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MEDITACAO SEGUNDA2? Da Natureza do Espirito Humano; ede como Ele é Mais Facil de Conhecer do que 0 Corpo 1. A Meditagao que fiz ontem en- cheu-me o espirito de tantas dividas, que doravante nao esta mais em meu alcance esquecé-las. E, no entanto, nao yejo de que mancira poderia resolvé- las;.¢, como se de siibito tivesse caido em Aguas muito profundas, estou de tal modo surpreso que n@o posso nem fir- mar meus pés no fundo, nem nadar para me manter 4 tona. Esforgar-me-ei, nao obstante, ¢ seguirei novamente a mesma via que trilhei ontem, afastan- do-me de tudo em que poderia imagi- nar a menor diivida, da mesma manei- ra como Se eu soubesse que istd fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de certo, ou, pelo menos, s¢ outra coisa nao me for possi- 22 Plano da Meditagio: A) §$1-9: da namureze do espitito huma. §§5-9: reflexio sobre esta primeira certe za conguista da segunda: {§§ 5-8): quem sou cu, eu que estou cetto que sou? Una coisa Pensunte. Detetminagao da essén- sia do Ei (§9): descrigio da “coisa pensante” © distingo entre 0 pensamento (attibato. principal desta. substn- cia) € suas outras Faculdade: B) §§10-18; . ..¢ de como ele £ mais Facil de ‘conhecer do que o corpo: Contraprova da segunda certeza (0 pe dago de cera) = conquista da. terceira certeza, vel, até que tenha aprendido certa- mente que nao hé nada no mundo de certo. 2. Arquimedes, para tirar 0 globo terrestre de seu lugar e transporté-lo para outra parte, nao pedia nada mais exceto um ponto que fosse fixo e segu- ro. Assim, terei o direito de conceber altas esperangas, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitavel? +. 3. Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo sao falsas; persuado- me de que jamais existiu de tudo quan- to minha memoria referta de mentiras me representa: penso nfo possuir ne- nhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensao, o movimento € 0 lugar sao apenas ficgdes de meu espiri- to. O que poder, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a nao ser que nada ha no mundo de certo, are 4. Mas que sei eu, se nao ha nenhu- ma outra coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual nao se possa ter a menor divida? Nao havera algum Deus, ou alguma outra poténcia, que me ponha no espirito tais pensamen- tos? Isso nao € necessArio; pois talvez seja eu capaz de produzi-los por mim mesmo. Eu entao, pelo menos, nao serei alguma coisa? Mas ja neguei que 2+ A primeira certeza adquirida no sera, pois, a ‘mais alta; deve apenas inauguran a cadcia das. raudes. 100. tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito no entanto, pois que se segue dai? Serei de tal modo depen- dente do corpo e dos sentidos que niio possa existir sem cles? Mas eu me per- suadi de que nada cxistia no mundo, que nao havia nenhum céu, nenhuma terra, espiritos alguns, nem corpos alguns: nao me persuadi também, por- tanto, de que eu nao existia? 5? Certa- mente nao, eu existia sem diivida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas ha algum, nao sei qual, enganador mui poderoso ¢ mui ardiloso que emprega toda a sua indiis- tria em enganar-me sempre. Nao ha, pois, davida alguma de que sou, se ele me engana; ¢, por mais que me engane, nao poder jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser algu- ma coisa? *. De sorte que, apis ter pen- sado bastante nisto ¢ de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cum- pre enfim concluir e ter por constante que esta proposigao, ew sou, eu existo, € necessariamente verdadeira todas as 4&5 Retomemos 0 raciocinio. No ponto em que 2310u, no, poderia eu ter a cérteza da: existencia de ““algum Dens”? Nao, nada o exige (¢ um