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A importância da figura

ARTIGO depara
paterna revisão
o desenvolvimento infantil

A importância da figura paterna para o


desenvolvimento infantil
Edyleine Bellini Peroni Benczik

RESUMO – Em função das transformações sociais, culturais e familiares


ocorridas, desde o século passado, o papel da figura paterna passou e está
passando por mudanças significativas na nossa sociedade. O objetivo do
presente artigo é trazer à luz algumas reflexões sobre o atual papel do
pai, tanto para o filho, quanto para a família, bem como a sua grande
importância na estruturação psíquica e no desenvolvimento social e
cognitivo da criança.

UNITERMOS: Pai. Relações Pai-Filho. Relações Familiares. Família.


Desenvolvimento infantil.

Edyleine Bellini Peroni Benczik – Doutora em Correspondência: Edyleine Bellini Peroni Benczik
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Rua Artur de Azevedo, 1767 – 14º Andar – cjto 142
pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São – Pinheiros – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05404-000
Paulo (IPUSP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: benczik@ig.com.br

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INTRODUÇÃO identidade masculina, culturalmente determi-


O papel do pai na Sociedade tem se transfor- nada, tem sido tarefa de estudos, que colocam
mado, sobretudo, nas últimas décadas. De fato, a em perspectiva experiências contemporâneas
“condição” de Pai evoluiu e continua em franco de paternidade4. O pai exercia o poder na casa,
processo de evolução, devido às transformações com força para manter o círculo vicioso em que
culturais, sociais e familiares, passando pela fase a família estava secularmente encerrada. Sua
em que os filhos eram propriedades do pai (com autoridade valia tanto para os filhos como para
as mães quase sem direitos), e pela fase em que a mulher, que dele dependia economicamente
o pai era apenas o suporte financeiro da família. e a quem se submetia de acordo com as regras
Costa1 resgata o pai antigo, proprietário de estabelecidas. A importância do pai, do patri-
bens, escravos e filhos, disposto a impor sua lei mônio e da religião reduziu, expressivamente,
e seus direitos e a resguardar seu nome e sua o espaço físico e sentimental da criança3.
honra. Autoritário, se isentava de maiores com- Historicamente, até ao fim do século passado,
promissos e de manifestações afetivas para com o pai desempenhava essencialmente uma função
os filhos, cuja relação era marcada pela ideia educadora e disciplinadora, segundo códigos
da diferença, ao se referir à hierarquia familiar: frequentemente rígidos e repressivos. E, a inte-
“adulto é diferente de criança, está na posição ração entre pai e filho era reduzida, particular-
de quem sabe ‘mais e melhor’, e pode – e mesmo mente nos primeiros anos de vida, bem como a
deve – de quando em quando, mostrar seu poder sua participação nos cuidados diários à criança.
através do exercício legitimo da disciplina”2. Marques et al.5 relatam que, depois da II
Gomes e Resende3 comentam que o homem Guerra Mundial e, em consequência de altera-
encontrava dificuldades para separar sua indi- ções profundas que se deram na sociedade oci-
vidualidade das funções de pai. Manteve-se dental, como os pais empregados, a composição
protegido no silêncio, comprometedor de toda da família nuclear e as dificuldades econômicas,
possibilidade de diálogo com a família, especial- o pai foi-se tornando cada vez mais participa-
mente com os filhos. Foi sempre apoiado pela tivo. Moraes6 afirma que, com um número de
cultura que, sendo patriarcal, reservou-lhe lugar mulheres cada vez maior ingressando no merca-
acima da trama doméstica constituída, sobre- do de trabalho e conquistando a independência
tudo pela mulher e pela criança. Esta situação econômica, ocorreram novos arranjos familiares,
vem-se modificando, lenta e progressivamente, com significativa mudança nas relações entre
de modo indissociável, da sociedade e família. homens e mulheres, como a separação entre
Porém, a mudança de hábitos não acompanha papéis conjugais e papéis parentais. Nesta nova
o ritmo da transformação de valores. Antes de redistribuição igualitária dos papéis masculino
assimilar a nova configuração familiar, mode- e feminino, o homem como marido e como pai
lado no processo que introduziu a mulher no tem sido o principal alvo de transformação. No
mercado de trabalho, o homem é surpreendido entanto, somente a partir da década de 50, e em
pela ruptura da hierarquia doméstica e pelo resultado de progressos no domínio perinatal,
constante questionamento de sua autoridade. que vários investigadores têm se debruçado
Tais mudanças não contribuíram para reduzir sobre o papel do pai na vida do bebê, sobre a
o vazio instalado na rede de relações afetivas. relação pai e filho e o processo de vinculação.
O distanciamento entre o homem e os demais
membros do núcleo familiar denuncia-se na O PAI E A FUNÇÃO PATERNA
fragilidade do vínculo estabelecido entre pai e É reconhecido como importante o papel do
filho, principalmente quando se trata de crian- pai no desenvolvimento da criança e a interação
ças do sexo masculino. Penetrar este silêncio e entre pai e filho é um dos fatores decisivos para
entender a questão do pai, tendo como eixo a o desenvolvimento cognitivo e social, facilitando

