanto as abordagens estruturahsta e
canônico de enunmça?duol de utilizução." ( 1989, p.82). Ele a compreende no

q"'~ro opo~iç
gcrativ1sta ignoram a questão do sujeito, o ponto de vista enunciativo o coloca
llngu, por um
sernantico. oto
Benvemste c fimdomcn tal entre o domínio semiótico e o dominio
.de •m• hama ".emiótica" o que é do domínio da lingua:

~
171 • _...IJ C:n1111lr.J Traniu tli1 I ;,,,_111JIJM A1 li111ill1tira1 1111111tialil'tl.J • 119

Enunciemos cntilo este princípio: tudo o que é do domínio do semiótico tem por Essa abordagem repousa sobre a distinção que faz Ducrot entre frase e
critério necesst\rio e suficiente que se possa identificá-lo no interior e no uso da enunciado: a frase é o encaixamento siotagmático virtual, enquanto o enunciado
llngua. Cada signo entra numa rede de relações c de oposições com os outros é 0 segmento efetivamente produzido pelo locutor. Como Benveniste, Ducrot
signos que o deli nem, que o delimitam no interior da língua. Quem diz 'semiótico' restringe o trabalho sobre a enunciação às palavras da língua: Conforme sua
diz 'intralingülstico' ( 1989, p. 227) afinnação, seu ponto de vista é "estritamente lingüístico".
E chama "semântica" o que é do domínio da fala:
D. Maingueneau
A noção de semântica nos introduz no domínio da língua em emprego e em As definições ou perspectivas mais recentes consideram os trabalhos
ação; vemos desta vez na língua sua função mediadora entre o homem e o realizados nos últimos 30 anos. É assim que Dominique Maingueneau (nascido
homem, entre o homem e o mundo, entre o espírito e as coisas, transmitindo a em 1950) pode assinalar que a enunciação é "o pivô da relação entre a língua
informação, comunicando a experiência, impondo a adesão, suscitando a e o mundo" ( 1998, p.53) e propor uma explicação que repousa sobre os
resposta, implorando, constrangendo; em resumo, organizando toda a vida pressupostos que devem ser descartados:
dos homens. ( 1989, p. 229)
-A enunciação não deve ser concebida como apropriação, por um indivíduo,
A enunciação é claramente colocada no campo da semântica e no quadro do sistema da língua: o sujeito só acede ã enunciação através das limitações
da frase. Com efeito, para Benveniste, a frase é a unidade do discurso, pois a múltiplas dos gêneros de discurso.
liberdade do locutor aí se exerce, salvo no que concerne à sintaxe:
- A enunciação não repousa sobre um único enunciador: a interação é
A frase, criação indefinida, variedade sem limite, é a própria vida da linguagem preponderante(... ]
em ação. Concluímos que se deixa com a frase o domínio da língua como sistema
de signos e se entra num outro universo, o da língua como instrumento .de - O individuo que fala não é necessariamente a instância que se encarrega
comunicação, cuja expressão é o discurso (1995, p. 139) da enunciação (ibid).

Mas ele trata da frase realizada por um locutor, e não da frase-modelo dos 2. O APARELHO FORMAL DA ENUNCIAÇÃO: É.
gramáticos ou dos gerativistas: BENVENISTE
A frase é então cada vez um acontecimento diferente· ela não existe senão no Existem, no interior de enunciados produzidos por locutores individuais,
instante em que é proferida e se apaga neste instante; éum acontecimento que marcas da "colocação em funcionamento da língua": é o que Benveniste chama
desaparece. (1989, p.231) de "aparelho formal da enunciação", que comporta, nas produções verbais, a
A definição de enunciação para Benveniste é delimitada à frase e são os subjetividade dos locutores.
lingüistas do texto e do_discurso que ampliam o conceito para além da frase.
2.1. A situação de enunciação
Observa-se em Benvemste uma abordagem gramatical da enunciação.
A situação de enunciação é consti~ída pelo conjunto dos parâmetros que
O.DUCROT pennitem a comunicação: o locutor, o mterlocutor, o lugar e o m~mento da
Uma outra definição fundadora, na França, da noção de enunciação. é interlocução. Esses parâmetros inscrevem-se em certas formas da lmgua, por
dada_ nos anos 1970 por Oswald Ducrot (nascido em 1930)- a enunciação é meio da dêixis. Dêixis é uma palavra grega que significa "ostenção, fato de
mostrar" e que é empregada para designar a identificação linguageira dos
cobonsdrderada cor~o o acontecimento correspondente à produção de enunciado,
a r agem estreitamente Parâmetros da situação de enunciação. São c~~adas dêiticas, as formas que
· ana· 1oga aquela
• ·
de Benveniste. Oferecemos. a seguir, recobrem geralmente ao mesmo tempo os 10d1cadores pessoais e espaço-
uma re tiormu 1ação recente:
ternporais, embora Benveniste empregue o termo somente para os indicadores
[a enunciação] é a t . . .
enunciado fi01· d0 ~on ~cimento histórico constituido pelo fato de que um ~~~ço-}emporais. Jakobson utilizará, por sua vez, o termo embrayeur, tradução
buscand pro. uzido, isto é, que uma frase foi realizada. Pode-se estudá-lo ingles shifter, emprestado de Jespersen ( 1922). Jakobson assim 0 define:
[ ] M o as condições socrn1s · · e psicológicas
· que determinam essa procl uçao.
-
e·~·unci=~ã~º~f~se também estudar [... ] as alusões que um enunci~do faz à Todo código Jingilístico contém uma classe especial de unidades g . .
que P<>dem ser chamadas de embreadores (embrayers)· a si n·fi ramatrca1s
tal estudo ' d ~ões que fazem parte do sentido mesmo desse enunciado. Um um embreador não pode ser definida fora de uma referê~ci àg tcação geral de
1
medida e~e e1xa conduzir de um ponto de vista estritamente lingüístico, ~a p.178) ª mensagem ( 1963,
interpr t ã iue todas a~ línguas comportam palavras e estruturas cuJa
e aç 0 az necessariamente intervir o fato da enunciação. (1995, p.60J)

~ ~
- / (J IÍl~(l1illiMI r mnlfi11lirrt1 • UH

isa • As (;mfults ·1tori111 tl1 l..iNJ111itir.1

Imaginemos que cncontrússemos na rua um bilhete com a inscrição


os dêiticos pessoais seguinte: "Venha aqui lllllllnhi1 na mesma hora". Sem a data da redação e
A presença do locutor e do interlo~utor no enunciado é assinalada pelos lugar exato do encontro, isso é, sem as informações extralingüísticas, torna-se
pronomes pessoais. Deve-se a Benveniste o fato de haver mostrado que os impossível esclarecer os elementos aqui e amanhei. Os dêiticos espaciais podem
pronomes de lª e 2ª pessoas ~êm um estatuto dife~ente daqueles d: 3ª pessoa, ser os demonstrativos (Feche essa porta), advérbios e locuções adverbiais
justamente porque eles constituem as marcas da situação de enunciação. Com (Ele virou à esquerda), apresentativos (Eis Paulo); os dêiticos temporais podem
efeito, eu e 111 podem apenas designar os protago~istas na enunciação (a pessoa ser os advérbios e locuções adverbiais (Eu estive em férias no último mês),
que fala e aquele a quem se fala), enquanto ele e a pessoa da qual se fala, não demonstrativos (Este mês aqui , as coisas irão melhorar), tempos verbais
pertencendo à situação de enunciação (é, segundo Benveniste, a "não-pessoa"): (aqueles que se ordenam em torno do momento de enunciação têm um valor
dêitico mais ou menos evidente, já que eles tomam por referência o momento
Nas duas primeiras pessoas, há ao mesmo tempo uma pessoa implicada e um no qual o locutor fala).
discurso sobre essa pessoa. Eu designa aquele que fala e implica ao mesmo
tempo um enunciado sobre o 'eu': dizendo eu, não posso deixar de falar de mim.
Na segunda pessoa, 'tu' é necessariamente designado por eu e não pode ser Os planos de enunciação
pensado fora de uma situação proposta a partir do 'eu'; e, ao mesmo tempo, eu Em um artigo do livro Problemas de Lingiiística Geral, intitulado "As
enuncia algo como um predicado de 'tu•. Da terceira pessoa, porém, um predicado relações de tempo no verbo francês"( 1995), Benveniste propõe classificar os
é bem enunciado somente fora do 'eu-tu'; essa forma é assim excetuada da tempos em uma perspectiva enunciativa, isto é, em relação ao investimento do
relação pela qual 'eu' e 'tu' se especificam. Dai, ser questionável a legitimidade locutor em seu texto. O autor distingue dois planos, aquele da história, sem o
dessa forma como 'pessoa'. ( 1995, p.250).
engajamento do locutor em seu texto e aquele do discurso, com um forte
De fato, as pessoas 1 e 2 só têm realidade no discurso e não têm significado engajamento. Ele fala da enunciação histórica e da enunciação de discurso.
estável e universal: Esses dois planos dividem os tempos da língua e propriedades distintivas, que
se podem resumir no quadro seguinte.
Qual é, portanto, a 'realidade' ã qual se refere eu ou tu? Unicamente uma
'realidade de discurso', que é coisa muito singular. ( 1995, p.278) Discurso
História
Isso conduz Benveniste a propor as definições seguintes: Aoristo; imperfeito; mais que - Todos os tempos, salvo o pretérito
Eu significa 'a pessoa que enuncia a presente instância de discurso que contém perfeito; prospectivo perfci to (passé-si111ple).
eu'(l 995, p.278) - Principais: presente, futuro, passado
[...)obtém-se uma definição simétrica para tu, como o 'individuo alocutado na
presente instância de discurso contendo a instância lingüística tu' ( 1995, p.279) (passé-composé)
e

Com efeito, se se requer que estejam eu e tu em um mesmo enunciado Domínio da oralidade ou de


Domínio da escrita
como: "Eu te convido para almoçar na terça-feira", pode-se somente responder: produções orais.
~

eu é a pessoa que diz eu e tu é a pessoa a quem eu diz tu, na medida em que


3' pessoa Todas as formas pessoais
todos os locutores utilizam essas formas. Tais formas não têm conteúdo
semântico, elas constituem somente as realidades do discurso. -
~ marcas dêiticas Com marcas <l~icicas

Os dêiticos espaço-temporais Referência: o tempo <lo Referência: tempo da enunciação


O espaço e o momento de enunciação inscrevem-se em outras formas da acontecimento cnunci:ido
língua que só podem ser elucidadas a partir da situação de enunciação:
São ~s indicadores da dêixis, demonstrativos, advérbios, adjetivos, que Apartir deste trabalho íundaclor, Mainguencau ( 1998) propõe uma oposição
orgamzam as relações espaciais e temporais em torno do 'sujeito' tomado como entre 0 plano de enunciação cmbrcudo e não-cmbreado:~1~ando o locutor fala,
ponto de referência: 'isto, aqui,agora' e as suas numerosas correlações 'isso, ele produz um enunciado embrcado (marcado pela dc1:x1s, que assinala sua
ontem, no ano passado, amanhã', etc. Têm em comum o traço de se definirem Presença enquanto locutor) ou não-embre~c.lo (sem marcas dêiticas, quando
somente com relação à instância de discurso na qual são produzidos, isto é,
sob a dependência do eu que ai se enuncia ( 1995, p.288). sua Presença enquanto locutor não é explicita no enunciado). Com efeito, a

~ ~
A.r lingiiistiea.r tltNntiatiuaJ o 113

llU • ..t1 ( .r.mdn ltrm,Jf rl.1 1J1t.~11iJlitoJ

Cada frase comporta um dictum, o conteúdo representado, e um modus, a


peração psíquica pela qual o locutor. dá uma certa "forma lingüística" a esse
oposição história/discurso é um pouco rígida, pois os acontecimentos passados
podem também ser descritos em relação ao m~m~~to e~unc~ação (como 0 d: ~·ctum.
1 Compreende-se que a modalidade de enunciação refere-se à relação
bjetiva que o locutor instala com o interlocutor.
conto ou a anedota) e, nesse caso, o termo h1stona nao e mais apropriado.
Além disso. tem-se muito freqüentemente em um mesmo texto uma alternância su Nesse sentido, há numerosas modalidades que correspondem aos
entre os planos da história e do discurso (por exemplo, um diálogo em uma dispositivos psicológicos do locutor. Elas podem ser marcadas explicitamente
narrativa). A terminologia história/discurso conduz a uma confusão lamentável 00 discurso ou aparecer de maneira implícita. De um ponto de vista gramatical
entre os planos (embreado e não-embreado) e os tipos de texto (poder-se-ia fnístico, é comum atribuir quatro modalidades à frase:
crer que o protótipo narrativo, que corresponde à palavra história, é,
inevitavelmente, não-embrcado, o que é inexato). Além do mais, todos os - assertiva : Você fica freqüentemente silencioso.
enunciados sem cmbreadorcs não são forçosamente narrativas: por exemplo
os provérbios. as notícias, as posologias, os artigos de lei etc. - interrogativa: Você fica freqüentemente silencioso?
Essas criticas levam Maingucncau a propor o esquema seguinte ( 1993, - Exclamativa: Você fica freqüentemente silencioso!
p.79):
- Imperativa: Fique em silêncio!
Plano de enunciação

/ ~ 2.3. As modalidades de enunciado


Em breado Não-cm breado As modalidades de enunciado referem-se propriamente ao dictum. Elas
exprimem a atitude do locutor em relação ao conteúdo do enunciado. A
/ Narrativa
/I~Demonstrações
1
modalidade do enunciado não se sustenta sobre a relação entre locutor e
interlocutor, mas caracteriza a maneira pela qual o locutor situa o enunciado
Auto-biografia em relação às seguintes categorias:
C:iri:i
Provérbio Receitas <lc cozinha
Poesia-lírica, etc. Manuais escolares As modalidades lógicas
Gêneros jornalísticos O interesse dos filósofos e dos logicistas pelas modalidades é antigo, mas
as primeiras formalizações estreitamente relacionadas à lingüística apareceram
no início do século XX. Distinguem-se, geralmente, cinco tipos de modalidade:
Vê-se que o plano da história de Benveniste corresponde, em Maingueneau,
ao plano não-embreado narrativo, e aquele do discurso ao plano embreado. - as modalidades a/éticas, que se referem à necessidade e à possibilidade;
2.2. As modalidades d e enunciação - as modalidades temporais, que se referem à representação do passado
Existem igualmente marcas de enunciação não dêiticas: é o caso da e do futuro;
modalidade, isto é, a maneira pela qual o conteúdo do enunciado é considerado. - as modalidades deónticas, assinalando a permissão e a obrigação;
Essa noção é antiga, já que os gramáticos da Idade Média fizeram a distinção - as modalidades volitivas, que exprimem o remorso e o desejo;
entre a modalidade e o conteúdo proposicional dos enunciados. Na época - as modalidades epistêmicas, referentes ao conhecimento e à crença.
clássica, falava-se da fonna e da matéria, em La Logique et / 'Art de pen!er
de Amauld e Nicole por exemplo. Mas é Sally que instala a noção em lingüíst1ca, As modalidades apreciativas
reelaborando a distinção latina entre modus ("maneira de dizer") e dictum ("o As modalidades aprecíativas são aquelas que permitem ao locutor exprimir
que é dito"). A modalidade é então: sua subjetividade de maneira não dêitica. Kerbrat-Orecchioni (1980) mostrou
a forma lingílistica de um julgamento intelectual, de um julgamento afetivo, ou ~omo certos nomes, adjetivos, verbos e advérbios poderiam ser os lugares
de uma vontade que um sujeito pensante enuncia a respeito de uma percepção es~a apreciação, enquanto outros são marcados pela objetividade. Nós daremos
ou de uma representação de seu espírito (1942, p.3). ~ui 0 exemplo dos adjetivos, dos quais ela resume o funcionamento no esquema
Presentado a seguir.
qu Os adjetivos afetivos enunciam simultaneamente uma propriedade do objeto
e eles determinam, e uma reação emocional do sujeito falante em face desse
r;.. d
1 Íe7 • ''·' C:n7tulfl l 'tmirll 1/11 I i1!r._11/tf/111
- --
,., , lil~?/il11irm m11111111llt'Ft1 . 18~

enunciação é o acontecimento histórico que constit 11 1• ·i ·ip·iri·ç-<> d ·


(é uma realrda
· de concreta), o qual se distingue· cl·i f't··isc
• • •ei t·d a e 1 umb enuneiac
t s 1o
bjeto. Os adjetivos ava liativos não-axiológicos (axiológico significa "o qu .
teoria .da ~nunciacao inscr:vc-se cm uma semântica lingiiística: se a frase tem
• . , 1 1 ac e a s rata .. ua
âa.ordcm do valo~")_ são aqueles "que sem ~nun~iar o julgame~to de valor, n:~
• • _ • •

0 envolvimento atet.'vo da parte do locutor, 11np.t1cam uma avaliação quantitativa


uma s1g111 tic~ção, o enunciado t.em um sentido, isso é, a descrição que ele dá
ou qualitativa do objeto denotado pelo substantivo que eles determinam.'' ( 19 de sua enunciação. Ducrot explica que o sujeito folante reúne três instâncias
p.85). Os adjetivos avaliativos axiológicos são aqueles que se referem ao~
80 distintas: o sujeito ,falante, propriai~ente dito, indivíduo que pertence ao mundo,
0 locutor responsavel pela enunciação face a seu alocutário e o enunciador
princípios da verdade, do belo e do bem, que são os valores.
responsável pelos atos ilocucionários, isto é, pelos efeitos produzidos sobre seu
ADJETIVOS destinatário. Por exemplo no enunciado "A ordem será mantída custe o que
custar", o locutor é um ministro, os alocutários são os cidadãos, os destinatários
OB.l ETIVO S - - - - - - - - - - - - SUBJETIVOS são os bons cidadãos se o ato ilocucionário é uma garantia e os maus cidadãos
se o ato il ocucionário trata-se de uma ameaça. Há, pois, dois tipos de
Solteiro/ casado
Vermelho, azul, verde...
AFETIVOS~ AVALIATlVOS
destinatários nesse enunciado. Vê-se que esse modo de considerar a produção
dos enunciados é bastante próximo do que Bally chama modalidad_e: o s~j.eito

/\
t-.fasculino / feminino Doloroso falante atribui vários pontos de vista que dependem de seus d1spos1t1vos
Alegre/ triste psicológicos. Deve-se, pois, reconhecer, como assinala Larcher ( 1998), que o
verdadeiro antecedente de Ducrot na teoria da polifonia é Sally, no .que
Patético
concerne ao conteúdo da noção, mesmo se o termo (polifonia) tenha vmdo
NAO AXIOLÓGICOS AXIOLÓGICOS
inicialmente de Bakhtin.
Grande/ pequeno Bom/ mau
Quente/ frío Bem/mal 3.2 Dois lugares d e inscrição da polifonia
Alto/ baixo Bonito/ feio Polifonia e negação
Ducrot, no estudo da negação, dá sua melhor ilustração da polifonia
enunciativa. Em um capítulo de sua obra O Dizer e o Dito, intitulado "Esboço
3.TEORIA DA ENUNCIAÇÃO E POLIFONIA: 0.DUCROT de uma Teoria Polifünica da Enunciação" (1984) ele explica que todo enunciado
3.1 A polifonia enunciativa. negativo de um locutor 1 supõe um enunciado ou um pensamento inverso de
A polifonia enunciativa é uma noção que diz respeito ao sujeilo da um locutor 2. Produzir um enunciado negativo, é, então, apresentar ou imaginar
enunciação e às vozes que ele deixa aparecer no enunciado. Ela é sustentada um ponto de vista oposto ao seu e se situar em relação a esse ponto de vista.
pelos nomes de Bakhtin e Ducrot. Bakhtin utiliza o termo polifonia em 1929 na ~i~er por exemplo "Pedro não está lá", é opor-se ao P?,ºt? de vista inve.rs~ que
obra sobre a criação em Dosto'ievski, que na primeira parte intitula-se "0 dina "Pedro está lá". E se o interlocutor responde Sim, Pedro esta la'', o
romance polifônico de Dostoi'evski". A noção intervém no quadro do estudo do emprego do termo afirmativo sim se explica justamente pe]a repetição da
discurso indireto livre, assinalando que o narrador pode fazer intervir a voz do asserção afirmativa "Pedro está lá", contra a qual se construiria "Pedro não
personagem em uma mesma situação de enunciação. ~stá lá". "Pedro não está lá" é um enunciado negativo polifônico, no qual se
Ducrot integra o conceito de polifonia em sua teoria no estudo Les mors identifica a afirmação "Pedro está lá".
du discours (As palavras do discurso), em 1980:
Se consídernmos que 'exprimir-se' é ser responsável por um ato de tàla. então Polifonia e ironia
minha tese permite, quando se interpreta um enuncíado. de aí entc:nd~r se A tradição retórica define a ironia como uma forma de antífrase. Em
exprimir uma pluralidade de vozes, diferentes daquelas do locutor. ou 111nda,
como dizem certos gramáticos a respeito das palavras que o locutor não toma numerosos clichês que se apóiam na ironia, como "Muito esperto!" ou "Bonito!",
por sua própria conta, mus coloca, explicitamente ou não. entre aspas. uma P~de-se, com efeito fazer essa análise: o locutor enuncia A enquanto pensa
"polifonia" ( 1980, p. 44). ~ao-A. A lingüística', a partir dos trabalhos de Sperber e Wilson (1978) e de
Bakhtin e Ducrot nilo falam da mesma coisa quando empregam a palavra D~rrendonner ( 1981 ), redefine a ironia no interior da problemática da polifonia.
P?lif0 nla, mas eles perseguem, entretanto, um objetivo comum: colocar em Po~t~~ ex~Iica que, na ironia, o locutor l aprese~ta su~ enunciação como 0
discussão a unicídade do sujeito falante. Lembramos que, para Ducrot, ª e vista de um enunciador E do qual ele se d1stanc1a. Isso quer dizer que

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11!6 • .111 Gmntlel Ttoria1 tln 1i~culirira

fundamenta a unidade da lingüística é o trahalho teórico", declara Culioli (2000,


enunciado irônico refere-se a uma outra voz que aquela do locutor, voz que o p. 20), que insiste, ali{1s, sohrc a faculdade generalizante de toda teoria:
0
locutor apresenta como ilógica, incoerente ou ridícula e, pois, desqualificada.
Nesse sentido, "Ótimo!" a propósito de um superfaturamento, por exemplo, ou Em uma palavrn, nos é preciso um sistema de rcprcsentaçiío que suporte a
"Que esperto!", que toma um insucesso manifesto, são apresentados como gcncrali7.ação, que seja robusto, e que esteja cm uma rclaçilo de exterioridade
enunciados deslocados e incoerentes em relação à realidade da situação. cm relação ao seu objeto ( 1990, p. 21 ).
A ironia compete plenamente à lingüística enunciativa na medida em que
os sinais que a marcam são implícitos e contextuais. A intenção irônica do Os níveis de representação
locutor impõe ao destinatário uma estratégia de decifração que pode, às vezes, Culioli situa a atividade do lingüista cm relação a três níveis de fenômenos.
fracassar. Esses sinais podem ser inscritos na matéria linguageira (palavras O nível 1 é aquele das representações mentais (de ordem cognitiva e afetiva).
enfáticas, contrastes) ou depender do sistema mimogestual (mímicas, tom). Esse é o nível nocional, ao qual nós não temos acesso, mas cuja existência
deve ser integrada à elaboração teórica cm lingüística. O nível 2, aquele das
representações lingüísticas, é constituído pelos traços da atividade de
4. AS OPERAÇÕES ENUNCIATIVAS: A. CULIOLI representação do nível 1, que são chamados "representantes de segundo grau".
Trata-se do nível empírico. Enfim, o nível 3 é aquele da construção explicita
4.1. O objeto da lingüística das representações metalingüísticas, isto é, aquelas que são objeto de um
Uma das particularidades de Antoine Culioli (nascido em 1924) é de comentário analítico do locutor sobre suas produções linguageiras: trata-se do
fundamentar seu trabalho teórico sobre uma reflexão de ordem epistemológica. nível formal que é constituído por diferentes ferramentas, como a língua de uso
Retomando a questão da natureza da lingüística e de seu objeto, ele sustenta (chamada "língua U"), a terminologia lingüística, os símbolos etc.:
sua concepção de ciência da linguagem sobre os postulados constantemente
reafirmados no conjunto de seus trabalhos. Estes últimos, constituídos As representações do nível 3 devem estar cm uma relação de exterioridade em
essencialmente de artigos e de conferências, foram reunidos nos três tomos de relação ao nível 2, mas uma exterioridade "engajada", de modo que o formal seja
Pour une linguistique de l 'enonciation ( 1990-1999), aos quais nos referiremos empírico formalizado, e que o empírico, ao passo e à medida das generalizações,
venha colocar em questão o formal. ( 1990, p. 23).
aqui.
A partir dessa arquitetura tripartite, Culioli elabora sua teoria enunciativa
Linguagem e língua . da linguagem, á qual corresponde uma tríade terminológica precisa: é chamado
Culioli faz questão de trabalhar no quadro da relação entre a lmguagem e linguageíro o que resulta da ativi~ade de linguagem; lingüístico o que
línguas dito de outro modo, ele considera que a elaboração teórica pode e concerne às operações complexas CUJOS traços são as configurações textuais
:ve a pen~ se fazer a partir das produções dos locutores (os textos) no quadro e metalíngüístico o domínio da atividade do lingüista que descreve e representa
de sua língua de uso: os fenômenos observados.
Eu direi que a lingüística tem por objeto a atividade da linguagem apreendida 4.2 A teoria enunciativa
através da diversidade das Hnguas naturais (e através da diversidade dos textos Da frase ao enunciado . .. . . .
oraís ou escritos). Eu insisto sobre estes dois pontos: de um lado, eu afirmo que De acordo com 0 postulado geral da lmgü1st1ca enunciativa, o conceito de
0 objeto da linguística é a atividade de linguagem (ela própria definida como
operações de representação, de referenciação e de regulação); de um outro frase como terreno de análise é descartado em proveito do conceito de
lado, eu afirmo que essa atividade nós podemos apenas apreender, a fim de enunciado, que permite engloba~ todas as produções do sujeito falante, tanto
estud~r o seu funcionamento, através de configurações específicas, de Orais como escritas, compreendidas também aquelas que não têm aspecto
formal da frase francesa ca~ônica. Culioli dá o exemplo do enunciado· M. .
0
or~~mzações em uma língua dada. A atividade de linguagem remete a uma
a~v1dade de reprodução .e de reconhecimento das formas, ora, essas formas mtm pére. .Mn vé/o, /e g111don, /e chrome, il est parti (Eu meu '. .º'·
nao.podem ser estudadas mdependentemente dos textos, e os textos não podem hicícleta, o guidão, o cromo. ele partiu). para esclarecer qu~ .P~1• .sua
ser independentes das línguas. ( 1990, p.14) formação enunciativa não são as mesmas que as re d as 1eis e boa
frástica. Com efeito, não é a produção linguageira grasl e boa formação
. Pa_ra ele é a teoria que define a disciplina na sua homogeneidade, ponto de interessa, mas a significação do enunciado no que por .e a mesma que lhe
vista diferent~ d~quele que constitui a lingüística como disciplina no CLG,já
8
que aussure insiste, sobretudo, na definição da língua como objeto: "O que
condições de produção: respeita ao resultado das
/ l,r li11;t/ilitit11s t 111111ci11lir1lf • t89

