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Capitulo Observe atentamente 9s elementos, dda imagem ao lado Que sentimentos ela inspira em voce? Como se pode ser feliz, segundo ela? “Justifique. Ocaminko para a Felicidade estd em vocé mesmo (1999) ~ Cart-W, Rohrig Filosofar é uma “experiéncia” do pensamento que tem suas peculiaridades. Trata-se de uma maneira um pouco diferente de pensar sobre as coisas, que foge & rotina, ao automatico, mas mesmo assim é acessivel a todos. Vocé provavelmente jd deu alguns passos na experiéncia filoséfica em alguma situacao e nem se deu conta disso. Quer saber como? E 0 que veremos em seguida. Comecemos com uma historieta que aborda um tema muito sensivel para todos nés e importante para a filosofia: a felicidade. Conceitos-chave experiéncia filessica,flosofar, didlogo, estranhament questionamento, felcidade, fontes ca felicidade, sabedoria, ica, finalidace ditima SITUAGAO FILOSOFICA Conta-sea seguinte experiéncia, vivida anos atrs por um grande médico paulista, filho de imigrantes italianos, enquanto trabalhava entre os indios xavantes, no Mato Grosso. Em uma tarde térrida dessa regido central do Brasil, o médico saiu para caminhar com um dos indigenas, Rupawe, e decidiram refrescar-se no rio das Garcas. Depois de nadarem por quase urna hora, sentaram-se para descansar e apreciar a paisagem & sua volta. A agradavel sensacao da brisa pareceu despertar no médico pensamentos sutis, resultando neste curto dialogo: Vocé é feliz, Rupawe? ~ Sim - respondeu prontamente o indio. = Evocé sabe o que ¢ felicidade? - Nao. Tropic - Noris Maria Dias, dle sobre tela ICotesao particular) ANALISANDO A SITUAGAO Primeiramente, analisemos juntos essa anedota ou historieta, que constitui nossa primeira situacdo. Isso nos ajudaré a percorrer os distintos passos de uma experién filoséfica. (E vi se acostumando com esse procedimento, pois 0 filosofar comeca, de modo geral, com uma anélise.] Aivisdo do todo om partes, para examinar cada uma dolas poder entender e explicar todo composto dessas partes (sintese). ' Quem so os personagens dessa situacdo? Ha dois personagens: um médico paulista, vindo de um centro urbano, e um indio xavante, que vivia com sua tribo no estado do Mato Grosso. Qual deles passava por uma experiéncia diferente em seu cotidiano? Podemos deduzir que é 0 médico, porque nesse momento: a) trabalhava em um espaco fisico-geogrético estranho para ele [o Mato Grosso); b) convivia com um. grupo social que possuia uma cultura distinta da sua {a comunidade xavante]; e c) desenvolvia atividades que nao poderia realizar em uma metrépole, como passear respirando ar puro e nadar em um rio nao polutdo, cercado da paisagem silvestre. 1 Oque essa experiéncia parece ter causado nesse personagem? A vivéncia de um cotidiano distinto parece ter levado o médico a parar e pensar sobre as diferencas entre sua vida e a do nativo. Isso pode ser deduzido das perguntas que ele fez, as quais refletem preocupacdes como: "Seria Rupawe feliz?”; “Serei eu feliz?”; “Se ambos somos felizes vivendo de maneiras tao distintas, o que torna uma vida feliz?"; e assim por diante. ‘+ Que problema filosdfico essa conversacao inspira? Eo problema da felicidade, ou seja, 0 que ¢ felicidade ou o que & ser feliz ‘A narrativa apresenta alguma resposta para esse problema? Nao. 0 relato se interrompe com a resposta negativa do indigena. Ele sabe que é feliz, mas no consegue dar uma definicao de felicidade, dificuldade enfrentada pela maioria das pessoas. + Vocé concorda com a andlise que fizemos? Reflita bern. Todo texto pode ser analisado de diferentes maneiras. Vocé proporia alguma outra pergunta para completar essa