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THESE
APRESENTADA A’ FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, EM 17 DE DEZEMBRO
DE 1845 E PERANTE ELLA SUSTENTADA
pon
âercutano xSÍttaaólo
Sf ££ajSemee Céun/ia
FILHO LEGITIMO DE
.XJ3Z?»
310 03 J2
.
TYP IMPARCIAL DE FRANCISCO DE PAULA BRITO.
1815
FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO.
DIRECTOR .
. .
O SSR DR JOSE ' MARTINS DA CRUS JOBIM .
—
II ANSO
Joaquim Vicente Torres Homem ••
.
.
5 Botamca
t lugia .Medica, c princí pios elementares de Zoo
5( Chimica Medica
.
, c princí pios elementares de Mine -
—
ralogia
Jcse Maurício Nuucs Garcia Anatomia geral e descriptiva .
III ASNO .
José Maur ício Nunes Garcia Anatomia geral e descriptiva .
Lourcnço de Assis Pereira da Cunha .
IV ASSO
Luiz Francisco Ferreira
Joaquim José da Silva ..
— . Pbysiologia
Palhologia externa .
Pathologia interna .
Joáo José de Carvalho .. S Pharmacia , Materia Medica, c&iiecialrotntc a Ura -
V ASSO
Caudido Borges Monteiro
— . ( sileira , Therap. , e Arte de formular.
.
Operações, Anatomia topogr c Apparclhos .
..
VI ASSO
SECRETARIO .
.
Dr Luiz Carlos da Fonccca .
A Faculdade n ão approra nem desapprova as opiniões emittida» nas Theses, quo lhe são apresentadas.
INTRODUCÇÃO.
( I ) Haylc.
( 'D HeOi'M, Do Constantia Sâ|>irnli«.
BOSQUEJO IIISTOIVKO DA I'ROSTITllKjiO .
.
Erraa, mi Lucili si existimas nostri stcruli cssc
vititun luxuriam et negligentiam boni inoris, et alia,
.
quie objccitsuis quisque temporibus Hominum sunt
ista, non temporum ; nulla æ tas vacavit à culpa
. .
Seneca Epiai X CE I I I .
Quando Dcos , ao sexto dia da crea çã o do mundo , gravou no limo a sua imagem
e semelhan ça com o eterno buril de uma vontade infinita , o homem surgio formado por
tal modo, que seu espirito estava perfeilamento subordinado aoCreador, e o corpo
a seu espirito. Vio elle que alguma cousa faltava para rematar o primor das suas
obras : e do flanco do homem extrahio a mulher, ã quem Ad ã o chamou o osso do
seus ossos, a carne da sua carne. Ora , n ã o havendo peccado, n ã o havia pena,
n ã o havia morte ; por que a morte foi estabelecida como pena do peccado. Anda -
vam ambos n ús, e n ã o se envergonhavam : ( 1 ) mas apenas infringiram o decreto
divino, que lhes vedava o pomo, cessou por este peccado o império absoluto que
exercia o espirito sobre a carne ; seus olhos lhes revelaram a nudez em que se
achavam , ( 2 ) e procuraram occulta -la ás vista d'aqueUo a quem haviam oflendido ,
cingindo-se de folhas de figueira , c escondendo-se por entre as arvores do 1'araiso.
Entretanto n ã o foi para se resguardarem das inclem ê ncias do ar , que os dous delin -
quentes sc-vestiram t ã o singularmente : uma outra causa mais secreta houve, que a
cscriptura envolve n’estas palavras, consuerunt folia ficus , et fecerunlsibi perizomata,
( d ) para n ã o offender o pudor do genero humano , e dar- nos tacitamente a enten -
der cm que parte a rebelli ã o se fazia mais sentir. Desde ent ã o assumiram as paixões
da carne, victoriosas c tyran nicas : o homem foi mergulhado no prazer dos sentidos,
e perdido este impé rio do espirito succedeu , como diz Santo Agostinho : qui futu
rus erat et iam carne spirituals, foetus est mente carnalis ( V ) Assim discorre o pro . — --
fundo Bossuet, arrimado á outros sá bios theologos, sobre a origem da concupiscê ncia,
la ço insol ú vel que nos prende a Ad ã o rebelde, a Ad ã o peccador , cm quem ficá mos todos
maculados como na fonte do nosso ser. D’ csta arte um peccado de natureza t ã o diver -
sa , attrahiu sobre o genero humano esta inundaçã o de males, esta serie infinita do
misé rias, donde nascem as agitações das mil paixões que nos atormentam , enganam ,
e nos cegam ; e o homem que, em sua innocencin , eslava predestinado a reflect ir na
( 1 ) (Jt.a : li
— '*5.
. ( 2) Guu : 3
— 7. (3) Guu : 3
— « >. 15.
7. ( 4) Do civiUtc l > *ti , Ub 11, c|
,
terra a imagem dos anjos no Céo, o, corno «lios, fruir pcresnaes delicias perdeu
a
primeira honra de sua natureza , e, como disse o propheta Key , tornou se seme- -
.
lhante aos brutos Homoc àm in honore esset , non inlellcxU , com para lus est ju menti»
.
insipientihus , et similis factus est illis ( 1 )
De gera çã o em gera çã o se ha transmittido á n ós o legado fatal , que a sua poste -
teridade deixou o primeiro homem : e de que maneira ? A razno ô sulTocada e como
que amortecida sob o peso da carne no acto da reproducçã o da nossa especic: no
seio materno, o fora d’elle, durante muitos annos, o espirito humano ó um chaos,
c quando elle começa a ser alumiado pelo primeiro alvor da intelligence , vem corn
cila paulalinamente surgindo todos os vicios, at ò < juo os desmandos da sensuali-
-
dade venham de novo tolda la , quando altingia apenas o seu zenith.
K pois em nossos primeiros pais, é cm nossa propria natureza , que sc deve estu -
dar a pathogenia d’esta enfermidade social , cuja historia vamos bosquejar.
Ningu é m , cm cujo cora çã o esteja gravado este caracter de castidade que o Lvan -
gclbo, c antes d ’ elle os prophetas altamente institu í ram, ningué m poderá sem cobrir-
se de pejo, sem sentir-so sulTocado por vapores mephiticos, sondar os asquerosos abvs-
mos da historia onde sc acham depositadas todas as espurcicias da prostituiçã o. Nem
n ós pretendemos ir agora l á revolver esses costumes particulares, que sã o como
a carne que lho d á a fô rma , para fazô-la surgir em toda a sua vida ; basta que
apresentemos seu esqueleto: e para darmos d’ elle vista colheremos seus ossos n’ aqucl -
les paizes somente que se distinguiram por algum caracter particular : discorreremos
velozmente pelas na ções onde a supersti çã o, o barbarismo, as erronias, e a depra -
va çã o tem feito da prostitui çã o um culto, um objecto de indilTercn ça , um dever,
uma lei , ou uma profissã o, para que d’ este modo n ã o oITereçamos mais do que os
typos n’esta materia em que a minuciosidade poderia carear o indecoro.
Nã o é a prostituiçã o um vicio gerado pela corrupçã o das idades modernas ; suas
raizes sã o profund íssimas, e v ã o perder-se atravéz dos séculos, na idade primitiva
do mundo. Todos os dias a historia natural arranca das entranhas da terra testo -
rnunhas irrecusá veis da cólera celeste, quando, fazendo chover quarenta dias c
quarenta noites, fez dcsappareccr uma gera çã o, cujos pensamentos eram todos
.
applicados ao mal Perlustrcmos as paginas «lo codigo sagrado da nossa religiã o,
e a| « uella verdade nos será confirmada por factos numerosos, c pelas declamações
dos patriarchas do antigo testamento. Os horrores de devassid ã o que sepultaram
nas cinzas Sodoma e Gomorrha ; o incesto de Lot com suas filhas ; afilha de Jacob
violada por Siquem ; ocommorcio dos Israelitas com as filhas dosMoabitas ; a impu
d ê ncia de Zainbri entrando, á vista do Movsés, c de todos os filhos de Israel , cm
-
casa de uma prostituta descendente de Sur , um dos mais illustres principes dos Mcdia -
nistas; o derradeiro ultraje que aquolles homens de G á baa fizeram com furiosa lasci -
( l ) PMJID. 18 V. 13 .
31
— — î»
via á mulhor do Levita , eque tanto sangue custou ás tribus tio Israel e de Benjamin ,
I
o incesto de Amuou com a irmfl do Abrahao ; o abuso que este fez publicamcnle da
concubinas de seu pay ; a sensualidade de Salamao que, ainda na velhice, a levou
a mil excessos., a ponto de manter setecentas mulheres c trezentas concubinas, o» < o -
Ihidas d entre as Moabilas, Ammonitas, Sidonias, ellctbeas ; os sá bios preceitos ,
à ecrea da castidade, |uc se acham consagrados nos livros da sabedoria , no Ecclesios
(
theatros essas escandalosas scenas do roubo das Sabinas, cuja representa çã o acabava
sempre pela mais infame prostitui çã o. Tcrtulliano chega a dizer que um arauto,
fazendo a apologia da formosura das representantes, proclamava os nomes destas
victimas, sua morada e o preço porque vendiam sua conqdasccncia. Entã o appareceu
o revoltante cspectaculo de um povo obrigando as mulheres que executavam a m í mica
a uiostrarem-sc todas n ú as, o a se entregarem á todos os dcsordcnad «>s movimentos
da mais torpe lascí via, e isto atò saciar os olhos dos espectadores.
laes foram os horrores de libertinagem que as conquistas trouxeram a Roma , nos
ú ltimos tempos da Republica ; libertinagem em grande parto favoncada pelas leis
concernentes aos escravos, c por aquellas que regulavam a uni ã o dos dous sexos.
Estas leis, a fim « lo promoverem o incremento de uma popula çã o ceifada por conti-
nuas guerras, estabeleciam très formas sob as quaes era contrahido o casamento : o
que se effectuava por confarrcationc, isto é, pelo uso do mesmo pã o que os noivos
comiam logo depois da ccremonia , era aquelle que conferia mais direitos, e mais
nobres t í tulos á mulher ; o que tinha lugar por usucapione,. ora apenas um meio
casamento, pois que se formava pela simples cohabitaçà o durante um anno, com
-
tanto que n ã o houvesse interrupçã o nem do 1res dias consecutivos O
nada tinha de vergonhoso, era considerado como uma terceira cspccie do
. concubinato
casamento,
effcctuado cx sola anitni destination , a que chamavam injusta nuptia
* .
— 8
—
tintrotonto so a torrente »los vicios inundou a republica M i l scut* ultimo* tempos
n sua impetuosidade rompeu todos os di |
(
— .
—. . .
-
( 4 ) Suetonius, vita Tib ( Ó ) Suet vita Calig .
—
( G ) Juvenal Sal . G * .
—
( t ) Plinio lib 21 cap 2 ( 2 ) Suetonius vita Aug. cap. GO. ( )
'
—
fl Facili Ann
— lih 7
. —9—
Domiciano ia bnnhar se - coni os prostitutas «la intima classe ; c d élie escfevto
Juvenal :
Quilii erat nupur tragico pollutus adulter
Cuncubitu, qui tune lege* revocabat amaras
Omnibus, otquc ipsis Veneri Martique timcndas ,
Quum tot abortivis fecundam Julia vulvam
Solveret, et patruo similes effunderet ollas.
Que diremos do imperador , que solemnisou com toda a pompa o seu consorcio
com o eunucho Sporus vestido de imperatriz ( 1 ) ? Que diremos d’esse outro que se
vestiu de mulher para dar a mão de esposa à um escravo que foi elevado ao fastigio das
honras? Nossa penna se recusa a traçar as abomináveis aeções dos Neros, dos Helioga -
balos, e dos Commodos ; c basta o que vai escrito para lermos uma idéa da devassid ã o
que reinou no Baixo lmperio, e que foi uma das causas de sua total ruina. Ora, apezar
-
de tanta deprava çã o os Romanos tinham leis, e leis vigorosas contra a prostituiçã o ;
mas o que podiam essas leis quando os mesmos cheles do Estado eram os primeiros
-
a posterga las ? As mulheres publicas, e aquellas pessoas que mantinham lupanares
eram pela lei declaradas infames; soflriam uma especie de morte civil sendo lhes -
vedado o livre gozo de seus bens, a tutel la de seus filhos, o exercí cio de cargos p ú -
.
blicos, e n ã o se recebendo cm juizo seu testemunho, ou sua accusaçã o Esta macula
n ã o se extinguia pela mudan ça de conducta , e nem t ã o pouco se acceitava a pobreza
como causa justificativa. Para terem o direito de exercer sua profissã o, as mulheres
-
publicas eram obrigadas a inscrever se na policia ; pagavam ao estado uma contribui -
çã o , que se chamava aurum lustrale , e que depois Alexandre Severo mandou em
pregar na construcçã o, reparo, e limpeza das sentinas publicas ; eram extremadas
-
das senhoras honestas por certos adornos, c uma toga particular , d’ onde lhes vem o
.
epitheto de togat œ mulieres Diocleciano eMaximiano deram força ã antiga lei que
inbibia o casamento dos senadores com meretrizes. Constantino, guiado pelo facho
do Christianismo, procurou restabelecer a decencia e a moral , mandando demolir , ou
fechar os templos cm que se rendia a deoses fabulosos um culto obsceno, c dictando
leis violentas a favor das escravas christãs, c contra os autores c complices de rapto
ou sedueçao ; mas n ã o ousou atacar de face n prostitui çã o publica , c abolir seus im
mundos lupanares. Thcodosio o Moço, Valentiniano, Justiniano, &c. , promulgaram
-
da mesma sorte rigidas leis contra a libertinagem ; mas ella havia chegado ao seu
cumulo, e seus furores abateram a soberba Aguia que enchera o mundo com a fama
dc suas conquistas, suas victorias, c por ultimo sua corrupçã o.
Se recensearmos os costumes de povos mais modernos, obteremos ainda factos que
testemunham a universalidade d ’esta chaga social .
Em Cochirn , Calccut, Gôa e Bengala a religi ão auxilia a prostituiçã o. Na Ara
-
( 1 ) Suet
2
- — 10
—
bia as mulheres entregam so aos peregrinos quo v8o á Méca, acreditando que no
fructo d’este commercio ser á estampado um caractcr do santidade. As graciosas bai -
ladeiras da India parecem destinadas a perpetuar a voluptuosidade nesses povos, cuja
servid ão é o opprobrio do genero humano. Em Madagascar, Astracan c outros paizes,
a devassid ã o nas mulheres 6 um poderoso iman para attrahir marido. No reino de
Golconda a prostitui çã o n ão é mal querida ; 6 hereditaria , o fomentada pelo proprio
rei. No Japã o a libertinagem 6 para muitos homens uma fonte do riquezas, e ella é
t ã o numerosa , que os chinezes denominam este paiz o bordel da China.
-
Na Persia d á se ás mulheres publicas o nomo do valor que custam seus favores ; tal
è a relaxa çã o dos costumes.
Nas costas de Guin é, cm algumas ilhas do mar do sul , e em outros paizes, os habi -
tantes est ão no costume de oITercccr suas mulheres aos estrangeiros ein retribui çã o de
qualquer modico presente.