188 • A .r Cn111rlr1 ·1'roria.f tia I il!~llJÍlim

-A /exis. Culioli chama lexis um conj unto pré-lingüístico ele dados de sentido
O problema-chave continua a ser o da comunicação, isto é, de uma significação (figuráveis por uma série d.e pal~vras entre colchetes), que são atualizadas e
complexa entre enunciados (textos), uma situação de en~nciação , um sentido moduladas durante a enunciação.
(relação entre os 'objetos' lingiiísticos que remetem aos Objetos extralingüísticos
com suas propriedades tisico-culturais), os valores referenciais (modalidades Uma lexis é, ao mesmo tempo, o que se chama, freqüentemente, um conteúdo
tempo, aspecto, quantificação etc.). ( l 999a, p. 47) ' proposiciona! [.. )e uma.forma geradora de outras formas derivadas (família de
relações pred1cat1vas, de onde a constituição eventual de uma família parafrástica
Culiol i insiste, sobretudo, sobre a característica fundamental da situação de enunciados) ( 1999a, p. 1O1 ).
de interlocução, que é uma não-simetria entre produção e reconhecimento, 0
que o conduz a preferir o termo co-enuncíação ao de enunciação. Por exemplo, a lexis [Pedro, vir] pode engendrar o enunciado a: "Pedro
vem... assinalando a vinda de Pedro como simples acontecimento; o enunciado
A co-enunciação b: "Eu desejo que Pedro venha", formulando um desejo, ou o enunciado e: "Eu
Os dois parâmetros da produção e do reconhecimento são sempre não quero que Pedro venha", exprimindo a rejeição. Esses enunciados formam
mencionados por Culioli, visto que se trata da situação de enunciação. Como o uma família parafrástica derivada da lexis de partida.
emissor e o receptor têm cada um dois papéis, já que o emissor é também seu
próprio receptor e que o receptor é um emissor potencial, há uma dessimetria - Noção e domínio nocional. A noção é um conceito que se refere ao
fundamental no ato de interlocução. Cada um constrói ao mesmo tempo a nível 1, aquele das representações mentais não acessíveis diretamente. Como
produção e a recepção do outro, trata-se, por isso, de "co-enunciadores" para a lexis, a noção é inscrita entre colchetes:
Culioli:
Decidimos chamar noção esse feixe de propriedades físico-culturais que nós
Não é possível satisfazer-se com um modelo simplificado de linguagem l~i~do apreendemos através de nossa atividade enunciativa de produção e de
a uma caixa-preta entre um emissor e um receptor, que, como seu nome 10d1ca, compreensão de enunciados. ( l 999b, p.9).
alternativamente emitem e recebem ( 1999 a, p.11 ).
A noção situa-se na articulação do (meta)-lingüístico e do não lingüístico
O diálogo é, com efeito, a dimensão fundamental da comunicação e Culioli em um nível de representação híbrida:
rejeita, ao mesmo tempo, o modelo linear de transmissão de informação e a
idéia de um "universo pré-recortado, sem modulação, nem qualquer adaptação" - de um lado, trata-se de uma forma de representação não lingüística , ligada
(ibid.) que permitiriam aos co-enunciadores uma comunicação transparente: ao estado de conhecimento e à atividade de elaboração de experiências de
cada pessoa. [... ]
Ora, o fato de que possa haver uma atividade de comunicação, supõe, ao - de outro, trata-se da primeira etapa de uma representação meta lingüística
contrário, a existência de um ajuste, a existência de um circulo vertiginoso, a . [...] Pode-se designá-la pela expressão ter a propriedade de ( 1999b, p. 8-9).
saber, a produção por um sujeito de um agenciamento textual, de modo que este
último seja reconhecido por um outro sujeito como tendo sido produzido a fim Por exemplo, a noção de /animado/ descreve-se pela lista de propriedades:
de ser percebido como interpretável e, enfim, interpretado de uma maneira ou humano, animado, adulto, criança, animal doméstico, inanimado, forças da
de outra (ibid.) natureza etc. A noção de /determinado/ corresponde às propriedades: individual,
lllaciço, indivisível etc.
Já que são necessários conceitos "para fundamentar essa estabi lida<l,e A partir dos construtos teóricos, Cul ioli descreve o funcionamento
deformável e esta plasticidade sempre estabilizada pelo jogo enunciativo, a~v:.s enunciativo da linguagem através do que ele denomina de operações.
~os aju,~tes e fracass~s'_' (i~~d.), Cul.i~li define os "objetos metaling~ís~tc?s •
1.e., os construtos teoncos necessarios para construir um sistema dmamico, As operações enunciativas
e nã? estático c?m? ?1uita~ teorizações linguísticas. Projeto que ele mesmo P -.A operação de localização. Trata-se de uma das operações chaves que
qualifica como dtflctl,Já que implica poder tratar todos os enunciados encontrados ermitem dar conta da elaboração de enunciados no quadro da co-enunciação:
quaisquer que eles sejam, de acordo com 0 postulado inicial da teoria.
Os objetos metalingüísticos .
?quele
é
conceito de localização está ligado ao .conceito de localização relativa e
.de detenninação. Dizer que X em relação a Y significa que x
é localtz~do
il Dentre as ferramentas apresentadas por Culioli escolhemos expor a /ex1s locahzado (no sentido abstrato do termo), situado em relação a Y, que este por
1~ e a noção. ' sua vez serve de Iocalizador (ponto de referência) seja ele mesmo localizado em
1
1)() • Ir l.ouulr> liwtilr 1t1 I "~f.HÍJfim

rclnçi\o u um outro localizudor ou a um localizador original ou de que seja ele Capítulo 10


mc:m10 origem" ( 199%, p.9).

Por exemplo, no enunciado "O livro está sobre a mesa", x "o livro" é
locnl izado cm relação ao localizador y, "a mesa". Diz-se que x é o localizado
e Y o localizndor. Em nosso enunciado, mesa é o localizador de livro.
As lingüísticas discursivas
- As op erações constitutivas de um enunciado. Nós daremos
apenas dois exemplos de operações constitutivas de um en~nciado, Agrupamos sob a etiqueta lingiiísticas discursivas a lingüística textual, a
apresentadas por Culioli, dentre as cinco que ele explora em sua teona. análise do discurso e a semântica de textos, que se fundamentam sobre a
dimensão transfrástica dos enunciados.
- A relação ordenada ou relação primitiva: é a relação que une x e y, sendo 1A LINGÜÍSTICA TEXTUAL
dois domlnios nocionais. Por exemplo, a relação parte/todo ("O gato tem duas
orelhas") ou interior/ exterior ("O gato está na casa") são relações primitivas. 1.1. Situação e descrição da disciplina
Fala-se, então, de relação de dois argumentos. A operação de relação primitiva História e geogr afi a da lingüística textual (LT)
repousa sobre a idéia de que existe, em um nível profundo, pré-lexical, uma
gramática de relações primitivas na qual a distinção entre sintaxe e semântica Geografia. A abordagem das unidades transfrásticas, i.e., unidades
não tem nenhum sentido. superiores à frase, é um fenômeno de origem americana, pois a lingüística
européia esteve principalmente constituída sob o postulado saussuriano do
- A relação predicativa ou relação orientada: é a relação na qual intervém primado da língua que teve como efeito, até os anos 1970, desconsiderar os
mais de dois argumentos. Em um enunciado com os argumentos x, y e z, a textos e os discursos, i.e. as unidades superiores à frase. No início dos anos
relação predicativa instaura um lugar entre x e z e entre y e z. Trata-se, por 1950, o lingüista americano Zellig Harris apontou os problemas do nível
exemplo, do caso das estruturas factitivas: ' Pedro faz entrar o gato na casa". transfrástico e da relação entre cultura e língua, pontos retomados e refinados,
posterionnente, por Pike. Pode-se citar igualmente, como continuadores dessa
Esse quadro teórico permite a Culioli proceder a numerosas análises abordagem, Longacre e a tipologia dos discursos que ele fonnula em 1968, e
lingüísticas, sustentadas sobre estruturas lingüísticas como a determinação, a também o trabalho determinante de Halliday & Hasan, publicado em 1976,
negação ou o aspecto, sobre palavras como bem ou pois ou sobre enunciados Cohesion in English (Coesão no inglês).
como "um moço tão gentil!" ou "Você acha que pode?!:' Os alemães dominam igualmente uma tradição de lingüística textual
(Textlinguistik) com uma orientação gramatical (Textgrammatik) representada
por Petõf, Lang, Thümmel e Weinrich ( 1973 e 1989)s.i, trabalhos que começam
BIBLIOGRAFIA a ser difundidos na França no início dos anos 1970.
Na França, são os domínios da semiótica e da análise do discurso que
BENYEN ISTE. É. Problemes de linguistique génér a le, 2 vol. P~ris:
trabalham o domínio da fala, mas as verdadeiras tentativas de reflexão sobre o
texto são bastante raras, e provêm freqüentemente da filosofia 55• Da Suíça
Gallimard, 1966 e 1974 [Problemas de Lingüística Geral 1 e II. Campinas. vem a elaboração teórica mais completa em lingüística sobre a noção de texto
Pontes]
com Jean-Michel Adam (nascido e_m 1947)~ cujos trabalhos, ao mesmo temp~
CERVONI,
Ática]. J. L'énonciation. Paris: PUF, 1992 [A enunciação. São Paulo: ~umerosos e em constante evoluçao, constituem atualmente a referência em

--
rngua francesa, em matéria de lingüística textual. '
KERBRACHT-ORECCH IONI, C. L'énonciatlon. De la subjectivité dans
le langage. Paris: Armand Colin, 1980. .
MAINGUENEAU,
9 D. Les termes clés de l'analyse du discours. Semi, Pari~: 541Onº26 da revista langages, cm 1972, propõe um panorama da gnuiiári'c d
A emanha. a e texto na
19 6 [Os termos-chave da análise do discurso . Belo Horizonte: Editora da
UFMG]. 55 Pode . .
·se c11ar Combettcs 1983, Lundqmst 1980 e 1983· Ricocu l 98G 1
• r • acques 1987.

~
'91 :-::ii" r:;;;;;;,tJ 1(1111111 di1 I il!f!.11/Í lira ."'Is /i1~~1ililitt1J 1/i1r11rti/'{IJ e l9J

Hist<Jria. A lingüística textual, enquanto disciplina das ciências da linguagem, Nessa ?b~a, os autores não ~e limitam unicamente a uma descrição de fotos
constituiu-se a partir de várias heranças: J,
trans~rast1.c~s [... eles enfatizam o fato de que a competência dos sujeitos lhes
penrnte d1sungu1r uma coleção de frases sem relações de um todo unificado.
- As hipóteses estruturalistas contêm a idéia de que as unidades superiores Segundo Halliday & Hasan, essa competência geral se acompanha de uma
à rrase são organizadas como as frases. E, sobretudo, Ricoeur quem formula competência relativa às grandes formas de textualização e aos gêneros (1999,
56 p.9).
essa hipótese em Du texte à l'action, essai d 'herméneutique ( 1986) ;
- A semiótica literária, representada na França por Houdebine, Kristeva, Esse "todo unificado" é o objeto escolhido por Halliday & Hasan,já que
Bat1hes, Genette, Greimas e o grupo da chamada Escola de Paris, constroem seu trabalho concerne à continuidade do discurso, por meio do inventário e da
igualmente um objeto no qual as dimensões ultrapassam o quadro da frase; classificação das expressões relacionais. O discurso é, com efeito, para eles,
- A semiologia, representada, por exemplo, por Grize e Borel, dirige uma unidade semântica (eles falam em uma unidade de "uso da linguagem"), e
igualmente a análise por meio da dimensão textual das produções verbais; não uma unidade gramatical. Essa definição está no cerne da lingüística textual,
- A lingüística textual toma as aquisições da retórica antiga, clássica e no conjunto de seus desenvolvimentos.
"nova" (nova retórica de Perelman), integrando-as em novas questões; .
- Enfim, não se pode esquecer, no que se refere às produções .verbais, a A relação entre texto e discurso. Com as noções de texto e discurso,
sociolingilística de Labov (que trabalha em particular sobre a narrativa oral) e tem lugar uma distinção ao mesmo tempo necessária, dificil e polêmica. Adam
propõe uma formulação muito clara, sob a forma de equação matemática:
a sociologia de Goffmann (sobre a conversação).
DISCURSO = Texto + condições de produção
O texto como objeto TEXTO = Discurso - condições de produção.
A dimensão transfrástica. A lingüística textual aparece num contexto
epistemológico dominado pela lingüística da frase, produto da cultura da [...)Em outros termos, um discurso é um enunciado caracteri~vel certa~ente
gramática tradicional e da influência da gramáti ca chomskyana e pelas propriedades textuais, mas, sobretudo, como um ato de discurso reahzado
em uma dada situação (participantes, instituições, lugar, tempo)(...] O texto, ao
transformacional. Em 1969, a expressão discourse analysis (análise do contrário, é um objeto abstrato resultante da subtração do contexto operada
discurso), criada em 1952 por Harris, é traduzida em francês como discours sobre o objeto concreto (o discurso). (1990, p. 23).
suivi (discurso contínuo) e nos anos seguintes aparecem os programas - ou.
pelo menos, as.demandas - de extensão do objeto da lingüística às unidades Em uma outra terminologia, dir-se-á que o objeto discurso integra o
transfrásticas. E, por exemplo, o caso de pesquisadores que trabalham com a contexto, i.e. as condições extralingü.ísticas de sua produção, enq~anto o texto
noção de paráfrase, como A. Culioli57 e também Catherine Fuchs, que declara as descarta definindo-se como arranJO de segmentos que se relacionam com a
dimensão lingüística, i. e. do co-texto.
em 1985:
Tais estudos seriam, portanto, preciosos, pois a limitação à frase. neste domínio A idéia de uma gramática de texto: T.A. van Dijk
da constituição da significação, aparece como uma restrição prejudicial: [...] Os trabalhos de Teun van Dijk (nascido em 1950) inscrevem-se na tradição
muitas ambigüidades potenciais da frase isolada não subsistem a um contexto alemã e nórdica de lingüística textual, que se desenvolve nos anos 1960 e
mais amplo e. inversamente. outras ambiguidades são engendradas pela trama 1 1970. Sua abordagem é cognitiva, na medida em que ele reflete sobre as
progressiva das significações no tio do texto ( 1985, p. 20- 21 ). capacidades que os sujeitos têm de reconhecer textos aceitáveis, i.e. bem
form.ados sobre o plano d~ sua or~anização fo,n_nal, em relação aos planos dos
Em certa medida, já existem respostas a esse desejo de ampliação dos
contextos de estudo, e esse é o caso da obra maior de Halliday & Hasan, \ encaixamentos que não seriam aceitos. A gramat1ca de texto de van Dijk repousa
sobre dois postulados essenciais (analogia entre frase e texto existência d
Cohesion i~ Eng/is?, que testemunha a anterioridade das preocupações textuais u?'ª. gramática textual gerativa) e organiza-se em uma arquÍtetura t •e
na lingüística americana, sobretudo na esteira do funcionalismo. Eles mostram, nivcis. em res
em particular, que todo locutor é depositário de duas competências, como indica
Adam: Frase e texto. A gramática de texto é um. modelo, inspirado na gramática
de frase, que tem por função fo~ular o CO?Junto de re~ras que regem a boa
56 Pode-se citar como ilus1rn\:ilO dessa idéia os trabalhos de Lévi-S1rauss. Todorov, Barthes e formação de um texto e que penmtem produztr o que Harns chama um "discurso
Geneue. continuo". Esse conjunto estabelece uma competência do locutor e, reconhece-
57 Ct: expusemos no capítulo \l, Culioli procura elaborar uma lingüística fundamentada sobre 0
exame de produções de l0<:utores, isto é, de textos. ....._
.1'11 l111~#Íllu111 Jur11n1ru1 • 195
194 • A.1 Gmntlt.s Ttori111 di1 t J"f.11iJ1i"'
1líl . e, freqüentemente, foram didatizadas com sucesso no ensino
. guagem
secundário.
se, evidentemente, a influência do modelo chomskyano da competência frástica.
Isso quer dizer que van Dijk postula que existe, no nível do texto, um sistema Coesão e coerência
de regras análogas àquele que rege a produção e o reconhecimento das frases. A coesão. O termo foi introduzido .
A gramática de texto é pensada no prolongamento da gramática de frase. Essa falam de "coesão transfrástica" para d p~r Halliday & Hasan ( 1976). Eles
. . • es1gnar um co · d •
analogia, um pouco restrita e aplicacionista, será modulada em seus trabalhos linguagearos, recuperáveis por marcas es ' ti nJunt? e fenomenos
posteriores e ele falará, sobretudo, de coerência vs incoerência. as frases sejam ligadas para formar um t~:~: icas, que permitem, assim, que

Uma gramática textual gerativa. van Dijk considera que a competência A coesão intervém quando a interpreta ã d
frástica dos locutores é também uma capacidade de engendramento de textos: de um outro. Um pressupõe 0 outro ç 0 eu~ elemento do discurso depende
é ainda uma herança direta da gramática gerativa, que van Dijk partilha com compreendido quando se recorre a ' no senti 0 de 9ue um apenas pode ser
outros pesquisadores como Petõfi, Hartman, Harweg, Ballmer, Dressler. coesiva é estabelecida e os dois
. 1 .
°
outro. Quando isso ocorre, uma relação
e1ementos, o pressuponente e o pressuposto
Compreende-se, pois, que a gramática de texto é não somente um modelo de são potencia mente mtegrados em um texto. ( 1976, p.4) •
reconhecimento das produções verbais, mas também um modelo de produção:
ela engloba as duas vertentes da interpretação e da produção. Trata-se, nesse caso,.da "textura" do discurso, definível como a organização
fonnal do texto, na medida em que ela assegura a continuidade semântica. As
Três nlveis de textualidade. van Dijk distingue três níveis de estruturação rela?ões entre frases .são assina~adas por expressões ou construções que
textual: Halhday. & ~asan classa~c~m em cmco grandes famílias de relações: as relações
- o nível microestrutural é aquele das microestruturas textuais, i.e. o que de re~erenct ~, de substituição, de elipse, de conjunção e de coesão lexical.
ele chama de proposições (unidades semânticas de base), que possuem um ~ssa h~ologta, retomada, trabalhada e desenvolvida pelos estudiosos do texto,
sentido (plano da significação) e correspondem aos atos de linguagem (plano 1mpuls1onou numerosos trabalhos 59, que se organizam sobre três planos, frástico,
pragmático); transfrástico e suprafrástico:

- o nível macroestrutural é aquele das macroestmturas textuais, i.e. das - plano frástico : estudo dos marcadores de retomada (ferramentais de
grandes proposições ou macroproposições que são, como explica Adam, anáfora como os pronomes) ou de antecipação (ferrameotais da catáfora como
"condensadas para serem estocados na memória de trabalho e permitirem a os demonstrativos), análise de empregos dos tempos (fenômenos de
busca do tratamento dos enunciados sucessivos"( 1999, p.9); seu funcionamento concordância), estudos dos fenômenos de conjunção (coordenação,
não é semântico como as microestruturas, mas cognitivo; subordinação);
- o nível superestrutura l, é aquele das superestruturas textuais, que - plano transfrástico: estudo dos morfemas de ligação (advérbios,
organiza a produção e a interpretação dos discursos em gêneros ou esquemas conectores), de fenômenos de inferências, de formas diversas de repetição e
de texto. São as organizações convencionais que permitem ao locutor/receptor de retomada·,
produzir/reconhecer uma narrativa, uma argumentação etc.
- plano suprafrástico (ou macrosintático): estudo dos marcadores
A elaboração teórica de van Dijk foi seguida, retomada, entendida e refe~e?tes ao conjunto do texto, qualquer que s_ej~ sua. di~,ensão (t.~xto
discutida pelos estudiosos do texto, e, em particular, por Adam em sua própria P~b}1c1tário curto o u obra completa) como os ad~:rba.os ditos de frase , os
elaboração do modelo de seqüências ao qual nós consagraremos uma discussão P1vos d~ argumentação, 0 desenvolvimento de seqüencias. Adam define a .e~se
particular58• Propósito o laço existente entre as noções de coesão e de progressão temataca
(sucessão organizada de informações na cadeia textual):
1.2 As grandes noções da lingüística textual . A coesão é [... ) inseparável da noção de pro~ressão temática. Todo texto

---
No que se pode chamar de versão padrão, a lingüística textual definiu, apresenta, por um lado, um equilíbrio entre as informações pressupostas e as
com certeza, grandes noções que se assentaram firmemente nas ciências da

S9NT N
58 Do lado francófono, deve-se citar igualmente os trabalhos de Lita Lundquist e de Jean-Pierre 1'1.1,~éusº Brasil, destacam-se os trabalhos de FÁVERO & KOCH (1983); KOCH ( 1989) e
Bronckart. CHJ (2001; 2004).
1
k
.111 ÍÜ1jlii1litas di1tNrsin11 • 197

19' • ,-b CrontÚJ Tt'n.JJ d.J tin;,11iJ.~•.i


- A progressão de tema dividido. Um texto é o'rganizado segundo uma
progressão d~ t~'1:1ª dividid? ?u derivado se exist~ um tema ?e conjunto ou
informações retomadas de frase em frase. sobre as quais os novos enunciados hipertema, d1v1d1do em vanos subtemas a partir dos quais as unidades
apóiam-se (principio de coesão-repetição assegurado pelos temas): e, por outro. sucessivamente desenvolvem novas proposições.
a presença de informações novas (principio de progressão assegurado pelos
remas). (2002. p.99) Se cada tipo de progressão depende das escolhas dos locutores, não há
dúvida de que alguns ·gêneros restringem as progressões: a descrição, por
A coerência. A noção de coerência, desenvolvida por Beaugrande ( 1979), exemplo, implicará um tema dividido, enquanto a explicação introduzirá de ·
não concerne ao nível lingüístico, mas à organização das representações que preferência uma progressão de tema linear.
configuram o universo instaurado pelo texto. De ordem extralingüística com
uma dimensão cognitiva, ela se articula sobre a competência enciclopédica dos Atipologia textual
sujeitos, que podem, então, avaliar a confonnidade dos dados do universo textual A tipologia de textos tem, há tempos, sido uma preocupação dos estudiosos
com os dados pré-lingüísticos que constituem suas crenças e seus saberes do texto e as classi fic ações disponíveis são numerosas. Certas categorias têm
sobre o mundo. sido amplamente trabalhadas e discutidas; pode-se referenciar, sobretudo sob
A separação entre coesão e coerência é menos clara do que parece, como
a influência dos trabalhos de Adam, uma evolução dos tipos às seqüências e
destaca Détrie: das seqüências aos gêneros.
Entretanto as duas noções (... ) não são radicalmente separadas, longe disso.
Assim, a coesão não é somente um fenômeno particular, um subconjunto da Tipos elementares, tipos sec1111úários. Como o define Adam (1992, p.11),
coerência discursiva, mas ela é também um meio de construir a coerência: por o pioneiro da classificação tipológica é sem dúvida Bakhtin-Volochinov, que
exemplo, no quadro da geração da informação, a noção de progressão· temática declara desde 1929:
(geralmente tratada no âmbito da coesão textual) é um fator de coerência
pragmática, sendo o texto apreendido como coerente pelo destinatário se ele A tipologia das fomias é um dos problemas vitais para o marxismo.[...) Cada
efetivamente apresenta uma progressão temática. (200 1, p.57). época e cada grupo social tem seu repertório de formas de discurso na
comunicação sócio-ideológica. ( 1986, p.43)
Fenômenos tais como a dêixis ou o implícito são de fato da alçada das
duas noções (coesão e coerência), na medida em que elas solicitam, ao mesmo Os escritos ulteriores de Bakhtin desenvolverão essa idéia, em particular
tempo, o nível lingüístico e o extralingüístico. em Estética da criação verbal:
A noção de progressão temática Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do
A noção de progressão temática é construída sobre o par tema/rema, situada outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero,
em uma perspectiva lógico-semântica: todo texto comporta um tema, i.e. aquilo adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada
que está em questão e que é conhecido, e um rema, i. e. o que se diz a propósito estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis
ao todo discursivo (...] Se não existissem os gêneros do discurso e se não os
do tema, que constitui uma infonnação nova. Já que todo texto pode ser definido dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala,
como "um desenvolvimento progressivo e coerente de informação comunicada se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação
a partir de um tema dado" (Sarfati, 1997, p.30), há uma dinâmica de texto que verbal seria quase impossível. (2000, p.302)
se pode descrever em termos de progressão.
Desde os trabalho de Danes ( 1974) e Adam ( J990) deve-se distinguir três .. . Bakhtin fala de "gêneros do discurso", os quais ele chama igualmente de
tipos de progressão: hpos". Ele distingue duas categorias:
- A progressão de tema constante. Um texto é organizado segundo - Gêneros do discurso primários (primeiros) ou tipos elementares,
uma progressão de tema constante quando cada frase ou proposição que 0 ~resentes nas produções espontâneas e cotidianas dos locutores; trata-se das
constitui toma por ponto de partida o mesmo tema e desenvolve sucessivamente orrnas estáveis que são reconfiguradas e combinadas nos gêneros de segunda
remas diferentes; categoria;
- ~progressão de tema linear. Um texto é organizado segundo ~n:ª p d- Gêneros do discurso secundários ou tipos secundários, presentes nas
progressao de tema linear se aquilo que é proposto pela frase ou proposiçao P~o _uções constmídas pelos locutores, por exemplo, nos textos escritos em
precede?te toma-se o terna da unidade seguinte, a qual é dotada de um rema rticutar literários. Eles apóiam-se sobre os gêneros primários. '
que sera retomado como tema seguinte etc.;

