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Temos de abandonar este plano de pensamento. E aqui procede novo motivo de obscuridade € de indecisto do caminho por nds apontado: a ambiguidade que necessé iamente inere a toda a descriglo critica duma tese cultural, @ toda a andlise que pretende explicitar, através das. cate- gorias do pensamento analtico- conceptual, 03 produtos de lum outro tipo de pensamento ~ cuja fungio € bem mais persuadir que demonstrar. E, esta ambiguidade um mal sem remédio € dela no temos que pedir desculpa. Antes, vamos reincidir no mesmo ero ~ se o € =, pois que o seguimento natural da nossa indagagto pede que se faga luma tentativa para definir 0 estatuto proprio deste pensi- mento de novo estilo © a sua impostincia na actividade mental do jurista Com efeito, esse novo tipo de pensa mento — dito problemitico-arpumentativo ou t6pico-rets- rico ~ tem preocupado sobretudo os jutistas ¢ ~ nos nossos dias ~ certos légicos que trabalham sobre 0 modelo do pensamento juridico (designadamente, a escola de PEREL- MAN). Por isso, ¢ porque a definigio das coordenadas dessa nova modalidade do logos interessa sobretudo i compreensio do Direito, saird a continuagio deste estudo com 0 titulo de Sobre o diseurso juridico A JUSTIGA E O DIREITO NATURAL* 1 1 = No presente volume ~ que corresponde 20 «Apén- dices da 2+ edigio alema, de 1960, da «Teoria Pura do Direiton - KELSEN analisa com a sua habitual légica cor- tante a nogio de Justiga € a doutrina do Dircito Natural, Afirna-se correntemente que a «Teoria Pura do Dit to» no coimplica © reptidio de uma axiologia juridica e, designadamente, de uma doutrina jusnaturalista. H4, porém, ‘um, ponto de partida comum aquela «Teoria ¢ 4 posigio assumida por KELSEN, no presente trabalho, em relacéo a toda © qualquer axiologia juridlica, Esse ponto de partida comum € 0 conceito positivista de «cignecian © © preconcei- to, igualmente positivista, de que todo ¢ qualquer conheci- mento se recondixz a um destes dois tipos: 0 conhecimento empitico das ciéncias naturais e © conhecimento das cién- cias formais hipotético-dedutivas (a matemitica e a Igica). Vale ainda dizer, com RECASENS, que «0 agnosticismo. ‘iolégico de KELSEN &.. uma reelaboragio positivante do kantismon, [Nota preambular 4 versio portuguesa da obra de Hans Kelsen A Justge e 0 Dieito Natura, 2° ed 1579, 188 Num primeir momento, © positivismo havia conduzi- do A conclusto de que a «auténtican eiéncia juridica ern a sociologia do Direito, pois s6 esta se legitimava como cién cia na medida em que apenas ela se baseava em factos (fac- tos socioldgices) empfricamente verificiveis. A tradicional. mente chamada ciéncia juridiea mais nto seria do que uma simples téenica jurisprudencial ou uma teoria desta téenicn. Contra esta atitude reagiu KELSEN. Impde-se, segundo ele, autonomizar metodologicamente a ciéncia do Ditcito, como ciéncia de normas, face a sociologia ¢ & psicologia do Di- reito, como ciéncias de factos. Como ciéncia normatiy ciéncia juridica no se ocuparia nem dos factos que pdem as normas nem da eficicia das mesmas normas, mas das proprias normas, isto ¢, dos contetidos de sentido dos fac- tos que as produzem ¢ das conexdes entre esses contedidos. Mas, se a ciéncia juridica nto pode ser um cigncia de fae (os, uma cigncia empirica, entlo s6 podert ser uma ciéncia formal hipotético-dedutiva. Tal a conclusto forgada da con- cepgio positivista a que KELSEN se mantém rigorosamen- te fiel De resto, que fazem os sequazes do positivismo socio- logico © os da chamada «escola realistas, ao pretenderem partir dos factos sociais ¢ psicol6gicos ¢ a0 afirmarem a validade das normas a partir da sua eficécia, sendo pressu- por, em ihimo termo, a validade da norma ou normas que prevéem esses factos ¢ fundam a validade das normas con- sideradas? Donde procede que, metodoldgicamente, hi que partir das normas. Sé estas podem farer com que algo seja juridico, sé uma norma pode fundar a validade de outra Todo 0 pensamento juridico-positive, quer disso tenha consciéncia quer n¥o, parte de uma norma que considera como vilida. E é esta consciéncia dos préprios pressupostos que a «Teoria Pura do Direitow vem trazer 20 positivismo 159 Kelseniano que nos € também apresentado comm um eposi- tivismo eriticon, © sistema da «Teoria Pura do Ditcitos ¢ um sistema hipotética-dedutivo no sentido de que a Norma Fundamen- tal tem de ser pressuposta part poder, sequer ser possivel uma consideragio cientifica (jsto é como veremos, l6gico: “objectivante) do Direito. Tal pressuposigto € condigto necessiria para que possamos submeter o Dircito A perspec tiva cientfiea ~ isto é para que 0 possumos descrever atti vés de proposigées exactas que se combinam num sistema unitério esto susceptiveis de um control 16gico rigoroso, Som cla, poderemos ter uma considerasio teleol6gica ~ mas indo uma consideragto ligico-objectivante, cientifica Observemos desde jf que, posto assim o problems, a «Teoria Pura do Dircito» & irrefutwel ~ as suas grandes linhas, pelo menos, Outra questio seri a de saber se este modo de consideracio, esta perspectiva l6gico-objectivante, rnio deixa escapar certos axpectos relevantes do juridico que s6 numa outra perspectiva se discernem. 