dos principios de andlise dos gedmetras é'0 de no femontar a uma verdade superior aguela’ com que poss0 me contentar). Irei invocar a certeza de minha sxiséncia como individuo, sujeito concreto? Nao, ‘nada 0 perme, visto que pus em divida a exis téncia de tudo 0 que h&™no mundo”. -. Mas cuida- do! A “hesitagao” aqui é ditada pelo medo de uma confusio: fiel & regra da davida, nao tenho motivo de abrir excegio em favor do homem concreto que sou; mas, aquém deste, hi algo que ira resistir A d- Vida. E doravante o Eu ndo sera mais este Eu de ‘chambre € ao pé do fogo que a Primera Meditagio evocava (como indica Goldschmidt, Congresso Descartes de Royaumont, pag. 53). 2 Essa frase evidencia bem 0 papel do “Grande Embusteiro”: impor 4 meus pensamentos uma prova de al ordem que aqule que he resist sj, quando nfo garantide como verdadeiro (€ impos- sivel antes da prova da existincia de Deus), pelo menos recebido como certo, Se nao fosse arrancado, extorquido a0 Génio Maligno, 0 Cogito nao passa ria de uma banalidade. Sobre a originalidade do Cogito, cf. 0 fit do opisculo de Pascal: De !Esprit Gboméirique. DESCARTES vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espirito? 7. 5. Mas nao conhego ainda bastante claramente © que sou, eu que estou certo de que sou; de sorte que dora- vante é preciso que eu atente com todo cuidado, para nao tomar imprudente- mente alguma outra coisa por mim, ¢ assim para nao equivocar-me neste conhecimento que afirmo ser mais certo € mais evidente do que todos os que tive até agora?®. 6. Eis por que considerarei de novo © que acreditava ser, antes de me empenhar nestes tiltimos pensamentos; e de minhas antigas opinides suprimi- rei tudo o que pode ser combatido pelas razdes que aleguei ha pouco, de sorte que permane¢a apenas precisa- mente o que é de todo indubitavel. O que, pois, acreditava eu ser até aqui? Sem dificuldade, pensei que era um homem. Mas que é um homem? Direi que é um animal racional? Certamente nao: pois seria necessario em seguida pesquisar o que é animal e o que é racional ¢ assim, de uma sO questao, cairiamos insensivelmente numa infini- dade de outras mais dificeis ¢ embara- cosas, ¢ eu nao quereria abusar do pouco tempo ¢ lazer que me resta empregando-o cm deslindar seme: 2” © fim di frase indica que ela's6 € verdadeira cada vez que penso nela atualrmente. E também uma ansiga0, pois permitiré responder & pergunta que agora haverd de colocar-se: qual € a natureza deste Eu-existente que acabo de afirmar? 28 Bu no conhego, ainda, © conteddo desta exis- téncia que acabo de afirmar. Importa, pois, encon tri-lo pela exclusiva anélise dos dados do problema, Istoié, por determinagao, tevando em conte tudo 0 que € dado, mas excluindo tudo o que nao o é (a referéncia & Regra XII & aqui indispensavel). Notar ‘2 frase “é preciso que eu atente com todo. cuidado para no tomar imprudentemente alguma outr coisa por fim”, que serin absurdo no plano da Psi cologia © que se justifica apenas a0 nivel de uma A\l- ebra das noses, comparivel 4 “Algebra dos ‘somprimentos® das Regulae. MEDITACOES 101 thantes sutilezas*®. Mas, antes, deter- me-ci em considerar aqui os pensa- mentos que anteriormente nasciam por si mesmos em meu espirito e que eram. inspirados apenas por minha natureza, quando me aplicava 4 consideragao de meu ser, Considerava-me, inicial- mente, como provido de rosto, maos, bragos ¢ toda essa maquina composta de ossos € carne, tal como ela aparece em um cadaver, a qual eu designava pelo nome de corpo. Considerava, além disso, qué me alimentava, que caminhava, que sentia e que pensava e relacionava todas essas agdes a alma®®; mas nao me detinha em pen- sar em que consistia essa alma, ou, se o fazia, imaginava que era algo