andlise? Vocé responderia a alguma questo de maneira distinta? FELICIDADE O bem que todos desejam Visitante de museu na Alemanha observa a pintura Simonia Idorsate), de Nicola Samori. Na contemplacao de uma obra de arte também podernos vivenciar uma quebra no fluir normal de nossas vias. v Experiéncia filoséfica Aanalise que fizernos da situaco anterior teve como propésito destacar dois processos basicos, que marcam, de modo geral, a experiéncia filosé- fica: 0 estranhamento e o questionamento. Estranhamento ou deslocamento Trata-se do primeiro passo da experiéncia filo séfica, Quando uma pessoa vive uma circunstancia de deslocamento ou estranhamento, experimenta ‘uma quebra ou interrupeao no fluir normal de sua vida. Detém-se, entao, para pensar ou observar algo que antes ndo via, ou que vivia de forma automnatica, sem se dar conta, sem atencao, sem se questionar. Foi isso 0 que ocorreu com 0 médico durante sua permanéncia com os xavantes. Tal circuns~ tncia permitiu-the um distanciamento em rela~ 80 & sua vida na cidade e, provavelmente, um contato com algumas de suas préprias crengas sobre a felicidade. Questionamento ou indagacao Trata-se do segundo passo da experiéncia fi- loséfica. Apés viver 0 estranhamento, a pessoa inicia um processo de questionamento (interno e externo] sobre o tema que the chamou a atencao. Foi o que expressou 0 médico, em suas per- guntas ao indio: @ primeira, com enfoque parti- cular ["vocé é feliz?"l, cuja resposta corresponde apenas a esse individuo; a segunda, de enfoque geral ou universal |"o que é felicidade ou ser fe- li27"), cuja resposta deveria valer para todas as experiéncias de felicidade dos seres humanos, ou até mesmo independentemente destes la feli- cidade em sil. Certamente vocé jé vivenciou, em algum mo- mento, questionamentos semelhantes apés algum acontecimento marcante em sua vida. Pode ter sido durante uma viagem para um lugar distante e distinto, na morte de um ser querido, em uma grande decepcao amorosa etc. E ai comecou a se questionar, mesmo que superficial e brevemente, sobre sua vida ea existéncia em geral. Pois, entao, vocé estava tendo uma experiéncia filoséfica, ainda que rudimentar. Estava dando os primeiros passos no filosofar. Resposta filoséfica Falta-nos, porém, um terceiro passo para que haja uma experiéncia filoséfice completa. Prossigamos, entao, em nossas descobertas. Na analise que fizemos da historieta inicial, a principal questao encontrada foi a que envolve conceito de felicidade, formulada na pergunta “o que é felicidade?”. Trata-se agora, portanto, de construir uma resposta para essa questao, Apés uma reflexdo serena e profunda, a resposta a ser elaborada deverd constituir um discurso, isto é, a enunciagao de um racioci- io, no qual as ideias deverao estar ordenadas de maneira légica no sentido de expressar um entendimento sobre 0 problema e, na medida do possivel, encontrar uma “solucao” para ele. Além disso, esse discurso deverd ter um cara~ ter universal, isto é, pode ser aplicado a todos 05 casos ou pessoas. Essas sao caracteristicas importantes de uma resposta filoséfica Isso quer dizer que as respostas filoséficas nao sao “qualquer” resposta, pois filosofar nao é pensar de qualquer maneira, seja quando se pergunta ou quando se responde (conforme ve- remos de forma mais detalhada nos préximos capitulos). Esse terceiro passo para constituir uma expe- riéncia filoséfica completa nao foi dado em nossa historieta, Ela nao apresenta uma resposta com tais caracteristicas. Ao contrério, a resposta de Rupawe chega a provocar em nés, leitores, certo efeito cémico, pela ingenuidade e aparente con- tradicao do indio ao se declarar feliz e, a0 