2 = Pode dizer-se que 0 colossal esforgo de KELSEN trouxe a0 pensamento juridico uma clarificagio tal que é possivel hoje determinar com rigorosa precisio até onde pode ir a consideragio Iigico-objectivante © quais os pontos de vista ¢ 05 julzos que esta perspectiva jd nfo acolhe nem pode justificar. A «Teoria Pura do Diteitoo representa, na evolugio histérica do pensamento juridico, 0 momento em que s¢ poe a descoberto a exacta linha de fronteira entre a esfera’ Iégico-objectivante ¢ a teleoldgica - assim como aquele em que se nos revelam 0 significado ¢ © aleance ‘exictos do positivismo juridico, Depois de KELSEN, 0 problema que se pe 20 pensa- mento juridico € 0 mesmo que enfrenta © pensamento humano em geral aps ter sido levada as suas sltimas con- sequéncias 4 corrente nominalista que informou 0 esplrito de toda a ¢poca moderna: até que ponto pode 0 homem firmar 05 indicadores de rumo da sua conduta no terreno do pensamento légico-objectivante, como ¢ de onde derivar com validade objectiva uma necessitas moralis. Se € certo = muitos o afirmam - que a ucrise» do Renascimento na cultura europeia deve ser havida como 0 antecedente remoto da moderna teoria dos valores, 6 tam- bém certo que o germe © agente principal dessa crise de pensamento foi 0 nominalismo, 0 qual conduziria, por necessidade propria, a uma separagio entre 0 conhecer ¢ 0 agir, entre a filosofia teorética © a pritica, A questio ~ como KANT veio a mostrar mais tarde - era a de saber que modo de acesso ~ se € que algum ~ nos permitiria este novo estilo de pensamento 20 que hoje se chamaria o plano Gtico-existencial A experiéncia representada pelo sistema filosdfico de LOCKE mostrou clacamente que a perspectiva nominalista nfo poderia ser aplicada aos dominios da filo- sofia pritica, sob pena de contradigdes insandveis, Partindo de processos clementares rigorosamente definidos, partindo atomisticamente das particulas isoladas pela andlise ou dos individuos, s6 através de uma infidelidade ao esquema, isto & saltando fora do préprio sistema operando uma mu- danga radical de perspectiva se poderd lograr a visualizagio da unidade capaz de transcender as partes ¢ se lhes sobre- por — de outro modo, nada de verdadeiramente real (objec- tivo) se poder vislumbrar num todo complexo alm das pecas que entraram na sua montagem, A I6gica consequén- cia da perspectiva nomidalista haveria de ser o cepticismo de HUME, Sto conhecidas as frases com que este fildsofo, em An Enquiry Concerning Human Understanding, im- pressivamente sublinha a sua atitude antimetafisica © que 161 do fundamente haveriam de impressionar KANT: «Tome- mos qualquer volume, sobre a divindade ou sobre metafisica académica, por exemplo, e perguntemos: contém cle qual- quer discurso abstracto relativo 8 quantidade ou 20 ndme: ro? Nio. Contém qualquer discurso experimental relative @ factos resis ou A existéncia? Nao. Lancemo-lo entio. is chamas, pois nada mais pode conter senio sofismas © con: fusion Surge entto KANT que vai separar as aguas, que vai decantar as substincias de dois tipos de pensamento que até af impuramente se misturavat no turbilhonar confuso dos sistemas de ideias anteriores ~ © vai, ao mesmo tempo, fixar-lhes os respectivos limites. Haveria uma razio teorética ¢ uma razio pritica, cada qual com 0 seu campo de actua- lo. proprio, Bem acertada nos parece a afirmagio de EMILE BREHIER segundo a qual, desde comecos do sé- culo XVIII, 0 problema do ser ¢ do valor aguardava uma soluglo © que esta — tal como se albergiva jé nos pré- dromos do espitito modemo = se iniciou com o kantismo que, defrontando © cepticismo de HUME, se pos a questio de saber como ¢ possivel o valor da moral Conhece-se a resposta. Desde KANT, a separacio entre a filosofia teoréti- ca ¢ a pritica, entre a teoria do conhecimento como funda mentagio da ciéncia ¢ a ética como questio sobre as nor- mas da recta conduta ~ entre 0 ser € 0 dever-ser, entre 0 conhecer € 0 agi — radicouse ¢ tornou-se um lugar comum. Na actualidade, assiste-se & tentativa de restaurar uunidade (perdida desde os tempos da velha metafisica) des- tes problemas, ¢ isto explica que o actual momento filoséf- co europen seja caracterizado pelo encontro (que nem sem- pre é um didlogo — haja vista a0 que se tem passado nos congressos de filosofia, designadamente no de Bruxelas de 1953) entre as filosofias da corrente eriticista e as filosofias do ser. 102 De KANT aproveitou o positivismo a Légica Trans- cendeatal da Critica da Razdo Pura, mas rejeitou a Critica da Razéo Pritiea ¢ as suas doutrinas éticas. Para a concep: 0 positivista, s6 tém sentido os juizos sintéticos a poste- riori (juleos empfricos) € os juizos analiticos. Logo, todo 0 conhecimento valido, toda e qualquer ciéncia sé poderé ser constitulda através de um sistema coerente de proposigées empiticas ou analiticas ~ s6 hi verdades emplricas ¢ verda- des de definicio. Toda € qualquer proposigio de outso tipo rnio tem sentido ~ € produto de uma mentalidade prelogica, de uma metafisica Aplicado este ponto de vista ao dominio do Direito, no admira que © resultado fosse a tentativa de construit a iéncia juridica como ciéncia de factos sociais ~ uma ciéncia expressa, portanto, através de um sistema de proposighes empiricas, uma sociologia do Direito. Sabemos qual foi a réplica de KELSEN, assim como sabemos que ela, afinal, se veio a traduzir em afirmar uma especifica ciéncia do Direi- to como um sistema de proposigies analiticas decorrentes de um axioma fundamental, a Grundnorm. KELSEN, com efeito, empreendeu uma vez mais supe- rar o velho complexo de inferioridade da ciéncia juridica, fundar 0 seu caricter clentifico, determinando-lhe um objec- 10: as normas juridicas e as conexdes ade validaden entre las, ¢ fixando-the um método especifico: 0 método normo- logico, que