O Laponio pede a seu hospede quo lhe d ô um filho de uma especie mais perfeita do
-
que a sua. Em Taiti ningué m escrupulea de casar se com uma meretriz.
Muitos povos da Africa tem por honra offerccer aos brancos suas mulheres, filhas
e irm ãs.
Na America , e em geral em todos os povos selvagens, que desconhecem este princi -
pio do moral que 6 o fructo da civilisa ção, n ã o se aquilata a castidade das mulheres,
e por conseguinte entro elles a prostitui çã o n ã o é mais do que o oxercicio de uma
funeção natural.
Na Europa a prostituiçã o, ora favoncada ou tolerada , ora acossada pela policia ,
achou sempre guarida no tumulto das grandes cidades. Em Veneza o tenebroso des-
potismo de seu antigo governo, com o intuito de carear o povo fomentando sua de -
sí dia , protegeu ús escancaras as mulheres publicas, c tornou da cidade dos doges uma
nova Corintho. O Concelho dos Dóz, banio da republica todas as prostitutas ; mas
foram tacs os attentados da libertinagem contra a honestidade das familias , que o
-
governo para fazer sobrestar a desordem chamou as de novo para a republica.
Quanto á Ilollanda , citaremos aqui apenas duas palavras de um logiez John Carr,
citado por Sabatier : « O viajante contemplador observa com pasmo que, em um paiz
« na apparencia t ã o mcchanicamcnto moral , c tã o regular como a Hollanda , ha vicios
« que n ã o se esperariam do mais corrompido governo. No seio das mais beilas cidades
-
« acham sc lugares que na infamia levam a barra á tudo quanto ha de conhecido
« nas outras na ções. »
-
Nos Estados Pontif ícios, apezar do celibato forçado, que è lá t ã o frequente, a pros
titui ção è por tal modo, que assim escreve Sabatier , citando um trecho do autor das
Cartas sobre a Italia : ici , diz elle fallando de Roma , la débauché privée est si grä mte
.
qu’ on ne conna î t point de débauché publique ; elle n' est pas necessaire
O que diremos n ós da Fran ça ? Durante o prazo de mais de 500 annos que
durou o dominio dos romanos na Gaula , suas leis e costumes acerca da devassidão
11
— —
publica por som duvida quo deveram ter l á vigor ; mas depois que os barbaros, in
vadindo toda a Europa , trouxeram do centro das florestas, por entre os restos da
-
civilisa çã o romana , suas virtudes grosseiras, o seus vicio* selvagens, os Godos appro
-
priando se de muitas das leis dos conquistadores que os precederam , desenvolveram
-
no seu codigo Alarico contra a prostitui çã o uma severidado, que n ã o se encontra
.
nas leis romanas Todavia que moralidade se devia esperar de um povo, cujos reis
nflo eram mais do que generaes á vidos de conquistas ; cujos magistrados n ã o eram
mais do que ignorantes guerreiros, e suas juntas nacionaes um corpo de soldados
cheios do cobi ça c ardor bellicoso ? Que moralidade esperar de um povo, cujos des
tinos eram o ludibrio das Fredegundas, c Brunehauts ? Que moralidado esperar de
-
um povo, cujo clero ardendo mais pelo temporal do que pelo espiritual , enriquecido
pelo poder que nelle se acostava, se o ß'crecia aos olhos do mundo sem decencia e sem
moral ( t ) ? Mas n ã o foi só desses tempos a deprava çã o dos costumes. Quem ha ahi
que ignore a orgia obscena e sacr í lega da festa dos loucos, e a festa e procissã o so -
lemne que as mulheres de m á vida faziam a Santa Magdalena ? Ellas formaram uma
corpora çã o, que tinha suas regras e seus privil égios ; e a prostituiçã o tornando se -
uma profissã o licita e autorisada perdeu o negrume da infamia. Quem ha que ignore
aquelle injurioso privilegio de cuissage, culage , machette ou prelibation , de que go -
zava a nobreza dos teinpos do feudalismo ( 2 ) ? Exemplos da mais profunda immora -
lidade foram dados ao povo, em diversas epochns, pelos reis, os nobres os sacerdotes,
os monges e as religiosas. Os très filhos de Philippe o Bello queixavam se dos adul - -
té rios de suas esposas ( 3 ). Uma princeza , cuja historia ningu é m desconhece, do alto
da torre de Ncsle lan çava ao sena os despojos infelizes das victorias de sua concu-
piscê ncia. Francisco l.°, cujo espirito cavalleiroso ne voyait dans une cour sans fem
mes qu’ une année sans printemps et qu’ un printemps sans roses, ostentou em sua
-
cô rtc uma luxuria escandalosa. Os ministros de Deos levados pelos embates do vicio,
chegaram , pela enormidade de suas torpezas, a deshonrar o sacerd ócio, a ponto de
que ningu é m ousava patentear este estado, t ã o digno por si mesmo do respeito dos
.
homens E como n ã o aconteceria assim , se a mais extraordin á ria simonia , as decisões
inconsequentes do alguns conc í lios, c as permissões liscaes da córte do Roma, favonea
vam a eITusã oda luxuria ( 4 )? Em certas diocèses os vigá rios vendiam a permissã o de
-
commetter adulté rio por espa ço de um anno ! !! ( 5 ) Isto é tão horrivel que n ã o acha
na historia do mundo um equivalente.
Desconhece algu é m a historia do Catharina de Medieis ; da duqueza de Yalcnti
.
nois ; dos amores de Henrique 3 ° com sua encantadora Gahriella , e tantas outras
-
( 1 ) ltecueil dts Hist , de
France.
( 2 ) Este direito era o de dormir com suas » assallaa na primeira noito
do suas n ú pcias. Os bispos v
abbades fru íam també m este direito na qualidade de altos barões que eram ; o os conegos de Leã o aos
.
quacs e.le íui contestado, ousaram revindical o ( Voltaire Essai sur les M œ ura ).
-
.
(3) Millet. Abrigi de l’ Hist . de France. ( I ) Idem. (5 ) Villy Hist , de France.
- 12
—
que alimentaram sua ardente luxuria ? Quando se esquecerá a villa escandalosa do
cardeal de Richelieu ; e as honras quo Luiz XIV fazia impudenteniente tributar ás
mulheres em quem elle cevava sua nitnia sensualidade ? Quando se perderá a lem
bran ça daquella famosa Pompadour que, á poz o rendimento de Luiz XV , conquis
--
tou os destinos da Fran ça , e que foi substitu ída por uma mulher acordada do lixo
. de um alcouce na sumptuosidade do palacio dos reis ? Este monarcha juntou ás suas
pagodices secretas o espectaculo de seus amores p ú blicos, e seu exemplo, contagiando
a corte, e em seguida seus vassallos, entornou sobre o povo toda a peste da prosti
tui çã o.
-
N ã o acabar í amos se fossemos aqui a reproduzir os centenares de exemplos de
corrupçã o que fervem na historia da Fran ça. Este pai* é aquellc que por largos an -
nos tem dado ao mundo o programma da civilisa çã o, e a historia de seus vicios
è pouco mais ou menos a historia dos vicios da Europa. Assim pois, para nao trans
pormos as raias de nosso proposito, concluiremos o bosquejo do quadro da prosti
--
tuiçã o n ’ aquella parte do globo com o que d’ ella refere Sabatier. « Nas grandes cida -
« des da maior parte dos estados da Europa sã o muito numerosas as casas de de
« vassid ão, e indistinctamente espalhadas por todos os districtos. Afó ra as mulheres
-
« habitualmente publicas, muitas raparigas, por vaidade, precisã o, ou libertinagem,
« juntam de modo occulto ao exerc í cio de uma profissã o qualquer o trafego in
« fame da prostituiçã o. Apenas cahem as sombras da noite, as prostitutas da inlinia
-
« classe sabem em bandos para a rua , levadas pela impud ê ncia , e muitas vezes
« vexadas pela fome, a provocar os que passam ; e ent ã o suas cynicas importuna
« çoes n ão respeitam o moço, nem o velho. E, para cumulo de escandalo, ha paizes
-
« onde a policia , longe de reprimir taes attenlados contra a moral publica , a pre -
« texto de direitos de visita , levanta um imposto sobre as prostitutas, obriga-as a que
* recebam patentes de crapula e libertinagem , c n ã o se pé ja de disputar a estas
« desgra çadas um pã o de d õ r e de opprobrio. »
Depois de havermos revolvido a historia do velho mundo, era mister que alguma
cousa dissesemos acerca da nossa patria ; mas onde ir colher os factos para os aggre
garmos, e compormos també m a historia dos nossos vicios ? Ella jaz sepultada nas
-
trevos, e n ós exultamos, por que este mesmo silencio dos escriptores testifica , que
-
em nem um tempo a libertinagem deu aqui escandalo tal , que chamasse sua atten çao.
Tribus numerosas de selvagens mais ou menos ferozes que, se em nada estimavam a
virtude da castidade, també m n ã o conheciam as desordens da luxuria que são a
praga das na ções cultas; soldados, marinheiros, aventureiros, c homens depravado«
que a m é tropole para aqui enviava , como para expiarem seus delictos, taes foram as
primeiras condi ções que naluralmento houveram de alimentar a prostituiçã o neste
novo torrã o. Oro , sendo a prostituiçã o um mal , cuja gravidade depende de muitas
circurnstancias inh é rentes à civilisa çã o, taes como o luxo c a misé ria , e n ã o se dando
estas circumstandias no Brasil , paiz vasto o rico, onde n ã o brilhavam as pompas do
- - 13
uma còrte, nem desgostavam os gemidos e os desespera ções do fome, |>or sem duvida
-
que lambem a corrupção n ã o poderia apresentor so com a horrí vel catadura d aquclia
que assolava a moral na Europa. A civilisa çã o, tendo de atravessar longos mares, e
de vencer a barbaria dos indigenas e dos negros africanos que vinham sondo intro -
duzidos , o espirito de servid ão politico, c a ignorâ ncia e rudeza da maior parte dos
-
Europeos que aqui vinham aventurar se, a vastid ã o do solo, a indolê ncia produzida
pelo clima e a fertilidade do terreno, à c. &c. , a civilisa çã o, dizemos, foi tarda em
sua marcha no llrasil que por longo tempo supportou a condição de uma colonia
para a qual Portugal , a bra ços com outras conquistas, n ã o podia enviar sen ã o parcos
recursos. A chegada da efirte portugueza ás praias do Janeiro, o brado de indepen
d ê ncia levantado por um principe generoso que preferio a magestade selvagem
-
dos bosques Americanos ao esplendor das velhas crtrtcs da Europa , sá o aconteci -
mentos que deram prodigioso impulso 6 civilisa çã o do Hrasil : os historiadores narram
••« tes factos ; mas para gloria nossa , elles nao vem conspurcados com os horrores
de inhumanidade e corrupçã o que mancham as paginas da histeria de outros povos :
os escritores referem os costumes particulares dos indigenas ; mas nada contam
acerca dos costumes moraes da parte culta da popula çã o brasileira. Conjccturamos
por tanto vehementementc que nunca a prostitui çã o alçou aqui seu eó lio impudico
com aquella ardideza e despejo que alardeou no Velho Mundo.
-U —
ESTADO ACTUAL DA PROSTITUIÇÃ O
NO RIO DE JANEIRO .
Livremtnte
Discorramos por esta scena do homem ;
Labyrimho fatal, mas alo sem piano ;
Campina , onde a flor nasce a par de abrolhos ;
Jardim que tenta com vedados pomos
POPE
——
Trad.
ENSAIO SOBRE O HOMEM
. —.
de F . B M . Targini
PROSTITUI ÇÃ O PUBLICA.
As breves considera ções que levamos expendidas sobre o caracter geral dos costu -
nies da popula çã o do Rio de Janeiro, hão já deixado entrever qual seja o caracter
que reina na classe miserá vel das prostitutas ; porû m para que elle se torne mais sa -
liente é mister descer á particularidades. A prostitui çã o publica nesta cidade 6 exer-
cida por mulheres de todas as cores, de muitas prov í ncias e na ções, e descenden -
tes pelo commum das classes mais baixas da sociedade, e podem ser classilicadas cm
très ordens, segundo o maior ou menor luxo c a p para to com que vivem, Esta clas -
sifica çã o è inteiramente arbitraria e defeituosa , pois que o luxo que lhe serve de base,
nado lendo de fixo e positivo, e admittindo muitos gráos, deve baralhar as très
ordens que estabelecemos, quando se quizer tratar de individualidades ; todavia é a
que melhor cabe em uma disserta çã o, e a que nos basta para mcthodizarmos nosso
trabalho 2 '
As mulheres publicas da 1.’ ordem , frequentadas só mente por aquellas pessoas que
podem retribuir seus favores com generosidade, moram isoladas, em casas de so-
brado decentes, e bem ornadas, vivem em tal ou qual opul ê ncia , e trajam com
todo o primor da moda ; olham com desprezo para as suas companheiras que estã o
em escala inferior , e affectam em publico um ar de honestidade que di íTicilmente
deixa transparecer a fealdade de sua conducta. Esta ordem de mulheres porta se -
em geral com dccencia , c o trato frequento que tem com pessoas de uma cduca çao
delicada lhes faz adquirir certo grão de cortezia , de cultura o do urbanidade em
suas maneiras e em seu fallar : n ã o se encontra n’ ellas a desenvoltura , o despejo
immodesto, a torpe lascí via das ordens inferiores ; jamais permittem que em sua casa
se congregem os libertinos para representarem sccnas do devassid ã o, e vivendo sem
pre na maior tranquilidade, n ã o incommodam as autoridades, nem offendem o
-
pudor de seus visinhos com aeçoes escandalosas. O numero d ’ estas mulheres õ muito
-
limitado, c seu luxo n ã o pode comparar se ao fausto c opul ê ncia , que em 1'aris
ostentam as prostitutas d esta ordem , que « I ã o sumptuosas reuni ões em suas casas,
onde a mocidade vai esbanjar a saude c a fortuna , como refere Duchâ telet. Nã o
-
exercendo nein uma profissã o util, entregues inteiramente à ociosidade, n ã o pen -
sando no futuro que as aguarda , estas mulheres jamais se convencem da verdade in -
( 1) N ã o se casa muito bem o adjectivo clandestina com a accepçà o ligorosa da palavra prostituição ;
mas empregamos a frase por seguirmos os distinctos cscriptores que h ã o tratado d’ esta materia.
( 2 ) l ’ arent Duchâ telet dcscrcvco ã
t o minuciosamente a prostituiçã o na cidade do Paris que teremos
-
muit.v \ ezes do confrontar o quo elle
refere com isto que se passa entre n ós : e nem podemos deixar
de fazer cumparaçoes quando se tratar dc mostrar di íferenças. Só o infinito é absoluto. N ã osetomo
pois a rai parte o nosso pensamento, escolhendo aquelia cidade para nossa medida .