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A1 li11,g1il1iira1 1/ismr1iia1 • 199
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de verdade versus falsidade, pertence a uma categoria diferente do tratado
científico que deve responder ao critério da exatidão. Trata-se de uma
Adam ilustra 0 funcionamento dessas articulações no gênero da narrativa: classificação semântico-cognitiva;
Assim. a estrutura elcm~ntar da seqüência narrativa encontra-se na base da -IB). O texto como seqüência de proposições: ele é considerado em si,
fora de suas relações com a realidade.
epopéia, da fábula, na maior parte dos romances, nas narrações teatrais clássicas
de exposição ou de desfecho, mas também em reportagens ou em fatos -IBl). A classificação se faz pelo critério da conectividade: examinam-se
jomaHsticos diversos, na narração oral ou na anedota cotidiana. ( 1992, p.13). as diferentes unidades lingüísticas que penrutem produzir o sentido. Distinguem-
se vários níveis: a frase ou proposição, o encaixamento das frases, os
o trabalho de Adam sobre a classificação dos textos considera as hipóteses parágrafos, os capítulos etc. Trata-se de uma classificação composicional;
bakhtinianas, mas adota por sua vez um outro vocabulário: ele fala de formas - (B2]. A classificação se faz segundo a organização seqüencial da
ou esquemas prototípicos ou, mais brevemente, de protótipos. textualidad~, i.e. segundo o tipo de esquema prototípico operado nas seqüências
textuais. E nessa perspectiva que são e laboradas a maior parte das
Modos de classificação. Adam ( 1992) propõe um esquema resumindo os classificações em lingüística textual, sendo uma das mais conhecidas a de
principais modos de classificação dos textos:
Werlich (1975): narração, descrição, argumentação, exposição, instrução, re-
elaborada por Adam ( 1992) como: narração, descrição, argumentação,
1EXTO explicação, diálogo.
,--~~~~~~/\..~~~~~~---.
/CONFIGURAÇÀO .
SEQUENCIA OE
~ Protótipos e seqüências. Adam ( 1992) denomina protótipos ou esquemas
prototípicos as categorias de base que servem ao locutor na produção de seus
PRAGMÁTICA PROPOSIÇÕES discursos. Essa definição inspira-se nos gêneros primários de Bakhtin. Os
protótipos não servem para classificar os textos, mas para repertoriar as
[A] [B]
seqüências. A noção de seqüência é, com efeito, substituída em Adam ( 1992)
/ "'~~~~~
por aquela de texto que designa uma unidade bastante complexa e heterogênea
Conexidade Estrutura que apresenta regularidades observáveis e formalizáveis:
Intenção Referências CoesãÔ'
enunciativas semântica [Bl] Composicional A unidade textual que eu designo com a noção de seqüência pode ser
ilocutória [A2] (mundos) [B2]
(coerência) definida como uma estrutura, isto é como:
[A3]
[Al] - um quadro relacional hierárquico: grande~ decomponível em partes articuladas
entre elas e ligadas ao todo que elas constituem; . ~ .
- uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma orgamzaçao interna
-IAI. O texto como configuração pragmática: os discursos são estudados que lhe é própria e em relação de dependência/independência com o conjunto
em suas relações com a realidade; mais amplo do qual ela faz parte. ( 1992, p.28)
-IA 11 . Considerando o texto como seqüência de atos de discurso
(promessa, ameaça etc.), os textos são classificados segundo os atos. Por A noção de seqüência permite essencialmente tratar a heterogeneidade
exemplo, os slogans ("A gente se vê por aqui", diz a rede Globo de televisão). textual, i e. o fato de que um texto é atravessado, inclusive no interior de uma
são geralmente identificados como uma promessa. Trata-se de uma classificação mesma frase, por protótipos diferentes (A.dam fala ~e "estruturas seqüenciais
pragmática; heterogêneas", exemplificando com dois casos: a inserção de seqüência e a
-IA2J. Considerados em relação a seus planos de enunciação. os textos dominante seqüencial).
serão classificados segundo esses planos. O provérbio, a lei e a máxima estarão
na categoria "não embreado'', enquanto a conversação cotidiana ou o jornal 1.3. Evolução da lingüística textual: J.-M. Ada m
exige pertencimento ao plano "embreado". Trata-se de uma classificação
enunciativa; Em relação à versão padrão que nós acabamos de expor, os últimos
-IAJJ. Observa-se o texto sob o ângulo da coesão, i.e. como representação trabalhos de J .-M.Adam ( 1999) propõem avanços decisivos nns teorias da
de um universo que possui caracterlsticas semânticas. O conto maravilhoso. ling~ística textual, sobretudo no que tnnge à nrticulnçüo com o domínio da
por exemplo, cujo universo nlo está submetido a uma verificação em termos anâhse do discurso.

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llJO • A i Cn1111lu ·1torrtt~(lllllir.t ... is l11(tilsl ir11.1 t!11111n1h11 . 101

Uma lingüística das grandes unidades e as seqüências (segmentos textuais atravessados por esquemas prototípicos).
Adotando uma perspectiva que permite u lt~a~assar "as fronteiras clássicas Adam propõe cinco cinco tipos de ligação:
do signo. da proposiçã? ou da !'ra~e, com o objetivo de abordar as pro?uções a) as ligações do significado: elas garantem a continuidade referencial, a
naturais da interação lmguage1ra ( 1999, p.27), Adam redefine o objeto da coesão isotópica, a construção de universos de discurso etc.;
lingilfstica textual como sendo aquele da "proposição enunciada e de seu
empacotamento" ( 1999, p.35). Essa redefini~ão é articulada sob.re ~q~ela do b) as conexões: elas permitem delimitar as unidades textuais, por meio de
objeto da análise do discurso, o que une teoncamente as duas d isciplinas no dois tipos de marcas, os conectores (embora, mas, pois... ) e os organizadores
(depois, por outro lado, em suma ... );
interior do que chamamos nesse capítulo de as lingüísticos discursivas:
e) A implicação: os pressupostos e os subentendidos participam da
A lingüística textual tem por tarefa descrever os princípios ascendentes que textualização na medida em que eles permitem os encaixamentos;
regem os agenciamentos complexos, mas não anárquicos, de proposições no
interior do sistema de uma unidade TEXTO às realizações sempre singulares. A d) A seqüência de atos de discurso: a textura tem igualmente uma
análise do discurso - a meu ver, análise das práticas discursivas que renunciam dimensão pragmática e os enunciados possuem um valor ilocucionário;
a tratar como idênticos os discursos judiciário, religioso, político, publicitário,
jornalístico, universitário etc. - atém-se prioritariamente sobre a descrição das e) As ligações do significante: trata-se das retomadas tõnicas (aliterações,
regulações descendentes que as situações de interação, as línguas e os gêneros rimas... ), rítmicas (grupos binários, ternários ... ), lexicais (derivações,
impõem aos componentes da textualidade. ( 1999, p.35). repetições...), morfossintáticas (poliptoto 60 •••).

Isso implica um certo número de observações sobre os objetos texto, Por uma pragmática textual
discurso, gênero: Os estudiosos do texto falam cada vez mais de pragmática textual, para
- O texto é um objeto abstrato; ele é o objeto da lingüística textual, definido significar que a produção de enunciados possui uma dimensão pragmática
como "uma teoria geral de agenciamentos de unidades" ( 1999, p. 40); incontornável em uma elaboração rigorosa da teoria de textos. Essa abertura
- O discurso constrói-se como objeto integrando os parâmetros de sua para uma dimensão pragmática (mas também cognitiva) da lingüística textual
produção e "a interdiscursividade na qual cada texto é tomado" (ibid.); provém do constante revés das gramáticas textuais, cujo programa não tem se
- Os gêneros (de discurso) constituem urna categoria necessária para realizado em grande parte porque a homologia entre a frase e o texto é
pensar o texto integrado a seu campo cultural, em uma formação discursiva; cientificamente insustentável. Com efeito, a textualização não pode advir de
- O texto como objeto concreto é "um enunciado completo, o resultado um puro algoritmo gramatical: ela deve ser considerada como o resultado de
sempre singular de um ato de enunciação (ibid.). um processo que responde aos dados e às instruções relevantes da comunicação
e da cognição. Os trabalhos ~e _Beau~rande e Dressler ( 1981 ), por exemplo,
O funcionamento do texto: as operações de textualização fundamentam-se sobre uma h1potese interessante sob esse ponto de vista: eles
Essa reorientação da lingüística textual conduz Adam a revisar os apresentam a textualização como um procedimento de resolução de problemas
procedimentos de análise de textos. A uma abordagem que repousa sobre a acentuando o funcionamento cognitivo da produção dos textos. '
categorização, ele prefere uma análise fundamentada sobre a operação: as
operações de textualização são mecanismos específicos ao objeto texto 2.AANÁLISE DO DISCURSO
(diferentes operações sintáticas aptas a dar conta do objeto frase) que produzem Ao fim dos anos 60 emerge uma corrente das ciências da linguagem que
as unidades textuais, objeto da lingüística textual. Ele distingue dois tipos de toma como objeto 0 discurso. Essa corre.nte m~ntém com a lingüística relações
operação, que funcionam em articulação: complexas que se redefinem ao passo e a medida que novas pesquisas surgem
e propõe um conjunto de ~~ções, de. ferramentas e de métodos específicos'.
- A.f operações de segmentação. Em um primeiro nível. elas produzem propícios a fazer da analise do discurso (AD) um campo discipl ·
as proposições enunciadas, em seguida 1igadas entre elas para dar os p~ríodos au.tõnomo.Com efeito, se os trabalh.os dos analistas do discurso pa tna~
e/ ou sequências. Em um segundo nível, os períodos-seqüências são Primeira vista variados, até mesmo dispersos, recem a
segmentados, para passar igualmente por umu operação de ligação que os ::----
configurará em unidades textuais. íl() N.T. Políptoto: figura da retórica que consiste em empregar a
-1s operações de ligaçlo. Elas produzem dois tipos de pacotes de torn mudanças de forma (gênero, número e1c.). mesma palavra repetidas vezes,
proposições, os períodos (mais importantes unidades que compõem um texto)
.......
AI lingiiítlifa1 áilf11rtira1 • 21U
:« • ~· ~~~ r~i: f Jflf!!'Úho'U

[eles) partem do princípio de que os enunciados não se apresenta.m como frases - uma tradição escolar que concede um amplo espaço às diversas formas
de comentário de textos;
ou ..:orno seqüência de frases, mas como textos. Ora o texto e u.m mo~o de
organização específico, que deve ser estudado como tal em relação as condições - um conjunto de reflexões sobre a escritur .
nas quais ele é produzido. Considerar a estruturação de um texto em relação às quadro do estruturalismo6• . ªque surgiu nos anos 1960, no
suas condições de produção, é considerá-lo como discurso. (Gravitz, 1990, p.
354) A situação teórica. A lingüística que tev
"momento estruturalista" da v·1d 10 · t • e um lugar preponderante no
O recente Dicionário de Análise do Discurso, dirigido por Charaudeau · · . . ª e1ectual francesa dos anos 1960 e 1970
e \.1aingueneau (2002) testemunha a existência bem consolidada desse campo, foi naturalmente
•1· d d' a d1sc1phna. de. apoio do estudo
· dos d'1scursos. Em contrapartida
. •
mesmo se as discussões internas continuam a evoluir. a. ana.. •1se· o 1scurso
d'd contnbum para uma renov fu
açao pro n a as abordagens•
- d d
O termo análise do discurso tem origem na tradução de discourse 1mgu1st1cas na me
b· d · ... . 1 a em que na definição sauss ureana da crenc1a .
.• . da 1mguagem
analysis, expressão construida por Harris ( 1952), que lhe dá o sentido de estudo (oº. ~eto ªhngu1~tlca para Saussure é a língua e não a fala) e, sobretudo, na
da dimensão transfrástica, aproximadamente no sentido de lingüística textual. rele1tura e~truturahsta do CLG, a perspectiva discursiva está quase ausente:
De maneira geral, para os anglo-saxões, a análise do discurso corresponde à ne~se se~tldo, o e~tudo do ~~scurso ~parece como um elemento anexo, não
análi11c conversacionul. i.e. o estudo de trocas verbais orais ou escritas, cujo pnm~rd1~l, e, por isso, a analise do discurso teve que constituir-se sobre essa
postulado é que todo discurso é fundamentalmente interativo. marginal idade.
Nu aburdugcm que nos interessa aqui e que é representada pelo que se , .Acresc~nta-se às características da análise do discurso um posicionamento
dcnomina l311col11 francesa. definiremos a análise do discurso como a disciplina teonco particular: ela se apóia em disciplinas conexas no campo das ciências
que cHtudu 1111 produções verbais no interior de suas condições sociais de humanas (história, filosofia, sociologia, psicanálise, literatura etc.), disciplinas
prmJuçno. Essns silo consideradas como partes integrantes da significação e sobre cuja rejeição Saussure fundamenta sua concepção da ciência da
do 11wdo de IOrmuçno dos discursos. A análise do discurso distingue-se da linguagem. Isso explica uma das características fundamentais da análise do
lln~llh1tic11 textunl. cujo objeto é o funcionamento interno do texto e da análise discurso: sua perspectiva transdisciplinar, que não descarta, entretanto, as
litor·(1f'111 quo. mct11110 c~nsidern~1do o cont.exto, não repousa sobr; o postulado exigências de rigor teórico e de competência lingüística. Ocorre exatamente o
du ortlc11l111VR0 entre o hngu11ge1ro e o social. contrário, poder-se-ia dizer, já que a indefinição, a mobilidade e a variedade do
objeto "discurso" reclamam, para que seu estudo seja satisfatoriamente e
l . I. O hl11tórlco da AO: inspirações e fundações cientificamente rentável, uma sólida armadura conceituai. E, assinala
l)11crcr li11.cr 11 hist,\riu d11 amHise do discurso é uma tarefa muito complexa, Maingueneau, a aceitação de um risco, já que, em análise do discurso não se
1111111 cl11 111111ccu de cncúl\lt'Os e de evoluções. que foram produzidos em contextos pode proceder por generalização a partir de explorações empíricas parciais e,
cpl11l c11111h'1glcm1 e iclcológh:os particulares, como explica Charaudeau & por isso, não se pode adotar uma tentativa estreitamente empirista e acumuladora
Mnlr111.11c11c11u (2002. p. 41)
dedados:
t'i dllkll tt•trni;ur u história du análise du discurso. pois não se pode fazê-la Assim, tão togo queiramos sair da ~nálise de corpora bem delimitados, t~mos
ilcpcmlcr lk 11111 111,1 l'umhtll,1r. jt\ quc eln resulta, ao mesmo tempo. da que correr riscos importantes. Os d1scui:sos ~e entrecruzam em todos sentidos,
l'1111vcr1_1.f111'111 de C\11'1'\:lllcs 1wcntes e da renovação de práticas de estudos multiplicam-se indefinidamente em várias dtme.ns~es, logo qu~ se propõe uma
11111111111111i11-,1s de ICXl\ls tretórkos. lilológicos ou hennenêuticos). hipótese um pouco ampla (...) não podemos at1.ng1r um.a prec1s~o e u.m. rigor
suficientes a não ser partindo de lugares bem c1rcunscntos: a d1scurstv1dade,
F"t>~cilk11r-s1.:-11. c1111-etantl.). quais sào os contextos epistemológicos e os enquanto tal, não é capaz de substituí-los. (MAINGUENEAU, 1984, p.17)
llllllll""' 111tclcc111111s que l:Ontribuem para sua constituição.
. .A situação institucional. A análise do discurso é também um campo
( h ~ontl'xtos cplstl'mológlco.s . 1
n~tttucional, no sentido que Bourdieu dá a essa expressão. Isso quer dizer que
.( f'H1ttliftlt1 "•·~ '"'"'' ...~"' fro1tcesas. A formação do domínio da anáh~e ~xis.tem jogos (os bens materiais e simbólicos), atores (indivíduos, grupos,
l"' '1111cun;,, cslâ cslt\!itnmentc ligndn a algumas condições históricas e culturais

---
•nstttuições), estratégias de posicionamento. Esse campo constituiu-se em um
Cll\\\\'llkos '"' c,111tcxt\\ tn\n~·ês:
1111111 lt'tllt' '
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1..... 11111;\ dvil\
,.,.a., J" li1ni ~ d~uc
,,nu culturntrepuusa numa rei ação com a escrita própria de
' m1<rpretação; ~~V~~ o~ trabalhos de Foucault, Kristeva, Ocrrida, B~h.es, ~oller~, etc:, so?re o cruzamento da
& 15hca, da psicanálise lacaniana, da filosofia, da cnuca hterãna de msptração marxista.

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IJ l111g1u /tu1JJ 1/11i1tf'li1·111 • 20J
~ • l.t ( :nm1lr1 I m11;1f tl11 1Jll).:mi/1111

dominação capitalista. A originalidade de Althusser foi ter articulado marxismo


contexto
'd 1 · marxista,
d . cm sua versão althusseriana·' · c0111 e1e1to,
r ·
os problemas da e psicanálise, introduzindo em sua teoria da ideologia a noção de inconsciente.
1 eo og1a, o poder, das lutas sociais e políticas com d r d d ''A ideologia é eterna. como o inconsciente··. declara Althusser. retomando a
·· ~ , 1 . - .. d 19' u • . • o pano e 1un o a
rt:\O uçao e \1 0, reunem o conjunto de atores 1 ·1·
• 1d 6 · <a ana 1se o d.1scurso no
d definição psicanalítica de inconsciente. que ignora o tempo. Pode-se resumir
tma o os1anos O e constituem o solo comum de seus t , b Ih
· · · . ra a os.
· essa articulação pelos excertos seguintes que fonnulam duas teses fundamentais
s ~garcs 111~t1!u~~ona 1 s que sediaram esse desenvolvimento científico - de seu trabalho:
que. se nao co~stitum es.colas", criou, pelo menos, filiações e correntes em
A ideologia representa a relação imaginária dos indi\'iduos com suas condições
t~rno de pe~qu1sadores ativos, fortemente engajados na análise do discurso - reais de existência. ( 1976. p. 114)
sao os segumtes:
Althusser assinala, assim. que os aparelhos ideológicos de Estado impõem
- A Universidade de Paris X-Nanterre em torno de Dubois onde se ao homem uma configuração de suas relações de existência, configuração
perpetua a tradição da análise do discurso no s~ntido harrissiano; ' interiorizada inconscientemente por cada um. Por exemplo. as definições de
- A École Nonnale Supérieure de Saint-Cloud, onde se desenvolve, identidade pessoal, de lugar social. em relação à transcendência. à cultura ou
em tomo de Toumier, a /exicometria política, método que se apóia sobre o ao saber, são construções imaginárias do indivíduo determinado pelas ideologias.
tratamento quantitativo de dados, e, da qual a revista Mots. Les /angages du O mundo real é como que redesenhado sobre o mundo imaginário.
po/itiqne reflete os trabalhos; A ideologia tem uma existência material. ( 1976. p. 118)

-A Universidade de Paris Vil, associada ao Laboratório de Psicologia Esse enunciado lapidar significa que. longe de ser uma pura representação
Social do CNRS, onde Michel Pêcheux elaborou uma teoria da linguagem desconectada da realidade empírica. as idéias e representações de um sujeito
fortemente marcada pelo marxismo e pela psicanálise, no quadro da análise constituem realidades tão concretas quanto as produções materiais: elas
automática do dis curso 62 ; fabricam o real. Isso quer dizer que. para Althusser. a ideologia não é da ordem
psicológica, mas se situa do lado da práxis. que modula as identidades e os
- A École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), onde
modos de ser dos indivíduos.
Greimas trabalhou em uma semiótica geral, traçando o caminho de uma outra É pelo fato de a ideologia constituir-se em práticas que Althusser pode
abordagem do discurso. declarar que ··a existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos enquanto
sujeitos são uma única e mesma coisa" ( 1976, p.127). Esse termo ,
Os quadros intelectuais i11te1pelaçào, introduz a dimensão discursiva da ideologia. Com efeito, ele
É sobretudo, o domínio da filosofia que deu à análise do discurso seus contém a idéia de que o sujeito, contrariamente à concepção clássica que o
quadr~s teóricos, e, particularmente, as conceituações de Althusser e de coloca do lado da autonomia e do domínio de si, é um produto da ideologia,
Foucault, filósofos que fizeram do objeto "discurso" o centro de suas reflexões. construído sobre 0 modo da evidência, que é a fonna principal da ideologia:
L. Althusser: discurso científico e ideologia. Louis Althusser ( 1918 - Como todas as evidências, inclusive ~q~elas qu~ fazem com que uma palavra
J990) trabalha no quadro da filosofia marxista sobre a qual ele elabora uma "designe uma coisa· , ou ·possua uma s1gn!fi~aç~o (compreendidas as evidências
nova leitura. Em " Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado(l976)"'"'. da •transparência· da lin~u~gem), essa ev1denc~a de que ~oc~ e eu somos sujeitos
investiga os mecanismos da ideologia que, segundo ele, contribuem para a - e que isso não cons11tu1 um problema - e um efetto ideológico 0 efeito
ideológico elementar. (1976. p. 130). '
reprodução das relações sociais e, portanto, para a reprodução dos modos de
dominação que elas fundam. Althusser apresenta as noções de ..aparelho Althusser dá o exemplo da criança recém-nascida que J.á é const ' d
repressivo de Estado" e de " Aparelho ideológico de Estado". esse último com. o Sujeito
· · desde antes de seu nascimento,
· . do nome que ela rui
por meio rta •a
definindo-se como um conjunto de instituições (Igreja. Escola. mídias. cultura, Aparentemente as escolhas são transparentes, mas se trata de fat po ra.
família, partido polltico, sindicato etc.) que asseguram. no plano das maneiras ~onstrução que é preciso saber desmontar para não cai~ e o, de .uma
de pensar, dos comportamentos e dos discursos, a reprodução das relações de ideológicas. Por isso, a dimensão discursiva é fundamental S ~ ar~adilhas
~SSencialmente discurso, é a análise dos discursos que · den a 1.d~ologia
esconstrução racional: po e penn1t1I a sua
°
62 N .T. Os trabalhos de Mi chel Pêchcux estilo na hnse de uma linha de anâlise do discurso
fortemente assentada no Brasil, principalmente u partir dos trabalhos de Orlandi ( 1987; 1999):
63 Esse ensaio, publicado originalmente, em 1970. na revi sta la Pensée. nº 151, foi
posteri ormente republicado na obra intitulada Positions ( 1976).
~
106 • •~1 Gm"tf'-' ·rtoriaJ '"' l in..e,Nistir;1 .;fJ lit(1'/ií1tira1 1liu 11nfrm • 201