se caracteriza por fazer abstracgto do substrata socioligico do Direito ~ dos contesidos ético-juridicos, poli- tico-sociais ou politico-econémicos dos fins dos preceitos juridicos ~, limitando a incidéncia da sua visualizagao aque- las conexdes «de validader as relagdes Idgicas entre con- ceitos fundamentais de natureza formal. Assim constitu(da, a ciéncia juridica satisfaz aos postulados da cientificidade, ja ‘que opera tlo-somente com conceitos rigorosamente defini 3 4 163 dos a partir de alguns axiomas fundamentais, utilizando 0 instrumento da logica formal, ¢ exclui por completo todos 18 conceitos indeterminados (isto é, insusceptiveis de defini- glo precisa nos quadros de uma axiomética), assim como todos os juizos de valor. Esta pareza metodolégica tomna-se absolutamente indi pensivel para garantir a cientificidade da jurisprudéncia € a ‘sua autonomia em face da sociologia ¢ da politica do Direi- to, Deixar que outros critérios, além dos puramente for- ‘mais, informem © processo mental do jurista € cair no «sin- cretismo metodolégicor da jurispradéncia tradicional que, por isso mesmo, nto satisfaz as requesitos da cientifici- dade, Com # «Teoria Pura do Direiton continuamos, pois, no terreno do positivismo jusidico. S6 que este positivismo — a que se tem chamado légico -, sendo um positivism auto- consciente, consciente dos seus préprios fundamentos ¢ limites, no nega a legitimidade do problema axiolégico, mas limitase a verificar a impossibilidade do seu trata- mento cientifico, Por isso mesmo, a validade # que a tcoria kelseniana se refere no pode ser mais que uma validade de definigdo (simples nolo operacional), uma validade formal ‘que decorre, em vitimo termo, da proposigio fundante de todo este sistema axiomitico: a que se traduz Grundnorm. 0 3 ~ Qual a posigio da dogmética juridica? Entre 0 normativismo kelseniano € o sociologismo, entre uma cién- cia analitica © uma ciéncia empirica do Direito nfo haverd lugar para um conhecimento jurfdico objectivamente contro- Livel, acientifico» ? E evidente que, para KELSEN, além da «Teoria Pura clo Dircito» © do. sociologismo juridico, nto pode haver qualquer outra forma de conhecimento «cientifico» do Di. feito. Logo, também para ele, como part os sequazes da escols sociologiea, a dogmdtica tradicional mais nfo poderd Set do que uma arte ou técnica sem valor cientifico, A refutagio deste ponto de vista exigité a prova da acientific. dader de outros modos posstveis de conhecimento além do dis ciencias exactas — ou a refutagdo do conceito da «cién. cia» em que ele se funda Quando se perguata se, para além do normativismo e do sociologismo, € posstvel um conhecimento juridico objectivamente vilido, pretende-se indagar, pois, da viahilt ade cientifica da tradicional dogmética juridicy Mas sta, que faz incidir a sua visualizaglo sobre um ordenamento jut dico concreto, nto pode de forma alguma absteair dos fins das normas € dos contetidos ético-politicos destas. Pelo. con. trério, esses fins © comtetidos constituem justamente o objecto de sua principal preocupagio. Bla nfo se ocupa tio- 86 das conexdes Idgicas entre os conceitos e das conexdes de validaden entre as normas, mas tem também por tarefa ~ € principalmente - dilucidar 2 significagio pritica das normas em ordem a sua aplicagto as situagSes concretas da vida 4 ~ Antes do mais, 0 problema € claramente o de saber se um conhecimento que se processe apenas na pers: Pectiva légico-objectivante se dé conta de todas as dimen- S0es do fenémeno juridico, Por outras palavras: teata-se de decidir primeiramente se a jurisprudéncia, atenta a sua mi so, se pode contentar com uma ciéncia juridica normolégi- ca ou com uma sociologia do Direito. $6 depois de termos Gado a esta questo uma resposta negativa, verificando 4 165 necessidade de uma terceira forma de conbecimento ou «ciénciay do Diteito, a dogmatica juridica, é que se pord a questio de saber se estoutro tipo de conhecimento jurtdico metece 0 qualificativo de «cientificon. Intentaremos mostrar que 2 «cignciay do Dircito, sob a forma de dogmatica juridica, nao pode limitar-se 2 por nés chamada perspectiva Idgico-objectivante, Fé-lo-emos com base em duas ordens de consideragdes: uma consideragio de ordem geral ~ a necessidade que 0 Espirito ¢ 0 seu Di- reito tém de se reservarem o papel de agentes na historia =, € uma consideragio ligada mais de perto a prética juri- ica ‘Mas, primeiramente, intercalaremos um paréntesis expli- cativo, que nos vai permitit aclarar 0 sentido daguilo que ‘chamamos a «perspectiva légico-objectivanten 5 =O fendmeno juridico, como todo © fenémeno cul tural, € susceptivel de duas leituras: uma leitura eestrutural- forma (sociol’gico-estrutural € I6gico-estrutueal) ¢ uma leitura «dinamolégico-intencionah. A primeira coloca entre paréntesis a actividade espiritual do homem, isto é, abstrai do acto de invengio que promove © movimento cultural- -histérico, para ni considerar sento. 