— -
—
18
-
contestá vel de La Rochefoucauld / /y <i peu de femmes dont le menie dure plut
vao passando com seus dias e s« u
Hue la beauté ; os attrativos de sua mocidade *
-
prazercs, e uma velhice prematura vem sorprendel as no meio da carreira da vida ; »;
d ahi a pouco, precipitadas nos mais iminundos
'
lupanaro . vao vender á popula ça
as reminiscê ncias de seus passados encantos, para d ahi percorrerem com as intimas
'
cantoneiros o caminho que as conduz á misé ria , Este é dc ordin á rio o seu termo;
mas consta que muitas juntam um capital sufliciente para as collocar ao abrigo
-
das necessidades ; algumas tem se casado, e outras acabam na mancebia E bem .
singular quo rar íssimas sejam as fluminenses que conseguem elevar se á l.‘ or-
-
.
dem das prostitutas ; quasi todas sSo estrangeiras ou provincianas Isto depende
-
certamente de que quasi nunca pode rodear se de prestigio a mulher a quem vimos
dar os primeiros passos na carreira da devassid ã o.
A 2. * ordem das mulheres publicas é talvez aquella que mais avulta no Rio de Ja -
-
neiro ; acha se disseminada por toda a cidade ; poróm o seu maior numero ha -
, bita as ruas comprehendidas entre o campo da Accla mação e a rua da Valia ; ellas
moram quasi todas, sós ou reunidas á mais uma , e quando muito duas companheiras,
em casas terreas, em pequenos sobrados, ou nas lojas dos sobrados maiores ; e tem
-
de tal sorte conquistado aquelle districto que nem uma familia grave, a n ã o ser
muito pobre, se sujeita a morar nas pequenas casas de que elle abunda, para n ã o vi -
ver continuamente sitiada pela immoralidade, e receber por engano as facécias dos
casquilhos que andam a passear ás damas. Estas mulheres sã o frequentadas pelas
classes da sociedade que medeiam entre a popula ça e as pessoas abastadas ; n ã o vivem
com apparato , e pelo contrario muitas descem abaixo da mediocridade ; mas gostam
-
de ataviar se quando sahem á rua , e com eííeito n ã o sã o as ultimas a trajar á moda ,
-
ainda que no interior dc suas cosas sã o pouco cuidadosas de aceiar se : sã o em
geral muito ignorantes, mal educadas, incapazes de reflex ã o ; vivem na mais completa
cataceria , e a lembran ça do futuro jamais vem perturbar seus pensamentos des -
bonestos, e fazer parar o curso de seus prazeres : mudam de casa amiudadainente, o
-
conservam se por muito tempo às janellas, onde gostam tie entreter conversa ção
com os conhecidos que passam. Se est ã o infectadas de syphilis n ã o fazem escr ú pulo
de transmittir este veneno que ellas procuram occultar por todos os meios, e n ã o se
soccorrcm á medicina sen ã o quando o mal os tem tornado por tal modo nojentas,
que o asco é o unico sentimento que inspiram ; e ainda assim nunca seguem á risca
as prescripçòcs do medico , e mal sentem visos de melhoramento , investem de novo
os incautos que se deixam vencer « le seus artifícios. Ein geral n ã o
aflectani estas
prostitutas o decoro que impõem as mulheres da 1. * ordem ; seus olhos reverberam o
fogo da sensualidade que as consume, suas faces impudicas revelam a degradação de
sua alma : n ã o obstante ás janellas, ou em reuni ões populares, seu procedimento
nunca é tal que derrame o escâ ndalo que se nos conta de outras cidades, e se bem que
com seus mira men tos despeitosos procurem vingar se do desprezo com que sã o
— —
10
olhados pelas senhoras honeslas , nunca levain o ardi men to ao ponto de desacata
las. K* nesta ordem que existo um grande numero de mulheres de có r , e de portu
-
-
guezas que, vindas dos A çores para aqui se empregarem nos trabalhos dom ésticos
ou outros quaesquer , correm-se de coincidir com as escravos, e procuram na prosti -
tui çã o um meio do vida mais suave e ganancioso ; e t* de notar que sã o estas mu
lheres, pola maior parte, as que apresentam menos recato em seus gestos, e em sua
-
linguagem .
.4 3.* ordem de prostitu í as 6 o complexo de tudo quanto ha de mais baixo, torpe e
immundo ; ó o receptaculo d 'aquellas de classes superiores cujas gra ças deslustra
das pelos annos, as moléstias, ou a ferocidade dc sua concupiscê ncia , tem desbaratado
-
o circulo de seus adoradores ; é a feira da carnalidade da gentalha , onde se lhe ba
rat é a brutaes prazeres. Estos rameiras habitam os mais sordidos casebres, onde se
-
reune o refugo dos libertinos para se entregarem à crapula , e ás demasias da sensua -
-
lidade ; tendo se n’ ellas apagado os derradeiros vest í gios do pudor , espancam a de--
cê ncia publica com suas vocifera çoes obscenas, seus adem ã es deshonestos, e s«* us ges
tos libidinosos ; vivem em continua desordem com suas companheiras ; sã o inso -
lentes, detestam a quem as despreza , e sua cólera quando arrebenta , arrevessam chu -
fas, improp é rios e doestos, dos quaes o menos torpe, é uma blasfé mia , ou uma affron -
-
ta , e ent ã o n ã o respeitam lugares, nem pessoas : lazeradas pelas mol éstias ou as ne
-
cessidades, passam seus dias einpegadas na sordideza , definhando se na inaeçá o,
- -
queimando se na crapula , c extenuando se nas desordens da lascí via ; e quando chega
a noite são vistas ás janellas, ou ás portas das tabernas, rodeadas de magotes do
badajos rendendo-lhes ascósas homenagens, ou hargantoando pelas ruas em compa
nhia de seus apaixonados, que as seguem tocando viola , c soltando palavras quo
-
o decoro nao tolera. Todavia isto n ã o é muito frequente, e nem póde comparar so
com aquelle excesso, que os escritores nos referem 1er lugar nas cidades mais popu
--
losas da Europa. Ás trindades vê-se com efieito nas extremidades superiores das ruas
dos Ferradores, Sabã o, S. Pedro , Hospício, &c. , uma multid ã o confusa de homens,
de quasi todas as classes, parados á s janellas, em conversa çã o mais ou menos des -
comedida corn as mulheres publicas ; poré m às dez horas da noite a cidade está de -
.
serta , e tudo jaz em silencio E’ nesta ordem de prostitutas que a syphilis produz
mais devasta ções, o toma as formas mais horriveis : as desgra çadas n ã o tendo re -
-
cursos para tratarem suas enfermidades, e n ã o querendo t ã o pouco receber a m ã o be
neficente que lhes estende a Santa Casa da Misericórdia , para a qual olham com
-
horror , avezam so ao mal que as devora , c quando o vigor de seu temperamento n ã o
as lan ça na pedintaria , expiram atrozmente suppliciadas com a tortura d 'aquellcs
dc quem disse Lucrecio :
Sä .
Duchâ telet e outros Nfio temos aqui os collcgios de prostitui
, que s o sempre uma es pecuIa ção
çã o de l ans ,
commercial por
, g*.
aqucl -
nuinos lupanares ou bordeis ã
mullirr . em
les indiv íduos que os instituem. N 'essa capital um homem , ou uma
, , maú
qualquer estado, tira uma provisão da policia para montar uma casa tolerada ojj |
tôlerie ) , como hoje dizem os francezes, envia meia d ú zia de mulheres a recruta -
rem prostitutas, e estas desgra çadas, devoradas pela fome, a troco de um aposento,
-
roupa e alimentos sujeitam se a vender seus favores a prol do propriet á rio do es -
tabelecimento , que muitas vezes enriquece. Aqui n á o temos a numerosa quantidade
de proxé nètes de Paris, verdadeiras corretoras de devassid ã o, alcovitando debaixo do
apparato do luxo o mais sumptuoso, e debaixo dos trapos da misé ria ; as marcheuses ,
vagabundas cujo oflicio é um arremedo do precedente ; as filies á soldats et des bar -
riè res , vagando em torno dos aquartelamentos para provocarem os soldados á liberti-
-
nagem , e das quaes contam se horrores ; as pierreuses ou femmes de terrain , que,
tendo envelhecido na infima classe da prostitui çã o, occultam-se de dia para á noite
-
irem conluiar se com os malfeitores, e os sodomitas ; as filies publiques voleuses , cujo
nome bem indica que a prostitui çã o n ã o ó para elles mais do que uma capa que
encobre uma industria de outro gencro, &c. N ão temos aqui essas mulheres que os
francezes denominam tribades , cujo \ icio torpe revela o ultimo grã o de corrupçã o a
que pode chegar a humanidade, vicio do qual Duch â telet nos refere factos horrorosos ,
e que jà uma vez chamou a cólera Divina sobre aquella cidade da Palestina , em
que Abrah ã o n ã o achou déz justos para a salvar das chammas. N ã o temos esses bar -
gantes que vagam pelas cidades da Europa , ruliando vergonhosamente por profissão,
abalroando a mocidade incauta , e á face de todos fazendo moeda da moralidade
publica. Por muito corrompida pois que nos pareça a classe das mulheres que nesta
ehrte exercem o ign ó bil olíicio da prostituiçã o, ella n ã o é sen ã o um reflexo do
que se passa em outros povos ; mas se somos tã o felizes por este lado, somos bem des
gra çados pelo lado da hygiene : n á o temos regulamentos policiaes concernentes a
-
este objecto, n ão tempos hospitacs de venereos, n ã o temos casas onde se refugiem
aqucllas mulheres que , pungidas do arrependimento, sentem a necessidade de aban -
-
donar o caminho de erros que levavam ; n ã o temos íinalmente nem um d esses meios
que hoje empregam as na ções da Europa para quebrar a viol ê ncia á
torrente da
syphilis.
( U HavUmoa j& terminado este artigo,
..
on seis alcouees onde sete ou pouco maior numero de prostitutas
devassam seus .
,
quando alguém noa referio que já existem neata cap
muno ordinanas, e que n o permanecem por muito tempo cm taea cam . Nem favores Sio mulheres
tal nuatr -
- um homem decente ou*a
- 21 - as ordens que enum « --
Se bem que o luxo estabeleça entre os mulheres de partido
rimos, ha entretanto costumes e caracteres physiologicos o moracs que sèo commun *
ã todas e em quasi todos os paizes. Fallareinoa dos principaos. As prostitutas
, ainda
o guarda
que façam alarde de sua prolissá o perante os homens cuja conversa çã o n á
as regras da decencia , conhecem todo o mal que praticam , acham se - constrangida *
na presen ça das pessoas de vida illibada , das mais de fam í lia , e das senhoras hones -
uru
tas e virtuosas ; tcin consci ê ncia de toda a sua abjecçã o, silo para si mesmas
objecto de horror, e estes sentimentos sã o talvez a causa do desprezo e do odio que
cilas tom umas pelas outras, quando n ã o estã o no mesmo ni \ cl de belleza e de for -
tuna : n ã o ignoram os princí pios fundamentacs de nossa religiã o , embora os n á o
pratiquem ; mais respeitam os objectos sagrados, e nos templos, ou ante os symbolos
da nossa cren ça , ellas se humilham como clirist ã s , ou ao menos n á o commettent
ados indecorosos: ha at é algumas, cuja devoçã o ardente contrasta de uma maneira
singular com seus costumes depravados.
Dotadas em geral de uma mobilidade de espirito indisive) , a reflex ã o n ã o se
casa corn o bul ício de suas id éas, que de continuo borbulham por n ó n á das, e por
isso o presente n ã o as inquieta , e nem cabe cm sua acanhada intelligencia a vasta
perspective do futuro. Isto denuncia a necessidade que cilas sentem de um perpe -
tuo movimento, que as leve de rojo por variadas situa ções, e d 'aqui proven) que
ellas preferem o enfado da iné rcia á monotonia dos trabalhos que lhes sã o proprios.
Tanto desprezo ha da classe superior para inferior , e tanto odio d’ esta para aquclla ,
quanto na mesma classe as prostitutas palenteam toda a humanidade que distingue
o seu sexo, se porventura se trata de acudir á uma enferma , ou valer em um desas -
tre inopinado, embora tenham a convicçã o de que a gratid ã o n ã o lhes retribuirá
seus cuidados, suas fadigas c seus favores. Parece que cilas sentem o abandono
em que as deixa o mundo inteiro , e que, n ã o podendo esperar sentimentos de coni-
inisera çã o sen ã o de suas iguaes, pretendem com sua caridade nem só vingar se -
do desprezo com que sã o tratadas, como també m grangear um direito á miseri
có rdia de suas companheiras, quando d’ella precisarem ( 1 ). Do naufragio continuo
-
do pudor salvam as prostitutas algum resto d este sentimento ? Em geral , e pelo
menos nas duas primeiras ordens, n ã o é sem muita dilUculdade que ellas expõem
-
aos olhos do medico certas enfermidades ; e basta nos este facto para nos conven
cermos de que o pudor é sentimento tã o arreigado no cora çã o das mulheres que ,
-
ainda n 'aquellas cm que elle se perde, deixa vest í gios indelcveis. A gluloneria , o
gosto que muitas tem dos licores fortes, o dcsaccio nos objectos que n ã o sã o de
adorno corporal , e que 6 levado a extremo na classe infí ma ; o costumo de mentir
proveniente da posi çã o falsa em quo se acham , c adquirido pelos embustes
a que
recorrem para embairem seus affei çoados, ou as autoridades, a loquacidodo extraor
-
(I )
-
Tem s tr iudo alguma * desta desgraçada», âs quacs suas
.
paci ê ncia verdadeiramentc evangé lica
* companheiras »c dedicavam com urna
5
— — 22
dinaria q no sólio do ponto quando assoma n colcra , o extremo dose jo do figura -
rem pcla elcgancioc explcndor do seus atavios, ore , sã o outros tantos caracteres que
extremam a gangrena da prostitui çã o da parte sa da sociedade.
Pelo lado physiologico as mulheres puhlicas soíTrem també m certas modifica ções
que importa conhecer. A menstrua çã o, sujeita nesta classe de gente á um sem
numero de circumstancias que directa ou indirectamcnte in ílucni sobre o excercicio
d'esta funeçã o, n ã o póde seguir aquella regularidade estabelecida pela natureza , e
que tem lugar em condicçoes oppostas. Seria mister para avan çar uma proposi -
çã o geral acerca do modo porque succéd é esta irregularidade, fazer colheita de
um grande numero de observa ções : ora faltam aqui todos os meios precisos para
as obter , e por tanto n ã o se pode aventurar mais do que conjecturas, fundadas sobre
o estudo das causas que podem concorrer para o desarranjo da menstrua çã o. Francis -
co Ignacio dos Santos Cruz no seu tratado sobre a prostitui çã o na cidade de Lisboa
conclue dos factos, que as mulheres publicas sã o em geral menstruadas com menos
abundancia do que as outras pessoas do seu sexo ; mas Duch â telet, fallando das
de Paris, assevera que n ’ellas esta evacua çã o se opera com muita irregularidade , e
n òs nos ageitamos antes á proposiçã o do escritor Francez , e acreditamos que ella
acha cabimento nas meretrizes do Rio de Janeiro. A temperatura elevoda do nosso
clima , o uso t ã o vulgar de condimentos excitantes, taes como a pimenta , & c, o
emprego commuai de banhos quentes, os excessos nos prazeres venercos, &c. Ac. , sã o
causas antes para excesso do que para diminui çã o da evacua çã o menstrual , e é o
que n ós temos observado.