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a capacidade de aprendizagem e a integração Muza10 afirma que o pai aparece como o terceiro
da criança na comunidade7. A experiência clíni- imprescindível para que a criança elabore a perda
ca tem mostrado que, na vida adulta, as repre- da relação inicial com a mãe, sendo que a criança
sentações dessa vivência insurgem nas várias necessita do pai para desprender-se da mãe e, ao
possibilidades de construção psicoafetiva, com mesmo tempo, também necessita de um pai e de
repercussão nas relações sociais3. uma mãe para satisfazer, por identificação, sua
As teorias psicológicas e as pesquisas cientí- bissexualidade. Este autor afirma, ainda, que o pai
ficas afirmam e fundamentam o papel da figura passa a representar um princípio de realidade e
paterna no desenvolvimento e no psiquismo de ordem na família, e a criança sente que ela não
infantil. É pressuposto da teoria psicanalítica o é mais a única a compartilhar a atenção da mãe.
papel estruturante do pai, a partir da instaura- Cavalcante11, apoiada pela teoria junguiana,
ção do complexo de Édipo. Na trama familiar, sustenta que o arquétipo do pai, vivenciado
o sujeito se constrói e sai do estado de natureza através da encarnação no pai real, é o símbolo
para ingressar na cultura. Freud8, em seu tra- que promove a estruturação psíquica da criança
balho Leonardo da Vinci e uma lembrança da e lhe permite abrir-se para o horizonte de novas
sua infância, afirma: “na maioria dos seres hu- possibilidades. Neste sentido, a identificação da
manos, tanto hoje como nos tempos primitivos, criança com o universo de seu pai se dá por meio
a necessidade de se apoiar numa autoridade de da experiência da interação, quando ele apa-
qualquer espécie é tão imperativa que seu mun- rece como interdito na relação urobórica, entre
do desmorona se essa autoridade é ameaçada”. mãe e filho e a sua presença marca, simbolica-
Para Aberastury9, o pai representa a possibili- mente, a dinâmica de rompimento desta fase3.
dade do equilíbrio pensado como regulador da Corneau12, fundamentado pelas ideias de
capacidade da criança investir no mundo real. Lacan, reafirma que o pai é o primeiro outro que
A necessidade da figura paterna no processo a criança encontra fora do ventre de sua mãe,
de desenvolvimento infantil ocorre entre seis sendo ele indistinto para o recém-nascido, mas
e doze meses, quando a criança se vê inserida ao bloquear o desejo incestuoso, sua figura vai se
no triângulo edípico, denominado organização diferenciando, permitindo o nascimento da interio-
genital precoce, e, na adolescência, quando a ridade do filho e desfaz, assim, a fusão entre o eu
maturação genital obriga a criança a definir seu e o não eu, o pai encarna inicialmente a não mãe
papel na procriação, havendo um movimento e dá forma a tudo que não seja ela. A presença do
mais intenso na adolescência para que o filho pai é que poderá facilitar à criança a passagem
alcance maior autonomia. do mundo da família para o da sociedade. Será
Para Aberatury9 (1991), o lugar do pai, entre permitido o acesso à agressividade, à afirmação
seis e doze meses, não é tão destacado na lite- de si, à capacidade de se defender e de explorar o
ratura, como acontece com a figura materna, ambiente. Este mesmo autor acredita que as crian-
no entanto, o contato corporal entre o bebê e o ças que sentem o pai próximo e presente sentem-se
pai, no cotidiano, é referência na organização mais seguras em seus estudos, na escolha de uma
psíquica da criança, devido à sua função es- profissão ou na tomada de iniciativas pessoais.
truturante para o desenvolvimento do ego. No A partir de um estudo de caso clínico e de
segundo ano de vida, já existe a imagem de pai uma rigorosa revisão da literatura, relacionada à
e de mãe, e a figura paterna fica mais acentuada importância da figura paterna na vida dos filhos,
e tem a função de apoiar o desenvolvimento Eizirik e Bergamann13 afirmam que a ausência
social da criança, auxiliando-a nas dificuldades paterna tem potencial para gerar conflitos no
peculiares a este período e no desprendimento desenvolvimento psicológico e cognitivo da
necessário da criança aos costumes da situação criança, bem como influenciar o desenvolvi-
familiar, mantidos pela mãe9. mento de distúrbios de comportamento.