0 encadeamento das produces do espitito por transformagoes sucessivas, para olhar apenas 0 surgir «necessérion de uma estrutura & pare tir de outra ~ ow seja, para ver apenas a articulagio das estruturas. A segunda procura prescrutar as prdprias inten- cionalidades espirituais que estio na génese das mesmas estruturas culturais-histéricas € nio visa estas seno enquan- to elas sto interrogadas pelo espitito, Nesta segunda pers- pectiva, © processo cultural aparece-nos como um ditlogo aberto do espitito (das intenciomalidades espirituais) com as estruturas, mantendo aquele 0 seu papel de agente da histé- 166 Estrutura € toda a organizagio com que deve - © pode — contar a actividade operatéria do espirito. Mas 0 seu conceito ¢ eminentemente relativo: por um lado, a pré- pria «operagior do espirito, se passa a ser visada por uma intencionalidade operat6ria do mesmo espirito, transforma se, para estoutra intencionalidade, numa vestruturay; 6 pelo outro, toda a «estruturay de que © espitito (como sup- ppositum cognoscens) toma consciéncia pode exprimir-se, enquanto aquele se the dirige interrogativamente ~ isto 6, problematizando-a ~ em termos de intengdes ou mesmo operagies espirituais Ora € esta interconvertibilidade das nogdes de sestrutura» © dos processos de pensamento, Através delas mostrimos, fem suma, que: 4) a concepgio da ciéncia como em sistema efechador de categorias fixas € proposigbes rigorosamente axiomatizi- veis no passa de uma hipostasiagio idealista de uma das tapas, ou antes, de um dos polos, do pensamento cienti- fico; 5) © proceso cientifico se caracteriza sempre pela re- dugdo conccitual ow formalizagao, que consiste em fixar ¢ 186 abstrafr do dado aquilo que avulta como relevante segundo uma certa inteng’o mental e um determinado plano de ¢) 08 planos de formalizagio ou de corte sto miiltiplos, cabendo referir sobretudo um corte formalista e um corte operacional («conscientemente estratégico») ; d) em qualquer dos casos, as formas ou estruturas con- ceituais da cién sio. sempre, em hima andlise, antes meios de ac¢do que esquemas do objecto com valor especu- lativo s ¢) a redugio cientifica no exclui toda qualquer lige- 20 com os aspectos concretos da realidadc, mas apenas neutraliza (provissriamente) esses aspectos. Donde, em resumo, que uma disciplina deva ser_defini- da como cientifica pelo scu_método, pela sua_visualizacio ‘ou jintencionalidade € pelo seu objecto. Saber metodologi- camente igoros0, isto é, penetrado pelo espirito de contol, 4 ciéncia é quanto 4 sua visualizagio, uma consteugio de modelos cuerentes ¢ eficazes do fendmeno (GRANGER), sendo o seu objecto necessériamente constituido através da oposigio de uma estrutura 2 um conteiido vivenciado da ‘experiéncia do sujeito cognoscente. FFica-nos, pois, que 0 movimento mesmo do. pensamen- to cientifico se traduz sempre e necessériamente em opér um procedimento de estruturagio, um esquema categoria, 20s dados da experiéncia imediata ~ sendo que a «perfici cia» desse esquema, a sistematizagio, stl necesséria embo- 11 para precisar as possibilidades oferecidas pelas estruturas manipuladas, no passa todavia de codificagio de uma cién- cia jd constituida, que deixa escapar sempre uma face da realidade inexpressavel através das sua varidveis operatérias € nos encobre a visio dos técnicos de pensamento instaura- in: do seu momento genuinamente tivas da_mesma 187 produtivo, Mas € neste momento verdadeitamerte fecundo, instaurativo, que reside quanto a nés a mais decisiva carne. teristica da cientficidade - enquanto «aprendizagerns, en- quanto saber operatSrio de uma inteligéncia que «dominay tum sector particular da realidade por virtude da experiéneia aanentab, adquirida na frequente manipulagio das estruturas desse sector, saber esse que habilita a mobilizar de pronto 6s esquemas operatdrios em que sc desenham os modos de acesso metddico € eficaz 4 solugio de um problema, que a habilita @ inventariar num relance as diferentes vias estraté- gicas para abordar, um problema novo e as potsncialidades operacionais das estruturas de pensamento id criadas, O pensar probleméticamente é, decerto, comum a todas a Giencias (Ce. todavia ne 14, in fine). Ora parece nfo poder negar-se que a dogmética jusi- dica, seja como ciéncia intexpretativa, sistematica ou compa- rativa, satisfaz a estes requisitos. Ninguém dovidari, na ver= dade, do carécter eminentemente categorial do pensamento juridico, © @ propria experigncia nos convence 1 todos do valor formativo, ecspecializante», potencializador do acerto, a aprendizagem do Direito e, particularmente, da investiga- ‘Glo aprofundada desta ou daquela disciplina jutidica Sé que, para evitar equivocos obscurecedorss, importa ainda determinar 0 verdadeiro plano de objectividade cient fica da jurispradéncia dogmética. 17 — Qual o tipo de objectividade da dogmitica juridi- ca? Referimo-nos jd aos dois pélos opostos, as duas pers- peetivas que nos petmitem operar a reduglo cientifica, que os permitem definir estrututas objectivas que funcionam como instrumentos dialécticos de uma oposiglo provisdria| 20 lado: 0 da formalizagio propriamente dita ¢ 0 da pes ‘quisa operacional O corte estrutural operado pela ciéncia jutidica dogmatica ¢ um corte operacional EEE ——— sa AJUSTICA £0 DIREIRO NATURAL de qualquer teoria, proposicdo ou conceitojuridico ndo & 0 axioméstico- sistemtico, ndo é 0 da projecrao légica dos mesrnos conceitos, mas um plano de estratégia éptima (de adequogdo funcional) - ao qual hao-de ser subordinadas as proprias axiométicas locas. A objectividade, o valor objectivo dos conceites e juizos, resulta aqui da sua adequagio a um modelo de estratégia éptima. Dito por outras palavras: na 6ptica de um plane de acgao os conceitos ou estruturas que déo corpo a esse plano si instrumentais em relagdo a0 fima atingr ~ hdo-e ser interpreiados evalorados em funcéo do fim proposto, Oro, sendo assim, a sua objective validade néo hé-de ser definida no plano da axiomatizagao, mas - em iltimo termo, pelo menos no plano de adequacdo funciona. ‘A esta luz, qual serd a relagdo