extre- mamente raro ¢ sutil, como um vento, uma flama ou um ar muito ténue, que estava insinuado ¢ disseminado nas minhas partes mais grosseiras. No que se referia ao corpo, nao duvidava de maneira alguma de sua natureza; pois pensdva conhecé-la mui distintamente ¢, se quisesse explicé-la segundo as nogées que dela tinha, té-la-ia descrito desta maneira: por corpo entendo tudo © que pode ser limitado por alguma figura; que pode ser compreendido em qualquer lugar e preencher um espaco de tal sorte que todo outro corpo dele seja excluido; que pode ser sentido ou pelo tato, ou pela visdo, ou pela audi- a0, ou-pelo olfato; que pode ser movi- do de muitas maneiras, néo por si mesmo, mas por algo de alheio pelo 34 Sobre este método de determinagiio. do. pro: idee pet eepcaeyta tf oitpst Rec ta Vérlié (Pléiade, pigs. 892-94). Ao it aturdido que acaba de responder: “Diria, portanto, que sou um homem”, 0 cartesiana replica: "Nao prestais aleneao ao que perguntel ¢ a tesposta que apreseniais, embora ¥os parega simples, langar- ‘vos-ia em questies muito frduaa e muito embarago- 525; 8 cu quisesse aperté-las por menas que sej Nao entendestes bem a minha pergunta e respondeis, & mais coisas do que vos perguntei... Dizei-me, ois, 0 que sois propriamente, na medida em que duvidais”. 29 CF, Respostas, 308, qual seja tocado e do qual receba a impressao. Pois nao acreditava de modo algum que se devesse atribuir a natureza corporea vantagens como ter de si o poder de mover-se, de sentir € de pensar; ao contrario, espantava-me antes ao ver que semelhantes faculda- des se encontravam em certos cor- pos?? 7. Mas cu, 0 que sou eu, agora que suponho3? que ha alguém que é extre- mamente poderoso e, se ouso dizé-lo, malicioso ¢ ardiloso, que emprega todas as suas forgase toda a sua indis- tria em enganar-me? Posso estar certo de possuir a menor de todas as coisas que atribui ha pouco & natureza corpé- rea? Detenho-me em pensar nisto com atengfio, passo ¢ repasso todas essas coisas em meu espirito, e nao encontro nenhuma que possa dizer que exista em mim. Nao é necessario que me de- more a enumeré-las. Passemos, pois, aos atributos da alma e vejamos se ha alguns que existam em mim. Os pri- meiros sao alimentar-me ¢ caminhar; mas, se € verdade que nfo possuo corpo algum, é yerdade também que no posso nem caminhar nem alimen- tar-me. Um outro ¢ sentir; mas nao se pode também sentir sem 0 corpo; além do que, pensei sentir outrora muitas coisas, durante 0 sono, as quais reco- nheci, ao despertar, nao ter sentido efetivamente. Um outro é pensar; € verifico aqui que o pensamento é um atributo que me pertence; s6 ele nao 3 Este conhecimento “natural” que eu tenho de mim mesmo antes da prova da divida sera inteira- mente falso? Nao. Sea alma é concebida & maneira dos escolasticos, em troca a distingo entre 0 corpo 0 espirito (indispensavel & Fisica) esta af presente, ‘mas a titulo de opinido provavel, sem fundamento, CE. Respostas, 204. 2 Mudanea de plano. Do pensamenta inspirado por “minha naturexa” passamos a 5d idéia de mim ‘mesmo compativel com a instauragao da divida, da indeterminapan picligice & detcrminagao meta sica. 102 pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo: isto € certo; mas por quanto tempo? A saber, por todo 0 tempo em. que eu penso®; pois poderia, talvez, ocorrer que, sé eu deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir. Nada admito agora que nfo seja necessariamente verdadeiro: nada sou, pois, falando precisamente, sendo uma coisa que pensa, isto 6, um espiri- to, um entendimento ou uma razao, que sio termos cuja significagao me era anteriormente?