É preciso chegar a este conhecimento se queremos, falando da ide.ologia ~o No caso em que se puder descrever. entre um certo número de enunciados,
interior da ideologia. esboçar um discurso que tente romper com a 1deolog1a, semelhante sistema de dispersão, e no caso cm que entre os objetos, os tipos
pretendendo ser o início de um discurso cienlílico (sem sujeito) acerca da de enunciação, os concellos, as escolhas temúticas, se puder delinir uma
ideologia. (1976. p.125) regulnridnde (um~ ordem, correlações, posições, funcionamentos e
transfonnações), diremos, por convenção, que se traia de uma formação
A análise do discurso pode, pois, constituir-se em uma prática q.u~ permite discursiva - evitando, assim, palavras demasiado carregadas de condições e
conseqüências, inadequadas, aliás, para designar semelhante dispersão, tais
a análise critica da ideologia, condição necessária para a sua desm1st1ficação. como 'ciência', ou 'ideologia', ou 'teoria', ou 'domínio de objetividade'. ( 1969,
Pode-se dizer que, entre os estudiosos do discursos, é Pêcheux quem capta p.53)
a herança althusseriana para elaborar sua conceituação: ele mostra que a
ideologia é de alguma fonna anterior à produção do discurso. ~nquant? o locu~or, Fou~ault nomeia "regras de formação" às condições de existência desses
crendo ser sujeito, pensa falar, ele é falado pelo já-lá ideológ1~0..~a1 as noy~es quatro t1po.s de ~lementos : essa~ regras configuram a identidade de uma
de pré-construído e de interdiscurso que estão no centro da historia da analise fom1ação d1scurs1va. Esses conceitos permitiram-lhe dar retroativamente uma
do discurso. definição de discu~so: '_'um c<:>njunto de enunciados, na medida em que se apóiem
na mesma for.maça~ d1scu~s1va" (~ 969, p.153). Compreende-se que enunciado
M. Foucault: a noção de fo rmação discursiva. Em .A arquelog_ia do e fonnação d1scurs1va estao estreitamente ligados em particular por meio do
saber (1969), Michel Foucault (1926-1984) expõe seu projeto de análise ?o que Foucault chama "práticas discursivas" e que ~le define assim:
discurso. Como assinala Maingueneau, trata-se de um "programa d~ pesquisa
sobre a fonnação e as mutações das práticas discursivas, que exclui qualquer É um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo
forma de análise lingüística dos fatos de língua" (2004, p.59). Com efeito, e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área
Foucault quer interrogar as relações entre práticas discursivas e práticas sociais, social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função
e, nesse sentido, nem o pensamento, nem a língua constituem seu objeto. No enunciativa. ( 1969, p. 154)
início de seu trabalho, ele coloca a questão da definição das unidades do discurso, A partir dessas idéias, constitui-se para Foucault a noção de arquivo, que
sendo o discurso, para ele, um conjunto de fenômenos que permite escrever designa um conjunto de saberes em uma sociedade dada e uma época dada,
uma história discursiva do pensamento. não como uma coleção de conhecimentos, mas como um sistema de regras e
FoucauJt estuda "grupos de enunciados" no interior de urna formação social, práticas:
nas relações que eles mantêm entre si e com os fenômenos não-discursivos
como acontecimentos técnicos, políticos, sociais etc. A questão central é: quais Eu chamarei arquivo, não a totalidade dos textos que _foram conservados por
são as condições graças às quais se pode falar de um discurso (discurso da uma civilização (...] mas o jogo de regras que. detennmam em un:a c~ltura a
medicina, da economia, da gramática etc.)? Suas respostas são as seguintes: aparição e o desaparecimento de enunciados,. sua reman~nc1a, seu
enfraquecimento, sua existência paradoxal de acontecimentos e de coisas. ( 1994,
a) Os objetos. É preciso que ~xista um conjunto de objetos comuns (por p. 708)
exemplo, a doença mental para o discurso psiquiátrico);
Na esteira direta do pensamento de Foucault estão constituídos os trabalhos
b~ <?s ~f'~s de enu~iação. Deve-se poder falar de uma "modalidade de Pêcheux e de Maingueneau, esse último utilizando o conceito de arquivo
enunciativa , 1.e. de um tipo de enunciação recuperável e normativa;
em substituição àquele de formação discursiva:
c) Os conceitos. Deve existir um "sistema de conceitos permanentes"
que são .opera~t~s em t~l ou ta~ domínio, em tal ou tal momento (por exemplo, No lugar de formação discursiva, M~ingueneau ( 1991) introdu.z .ª noção de
. ..• t'1ca);
o conceito de sintoma em psiquiatri'a, de .. 11.ngua,, em 1mguis arquivo para reunir enunciados advindos de um mesmo pos1c1onamento,
enfatizando (mediante a polissemia do étimo de arquivo, o grego archéion)
d) As escolhas tem áticas A A • • • que esses enunciados são inseparáveis de uma memória e de instituições que
corresponde às e tr t. . · permanenc1a de uma temat1ca, que lhe conferem sua autoridade, legitimando-se por meio delas" (Cl-IARAUDEAU
ser reconhecida s a eg1as trabalhadas em um campo específico, deve poder
& MAINGUENEAU, 2002, p.62)
trabalhos de B /tºr exemplo, a temática do "evolucionismo" que está nos
u on e se estende até Darwin).
2.2.Aaparelhagem conceituai e metodológica
Assim, explica Fou lt
conjunto, pode-se f: 1 cau • se é possível perceber regularidades nesse Enquadramento teórico: o programa de D. Maingueneau
ªar em formação discursiva :

~ ........_
..__,,.. .......---
.1 l1 lim'jlf11h,11 1//1011 1/lw • 11n
~• I• '·'"""ln lrfl"•" .'41 f ~Jft!f"'''''

Em Ci<'ml.i'C's d 11 di.1·c·o11rs ( 1984 ). antes de apresentar a noção de arquivo, tanto o vocabulário quanto os temns tratndos, a i11tertexl1111lid111lc 1111 1111

M<1ingucnc11u mostrn como nasce 111.n discurso, como :ie se estrutura em um instâncias de enunciação.
Clllljunto coerente e cm um espaço mtelcctunl homogcneo que perdura além No discurso politico, por exemplo, pode ser enco11trnda 11 prcsc111,:11de11111
das v;iriaçõcs individuais e temporais. Ele apresenta e define três concepções vocabulário específico e recorrente (variantes e invcnçê'lcs cm torno ele
centrais da nnálisc do discurso (ic~. p. I 0).,antcs de formular sete hip6teses que democracia, por exemplo), de metáforas naturalizadas ("a diarrclc cio l(sl:ulo
constituem um programa ele análise do discurso (p. 11 e ss.). navega sobre um vulcão", no século XIX, substituicla, mais reccnlcmcnlc pela
Três crmceitos ftmdame11tais. São a formação discursiva (herdada de expressão "o câncer do terrorismo") de referências aos discursos 1'1111cladorcs
Foucault). a superlkie discursiva e o discurso: (no caso francês, por exemplo, a recorrência a Jaurcs, de Gnullc etc.) e marcas
enunciativas particulares (o nós político).
- A formação discursiva é um "sistema de restrições de boa formação
semântica"; - A competência interdiscursiva. Os locutores expressam, cm gemi,
inconscientemente, competências de fala interiorizadas, dependendo de seu
-A superficie discursiva é o "conjunto de enunciados produzidos de acordo meio, sua formação, sua educação:
com esse sistema";
Esse sistema de restrições deve ser concebido como um modelo de c:o111peti:11c:lu
- O discurso é a "relação que une os dois conceitos precedentes". Trata- interdiscursiva [ .. .]. Postulamos, nos enunciadores de 11111 discurso dado, o
se de um "conjunto virtual, o dos enunciados que podem ser produzidos de domínio tácito de regras que permitem produzir e interpretar enunciados que
acordo com as restrições da formação discursiva". resultam de sua própria formação discursiva c, corrcla1ivamcntc, permitem
identificar como incompatíveis com ela os enunciados dns fonnnções discursivas
Sete hipóteses: antagonistas.

- Discurso e interdiscurso. A postura fundamental da análise do discurso - A prática discursiva. O discurso não deve ser pensado como um conjunto
implica estudar as produções discursivas a partir do ponto de vista de que elas de enunciados abstratamente descontextualizado, mas como uma prática,
são informadas por outras produções discursivas, captadas pelos locutores a social, cultural, intelectual, técnica:
partir do modo de uma herança (por exemplo: o discurso contemporâneo sobre O discurso não deve ser pensado somente como um conjunto de textos, mas
a escola é construído sobre as heranças da escola republicana do século XIX) como uma prática discursiva. O si~tema de restrições semânticas. para além do
ou do modo de uma troca: enunciado e da enunciação, permite tornar esses textos comensuráveis com a
'rede institucional' de um 'grupo'. aquele que a enunciação discursiva ao mesmo
O interdiscurso tem precedência sobre o discurso. Isso significa propor que a tempo supõe e toma possível.
unidade de análise pertinente não é o discurso, mas um espaço de trocas entre
vários discursos convenientemente escolhidos. - Uma prática intersemiótica. <? discurso não é uma produção pura
i.e., não brota de si mesmo, mas se articula com outros sistemas de signos: '
_ A lnte rcompreensão. Nenhum discurso é homogêneo e dirigido pelos
A prática discursiva não define somente a unidade de um co ·
enunciados; ela pode também ser considerada como uma pi·átic:a inte~~~m~~ .de
locutores sob a forma de uma expressão puramente pessoal. O discurso do
Outro é constitutivo do discurso do Eu:
que integra produções que pertencem a outros domínios semiót' (.i~m~o~ica
musical etc.). icos p1ctonco,
O caráter constitutivo da relação interdiscursiva faz aparecer a interação
semântica entre os discursos como um processo de tradução. de - A inscrição sócio-histórica. O discurso não é a t' .
interc:umpreensàu regrada. Cada um introduz o Outro em seu fechamento. aos dados sociais e históricos, mas se constrói em rei~ l~ arqutco em relação
traduzindo seus enuncindos nas categorias do Mesmo e, assim. sua rel.~ção modo que esses dados são igualmente configurados ç,io .ª eles, do mesmo
com esHe Outro se dá sempre sob a forma do 'simulacro· que dele constro1. . pe 1os discursos:
~ recurso a esses sistemas de restrições il · .
- O sistema de restrições. 1-ló nos discursos as marcas, explicitas ou °
dissociação entre a prática discursiva e n llnplica de f'orm·\ ·li
histórico. Ele permite, ao contrário a r outras séries de seu 111' •. guma uma
implícitas, de sua integração em uma certu fo rmação discursiva: abrindo a possibilidade de isomor'r.t ofundur o rigor dessa in • t~biente sócio-
sem por isso reduzir a especilieid 3 ~10 entre o discurso e scnção histórica
1
Pura dar contu desse interdiscurso, propomos que existe um sistema de res.trições
semâ111icas glub':'i.1'. O caráter "global" dessa semântica se manifesl:R pel~ fat~
e dos tcnnos assim essas outras séries'
corrclacionados. A,
de que ela restringe simultnneamente o conjunto dos "planos" discursivos.

~ à-.-
2u-. • . . {j(;,mtdt1 'l't'fmr11 dt1 I in,c11uf/M As ling1iístita1 diimrsh a1 • 211
1

antropol.ogia cultural. Assim, a uma concepção metafisica do sentido, que se


fom1açào discursiva revela-se. assim, como 'esquema de correspondência' entre caracteriza pelo afastamento da "contingência'', Rastier opõe uma concepção
os campos à primeira vista hetcrônimos. histórico-critica do objeto lingüístico. Sobre a constituição gradual desse domínio,
citamos, entre outras publicações de Rastier: Sémantique inte1pretative ( 1987)
Esse programa da análise do discurso evoluiu, evidentemente, nos últimos
e Sens et textualité (1989) nas quais aflora a ascendência de Hjelmslev, de
vinte anos, mesmo no interior dos trabalhos de Maingueneau. Mas ele constitui
Greimas e de Pottier, mas em uma ótica crítica. A reflexão de Rastier
sempre um pedestal teórico e metodológico eficaz para os pesquisadores atuais
desenvolve-se também como um debate necessário e constante com alguns
e futuros.
modelos dominantes da época, como se testemunha em Sémantique et
recherches cognitives (1991), onde, contra as tentações e os escolhos do
Perspectivas da AD: os canteiros abertos
mentalismo e do conceitualismo, o autor defende a dimensão simbólica da
Como toda disciplina que se apóia sobre o estudo de produções autênticas,
linguagem. Muito próximo dessa visão de uma teoria exigente, situa-se ainda a
a análise do discurso evolui à medida que os corpora se transformam ou se
obra coletiva Herméneutique: textes, sciences ( 1998), na qual a contribuição
constroem, mas também, como sublinha Maingueneau, em função da "relação
de Rastier tende a constituir a "hermenêutica material", um ponto focal nas
que a sociedade mantém com suas produções discursivas" ( 1995, p.11 ). Pode- ciências da linguagem.
se distinguir, na pesquisa atual, algumas orierntações que privilegiam ou
constroem alguns objetos de estudo: 3.2. O objeto texto
- a teorização do discurso (MOIRAND, 1996), os gêneros do discurso Rastier observa que "a lingüística histórica e comparada fundamenta suas
(ADAM, 1999), a noção de ethos (MAINGUENEAU, 1999); comparações na análise morfossintática, e as gramáticas formais
contemporâneas têm reforçado ainda essa restrição" (2001, p. 13 ),
- os parâmetros de produção de saberes e de crenças: construção de acrescentando: "malgrado a autoridade da tradição gramatical, tudo leva a
ideologias, problemática do senso comum e da doxa (SARFATI, 1995, 1999, lingüística a tomar os textos por objeto: ela se defronta, então, com fenômenos
2002); de uma outra escala, verdadeiramente grandiosa [... ]"(ibid).
- os lugares de construção dos discursos: linguagens do político (a equipe Distâncias
da revista Mots ), discurso das instituições (por exemplo da Igreja, cf. SARFATl, Antes de definir positivamente as principais orientações da semântica de
2000; do exército, cf. PAVEAU, 2000), discurso social (RINN, 2002); textos, Rastier formula um certo número de críticas preliminares. Ele marca,
- as marcas enunciativas e de organização formal; discurso de transmissão de início suas diferenças em relação às teorias que examinam apenas "os
de conhecimentos (MOIRAND et ai., 1993; BEACCO, 1999, no quadro do pólos extrfnsecos do texto" (ibid.) que são, respectivamente, os modelos da
CEDISCOR64 ), discurso reportado (AUTHIER, 1995; ROSIER, 1999). referência, da intenção e da interpretação. A explicação proposta por esses
três modelos produz efeitos periféricos que elidem o texto enquanto tal: o recurso
Diferentemente da escola francesa dos anos 1960 e 1970, a análise do ref~rencial faz eco ao realismo ontológico; o recurs? ~intenção formula quando
discurso atual é um domínio bem constituído. Um olhar retrospectivo sobre as muito "uma conjectura", ao passo que o recurso a tnterpretação "hipostasia"
fundações e uma reflexão epistemológica sobre a disciplina parecem, doravante, as "abstrações" (por exemplo: o "leitor modelo" de Eco). A pregnância desses
necessários a toda nova pesquisa nesse domínio. Prismas leva, segundo o autor, à "f~~ci~ação" que as ciências da linguagem
não cessam de experimentar pelas c1enc1as da natureza, já que eles procedem
sobre o modo da "simplificação causal" ("o efeito se reconhece inteirame t
3.ASEMÂNTICADE TEXTOS ~~ causa"), ou do "simplismo func ional" (concebendo a lingua ne
3.1. A idéia força . . •mpressão do pensamento"). Rastier também objeta a essas abo dgem como
"as c1en~1as
·• · da .cultura nao - tem.
• acess? as. causas, mas às condi
' ' õr agens que
Segundo os termos de François Rastier: "O texto é o verdadeiro objetivo
Podem h1erarqu1zar e problematizar" (1bid. p. 16). Em um e ç es que elas
da lingüística" ( 1989). Esse projeto segue as perspectivas originais de uma
autor formula críticas aos "tipos epistemológicos" ue co s_ gundo mo?1ento, o
reconstituição das ciências da linguagem a partir do texto, na proximidade da
~~?c.epyões da semiótica: sua assimilação às ciên~ia nf.ig.uram as diferentes
Vis~ s~1plina descritiva" (os trabalhos de Mounin es;~ctais, n~ que respeita
1

o), a concepção que tende a fazer da se . , f 11 ~~0 participam dessa


64 Centre de Recherches sur les Discours Ordinaires et Spécialisés ; Université de Paris -Ili.
mio ica a norma de todas as
.........
....
-
' ~AJ(,ra116r1 "I Mridt rlt1 I J llfl.HÍll1m

ciências humanas" (trata-se de ótica comum a Hjelmslev e Greimas); a 197lb; E. Coseriu, 1962), Rastier elabora uma teoria dos componentes
;IJ li1~1il.s1it,11 tl1i<11rsiru1 . 2u

semiótica concebida como uma "filosofia da significação" (a partir de Peirce), semânticos ( 1987, p.40), assim esquematizada:
enfim, a semiótica centrada sobre o "para além do mundo humano" (rebaixada
ao nível de "filosofia da natureza") e que culmina em um apagamento "tanto
da distinção entre as ciências, quanto entre as ciências e a li losofia" (ibid.p.51- In.rld11rias i111ane11/es de codijicaçào Fe11ô111e110 111a11ifes1ado
52)
l .Sistcm:i 2.N ormas 3.Uso Texto
Definição foncion:il (escrito, oral ou outro)
A perspectiva crítica em relação às orientações de trabalho comumente
admitidas em ciência da linguagem permite pôr em relevo a contribuição "Dialético" Socioleto Id.ioleto
específica de Rastier. A definição que ele propõe de texto encerra as premissas
do novo quadro teórico:
A situação do texto, apreendido como produção cada vez singular, pennite,
Um texto é uma série lingüística empírica atestada, produto de uma prática ao mesmo tempo, conceber a materialidade à luz de determinações prévias
social determinada. e lixada sobre um suporte qualquer. (ibid. p. 21 ). (notadamente genéricas), operando entre o resultado que ele constitui e as
condições da língua. Essa conceituação é de suma importância para
Esses diferentes traços definicionais requerem, por sua vez, algumas compreender as relações que mantém a triade texto/gênero/língua.
explicações. A primeira característica ("o texto é atestado") fundamenta um
"princípio de objetividade" (ibid. p.21 ), já que ela institui uma ruptura Uma semântica unificada
metodológica acentuada no que diz respeito aos procedimentos de fabricação Abordando as exigências da semântica de textos, escreve Rastier:
ad hoc dos exemplos por numerosos praticantes de uma lingüística restrita
que subestima freqüentemente o caráter histórico de seu objeto. A segunda As tarefas principais de uma semântica de textos colocam-se em três linhas
característica (o texto é "produzido em uma prática social determinada") convergentes: elaborar uma semântica unificada pelos principais patamares de
determina o "princípio da ecologia", na medida em que, acentuando o caráter descrição (palavra, frase e texto); elaborar categorias para uma tipologia dos
eminente do entorno de todo texto, ela permite assegurar a sua "delimitação" textos (literários e míticos, científicos e técnicos); desenvolver essas teorias
(ibid. ). Enfim, a terceira característica (o texto "está fixado sobre um suporte") descritivas em relação com o tratamento automático de textos. {ibid.p.38).
formula "a condição de seu estudo crítico", já que ela supõe um "debate de
Limitar-nos-emos à exposição dos princípios teóricos dos "componentes
conj~cturas" (ibid.). i:sa era da multiplicação dos suportes numéricos, Rastier
do plano do significado" (ibid. p.38). Rastier distingue quatro operações tanto
enfatiza, pelo contrário, o fato de que "essa condição empírica rompe com o
privilégio exclusivo da escrita" (ibid.p. 22). no plano da produção quanto no da interpret~ção de textos:

3.3. Proposições - o com ponen te temático: ele corresponde a um "agrupamento


~struturado de semas" (ibid. p.38). Por sua vez, o componente temático
Os componentes semânticos incorpora um componente tópico (motivos temáticos e axiomas normativos
Duas linhas conceituais originais informa ã . . d socializados distintivos, em particular os gêneros);
semântica de textos Pre d0 m a progress o teonca a
da semântica, Rasti~r ins?~t~pa em desen~olver uma concepç~o integrativa - o compone nte dialético: ele " trata dos intervalos de tempo
pensar a generalidade a · sobreª ne~essida~e, para uma teoria do texto, de representados e das evoluções que se desenvolvem", de maneira que ele possa
prolonga a reflexão de'S s~:n:i como ª smgulandade de seu objeto. Nisso, ele integrar "as teorias da narrativa" (ibid. ). Dessa perspectiva, esse componente
Um dos pontos fundam~n~i;:;acher (abor?ada na Herméneutique género/e). leva em consideração o tratamento do "nível acontecimental", mas igualmente
em função de suas determ. õe ta.I empreitada é situar o texto, não somente 0 dispositivo de "atores", "papéis" e "funções";
abordagem imanente m~ç es mtemas - de onde provém a idéia de uma
que ele mantém com 0- ma.s igualmente levando em consideração as relações _ componente dialógico: ele."fundament~ a tipol?gia dos enunciadores
0
d conJunto das restri - · . .
e um reexame da distinção estrutural çoes genéncas e discursivas. A partir representados" (ibid. p.41 ), e da conta da modahzação das unidades
esquema! normaluso (Hjelmslev, J 971 a, semânticas em todas as escalas de complexidade do texto" (ibid. );
214 • As Grwtd•s '/ eoti111 t/11 1i1i~11/11im

- o componente tático: esse último componente "dá conta da disposição


linear das unidades semânticas em todas as escalas" de organização do texto Capítulo ·11
(ibid. ).

A precisão dessa teorização impõe uma manipulação rigorosa dos conceitos


trabalhados, em particular, ela obriga a conceber a diferenciação como o
resultado de uma "decisão metodológica" que somente "pode isolar esses quatro As teorias pragmáticas
componentes em interação simultânea não hierárquica" (ibid.).
A ambição teórica da semântica dos textos consiste em definir um horizonte
de pesquisa que situe próximo do texto as preocupações de uma semiótica das
culturas porque, assim especifica Rastier, "uma semiótica geral não pode ser t O HORIZONTE TEÓRICO
mais do que federativa" (ibid.p.72).
1.1 Origens intelectuais
Em seu início, a reflexão de tipo pragmático não estabelece, por assim
BIBLIOGRAFIA dizer, nenhuma ligação com a reflexão lingüística, já que ela se origina em uma
série de interrogações essencialmente filosóficas. Mesmo se, na maioria dos
ADAM J.-M. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992. casos, ela tenha acabado por se fundir e confundir-se com os estudos lingüísticos,
ADAM J.-M. Linguistique textuelle. Des genres de discours aux textes. a pragmática nasceu da filosofia da linguagem.
Paris: Nathan, 1999.
CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. (org.) Dictionnaire d 'analyse du A "crise dos fundamentos"
discours. Paris: Senil, 2002 [Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: A emergência e a constituição do domínio pragmático são antes de tudo
Contexto). imputáveis a uma situação de crise da filosofia, ocorrida no final do século
MAINGUENEAU, D. Gêneses du discours. Paris: Mardaga, 1984 [Gênese XIX, em razão da qual as diferentes correntes de pensamento efetuaram um
dos discursos. Curitiba: Criar]. retomo radical à questão da linguagem. A conjuntura era então a de uma tripla
RASTlER F. ~rt~ et sciences du texte. Paris: PUF, 200 1. problematização das matemáticas (Cantor descobre a presença de antinomias
SARFATI G -E. Elements d'analyse du discours. Paris; Nathan, 1996. nos sistemas axiomáticos; Godel estabelece a incompletude da lógica), da lógica
clássica (o debate que opõe Frege a Husserl e a Brentano marca o recuo do
psicologismo e anuncia a pesquisa de uma linguagem e de um método capazes
de garantir a objetividade das proposições) assim como da metafisica tradicional
~ela se traduz pelo questionamento das construções especulativas herdeiras do
~dealismo e, sob influência do Círculo de Viena, produziu um discurso de
JUstificações da atividade humana).
. .Todo o edificio conceitu~I é colocado em causa, obrigando filósofos e
teoncos a se debruçarem radicalmente sobre a questão da linguag d
suas funções, condição sine qua non de toda atividade racional. em e e

A virada lingüística
. Essa crise da racionalidade tem como efoito 0 fat d
ma1sd? que nunca sensíveis ao pariimctro linguagc· '~d e tornar os teóricos
(o conjunto infinito e o conjunto dos conjunto~ .1 ' ~0 -. escoberta de Cantor
~aráter inevitável da significação e tornou ne .~ 1 ~nitos) colocou à prova 0
e u~a língua perfeita que tornaria impossl c~ssaria, e urgente a constru -
Pares m.coerentes. Uma tal língua asse 'Urari .. ve: no futuro, a formuJ - çao
O fato e que as línguas naturais (a "líg a ao calculo um funda açao de
ngua ordinária") e . mento estável
m muitos aspectos sã~