entre a «Teoria Pura do Direito» e a dogmatica juridica? Cremos que a passagem de una teoria geral do Direito (como a «Teoria Pura> de Kelsen) a uma dogmética juridica cequivele @ passagem da nocdo de sistema isto é, de um esquema masando uma descrigdo universal e homogénea, obtida atraves de um corte formalista ~& nogdo de modelo ~ isto ¢,~ como diz GRANGER ~ de ‘esquema de um complexo relativanente auténomo em que sdo distin- ‘guidosfactoresestratégicos, segundour corte operacional. Quinto ans, 12 «Teoria Pura do Direitor, servindo-se do corte sformalistax, visa construir de ur golpe um sistema abstracto que estuda por si mesmo, ‘A formalizagao da dogmética, pelo contrrio,€ explicitamente ordena- dia a uma perspectiva de acgao finvetigagao operacional).A primeira, ‘mais especulativa, ndu pode compreender a interpretagao senao meca- ricamente (ela néo é uma ciéncia interpretativa, como a dagrdtica), € todas as suas construgdes se referem a um sistema juridico configurado por maneira a que possa ser dada como resolvida toda a problemética da interpretagdo e aplicagéo do Direito O seu nivel de formalizagéo nde permite captar tais problemas Observesse,contudo, que uma axicmatica geral na teoria uridica ~ no estilo da de Kelsen ~ apenas exerce una funcdo delimitadora e extrinseca = omnis determinatio est negatio - competindo é dogmatica jurtdica elaborar conceitos com aptiddo operatéria, de valor postive isto é, que Sejam instrumentos optos realizacio de uma intencionalidade espir- ‘ual-rormative. Razdo assiste pois a EicH Kaufmann quando afirma que «@ genuina e positive tarefa da jurisprudéncia s6 comega depois do xe NOTA PREAMBULAR trabalho de purificacto de Kelsen - que este desconheceu essa tarefa em ronio das exageradas exigéncias rranscendentais por ele postas ao Inétodo, Isto explica a infecundidade da sua ieoria no plano da pratica jurisprudencial Se encararmos « dogmdticajuridicaa luz de uma teoria das decisbes, luz da adaptacdo das reacgoes de ur agente « uim fluxo de eventos ‘aleatérios, como teoria de uma estratégia Optima, teremics que procurar ‘aobjectividade dos utzos e dos conceitos urtdicas nostro plano que nao no da definicdo axiomdtica 18 - Cremos que dos consideragées precedentes jd decorre a solu¢do para o sequinte problema, ( procedimento de reducdo conceitual - coenvolvendo uma simplif cagao, pela eliminagao do redundante e, portanto, uma negasdo dos aspectos «concretos» do objecto ~ é caracterstica essencial de qualquer ciencia, A perspectiva sob a qual esta reducto ou simplificagdo se opera depende, em cada caso, do fim ox escopo visado pela respectiva ciéncia. ‘Ora a ciéncia juridica dogmatica propoe-se como fim descortinar € realizar 0 juridicamente vinculante, 0 «justos, No dominio juridico, portanto, « reducdo e simplificagao cientificas subordinam-se& questo de saber em que medida elas poderdo servir @ revelacdo e actuacdo do sjuston ‘Sao possveis, conforme observa Hans Schroder, duas alitudes funder rmentais: a) Pode considerar-se que o sjustor & definivel sem ter em conta as circunstdncias histéricus concretas ~ que wna conduc pode ser quali cada em abstracto como justa ow injuste. Para esta posi¢do, a reducdo cientifica no Direito ndo levanta problemas. £ a atitude caracteristica do jusnaturalismo ractonatista. Prepondera aqui 0 momento esidtico, pre- ponderdncia esta revelada na imobilidade de certas posicses, como a dos chamados «direitos humanos inalienaveiss. Tal estilo fusrecionalista de ppensamento nao é bem acolhida nos dias de hoje. b) Pode, por eutr lado, pensar-se ~e 4 esta a posicao correcta - que 6 sjusto» apenas se nos revela precisamente através de uma concretizit 620 0 mais completa possive! - ou seja, que a determinacdo do hic et une juridicamente devide pressupée uma plena concretizazao da situagdoe, portanio,exige uma consideragao dos elementos situacionais 3 fap er eseceecanvacscceccsccseaceesce 6 |AYOSTIGA Eo DIREITO NATURAL concretes. Para esta doutrina 6 que a redugéo operada pela ciéncia Jurtdica se torna em problema. Com ejeto, 0 caricter abstracto da lei e dos conceitosjuridico cien- luficos traduz em larga medida uma negagio da situagdo histérica eancreta - que por eles fot reduzida, simplificada, establizade. Donde ‘que poreca impor-se a conclusdo: 0 cardcter cientifico.da dogmatiea Jurldica, precisamente porque nega e se opée a concretizacéo, parece tamarsthe imposstvel a consecugdo do préprio sscopo. Sabernas agora como esta aparente contradizdo se resolve através da considerasao de que as estruturas conceituals da ciénciajuridica tém um caréctereminentemente funcional, como simples operadores estratégicos, ddeque elas $6 «provisoriae dalecticamente se opdem ao conereto para arlentar a actuagao de uma intencto normativa no prépria plano ‘eonereto das situagdes histéricas Um dos resultados mais sigificativos da dostrina que temos vindo a expor est4, quanto a nds, em ela nos permitirrracar, aclarar e fundar epistemologicamente a trajectoria de wna certe via média entre @jurs- prudéncia conceitualista ea teoria da elie descobersa do Direitor em explicar ejustificar o transit da unidade sistemtic di unidade furcio- nal do Direito de que fala, por exemplo, tox, evitanco ao mesmo tempo 4 queda no subjectivismo e na inseguranga do freie Rechtsfindung, Af 4¢ localiza, no estédio actual da evolurdo da Teoria da Direito, 0 né grdio da epistemologia juridica. Convém friar, porém, que 0 exposto ‘ndo passa de um primeiro apontamento, uma primeira tentativa ~ ainda ‘bastante imaturae informe ~ de acesso ao problema: 0 pouco que foros ‘capazes de condensur num curto prefécto. Ww 19 KeLsen, porém, s6 reconhece uma justica formal. Cré que s6 é possivel determinar (cognoseltivamente) o juridicamente devido em ‘bstracto, que 0 dever-ser ou vinculo juridico decorre do encadeamento lbgico das conceitos e das normas do sistema. ‘Mas se é verdade, como o préprio Kelsen afitma, que na base de todo 6 ordenamento juridico positivo esté uma certa mundividencia ~ urna certa «imagem do mundo e da vida» que se quer ver realicada ~ ndo 2 NOTA PREAMBULAR. teremos de admitir que 0 significado mesmo, a razdo de'ser de todo ¢ ‘qualquer preceitojuridico hisde ser referida a essa mundividéncia? A realizasao das finalidades ético-politice do legislador ~« concret- ‘zagdo da mundividéncia do sistema ~ tem de processar'se num itinerério Iistdrico de curso imprevisivel. Ora, sendo aleatérioo fluxo des aconte ceres em que essa «imagem do mundo» se pretende inserir,os comandns Teqais, como normas de conduta, nada mais séo além de elementos operacionais de uma estratégia dirigida @ realizacdo dessa imager do ‘mundo e, portanto, tim um valor eminenterente funcional (eft. supra, 11,6). Donde que o proprio ordenamento juridico positiva com os seus preceitos deva ser entendido como uma «pesquisa operacionals eri que 0 legislador visa realizar certa mundividéncia em certa época histérica ~ e580 pesquisa operacional tem de ser continuada, segundo um vector de concretizacdo ¢ adaptasdo, pela jurisprudéncia dogmatica (oupra, 7): Resulta patente pois, que o pensamento juridico dogmético, ao mes- ‘mo tempo que est juridicamente vinculado aos «dogmase que decorrem dla mundividencia do sistema, est dialecticamente aberto ds particula- ridades das situagdes e conjunturas do processo hist6rico conereto. Logo, ‘no hd uma vinculagto ou prefxardo rigorosa das solucées em termos exlomético-dedutivos. A postgao de Kelsen, ¢, pois, paralela da do jusracionalismo - s6 que tem na base uma rardo teorético gnaseologica: néo ¢ possvel saltar para fora do plano geral e abstracto da redugdo cientifica (e da formulagao das norma) sem abandonar, do mesmo paso, o terreno da ciéncia ~ a {ual sé pode ter por abjecto aquilo que se revela como denknotwendig: como forma necessaria do pensamento, Por essa razdo, KELSEY, aplicando 38 categorias e esquermas da razdo teordtica num dominio da rasao prética, deixa escapar o verdadeiro sentido do normativo. Como todo 0 positivisma, também o normativismo se dirige a dominagéo tecnica endo 4 compreensdo do Direlto ~ conforme nota Esser (of. Supray 1,8 eI, 10). Decorre das consideracdes anteriores que uma tal posigdo éinformada condlcionada por uma conceps 40 idealista e transcendental da ciéncia, qual isola o processocientfico da praxis, hipostastondo as suas formas. 20 - Somos, portanto, chegados a esta conclusdo; a teoriajrtdica de Kelsen, bem como a sua posigéo perante o problema da fustiga e do 3 A TUSTIGA 0 DIRETTO NATURAL Direito Naural € condicionada por um certo conceito de «cinciar aquele que resulta da reducdo transcendental de KANT e gut, segundo 0 positivismo, troduz ¢iica forma de conkecimento vide, Donde que © bpreciagéo da teona kelseniana, ¢ com ela solugdo da questdo de se ‘atabuir ou ndo atribuir carécter de «ientfcidades & dogrisicajuridica, devam ser solidérias de uma nova determina¢do do probema episte molégico das ciéncias TTodavia, na nos parece inteiramente rigorosoalegar contra a posiea0 elzeniana ~ como faz Laren ~ que a ciéncta juridica, além da fungto copnescitiva, tem lambém por tarefa cooperar na complementordo criagdo do Direto, mesrio em hipoteses em que se tenha de abstrair de ‘uma fundamentagao cognoscitiva {erkenntnismassig) das suas «deci: bes» ~ pout que entao, @ nessa medida, ndo se estaria em face de uma teléncian, como bem acentua Kelsen. £ que a ciéncia dogmética é, por definigdo, um pesquisa operacional vinculada a ceras prinepios Jfandamentais ~ dogmas ~ derivados de wma vio global do mundo e do homme a sjstica» que, segundo Laren, a jurisprudéncia dogmetica, enquanto «idncia, se prope também por missdo realizar, ndo poderd dernar de ser uma justica definida nos quadros daquela mundividencia {que subjaz co ordenamento postiv, orece, pois, que wma jurisprudéncia scientific nos nao permitiré ‘abandonato terreno de um certo positinsmo - embora entendido este em termas muito mais amples e maledveis que o positivism cléssica, SO trrows de ume perspectvateleolégica transcendente 0 honer se radica tno plano étco-existencial - funda radicalmente as epgées ailGgicas que informa a sua conduta. Mas esta perspectva parce subtrairse sempre, tim ddtumo termo, a formalisado cienifica e ser domtnia reservado a especulapta flosofica Contudo, sempre poder também dizer-se ~ se € que vale aqu substi tir uma explizagao por uma metifora ~ que o legislador nde pode pr tims norma <6 que seja sem do mesmo passo criar 0 seu «campo de horménicos» semasiolégicos, que, como ecos miltiplos, respondem ligule facto normative por frga da viewalidade refeenciadora ou srenviante de tudo o que & produto do esplrito. Todos esses ecos ou harmonicas ndo poder: ser Revidos como criaedo edirectar do préprio Iagilador, pois emergem antes da exploraedo do fundamento timo do eo nonnativ, produzerse, por assim dizer, na substéncia daTuz que En NOTA FREAMBULAR desse fundamento brota. Diriamas que a solucdo correcta para a inte (graco da le resulta da soma totale convergente do ogo dos rflexos das