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CIPRIANO CARLOS LUCKESI AVALIAGAO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR ESTUDOS E PROPOSICOES Sia PARTE! CONVITE A APRENDIZAGEM DA AVALIAGAO Impossivel condutas novas, sem novas aprendizagens tedrico-praticas. Esse 6 0 contetido do capitulo I, que se segue. CAPITULO A APRENDIZAGEM DA AVALIACAO Sobre a necessidade do educador aprender a avaliar a aprendizagem O taxto deste capitulo é nove nesta live. Fora escrito ne ano de 2008, para ser Publicado na revista ABC Educatio, no espago editorial "Coluna”. Todavia, nao 0 fol fem funaa da extingao da revista: por isso, ainda @ inédito para os leitores. Nele, a Parti dé um desaflo para fazer uma conferéncia sobre o tema “A aprendzagem da avaliagao”,lembio aos educacores que a questao da avaliagao 8 relalivamente nova em teimos de tempo e recentemente vem sendo colocada a frente de todos nos educedores. Necessitamosw “aprencer’ a avaliar a aprendizagem. Esse € um ato que ainda nao se tansformou numa habildace para todos nds. Nosse senso ‘comum esta compromeatido com 03 exames escolares e no com a avaliagao. O capitulo convida o letor a ingressar nesse estuco. Recentemente, fui convidado para fazer uma conferéncia sobre “Avaliagao da aprendizagem’ © fui surproondido na hora da apraseniagao, quando 0 locutor comunicou que ou faria uma conforéncia sobre “A aprendizagem da aveliagéo". Ele mesmo comunicou aos etticipantes que parecia um eto o andncio dele, porém que efetivamente a troca do lugar dos termos no titulo da conferéncia era intencional, pols que 0 que importaria era que “aprendéssemos a avaliar a aprandizagem’. Gostei da intuigao co coordenador da conferéncia, por isso, escrevo esse artigo dando corpo a esse tema. Nossa histéria da avaliapao da aprendizagem é recente, enquanto que nessa fistéria dos exames escolares j4 8 um tanto mais longa. Os exames escolares, que conhecemos e Hoje ainda praticamos em nossas. escolas foram sistematizados no decorrer dos séculos XVI e XVIl, junto com a emergéncia da modernidade. A escola que conhecemos no presente & a escola da modemidade e, junto com ela foram sistematizados os exames escolares, da forma como genericamente eles ainda ocorrem hoje. Certamante que nessa longo periado ocarreram mudangas, contudo sempre superficizis, na medida em que o nucleo do modo de agir se cimentou ao longo desses anos, impregnando nosso modo de nas conduzir no processo de acompanhar a aprendizagem dos nesses educandos. Os exames escolares, da forma como foram sistematizados nesse periodo, tém aproximadamente quinhentos anos de vigéncia. Eles sao conhecidos e utiizados a milénics (eram utlizados na China 3.000 anos antes da era cristé para salecionar soldados para o exército), mas, da forma como eles s40 praticados ainda hoje na escola, tm suas configuragées situadas no periodo acima incicado. A avaliagao da aprencizagem, por sua vez, somente comegou a ser proposta, compreendida e divulgada a partir de 1930, quando Ralph Tyler cunhou essa expressao para dizer do cuidado ‘necessario que os educadores necessitam ter com a aprendizagem dos seus educandos. Nesse periodo, ele estava preocupado com o faio de a cada cem criangas que ingressavam na escola, somente trinta eram aprovadas, ou seja, anualmente, permanecia um residuo de setenta reprovadas, 0 que, fem sintese, supostamente significania que elas nao tinham processado uma aprendizagom satisfatéria. Digo supostamente dovido no tormos um controle dos recursos técnicos que eram utiizados, naquele momento hhistorico, pera equilatar a aprendizagem dos educandos. Pera esse educador, essa perds era excessiva. Entéo, propos que se pensasse e se usasse uma pratica pedagogica que fosse eficiente e, para tanto, estadaleceu 0 “ensino por objetivos”. o que signiicava estabelecer, com clareza e precisdo, 0 que 0 educando devena aprender e, como consequéncia, © que 0 educador necessitava fazer para que o educando efetivamento aprondosse. E, para construir os rosultados desojados, propés um sistema de ensino, que seria 0 mais dbvio possivel: (1) ensinar alguma coisa, (2) ciagnosticar sua consecucdo, (3) caso @ aprendizagem fosse salisfatéria, seguir em frente, (4) caso fosse insatisfatéria, proceder a reorientacdo, tendo em vista obter o resultado salistatorio, pols que esse era 0 destino da atividace pedagdgica escolar. Essa proposta singola © consistente ndo conseguiu ainda ter vigéncia significativa nos ‘motos educacionais, nosses citerta anos de educagao ocidontal, que