A esterilidade das prostitutas ó uma cren ça popular fundada sobre a raridade dos
partos nesta gente, e esta cren ça õ uma exaggera çã o dos factos ; mas em verdade ellas
sã o muito inenos fecundas do que seriam se por ventura n ã o levassem uma vida de
tanta libertinagem , e ainda assim n â osã o t ã o raras, como se pensa , as mulheres que
recebem em seu ventre o fruclo da concepçã o ; o que succéd é frequentemente é que
elle n ã o chega ao seu termo de desenvolvimento, porque aborta á força de tentativas
criminosas, ou dos excessos inherentes á vida de voluptuosidade que suas m ã is pro
fessam . Nã o sabemos se aqui a prostituta , que sente palpitar um lilho em suas en -
-
-
tranhas 6, como refere Duch â telet , o objecto do respeito, das atten çóés e das solici
tudes de suas companheiras ; é muito prová vel que n ã o aconteça assim , porque ellas
habitam isoladas em suas casas, c n ã o em communidade como na Europa ; mas o que
ê notorio é o cuidado com que as m ã is, ainda n ã o precipitadas na ultima corrupçã o,
velam na educa ção de seus filhos. Fm presen ça dcllcs refream seus impulsos vergo -
nhosos, e ostentam gravidade e decencia ; empregam todos os meios para os elevar
-
á cima da condiçã o cm quo nasceram , dedicam se com ardor ao futuro que lhes pre -
-
param ; mos forçoso é dizel o, raras vezes estes desgra çados fructos da devassid ão
-
medram perfeitos ; a seiva alterada , que lhes leva a nutriçã o, corrompe os quando
ainda verdes, c mais tarde caliern apodrecidos pelo germem mort í fero que os alimen -
- 23 -
tou . Ha muitas mulheres na classo das cantonoiras que apresentam uma voz *mgu -
larmente rouca e grossa , o que nos parece depender em grande parte da inconti -
n ê ncia a que se entregam , c de uso immoderado de bebidas alcoholicas. A estas «luas
causas accrescem quasi sempre catarrhos pulmonares cbronicos despresados, que ata
cam frequentemente aquellas, cuja misé ria lhes não deixa meio de se livrarem das
-
intempé ries atmospboricas ; mas releva notar que a altera çã o da voz nflo sobrevem
nos primeiros annos do exercício da prostituição, nem nas mulheres que sã o mais
voluptuosas ; o que prova que n ã o é tanto a incontin ê ncia a causa do phenomeno,
como a crapula , as bronchites e a misé ria que as favorece. Por ultimo : as mulheres
publicas no Rio de Janeiro oíTereccm uma apparencia de saude ? Será dilTicil respon -
-
der de um modo positivo h esta quest ã o ; mas pode sc, sem temor de errar muito,
avan çar que as prostitutas que vivem em tal ou qual abundancia , gozam , ou pa -
recem gozar uma saude vigorosa , c que as outras, que vrvem na mediocridade ou na
pobreza , n ã o podem encobrir aos olhos do medico perspicaz a syphilis de que estã o
contaminadas ; e se alguma d essas Messalinas mostra entonada um carã o rubicundo,
desconfiai d’ella : esta n ã o é a cò r das meretrizes, c a crapula tinge muitas faces desV
coradas pela sensualidade.
PROSTITUI ÇÃ O CLANDESTINA .
Este mal terrível está mais dii ïundido no Rio de Janeiro do que se pensa ; inas n ã o
seremos n ós que nos commetteremos o encargo de levantar totalmente o véo im -
mundo que cobre tantas feridas moraes, para devassarmos toda a sua fealdade ; e tra
tando somente de alguns fados, que todos os dias se revelam aos olhos do publico,
-
prescindiremos de outros que fariam gemer a imprensa com o peso de sua vergonha.
Ainda neste ponto muito diffé ré nas formas a prostituiçã o que se exerce n ’ esta Ca
pital d aquella que tem lugar na Europa , porque n ’ essa regi ão cada profissã o é uma
-
capa debaixo da qual se esconde este vicio, c n ã o havendo aqui tanta variedade nos
meios de viver , n ã o 6 t ão variada a face da prostituiçã o clandestina. Lá uma mulher ,
arremedando o officio de parteira, dentista , enfermeira , alugadora de criadas, pintora ,
lavadeira , modista , costureira , &c., estabclecf uma casa de verdadeira prostituiçã o, onde
se occultant aos olhos da policia , c muitas vezes de seus parentes, meninas em as quaes
a puberdade começa apenas a despontar , e que por isto sã o por alto preço sacrificadas
á perversidade dos libertinos. Ora , n ã o intervindo de modo algum a nossa policia na
-
prostituiçã o publica , n ã o lia també m a necessidade de subtrahir se qualquer á sua
perspicá cia , e consequentemente in ú til ó a funda çã o de taes casas ; mas toma outro
geito aqui a libertinagem que se exerce clandestinamente. Todos sabem que a
castidade n ã o 6 sentimento que se cultive no cora çã o do Africano , ou do crioulo em
brutecido pelo captiveiro. Que esperar pois de uma multid ã o dc escravas que muitas
-
vezes por mero luxo obstruem nossas casas ? Aquellas que sabem á rua v ã o por baixo
preço nutrir o nosso cancro moral , acudindo ao primeiro que as reclama , ou re -
- 2i -
presen tu r nas sccnas escandalosas de libertinagem c desenvoltura que homens, que
.
não são negros, despejadamente offerecem nas sórdidas tabernas, a çougues, ác , d esta
capital aos olhos das fam ílias visinhas , ou que incidentemente váo passando : e aquel
las, cuja missã o 6 estarem sempre occupadas em servi ços internos, e á s quaes é se
--
-
dada toda a communica çSo com o exterior da casa , entregam se á uma sorte de
prostitui çã o, cujos efleitos moraes sã o talvez mais damnosos, c contagiam com mais
.
intensidade, do que essa que se apresenta sem rebu ço Ningué m ignora as desordens
domesticas que frequentemente suscita uma escrava. Quantos homens ha por ahi
-
que deixam o leito nupcial para irem conspurcar se nas immundas senzalas onde
dorme a escrava , que 6 preferida á uma esposa terna c amavcl ? Taes desatinados
esquecem que mais tarde a injuria , que atiram ás laces de sua mulher , ser á vingada
pelo adulté rio, e vociferando contra aquella , que n ã o fez mais do que seguir seu exem-
plo, promovem explosões de escandalo, e lan çam ao dominio do povo segredos,
que retalham profundamente sua moralidade.
N ã o proseguiremos na revela ção de factos que poderiam fazer resvalar nosso dis -
curso para a obscenidade; factos que n ós todos conhecemos, e que , se os mencionamos ,
í* por que n elles reside uma causa poderosa dc prostituiçã o, e por consequ ê ncia de
contagio syphilitico, do qual temos de tratar.
Ha uma outra sorte dc prostituiçã o que pelas circumstancias que a cercam , e pela
escurid ã o em que se occulta , n ã o inllue sen ã o muito secundariamente na morale
saude publica : fal í amos de algumas mulheres que, conservando um resto dc pudor
suflicienle para as fazer respeitar e temer o tribunal da opini ã o publica , tiram do
exercicio infamante da desbonestidade o que lhes falta para occorrerem ás necessi -
dades da vida ; mas estes casos n ã o sã o frequentes.
lJclo que havemos exposto já se \ ô que a face da prostituiçã o, na Capital do Brasil ,
n ã o apresenta os sulcos profundos de desvergonhamento, misé ria , criminalidade e
extrema corrupçã o d ’ aquella da Europa , e que as condições exccpcionaes da nossa
organiza çã o social , juntas á negligencia com que é olhado este ponderoso objecto,
-
sã o as causas desta di íferen ça , fazendo dispensar a prostitui çã o publica pela devassi
d ã o privada ; mas també m estas mesmas condi çocs devem muito auxiliar a propaga -
çã o da syphilis, veneno subtil e terr í vel do qual se p óde dizer o que disse J . B. Hous-
seau da lisonja:
Serpent contagieux, qui des sources publiques
Empoisonne les eaux .
— —25
CAUSAS DA PROSTITUIÇÃ O.
CAUSAS COMMUNS .
Kescipe primam
Et scrutare viros : faciunt hi plura ; sed illos.
Défendit nutnerus, junct æque umbone phalanges .
Magna inter molles Concordia : non erit ullum
Exemplum in nostro tam detestabile sexu.
Quando o satyrico Juvenal emprestou a Lauronia estes versos, bem sentia que era
.ao homem que cabia a maior carga dos v ícios da mulher ; e na verdade, aquelle que
a denomina sexo fragil , que se jacta da força e poder que o distinguem , que Ibe im -
põem a castidade por virtude, 6 aquelle mesmo que primeiro a ensina a desprezar
este sentimento , a rod éa de seductoras caricias e promessas para entrega la depois
ao tribunal inexorá vel da opini ão publica , cujo presidente e primeiro algoz é sempre
-
.
o proprio que perante elle arrasta a victima Tenra , timida c recatada ella n á o
-
tivera ousado ir por si mesma procurar o prazer , ao qual deixou sc levar , se a pros
tituiçã o n ã o viera primeiro ao seu encontro guia -la para o vicio , cujos perigos ella
-
.
nem sabia calcular O que far á ent ã o uma pobre menina , abandonada e até des -
presada pelo seu scductor ? Repcllida do seio de sua fam í lia , coberta de inf â mia ,
vai estender uma m ã o supplicant « á brutalidade publica , vendcr -1 be os despojos de
seu amor infeliz, para achar um abrigo onde se livre da misé ria que se Ibe antolha
-
horr í vel , e dentro em pouco ei la mergulhada no enxurdeiro da prostitui çã o publica.
.
Por isso com razã o disse Mme. de Sta ë l . 0’ femmes ! vous , les victimes du temple
où l’ on vous dit odorées ! Si les hommes environnent d' hommenages les ann ées de
notre jeunesse, c’ est pour se donner l’ amusement de renverser un trô ne.
Nã o é nosso intuito cohonestar a desgra ça « la mulher que transpoz as balizas «la
honestidade ; bom sabemos que a castidade n ã o seria um m é rito, uma virtude, se
n ã o custasse nenhum sacrilicio ; mas protendemos fazer saliento, que uma primeira
falta è sempre a causa , que conduz a mulher ao prost í bulo , e que o homem é
quem a empurra. E depois ? Para aquella a deshonra , a infamia, o ostracismo moral;
c para este ?
Dat veniamcorvi », vetat censura Columbia ( l )
-
a fome roer lhe as entranhas ? A despó tica misé ria arremessa a dc encontroa luxuria ,
-
.
eum prost í bulo é o seu paradeiro Será esta a maxima da mulher indolente, que , abor -
recendo o trabalho, enxerga na libertinagem um fé rtil campo ondo bastar lbe hã - -
estender a m ã o para colher o pomo que a deve alimentar, sem soffrer as íadigas
do trabalho ? A fallaz c meiga pregui ça a conduz pela m ã o á concupiscê ncia , e um
.
prost í bulo è o seu paradeiro Ser á esta a maxima da mulher vaidosa , que vivendo
em uni século cm que um trajar simples e pobre é já umopprobrio, se deixa fascinar
por esplendido vestido que ella deseja tanto mais quanto elle a eleva á cima da con -
diçã o em que nascco, olhe grangôa os olhares, atten çòes e inveja de suas iguaes,
e a colloca de alguma sorte entre aquellas de quem se reputa desprezada ? Este 6
um dos lados vulner á veis das mulheres, cujos princ í pios uioracs tem pouca consist ê n
cia : desejam brilhar c apparcccr com visos dc oppulencia , para carcarem uma alta
-
considera çã o, e encontrarem assim uma indemnisa çã o às priva ções numerosas que
soffrem cm segredo ; a esplendentc vaidade deslumbra -lhe a razã o, sufioca a no
prazer dos sentidos, c um prostibulo è o seu paradeiro.
-
Quando sc compara o preço do trabalho de uma mulher com aquellc que é o pro
ducto de sua deshonra , e se computam os salaries, muito abaixo das necessidades da
-
vida , que ella ganha em geral coma sua agulha , o homem é forçado a deplorara
sorte destas infelizes que precisam molhar seu pã o no lodo da prostitui çã o para pode
-
-
rem alimentar se, c a reconhecer que a falta de trabalhos c as m ódicas ganancias
sã o uma causa que nas cidades industriosas o muito povoadas, levam
as mulheres a
viverem do ouro que gira na dissolu çã o publica. Esta verdade acerba molesta o cora
çã o d aquellc que se dóe das misérias humanas ; mas ha outra
verdade n ã o men os
-
.
real , e mais afilicliva Pais desnaturados, c maridos perversos,
ainda esquentados
pelo vapor das orgias em que passaram a noite , n ã o voltam muitas vezes ao seio dc
-
suas lamilias sen ã o para trtizer lhes a desordem domestica eom todos os seus horrores :
»
— 28
—
nao encontrando na virtude da esposa , e na innocencia das filhas, essas palavras
obscenas, torpes e grosseiras, essas caricias brutaos das meretrizes, que fazem as delicias
de sua vida ; desconhecendo os encantos do pudor e da docê ncia , esbanjando na
libertinagem uma fortuna que n ã o lhes custou talvez nem -uma só gotta de suor,
e sentindo finalmcnte a misé ria bater-lhes à porta , n ã o tem para sua família sen ã o
doestos, blasphemias o m & us tratos. A esposa, que acha em outro homem o amor , a
dedica çã o e as sollicitudes que n ão encontra cm seu marido, poem um pé no adult é rio ;
d ’ este á prostitui çã o publica o declive 6 breve ; e suas filhas, já can çadas de soffrer a
barbaridade paterna, procuram també m no amor indemnisar os dias tormentosos de
sua juventude, c autorisadas por aquelles que lhes deram o ser caminham para a sua
ruina total. D 'est’ arte as desordens domesticas, os m á us tratos dos pais e das m ã is, e
mais que tudo os exemplos dos maiores, n ã o poucas vezes tributam victinias á prosti-
tui ção. Todavia se este exemplo parte das classes inferiores da sociedade, elle rasteja na
obscuridade das condi ções, e jà mais corrompe aquellas que lhes estã o sobranceiras ;
poré m sc eile sc mostra ao povo no meio do explcndor dos palacios ; ent ã o rompe todos
-
os diques da moralidade, derrama se at é ao ultimo cidad ã o , o nem leis, nem costumes,
nem religi ã o pódem tolher seus estragos. Ahi est ã o as paginas da historia que apre-
goam esta verdade. E neste estado de dissolu çã o universal , como exigir do povoo
cumprimento de seus deveres dom ésticos, se elle vê que as virtudes que se lhe impõem
sã o conculcadas por seus superiores, cujo unico pensamento é a satisfa çã o de seus
caprichos ? Como accusar o luxo que o povo adopta com furor, sc é por meio d’ elle
que os grandes vam roubar-lhe suas mulheres ? Tocamos em uma das mais poderosas
—
causas da prostitui çã o, o luxo.