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Shinn14 revisou os efeitos da ausência pater- elas uma maior propensão para o envolvimento
na no desenvolvimento cognitivo das crianças com a delinquência.
e concluiu que, em famílias sem a presença do Mason et al.17 abordaram os problemas de
pai ou nas quais os pais apresentavam pouca in- comportamento associados ao efeito dos pares
teração com seus filhos, havia maior associação e ao papel moderador da ausência paterna e da
com desempenhos pobres em testes cognitivos relação mãe-filho. O comportamento dos pares
das crianças. e a ausência paterna vêm sendo associados com
Montgomery15 observou que crianças com maiores índices de distúrbios do comportamento
ausência do pai biológico têm duas vezes mais em adolescentes. Pesquisas demonstram que a
probabilidade de repetir o ano escolar, e que as ausência paterna geralmente tem impacto ne-
crianças que apresentam comportamento vio- gativo em crianças e adolescentes, sendo que
lento nas escolas têm 11 vezes mais chance de estes estariam em maior risco para desenvolver
não conviver na companhia do pai biológico do problemas de comportamento. O estudo exami-
que crianças que não têm comportamento vio- nou o impacto dos pares, a ausência paterna e
lento. Essas crianças, principalmente meninos, a relação mãe-filho em 112 adolescentes afro-
evidenciam maiores dificuldades nas provas americanos com problemas de comportamento.
finais e uma média mais baixa de leitura. Um modelo moderador foi usado para testar a
Além do papel crucial que o pai exerce na hipótese de que a ausência do pai (ou um equi-
triangulação pai-mãe-filho, Muza10 cita que o valente) exacerbaria o impacto negativo de pa-
papel paterno é crucial também para o desenvol- res com distúrbios de comportamento, enquanto
vimento dos filhos na entrada na adolescência, uma relação mãe-filho positiva seria um fator
quando a maturação genital obriga a criança a protetor contra esse risco e quanto à ausência
definir o seu papel na procriação. O impacto da paterna. O modelo moderador sugeriu que a
ausência do pai na adolescência foi estudado ausência paterna ou de equivalente aumentou
por Jones et al.16, que compararam a separação o impacto negativo de pares com problema
psicológica e separação-individuação dos pais comportamental, enquanto uma relação positiva
de 50 meninos, subdivididos em dois grupos, mãe-adolescente atenuou este risco. Uma forte
um de 25 meninos adolescentes que viviam com relação mãe-adolescente também mostrou pro-
seus dois pais biológicos e 25 meninos adoles- teger adolescentes de famílias sem pai do risco
centes que viviam apenas com suas mães bioló- de distúrbios comportamentais associados ao
gicas. Os resultados mostraram que os meninos envolvimento com pares com tais problemas.
dos dois grupos não diferiram nas medidas de Paschall et al.18 estudaram os efeitos de au-
separação-individuação, e que a qualidade da sência paterna, cuidado parental e associação
relação mãe-filho mediou muitas manifestações com pares delinquentes entre adolescentes
de separação-individuação avaliadas. Estes resul- afroamericanos com comportamento delin-
tados enfatizam a importância da qualidade da quente. Os autores relataram que os achados
relação do filho com sua mãe e com seu pai como de estudos relacionados ao tema são mistos e
um mediador de muitas dimensões do processo de inconclusivos e que há grande preocupação a
separação-individuação. Segundo Muza10, crian- respeito da ausência paterna em famílias afro-
ças que não convivem com o pai acabam tendo americanas em relação ao efeito negativo que
problemas de identificação sexual, dificuldades isso pode causar no desenvolvimento desses
de reconhecer limites e de aprender regras de meninos. Nesse estudo, a ausência paterna não
convivência social. Isso mostraria a dificuldade foi associada com comportamento delinquente
de internalização de um pai simbólico, capaz de dos filhos e também não foi moderadora da
representar a instância moral do indivíduo. Tal fal- relação entre associação com pares delinquen-
ta pode se manifestar de diversas maneiras, entre tes e comportamento delinquente dos filhos.