tralorardes legais ~ um tal resultado ou soludo se, por um lado, pode ser ainda considerado coma influide pelos rarmas posta, por outro lado, 4 produto da estrutura fundamental e fundante do meio reflector: do Diveito puro simples. Ede recordar aqui a opinida de MESSNER segun do a qual os principios suprapositivos a que 0 jurista se vé forgado a fecorrerem caso de lacuna ndo sic de facto transcendentes mas imanen tes ao Direito - o todo o Direite. E como se 0 Direito postive, dirigido 6 realizacéo de certa mundi vidéncia no processo histrico concreto atraves de actuagdes hurianas Jnformadas por op¢ées axiolégicas,ndo pudesse ele proprie subuairse fa certas regras estratégicas que 0 condicionam e 0 limitam ~ come se dima certa sustica» Iie Fosse necessariamente imanente para ele poder ter evigéncia» e ser Direito. Cobe aqui aceitar o ponte de wsta de Wetze1 ‘quando afirma que ha um limite imanente ao Direit, de cardcter abs tuto, e conclu: «0 Direto, por sue prépria esséncia,s6 pode ser recto - mesmo o Direito pasitivor. essa mesma circunstancia deo Diteito postivo se ter de comportar, ‘na ralizasao da mundividencia que o motiva como sivestigasdo opert ional, como esqueme de actuacdo estratégica destinada a inserir-se eficazmente num: processo histérico concreto de curso aleatério, que ‘explica a chamada eunidade objectivar (ou axolegica) do ordenarento juridico ~ unidade esta que néo € o unidade légice-formal do sistem ‘conceitual-abstracto, mas aguela unidade sdindmica> qué se revela av ‘pensamento juidico enguanto este olka o ordenamtento na perspectivt de uma praxis -, bem como 0 ndo poder sero Direito positive de wna ‘poca um sistema fechado sobre sie isento de Jacunas, mas um sistema sempre aberto a novas significacdes, lacuncso e necesstado de comple rmentogdo, 21 ~ Mos, aceits estas premissas, afastadoo conceito de eiéncia» cle que parte Kelsen, os problemas por ele debatids nas péginas desta obra terdo de ser vistos a uma luz diferente. Néo vamos entrar aqui em pormenores. Consideraremos apenns brevemente © a titulo de exempla o prinefpio da igualdade, enquanta Principio de justica. ce ape SSSSSSSSHSSHSHSCOSOOESSESEOOOES AIUSTICA £0 DIREITO NATURAL Estésse perante o velho problema de conciliar as nogoes de jstica Jormal ejustica material. Claro que, como acentu HANS SCHRODER, @ tigualdade> de duas situacoes, que postula, consequentemente, uma Igualdade de traramento, pressupde um supremo critério normative comum. Mas esse supremo eritério normativo nao pode ser representado por uma eestrutura formals ~ a igualdad+ em causa ndo pode tredusir ‘se pela equivaléncia de conceitos num sistema axiomatizado, Como bem sublinha 0 mesmo ScHRODEK, a estratura comum que funda a igualdade tle duus situagées hd de ser uma estrutura capaz de concretizarse em pparallo com a concretizacao da situagdo de fact, Mas uma estrutura tom tal aptidao ¢, por esséncio, uma estruturaestratégica, uma estrutira ddecorle operacional - capa de reagir, vadapiando-ser, ao fluxo de eve tus aleatérios. ogo, a igualdade ematerial+ no € uma igualdade sforra stteamantes definivel, mas uma igualdade de funcdo, uma igualdade ongdnica, ura iqualdade 36 definivel no conspecto de um fim a realizar ~ uma equivaléncia funcional e ndo estrutural. ‘Analisemos 0 probleria mais de perto. ‘Nenhuma divide que a ideia de vigualdades constitu um des essen- tata da ideia de «justices. €, pois, uma caracteristica exsenctal de todo 0 jurtdie. (Ora, 0 que desde logo cumpre observer & que 0 cardcercientfico da Jurispradéncia € 0 métado tegisativo conduzem necessariamente a um tratamento igualitério. A melhor garantia do princ{pto da igualdade, teste sentido, residird precisamente em mantermo-nos rigorosamente fidis aos quadros cientifco- metodalégicos, ste, porém, é 0 aspecto negativo do prineipio da igualdade de trata mento: a redusioe simplifcagto cientficas, bem como a generatidade ta ll, implicara a eliminacdo das momentos concretos da situagao - 0 ‘que se traduz em gorantir uma igualdade meramente formal. "Mas um tratamento igual pode também ser injusto ~ ofendendo a Igualdade material. Na verdade, ¢ perfeitamente possivel que, em deter. mminados casos, o desprezo de certos elementos situacionais ndo conduea {um tratamento recto, a um tratamento materialinente justo. TTemos, pos, una igualdade formal ¢ uma igualdade material - ume justiga formal e uma justiga material ‘A igualdade formal é, por definigto, uma igualdade que decorre de rormas ou proposigdes normativas gerals, expressas através de concet 6 10s. Como sabemos, 0s conceitos uridicos tem um valor meramente funcional, enquanto operadores estratégicos, pelo que a sua validade se subordina &realizacdo de um esquema mundlividencial um ideal norma- tive) nas situacoes hist6ricas concretas. Ora, se uma certaestratégia ndo resulta, hi que mudar os seus conceitos operadores. E ndo se diga que um tal proceder € incientifica, pois, como vimos, toda e qualquer ciéncia 56 pode manter-se na medida em que consinta uma abertura dialéctica no seu sistema, por modo a facultar uma adultacto vestrutégica® ds exig2ncias da praxis. Logo. aigualdade normoativa ndo ¢ 0 mesmo que a igualdade formal = como pretende Kelren. Em ttimo termo,trata-s¢ de uma eigualdade> ‘axiol6gica - produto de uma intencionalidade espiritual e néo de uma cestrutura logica. Também a propésito deste tema se revela, pois, a insuficiéncia do formalismio kelsentano. Assim como para a Teoria Pura o conceito de ‘alidades se carna num conceito meramente