«c A desigualdade das fortunas sendo uma das bases da monarchia , o luxo é a sua
« consequ ê ncia necessá ria , como diz Montesquieu ( 1 ) , c nestes governos è forçoso
« que os ricos despendam muito para que os pobres n ã o morram de fome. » Ora
este principio que na apparencia é um mal, deixa de o ser na opini ã o do mais celebre
.
philosopho Americano Elle diz « ( 2 ) que a esperan ça de chegar á um estado capaz
« de nos proporcionar os gozos do luxo é um poderoso aculeo para o trabalho e para
« a industria . Considerado assim, elle n ã o é uma desgra ça para a sociedade, mas é
« mister que se preste seria atten çã o aos meios pelos quaes se adquire este estado ; é
« inister que se observe bem que ellcsc obtenha sempre por meio do trabalho e nJo
« do vicio. » Dizia outr’ hora Machiavel que C ésar desgra çado teria sido mais odioso
do que Catilina , e tal é a politica dos nossos tempos ; a ella nã o põ e outra differença
« entre o vicio e a virtude senão de nome, c o que ensina é a julgar dos deveres jxlo in -
« teresse , e do mérito pelo successo » ( 3 ) Ponham os governos cm pratica a liçã o do
sabio Franklin , e o luxo será um forte baluarte das monarchias ; nuas ser á em um
sé culo, em que por uma estranha subversã o de id éas n ã o sc chama louv á vel sen ã o
( l ) Esprit de Lois . ( 2 ) Franklin Œ uvres morales politiques et Litté raires. (3) Bacon .
- 20 —
aquillo quo é lucrativo, ser á cm tal scculo quo so poderá estabelecer a praxe «Jo pre
,
-
ceito laquelle philosophe ? Em todas as na ções elle ë o programma das leis que as
(
regem ; mas onde existe esse paiz de anjos, cm que cilas se executem ? O luxo ar -
ruinou o Império Homano, c o luxo arruina a moralidade dos povos modernos ;
elle è com e íTeilo a fonte da industria , mas ë també m a fonte da corrupçã o, e ocioso
-
è prova lo. A industria ufana se ostentando seus productos engenhosos, esuas novas
-
creaçoes ; mas esconde o lado feio, porque neste lado est ão buriladas as misérias que
.
custaram Um sexo fragil empenha suas poucas forças, c os homens esgotam seu vi
gor em trabalhos fadigosos ; e depois a industria d á á mulher um salario que
-
para alimenta-la 6 mister receber o complemento na prostitui ção, e ao homem um
pã o que nao chega para repartir com seus filhos -
Chama se a isto vantagens do
luxo Pensem os economistas como quizerem , fantasiem suas utopias, o inora -
lista christ ão ver á sempre no luxo um corruptor da humanidade.
Uma das causas activas que contribuem para a deprava ção dos costumes reside na
ociosidade dos mancebos descendentes dc fam í lias opulentas e poderosas. Elles re -
putam as mulheres de baixa condi çã o um bem cominam , ou pelo menos de fá cil
conquista ; descem até ás filhas do pobre jornaleiro, e n'ellas começam o seu tiro -
.
cí nio de seducçâ o, para levarem depois o adult é rio ás classes de sua esphera A des-
gra çada victima abandonada de todos vae prostituir-se no canto de uma rua , ou mor -
rer em um hospital, em quanto seu algoz declama em alguma sociedade philantro
pica contra a corrupçã o do século. Assim pois è a sociedade viciada nem só pela
-
misé ria do povo, como pelas paixões dos riscos.
« Procurai um povo sem religi ã o : se o encontrardes, ficai certo que elle pouco
« dillere dos brutos. » N ã o encontramos na civilisa çã o moderna o que propõem Da -
vid Hume l ) ; encontramos, sim, povos com uma bclla moral nos livros, e a
mais desenfreada licen ça nos costumes ; povos que se dizem apostolos do Evangelho,
e que a todo o momento desmentem sua cren ç a por acçóes abomin á veis. N ã o en -
contramos um povo de brutos ; mas encontramos povos, cuja paixão dominante é
um acto que os nivela com os brutos. Attentai agora na maneira por que as li
. -
ções do Crucificado acalmam o fervor das paix ões, e convireis comnosco, que o es
quecimento de sua doutrina acarrea o esquecimento da virtude. Ao olvido das pra
--
ticas da religi ão referiremos ainda a producção dc todas essas obras de revoltante
immoralidade que circulam nas cidades pelas m ã os dos libertinos, aferventando a
imaginação da juventude com a pintura de prazeres, que ella n ã o devia t ã o cedo co
nhecer , e cujo primeiro effeito é de ílorar a innocencia de sua alma. J á Cicero
-
dizia em seu século : « Nulli unquam vitio advocatus d é fait » c cm todos os tempos
muitos gé nios deshonraram sua nobreza , o polluiram a castidade das musas cs
pargindo as llores de seu estro sobre o tremedal da prostitui çã o.
-
.
( 1 ) Hiat iut. de la religion .
—
--
ou a ternura de uma m 5e ?
—
Tarent
-
30
Ter so ha algumas vezes achado o pudor em conflict* coni
Duch â telet
)
assim
a piedade de uma filha
.
o refere Algumas mais
abandonadas de seus maridos, sós, sem recursos, ouvindo seus filhos gemerem de
,
f i n i r ; algumas filhas vendo seu pai , unico b á culo do numerosa fam í lia morrer
à mingoa, vã o na prostituição buscar o alimento para os filhos, ou a vida par seu
i
pai. Desesperado recurso ! Elle deve custar horr í veis combates ao cora çã o de quem
assim sc sacrifica ! Mas depois ! -
de falta em falta abysmam se na infamia.
O commercio o a industria , entretendo grande numero de moços celibat á rios, n ã o
póde deixar de entreter també m grande numero do mulheres publicas, e eis o que
à cerca d ’ elle pensa o illustre autor do Espirito das leis : « Nous voyons que, dans les
« pays o ù l’ on n ’ est affect é que de l’ esprit de commerce , on trafique de toutes les
« actions humaines et de toutes les vertus morales : les plus petites choses, celles
« que l’ humanité demande, s’y font ou s’ y donnent pour de l ’ argent. »
De entre todas as causas que empuxam os povos para o vicio , nem-uma ha talvez
que mais vulto fa ç a do que a falta do oduca çflo inoral , principal men te no sexo
feminino : esta verdade é proclamada por todos os philosophos de hoje, e o homem ,
egoista e extremamente cioso de seu poder c da sua força , n û o cura de reformar
um objecto, cujo melhoramento importaria o melhoramento da sociedade, por que
n ã o póde sacudir o jugo de proconceitos que lhe vieram de seus av ós. Alguns philo
sophos, e povos da antiguidade, olhavam para o sexo feminino como um ente que
-
fò ra deparado por Deos nos homens para servir unicamente a seus prazeres ; fa -
ziam calar nos â nimos, a respeito das mulheres, cren ças extravagantes ; como que
-
queriam reduzil as à condi çã o dos brutos, c assim ultrajavam a mais bella e mais
sensí vel parte do genero humano. Sophocles dizia que o silencio era o mais bello
ornamento das mulheres, e Tublius Syrus repetia em suas obras, « millier qu œ sola
coyitat , male cogit â t : » Tlatao reportava ã cilas a origem da supersti çã o, dos vo
tos o dos sacrifícios, c os Judcos as culpavam de magicas : os Babylonios, Arabes,
-
Egypcios, Gregos c Romanos acreditavam que o homem se macula ainda mesmo
em um commercio licito com as mulheres, e d ’ ellas se abstinham nas vesperas dos sa
crif ícios, e os Hcbreos pensavam que tal commercio fazia perder o espirito prophe
-
-
tico : os Habbinos negam que a mulher fosse creada h imagem de Deos, e um theo
logo christfio , Lamberto Dan œ us, doutrina que esta imagem 6 muito mais viva no
-
homem do que na mulher : os Manicheos pensavam que quando Deos creá ra o ho
mem , n ã o o formara nem macho nem femea , e que a distineçã o dos sexos fò ra obra
-
do demonio. Imbuidos nestas idòas os antigos cm geral despresavam a educa çã o das
-
mulheres, e esto costume transmittio se aos nossos dias. Entretanto nos hellos tempos
do florecimento da Lacedcinonia , do Athenas, de Esparta e do Roma este sexo
provou quo era capaz de enthusiasmo pela gloria , de patriotismo, de coragem, de
paix ões generosas em fim , que envergonham tantos homens affeminados, que hoje se
v éen» nas cidades enervadas pelo luxo : e neste século cin quo nos jactamos de civili -
- 31
sados quantos mulheres haverá que, imitando a m ãe
— dog Gracchos, apresente m se us
octupados
filhos a quem pedir que lhes mostrem seus ornatos ? Os homens muito
com as afanosas lidas da ambi çã o, correndo após o idolo dourado da
fortuna , esqu <-
cem se d’ aquclla que lho foi dada para companheiro , confiam sua educa çã
- o .i » pro-
pensões do seu temperamento, quo s ã o apenas modificadas por 1 i ç r cs do vaidade , or-
desde
gulho , amor proprio e outras pequenas paixões que so incutem nas mulheres
do ba-
a sua infancia. Ou çamos um critico moderno, que lemos na moral universal
r ã o d ' Holbach , e quo assim descreve a educa çã o de hoje : « Tenez vous droite ; vous
« vous penchez d ’ un cô té ; vous marchez comme un z . Votre bouche fait peur
;
« ne touchez point à votre visage ; levez donc votre t ô te ; où sont vos mains ?
.
« Tournez les pieds en dehors, &c Voil à pendant douze ou quinze ans la morale du
« matin ; le soir on la ré pè te. Aussi le premier en date pour une education si dis -
« tingu éeest le in à itrc à danser. » Ainda isto é para as pessoas de certas classes ;
-
porô m as mulheres nascidas no povo ? Ensina se-lhes a coser, e quando a seducçã o
vai diverti - las do sou trabalho, cilas n ã o acham cm si nem um instincto ao me -
nos que lhes diga : « esse amor que vos falia tã o terno é o crime que se disfar ça
« com os atavios da innocencia ; esse ouro que vos oflerecem , e que vos deslum -
« bra , 6 o preço que elle põ em á vossa perda : fugi d ' elle. » E como h ã o de ellas
evitar o precip ício que se abre debaixo de seus passos, sc esse precip í cio se lhes figura
um jardim delicioso, c ningu é m lhes ensinou a distinguir os abrolhos que nascem
á par das flores ? Como h ã o dc evitar o crime ellas, que nem o conhecem ? Quando
o Verbo encarnou , foi em o ventre de uma Virgem que se operou este milagre
estupendo, c quando elle resurgio d ’ entre os mortos foi à uma mulher , Maria Ma -
gdalena , á quem primeiro apparcceo. O século das luzes, o século christ ã o n á o
acceita o exemplo do Divino Mestre, c inclina -se antes á doutrina dos Sophocles
e dos Syros, menosprezam a educa çã o das mulheres, cuja intelligencia n ã o rece-
-
bendo o desenvolvimento de que é susceptivel , torna se acanhada e mesquinha ; seu
-
espirito torna se leviano, n ã o conhece por estudo c convicçã o toda a sublimidade
da virtude, e facilmente cabe nas ciladas do vicio. Eis coino a falta de educa çã o
moral povôa de prostitutas os lupanares das cidades.
Ha finalmenlc mulheres que, dominadas por um temperamento invenc í vel , ati
ram-se phrencticas a todos os excessos da luxuria ; nias são t ã o raros estes exemplos
-
que sou apparecimento é reputado uma enfermidade, e ainda assim è mister rque ~
.
CAUSAS ESPEC1AFS DA PROSTITUI ÇÃO SO RIO DE JANEIRO.
« homme, qu il est le maitre absolu de sa vie et de ses biens. Il n ’ est pas bon par sa
'
« nature ; il n ’ est utile ni au maitre ni à l’ esclave ; à celui -ci , parce qu' il ne peut rien
-
« faire par vertu : à celui la , parce qu' il contracte avec ses esclaves toutes sortes de
« mauvaises habitudes, qu’ il s' accoutume insensiblement á manquer à toutes les ver *
« tus morales, qu’ il devient fier , prompt , dur , colè re , voluptueux , cruel » ( J ) ; e
sustenta mais que « a escravid ã o, sobre ser contra o espirito da constituição
« nas aristocracias, só serve para dar aos cidad ã os um poder , e um luxo que n ão
« devem ter. »
O negro , bronco, rude c est ú pido por natureza e por educa çã o , ignorando o que
seja pudor , n ã o coniprchendendo nenhum sentimento de moral ou de virtude, è de
um temperamento crotico, e consequentemente muito libidinoso : neste estado è
arrancado de suas ílorestas onde levava vida de irracional , c lan çado no meio de
nossas familias, para ser o authomato de nossas vontades e caprichos. Ainda se eile «
do sexo mascolino, os serviços cm que sã o empregados os tem quasi sempre afastado*
de seus senhores, e é longe de suas v istas que v ã o exemplar seus v í cios ; mas se é do
sexo feminino ? As escravas sã o as amas de nossas filhas, que no leite com que as
alimentam lhes instillam na alma o germen da corrupçã o que, sempre debaixo do
influxo do exemplo, mais tarde frutificará , se uma educa ção cuidadosa n ã o consegue
extirpa lo. As escravas sã o as amigas, as companheiras, as confidentes da mocidade
-
do seu sexo, n ’aquellas familias em que a austeridade dos costumes 6 considerad«
D’ ALEMBBRT .
—
repos et au bonheur.
Esprit de VEncyclopedic .
--
domus ejus, penetrantes in interiora mort is ( 2 ) ; » o mais illustre disc í pulo de Epi
curo, Lucrccio, o crotico Ovidio c outros poetas, cantando o amor c seus praze
res (3), mostravam á mocidade o veneno subtil que as pé talas da llor occullam em
seu calix ; tanto elles reconheciam a perniciosa induencia que a libertinagem exer -
cia sobre o povo ; mas se tantas viclimas ella por si só fez n’esses remotos tempos,
quantas n ã o tem descido á sepultura desde que a idolatria dc Syphilus chamou
sobre n ós a praga que nos flagella , como poeticamente imaginou o engenhoso Fra
castor ? Os males se multiplicaram , o hoje a prostitui çã o ca syphilis podem figurar
-
como uma vasta etiologia em um pentateucho medico cirurgico : tal é a calami - -
( 2 ) Proverb
(3 ) ——
7 2G.
—
ty I'adro Manuel Bernardas Nova Floresta.
.
Medio dc fonte lepoium
Lucr
í mpia sub dulci niello venena latent
Ovidio
. —
Surgit amari aliquid , quod in ipsis floribus angit .
.
.
Itcr
—
. . nal
.
36
— —
Jade que hoje pesa sobre a ra ça humano. Se entretanto o quadro
bidinoso acabando seus dias mirrhado pelos prazcres da sensualidade era me
primitivo do li
, já
-
-
-
donho de se ver, quem poderá sem horror contempla lo agora que a syphilis o re -
matou tra çando n’e!le com seu vigoroso colorido as enfermidades cru éis que assal -
tam o libertino ? Nã o se póde actualmente desapegar a prostitui çã o da syphilis, pois
que um concerto de quasi seis séculos une estas duas inimigas encarni çadas das ge -
ra ções dos nossos dias ; mas para n ã o trastrocarmos as descripções, faremos ver se -
paradamente os effeitos da incontin ê ncia no vicio da carne, c os ei ïeitos da syphilis
que boje se esconde no mesmo leito em que a prostitui çã o se delicia.