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Mas o efeito negativo do fator socioeconômico Como vimos, a privação do pai pode ter
no comportamento delinquente foi mais fre- consequências graves, a longo prazo, com pro-
quente em famílias com pai ausente. Pfiffner blemas na modulação e na intensidade do afeto.
et al.19 estudaram a associação entre ausência Santoro22 afirma que a ausência do pai pode
paterna e características anti-sociais familiares. comprometer a saúde da criança, e relata que
Os resultados apontaram que famílias com o pesquisas recentes revelam que a presença da
pai morando em casa tiveram menos sintomas figura paterna ajuda a afastar problemas como
anti-sociais na mãe, no pai e na criança do que a obesidade e uma série de outros transtornos
famílias sem o pai. Características anti-sociais psicológicos. A pediatra Melissa Wake, do
foram maiores quando os pais não foram encon- Royal Children’s Hospital, em Melbourne, na
trados para participação no estudo. Os autores Austrália, realizou uma pesquisa com quase 5
concluem que comportamento anti-social em mil crianças entre quatro e 5 anos. Ela descobriu
qualquer membro da família é mais provável que a incidência de sobrepeso e obesidade nas
se o pai é ausente ou não-participativo. crianças em idade pré-escolar tem relação direta
O vazio promovido pela ausência do pai, com a negligência dos pais. Outras pesquisas
segundo Ferrari20, é formado pela noção das demonstram que as crianças que têm pai pre-
crianças de não serem amadas pelo genitor que sente apresentam nível de autoestima superior
está ausente, com uma grande desvalorização àquelas que têm pai ausente, com o qual não
de si mesmas, em consequência disso. Além convivem. O pai é um pilar muito importante no
dessa autodesvalorização, ocorrem os senti- desenvolvimento de qualquer criança. Quanto
mentos de culpa por a criança se achar má, por maior é a participação e o envolvimento do pai
acreditar haver provocado a separação e até por no crescimento e na educação da criança, me-
ter nascido. A criança pensa ser má também por lhor é a qualidade da relação que se estabelece
ter sido deixada. O autor coloca que isso pode entre ambos23.
gerar reações variadas, desde tristeza e melan- Bowlby24 também reforça a importância dos
colia até agressividade e violência. E prossegue pais fornecerem uma base segura a partir da qual
dizendo que os tímidos e temerosos do exterior uma criança ou um adolescente pode explorar
se fecham em si mesmos, e os extrovertidos e o mundo exterior e a ele retornar certos, de que
temerosos do interior de sua história se vingam serão bem-vindos, nutridos física e emocional-
no mundo com condutas anti-sociais20. Para mente, confortados se houver um sofrimento e
Eizirich e Bergmann13 e Gomes e Resende3, a encorajados se estiverem ameaçados. A conse-
literatura evidencia as modificações na estru- quência dessa relação de apego é a construção,
tura das famílias contemporâneas, os efeitos por volta da metade do terceiro ano de idade,
negativos da ausência do pai e as repercussões de um sentimento de confiança e segurança da
decorrentes dessa ausência, tanto nos aspectos criança em relação a si mesma e, principalmente,
comportamentais, quanto nas vivências emocio- em relação àqueles que a rodeiam, sejam estes
nais relacionadas ao complexo de Édipo. Estes suas figuras parentais ou outros integrantes de
autores relacionam a ausência da figura paterna seu círculo de relações sociais.
à produção de variadas expressões de conflitos, Mondardo e Valentina25 afirmam que um im-
defesas e sentimentos de culpa nos filhos. portante traço do comportamento de apego é a
Para Gai21, atualmente, tenta-se que a in- intensidade da emoção que o acompanha, o tipo
tervenção do pai seja cada vez mais precoce, de emoção que surge de acordo com a relação
inclusive desde o momento do nascimento, entre a pessoa apegada e a figura de apego.
onde a sua presença parece aumentar o Lebovici26, desenvolvendo estas ideias, re-
interesse e o envolvimento posterior com a força que, se tudo está bem, há satisfação e um
criança. senso de segurança, mas, se esta relação está