mesmo tempo, nao saber o que é felicidade. Veja, porém, que essa ironia é profundamente filoséfica, pois nao é verdade que, com frequénci temos uma compreensao particular, intuitiva e experiencial de alguma coisa ou dimensao de nossa existéncia [como a felicidade, o amor, o de~ sejo, mas nao um entendimento conceitual mais amplo e abstrato dela? Essa é uma experiéncia constante de nosso cotidiano: conhecemos algo, sentimos algo, vivemos algo, mas temos dificul- dade para defini-lo. Ironia - em literatura, uso incongruentes ou contradi (94 humari palavras ou situacoes Seré facil, porém, definir a felicidade nesses termos? Nao, assim como nao é facil responder grande parte dos temas tratados pelos filésofos em toda a histéria da filosofia. Tanto que existe muita discordancia entre eles, que deram res- postas diferentes, com frequéncia contrérias - embora brilhantes -, para as mesmas questies. E muitas vezes, ao respondé-las, despertaram novos problemas, sobre os quais se debrugariam as geragoes seguintes. Assim, como veremos ao longo deste livro, em filosofia no existem respostas definitivas, no sentido de convencer a todos e “acabar com a discussao” [embora seja isso o que pretende e acredita ter alcangado boa parte daqueles que se langam nessa tarefal. Os temas filoséficos so 05 temas fundamentais da existéncia humana, mas as pessoas muitas vezes t8m experiéncias distin- tas, suas vidas mudam e as sociedades também. Por isso, costuma-se dizer que a filosofia é uma continua conversacao. CONEXOES 41. Recorde um momento de sua vida que fez vocé parar para pensar. Depois elabore um texto sobre essa situacao que contenha estes elementos: a] lugar onde ocorreu a situacdo, data, pessoas envolvidas, didlogos, sensagies, emocdes: b) problema [diividas ou perguntas que essa situacao despertou em vocé a épocal: <) respostas a que chegou entao (se chegou a algumal; 4) critica: em que sua reflexao pode ser melhorada hoje, no sentido de torné-la uma resposta mais floséfica? W Felicidade e sabedoria Voltando ao nosso tema, a felicidade, talvez vocé jé esteja pensando: “Até aqui eu entendi. Mas por que comecamos um livro de filosofia falando de felicidade? Afinal, qual é a relacao entre felicidade e filosofia?”. Pois bem, a relacao € histérica, isto é, vem desde o nascimento da atividade filoséfica na Antiguidade grega, ha mais de 25 séculos. Como a propria etimologia revela, a palavra filosofia é formada pelos termos gregos philos, “amigo”, “amante”, e sophia, “sabedoria", Portanto, filosofia quer dizer “amor a sabedoria® E sabedoria, para os gregos, nao era apenas um grande saber teérico, mas principalmente pratico, tendo ‘em vista que buscava atender ao que consideravam o objetivo supremo da vida humana: a felicidade. ‘Assim, filosofia apresentava-se como um conhecimento superior que conduzia 3 vida boa, isto é, que indicava como viver para ser feliz. E 0 filésofo se reconhecia como aquele que buscava, praticava e ensinava um, método, um caminho para a felicidade. ‘As artes da par (1893) ~ Gari Melchers. Observe a obra ereflta sobre a importancia de connecimento nessa Pintura mural. Trata-se de uma representacao moderna do mundo antigo. A estitua reverenciada é de Palas Atena, deusa da sabedora, das artes e da guerra Origem da palavra filosofia Conforme a tradicao histérica, a palavra filosofia foi usada pela primeira vez pelo pensador grego Pitagoras (c, 570-490 a.C.), quando o principe Leonte perguntou-the sobre a natureza de sua sabedoria, Pitégoras respondeu: “Sou apenas um filésofo". Com essa resposta, pretendia esclarecer que no detinha a posse da sabedoria. Assumia a posicao de “arnante do saber”, isto é, alguém que