* desconhecida. Ora, eu sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente; mas que coisa? Ja o disse: uma coisa que pensa. E que mais? Excitarei ainda minha imaginagao para procurar saber sé no sou algo mais. Eu nao sou essa reuniao de membros que se chama o corpo humano; nao sou um ar ténue e pene- trante, disseminado por todos esses membros; no sou um vento, um sopro, um vapor, nem algo que posso fingir e imaginar, posto que supus que tudo isso ndo era nada e que, sem mudar- essa suposigao, verifico que nao deixo de estar seguro de que sou algu- ma coisa * 5. 8. Mas também pode ocorrer que essas mesmas coisas, que suponho nao 22 Emre todas as faculdades: 1) do corpo — 2) da alma, uma 35, 0 pensamento, resiste & exclusio. Vemos aqui a importancia do fim do § 4: “Esta proposicao — eu. sou, en etisto — é nevessaria- mente verdadeira sempre que eu a promuncio ou que eu a concebo em meu espirito”. & ao refletir sobre esta inseparabitidade — tinico dado que se enconira em minha posse — que obtenho imsdiatamente a natufeza “daguilo. que sou”. Trata-se da primeira yerdade da cadeia de razoes. 44 “Anteriormente”, isto €, no plano em que nos colocava 0 pardgrafo precedente, eu podia proferir estas palavras, mas sem thes ter determinado 0 sen- tido, portanto sem conhecé-lo, 2 Sobre o fim desse pardgrafo, cf 505 e sexs, Nao a necessidade alguma de ir procurar em ouira parte uma resposta, visto que dei a iinica resposta: que respeitava os dados do problema: “Bu sou uma coisa que penisa”. Maso homem natural” sente-se lentado a recorrer & imaginagao a fim de completar €sta resposta. Ha nisso uma inclinagao que 0 paré- rafo seguinte ira desenraizar. DESCARTES existirem, j que me sio desconhe- cidas, nao ‘sejam efetivamente diferen- tes de mim, que eu conhego? Nada sei a respeito; nao o discuto atualmente, nao posso dar meu juizo sendo a coisas que me sio conhecidas: reconheci que eu era, © procuro 0 que sou, eu que reconheci ser. Ora, é muito certo que essa nogdo € conhecimento de mim mesmo, assim precisamente tomada, nao depende em nada das coisas cuja existéncia nao me é ainda conheci- da®*; nem, por conseguinte, ¢ com mais razio de nenhuma daquelas que sao fingidas e inventadas pela imagina- gio. E mesmo esses termos fingir e imaginar advertem-me de meu erro; pois eu fingiria efetivamente se imagi- nasse ser alguma coisa, posto que ima- ginar nada mais é do que contemplar a figura ou a imagem de uma coisa cor- poral. Ora, sei ja certamente que eu sou, € que, ao mesmo tempo, pode ‘ocorrer que todas essas imagens e, em geral, todas as coisas que se relacio- nam &natureza do corpo sejam apenas sonhos ou quimeras. Em seguimento disso, vejo claramente que teria tao pouca razao ao dizer: excitarci minha imaginagao para conhecer mais distin- tamente 0 que sou, como se dissesse: estou atualmente acordado ¢ percebo algo de real e de verdadeiro; mas, visto que nao 0 percebo ainda assaz nitida- mente, dormiria intencionalmente a fim de que meus sonhos mo represen- tassem com maior verdade ¢ evidéncia. E, assim, reconheco certamente que nada, de tudo 0 que posso com- preender por meio da imaginagao, per- tence a este conhecimento que tenho de mim mesmo e que é necessario lembrar ¥* © contraditor que retorquisse haver talvez. em mim alguma outra faculdade desconhecida situar- se-ia no plano da Psicologia e nao das razdes meta fisicas. Um dos principios da andlise € que nio tenho 0 direito de argtir propriedades ainda deseo- nhecidas para combater as que se acham agora estabelecidas. MEDITAGOES e desviar 0 espirito dessa maneira de conceber a fim de que ele proprio possa reconhecer muito distintamente sua natureza??. 9. Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? E uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que nao quer, que imagina tam- ‘bém & que sente*®, Certamente nao é pouco se todas essas coisas pertencem 4 minha natureza. Mas por que no lhe pertenceriam? Nao sou eu proprio esse mesmo que duvida de quase tudo, que, no entanto, entende e concebe certas coisas, que assegura e afirma que somente tais coisas sao yerdadeiras, que nega todas’ as demais, que quer e deseja conhecé-las mais, que ndo quer ser enganado, que imagina muitas coi- sas, mesmo mau grado seu, € que sente também muitas como que por inter médio dos érgdos do corpo? HaverA algo em tudo isso que nao seja tao ver- dadeiro quanto @ certo que sou ¢ que existo, mesmo se dormisse sempre e ainda quando aquele que me dew a existéncia se servisse de todas as suas forgas para enganar-me? Havera, tam- bém, algum desses atributos que possa ser distinguido de meu pensamento, ou que se possa dizer que existe separado 27 Em virtude desse principio, nfo me é dado abso- utamente o dircito de recorrer A imaginago, pois “tudo. quanto posso compreender por sei: meio” foi caciuido pela diva, For ai ea st, 20: meamo tempo, que minha natureza & puro, to. Exclusino de todo Wetieato corporal & w bejende verdade, a qual nao se deve confundir com a distin- ‘p40 real entre a alma € 0 corpo, estabélecida somen- {e nia Meditagao Sexta. Ci. 510. 5® Cumpre observar a diferenga relativamente i definigdo do § 7: “Isto € um espirito, um entendi- mento ou ums razio". Af determinava-se a esséncia ds substancia “coisa pensante”; aqui ela € descrita cevestida de seus diferentes modos. Desse novo ponto de vista, reintegra-se na "coisa pensante” 0 que fora excluido de sua esséncia. Todos esses miodos (imaginar, sentir, querer), embora. nfo per- ‘engam & minha natureza, néo podem ser postos em Sivida, na medida em que se beneficiam da certeza 0 Cogito. 103 de mim mesmo? Pois é por si tao evi- dente que sou eu quem duvida, quem entende ¢ quem deseja que nao é neces- sario nada acrescentar aqui para expli- cao. E tenho também certamente o poder de imaginar; pois, ainda que possa ocorrer (como supus anterior- mente) que as coisas que imagino nao sejam verdadeiras, este poder de imagi- nar nao deixa, no entanto, de existir realmente em mim e faz parte do meu pensamento. Enfim, sou o mesmo que sente, isto €, que recebe ¢ conhece as coisas como que pelos érgaos dos sen- tidos, posto que, com efeito, vejo a luz, ougo o ruido, sinto o calor. Mas dir- me-do que essas aparéncias sao falsas € que eu durmo. Que assim seja; toda via,.ao menos, € muito certo que me parece que vejo, que ougo e que me aquego; e € propriamente aquilo que em mim se chama sentir e isto, tomado assim ptecisamente, nada é senao pen- sar, Donde, comego a conhecer o que sou, com um pouco mais de luz e de distingao do que anteriormente*®. 10. Mas nao me posso impedir de crer que as coisas corpéreas*?, cujas imagens se formam pelo meu pensa- mento, € que se apresentam aos senti- dos, sejam mais distintamente conheci das do que essa nao sei que parte de mim mesmo que nao se apresenta a imaginagaio: embora, com efeito, seja uma coisa bastante estranha que coisas que considero duvidosas ¢ distantes sejam mais claras e mais facilmente conhecidas por mim do que aquelas 39 A saber, um pensamento; a) distinto dos corpos, se 05 houver; b) distinta das faculdades néo propria: mente intelectuais, como a imaginagao, que 50 me pertencem porque implicam este pensamento puro. 42 Novo assalto do pensamento imaginstivo.ine- rente “minha natureza” e do qual nao posso ainda me desprender: estou convencido, mas néo persus- dido. Dai a necessidade de uma contraprova que setvird para estabelecer a terceira verdade. Como todas as figuras de retérica das Meditagées, esta integrase na ordem.

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