‘Texto extraido de: GUTHRIE, W. K. “Protagoras sobre o estado original do homem” In: Os
Sofistas. Sio Paulo, Editora Paulus, 2007, pp. 65-69.
Protigoras se oferece para dar suas ideias, ou como argumento, ou na forma de uma estéria ou
pardbola, ¢, quando 0 auditério o deixa escolher, opta pela estéria que dard provavelmente mais
prazer. Assim, nos adverte plenamente que a introdugo dos deuses niio se deve levar a sério, mas
pode-se climinar como adomo ao relato. (..) Protigoras relata que sagacidade técnica, ou
inteligéncia pritica, é inata ao homem desde o comego, pois no mito cla é concedida por Prometcu
‘no momento em que os primeiros homens vém a luz. (... Usando sua engenhosidade natural, 0s
homens logo se proveram de alimento, casas e vestes, ¢ aprenderam a falar; mas ainda viviam
“dispersos sem cidades, porque, embora tivessem a “arte do artifice”, faltava-Ihes a “arte politica”.
Em consequéncia, muitos foram mortos por feras selvagens, contra as quais a tinica defesa para a
cespécie humana mais fraca fisicamente era a ago combinada. Temendo, portanto, quc toda a raga
‘bumana fosse climinada, Zeus enviou Hermes para levar aos homens duas virtudes morais, aidos
¢ dike, “para tomar possivel a ordem politica e criar lagos de amizadc ¢ unio”, Dike é senso de
dircito ou justiga, aidos combina mais ou menos senso de modéstia ¢ respeito pelos outros. Nao
esti longe de “consciéncia”. Zeus decreta que esses dons no se devem restringir a individuos
seletos, como ocorre com as artes, onde um pode ser médico, outro miisico e assim por diante, e
a vida ser guiada por um principio de divisdo de trabalho, Todos devem participar de aidos e dike,
porque “jamais poderia haver cidades sc apenas alguns participassem deles como no caso das
artes”. Mas sequer Zeus pode assegurar que tais virtudes sejam universais, pois nao integravam a
naturcza original do homem, ¢, sendo assim, acrescenta a cliusula de que, se alguém se
comprovasse incapaz de adquiri-las, devia ser morto como ferida no corpo politico.
O decreto de Zeus corresponde, para Protigoras, ao trabalho do tempo, da experiéncia amarga ¢
da necessidade entre os homens. A estéria ensina duas coisas sobre as virtudes politicas: a) no
‘mundo civitizado todos as possuem até certo grau, b) mas nao sio inatas ao homem. Na explicago
que segue ao mito, ele retoma esses dois pontos. O primeiro justifica que os atenienses exijam
pericia nas artes técnicas, porém no na arte politica, para a qual os primeiros requisitos so justiga
¢ moderagdo. Todos acreditam que essas virtudes so partilhadas por todos. Um homem
desprovido de dom artistico - por exemplo, miisica — 6 comum, mas um homem desprovide de
qualidades morais nao poderia levar vida humana, Em segundo lugar, porém, embora 0s
atenienses acreditem que todos tém certa participagdo nas virtudes politicas, nao pensam que so
jnatas, mas adquiridas por ensino ¢ esforco (0 que corresponde ao decreto de Zeus no mito). A
educagio comera na infancia com a familia ¢ a escola c continua, na vida adulta, com o Estado,
que prové em suas leis padrio segundo 0 qual viver. De mais a mais, os cidados a lembram uns
408 outros, pois € de nosso interesse que nossos préximos entendam as normas da vida social
organizada.
(...) Para Protigoras, entio, autodominio ¢ senso de justiga sdo virtudes nevessirias & sociedade,
que por sua vez. € necesséria para a sobrevivéncia humana; ¢ nomoi sio as linhas-mestras (como
as linhas pautadas dos cademos das criangas) fixadas pelo Estado para ensinar aos cidadios 08
limites dentro dos quais podem se movimentar sem violé-los, Nem 0 nomos nem as virtudes
politicas so “por natureza”, mas um “retorno & natureza” é a iltima coisa a se querer. O estado
de natureza era desconfortivel e selvagem, com cada homem contra seu prdximo, ¢ se persistisse
levaria a destruigao da raga,