formal, assim também o de ‘igualdades.A igualdade juridica ¢ - diz Kelsen — a légica consequéncia dda generalidade da norma. ‘Mas nao serd isto inverter 0 mundo jurfdico ~ definindo o principal ‘partir do instrumental? Se entendermes que os conceitos da ciéncia jurdica sdo simples instrumentos ao servico da descoberia e da realizado de uma intencio- nalidade mundividencial ~ e o préprio Kelsenafirma, como sabemos, que por detrés de todo o ordenamento juridico esté uma certa mundivi- déncia ~, teremos de admitir que, em tltimo termo, a igualdade jur dica wormativa ~ isto é, verdadeira ou materialmente jurldica ~hé-de substanciar se e relevar apenas na dindmica da insergéo dessa intencio- nalidade no processo historico concreto; he ser essa intencionaltdade hormativa na sua projec¢ao dindmica ~ isto 4, na sua projecrdo num esquems estratégico de realizacdo - que nos fornecerdotermo de com- pparacdo com referéncia ao qual poderemos considerar duas situagées como rguaise. A iguatdade material revela-se sempre como produto de uma integragao organica das situagées de vida na unidade de intencio- ralidade rormativa de um ordenamento. 22-0 nexus morals 56 se ata e se discerne na perspectiva teleo- Logica E, com efeito, 6 nesta perspectiva 0 homem se radica ético- ” _srrepemrerereersererernerene [AIUSTIGA EO DIREITO NATURAL existencialmente ~ pelo que também os valores hao-de surgir eavutar apenas 4 luz de uma teleolegia, ja que eles falam directamente ao nosso destino pessoal. Logo, a que:téo de saber se dispomos de métodos intelec tualmente vélidos para abordar o problema da estimativa jurldica prende-se com a questao de saber se o homem ¢ capaz de apreender 0 natural desenvolvimento de uma forma em direcgdo ao seu termo perf ciente ~ @ sua plenitude de actualizacao. A admissibilidade de uma tal ‘optidao cognoscitiva supse, porem, antes de tudo, a superacdo do rdeter rminismo gnaseoldgico de fente kantinas (E CoRRElA) pela dinamizacao ‘e dialectizacdo da epistemalogia das ciéncias. Ora todos canvém em que ¢ esse determinismo gnaseolegicotranscen: deniatsta que esté na rais do agnosticism axioldgico de Kelsen £ ainda ele que impede de visvalizar 0 chamado Direito Natural no seu rmomento insiaurativo,dindmico, para o conceber apenas racionalistica mente na sua estética transcensio ao Direito Positivo ~ 0 que conduz Kelsen necessoriamente a ofrmar o cardcter dualista das por ele chama das douirinas idealistas do Direitoe a tese de que, pela aceitagéo de wna doutrina jusnaturalista, se conclu por recusar toda a validade ao Direito Positive enquanto tal. 23~ Também nao estdc por certo isentas de reparos outras andlises {feitos por Kelsen neste pequeno mas luminastssimo trabatho, Mas ndo vamos ocupar-nos agora de taisreparas. Apenas referiremos dois ou trés ponios. De uma maneira geral, parece-nos cabida a apreciacto de RecAstys, segundo a qual a critica feita pelo nosso Autor a algurnas das principais doutrinas da justiga «mostra a habitual agudeza e brithan- tismo de Kelsen; mas estd determinada pelos seus prejulzos, 0s quats operam como uma espécie de rede que, dos pensamentos citicados, deisa ppassar somente aquelas partes em que ¢ cil cravar objecgoes, sobret dio quando essas partes ficam desmembrades do seu contesto total» Quanto ao chamado silegismo normative, ja atrds (1,7) expendemos a nossa opinido. elo que respeita 4 critica feita é doutrina do mesotes, lembraremos apenas que o Auior simplifica demasiado esta doutrina aristotélica, pois [parece esquecer que, para ARISTOTELES, a virtude néo era s6 um meio termo entre dois vicos, mas era ainda e antes da rants um akrotes, um 8 6 NOTA PREAMBULAR Relativamente & andlise critica a que submete 0 conceito de ra2do prética em KAXT, cremos que ela ndo é conjorme com a interpretagdo trodicional da doutrina kantiana nem com o ethos desta: mesma doutrina = 4e bem que nos pareca que 0 proprio KANT deve ser responsobilizado pela critica que Kelsen agora ihe faz Mas estas e outras andlises feitas por Kelsen no presente trabalho sto 0 produto daquele mesma poderosoe luminoso pensmento que construiu (9 mais vasto e genial monumento de teoria juridica do nosso século: a ‘Teoria Pura do Direito» = e ninguém poderd tera pretensdo de avangar nos dominios sobre que versom tais andlises sem paciente e laboriosa mente se debater com el Quanto a nés,o grande feito ¢ mérito da teoria normativsta de Kelsen no estd tanto em ela tar fornecido ao positivism furtdico a sua funda rmentagdo epistemoldgica, superando o psicologtsmo e 0 saciologismo de {que enfermava, como antes em ter definitivamente contributdo, por essa via, para 0 amadurecimento de um err, transformando-o de erro indi tintamente formulado, ambiguo, em erro refutdvel - em ter condutido 0 cléssico positivisma juridico, com inteiro rigor logica, aquela sua extrema consequéncia em que uma exigéncia de superagao se torna patente (ofr supra. 2). Ponto ¢ que se logre desconectar a sua obstinada maqui naria logica e escapar ao seu sortilégio redutor. O pensamento de Kelsen é um pensamento que transcend e dominia 0 sistema em que 0 seu Aulor 0 encerrou, Al reside, segundo cremos, a ‘marca da sua pujanga e perenidade Através da experiéncia fundamental do sistema kelseniano, cuja irradiagao clarificadera é um facto incon testado ¢ incontestavel, 0 pensamento jurtdico conquistou uma nova ¢ defintivn etapa, banhouse na lu de um novo horizonte de que nao mas perderd a memoria. © Teaouin ”

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