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ameaçada, existem ciúme, ansiedade e raiva. da criança. Rohde et al.28 relatam que a função
Se, ocorre uma ruptura, há dor e depressão. paterna é fundamental para o desenvolvimento
“Os efeitos perniciosos da privação variam de do bebê. Segundo os autores, tal função é dinâ-
acordo com o grau da mesma. A privação traz mica, já que o pai representa um sustentáculo
consigo a angústia, uma exagerada necessidade afetivo para a mãe interagir com seu bebê e
de amor, fortes sentimentos de vingança e, em também, ainda nos primeiros anos da criança,
consequência, culpa e depressão”26. deve funcionar como um fator de divisão da
Se uma pessoa teve a sorte de crescer em relação simbiótica mãe-bebê.
um bom lar comum, ao lado de pais afetivos Para Pupo23, o ideal é que o pai participe dos
dos quais pôde contar com apoio incondicio- cuidados com a criança desde o momento do
nal, conforto e proteção, consegue desenvolver nascimento: ele deve assistir ao banho, conversar
estruturas psíquicas suficientemente fortes e com o pediatra e enfermeiras, cantar uma cantiga
seguras para enfrentar as dificuldades da vida de ninar, ajudar na troca de fraldas e no banho21.
cotidiana. Nestas condições, crianças segura- Mesmo se o casal estiver separado, o pai deve
mente apegadas aos seis anos são aquelas que participar ao máximo possível da rotina de seu
tratam seus pais de uma forma relaxada e ami- filho, perguntando para aquela pessoa que fica
gável, estabelecendo com eles uma intimidade mais tempo com o bebê sobre seus gostos e suas
de forma fácil e sutil, além de manter com eles preferências. Fazer parte da vida de um filho é
um fluxo livre de comunicação27. fazer parte de seu mundo, é conhecê-lo.
O mesmo autor aponta para as consequên- Desde o útero, a criança já escuta e dis-
cias da situação inversa, ou seja, se esta mesma crimina a voz dos pais devido à diferença de
pessoa vem a crescer em circunstâncias dife- tonalidade. Portanto, o vínculo do bebê com
rentes, seu núcleo de confiança será esvaziado, a figura paterna se inicia ainda no útero 23.
ficando prejudicadas as relações com outros Esta nova configuração social de mudança de
semelhantes, havendo prejuízos nas demais papéis na família, com o pai se tornando mais
funções de seu desenvolvimento. participante da vida dos filhos, possibilita que,
As contribuições de Mahler7 ao desenvolvi- além de provedores, estejam também desejando
mento infantil reforçam as ideias desenvolvidas permanecer guardiões das crianças, quando o
por Bowlby24 quanto ao estabelecimento, através casal opta pela separação29. Esta é uma nova
dos cuidados parentais, de uma base segura aos situação social histórica, com a qual casais têm
filhos. Suas contribuições referem-se à impor- se deparado com frequência. Em decorrência
tância fornecida às relações de objeto precoces. da separação, muitos pais estão solicitando a
Mahler7 destaca que os três primeiros anos de vida guarda compartilhada, ou seja, eles querem
da criança possuem importantes tarefas estrutu- continuar participando da vida de seus filhos,
rantes, cujo alcance e passagem são determinados e, exercendo o papel de pai, pois um novo
por dois fatores: primeiro, a dotação genética do perfil de pai foi se configurando: É um homem
bebê, que o impulsiona para o vínculo com o oriundo das classes médias ou altas, que se
meio ambiente, permitindo perceber e aceitar os beneficia de uma formação e de uma renda
cuidados proporcionados pelos pais; e, segundo, mais elevada que a média. Tem uma profissão
a maternagem, ou seja, a presença de uma mãe liberal que lhe permite, bem como à sua mu-
que verdadeiramente proporcione esses cuidados. lher, dispor livremente de seu tempo e rejeita a
O desenvolvimento do núcleo de confiança cultura masculina tradicional. A maioria se diz
básico24, por meio do qual a criança é encorajada em ruptura com o modelo de sua infância e não
a explorar o mundo externo, adquire confiança quer, por nada, reproduzir o comportamento do
em si mesma e nos demais indivíduos, e é de pai, considerado “frio e distante”. Eles almejam
suma importância para a estruturação psíquica “reparar” sua própria infância. Finalmente,