nos sopara do sua propesigao. No caso do Brasil, iniciamos a falar em avaliago da aprondizagom no final dos anos 1960 ¢ inicio dos anos 1970 do século XX, portanto terios em torno de quarenia anos tratando desse iema e dessa pratica escolar. Antes, somente felévamos em exames escolares. A LDB, de 1961, ainda Contém um capitulo sobre 05 exames escolares e a Lei n. 5.69277, que redatiniu o sistema de ensino no pais, em 1971, debxou ce utilizar a expressao “exames escolares” e passou a usar a expressao “aferigao do aproveitamento escolar’, mas ainda ndo se serviu dos termos “avaliago do aprendizagem’. Somente a LDB, de 1995, se sorviu dessa expresso Ro corpo legislative. No caso, nossa tual legislacdo edusacional conseguiu assimilar as noves proposigSes, porém nossa pratica escolar, ainda esta bastante longe de conseguila. Em nossas escolas, publices © Pariculares, assim como nos nossos diversos niveis de ensino, Praticamos muito mals exames escolares do que avallacao da aprendizagem. Dal, entao, que 2 formulago do titulo de minha conferéncia, ainda que tenha me surpreendido, se me aprosentou como profundamente significative. Estamos necessitando de “aprender a avaliar’, pois que, ainda, estamos mais examinando do que evaliando. Nosso Senso comum, na vida escolar, ¢ de examinadores e nao de avaliadores. Para distinguir essa duas condutas — examinar ou avaliar na escola — basta relembrar sucintamente que o ato de examinar se caracteriza, especialmente (ainda que tenha outras caracteristicas) pela classificacao © S0lat-vidade do educando, onquanto que o ato de avaliar so caracteriza pelo seu diagnéstico e pela incluso. O educando nao vem para a escola era ser submetido a um processo seletivo, mas sim para aprender e, ara tanto, necessita do investimento da escola e de seus educadores, tendo em vista efetivamente aprender. Por si, néo interessa ao sistema escolar que 0 educando seja reprovado, interessa que ele aprenda , por tor aprendido, soja aprovado. O investimento necessario do sistema do fensino 6 para que 0 educando aprenda ¢ a avaliagdo esta a servigo dessa tarefa. Os exames, por serem classificatérios, ndo tém essa perspectiva; a sua funcdo ¢ de sustenter a aprovacdo ou reprovagao do educendo; fungéo diversa de subsidiar um investimento significativo no sucesso da aprendizagem, propria da avaliagiio, Assim sendo, entre nés educadores, ha necessitiade de investir na “aprendizagem da avaliagao’. Essa @ uma habilidade que necessitamos acouirir. Temos a habilidade de examinar, que herdamos tanto do sistema de ensino estabslecido e praticado ao longo dos anos como da nossa pratica pessoal como educandes sucessivamente submetidos as praticas exeminetivas dos educadores que nos acompanharam em nossa ttajetéria de estudantes. Hoje, como educadores, repetimos com nossos educandos 0 que aconteceu conosco, Nem mesmo nos perguntamos se © que acontecau conosco em nossa historia escolar fol ou no adequado, ssimplesmente repetimos esse modo de ser e de agir. Nao agimos dessa forma por um desvio ético e de conduta, mas simplesmente agimos dessa forma pelo sansa camum, adquirida ao lange de nossa vivancia. Como estudantes, foros examinados, agora examinamos. que significa, entao, "aprender a avaliar’? Significa aprender os concsitos teéricos sobre avaliagdo, mas, concomitante a isso, aprender a praticar a avaliago, traduzindo-a em atos do cotidiano. Aprender cconceitos ¢ facil, o dificil mesmo ¢ passar da compreensao para a pratica. Os conceitos poderéo ser aprendidos nos livros © nos artigos de revislas especializadas, assim como em conferéncias e debates, a pratica terd que ser aprendid2 no dia a dia da vida escolar, experimentando, Investigando, buscando novas possibilidadas, ullrapassando os impasses @ incémodes, sempre assentados sobre conhecimentos significalivas & validos. Certamente que essa aprencizagem no se fara de um dia para o ‘outro ou de um momento para outro, E uma aprendizagem que exige tempo e atenco especificas, na medida em que herdamos constituimos habitos que conduzem a uma forma automatica de agir. Para aprender a agir com avaliagdo da aprendizagem, necessitamos de colocar 4 nossa frente esse desejo, tomé-lo em nossas mdos, dedicando todos 05 dias atencao a ele, aginda e refletindo sobre nossa aca, fazendo diferente do que ja fol, em compatibiidade com 0 que efetivamente significa avaliar. Nao basta somente termos uma intenga0 & um desejo genérico de mudar. Nao basta gostar da literatura © das conversas sobre avaliagao. E preciso