~
........_
As lt01in1 pragmátiras • 217

216 • " " C.nmtlfl Trori.u '''' I j,~111/hM

impróprias para as operações de cálculo: equivocidade (ambigüidade),


1.3. Pragmática e lingilfstica
subjetividade (afetividade). circularidade (reflexividade), comunicabilidade
(contra a informatividade pura), indic ialidade (ancoragem espaço-temporal)
tais silo os di terenles componentes pragmáticos de uma língua natural. A tomada
A integração
Quer seja autônoma (filosofia da linguagem ordinária) ou incorporada
de consciência desse estado de coisas motiva aquilo que a critica costuma
lpragmática lingüística), a pragmática conserva, apesar de tudo, uma identidade
denominar a "virada lingüística da filosofia" (the linguistic: turn <?f philosophy). própria. Suas orientações tomam um caminho diferente daquele do Curso de
Com esse rótulo, designa-se esse ponto de mutação do projeto filosófico que é
Ungtiistica Geral de Saussure. Dois debates históricos (Benveniste/ Austin;
instado, sob o impulso dessa crise, a se re-centrar sobre a questão da linguagem
i;>ucroúSearle) fizeram a pragmática progressivamente adaptar-se à lingüística.
e sua potência. E importante caracterizar os jogos terminológicos de maneira a delimitar de
fonna mais rigorosa o espectro teórico da pragmática.
1.2 Delimitação do domínio
A primeira filosofia analítica se desenvolve sob o impulso dos trabalhos de
O problema terminológico
Frege sobre a redução da aritmética às operações da lógica. No Tractatus As denominações são abundantes e podem levar à confusão se não
logico-phi/osophicus, L. Wittgenstein ( 1889-195 1) rede~ne a filosofia ~o_mo tomarmos cuidado com elas. Para precisar a terminologia, proporemos as
uma atividade de elucidação e limita sua jurisdição à lógica das propos1çoes.
seguintes definições:
Segundo essa ótica, uma proposição, comparada a um " quadro" deverá
representar um estado do mundo. Com os Principia Mathematica , B. Russell O termo pragmática qualifica um domínio de estudos, sem especificação
( 1872-1970) contribui, entre 1910 e 1913, com are-fundação das matemáticas de um objeto de pesquisa a priori;
sob princípios lógicos. A teoria dos tipos aporta notadamente uma solução ao
paradoxo lógico (aquele "da classe de todas as classes que não é membro dela A expressão pragmática filosófi ca designa seja o fato de que a
mesma", que expressa a antinomia do conjunto dos conjuntos infinitos). Russell pragmática deriva historicamente da filosofia, o que constitui uma redundância,
distingue um sofisma nessa formulação. Aquilo que inclui "todos" os elementos seja os projetos de re-fundação das grandes questões da filosofia (conhecimento,
de um conjunto não deve ser um elemento do conjunto. Tentando dar uma moral, política...) a partir das aquisições da filosofia analítica;
resposta ao problema da referência ambígua ou da ausência de referência A expressão pragmática lingüística designa o conjunto das teorias
(mascarada pela existê~cia de prop.o~ições nem verdadeiras nem falsas). B. elaboradas, no quadro da lingüística, a partir da integração dos conceitos e
Ru~s~ll elabora a teona das descnçoes. Mas, em reação ao reducionismo perspectivas de trabalho da filosofia da linguagem ordinária;
tog1c1st~, u~a.segunda corrente se desenvolve no interior da filosofia analítica.
Seus. pnnc1pa1s represe~t~ntes el~geram como objetos de pesquisa as fonnas Reservaremos a expressão pragmárica da linguagem para designar
usuais. do pensamento
("I. (log1ca d'
das.. ") naturais) assim como as tionnas usuais
hnguas · o.conjunto de modelos de tipo pragmático que tomam como objeto de estudos
a mguagem mguagemor
d-r 11 · J L Aust'n e t e t mana
·1
: GE. Moore G R 1 PFs s
' · Y e, · · · trawson. · ·
f diferentes aspectos da linguagem não articulada (especialmente os sistemas
1ou mm, . . · 1· ,· ndr ouros, 1 ustram esse 1'mport an te movimento. cuhurais enquanto sistemas integrantes de comunicação).
Quando, no 101c10 os anos 30 do século XX . .
lógica• é para orientar sua reíle xão sob re a eluc1d . , W1ttgenstem afasta-se
~ d · d d da d Aquestão do contexto
uma lingua natural. A esse res eito .. . . açao as propne a es e
desse filósofo. Afastando-se d~ se ' ~nh~a distingue dois períodos na obra
ª A questão do contexto deve ser, igualmente, especificada, se quisermos
formula, ~m .Recherches Philoso ~~primeiros trabalh~s de lógica, o filósofo
fazer dele um conceito operatório. Levar em conta o nível de análise que esse
termo designa revela-se. com efeito, determinante para a caracterização da
de pesquisa inédito, relativo ao ~x ques. as grandes lmhas de um programa
estabelece com a categoriza ão d ame da~ _rel~ções que uma lingua natural
pragmática em termos de construção teórica.
cultura. Wittgeinstein di' t' ç
. ,
ª
s mgue princ· 1
expenenc1a, a percepção o mundo da