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vivem com mulheres que não têm vontade de a criança necessita do par conjugal adulto
ser mães em tempo integral30. Aquela figura para construir dentro de si imagem positiva
que comumente se tinha somente nos finais das trocas afetivas e da convivência. Durante o
de semana, dá lugar a um pai mais partícipe, desenvolvimento da personalidade, o pai real se
envolvido com o dia-a-dia, com a educação e sobressai e ganha consistência quando a crian-
com o crescimento de seus filhos, priorizando ça o percebe enquanto desejo da mãe e objeto
e garantindo às crianças um ambiente seguro, daquilo que o filho está apto a apreender dele,
mediante um desenvolvimento preservado, em estabelecendo uma dialética.
prol da estabilidade emocional dos seus filhos. Nos dias de hoje, um dos maiores problemas
Mas, para Silveira29, juíza de direito, a Guarda na educação dos filhos é a ausência do pai ou
Compartilhada só torna-se viável quando ambos de uma figura que o substitua. Vale ressaltar
os pais têm um firme propósito, especialmente aqui que a figura paterna pode ser representa-
aquele que não reside com a criança, que é o da por um tio, um avô ou outro adulto do sexo
de cumprir as tarefas, que antes da separação masculino que participe da vida da criança e
eram cumpridas em parceria. Para esta autora, que tenha um vínculo satisfatório com ela. A
não basta compartilhar a Guarda, para ela os educação, para ser equilibrada, necessita dos
pais devem exercer a sua paternidade com des- dois progenitores. A presença paterna na família
prendimento, amor, determinação e convicção. é diferente e complementar à materna. A falta
de um modelo na educação, masculino ou fe-
CONSIDERAÇÕES FINAIS minino, implica quase sempre um desequilíbrio
Com todas as transformações ocorridas e que naquele que é educado (no filho).
ainda estão ocorrendo na sociedade relaciona- Pode-se observar que os filhos necessitam de
das à figura paterna, atualmente, ao seu papel apoio e segurança e de valores que naturalmen-
de autoridade é agora adicionado o de fornece- te cabe ao pai transmitir. Os jovens procuram no
dor de carinho5, sendo que participa, cada vez seu pai um modelo com o qual possam se identi-
mais, ativamente da vida das crianças e, brinca ficar. Se o pai está ausente, outros modelos virão
com elas, atuando na sua educação e formação. ocupar esse vazio, com grande probabilidade de
Hoje em dia, o pai divide com a mulher as não serem modelos propriamente exemplares5.
tarefas domésticas, vai às reuniões da escola, Entretanto, se os pais participarem e defini-
leva os filhos ao pediatra, ao dentista, às aulas rem em conjunto como querem educar poderão
de natação, futebol, dança, ou ainda, ficam em reforçar os seus papéis e darão aos seus filhos
casa quando os filhos estão doentes. Este novo um modelo de crescimento saudável e harmo-
pai, cada vez mais, tem participado, de forma nioso, com todas as condições para que o filho
igualitária, nas atividades lúdicas da criança. seja lançado na vida adulta, de forma mais
Pode-se considerar que a presença do pai na estruturada e feliz.
vida de um filho é tão fundamental quanto a
presença da mãe, quando se pensa em um bom CONCLUSÃO
desenvolvimento socioemocional da criança, As transformações históricas e sociais, en-
sob vários níveis e circunstâncias25, pois não volvendo as configurações familiares, princi-
só complementa como reforça o modelo dado palmente com relação ao papel do pai, estão
pela mãe, no qual os dois assumem os papéis de ocorrendo, desde o século passado, e não che-
autoridade (impondo regras e punições) e dos garam ao seu final.
afetos (fornecendo carinhos e recompensas). As A figura paterna tende a estar cada vez mais
brincadeiras se tornam mais ativas, ajudando próxima de seus filhos. Hoje em dia, os pais es-
a criança a explorar o mundo e a relacionar-se tão mais participativos e compartilhando vários
melhor com os outros. Para Gomes e Resende3, aspectos da vida de suas crianças, tanto do pon-