Quando nossos maiores sellaram com o ferrete da ignominia as paixões que a
concupiscê ncia g é ra em seus del í rios, n ã o foram vã os preconceitos, ou arbitrarias
conven ções que os impelliram a erigir altares, c queimar incensos á castidade, n ã o:
foi a experiencia que lhes inspirou este respeito e venera çã o que desde longos
tempos esta virtude recebeo, e ainda hoje recebe dos povos que n ã o vivem como
os irracionaes : porque elles bem mediram o abysmo a que desce o insensato que se
entrega aos phrcnesis da libidinagem. Estes desgra çados que só conhecem os im -
pulsos da sensualidade, embravecidos contra a sociedade que lhes sopõa as f ú rias de
um appetite insaci á vel , bradam que o pudor 6 um filho da educa çã o nutrido com
--
os preju í zos da civilisa çã o. SC lo ha ? embora o fosse, ai d ’ aquelle povo em que
elle n ã o tivesse altares ! Sua intclligencia rastejaria com o instincto dos brutos, e
como elle n ã o transporia o circulo acanhado da actualidade. E’ o pudor um movei
-
poderoso Ha nobreza do homem , e aquelle que o deixa empanar se cm suas faces
-
torna se o vilipendio dos outros homens, o ludibrio dos facetos, c n ã o tarda a sentir
seu physico minado pelos prazeres roedores da sensualidade.
Tanto sabiam os antigos at é que ponto a paixã o pelas mulheres enerva as faculda
des do espirito e a fortaleza do corpo que, a despeito dos cultos que rendiam á
-
formosa deosa dos amores, pozeram na base da sua estatua esta inscripçã o : Unut
( juisque se eviscerai luxuriosus ; elles sabiam que o homem ,
fascinado pelos magos
-
encantos de uma mulher , reprime em seu rega ço os nobres conselhos da alma , e es
quece sua vontade para sujeita-la á de um ente fragil , cujas bland ícias, arma subtil
-
que manejam com habilidade, quebrantam caracteres que n ã o se renderiam à mais
nervuda razã o. Aquelle que arcando com o famoso gigante Antêo por très vezes o
derrubou , que venceu o destimido Geri ã o, monslro de très corpos, rei de Erythia ;
que afogou o leã o Theumesio ; que cerceou as sete cabeças á hydra de Lerna ; o for
tissimo Hercules, subjugado por uma fraca mulher , Onfale, rainha da Lydia , pegou
-
em um fuso com aquella mesma m ã o que brandia a terr í vel clava (1 ). Este exem -
plo é na verdade uma ficção da Grécia fabulosa ; mas os poetas quizeram signifi -
( 1) Et m &nu ciaram modo qua gerebat .
Fila deduxit properante fuso
.
Seneca
- 37
—
car por meio dellc o quo c uma fa ú la do concupiscê ncia lan çada cm peito humano
e so algueiu o rejeita por fanlastico, n ã o temos n ós o facto d 'aquellc do quern an -
nunciou um anjo quo seria desde a infancia Nazareno do Decs, o que n ã o passaria
navalha por sua caheça ? Onde perdeu esto predestinado do Céo para salvar Israel
das m ã os dos Filisthoos, onde perdeu o valorosí ssimo Sansä o sua força e liberdade ?
A Escriptura nos conta que dos bra ços da infiel Dalila fô ra olle entregue á seus m i -
.
migos (1 ) Muitos Santos Padres ensinaram qu ã o util ó para a consena çã o do corpo
e do espirito a contin ê ncia nos prazeres da carne, c Plat ã o antes delles confirmava
esta doutrina com os exemplos de Ico Tarentino , Astillo, Diapompo e outros famosos
athlelas ( 2 ). Os soldados de Annibal e de Alexandre n ã o se corromperam com as de -
licias de Babylonia , c de Capua , c por isso seus exé rcitos foram ex ércitos de nobres
guerreiros, de inclytos heróes. Havia na antiguidade aquellas inicia ções nos mysteriös
de Ceres, Orphco , Cybele, &c. , em que os homens prestavam voto de domar os esti -
mulos da sensualidade, c por ineio de regras hygienicas adequadas, conseguiam
longa e pacifica exislencia. O christianismo appareceo, as ordens monachaes foram
institu ídas, e a castidade, banindo dos claustros as paixões do mundo, produzio
illustres varões, que ganharam nome na religi ã o e nas leiras, e deram aos povos
exemplos gloriosos da mais acrysolada virtude. E que motivo induzio o christ ã o a
exigir um voto de contin ê ncia d 'aqucllcs que v ã o cm uma clausura consagar seus
dias ao servi ço do Senhor ? O Evangelho precisava de Apostolos que, imitando a
pureza de seu Mestre, se elevassem acima do vulgo pela fortaleza de seu espirito;
e que fortaleza poderá ter o espirito dedicado ao amor das cousas nundanas, e que
n ã o sabe extinguir em seu proprio seio a chamma da concupiscê ncia ? Que pres
tigio poderã o grangear os pastores que procuram fartar a sede da carne na mes
--
ma fonte em que bebem suas ovelhas ? Onde c ent ã o a superioridade do ministro
dos altares ? As inspira ções do genio, as altas virtudes, e uma longa vida de solidos
prazeres cm geral n ã o cabem em partilha sen ã o ao homem casto ; a materialidade,
a estolidez, e uma breve exist ê ncia abrolhada de vicios c de tormentos sã o a par-
tilha do libidinoso. N ão 6 por tanto a castidade, outra vez o dizemos, um v ã o pre-
conceito, ou uma conven çã o arbitraria ; 6 uma virtude solida , que a propria conser-
va çã o da humanidade reclama , c nascida da convicçã o dos males que sua antago
nista esparge sohre os insensatos que lhe subordinam seus dias preciosos.
-
Perguntai agora ao medico o que pensa á cerca da incontin ê ncia deshonesta : elle
abrir á uma nosographia c vos ler á uma longa serie de horr í veis enfermidades que são
o fiagello dos libertinos, enfermidades que sã o pela maior parte representadas por
aberra ções das funeçoes da innerva çã o , c com efieito basta attentar um pouco na
commoçã o que os prazeres venereos suscitam no organismo, c nos pensamentos ba
-
—
li ) Judicum 16.
( 2 ) Padre Manuel Bcmardcs.
y
— —
38
biluaes que enchem o vasio d’ alrna dos indiv í duos sensuaes, c que sustem em pe
remu; tensã o as cordas primordiacs da vida , para enxergar os mates que o abuso
-
de tacs prazeres deve originar. E’ corrente que no systema medullar reside o imp.
tum faciens , o principio nervoso que preside as aeçoes c reacçõos da nossa sensibili
dade ; o primeiro cxcitador da respira çã o c das funeções dos entranhas do baixo
-
ventre ; 1' por tanto a medulla espinhal quem primeiro soffre com as perdas exces -
sivas do humor prol í fico, e ó delia que partem quasi todas as enfermidades que
atribulam uquelles que levam vida vuluptuosa. Demos um d’esses entes desgra çados,
cuja educação, encontrando com todas as leis de uma sã moral , fomenta o germem
do peccado que outro peccado lhe transmittio : a puberdade começa a inicia lo nos -
mysteri ös e cuidados da existê ncia , e ei-lo a çodado entregando sua tenra mocidade,
j ã dcllorada no moral, a qualquer cantoneira que primeiro o abalroa : impellido
pelo turbilh ã o das paix ões que acodem em tropel , arrastado pelos movimentos de -
sordenados de sua maquina , que arde em concupiscê ncia , prostrado pelos embales
-
de uma natureza brutal , despenha se como cego no golfo da dissolu çã o , para d’abi
-
enliar se para os umbracs da eternidade. Passam os primeiros tempos em que tudo
foi prazer , e começam os primeiros svmptomasde uma d 'estas enfermidades consum
ptivas que ningué m pódc remediar. Uma tondencia irresist í vel para o sexo opposto
-
sem que se possam fixar os desejos amorosos ; obscurecimentos da vista , arvoamento,
cephalalgias vagas, ou sentimento de peso na cabeça ; horror á solid ã o, presenti -
mentos sinistros, um descontentamento desarrazoado, certo cará cter caprichoso, ou
phrenetico ; suspiros amiudados , frequê ncia e agita çã o de pulso ; appetite devo-
rador, e mal se principia a comer logo após uma invenc í vel repugn â ncia ; espasmos
de garganta , tosse secea e fraca , insomnia, anxiedade indisivel , ardor de entranhas,
calor irregular na face e palmas das m ã os, &c ; tacs sã o as primeiras scenas que pre -
param , e conduzem ú catastrophe que desfecha o drama. O infeliz já n ã o pôde so
frear o habito carnal que o assoberba , e nesta acçã o n ã o interrompida do system«
-
nervoso , dc continuo vibrado por todas as paixões, vem os engorgimentos de ligado,
as desordens nos movimentos do cora çã o, mil symptomas nervosos exquisites e
variaveis, emmagrecimento, decad ê ncia progressiva de forças, polluções nocturna? ,
-
( sendo efleito e tornando se nova causa ) , « lasquaes o doente acorda languido e
banhado em um suor debilitante : vem a diarrhea coliquativa , que exhaure as ul -
-
timas fontes da vida , e depois de horr í vel marasmo , c os intestinos ulcerados, x ô *’
expirar o mancebo com todo o apparato tenebroso das convulsões da fnorte. Febre?
adynamicas, syncopes, paralyses, apoplexias, convulsões, demencias, gottas, epilep -
sias, choréas, phtysica , &c. , e finalmente quasi todas as aflecções que Pinei classi -
ficou nas cinco ordens de n é vroses, formam o codigo penal que a natureza pro
mulgou contra os libidinosos.
-
Quem n ã o tem visto esses libertinos, vagueando entro os homens corno uma
allegoria na elbopOa das grandes cidades, pallidos, esgalgados, macilentos, esle*
— 39
—
nuados, tré mulos, curvados sò b o peso do dorso, com os olhos encovados c amoi -
tecidos ? Taes copias da velhice, cm sua degrada çã o physica e moral incapazes dc
exercerem um estado qualquer , vivem para perpetuar nos homens o sentimento da
compaix ã o ; vivem para attestar a verdade de la Bruyè re : La plupart des hommes
emploient la première partie de leur vie à rendre l' autre miserable. Imas vezes taes
indiv í duos, depois de haverem dissipado todo o seu vigor com as mulheres de rn á
vida, v ã o revelar á uma esposa a enerva çã o de seus org ãos reproductores, e reduzir
uma pobre menina ao triste papel de cuidar de um enfermo ; c ent ã o como con -
sagrará cila seus mais viçosos dias á impotê ncia de um marido, ella em cujo co -
ra çã o vem amor desabrochando, esquentado pelo ardor da mocidade, e por entre
as brilhantes illusoes de uma fantasia sublimada ? Procura a realidade das imagens
scductoras, que vira em seus dourados sonhos, e ah* vem as infidelidades e com
ellas o total anniquilamento dos costumes. Porem se por ventura estes libertinos pro-
pagam sua ra ça , que mofino legado n ã o transmittem elles á seus filhos, que n ã o
vem ao mundo sen ã o como nma peripetia do longo drama da vida do homem ! « E’
» pela continuidade das mesmas oscilla çõcs que se propagam nas gera ções humanas »
assiin se exprime o eloquente Virey na sua Hygiene Philosophica « estas series de
movimentos desordenados, que se designam pelo nome de moléstias heredit á rias ;
-
» d 'este modo a loucura , a phtysica , a gotta , a epilepsia , &c. , sã o levadas aos desccn
» dentes como um triste apanagio, pois que os costumes at é certo ponto se transmit -
.
» tem mesmo por sympathia » Entretanto consultem os physiologistas os arcanos
da economia humana para atinar com a causa por que taes enfermidades nos vem
muitas vezes d’aquelles que nos deram o ser ; o facto persiste, e a observa çã o quoti -
dianamente o confirma.
Outras vezes, abalisando o aphorismo dc Despreaux :
o libertino reunc á concupiscê ncia todas os outros vicios que o esquecimento de sua
propria dignidade produz, sobe de degrà u em dcgrà u a escala dos crimes, até que
-
vai no patibulo levanlar se momentaneamente em sinistro padr ã o á ultima das mi -
.
sé rias humanas D' Holbach tem razã o : « ha poucos malfeitores para cuja perda as
mulheres de m á vida n ã o tenham grandemento contribu í do » .
Este esmagado por tantos c t ã o for çados prazeres, porque a sua mesma lubricidade
lhe estancou a fonte spermatien, olha para os restos de sua fortuna esbanjada em
seus pagodes, e exclama incitado pela desespera çã o com o Argyrippo dc Plauto :
SYPHILIS .
A origem que extravagantemente deram h syphilis Jean Linder, Van llelmont ,
Jean Manard , Musa Brassavola , Gabriel Fallopio, Jeronimo Fracastor , e muitos
outros ; as formas ambiguas, variadas e numerosas que affecta este jnoihco insidioso ,
o modo occulto porque ella se transmille dc um a outro indiv í duo, sã o motivos que
ju'tilicam a incerteza em que ainda se labora á ccrca da natureza intima do virus ven é
reo : defini-la portanto philosophicainente seria definir aquillo que nao se conhece ,
-
-.
e por isso os sypliilographos nao tem feito mais do que descreve la Expliquem os
partidistas da doutrina humoral de Stoll Borden , e Zimmerman os eITeitos do mal
venereo e a sua origem pelas altera ções dos fluidos ; impugnem esta opini ã o os
Hoffmans, Baglivis, Bperrbaves eos Brows; declamem os sect á rios de Broussais que
os accidentes reputados como especí ficos da syphilis n ü o sã o mais do que os patlio -
gnomonicosde uma infiamma çã o simples: proclamem Levinus Lumnius, Laurent Jou
bert , Dieudonné, Jean de Vaux, Astruc, c outros que o mal venereo vai em decad ê n
-
cia , e que proximo esté sou total aniquilamento : nada tem podido infirmar esta ver-
-
dade que enunciamos u estas 1res proposições: 1. * a syphilis è um poderos í ssimo agente
Id
- -
42
mor hi fico : 2. * sou principio virulento coinrnunica-se por contagio : 3.* sua influen
cia se prolonga hcreditariamcnte, degradando o homem pliysica moral ment« \ )
c
-.
1 ° A syphilis é um poderosí ssimo agente morbifico. « De todas as affecçOes que
« a flligem a especie humana por meio do contagio, nenhuma ha mais perigosa , ruais
« terr í vel do que a syphilis : é verdade que cila n ão mata immediatamente , mas nem
« por isso deixa dc ser immense o numero de suas victimas ; seus estragos sã o conti -
« nuos, e elia ataca de preferencia aquella parte da populaçã o que por sua idade
« constitue a força e a riqueza « las na ções » ( 2 ). Esta verdade arraigada na convicção
de todos os prá ticos, é hoje t ã o transcendente, tao consummados escriptores a lern
proclamado, a experiencia quotidiana a tem tornado t ã o palpavel , que seria neste
ensejo ociosa qualquer demonstra ção : para cxhibi-la mister seria escrever uma nos<> -
graphia porque em nada menos importariam a historia edescripçà o de todas as mo*
lestias produzidas pelo virus syphilitic«; c pois mencionaremos apenas as enfermida -
des cm qne este agente morhifico póde exercer influencia .