. Freqüentemente definida como a ciência do contexto, a pragmática distingue
diferentes tipos, ou, mais exatamente, assinala diferentes níveis de estruturação
1inguagern vemácula· a cad d . . tpa mente a função de comunicação da do contexto:
~ma rnu.11phc1
1 . · · •
dade de ce á . aomm1od ·· ·
e pra.ttcas (formas de vida) corresponde
~~~~~eia?ª segunda lilo~f;~0:n~~í~°,mun1~ayão .(jogos de linguagem). Sob d - O contexto circunstancial corresponde ao ambiente fisico imed' t
nus1tuda os propósitos d . . ca, os _ti losotos passaram a considerar de os protagonistas (espaço, tempo. natureza e textura da comunicação); ta 0
a a11v1dade filosófica .

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218 • •-'Is <.nu1da ·1;.,n,u 1!.1 1111,~Ní1t1f,,
/1.1 l tori(IJ pnrt,rt,itit.-u • 219

- O contexto sltuaclonul coincide com o ambiente cu ltural do discurso.


Enquanto tal, ele define os critérios de validade (qual tipo de expressão, (eles exprimem um engajamento do locutor, ou qualquer outro tipo de
considerada como "11onm1 I" em uma cultura, mostra-se "anormal" em uma intervenção), eles respondem a condições de felicidade (a sinceridade presumida
outra). Ele opcrn como uma matriz de gêneros em função das práticas que do locutor não é empiricamente verificável).
dctcnnina: Aspectos da performatividade. Os enunciados performativos validam a
- O contexto interacional caracteriza as formas do discurso e os sistemas idéia da sobredeterminação da linguagem já que eles são regidos por diferentes
de signos que as acompanham (turnos de fala, gestos ... ); tipos de convenções. Os exemplos escolhidos por Austin validam, pelo menos
em princípio, esse postulado: o casamento, a inauguração, a legação
- O contexto epistêmico (ou pressuposicional) recobre o conjunto das testamentária, a aposta constituem atos de fala regidos por regras precisas e
crenças e valores comuns aos locutores, seja de maneira a priori (pré- necessárias, partilhadas, ou ao menos conhecidas por todos os membros de
construido), seja a posteriori (construído). uma mesma sociedade.
Todavia, o êxito dos atos de fala, por mais ritualizados que eles sejam,
2 OS DOMÍNIOS TEÓRICOS supõe o respeito a um certo número de condições: lingüísticas (certas fórmulas
2.1. J . L. Austin (1911-1960): a teoria dos atos de fala devem ser empregadas à exceção de outras); sociológicas (os locutores devem
ser investidos de autoridade ou do estatuto requerido pela situação, em um
A hipótese performativa tempo e lugar adequados), psicológicas6s (a disposição de espírito dos locutores
A ilusão descritiva. A constituição da "linguagem ordinári~". em objeto de deve estar conforme ao tipo de compromisso que eles assumem). Austin deu o
conhecimento procede, como já vimos, de uma oposição ao log1c1smo: E.nesse nome de "teoria dos jogos" à formulação dessas exigências teóricas,
contexto que é preciso situar a teoria dos atos de fala. Ela constitui uma enfatizando, assim, a importância da observação simultânea desse conjunto de
superação da concepção clássica da linguagem. John L. Austin contesta, com regras. Com efeito, a desobediência a uma dessas três condições não permite
efeito, o primado da frase afirmativa que fora erigida, na concepção que se alcance o êxito do ato. Por realismo, entretanto, Austin deixa entender
representacionista, como protótipo da verbalização. A ilusão descritiva, ligada que a transgressão do pré-requisito psicológico (a condição de sinceridade)
a essa concepção, nasce do desconhecimento de outros valores lingüísticos. não compromete fundamentalmente o sucesso do ato. A teoria dos atos de fala
é, com efeito, construída do ponto de vista do locutor, mas a situação de
Constativo/performativo. Tanto a gramática tradicional quanto a filosofia exterioridade do destinatário é tal (ele não pode julgar a natureza subjetiva da
da linguagem em sua versão logicista só reconhecem dois tipos de formações disposição intencional do locutor) que ele só pode ter certeza de condições
linguísticas: as proposições dotadas de sentido (verdadeiros ou falsos) e as formais.
sem-sentido. As proposições éticas (os enunciados da moral, bíblicos etc.), É patente que as atestações pr?duzidas por Austin para exemplificar em
afirma Austin, logo chamaram a atenção dos filósofos, pois elas não são nem q~e consiste a qualidade perf?rm~t1~a de t~I ?u ta~ e.nunciado supõe em graus
afirmações nem sem-sentido. A consideração desse tipo de enunciados abre diversos a existência de uma mst1tu1ção (c1v1I, rehg1osa, ou ao mesmo tempo
uma nova pista para a compreensão da linguagem. Austin avança uma primeira civil e religiosa). Existem, certamente, distinções entre esses diferente
hipótese: as línguas naturais se organizam em tomo de uma distinção funcional enunciados: devido ao fato de serem configuradas por práticas discursi· s
entre dois tipos de enunciados (com exceção do sem-sentido): os enunciados · · · ã o da apos ta· nã o se compara com aquela do casa vas
espec1'fi1cas, a mst1tu1ç t
e a noção de regra soc1a · 1 não 1mp
· 1·1ca necessariamente
. men o'
constativos que descrevem um estado de coisas (como no exemplo 1) e os 0 recurso
enunciados performatlvos, que permitem realizar um certo tipo de ação (como autoridades competentes. Isto significa alirmarquc a teoria da perfo :. ~~rtas
no exemplo 2): fun~a-se, antes de tudo, na noção de contrato ele fala. Ela su õe c m1a IV! ,ade
ªorigem teológica-jurídica de um certo número de trarlsaçpõ omo provavel
( 1) O céu está uzul • • es verbais.
(2) Eu prometo resolver esse problema . Di.w:us.vOn. A exposiçilo dn teoria dn pcrformntivid , .
dois momentos. nc1e se desenvolveu em
Os enunciados do tipo ( 1) são verdadeiros ou fa lsos, na medida em que
eles dão ou não dão conta de um estado de coisas objetivo (o fato de o céu
estar ?~ não azul no momento da fala) e obedecem a condições de verdade
(empm~amente observáveis). Os enunciados do tipo (2) não são nem
verdadeiros nem falsos, mas susceptiveis de serem "felizes" ou "infelizes" " ..... ""''" ""'''''º '"""'" "'"' "''"'"'"' '"""' ''"'' '" '''"'"''º '"''"''º"'' ,,
comuoicaçâo•


.. .
I• lrnn .u f'' 1{l'/'t.tf/;1lf .ui
l.20 • .• l.t ( ol)t11d ,-c I fltlf,JC i/,1 l /'{C,M •llod

A hipótrse llocudoná ria


Em um primeiro mon1ento. t\usti11 lenta sustentar a teoria da O questinn:11nen t~1 p:lt\:ial dn pc1formatividadc. na ausência de critérios
performatividade. Esse estúgio corresponde il pesqu isa de critérios rigorosos. del.'isinls. C(lndu1iu Austin a rl'l"onstruir inteiramente n teoria dos atos de fala.
Na uus~ncia de um critériti kxicngnilico estúvel (por exemplo. a presença do No entanto. n modifü::t\"l1o da pesquisa t•onsistiu menos cm um abandono do
verbo di:er enquanto dclinidor de certos verbos). t\ustin orienta-se na direção que numa sistematizaçi1o da primcirn perspectiva. Essa nova orientação tem
de um critério gramatical. Ele traia de distinguir os empregos de um mesmo um preço: a suixraçilo da hipótese performativa cm proveito de uma hipótese
verbo performativo: que lhe sistematiza o principio. A concepção que disso resulta. apesar de manter
( 1) Ele me prometeu vir 0 postulado conn.:ncionalista. nào faz mais o valor pragmático de um enunciado
(2) Eu te pro11ieto rir depender de marcas lingilísticas distintivas. A teoria da performatividade é
integrada a uma teoria geral do ato de fala que a inclui como um de seus
O exemplo (3) é um caso de emprego cm que se preserva a significação componentes.
performativa do verbo; no exemplo (4). pelo menos formalmente, a significação
atualiza igualmente o valor pcrformativo do verbo. A qualidade performativa Locucionário, ilocucionário, perloc11cionário. Se o dizer é um fazer, ele
não é. então. uma qualidade lexical intrínseca. mas uma propriedade potencial impõe à teoria a necessidade de descrever precisamente em que consiste o ato
que depende das condições do discurso. Portanto, (4) apresenta todos os traços de dizer. da mesma maneira que impõe a necessidade de esclarecer em que
de um modelo linguístico produtivo. construido sobre o padrão sintático /verbo sentido dizer uma coisa é fazê-la. Aqui. também, Austin procede por etapas.
+ voz ativa + presente do indicativo/. Esse segundo critério não é mais Ele caracteriza o dizer. primeiramente. tendo em vista os diferentes elementos
sustentável. Outras formas lingiilsticas entram em concorrência com essa que entram na formação de uma locução: as sonoridades, depois as sonoridades
pretensa forma canônica: expressões com infinitivo (Evite.fumar), expressões significantes de acordo com a gramática do idioma considerado (frases dotadas
deverbais (Cachorro caçador) etc. Por outro lado, o uso mostra que existem de um sentido), enfim o relacionamento dessas frases e de um referente (o que
gra~s de performatividade, um mesmo ato de fala é susceptível de várias faz com que cada uma das frases seja um enunciado dotado de significação).
realizações, todas convencionais: Desse novo questionamento deriva uma nova conceituação e, nesse momento
da pesquisa, Austin propõe uma nova hipótese. Ela consiste em afirmar que

~
1~ Eu te prometo vir
2 Quanto a 11~im: eu virei um ato de fa la é um processo complexo que se compõe de três atos
3 Vuça, eu v1re1 estreitamente intrincados:
Já que a "força" do com~rom isso não é a mesma, apenas 0 exemplo (4) a) um ato locucionário, que consiste em um ato de referência (o dito
: omporta um verbo ~erform~llvo, enquanto que em (5) e (6) 0 valor do ato não enquanto tal);
e marcado. Essas
c: variações
. hngüísticas
. indicam o caráte r expI'1c1·to ou pnm
· á no
· b) um ato ilocucionário, que mostra o que se está fazendo, naquilo que
do va 1or per1ormat1vo dos enunciados: (4) formula um at d. d f: 1 se diz;
enquanto que, no melhor dos casos (5) e (6) form 1 o . ir~to e a a, e) um ato perlocucionário, realizado pelo fato de dizer aquilo que é dito.
(a partir do qual o destinata' r1·0 poderá denvarum
. u am um ato md1reto de fala
valo dº&'. d )
Enfim • a distinção constat1
· ºvo/per1ormattvo
c: . enco t r 11erente . a promessa . Para Austin, esses três níveis de estruturação de um mesmo ato de fala
exemplo: todo enunciado articula u n r~ ~~ outro tipo de contra- não tê~ o mesmo estatuto em termos lingüísticos. Observe um dos exemplos
performatividade. m traço de descnttv1dade com um traço de oferecidos por Austin para ilustrar essa distinção:
Ato (A) - locucionário: Ele me disse: "Você não pode fazer isso".
Seja o exemplo: Está quente ne .
se for verdadeiro que p mas sta sa1ª·(a) P diz que P, e P só é verdadeiro Ato (B) - ilocucionário: ele protesta contra meu ato
certo contexto é susceptÍvel d~ por ou!ro lado, {b~ a enunciação de P em um Ato (C.a) - perlocucionário: ele me dissuade, me detém
pode constituir uma simples . ~?nfenr um valor 1locucionário específico que Ato (C.b) - Ele me chama ao bom senso etc. Ele me importuna.
para que se abra a janela in icaç~o ou um ato de fa la indireto (um pedido E·1
uma açã~ qualquer no ca~~~ convite para deixar a sala, o detonamento de CISJ>ect: ~tem l~ços ~e ordem convencio~al entre.º aspecto locucionário e
lado nà tlo~uc1onáno e, de fato, só a análtse penntte diferenciá-los. Por outro
0
das condições de validaç~ d e tratar-se de uma senha etc.). A interferência
0 as~ct~ iha qu~lq~e~ laço conven~io~a~ sus~eptív:I de reger as relações entre
condições de sucesso ouª•?c: ~ ~drn dato de enunciação (condições de verdade +
entre
d. esses dois . constituintes
• 1
ie 1c1d a e").rnostra que não há uma fronteira clara e, corn0 :ocuc1?nano e o perlocuc1onar10. O 1locuc1onário é um dado do CÓ<f
isso1ução dessa primeira hipót 0 sentido, o que tem como conseqüência a ta •relativamente previsível. O perlocucionário não é outra e · igo
ese. 01sasenão

~
m • As C:rJ•dtJ Ttoriru ,/,, 1i~~uÍJliM AI lton 111 /Jrll/ /lltiti"" • 22J

uma "conseqüência" desprovida de qualquer .caráter de .necessidade. Austin proposicion~l, u.~ª ~orça pro~osicional, explicitada ou não por um marcador de
limita deliberadamente o programa de pesquisa da teoria d?s atos de fala à força ilocuc1onana 6 • A seguir, ele se dedicou ao reexame da taxionomia dos
análise do pólo locucionário/ ilocucionário, excluindo do honzonte da teoria o valores ilocucionários ( 1979) e os reconstruiu segundo 12 critérios, sendo que
estudo da perlocução. somente os 4 primeiros fonnam, realmente, uma série de critérios de escolha:
Intenção/linguagem. O relativo sucesso da hipótese am pliada conduz (a) o objetivo ilocucionário (condição essencial);
Austin a estabelecer uma classificação dos valo res ilocucionários. Com esse
objetivo, ele constrói uma tipologia que comporta cinco rubricas, diferenciadas (b) a direção de ajustamento, seja das palavras com o mundo, seja do
segundo uma ordem conceituai. Esse princípio de classi fi cação se inscreve na mundo com as palavras (condição preliminar que inclui, também, o estatuto
tradição dos Thesaurus: veridictivos (concordar, decretar. .. ), exercitivos dos locutores);
(ordenar, demitir ...), promissivos ( prometer, consentir...), comportamentativos
(c) o estado psicológico expresso (condição de sinceridade);
(desculpar, agradecer ...), expositivos (afirmar, conj eturar ...). Uma ambigüidade
caracteriza, entretanto, essa taxionomia: Austin pretende fazer um inventário (d) o conteúdo proposicional (uma relação colocada sobre o passado ou o
racional dos tipos ilocucionários, mas, ao mesmo tempo, ele repertoria verbos. presente, uma previsão do futuro).
Isso coloca um problema metalingUístico, pois se trata de dois níveis de
articulação de valores pragmáticos inteiramente diferentes. Todavia, essa Esses critérios regem a classificação das "forças ilocucionãrias primitivas"
confusão, talvez voluntária, oferece a vantagem de colocar claramente e de em cinco rubricas:
maneira original o problema das relações entre linguagem e pensamento: as - assertivas (afirmar, constatar... ) , que se caracterizam pela
estruturas intencionais (em número de cinco) são subjacentes às formas correspondência entre o enunciado e o estado de mundo;
lingüísticas (os verbos ou os nomes de atos denotados pelo significado de cada
verbo repertoriado). - diretivas (ordenar, aconselhar...), que visam a modificar a situação do
. A teoria dos atos de fala integra um movimento de pesquisa complexo, alocutário;
feito d~ !upturas e . de reform u.lações. Ela se organizou a partir de três - compromissivas (prometer, jurar...), que visam a fazer corresponder o
P.ropos.1ço~s.: uma h1~ótese restnta (perfonnatividade), uma hipótese geral
mundo com as palavras;
(Iiocuc1?nano), um~ hipótese.conceituai (taxionomia dos valores). Ela comporta,
outrossim, uma teona rrnplic1ta do la.ço político (teoria dos jogos), que apresenta - expressivas (felicitar, agradecer...), que não v isam nem a fazer
um esboç? d~s .relações entre r~stnç~es .con_textuais e restrições discursivas, corresponder as palavras com o mundo (caso 1), nem a modificar o mundo em
mas também ms1ste sobr~ as res~ç~s mstituc1onais, lingüisticamente marcadas, função das palavras (caso 2);
que regem as relações mtersubJet1vas66.
- declarativas (decretar, abrir uma sessão ...), que instituem um estado de
As críticas fato ao mesmo tempo em que o descrevem, elas participam tanto de ( 1) quanto
. . É necessário separar as críticas que emanam do domínio pragmático e as de (3).
cnt1cas externas. Significação e contexto de conhecimento. Para além desse
remanejamento local das teses de Austin, Searle planta as bases de um novo
A crítica pragmática: J.R. Searle, a reconstrução da teoria dos atos desen.vo~vimento da teoria dos atos de fala. Assim, a reflexão que ele desenvolve
de fala. O discípulo e continuador deAustin interferiu nos principais aspectos CO~s~ 11u1 uma tentativa de responde~ à questão de saber sob quais condições os
da teoria dos atos de fala e propôs uma reformulação mais rigorosa. Searle fez ~UJC•to s podem adequadamente interpretar os enunciados e port t
do ato de fala uma entidade com duas faces, comportando um conteúdo inscreverem-se de maneira adequada nos processos de comunica' ão an o,
e não verbal). As perspectivas desse questionamento ultrapassan ç (ver~al
pen.sa~os, o problema das "condições de êxito" dos atos de tàl ~em m~tto,
rad1cahzação do postulado institucional da hipótese perfi ~· a partir da
66 Essas perspectivas forom inspirndas, de um Indo, em certas teorizações da análise e da ormativa que Searle
história dos discursos, de outro na sociologia. Em particular, elas permitiram assentar a análise
das relações hierárquicas e dos confli tos sociois em urna base discursiva, dando, igualmente,
uma base discursiva à problemática da legitimidade ("li nguagem autorizada"). 67 Essa distinção recobre a oposição dictum/mod11s proposta por Bally.

...._
llA • A t <. rmulr1 ·1ronm t/11 I JNJHÍl/1111
; fJ /toniJJ ptrl).nuiJitaI • 2ll

desenvolve a concepção intencionalista da significação. Submetendo a hipótese


pcrformativa a um exame rigoroso, Searle ( 1972, p. 92-93) propõe distinguir as pesquisa precisando que ·'a hipótese do contexto de co11'1eci111e1110 resume-
restrições propriamente lingüísticas que condicionam o proferimento desse tipo se à proposição segundo a qual os estados intencionais são sustentados por
de enunciado (trata-se de regras normativas) e as restrições para-lingüísticas capacidades pré-intencionais não representativas". O último estágio da reflexão
(trata-se de regras constitutivas) às quais se conformam geralmente os sujeitos. de Searle. exposta em La co11s1111ctio11 de la réalité sociale ( 1995), constitui
Segundo Searle, a adequação de um e nunciado? tanto na prod.ução quanto na uma elaboração ambiciosa e conseqüente da problemática institucional que já
recepção, é função da conformidade dos sujeitos a um conjunto de regras estava na base. mas de maneira ainda discreta, da primeira formulação da
institucionais que conferem à intenção de comunicação um valor coletivo (ou teoria dos atos de fala.
público). Esse questionamento aproxima-se, de forma mais forte, da crítica ao A. crítica cog11itiiiista. D. Sperber & D. Wilson. Esses formu ladores do
sentido literal. Em lesem; /ittéral ( 1982), Searle discute a pertinência dessa principio de per1i11ê11cia ( 1986) propõem uma leitura da taxionomia dos valores
noção, mostrando que, de um ponto de vista estritamente pragmático, ela é ilocucionários cujo objetivo é refinar suas perspectivas. Segundo a tese
inaceitável. Para estabelecer sua tese, Searle trabalha, intencionalmente, a desenvolvida. a identificação da força ilocucionária de um enunciado não é
partir de um exemplo cuja feitura leva a invalidar os exemplos dos lógicos. Se nem sempre possível, nem mesmo necessária à sua interpretação. Contra
podemos interpretar corretamente uma frase como O gato está sobre o Austin-Searle. eles procedem, em uma perspectiva descritivista que negligencia
telhado, é em virtude de um certo número de "assunções contextuais" que o postulado pragmático da teoria dos atos de fala, a uma releitura de suas
nos permitem atribuir uma significação a essa frase. D ito de outra maneira, classificações. As cinco classes são transformadas em três, a partir de critérios
n~sso conhecimento de certas leis do mundo em que vivemos (por exemplo, a exclusivamente lingüísticos (lexicais e sintáticos). Eles distinguem os enunciados
lei do campo gravitacional que dá sentido à preposição sobre nesse contexto) a partir de urna tripartição de tipo verbal que subsume três tipos de frases:
~os dispõe a realizar adequadamente esse trabalho de interpretação, di:er que (frases declarativas), dizer a (frases imperativas), p erguntar se
mdependentemente das habituais considerações relativas às condições de (frases interrogativas).
verdad~, à ~xatidão dos pressupostos, à indiciai idade (que só permite determinar A crítica gerativista. Duas críticas foram realizadas no interior do
a re.f~renc1a). Para Searle~ são essas ~apacidades do " plano de fundo", que movimento da gramática gerativa. J. Ross ( 1970), seguido por G Lakoff ( 1976),
fa~.1ltta~ o ~r?cesso mterpretaltvo . Em u ma pesquisa posterior formulou a seguinte hipótese perfonnativa:
(l mtentw~naltte, 1985), o filósofo volta-se para a problemática dos contextos
de con_hec1mento, noç~o que ele define como "o conjunto das capacidades As frases declarativas como Os rios foram aterrados devem ser analisadas
mentais não representativas que é condição de exercício de toda ã " como performativas Íf!lplícitas, e d~rivadas . d~ uma estrutura profunda que
(1·b
.
'd
/ , p.
175) EI
. e
t'. •
en1at1za,
• •
principalmente
. . , o cara'ter pre' · t
representaç o
· 1 d
-m enc1ona essa
contém um verbo principal performallvo exphmamente representado.
d1mensão estruturante da significação e propõe d · Também w. G Lycan (1984) contestou a validade da hipótese perforrnativa
partir de dois "registros": ' escrever a sua economia a
demonstrando seu caráter paradoxal. Sejam os exemplos: '
- contexto profund o, que compreende t0 d . ( 1) A Terra é redonda
comuns a "todos os seres humanos nonn . ,, as as ~apac1dades que são (2) Eu afirmo que a Terra é redonda
também a posição pré-intencional ~is (as capac1~ades motoras, mas Lycan chama a atenção para_ o fato de que se ~ssas frases possuem u
existência individual e do outro )68; que da conta da solidez das coisas, da mesma estrutura profunda, elas tem a mesma condição de verdad O m~
verdade se e somente se ( 1); mas (2) não é verdade pelo sim e. f: ra, ( l) e
- contexto local que com re d
agenciamento de nosso' universo c~tid~~n:69 ~odas as aptidões relativas ao
l~c~tor afirmar que. (2) é ver~ade. Tais são os termos do
h1potcse performa11va, em virtude da qual todo en
e/ 1~s ato de o
. P foi madoxo. A
performativo explícito, deve então ser abandonada E ~nciado comporta um
. Cada um desses aspectos do c
aptidões "responsáveis pelo ~ntexto de conhecimento comporta as pr~ceder, a partir de ( 1). à interpretação scmân;ica. de 'e~º· pela. razão de que
pelo como fazer as coisas .. ';e:~ sao as ~oisas" e aspectos "responsáveis atribuam condições de verdade incorretas. ) levara a que se lhe
· ª
e conclui caracterização dessa linha de 2.2 .P. Grice: a intenção de comuni· c •
açao
A per spectiva ger a l
68 Esse ponto vem da contribuição da filosofia do senso comum elaborada por Moore.
69 Searle aproxima-se, aqui, de um autor como Dennett ( 1990).

........_
U6 , Ir (.n1,,J1c ·1mmH ,k; I i11,(11/Jtit11 " '1 ltoniu pr'{~tlfiitit;IJ , 221

. , lantou as bases de uma teoria semântica sobre as condições de êxito da comunic·iç'lo e de 0 1


Entre 1957 e t969. o ~lósofo Orlice p tares uma e outra fundada sobre a sobre suas condições de possibilidade. ' ' ' u ra parte, uma rcílcxão
e de uma teoria · p~agm,.át1cn comp
d , emen icação.' Essas duas conln·bu1·ções 1azem
t:

hipótese do caráter mtcncionul ª~o~u·~a a noção de signi ti cação não natural, O ?bje~o da teoria. ~ob. º.plano de .sua inscrição na história da filosofia, a
eco na medida cm que,.uma ve~fi e, ~~ identificando suas regras fundamentais.
1
deternrn~~ç.10 ~<: s~us p1111c1p1os aproxnna-se mais do projeto de formulação
ateoria da conversação irá espec1 ica a de uma eti.ca (ciencia d?s costumes) do que de uma pesquisa dos fundamentos.
< • _ _ Pela expressão "significação não natural'', A em~rett~da d~ Gnce consiste, em suma, em caracterizar a ética da
A .~ignijicaçao n~o na~t1ra ·
/
ondutas linguageiras (verbais ou não). comun~c.açao subJ~cente à di.nârr~ica das trocas verbais. Ela define o esboço de
Grice identifica a part1~ulandadf das c consiste em instaurar uma relação
ª
Significar qualquer c01sa ~ua quer u~ .fi ão não natural distingue-se uma ~nt1ca da razao ~omu111cac1onal. Grice nos leva a observar que, ao lado
intencional. Assim caractenza~a, a s1gt"1 icaç trib i comumente às relações daquilo ~ue ~m ..~º~Junto. de enunciados permite significar em virtude de
intrinsecamente da significação dita natura que se a se~á signo de tempestade c?m'.enço:s lm~u1sttcas, e necessário prestar atenção a um outro plano de
causais em curso na natureza: uma nuvem negra E d d' s1g111ficaçao obttdo por mecanismos semânticos ligados ao contexto. Nos dois
uma correnteza de lava, signo· ·
de 1rrupç ão vu lcânica
. etc.p .sse mo o e casos, entretanto, o destinatário desenvolve um cálculo semântico ligado à
significação corresponde ao conceito de índice defimdo por eirce. realização de uma inferência: no primeiro caso ele efetua implicações
convencionais, no segundo, implicações conversacionais.
Aspectos da significação não natural. Instaurada ess~ ~i sti~ção, Grice
subdivide ainda o domínio da significação não natural em dois tipos. o P.lan~ da Estrutura da teoria. Outrossim para Grice a comunicação só é possível
significação induzida por meio de um índice direto (por exemplo, a atnbutção porque seus protagonistas aderem tacitamente a um princípio de cooperação.
de uma nota baixa em um exame final equivale a um fracasso) ;. o plano de Com efeito, de um lado, uma troca verbal não se reduz a "uma seqüência de
significação induzida por meio de um índice explí~ito que p~~1 te ao outro marcas desconexas", de outro lado, cada participante reconhece "um objetivo
inferir a intenção que alguém pretende lhe comunicar (a atnbu1ção de uma comum". Observe a definição desse princípio fundamental:
nota desqualificadora em um exame final, seguida da observação "estudante
reprovado pela caligrafia"). Dito em outros termos, somente os atos de Que sua contribuição conversacional corresponda àquilo que é exigido de
você, àquilo é esperado, pelo objetivo ou a direção aceita da lroca verbal na
comunicação que têm o objetivo de fazer com que o destinatário reconheça a qual você está engajado ( 1970, p. 60-61 ).
intenção que se tem ao fazê-lo, contêm o principio da significação não natural.
De fato, o êxito provável de um ato de comunicação fica submetido à inferência As categorias de co1111111icação. A conformidade de c~da t~"!. ao princípio
que permite ao destinatário identificar os conteúdos que se deseja transmitir- de cooperação no decurso d~ "manobra~ conversac~ona1s tem como
lhe. Imaginemos duas situações: a) um policial pára um carro colocando-se no fundamento a identificação (teórica) e o agenciamento (efetivo) de quatro regras
seu caminho; b) um policial pára um carro fazendo um sinal com a mão. O que a especificam: "Com base em Kan~, eu .~h~n:iarei essas categori~s ~e
caso (b) ilustra uma situação de comunicação na qual a atitude do policial é Quantidade, Qualidade, Relação e Modalidade (1b1d, p. 61). Essa. referen~1a
dotada de uma significação não natural. Nesse sentido, a significação não natural a Kant pode aqui surpreender, te~do em conta o f~to de que a teoria de Gnce
exibe du~s intenções: aquela de comunicar que, enquanto tal, precisa ser visa à ética da comunicação, projeto que se aproxima mais, por suas escolhas
r~co!1hec1da; aquel~ de mf~rmar, que exige uma identificação precisa da terminológicas, da Métaphysique de~· ~noeurs (lvl'!_tafisica da ':'foral) do que
~1gm~ca?ão comumcada. Gnce descarta a possibilidade de uma regressão ao da Critique de /a raison pure (Critica da razoo p11ra)11 • E conveniente
tnfi!11to, Já que a recuperação da intenção de comunicação pelo destinatário prevenir-se contra a tendência de uma certa vulgata em caracterizar essas
o~nga-o também a interpretar a intenção de informar aquilo que ela comporta regras como " máximas conversacionnis". As tais múximas são, antes de tudo
s1multaneamente7º. categorias de comunicação. O em~ré~timo. d~sses conceit~s de Kant suger~
que eles constituem as formas a priori da log1ca conversac1ona\:
A teoria da conversação
- Quantidade:
Essa segunda teoria constitui, de uma parte, uma reflexão aprofundada 1 . t. sua contribuição deve conter 11 quantidade ele informação necessária
(infonnatividade)
10 A concepção de Grice deve ser oproximodo daquela de Austin, no que diz respeito à validação 1
do valor ilocucionârio de um enunciado (um enunciado foi compreendido quando foi objeto de 71 Dn qual Grice empresta, com efeito, seus conceitos. Cf. 111, 92 e IV, 65. "Analif d
uma "captaçlo" (em inglb, uptake). 1 e . quadro das categorms . "(G nrn1er
. 1··1umnnon,
. p. 136 e ss.) . ica os
onceuos,

..
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/ Is trori111 PJ"Ul.111úlitt11 • m
2. sua contribuição nào de,·e conter mais informação do que a necessária
(exausti\idade)
conferir uma base racional à gestão dos conflitos, ou, mais precisamente, graças
- Qualidade (sinceridade ): ã mediação retórica. evitar que os conflitos não acabem em violência fisica. A
1. não afirme aquilo que você não acredita que seja verdadeiro obra de Perelman é. assim como a de outros pensadores da mesma geração,
2. não afimle aquilo que ,·ocê não pode provar uma reação aos excessos do logicismo que o autor define como "uma ruptura
com uma concepção do pensamento e do raciocínio, derivada de Descarte". O
- Relação (pertinência): seja pertinente
autor do Tratado de Argumentação ( 1988) fundamenta seu ponto de vista no
- :\lodaUdade (inteligibilidade) desenvolvimento da história do raciocínio, compreendido como o resultado da
1. não se expresse de maneira obscura luta que Platão empreendeu com sucesso contra os sofistas, em proveito do
2. não se expresse de maneira ambígua modelo matemático. Para Perelman, esse momento do pensamento grego (que
os diálogos platônicos bem testemunham, principalmente em Protágoras) está,
Esse dispositivo teórico deve garantir, tanto na fonnulaçào dos enunciados sem dúvida. na origem de uma linha de pensamento que tem como efeito limitar
quanto em sua compreensão, um princípio de economia que consiste e~ ~iar a definição da racionalidade somente ao raciocínio lógico-matemático, o que
uma significação mínima com o objetivo de um resultado comumcac10nal constitui ''uma limitação indevida e perfeitamente injustificada do domínio do
máximo. qual provém nossa faculdade de pensar e de provar". Essa crítica apóia-se
sobre o fato, sublinhado por Perelman, de que existem domínios de práticas (a
Os aportes e limiJes da teoria. O modelo de Grice deve, enfim, ser avaliado começar pela vida cotidiana, pela moral e pelo direito) nos quais os sujeitos,
em seus aspectos descritivo e explicativo mais do que em seus limites. Essa para comunicar e fazer valer seus pontos de vista, mobilizam uma forma de
teoria propõe uma modelização dos mecanismos de inferência característicos racionalidade que não se baseia na administração apodítica da prova. Tal é o