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to de vista emocional, social, quanto cognitivo. Desta forma, caberá aos profissionais da
Ainda, há muitos pais que não estão ocupando educação e da saúde mental a difícil tarefa de
este lugar, seja por não desejarem ocupar ou por orientação e de conscientização junto às famílias,
acreditarem que não podem. Por outro lado, há principalmente às mães que se sentiram prejudi-
também muitas mães que não concedem este cadas no relacionamento conjugal e que evitam
direito ao pai de seus filhos. A literatura aponta a aproximação do pai com o filho, no sentido da
que a participação efetiva do pai na vida de um real importância da função paterna no psiquismo
filho promove segurança, autoestima, indepen- infantil e do seu impacto no desenvolvimento
dência e estabilidade emocional7. cognitivo, social e emocional de seus filhos.

SUMMARY
The importance of the father in child development

Depending on the social, cultural and family occurred since the last
century, the role of father figure now and is undergoing significant changes
in our society. The aim of this paper is to shed light on some reflections
on the present role of the father, both for the child, and for the family and
its great importance in the psychic structure and social and cognitive
development of children.

KEY WORDS: Fathers. Father-Child Relations. Family Relations. Family.


Child development.

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Trabalho realizado no Psiquê - Núcleo de Psicologia Artigo recebido: 18/1/2011


Aplicada, São Paulo, SP, Brasil. Aprovado: 13/3/2011

Rev. Psicopedagogia 2011; 28(85): 67-75

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