A syphilis, quando começa seus efieilos primitivos em um indiv í duo recentemenle
d’ella infectado, nau se manifesta tao variadamente como ulguns accreditam : prin -
cipia por uma simples irrita çã o local , logo após inllamma çá o, que vai subindo de
ponto até ulcerar o lugar em que foi deposto o producto syphilitico : sua acçao, per-
sistindo sempre id ê ntica quanto á sua nalure / a , seus resultados variam ( anto quanto
sao differentes os orgaos em que elia se effectua , conservando todavia os caracteres
que distinguem estas 1res aflecçóes, cancro, huh â o e hlennorrhagia : prompla sobre as
partes cobertas de uma epiderma muito delicada , ou sobre a derma quando nua , cila
opera com maior ou menor rapidez sobre as membranas mucosas, parles gcnitaes,
à no, borda livre das palpchras, lá bios e lingua , scmlo esta acçiio mais lenta sobre os
outros tecidos. O germen syphilitico ulcera progressiv a men te as partes da economia
humana , em que elle foi inoculado, transtorna seu modo de funccionar, altera o pro -
ducto das secreções, e nelle imprime o caracter distinctive tie contagio que se executa
de indiv í duo para indiv í duo por meio da inocula çã o. Se uma medica çã o activae
congruente n ã o vem atulhar a marcha da enfermidade, que tendo a profundar seus
estragos, de circumscripta que era em seu principio, torna -se pela ahsorpçã o do virus,
uma a Aceçã o geral cuja dura ção, intensidade e consequê ncias eslao na razao direct«
« las individualidades dependentes dos org ã os acommcttidos, do modo da acçã o, «los
temperamentos, circunstancias climaté ricas, idade, grã o de infecçà o, predisposições
.
mórbidas Ac. «Sí C Hunter opina , ( e n ôs n ã o julgamos errar seguiudo as suas doutri -
nas), que o virus venereo affecta os princ í pios constitutivos do sangue, c que nolle
» part des enfants qui naissent avec la vérole meurent bientôt après ; » mas quando
ellas n ã o succumbem , a acçã o lenta e deleterea dos virus exhaure as forças phy -
sicas, cria entes franzinos , debeis e enfermos, e os predispõe para as altera ções.
Ivmpbaticas ou serosas, as desordens da inerva çã o, convulsões, alTecçóes cercbracs.
dialkese escrophulosa, dartrosa , tuberculosa , &c.
Louis , Fabre, Portal . Cullerier, Mahon , Baumes, Berlin , Hunter , Kicord , Ri -
chard de Nancy , e muitos outros pr á ticos recommcndaveis sustentam com t ã o nu -
morosos factos esta doutrina , que nos dispensamos do insistir sobre uma proprie -
dade da syphilis que passa por incontestá vel ; mas depois de havermos mencionado
as principaes enfermidades que mais frequentemente sã o o producto da libertinagem,
e que trazem a degrada çã o physica aos habitantes das cidades populosas, è mister
que lambem demos rapida vista do modo porque taes enfermidades acarretam a
degrada çã o moral.
As altera ções organicas que a prostitui çã o c a sypilis produzem na economia
humana , exercem um influxo t á o desastroso sobre os povos , que um distincte
economista , M. de Gerando, assim se exprime: « a syphilis 6 um veneno que
« circula em todas as veias, penetra os princ í pios vitaes , enerva em sua fonte
« as forças de que o homem , abarbado com uma situa çã o dillicultosn , carecia
« para d elia triumpbar ; elle afraca do uma vez tanto o vigor do physico, como
.
« a pot ência intellectual » .
Figuremos um d ’estes homens que, vivendo do modico salario que lhe ganha"1
- -
colloca sc nas circunstancias de jamais poder dcsempenhar sc , e de perder d esta
sorte o credito de que gozava , c de que podia dispor : e quem será t ã o myope
que n ã o enxergue as consequ ê ncias de um tal estado, tanto para 0 indiv í duo ,
como para a sociedade ? Em segundo lugar , o oper á rio começa por perder o
-
horror que tinha à syphilis , já n ã o cuida de evita - la , expoe se á cila com
alouleza , n ã o trata mais de soccorrer-se á medicina , toma -se preguiçoso , indolente,
pusillanime , perde a energia , e a generosidade de seu caracter, a força de sua
vontade ; seus costumes se pervertem , e d ahi á pouco ei -lo familiarisado com
o vicio. Entretanto n ã o é somente nos oper á rios que taes altera ções se manifestam ;
ellas sã o també m o quinhã o d aquelles que se libram em melhor sphcra , quando
n ã o retrocedem de suas devassid ões : («cravos do dever e dos prejuizos , ou retidos
pela vergonha , pretextam mil obst á culos á sua cura , e 0 virus venereo n ã o tarda
a estampar em seu caracter todas as fô rmas da libertinagem . Imaginemos agora
que o facto, que figuramos cm um celibat á rio, tem lugar cm um chefe de fa
m í lia. Os resultados funestos que alTectam a subsist ê ncia necessá ria á vida , redo
-
-
bram de gravidade, e a misé ria por um lado, e por outro a rcprehcnsivel con
ducta d aquelh * que devera ser 0 exemplo da morigera çã o , trazem a corrupçã o
-
.
ao sanctuario da innocencia O desvairo da mulher depende quasi sempre das
laltas do marido, que quer exigir uma pureza de costumes a que ello proprio
-
recusa submetter se ; e se 0 marido brutal communica á esposa innocente o ve -
neno que foi beber no adult é rio , quanto mais perigosas n ão sã o depois as conse
qu ê ncias d ' este crime !
-
- — 48
Muitos escriptores faliam d ’ estes cffeitos moraes da syphilis, e Cabanis os attribu
,i degrada çã o dos org ã os genitaes , bem corno à uma modifica çã o especial
-
do
systems nervoso determinada por aquelle virus. E com effeito, acreditará alguém
que a syphilis seja estranha á quantidade innumcravcl dc pedintes que vegetam
nas ruas d esta corte á sombra da caridade publica ? Ella 6 proclamada por todos
os economistas como uma causa poderosa do pauperismo nas grandes cidades .
Acreditará algué m que a syphilis n ã o concorre para subtrahir ás nossas mil ícias um
numero n ã o pequeno de moços, que n ã o servem sen ã o dc alimentar a libertinagem
publica ?
— —
Nã o repetiremos aqui o que já lev á mos exposto no artigo causas, poisqut
já nelle desenvolvemos os mais salientes resultados moraes da prostituiçã o : e se
um tal agente basta por si só para os produzir , é obvio que a syphilis , sua
companheira insepará vel , pela acçã o especial emorbifica que exerce sobre o orga -
nismo, e pelas leis que regulam o intimo cominercio do pbysico com o moral
do homem , deve operar como nova causa na dissoluçã o dos costumes , e levar
ao cumulo a degrada ção da humanidade. Tal 6 a nossa convicçã o ; e apoiados
na autoridade valiosa de Sanchez, Forcstus, Cabanis, Chapeau , Dcscuret , 1’otton,
Fod è ré, de Gerando, Duch â telet, etc. , compendiamos nosso discurso na seguinte
—
proposi çã o : a syphilis, atacando inevitavelmente o bem pbysico e o bem moral
do povo ; embargando o trabalho , e demandando incremento de despezas , degrada
o caractcr d 'aquelles que se deixam embeber de um tal veneno.
—
- 49 -
CIRCUNSTANCIAS
.
QUE ENT RET F M E FAVORECEM A PROPAGA Ç A Õ I» A SYPHILIS
NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO .
.
que se n ã o extingue a syphilis diminue muito o seu contagio ? E pois manifesto que a
negligencia extrema da nossa policia à este respeito, deixando ás prostitutas a ampla
liberdade de que gozam , ó a primeira das causas que figuram neste artigo A ' ne . -
gligencia das leis succéd é o deleixamento individual , fomentado por uma horrivel
necessidade. As desventuradas meretrizes tem medido toda a extensã o da verdade
que proferia a Cl æereta de IMauto , expondo a Argyrippo o segredo de sua prolissã o :
-
Di ' ir , aqunni , solem, lunam noetom , hrec argento non emo :
..
Cæleiea , qiiarquo volumus uti, grieoa im rcamur fi le
Qnum á pintor« panem petimus, vinnin ex œ tmpolio
.
Si (Ds h 'ibcnt , dant mereem. Kadern nos disciplina tilimnr
Semper ocuial œ uiunus suut nostra:; creduut , qtiud vident .
Se poistem ellns o infort ú nio de serem infectadas da syphilis, o que far ã o ? Parar
na carreira da libertinagem para acudir á sua saude ? E quem lhes deparará os meios
para esto fim , quem as alimentará ? Entro a morte peta fome, e uma enfermidade
poucas vezes d i red a men le mortal , n ã o vacillant cm escolher a menos pavorosa , c v ã o
indifferentcnientc transmittindo o fatal presente que receberam . Vem á pus estas duas
causas o charlatanisme, e a veneraçã o que na capital tio Brasil se tributa á este cama -
leã o, que se alimenta da credulidade publica , e sc rcfocilla principnlmciite nos
1*2
.
50
—
males que adligem o povo A toler â ncia que lia para com os
de so venderem remetiios secretos, söo motivos que aggravum
— -
c Iiar 'at â i* e a liberdade
e tornam asvpiiiii*
mais frequento entre n ós. Em parto nenhuma a polit ia medica é lá o menosprezada
cotno aqui ; em parto nenhuma o nobre exercício da medicina que tanto intere.^a ã
,
sociedade, encontra menos protecçao e apoio nas autoridades II uma lei neste .
Impé rio que veda o exercido da arte de curar a lodo o indiv íduo que n â o estiver
legalmente autorizado : ha uma outra lei que marca os direitos, e extrema as altri -
hui çoes do medico e do boticá rio ; mas que aproveitam estas leis ? Todos os dias
mercen á rios ignorantes, ( ainda em alguns paiz.es oecultam seus nomes; por é m aqui
nao sentem esta necessidade ) , estampam artigos nos Jornaes, ou allixani cartazes nas
esquinas, anuunciaudo remedies maravilhosos contra todas as enfermidades : as visita , -
nada custam , nada. . . . somente a satule ou pouco mais, a vida Todos os dias .
vemos insolentes charlalaes improperando pela imprensa , e dando o epilbeto tjue HIPS
compete á outros charlalaes que apregoam remedies idênticos, para que o povo afflua
de preferencia á sua casa : vemo- los disputando porfíada mon te sobre a originalidade
. -
d’ este ou d 'aquellc met!ica men lo Vemo los arrancando-se mutuamenle as mascaras,
e denunciando ao publico factos, que em outros paizes fechariam as portas de uma
prisã o sobre taes impostores. Vemo-los até renhindo com membros da Faculdade de
Medicina !! ! Unde se viu tamanha protervia ? Isto parece incrivel ; poré m nao é
menos verdade que todos esses annuncios emphalicos, de que apparecem in çados os
nossos jornaes, sao um dooto ás nossas leis, um escarneo ás autoridades, um apodo ao
scnso-commum, uma chan ça á sciencia medica , uma satyra acerba em íim á nossa
civilisa çã o .
Os pharmaccuticos bradam contra os droguistas, e os charlatã es, que invadem o
direito exclusivo que lhes d á a lei de venderem prepara ções medicamentosas ofiicinaes;
elles tem razão ; mas deverã o lemhrur-se do que lambem invadem o direito exclusivo
-
de curar , que a lei outorga ao medico, constituindo se juizes da opportunidade da
applica çã o dos remedies preparados em suas boticas , inventando formulas, annun *
-
ciando as como infalliveis nesta ou iv ' uquella enfermidade, e vendendo as sem uma
receita dos professores 1 ) . É ao medico somente que pertence, e poderá pertencer
-
o direito de exercer a arte de curar, pois que só elle é que preenche as condições, e
soflre as provas cspeciaes, quo a lei exige como garantia perante a sociedade ; c por
tanto elle é o unico habilitado para preconisar esta ou aquella prepara çã o, porque
salve em que casos, e em que circunstancias convem a sua applica çã o. l» ode muitas
vezes um remedio secreto operar com muito bom exilo; mas isto n á o basta para
ser autorizado do uma maneira geral ; porqup, n ã o sendo conhecida a sua com -
.
( 1 ) N â o prcUndcmi 8 ferir ningu ém : in » e ** timo8 c «i os abusos, e lú o com as individualidade» . K '
,
justi ça coufes« ar que temos nV* tn Ou rte alrnlizados pliainmceuticos que anbcui com homa de» em ' c*a r
-^
do clia / Jal õ o, e como elle liuaiiear petaule o
-
acu titulo, e t ú o aer o estes < i lad â os rcapeitadon a da lei , que quererão venir sua aucucu com os halutv
publico aeuaalo .
*
— — fil
posiçfio, nilo ha certeza de que seja util, ou pelo menos innoxio, em rasos ana
c assim é mister que primeiro a sua cíTicacia seja reconhecida pelos homens
-
( .
l i arte , ú nicos juizes competentes em tal mat é ria.
A syphilis que nos primeiros tempos do seu apparecimento foi um objecto de
horror , tem -se tornado tã o familiar que já ningu é m a teme como mort í fera ; parece
estar de todo fóra do domiuio da sciencia. Os charlatã es, apoderando-se do espirito
publico por meio de seos embustes, tem assumido a si o tratamento exclusivo das
moléstias ven é reas durante seus svmptomas primitivos, de sorte que talvez oitenta por
-
cento dos doentes, em vez do procurarem os facultativos, v â o lan çar se aos boticá rios,
e fazedores dcannuncios pomposos, que de ordin á rio, com seus meios violentos,
n ã o fazem mais do que asgrnvar as enfermidades, que pretendem curar. Qual medi -
co uao tem visto inllamma çoes intensas de bexiga terminadas porsuppurn çà o, tumores
da próstata, estreitamentos, ulcera ções e fistulas « la uretra &c. , resultado de injccçoes
secretas, e intempestivamente empregadas nas hleunorrhagias ? Quem n ã o tem visto,
em consequ ê ncia da cauterisa çã o imprudente de cancros venercos, sobrevirem lluv ões
-
sobre agudas á garganta , que terminando por ulcera ções obstinadas, que se propa -
gam ãs parles circuuivisiubas, assolam o v èo do paladar , as cartilagens e ossos do
nariz, os seios maxillarcs, &c. ? Nem sempre estes resultados são tão funestos, e os
charlat ã es conseguem ás vezes o desappareciinenlo mon entaneo dos svmptomas
primitivos ; mas resta a in fecçã o geral , que elles n ã o conhecem ; e depois de haver
o doente propagado a syphilis deque se aeba eivado, confiando na cura que lhe
asseguraram , 6 acommcllido dos svmptomas consecutivos, á que pod é ra esquivar-se,
se uao fò ra confiar o hem inapreci á vel dasaude ás m ã os de um impostor. A syphilis,
como já deix á mos dito, é a enfermidade que se apresenta debaixo de formas mais
variadas, e cujo tratamento, di ílicil quanto importante, reclama por conseguinte
mais habilidade, perspicá cia , estudos preliminares e uma pratica longa e continua
-.
da parte d 'aquelles que sã o chamados a emprega lo l ) ao-se por ventura estas cir-
cunstancias em um aventureiro, que n ã o especula o meio para dehellur a enfer -
midade, mas sim o meio para extorquir dos doentes a sua fortuna ? Se os me -
lhores remédios produzem em muitos casos resultados fataes ; se os mais fortes talen -
tos da medicina quebram-se ás vezes de encontro ao diagnostico e therapeutics
da syphilis, o que se hade esperar de composições violentas, amalgamas de drogas
que, por sua natureza , bastam para levar ás entranhas a destruiçã o e a morte ?