de uma língua natural. Portanto, Grice insiste sobre o fato de que, em situação caso de todas as formas de raciocínio corrente, que não têm como objetivo
de comunicação, nenhum sujeito se conforma estritamente às regras. A dinâmica estabelecer a verdade, mas o de se fundar sobre o registro de valores éticos
comunicacional repousa, de alguma maneira, sobre o acaso, isto é, sobre sua para garantir o verossímel. Esse domínio não é aquele da lógica baseada no
exploração mais ou menos adequada. É ao caráter somente provável da agenciamento da argumentação demonstrativa, mas o da retórica fundamentada
importância que cada um lhe atribui que se reconhece seu valor regulador. Sua no manejo da argumentação persuasiva.
latitude de emprego é considerável: a metáfora, a litote, a ironia, são alguns Os ganhos
efeitos discursivos que resultam da transgressão parcial, inconsciente ou É preciso então, distinguir muito claramente os aspectos do raciocínio
deliberada, dessas categorias. "relativo à verdade" e aqueles que são "relativos à adesão". Essas observações
A afirmação de seu caráter universal constitui um postulado da teoria da tendem à retomada do projeto aristotélico no contexto contemporâneo, deixando
intenção comunicativa. Essa assunção exige vários comentários. A postulação de lado toda consideração sobre a tecnicidade dos gêneros oratórios
universalista pode ser compreendida de duas maneiras muito diferentes. Pode- especializadosn. Perelman define, com efeito, as perspectivas de uma nova-
se ~· comoº. f~ <?rice, que as quatro categorias definem quatro expressões retórica, preocupada em caracterizar as condições da eficácia dos discursos.
especificas do pnnc1p10 de cooperação. Ou, pode-se considerar ao contrário. Assim, a lógica conversacional repousa sobre as modalidades da argumentação
que so~ente o pri~cípio de cooperação constitui um verdadeir~ postulado da persuasiva: confrontado com os fatos, o d~scurso deve acomodar os valores e
comunicação, quaisquer que sejam as línguas e as culturas envolvidas. Nesse crenças dos sujeitos envolvidos na comunicação.
nível, as cate~orias propo~tas por Grice seriam variantes do princípio de Os princfpios
cooperação CUJO emprego e, em última análise configurado por diferentes
formações culturais. ' A~ perspectivas ~a ret?rica ~a~ trocas verbais estão, antes de tud .
à consideração de pnncíp1os teonco-práticos a saber a 'd .. o, 1tgadas
sujeit?s fazem uso da realidade e dos valores~ cren a; 1 eia .que fazem os
2.3. C. Perelman: a alternativa retórica
para Justificarem seus propósitos e suas condutas: E~o~q~ais.e~es aderem
O contexto histórico
A reílexão de C. Pcrclman {1912-1984) foi desenvolvida após ~ segunda
Guerra Mundial, a partir do direito e da filosofia do direito. S~m ~úvida, pod:~
se observar nesse projeto uma marca da época: trata-se, pnnc1palmente,
--
n Perelman e Austin podem ser comparados não
l>Ost:ulados, mas também por essa referência com
rmperw retórico

somen~e do ponto de vista de


um a Aristóteles. seus
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2lO • Ar Grv11dn Tt11ni11 da Li11g.1tif1t.1

isto é, de ~ar:antir seu.estatuto de ··seqüência bem fonnada·· (confonne a síntaxe


( 1997) Perelman enumera os paràmetros em função dos quais o orador/locutor e a semant1ca da lmgua) . Por conseguinte. o CL atribui às frases uma
ajusta seu discurso: significação. A atividade se desem·olve a partir de uma "hípótese externa" na
medida em que o CL trata de entidades linguísticas fora de contexto:
( 1) 0 objetivo da argumentação é prov?car ou co~seguir a adesão de um
auditório às teses que se apresentam a seu Julgamento. F(rase): Eu te e11co11tro aqui amanhã de manhã às onze horas
(2) O orador, se deseja agir eficazmente por meio ~e seu discurs~>, ~e~e O componente retórico (CR) trata globalmente da interpretação contextual
adaptar-se a seu auditório, adotando, como ??nto de partida de seu rac1ocm10, das frases. A atividade do CR fundamenta-se sobre uma "hipótese interna" já
as teses admitidas por aqueles a quem se dmge; que nessa etapa a maquinaria do sentido dá conta da situação de enunciação
(3) O orador constrói uma representação do audü~rio (auditóri~ u.~versal}, (SE) que permite assinalar a uma frase (F) o estatuto global de enunciado (E)
norma ideal de seu discurso, ao qual se dirige por meto de seu aud1tono real; atribuindo-lhe um sentido. O CR opera em dois tempos. Ele assume
primeiramente a saturação das variáveis que são principalmente os ele~entos
(4) O propósito do orador é uma dialética permanente entre os dados indiciais ou dêiticos (marcas pessoais, marcadores espaço-temporais}, de
supostamente aceitos e os dados construídos. maneira a fixar a referência. Ele procede, a seguir, à aplicação _eventual das
leis de discurso capazes de garantirem a aceitabilidade do enunciado:
Para atingir seu objetivo, o orador pode usar três tipos de argumentos: os
argumentos quase-lógicos (especialmente o raciocínio por analogia), os E: Eu te encontro aqui amanhã de manhã às onze horas
argumentos tirados da estrutura do real, os argumentos fundamentados em
exemplos. Essa concepção do cálculo semântico é denominada i_nstruci~nista, na
Meyer adaptou os ensinamentos de Perelman à perspectiva do medida em que os resultados da hipótese externa s~rvem de mstruçoes ao CR
desenvolvimento da filosofia. A partir da problematologia, ele constrói a hipótese para a formulação da hipótese intema73 • Esquematizando, temos:
de que a fala filosófica orienta-se sempre, como uma resposta argumentada,
no interior de um corpus específico, para uma questão impensada ou esboçada F (rase)
em uma reflexão anterior. A perspectiva problematológica seria o modo de
articulação privilegiada do discurso filosófico. O pensamento de Perelman está
na origem da renovação dos estudos argumentativos e, em alguns casos, suas
!
@omponente Lingüístico!___. S(lruação)
perspectivas convergem com as preocupações dos teóricos da pragmática que
captaram a herança filosófica aoglo-saxônica.
2.4. O. Ducrot: a pragmática integrada
1
P' (significação de P)
~
1
l- Componente Retórico 1
~e a pragmática integrada participa à sua maneira da renovação da retórica,
ela difere em seus postulados e seus objetos da nova retórica de Perelmao. No
co_nte_xto francês, ela prolonga a semântica da enunciação de Benveniste,
~nn~~p~lmente centra~a sobre a identificação das formas da subjetividade
1
Sentido de P no contexto de S
lmgu1st!ca. O modelo incorpora os principais resultados da filosofia analítica,
em particular a concepção intencionalista do sentido. As premissas da pesquisa
de Ducrot ( 1968) advogam em favor de um "estruturalismo do discurso ideal", O rendimento do modelo
capaz de dar co~~ do sentido de enunciados a partir de convenções lingüísticas Depois de expost? o quadro conceituai desse modelo, é importante
que regem a atividade dos sujeitos falantes.
caracterizar o seu rendimento.
A "maquinaria do sentido" As palavras do discurso. Ess_a expressão designa um conjunto de termos
O modelo de Ducrot •d · 1 com estatuto semântico problemático (Ducrot, 1980). Trata-se tanto de palavras
complemen pn~ve ois componentes, cuja atividade se reve a
tar, paraª
O compone t r
determmação do sentido (Ducrot 1972· 1984)
f . ' • •
primeiramente i:.ae ~n:u sllco ~CL) desempenha duas funções. Ele tem, 73 Pode-se reconhecer, por meio da distinção entre frase/enunciado e significação/sentido as
• ª re a e determinar a construção lógico-gramatical da frase,
aquisições da filosofia da linguagem ordinária (Strawson e Austin em oposição a Russell). '

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v111 ins '". cq11ivnlc111cs gramaticais dos t:onc<.:torcs da lógica formal (conjunções falantes (em relação às restrições dialetais, sociodialetais e idioletais). Admitindo
t:nnnknati vas). quanto de pal av ras com conteúdo semântico di screto em princípio essas normas, elas podem tanto estar cm conformidade quanto
(i111e1:ki\·l·ks) n11. ni11da. elementos adverbiais susceptíveis de numerosos valores em desvio em relação a elas.
de emprego de um ponto de vistn pragmático (aliás, dedsivamente .. .). Esses O implícito. A teorização da dimensão implicita do sentido é uma das
dili:n:11 1es termos atual izam cm discurso um largo espectro de funções maiores conquistas da pragmática integrada. Pouco a pouco, a maquinaria do
arg11mc111ativ:is potenciais. A análise <.lo comportamento discursivo da conjunção sentido repertoria os diferentes aspectos do não-dito, principais condições da
mas ilustra muito clarnmentc o postulado <.la teoria da argumentação na língua. enunciação. Essa reflexão fundamental repousa, antes de tudo, sobre uma
Seja. por exemplo. E 1: O tempo está hom. A enunciação de E 1 permite concluir primeira crítica aos pressupostos da teoria da língua que a entende como um
(r) do tipo: vt1111os passear. O emprego de mas no início de um novo enunciado código:
E2 modilica a orientação argumentativa inicialmente definida pela enunciação Dizer que as línguas naturais são códigos, destinados à transmissão de
de EI: (E I) O tempo está hom mas (E2) meus pés doem. informação de um indivíduo a outro, é admitir, ao mesmo tempo, que todos os
Resulla dessa seqüência uma re-aval iação do tipo de conclusão inicialmente conteúdos expressos por elas são expressos de maneira explícita. [...]O que é
realizada. A partir das propriedades argumentativas que o caracterizam, mas dito no código é totalmente dito ou não é dito de maneira nenhuma. (Ducrot,
1972)
opera no discurso como um inversor. No lugar da impl icação: E 1--+ r (E2),
ocorre uma conclusão r' - inversa de r - que será tirada e tomada como A justificativa do recurso discursivo ao implícito, e, portanto, a sua
válida: (E I) O tempo está bom, mas (E2) meus pés doem: (portanto r') não constituição como objeto da linguística vem da importância que tem esse
vou caminhar. mecanismo de construção do sentido na atividade dos locutores:
As escalas argumentativas. Essa expressão designa os mecanismos de Bem freqüentemente, tem-se a necessidade de dizer certas coisas e de poder
escalaridade (isto é, de gradação) acionados pelos locutores para fazerem valer fazer como se não as tivesse dito, de dizê-las mas de maneira tal que se possa
um ponto de vista (Ducrot, 1982). Trata-se da elaboração de um dispositivo refutar a responsabilidade de tê-las dito. (ibid.)
argumentativo a partir do recurso aos dados do senso comum. Define-se uma Esse recurso está relacionado a dois tipos de razões. Primeiramente, uma
escala argumentativa como uma construção discursiva que visa a desenvolver razão cultural em virtude da qual certos limites éticos são impostos àquilo que
um julgamento de valor a partir de dois eixos normativos susceptíveis de variar. se pode dizer abertamente:
Por exemplo, Podemos caminhar muito quando o tempo está muito bom
articula duas escalas normativas (a norma quantitativa da caminhada, a norma É forçoso admitir o fato de que há, em todas as comunidades - mesmo na mais
qualitativa do clima), mobilizadas pelo locutor para relacionar dois domínios (a aparentemente liberais - um conjunto não negligenciável de tabus lingüísticos.
prática da caminhada, a situação climática): [...) o que importa, ~ntcs de tudo, para o nosso propósito, é que há temas
inteiros que são interditados e ~roteg1dos por uma espécie de lei de silêncio (h,
espécies de atividades, de sentimentos, de acontecimentos sobre os qua·s 1 ãª
Muito bom Muito se fala). Ainda mais, há para cada locutor, em cada situação particular d'fi
1 n °
Bom Longamente tipos de informações que ele n.ão tem o direito de dar não por ue ~I ere.ntes
Mau Pouco nelas mesmas, objetos de uma proibição, mas porque o'ato de dá~I as s.eJ~~·
Muito mau Nada uma atitude considerada como repreensível. (ibid.) as const1tuma

A outra razão está diretamente ligada à condução da troca verbal. Ela


T
Escala qualitativa
T
Escala quantitativa constitui, então, menos uma justificação ética do que uma justificação prática,
senão "política":
(situação climática) (prática da caminhada)
A construção de uma escala argumentativa supõe o reconhecimento, pelos
locutores, de escalas normativas. Pode-se presumir que esses dispositivos ym' ·~~''""'""º"•"';"d'
T~~:'0
unda origem possível para a necessidade do implícito deve-se ao fato
t d;to pode '~' oomradito. D: m•oeica q"e não se pode anunci"
podo tomaMe objoto do d;""''°" possiveis.
ma opinião ou. um dese10 sem subm~te-los, ao mesmo tempo, a objeções
'"'
dependem de um saber partilhado. Mas isso não é uma necessidade. Por
definição, uma construção de discurso revela a latitude de expressão dos sujeitos
:.'"'""' do• '"'"'º'"º'"· [... ) E, então, nec.,,;do, ' toda c<ença
74 N.T. Palavras que nDo lêm função semântica cujo objetivo é relacionar termos: ..palavras-

l relacionais".

·---~
2.l4 • As C randtJ 1torilJI da U~(Místira
/ fs ltorirll prt1//lltilir111 • 235

de uma ideologia social ou de uma tomada de partido


fundamenta 1, quer se trate " , h
ex primi-la, modos de expressão que"''º a cxpon am, que
t
pessoa1, encon rar, ao - ( ·1 ·d )
1" . 0 pressuposto é um implícito relativo à produção, o subentendido um implícito
não a tomem o b,ieto
, de discussão ou de contestaçao.
que diz respeito à recepção.
É essa segunda razão que tom~ necessãrio o estu?o das diferentes
modalidades de implícito. As perspectivas que esse do~l~10 de est~?o abre à - Os lugares do discurso. O exame dos encadeamentos argumentativos
·1· 1· ·"stica colocam em exame os aspectos estrateg1cos da utilização da conduz à exploração de um outro aspecto da construção implícita do sentido.
ana 1se mgu1 .. d ã d ··
linguagem. Não se trata de uma metáfora m1 11tar, mas. e uma noç o, escnt1va Seja a seqüência: O tempo está bom, vamos à praia. O bom senso toma
e, tanto isso é verdade que freqüent~mente a c~~unicação verbal e teatro.de como lógica essa relação de conseqüência. Isso se deve ao reconhecimento
um afrontamento de pontos de vista antagontc?s. D~ u~a. per~pecllva tácito de um topos (ou lugar-comum) que justifica a passagem de um segmento
metodológica, Ducrot distingue, enfim_, du~~ c~tegonas de 1mphc1tos: aqueles (O tempo está bom) a outro (vamos à praia). Esse topos pode ser explicitado
que se baseiam no conteúdo do enunciado e aqueles que colocam em causa nesses termos: O bom tempo é propício ao banho de mar. Essa perspectiva
o fato de enunciação". atualiza, no quadro da pragmática contemporânea, a questão da invenção
(inventio) de maneira distinta à da Retórica Antiga, no agenciamento dos
- Posto e pressuposto. Essa distinção fundamenta a primeira oposição argumentos. Os topoi: que correspondem a crenças culturais, "servem de
que rege as relações do dito e do não-dito. Seja o exemplo Pedro parou de apoio ao raciocínio" (Ducrot, 1994). Seu rendimento discursivo permite apreciar
fumar. Essa fórmula lingüística comunica dois conteúdos semânticos. O primeiro seus principais traços funcionais. Consideremos os exemplos seguintes:
consiste na informação abertamente comunicada segundo a qual Pedro não
fuma mais. Característica do dito, já que explícita, essa informação constitui o (l)Pedro é rico: ele pode comprar o que quiser
posto. A segunda, embora simultaneamente comunicada mas de forma implícita, (2) Maria é bonita: ela seduz todos os homens
nos diz que Pedro fumava. Essa segunda informação constitui um
pressuposto. Segundo Oucrot, o pressuposto faz parte integrante da (l ') Pedro é rico: ele é, então, generoso (ou avarento)
significação da frase. Nada se pode falar sem pressupor, de maneira que o ato (2') Maria é bela: ela é, então, coquete (ou natural)
de pressupor constitui o ato de fala fundamental. Ele determina a primeira
estratégia de discurso possível, isto é, uma forma de violência face ao destinatário Os exemplos ( 1) e (2) apresentam encaixamentos justificados pela utilização
que o locutor encerra, assim, em um certo quadro de troca verbal. Assim, a implícita de um topos intrínseco. Por esse termo é preciso entender uma
contestação do pressuposto reveste-se de um caráter polêmico, pois ela quebra propriedade semântica constitutiva do significado lexical de cada adjetivo (rico
justamente o quadro precedente da comunicação. (Pedro nunca fumou!). bonita): a inferência resulta da explicitação desse conteúdo lingüístico (a riquez~
Ducrot enfatizou a importância da pressuposição na construção das ideologias. confere um grande "poder de compra"; a beleza toma certa a sedução). Os
exemplos ( l ')e (2') são seqüências enunciativas justificadas pelo recurso a
- Pre~suposto e sub_e~~endido. A discursivização da frase Pedro parou um topos extrínseco. Nesse caso, as crenças mobilizadas não derivam de
~efu.mar mtroduz ~ pos~1b1hdad~ de novos valores semânticos derivados por puras convenções da língua; essas são construções de discurso decididas 1
implicação. Tendo •?en~1~cado a informação posta, assim como a informação locutor (livre em associar a riqueza à generosidade ou à avareza e a b 1 pe ~
pressuposta, o destma~10 do enunciado pode inferir outros dados (É bem eoquetcna· ou ao natura 1) . p recisemos,
· enti1m, que cada topos na m d'd e eza a
"!elhor_µara a sua saude, ou entã~ Que pena, era seu .único prazer!). Esse que ele mobiliza dois predicados (do tipo P: beleza; Q: seduçã~) é e ª .em
1

tipo de mformação define a categoria do subentendido. E necessário observar de realizar-se sob quatro formas tópicas, dando lugar s . susceptivel
que pressuposto e sub~nten?ido distinguem-se pela natureza de suas diferentes as~endente (+P, +Q) ou descendente (-P,-Q) seja a um 1 eJa .ª um topos
relaçõ~s: o subentendido, diferentemente do pressuposto resulta do sentido do CUJos predicados variam em sentido inverso· '(+P -Q) ( p opQ os discordante -
enunciado• ele não pode ser ·lll!en~ 'd '
o sem recorrer ao contexto. ·
Além disso, . ' ' - '+ ).
enquanto
. . . os. pressupostos são em numero
· ti101to
. os subentendidos
. A pragmática integrada constitui uma contr'b
não são a 1 .
priori, hm1tados Enfi ?
inteiramente do • · m, enqu~nto a economia pressuposicional depende
'
~lanos. Ela consagra a redefinição em ex te ã0uição fu~damental em dois
1ocutor a caractenza..:io d
o su enten 1 o e1xa a mteiramente
b d'd é d . d . . ~inguagem, abrindo especialmente a análise ns. . de Objetos da teori
inexplorado do implícito. Ela modifica pr~fu dsernanttca ao horizonte até a da
à apreciação do d t. 'á . Y"
o locutor pode ~!:~at ~to. Com e~eito'. f~ce à_interpretação de seu enunciado,
interpretação (l . azao ao ~de~tmatano (E isso mesmo) ou recusar sua dos níveis de análise lingüística. A esa n ~mentea compreensã . ~ntão
sso e 0 que voce dzz). Em suma, do ponto de vista enunciativo, (Benveniste, 1966), esse conceito des. r de amda limitado ao q odtrad1c1onal
•gna, antes de tudo . ua ro frástico
'os diferentes 1
Panos

•-'1·--
2J6 • AJ Grondu TrorioJ da 1 Jnjl,HIÍtirn As lt1ri111 pr111.t»tititn1 • 2J7

diferentes componentes (lógico, retórico, ideológico), de maneira a caracterizar,


de estruturação do enunciado. A pragmática integrada está na base das além da competência lingüística do locutor, a competência pragmática. Assim
orientações da escola francesa de pragmática.
fazendo, a atividade pragmática toma-se sobredeterminada.
A especificidade pragmática. A distinção anteriormente estabelecida
2.5. A pragmática cogoitivista: D. Sperber e D. Wilson (modelo do código/modelo de inferência) coloca em relação duas concepções
Essa concepção, ligada aos trabalhos de Sperber-Wilson, é assim complementares da comunicação. Essa distinção recobre a oposição disciplinar
denominada pelo fato de inscrever-se em uma perspectiva contrária aos lingüística / pragmática:
postulados da teoria dos atos de fala. Seus teóricos recusam especialmente o
convencionalismo radical assim como a identi ti cação do dizer e do agir distintivos O estudo da representação semântica das frases pertence à gramática; o estudo
deAustin e Searle. Eles afinnam o primado da função descritiva da linguagem da interpretação dos enunciados pertence a aquilo que atualmente se conhece
e propõem uma teoria da interpretação dos enunciados, elaborada a partir de pelo nome de pragmática. (SPERBER & WILSON, 1986)
uma releitura de Grice.
A diferenciaç.ão desses dois domínios é de natureza a delimitar o estatuto
e a função da pragmática. É atribuída a esse domínio de conhecimento a tarefa
Código e infer ência de elucidação de fenômenos discursivos tão diversos quanto o nível das
A concepção cognitivista da linguagem repousa, em grande parte, sobre o ambigüidades e das significações implícitas, a identificação das intenções de
questionamento do modelo que pensa a comunicação como um código, que referência, ou ainda a força ilocucionária dos enunciados.
eles substituem por um modelo inferencial.
Sperber-Wilson ( 1986) observam que a história das ciências da linguagem, O código em questão. Diferentes argumentos são utilizados em apoio à
inclusive a filosofia da linguagem, é uma história da concepção da comunicação critica da concepção da comunicação como código. Serão aqui examinados os
humana inteiramente edificada a partir do modelo do código: argumentos funcionalistas e certas teses supletivas a fim de pontuar os limites
dessa concepção. Depois de haver realizado a crítica do modelo do código,
Um código é um sistema que estabelece uma correspondência entre mensagens Sperber-Wilson afirmam que "de Aristóteles às semióticas modernas, todas as
internas e mensagens externas, o que exige dois dispositivos para tratar da teorias da comunicação se baseiam em um modelo único, que chamaremos de
informação (quer se trate de organismos ou de máquinas) a comunicar. (Sperber- "modelo do código".
Wilson, 1986)
Em seguida, os limites e as desvantagens do modelo do código são descritos
Todavia a relação de comunicação que consiste, para a tradição lingüística, da seguinte forma:
em um dupl~ processo de codificação/decodificação necessita ser corrigida: Apesar de ser possível ver uma linguagem como um código que associa
representações fonéticas de frases à~ re~res~nt.ações semânticas dessas frases,
No entanto[...] a compreensão implica mais do que a decodificação da mensagem uma grande parte dos trabalhos em ps1~ohngü1st1ca, em pragmática e em filosofia
lingüística[...] Há um abismo entre a representação semântica das frases e os da linguagem mostra que há um abismo entre as representações semânticas
pensamentos realmente comunicados pelos enunciados. Esse abismo não é das frases e os pensamentos realmente comunicados pelos enunciados. Esse
transposto por codagens, mas por inferência. (ibid.) abismo não é transposto por codagem, mas por inferência.

Essas reservas dizem respeito, por conseqüência, às principais teorizações . O argu'!'ento do. "saber par~ilh~do". Nesse ponto da discussão, Sperber-
da comunicação que foram construídos sobre a base do código: elas se dirigem, W1lson sublmham o nsco de uma Justificação do modelo do código por m ·10 d
· fimito":
· ' · fundado sob re a " regress ã o ao m
Um rac1ocm10 · e e
em primeiro lugar, à esquematização proposta por Jakobson, que constituiu
uma transposi.ção, no quadro da lingüística estrutural, da representação Para os defensores do modelo do código, o contexto utiliz d .
cibernética da informação (devida ao matemático Wiener). deveria, sempre, ser idêntico àquele pensado pelo loc t [a ]o por um ouvmte
o ouvinte vão distinguir as hipóteses que eles p ~·f~· ··· como o locutor e
começar, eles devem fazer hipóteses de segunda ~ 1 am das outras? Para
A concepção pragmática do código
primeira ordem que eles partilham· mas pa or. em sobre as hipóteses de
f'
hipóteses de segunda ordem, será n~cessá~·10 veri.fi~ar que partilham essa
A crítica desenvolvida por Sperber-Wilson não atinge, evidentemente, os e assim até o infinito. azer hipoteses de terceira orde~
melho':l~entos que foram feitos nesse esquema, inclusive em uma perspectiva Outras objeções são desenvolvidas· 1 . .
pragmatica.
8 Pensamos, principalmente, na reformulação feita por Kerbral • e as incidem · ·
( l 9 0), que propõe uma versão alternativa que consiste em acrescentar pnnc1palmente sobre o
......._
-
r
lJI ~J (;n111.tft 1 liotMt d.1 # J'f(NIJ/lul
/ lt /rnd,11 /•lllf/H.IJ/r,11 • .!.1?

argumento. freq!kntemente colocado pelos partidários do .':'1o~elo código, da


eficácia de um "saber parti lhado" que suplementa as dcfic1enc1as do código: Paro Sperber-\Vilsun. a ati viclnde do sish.:11111 linglllstico é regida pelo
trabalho d o SE (sistema de módulos periféricos especializados).
As hiplitcscs ou 11s conhecimentos levados assim ao infinito foram identificados Correlativamente. a ntividmle cognitiva de tipo prugmi'ttico depende do SCP
cm primeiro lugar. por Lewis sob o nome de "saber comum", depois por Schiffe' (módulos centrais cio pensamento).
sob o nome de "snhcr mútuo'". No quadro do modelo do código, o saber mútu r
é uma necessidade . ( ...) a hipótese do saber mútuo não é plausive~ As tese.o; pri11cipais. O contexto é requerido pnrn proceder;) interpretação
psicologicamente. Nós rejeitamos. então. o modelo do código, do qual ele é dos enunciados. O 13xito. somente provúvct. do processo interpretativo, depende
uma conseqüência. também da formulaçi\o, pdo dcstinatúrio, de um conj unto de hipóteses. Essas
Todas essas objeções reclamam um novo ponto de partida. A retomada do hipóteses silo formuladas a partir de informnçõcs dispostas no momento cm
problema se faz a partir de uma re-avaliação da teoria griceana da intenção de que os protagonistas da troca verbal se comunicam. Em suma, o êxito da
comunicação, da qual Sperber-Wilson, mais uma vez, mostram as vantagens e comunicação depende do agenciamento de uma regra única: o princípio de
os limites. Eles a acusam, principalmente, de atestar seu valor descritivo 0 per1i11ê11cia (Pp). Trata-se, de fato , de um princípio de simplicidade.
posteriori e de carecer de potência explicativa. Eles reconhecem, todavia, 0 - O princípio de pertinência (Pp). Em que consiste a utilização e
fato de que foi Grice, depois de Austin, quem tematizou, de maneira explícita a aplicação do Pp? O que é um enunciado pertinente do ponto de vista cognitivo?
dimensão inferencial da comunicação. ' A aplicação do Pp diz respeito, de fato, tanto ao locutor que produz um
enunciado, quanto ao destinatário que é instado a produzir uma interpretação
A teoria da pertinência desse mesmo enunciado. Em uma dada situação de enunciação, a pertinência
A pragmática cognitiva articula-se sobre a teoria da pertinência, fonnulada de uma relação de comunicação (verbal ou não) é apreciada sob dois planos
por Sperber-Wilson ( 1989). distintos mas complementares: do ponto de vista do locutor, já que seu enunciado
O quadro geral. A teoria da pertinência foi desenvolvida no prolongamento comporta efeitos cognitivos (que são as probabilidades de ser reconhecido,
de dois modelos dos quais ela constitui uma elaboração específica, inserida na tendo em conta os elementos pragmáticos), do ponto de vista do destinatário
pragmática: uma teoria gramatical e uma teoria do espírito. do enunciado, que o vai interpretar por meio de esforços cognitivos mais ou
menos rigorosos (de acordo com o grau de coerência que ele reconhece
- A teoria da pertinência e a concepção gerativa da linguagem. A
teoria padrão da gramática gerativa (Chomsky, 1957) postula a independência precisamente no enunciado).
da sintaxe. Herdeira da gramática filosófica de Port-Royal, ela postula também - A inferência pragmática. A teoria da pertinência constitui, então, uma
a universalidade das representações conceituais das quais derivam as revisão da teoria da intenção comutíicativa. Ela desenvolve uma concepção de
construções formais próprias a cada idioma. Segundo Sperber-Wilson. a inferência pragmática que não depende nem do princípio de cooperação, nem
gramática gerativa calcula a representação semântica das frase s; essa de nenhuma das categorias de comunicação definidas por Grice. Seja a troca
representação é independente do contexto de enunciação. Por conseguinte. verbal seguinte:
esses mesmos dados servem de base à atividade pragmática do locutor. isto é. !.Diga, papai, o que faremos esta tarde?
à interpretação das frases enunciadas em contexto. 2.Escuta, eu preciso consertar a bicicleta ...
3.All, que bom!
- A teoria da pertinência e a concepção modular do espírito. Para J.
A. Fodor ( 1983), o espírito humano se caracteriza pela sua aptidão em tratar A i n ~erência real.izada pe.la criança constitui uma implica ão
as percepções do mundo por meio de módulos cognitivos especializados que as conversac1onal, no sentido de Gnce, mas ela é, antes de tudo res lt d ç d
transformam em representações 75• Essa teoria das facu ldades P?s,t~la ª busca de pertmenc1a
· • · que a criança
· c. no enunciado
1az · de seu ai • o·t10
u a o a
existência de dois tipos de módulos: de um lado, os módulos penf~ncos. maneira, é a partir de hipóteses ligadas à situação de enunc~a :. ( .de outra
relativamente independentes em relação ao pensamento, que definem o sistema consertar a bicicleta deve ter uma relação com um pro"et :; ça~. tais como:
de entrada (SE) dos dados percebidos enquanto impressões; de outro lad~~~ es~e enunciado pode então ser interpretado como ~ ºd . e sau esta tarde,
módulos centrais que correspondem ao sistema central do pensamento (S minha pergunta etc.) que a criança procede por infc .~'m. 111 ice de resposta à
trata-se mais especificamente de uma impli ãiencia. Nessa perspectiva
15 Fodor partilha com Chomsky a concepção inotista da linguagem. segundo a qual a faculdade 1
perti~~neia pode ser formulada da sc~uinte ~aç ? ~ontextual. A regra d~
cognitivo (ECI) de um enunciado é im rt aneira. quanto mais 0 efe·t
linguageira característica da humanidade ~ uma disposição biológica. po ante, tanto mais . l o
o enunciado é

_... .._
24Q • A1 Gmndn Ttoria1 do U111,11/11ir11

A1 1u;ria1 pr"!/1tátirn1 • 2AI

p~rtinen.te (p), e, inversamente, quanto maior é o esforço cognitivo (EC2)


d1spend1do pelo destinatário para interpretar o enunciado, tanto menos o
enunciado produzido pelo locutor pode ser tido como pertinente (p). Resumindo: A forma proposicional de um enunciado
/+EC J, +P/; /+EC2, -P/.
Uso descritivo e uso interpretativo. Sperber-Wilson ( 1989, p. 343) é 11ma i11te1pretorào de
radicalizam in fine o ponto de vista representacionalista. Essa perspectiva 1
leva-os a integrar no interior de uma teoria geral da função representativa dos