decidir investir cotidianamente nessa atividade. Em arego existe um terme para dizer isso. E “metanoia’, cue significa “converséo". Converséo tem a ver com mais do que mudar a compreensao. Esse termo expressa uma mudanga de conduta, que se traduz em pratica diéria. Uma aprendizagem, verdadeiramente s6 6 uma aprendizagem quando ela se transforma em pratica de vida cotidiana, assim como um aliments 56 é ofotivamente alimonto (que alimenta ‘alguém) quando 6 ingerido © se transforma em sangue, em plasma, O que & aprendido é vida, € pratica; e, quanto mais se pratica, mais se aprende. Como aprender a avaliar a aprendizagem de n0ssos educendos, incluinda a nossa autoavaliagao como educadores © avaliadores? Em primairo lugar. importa estar aberto a aprender essa pratica. Sem uma disposiga0 psicologica de abertura afetiva para 0 tema, no ha como cuidar dele. O fator emocional, aqui, como em qualquer outra situagao humana, 6 fundamental. Caso’ no nos disponhamos a aprender, ndo haveré aprendizagem. Poderé até haver arremedo de aprendizagem — tal como se aproprier dos conceitos sobre avaliagao, sem trazé-los para a pratica cotidiana, sam transforma-los am modo de ser. De fato, aprender depende de desejar afetiva e efetivamente a aprender. Em segundo lugar, podemos aprender sobre avaliagao da aprandizagem observando se estamos salisfeitos (ou no) com os resultados de aprendizagem de nossos educandos decorrentes de nossa acdo pedecésica. Se 0 cue se nos apresenta séo resultados que ndo estdo sendo satisfatorios, o que esta por tras dessa defasagem? Muitos fatores podem estar presentes, mas um deles pode ser nossa pralica avalialiva. Podemcs estar utlizando instrumentos inadequados ara coletar dados sabre 0 seu dasempenho, falar que nos conduz a enganos a respeito de nossos ecucendos; podemos também nao estar dando atengao suficiente as necessidades dos nossos educandos; nosses educandos podem estar com mais dificuldades do quo esperavamos... Podemos nao ester efetivamente liderando, com entusiasmo, nossos ecucendos em nossas aulas. Olhar para nossa prética pode ser uma grende oportunidade de aprender. Os auiores que lemos, as conieréncias das quats participamos, certamente que nos despertam para dar atengao ao tema, mas nao necessariamenie realizam transformagdes. As _transformagoes (verdadeiras aprondizagens) decorrem de praticarmos, criticamente Gientes do que estamos fazendo, ou soja, sempre nos perguntando: “Minha ago, meu modo de ser, de agir, estéio adequados? Existe outra possibiidade de acir com mais adequacao?". Nao basia lermos uma receita de como fazer um determinado alimento para dizer que ja sabemos fazé-lo. De fato, a essa altura, somente temos informagao de como ele pade s2rfelto: aps Isso, importa, tentar produziio na cozinha e no fogao de nossa casa, acertando e errando até conseguir © melhor resultado, Mas, nunca desistndo. Em terosiro lugar, ainda que 0 estudo do que ja foi escrito sobre aveliagdo da aprendizagem nao oferega para nés todos os recursos necessérics 4 eprendizagem desse modo de agir, ele 6 um bom aliado. A compreensao © a experiencia do outro, ou dos outros, podem ser nossos aliados em nossa jornada de busca © aprendizagem do ato de avaliar. Como os outros entendem a avaliagao? Suas compreensdes S80 diferentes das minhas? Elas se somam as minhas? Elas despertam em mim novos olhares sobre 0 tema e @ sua pratica? O relato das experiéncias dos outros com a pratica da avaliagdo estimulam em mim 0 desejo de fazer o mesmo, ainda que com as minhas singularidades pesscais? O que posso efetivamente aplicar do que eprendo ouvindo dos. outros? Estou aberto para tentar isso? Em sintese, “aprender a avaliar a aprandizagem” é uma tarefa que esta posta diante de todos nés. Na passagem dos muitos anos de vida escolar na histéria da modemidade © que se viveu foram os exames escolares. Pare mudar isso, hé que se eprender um novo modo de sere de agir, abrindo méo de conceitos e modos de agir que estéo impreanados em nossas crengas conscientes € inconscientes, em nosso Senso comum, em nossos estados emocionais, cue tem sua base em nossa historia biografica pessoal. As crengas s40 modos de agir que esto foriemente cimentadas em nosso corpo @ em nossa psique, por isso, para mudélas, necessitamos de atencao e investimentos conécientes © ofetivamente desejados. Sé quem desoja aprender, com ardor, aprende! Esse é 0 convite do primeiro capitulo dessa nova ecigao deste livro, sua 22* edigaio.

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