( ) que se hade esperar de homens que, n ã o conhecendo sen ã o n import â ncia do
porem o facto existe , c a impud ê ncia e nrdimento com que lodos os dias o
charlatanisme alard ôa suas maravilhas nos jornaes d ’ esla capital , defraudando
-
nossas leis, e insinuando se ardilosamente na credulidade publica , sã o uma apodixe
irrecusá vel do que temos avan çado.
Outras causas que n ão deixam de cooperar para a propaga çã o da syphilis são
certos preju í zos que , simulados ou reaes est ã o em voga no Rio de Janeiro.
Muitas pessoas acreditam na incontagiabilidade das blennorrhagies depois de pas -
sado o periodo agudo : esta convicçã o as impolie a nao evitar contacto algum
-
torpe, c onde ellas v ã o deleitar se, ahi communicant o germent do mal de que
est ão aftectadas, sendo muitas vezes as victimas suas proprias mulheres que tem
de sofTrer o castigo revoltante das infidelidades tie seus maridos ; e j á o disse -
mos , se procréant , os renovos tie sua especie vem enfezados de syphililis, e desde
o berço começam uma exist ê ncia de tormentos. Outros indiv í duos ha que nutrem
o preju í zo barbant de quo a inocula çã o d' estc virus praticada em uma mulher
p ú bere, è um meio prompto e seguro de o extinguir em si. N ã o sabemos se
com efieito esta cren ça 6 nascida da convicçã o , ou se n ã o ó mais do que um
pretexto para consumar novos crimes ; o que sabemos «* que ha factos d’esla
natureza. Um objecto « pie em nenhum paiz tem merecido uma seria atten ção
da parte das legisladores , è a facilidade com que homens , todos saturados do
mal contagioso, contrahem casamentos , e transmitlem á sua mulher , e á sua
posteridade este vicio que deteriora a ra ça humana. N ós outros medicos , que
penetrá mos os segredos puthologicos dus fam í lias, sabemos com que frequ ê ncia
no Rio de Janeiro se succedem estes casos , o nao é preciso fazer -lhes cotu-
I ne o tos, para que qualquer possa computar a inilueiicia que elles exercem sobre
a saude publica. Bem diz Eugenio Sue , que os homens que propoem pré mios
para o melhoramento da ra ça dos animaes que vivem sob seu jugo , olham com
negligencia para si , e n ã o curam de melhorar sua propria especie que decabe
a olhos vistos.
— 53
PROPHYLAXIA DA SYPHILIS.
-
-
é necessá rio, dizem elles, deixar cumprir se o Decreto da Providencia , que quer
castigar o vicio com o mesmo vicio ; clamam que é um sacrilégio andar o ho -
mem cm busca de um preservativo contra um mal que é a manifesta çã o da von -
tade celeste , e cujo aniquilamento importaria a subversã o total do impé rio da
castidade. Esta linguagem fautorisada nestes ú ltimos séculos por homens de nota ,
é sem duvida muito propria para um cenobita , educado entro as paredes de um
claustro , avezado a subjugar com o cilicio os est í mulos da carne , que n ã o co -
nhece o homem c suas paix ões, e que n ã o olha para o mundo sen ã o á travez
do prisma da religi ã o : é muito propria para ser doutrinada , em tempos de fana -
tismo , por um Dominicano nomeio de uma pra ça , ao clar ã o das fogueiras, entre
os brados das victimas que sentem a chamma tostar-lhes os membros , e os surdos
gemidos de um povo sufTocado pelo terror ; mas faltará d esta arte o pbilosopho
que haja contemplado a historia do cora çã o humano, neste século em que se
nao prega o Evangelho com a eloquê ncia das torturas , das masmorras e das
fogueiras ; em que n ã o se offerlam ao Deos das misericó rdias sacrif í cios de san -
gue ; e em que n ã o se abre a veia aos reis para extrahir - lhe do principio da
vida o sentimento da compaix ã o ? O Christianismo, levantando na Europa o es-
tandarte ensanguentado da ltedempçã o , parecco que ia derribar o homem cncu -
-
ineado no monte das paixões, e entretanto Tertulliano quoixa sc amargamente da
numerosa quantidade de mulheres que, em seu tempo , se entregavam ao trato
meretr ício, e que vergonhosamente tinham commercio com os sacerdotes, os mon -
ges, e outras pessoas votadas ao servi ço dos altares, c ás quaes elle dava a al -
- .
( I ) Consta nos quo M Duguiolle tem obtido optimos resultados do emprego da soda caustica como
.
preservadora do mal veneroo Ainda nio vimos poremptoriamente provada a sua efficacia , c por tanto nio
.
aventuramos nenhum juiio ú seu respeito Elle a emprega topicamente .
.
56
— —
cunha de mulot do deinonio ( 1) Sobrevém a syphilis , o seus terrores n üo p,,.
deram vencer o que n ã o vencoo a pureza e santidade da moral christà ; as paix *
^
n ã o se calaram , o furor da carne n ã o se abatco, c o vicio continua a ser sempre
o que d’elle disse d ' Holbach « un tyran qui donne à scs esclaves un fatal courage
« capable de leur faire affronter les maladies et la mort. » K ’ portanto nosst
convicçã o , que ningu é m poder á seriamente sustentar hoje o principio da immo -
ralidade dos meios preservadores da syphilis , e por isso n ã o proscguiremos n »
defeza da doutrina de Bicord , que nosservio de texto para este artigo, e nos li.
mitamos a apresenta-la nas seguintes proposiçóes :
1.* Se a syphilis fosse um castigo celeste, ella n ão acommettcria tantos innocen -
tes que sã o victimas da libertinagem de outrem.
2. * A humanidade leccionada em cada pagina do Envangelho por aquelle que
para a salvar padeceu morte affrontosa , é a base, ou antes, ó cila mesma a nossa
- -
moral , a nossa religi ã o : por tanto é anti religioso c anti moral o principio que
condemna por sacr í lego o tratamento prophylatico da syphilis.
3. “ Esta enfermidade, longe de ser um obst á culo, é um principio de corrupçã o.
Assim pois o medico desempenha um dever de caridade pesquizando o meiodt
preservar seu proximo do contagio venereo. Jacques Bcrengcr de Carpy , introdu -
zindo na mat é ria medica o merc ú rio para o tratamento curativo d 'esta enfermi -
dade, grangeou um titulo a venera çã o dos homens ; o novo Jenner que desencerrar
dos mysteri ös recô nditos da natureza o elemento prophylatico da syphilis terá achado
a pedra philosophal , e será credor das bê n çã os da mais remota posteridade.
( 1 ) Verutn si quis est, qui etiam meretricis amoribus interdictum juventuti putet, est Ule quidem
—
aide severus, negare non possum , etc Oratio pro Caelio .
( 2 ) Duch â telet cita este trecho dc Santo Agostinho : Quid sordidius, quid inanius decori et turpidinis
*
plenius meretricibus , lenonibus, cocterisque hoc genus pestibus dici potest f Aufer meretiices de rebus
humanis, turbareris omnia libidinibus ; constituo matronarum loco, labe ac dedccoie dehonestaveiis. Sic
igitur hoc genus Uominum per sues mores impur íssimos vita , per ordinis leges condition« v ílissimum .
— — 60
libertinagem ; e quem n ã o conhece o perigo d este facto, todos os dias repetido à
face do povo ? Concentrai a prostituiçã o : é o mais solido garante que se póde of -
lerecer á moral , á saude, e á seguran ça do publico.
3.° As mulheres que fazem m ã o uso de seu corpo devem ser visitados por medicos
compclcnleinente autorisados para investigar seu estado de saude, e no casodeserem
-
encontradas molestas, a policia deve obriga las a se recolherem ú um hospital de
venereos, cuja crea çáo 6 de imperiosa e urgente necessidade no estado em que hoje
se acha a cidade do Rio de Janeiro. Ü unico hospital que temos, o da Santa
Casa da Misericó rdia, nunca destinou enfermarias para receber exclusivamente os
doentes de enfermidades syphiliticas ; e as mulheres publicas, n ã o querendo raix
turar-se com as infelizes que procuram aquellc abrigo, porque se reputam em
-
uma sphera superior , preferem antes a extrema misé ria em sua casa aos soccorros que
lhes depara a caridade publica. Um pequeno hospital portanto , ou pelo menor
uma enfermaria sulliciento n ’ aquelle que a Santa Casa est á construindo, e onde as
prostitutas estejam sujeitas á certas praticas religiosas e policiaes, nos parece ser a
medida que mais importa à salubridade publica , relativamente ás enfermidades
venereas.
4.° O bom senso, e a nossa civilisa çã o reclamam leis fortes que reprimam o charla -
tanisme , ou ent ã o melhor execu çã o das que temos.
5 ° Sahatier propoem que sejam vedados nostheatros ás prostitutas os lugares em que
ellas ficam de alguma sorte confundidas com as senhoras honestas , e que nem possam
sahir de dia á rua . Convir ã o estas medidas ? A primeira ao menos nos parece um
meio muito azado para subtrahir ás mulheres do trato mais esta occasi ã o de ostentarem
sua impudicicia. O stoico que procura desarraigar todas as paixões e o epicurista que
se entrega ao desenfreamento de todos os desejos, audios v ã o fó ra da natureza huma -
na , e se as leis n ã o podem mudar a sua organisa çã o , se ella n ã o tem for ça para extirpar
este cancro vergonhoso c insepará vel das sociedades, é mister provar a sua moralidade
n ão deixando que elle difunda sobre as pessoas honestas suas exhala çoes mophiticas,
seus vapores asquerosos, e reprimindo a prostituta sob o gravame da ignobilidade.
G. ° A prostitui çã o clandestina , que por sua natureza escapa ao tiro das leis , e fur -
ta -se á vigilâ ncia da mais atilada policia , 6 entre n ós exercida , como já dissemos ,
quasi exclusivamente pelas escravas ; e por tanto 6 a prostituiçã o clandestina do Rio
de Janeiro a mais funesta , e a mais baixa que se conhece. Quereis dar-lhe garrote ?
Principiai por abolira escravid ã o nesta capital , onde os escravos sã o um objecto de
mero luxo ; se a nossa lavoura n ã o póde já dispensar os bra ços africanos , nesta cidade
n ã o ha lavoura , caqui portanto podemos prescindir d ’ este vergonhoso mercado, que
nos corrompe por todos os modos. Esta id óa nada tem de desarrazoada o de inexe -
qu í vel, e se ella fosse adoptada seria o incentivo para a realisação de um vasto pensa
mento, a nossa regenera çã o moral. Bem sabemos que isto n ã o faria cessar a prosti
--
tuiçã o clandestina ; por é m n ão seria ella t ão vergonhosa c t ã o fatal em seus rcsul -
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lados. E' em favor da religi ã o , da moral , cda snudodo povo da capital do Brasil quo
erguemos a nossa voz , c por tanto n ã o tememos «le bradar que é urgente , c muito
urgente que principiemos a terminar o espectaculo de uma cidade inteira flagellada
pela praga da escravid ã o, que sobre n ós despeja a jorros o veneno «la corrupçã o ( 1).
Nã o levaremos mais longe o programma das medidas que entendemos serem pre -
cisas para reprimir os estragos da prostituiçã o para n ã o degenerarmos em utopista.
N ã o será sem extrema dilTiculdade que se conseguirá estabelecer qualquer reforma
sobro a prostitui çã o publica ; mas també m para o futuro dobrados ser ã o os abstaculos.
A pbilosophia nos brada que fa çamos sobre n ós um esforço para espeda çar os laços
que nos prendem ao vicio , e á mediocridade , c que n ã o imitemos esses povos da
China, que, escravisados pelo costume, deixar ã o que lhes cortem antes a cabeça do que
os cabcllos ( 1 ).
Ainda outra vez, teremos de vencer innumcras di íTiculdades ; poré m mais glorioso
será o triumpho : recuar ante as vicissitudes de uma revolu çã o moral, que levantaria
um povo inteiro « le uma condi çã o vergonhosa o miser á vel, seria preferirmales eternos
á cominoçoes passageiras.
Temos conclu í do a tarefa que tom á mos : nosso trabalho mal acabado vai correr o
campo « la imprensa para soffirer a sorte de quem á elle se aventura sem a egide
da erudi çã o. Repetições enfadonhas, ideas communs , e outros defeitos, uns depen -
dents da propria natureza do trabalho, outros de nosso apoucamcnto, é o que
nelle se acha de mais notá vel. Muitas vezes nossas ideas se encontrar ã o com as do
outros escritores, o nem se pode evitar este accidente ern materia de moralidade,
em que os esp í ritos est ã o temperados em unisonancia ; mas o que lemos o « lemos
- .
á seus autores, e o que escrevemos, foi nos por elles inspirado Isto mesmo custa tra -
balho n ã o pequeno, e um illustre moralista fiancez, Yauvcnargues, nos desculpa com
—
este seu apophthegina : Il est plus aisé de «lire des choses nouvelles « juc de concilier
celles qui ont clé dites.
( 1 ) Lemos no Espirito das leis de Montesquieu que em Constantinopla a escrnrn que provar que scu
senhor a violou , é declarada livre e com direitos á indenisa çiio ; e que entre os Lombardos se o senhor
.
perverter a mulher de seu escravo, ficam ambos forros “ Tcmperement admirable ” “ exclama elle" pour
•• pr é venir et arr ê ter, sans trop de rigueur, l'incontinence des ma î tres! ” e apoia estas leis com o seguinte
“ principio : *' les lois de la pudicité sont du droit naturel, et doivent ê tre senties par touts les nations du
.
" monde <Jue si la loi qui conserve la pudicité des esclaves est bonne dans les é tats o ù le pouvoir sans
--
•• bornes se joue de tout , combien le sera t elle dans les monarchies ? ” l’orque rax ü o nem uma Ici entre
n ós poem um freio á lasc í via de muitos senhores, e de muitas escravas T
( 2 ) Expressão de Virey .
15
Î HPPOCRATIS APHORISM!.
I.
.
Ail extremos morbos, extrema remeilia exquisite optima. ( Sect 1. * aph 6 °) . .
11.
III.
Non satietas, non fames, neque aliud quicquam bonum est , quod supra naturae
. .
modum fuerit Sect. 2 * apb 4.° ).
IV.
Impura corpora quo ma is nutriveris, co magis l ædes. ( Sect. 2. ' apb. 10. )
^ V.
Si rigor incidat febri non intermittente, debili jam existente ægro, letbalc. (Sect.
.
4. ° apb. 46 )
TVP . .
IMP .
DE p BRITO . 1845 .
Esta these está conforme os Estatutos, Rio de Janeiro 10 de Dezembro de 1813.
DR . FRANCISCO JULIO XAVIER.