enunciados diferentes usos do princípio de pertinência: 1 Um pensamento do locutor 1

Toda representação que tenha uma forma proposicional, em particular todo


enunciado, pode servir para representar de duas maneiras. Ela pode representar
um estado de coisas em virtude do fato de que sua forma proposicional é a q11e pode ser

~ '""ª
verdade desse estado de coisas, nesse caso, diremos que a representação é
uma descrição, ou que ela é utilizada descritivamente. Ou, então, a representação
pode representar outra representação dotada, ela também, de uma forma
proposicional - um pensamento, por exemplo - em virtude de uma semelhança 111110 i11terprelafÕO de descrição de
entre as duas formas proposicionais; nesse caso, diremos que a primeira À
representação é uma interpretação da segunda, ou que ela é uti lizada
interpretativamente.
/""'
m pensamento: Um pensamento! Um estado de Um estado de
atribuído deseiável coisa real coisa desejável
Diante dos enunciados:
(!) Tome cuidado com animais venenosos A importância da pragmática cognitivista deve ser diversamente apreciada.
(2) Seus comentários são muito venenosos Ela consiste em caracterizar a pragmática como uma teoria da interpretação
do sentido dos enunciados, o que distingue esse domínio da lingüística. Mas
A busca de pertinência em (l) dá lugar a um uso descritivo (redundância pode-se objetar a essa dependência aquilo precisamente que ela reivindica dos
das convenções lingüísticas, tendo em conta o contexto cognitivo); quanto a outros, a saber, a involução representacionista da disciplina. Resulta disso um
(2), será a ocasião de um uso interpretativo desse mesmo princípio (excluindo retomo à concepção mentalista da linguagem, ela mesma fundada sobre uma
a literalidade do tenno venenosos). A concepção interpretativa da comunicação concepção a-histórica do contexto. Esta não é a menor das contradições para
aparece mais uma vez r~fonn~lada, a partir da consideração do ponto de vista uma teoria "pragmática".
do enunciador e do destinatário. Reencontramos, nessa tese, a particularidade
metodológica que consiste em tomar como objeto a expressão manifestada 2.6 A Escola de Palo AJto
(pública, segundo Wittgenstein): O espectro da pragmática cultural constituiu-se progressivamente. Mais
~orlemos ~izer que o locutor fornece por meio de seu enunciado uma expressão uma vez não há unidade de visões. Dif~rentes contribuições, nem sempre
mterpretauv~ de um de ~e~s pe~samentos, e que o ouvinte constrói, com base convergentes, participam do desenvolvimento desse domínio. De forma
nesse enunciado, uma h1potese interpretativa a partir da intenção informativa tendencial, a pragmática cultural se confunde com a semiótica76. Suas fontes
do locutor.
76 Com a lingüística, ponanto. A idéia, mesma, do projeto semiológico remonta a Saussurc, que
A questão que se coloca é a de saber qual tipo de pensamento represen!a lhe definiu brevemente o princípio no Curso de li11gflística Geral. Na França (com Barthcs cm
0 enunciado do locutor. A que os autores respondem que uma representaçao panicular, a panir dos anos 1960), como na Europa, os desenvolvimentos dessa disciplina
devem·se às teorizações feitas, do outro lado do Atlântico, por Pcircc c Morris. Em um 1cxto de
"pode ser utilizada descritivamente ou interpretativamente", precisando que 1969, retomado cm Problemas de li11giíís~'.ca _Gera~ ("Scmiologia da língua", 1974, p. 46-66),
"todo enunciado implica pelo menos duas relações: uma relação entre a fo~a Benveniste compara as duas empr~sas de dors gênios antitéticos" que são Saussurc e Pc ·
proposicional e um pensamento do locutor, e uma das quatro relações possíveis Fiel às orientaç~s d.o CLG, Be~vcn1stc construiu a semiologia a partir das observa ôcs se •u. ircc:
"A relação sem16t1ca entre sistema S!! enuncia então como uma rclaçã ç SISgT mtcs.
entre um pensamento e aquilo que esse pensamento representa". Essas INTERPRETANTE e SISTEMA INTERPRETE. É a relação uc nós e o enlrc EMA
diferentes possibilidades podem ser visualizadas no esquema a seguir (ibid, P· escala, entre os signos da llngua e aqueles da sociedade. A lingu~ , oloca~os, cm grande
347) sociedade." sera, então, o interpretante da

-
242 • As Grm1d11 Trori11.r dt1 1i1wiisliM
A I lroriaJ pr.iy/111ilitou • W

são múltiplas. Teoria dos sistemas (cibernética), filosofia ana.lí~ic~ (lógica e


É uma da~ r~zões pelas quais, ninda segundo Hnll, "nn vidn. o código, o
linguagem ordinária), antropologia. Localizada em Palo Alto (Cal 1fomta, Estados contexto e as s1gn1ficnções só podem ser considerados como diferentes aspectos
Unidos), seus protagonistas agrupam-se em torno de G. Bateson ( 1904) e depois de um fato único." (ibid. p. 93). Isso justifica, em grande parte, que a análise
de P. Watzlawick e E.T. Hall. do contexto de comunicação constitui uma das orientações fundamentais da
pragmática cultural. O conceito de nível de co11texto perm ite, assim,
Situação caracterizar os diferentes tipos de comunicação:
A maior parte dos teóricos até aqui examinados adotam o ponto de vista
dos sujeitos falantes e se limitam ao estudo da comunicação verbal em um O nível de contexto determina a totalidade da natureza da comunicação e
representa as fundações sobre as quais vêm-se apoiar todos os outros
quadro muito restrito. A escola de Palo Alto adota um procedimento componentes (ai compreendido o componente simbólico).
metodológico inverso que consiste em partir da consideração do sistema cultural
global para estudar as condutas comunicacionais (verbais e não verbais) dos Uma determinada interação desenvolve-se a partir de duas restrições: as
sujeitos. Seus pesquisadores reivindicam as perspectivas de um construtivismo restrições que definem o contexto interno (a experiência e as reações
radical. Essa tradição intelectual, que a critica faz remontar principalmente a programadas dos sujeitos), as restrições que definem o contexto externo (a
Vico, fundamenta as pretensões da ciência sobre a convicção de que nós só situação objetiva). Quanto ao uso do código lingüístico (a utilização dos signos,
no sentido de Morris), ele é restrito ou elaborado, o mais freqüentemente,
podemos conhecer aquilo que nós mesmos construímos: simbolismos, obras de
segundo o grau de proximidade dos sujeitos. Esse ajustamento da expressão
cultura, bens materiais etc. Tratando de elaborar uma teoria global da verbal tanto é relativo ao tipo quanto ao objetivo relacional: esses são os
comunicação que a identifica precisamente com o todo cultural, essa parâmetros que detenninam a fonna do contexto rico (código restrito/largo
perspectiva procede de uma crítica ao conceito de realidade. recurso ao implícito) ou ao contexto pobre (código elaborado/largo recurso ao
explícito).
Cultura e realidade
. -~·~realidade"'. en~?ª?to tal, não tem ~ualquer consistência fora dos prismas O sistema de comunicação
bngu1sti~os ~~ão hngu1st1~os qu~ a constituem. A ''realidade" é uma construção É necessário considerar a noção de sistema para caracterizar mais
cultural, md1v1dual e coletiva, CUJa definição varia de acordo com os diferentes precisamente as perspectivas da Escola de Palo Alto. Um sistema se define
meios. Assim, é ~reciso dis~inguir de maneira radical uma noção de realidade como um conjunto de objetos, tendo em conta as relações que esses objetos
~efe~ente às propnedades fls1cas d3? coisas, objetivamente verificáveis e sujeitas estabelecem com seus atributos.
a re1tera~ão, e uma. ºº!ão da realidade característica da experiência humana Características. Essa definição geral necessita de certas precisões: os
qu~ consiste na atnbmção constante de uma significação e de um valor aos objetos constituem os elementos d? sistema, no caso, ~rata-se d~ ~rg~nismos
objetos. O mundo humano ("mundo natural" ou " mundo d a v1'da" , segun do a vivos (aqui, de indivíduos), os atributos são as propriedades d1stmttvas dos
expres~ão ~os fenomenólogos) procede do trabalho incessante da atividade elementos (aqui, os comportamentos), as relações correspondem a "aquilo que
comumcac1onal
d d · · grupos humanos Essa concepção da cu1tura enquanto
dos A • • ·
reúne os elementos". Isso posto, é conveniente, no momento, identificar um
pro uto e· uma·1· · 1 hermeneuttca condici'ona uma defi mçao
atividade · - estrat1·fi1cada sistema em interação como a ação de dois ou mais parceiros que buscam
do 1aço c1v1 izac1ona . Não somente as línguas recort . ti definir a natureza de sua relação, ou, mais especificamente, como a ação de
· ã d rd d ( · am e m ormam nossa
~~s ~la~ ~~b'éªm eorgcaon~º Já fo~a estabelecido pela hipótese de Sapir-Whort), parceiros que já atingiram esse fim. A interação, enquanto sistema, coloca-se,
1zam umversos senso · · d'&: · · antes de tudo, como uma dinâmica sujeita a variação. Nesse sentido, um sistema
para moldar a identidade indiv'd . riais 1~erenc1ados que contribuem evolui em sub-sistema(s) compreendido como o conjunto de todos os elementos
da interação assim se ex 1 1
ua e coletiva. Por isso, quanto à compreensão (indivíduos) tal que uma modificação em seus atributos (comportamentos) afeta
que traz pr~blemas n pressa Hall ( l 9?9, P· 86): "não é o código lingüístico o sistema como um todo, da mesma fonna que os elementos cujos atributos
significação." Em u:.Oaias ºn contexto que lhe aporta graus diversos de são ~odificados pelo comportamento do sistema. A teoria distingue dois tipos
distintiva; não somente a~â~:guração cultural , tudo "é signo" de maneira de sistemas: os sistemas fechados (que não recebem nem enviam energia sob
também o meio ou entom rentes expressões da linguagem articulada, mas qualquer fonna se ~ã? há algum. tipo de modificação dos elementos - tais
o com os qu · ·d·
do espaço, a arquitetura a , t . ais os 1 1omas se defrontam: a organização como as reações qu1m1cas produzidas em um ambiente isolado) e os sistemas
(proxemia) que imagin~mges tª"?ade, a expressão mhn ica, o tipo de distância abertos (trata-se de sistemas orgânicos em interação). A comuni~ação humana
en re si os parceiros da interação etc..
0 problema do contexto

!
244 • A1 (,rmuks T rorins tia 1j11;,1uiti(fl •..is trorius prug111dftf,1J • us

é desse segundo tipo, já que os protagonistas, a uma só vez sujeitos culturais e semântico tem como arquétipo "a antinomia do mentiroso''. isto é, aquela do
locutores, trocam com seu meio matéria, energia e informação. sujeito enunciando de si mesmo: "Eu sou mentiroso". A conclusão lógica desse
enunciado (E) é que E é verdadeiro se E não é verdadeiro e que E não é
A noção de sistema aberto. A interação humana apresenta as principais verdadeiro se E é verdadeiro. Contrariamente ao paradoxo lógico-matemático,
propriedades macroscópicas dos sistemas abertos. Entre essas, distinguiremos a dificuldade do paradoxo semântico deve-se ao fato de que uma língua natural
quatro. A propriedade de totalidade deriva do fato de que uma modificação não se apresenta como uma hierarquia de categorias discerníveis. Para "sair"
ocorrida sobre um dos elementos detona uma modificação de todos os outros da antinomia, é necessário produzir uma metalíngua capaz de descrever as
elementos, e, portanto, do sistema inteiro. Pode-se considerar que as três contradições que se alojam em um enunciado formulado no interior da língua.
propriedades seguintes, distintivas dos sistemas abertos, são r~sultantes de A partir da fórmula de Epimênedes, o Cretense, a distinção de níveis de língua
modalidades do traço de totalidade: a retroação (operação de efeito de retorno separados (principalmente de uma língua capaz de falar sobre a língua) permite,
(feedback), característica da dinâmica interacional77); a eqiiiflnalidade de fato, observar a presença de dois enunciados diferentes, mas encaixados,
(determinação exclusivamente devida à interação atual dos elementos no enunciado inicial: o primeiro pertence à língua de partida (língua-objeto), o
efetivamente presentes que justifica suas conseqüências); a estabilização (por segundo relaciona-se à metalíngua e afirma. em relação ao primeiro, que ele
definição, propriedade intrínseca dos sistemas abertos cuja dinâmica, à medida não é verdadeiro. A teoria dos tipos de Russell, no caso do paradoxo lógico, a
que as modificações são susceptiveis de intervir, persegue constantemente um teoria dos níveis de língua de Carnap e Tarski, no caso do paradoxo semântico,
princípio de equilíbrio). provam que as formulações antinômicas são desprovidas de sentido. A
perspectiva metalingüística permite estabelecer que as definições paradoxais
As bases da comunicação. A relação de comunicação não é transitiva, equivalem, em língua natural, à noção de pertencimento a si mesmo em lógica
no sentido de que um indivíduo comunicar-se-ia com um outro indivíduo. O matemática.
sujeito somente participa de uma comunicação, e para ela contribui , enquanto
um "elemento" de um todo. Os estudiosos de Palo Alto enfatizam, como O paradoxo pragmático. P. Watzlawick ( 1972) afirma que o estudo dos
geralmente ocorre nos domínios novos, o caráter ainda aproximativo de suas paradoxos esclarece melhor os objetivos da pragmática, a saber: analisar seus
teorizações. Uma invariante subsiste, entretanto, que pode ser entendida como efeitos práticos, suas incidências efeti vas que resultam da "definição
uma aquisição programática; trata-se de se dotar de uma teoria capaz de dar contraditória" de situações de vida muito variadas.
conta não somente da utilização dos signos pelos sujeitos (o que corresponde, Um caso emblemático de paradoxo é relatado pelo lógico H. Reichenbach
depois de Morris, à definição histórica da pragmática) mas dos efeitos da (ibid, p. 195): "em uma tropa militar, o barbeiro é um soldado a quem o capitão
interação sobre os sujeitos (o que constitui uma extensão do domínio da ordena que barbeie todos os soldados da companhia que não se barbeiem por
pragmática e, sem dúvida, um de seus principais objetos). Eles formulam assim si mesmos." E o lógico conclui que "o barbeiro da companhia, no sentido em
várias "propriedad~s" distintivas do processo de comunicação que podem se; que foi definido, não existe". Nesse caso, pouco importa se no sentido
tomados como axiomas no cálculo da interação humana (WATZLAWICK, estritamente semântico essa formulação seja um non sens. O que importa é a
1972, capítulo 12). situação contraditória em que seus termos mergulham o sujeito que a emprega.
Pode-se, assim, caracterizar o paradoxo pragmático como a realização prática
2.7 Figuras e usos do paradoxo de um paradoxo semântico.
Os teóric?s da Escola de Palo Alto estabeleceram a importância do uso
p~dox~l da lm~uage~ em .diferentes situações de comunicação. É conveniente As condições objetivas. Watzlawick ( 1972, p. 212-213) enumera os dados
d1sttngu1r, a partir da história da problemática três t' d d . 1• · organizadores de uma situação paradoxal: "duas ou mais pessoas estão engajadas
matemático· semânt' (d ti . . •. . ipos e para oxos. og1co- em uma relação intensa que tem um valor vital (tisico e/ou psicológico) para
.õ • d . ico e mição contrad1tona)· pragmático (inJºunções e
previs es para oxa1s) o p · • · d0 ', somente um deles ou para todos"; em um tal contexto, a mensagem é
origem, lembremos d~ cri n~cip~ paradoxo logico-ma.temático está na e:tniturada ~e maneira tal que: a) ela afirma qualquer coisa; b) ela afirma
• se os ndamentos das matemáticas. O paradoxo
q alquer coisa sobre sua própria afirmação, c) essas duas afirmações se
excluem As cons .. • . ló . . . - .
· é u equenc1as
. . ã . g1co-pragmat1cas • sao as seguintes: 1) se a
77 Dela resulta uma outra conceituação da relação interpessoal, ou seja, o questioname~~o ~o
mensagem .
rne ma InJunç o, e preciso obedece-la para obedecê-la; 2) se a
esquema egocêntrico (concepção espontânea dos sujeitos, para a qual o mundo da expenencia
do sujeito se agencia em tomo de cada um deles pelo fato de eles estarem no centro d~ uma
só ~!~~:m é uma.definição (de si ou de outra) o assunto definido pela mensagem
constelação) através do esquema da interdependência reciproca. Sobre esse ponto, cf. Elias. N. colocado~ d.efin1çã? ~~ não a valida. O receptor da mensagem é, finalmente,
Qu'esl que la sociologie? Paris: Pocket, 1991. ª 1mposs1b1ltdade de sair do quadro fixado por essa mensagem, seja
......._
246 • / 11 Cmndu ·1rorit11 dn ÜrtgHl1tir11
IJ t.'\''?.:.J pr.:..~"f.:::."'.f.J • : r:

por uma críti ca (meta-comunicação, principalmente relativa aos s~us


pressupostos), seja pela réplica. Praticamente, o sujeito não pode não reagir a
essa mensagem, mesmo se, de um ponto de vista semântico-lógico, ela fosse
desprovida de sentido. CONCLUS.-\ O GERAL
O espectro dos possíveis. Watzlawick observa que a forma mais típica
do paradoxo pragmático é da forma "Seja espontâneo!". Esse esq~ema Ao fim desse percurso. podemos tirar as seguint~s conclusões. que são
elementar se encontra em numerosas situações de comunicação dos quais ele algumas proposições de leitura da lingüística como ci~ncia da linguagem inscrita
organiza a dinâmica. Essas observações definem uma teoria do desequilíbrio no campo dos saberes contempornneos:
organizado característico dos disfuncionamentos relacionais. O tipo de interação
que dele resulta identifica, pouco a pouco, uma comunicaç~oyatológica. ~sso - O mito fund ador
pode ser imanente a uma forma de relação, sem que os sujeitos tenham isso A questfio da origem é comum a todos os dominios da vida humana (história.
decidido; ele pode ser conseqüência de determinações institucionais nas quais ciência. religião ...). e aquilo que podemos chamar de mito fundador é uma
os sujeitos estabelecem relações hierárquicas. necessidade mental e coletiYa para todas as sociedades. Em lingüistica, é
evidentemente Saussure (aquele do CLG) que ocupa esse lugar. através das
Resolução do paradoxo. As concepções terapêuticas desenvolvidas por leiruras e releituras constantes que foram feitas de suas propostas durante
uma parte dos estudiosos da escola de Palo Alto articulam-se, justamente, com todo o século XX. Sobre o plano cognitivo da representação e da organização
a teoria do paradoxo. Para caracterizar suas concepções, ocorreram duas da disciplina. esse lugar não foi contestado, ele reveste uma função social e
denominações: "análise sistêmica" e/ou "análise comportamental" (e não é institucional: o gesto fundador é saussureano. Os desenrnlvimentos do
raro ouvir falar de "comportamentalismo"). De fato, esses termos evocam estruturalismo, em particular na França, são, desse ponto de vista. emblemãticos.
diretamente a teoria da comunicação. A terapêutica deriva dos próprios Sobre o plano epistemológico e histórico, ao contrario, aquele da construção da
postulados da "axiomática". Dois princípios guiam essa reflexão aplicada: o disciplina. do exame das contribuições e dos saberes que contribuíram para o
sujei.to atendido pela terapia é "apr~endido" em relação a seu meio e às situações nascimento da ciência da linguagem, a .. fundação·· foi mais lenta. difusa e
de vida que são as suas, e entendido com os sujeitos implicados com ele nas múltipla, emprestando as vozes da sedimentação histórica e dos cmzamentos
situações ~ue ele sofre.<? objetivo do terapeuta é, então, provocar uma mudança interdisciplinares. É isso o que mostra os três primeiros capítulos deste livro.
em sua _situação. de vida, desfa~endo uma " lógica" de restrição. Nessa
perspectiva, só~ mt~rve~çã~ extenor sobre o comportamento do sujeito pode - O nascimento e a renovação das teorias
A ciência, em qualquer que seja a disciplina, é também uma arena onde se
resolver uma s~tuaçao d1fic~I. Entre ~s técnicas aplicadas pelo terapeuta, 0
recurso denommado prescrição do smtoma (fundado sobre 0 · , · d afrontam as posições, as escolas e as gerações. Qualificadas às vezes de
· - d 1) d · pnnc1p10 a "moda", às vezes de "heresia", ou, ainda, de "ideologias", as teorias se sucedem
mtençao para oxa con uz, Justamente, a fazê-la desaparecer
e coexistem, na obscuridade ou na hegemonia. A esse respeito. Saussure faz
Isso posto, compreende-se sem dúvida melhor ao fitnal d · uma observação importante, no CLG:
·b · ã d · . • esse panorama a
contn u1ç o a tese construttv1sta e em que con · t " . '
realidade". sis e a construção da Em todos os domínios da lingiiistica. é muito notável que. no momento em que
uma proposição tor~a um caráter geral, el~.exprimc ou.a coisa mais banal. que
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será cegamente combatrda pela mesmas pessoas que nem ao ouvirem a mesma
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- - - · Mikhall Bakbtine, le príncipe dialogique. Paris: Seuil, 1981 .
262 • /Is GmntltJ Tron(IJ IÍIJ Li11g11iltit'a

ÍNDICE DE AUTORES CITADOS


Halévy 1. 48 Mathesius W. 116
AdamJ.M. 8,191-193,195-197 Hall E.T. 242-246 MeilletA. 48, 57-59, 85
Culioli A. 8, 192
AdelungJ.C. 10 HallidayM.A.K. 8, 125-128 Meringer R. 32
Curtius G. 25
Althusser L. 99, 204 Harris Z.S. 8, 19, 64 Moore G.E. 216
Ascoli G.I. 25 Hatsfeld A. 27 Morris C. 231 , 233
Darrnesteter A. 24, 48-51
Austin J.L. 7, 218-222 Hegel G. W. 20, 33 Moscou (Círculo) 134
Darwin C. 15
Henry V. 47, 54-56 Muller M. 23, 41
Delacroix H. 100
Bakhtin M. 199 Herder J.G. li, 17-19
Descartes R. 34
Sally, C. 8, 54, 85, 90-93 Diez F. 43 Hjelmslev L. 15, 131-134 Nyrop K. 44
Bateson, G. 242 Dubois J. 204 Hovelacque A. 24
Benfey T. 13, 43 Ducrot O. 7, 54, 97, 230, 234 HumboldtW. l l , 16-19, 100 Oppert J. 48
Benveniste, É. 8, 54, 62, 94, 217 Dumézil G. 57 OstoffH. 25
Bergaigne A. 47 Jacques F. 170, 185
Bernard, C. 25, 35 Edmont E. 44 Jakobson R. 8, 36, 116, 124 Pallas P.S. 1O
Bloomfield L. 8, 19, 87 EggerV. 56 JespersenO. 80-81, 126, 172 Palo Alto (escola) 8, 231-233
Boas F. 19 Jones W. 8 Paris G. 24, 44
Bopp F. 11, 15-16, 20, 43 Foucault M . 99, 206-207 Passy P. 46
BréalM.23,29,43, 50-54 FregeG215 Kant E. 17, 55 Paul H. 25, 29-31
Bronckart J.P. 194 Frei H. 99 Karcevskij S. 116 Perelman C. 228-231
Brondal V. 108 Kerbrat-Orecchioni C. 166, 226 Pierce C.S. 226
Brugmann K. 25 Gilliéron J. 44 Komatsu E. 64 Pike K. 8
Bühler 116, 124 Goethe J.W. 11 Kraus C.J. 10 Platão 41, 220
BumoufE. 27 Goffman E. 99 Labov W. 192 Pott A. F. li, 43
Grammont M. 46, 58 Lamarck J.B. 14 Praga (Círculo) 30, 70, 114, 121
Cantor G. 214 Greimas A.J. 134 Leibnitz G. W. 1O
Champollion J.F. 46 Grice P. 7, 227, 139 Leskien A . 25 Rask R. 10, 14, 20
Charaudeau P. 202 GrimmJ. 13 Lévi-Strauss C. 192 RastierF. 8,210-213
Chauvée H. 24 GrimmW.11 Linné e. (von) 35 Raynouard F. 43
ChomskyN.19, 134,238 Gross G. 8 Littré É 27, 42
Cohen M. 57 Reinach T. 48
GuillaumeG. 8, 19, 90, 100-105 LudolfH.W. 10
Comte A. 25,35 Renan E. 47
Gyamathi S. 11 Lundquist L. 192, 194
Copenhage (Círculo) 6, 111, 127 Rousseau J.J. 33
Lyons J. 8 Rousselot J .P. 45
Crocc B. 33 Haeckel E. 21
Maingueneau D. 8, 202, 207 Saioéan L. 45
MartinetA. 8, 116, 134
...._
fr.dirr dt cu:orr1 • 24J

Sanovics P. l l
Sapir E. 133
\Veisberger L. 19 ÍNDICE REl\IUSSIVO
\Vhitney \V. 7, 23, 35-41, 58
São Petersburgo (Círculo) 134
WhorfB. 19, 133
Saussure F. 25, 29, 57, 61 , 63, 126 ln t I\)(ht\'t'l'
Wilson D. 7, 236-239 7
Scherer W. 26
Wittgenstein L. 216
Schlegel A. W. 13
Wolf A. F. 14 Cupitulo l Agrauuiticn comparada
Schlegel F (von) 11-12 9
Wundt W. 19
Schleicher A. 11 , 19-25, 4 1, 55 1 As origens
Schleinnacher F. 212 9
1.1 A impulsão
Schmidt J. 23 9
1.2 Os precedentes
9
Schuchardt H. 85 1.3 O método comparntivo li
Schwob M. 45
Searle J.R. 222-224 2. O advento da disciplina 11
Séchehaye A. 63, 85 2.1 F. von Schlegel ( 1772- 1829) a idéia de gramática 12
Siviers E. 27 comparada
Sperber D. 7, 236-239 2.2 J. Grimm ( 1785- 1863): a idéia de lei fonética 13
Steinthal H. 18 2.3 R. Rask (1787-1832): a idéia de mudança lingüística 14
2.4 F. Bopp ( 1791- 1867): a idéia de organismo lingüístico 15
Tarde G. 33, 35, 4 1
3. \V. von Humboldt ( 1767-1835): a antropologia lingüística 16
Tesniere L. 90, 107, 113
3. 1 A fonnulação do projeto 16
Todorov T. 192
3.2 O contexto teórico 17
Tourtolon G 44
3.3 A fonna interna da linguagem 17
Troubetskoi N. 8, 116, 126 3.4 A influência de Humboldt 18
TurgotA. 10, 14
4. A. Schleicher ( 182 1-1868): a lingüística histórica 19
Van Dijk T.A. 193-195 4. 1 O fim do comparatismo
19
Vendryes J. 87 4.2 A hipótese indo-européia
20
Vemer K. 27 4.3 O estatuto das ciências da linguagem
21
VicoG.B. 34 4.4 A influência de Schleicher
23
Viena (Círculo) 216 Bibliografia
24
Vossler K. 33
C apítulo 2 A evolução da gramática compa rada
25
Wanburg W. 4 5
Watzlawick P. 242-246 1. Os neo-gramáticos: o positivismo em lingüística
25

..........._
266 • 11 Cranrk1 ·1Nim11 d11 J J1t, (NÜl1fll
T111tke 1<t1J1i11h'O . 261

1.1 A crítica ao historicismo


1.2 Um novo espírito científico 25 Capítulo 3 A recepção francesa da gramática comparada 43
1.3 Contra A. Schleicher 25
25 1. Os canteiros lingüísticos 43
2. Uma nova conceituação O domínio francês 43
2.1 O conceito de lei fonética
u O domínio estrangeiro 46
2.2 As pesquisas morfológicas
u
27
2. A reflexão teórica 48
3. A explicação em lingüística A idéia de semântica 48
27
3. 1 Princípios e métodos A fundação do domínio 51
28
3.2 Natureza da mudança lingüística 28
3.3 O papel da analogia 28 3. V. Henry (1850-1907): as condições de uma ciência da 54
3.4 O sentido das palavras 29 linguagem
Uma reflexão radical 54
4. H. Paul: a sintaxe 29 A pesquisa dos fundamentos 55
4.1 A impressão psíquica das sonoridades 29 O exercício da lingüística 56
4.2 As leis fonéticas: reexame 30
4.3 A analogia e o empréstimo 30 4. A. Meillet (1866-1936): a linguagem, fato social 57
4.4 Escrita e fala 31 A herança da gramática comparada 57
As causas sociais da mudança lingüística 59
5. A crítica dialetológica 32 A idéia de uma lingi.llstica social 60
5.1 Principais objeções 32 Bibliografia 62
5.2 Principais movimentos 32
33
5.3 Panorama
Capítulo 4 Ferdinand de Saussure: a teorização da lingüística 63
33
6. Um século de debates teóricos moderna
33
6. 1 A função da linguagem
34 1. Concepção da língua e da lingüística
6.2 A natureza da linguagem 35 64
6.3 O estatuto da lingüística A lingüística: tarefas e objeto
65
Llngua/fala
35 67
7. W.D. Withney ( 1827- 1894): a idéia de uma lingüística geral 35
7.1 O projeto do conjunto 2. Osigno
36 70
7.2 O objeto da linguística Língua e realidade/pensamento
36 70
7.3 Os limites internos da lingUlstica A natureza do signo
38
A arbitrariedade do signo 71
7.4 O antigo e o novo 38
7.5 A faculdade de linguagem 41 O caráter linear do significante 73
7 .6 A polêmica Whitney/Schleicher e MUller 42 75

~ Bibliografia
mlirt HtmiJJÍt'O • 269
u8 • / l1Íi rm11-ç;Trmi11.r t/11 I i1{e_uü lira

.te) sistcmn 76 4. L. Hjelmslev: a glossemática 131


3.1 Natureza do sistema 76 4.1 Situação 131
3.2 Sincronia/diacronia 78 4.2 A interpretação do CLG 132
3.3 Valor 80 4.3 Os objetivos da teoria 133
3.4 Relações sintagmáticas/relações associativas 81 Bibliografia 134
83
Bibliografia
Capítulo 7 As teor ias funcionalistas 135
Capitulo 5 A recepção francófona do Curso de Lingüística 85 1. Uma generalização francesa: A. Martinet 135
G eral: estruturalismos 1.1 O pensamento funcionalista 135
85 1.2 Os conceitos chave 135
l. A recepção critica
85 137
1. 1 As objeções 1.3 Uma lingüística geral funcional
87
1.2 A novidade
2. Uma gramática funciona l: M. Halliday 138
88 2.1 O modelo sistêmico-funcional 139
2. Do sistema à estrutura
2.1 Os jogos teóricos da terminologia 88 2.2 A perspectiva funcional da sentença 141
2.2 As elaborações do conceito de estrutura 89
3. Lingüística e poética: R. Jakobson 142
3. A recepção teórica 91 3.1 Similaridade e contigüidade: a afasia 142
3.1 C. Sally: a estilística 91 3.2 Poética: prioridade da forma 144
3.2 G Guillaume: a psicomecânica da linguagem 100 Bibliografia 146
3.3 L. Tesniére: uma sintaxe de dependência 107
Bibliografia 114 Capítulo 8 Os formalismos: do descritivismo ao gera tivismo 147
1. L. Bloomfield e o descri tivismo 147
Capitulo 6 Os estruturalismos funcionais 115 J. I Uma concepção mecanisla da linguagem 147
1. Situação e definição da corrente funcionalista 11 5 1.2 A significação 150
l .l O Circulo de Praga ll6 1.3 As unidades da língua 151

2. A noção de !'unção em lingi.llstica 123 2. z. Harris e o distribucionalismo 154


2.1 Definição 124 2.1 Os quadros do distribucionnlismo
154
2.2 As grandes classificações 124 2.2 Do distribucionalismo ao transformacional ismo
158

3. Desenvolvimi.:nto du fonologia: N. Troubetskoi 126 3. K. Pike e a tagmêmicn


3. 1 Fonética e fonologia 3.1 Situação de K. Pike 161
127
3.2 Os fonemas e suas relações 127 3.2 A lagmêrnica 161
161
""""'
Índitt RtmiuitYJ • 271
m • .. r, (;mmks ~l'ttln::;;;r;J_],{(Nfstir,;

1.3 Evolução da LT: J.M. Adam 199


4. M. Gross e a léxico-grnmútica 165
4.1 Umn aplicaçno ao l'rancês 2. A análise do discurso 201
165
4.2 Transformações unitárias e binárias 167 2.1 A AD histórica: inspirações e fundações 202
2.2 A aparelhagem conceituai e metodológica 207
5. N. Chomsky e o modelo gerativo 167
5.1 O projeto chomskiano 168 3. A semântica de textos 210
5.2 A teoria padrão 168 3.1 A idéia força 210
Bibliografia 172 3.2 O objeto texto 211
3.3 Proposições 212
Bibliografia 214
Capítulo 9 As lingüísticas enunciativas 173
1. Gênese da noção de enunciação 174
1.1 As origens esquecidas: Bally e Bakhtin 175 Capítulo 11 As teorias pragmáticas 215
1.2 Da comunicação à enunciação 175 1. O horizonte teórico 215
1.3 As definições de enunciação 177 1.1 . Origens intelectuais 215
1.2. Delimitação do domínio 2 16
2. O aparelho formal da enunciação: É. Benveniste 179 1.3. Pragmática e lingüística 217
2.1 A situação de enunciação 179
2.2 As modalidades de enunciação 182 2. Os domínios teóricos 218
2.3 As modalidades de enunciado 183 2. J J .L. Austin: a teoria dos atos de fa la 218
2.2 P. Grice: a intenção de comunicação 225
3. Teoria da enunciação e polifonia: O. Ducrot 184
2.3 C. Perelman: a alternativa retórica 228
3.1 A polifonia enunciativa l~
2.4 O. Ducrot: a pragmática integrada 230
3.2 Dois lugares de inscrição da polifonia 185
2.5 A pragmática cognitivista: Sperber & Wilson 236
2.6 A escola de paio Alto
186 241
4. As operações enunciativas: A. Culioli 2.7 Figuras e usos do paradoxo
186 244
4.1 O objeto da lingiiística Bibliografia
187 246
4.2 A teoria enunciativa
190
Bibliografia Conclusão Geral
Bibliografia Geral 247
191
Capítulo 10 As lingüísticas discursivas Índice de autores citados 249
191
1. A linguística textual Índice remissivo 261
191
1.1 Situação e descrição da disciplina 265
194
l .2 As grandes noções da LT
,
1

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