quer, ama e deseja o saber. Com 0 decorrer do tempo, entretanto, a palavra filosofia foi ganhando um significado mais especifico, pasando a designar a busca de um tipo especial de sabedoria: aquela que nasce do uso metédico da razao, da investigacao racional. Razio - faculdade (capacidade) da mente a qual correspond o racicinio lou encadeamento légico das ideias) ‘28 possiblidade de compreender intelectualmente as coisas. Ops rnesse sentido, compreensio que advém das sensacdes e da sensibilidade, Finalidade ultima da filosofia Em sua origem histérica, a relacao da filosofia com a felicidade era fundamental, pois a vida boa seria a finalidade ultima da investigacao filoséfica, Para que vocé entenda bem o que queremos dizer com “finalidade Ultima” de uma acao, observe a seguinte sequéncia de perguntas: + Filosofar para qué? Para pensar methor sobre tudo: 0s fatos, as pes- soas, a vida + Pensar methor sobre tudo para qué? Para encontrar solucdes aos problemas da exis- téncia - a minha e a de outras pessoas. + Encontrar essas solugdes serve para qué? Para ter menos problemas, ficar mais tranquilo eviver melhor. + Viver melhor para qué? Para me sentir bem, em paz comigo mesmo e com 0 mundo. * Sentir-se assim para qué? Para ser fel + Ser feliz para qué? Nao sei. Talvez para deixar as pessoas que me cercam felizes também. + Deixé-las felizes para qué? Para que eu fique feliz com a felicidade delas Vemos que, no final, as respostas comecam a ser circulares. Voltam sempre ao mesmo ponto, ou sea, ideia desse sentimento de bem-estar, de satisfacdo consigo mesmo ¢ com a vida, ligada também & sen- O flés0f0 e matematico (rego ensinava que a masica é um remédio Pitégoras. paraa alma, sao de plenitude, de jé ter tudo e ndo precisar de mais nada. Essa é uma boa descrig&o da felicidade. Portanto, finalidade ultima & aquela que est’ por detras de todas as finalidades mais imediatas conscientes de uma aco, Geralmente inconsciente, ela é 0 motive fundamental de uma conduta. Finalidade Ultima de todos os atos Usando da mesma légica contida nessa se- quéncia de perguntas, podemos supor que a feli- cidade 6 igual mente a finalidade ultima de todos 95 nossos atos, mesmo de acdes que parecem “ruins” por algum tempo, ou daquelas que real- mente nos fazem mal e aos outros. E que, no fundo - conforme acreditam varios filésofos psicélogos -, a intengao iiltima de toda agao ou conduta é “positiva” no sentido de que, consciente ou inconscientemente, a pessoa esté buscando, por meio dessa aco, trazer, preservar, aumentar seu bem-estar, ou mesmo evitar, acabar com uma dor, um sofrimento, uma tristeza. Eo caso, por exemplo, do joven que “malha” to- dos os dias na academia para alcancer uma boa condicao fisica, que “racha” de estudar para passar no vestibular ou que realiza trabalhos voluntérios em sua escola ou comunidade. Sao esforcos, “sacri- ficios", agdes em que se abandona o prazerimediato ‘em busca de um bem maior, uma alegria. Parece que a felicidade funciona como um ima oculto que atrai as pessoas com seu magnetismo, impulsionando seus movimentos, suas agdes. ‘Sema perspectiva do bem que traz uma aco, ela perde seu sentido, e 0 magnetismo se desfaz. Mas, quando temos essa perspectiva do bem que queremos e 0 alcangamos, vivemos um estado de satisfago com nossa situacao no mundo. Aliés, a etimologia revela que a palavra felici dade vem do latim felicitas, que, por sua vez, de va do latim antigo felix, que significa “fértil, frutuo- 0, fecundo” (ef. Assacnano, Dicionério de filosofal. Felicidade 6, portanto, um estado de fecundidade que gera vida e vitaliza nossa existéncia No entanto, a busca da felicidade também est por detras de muitos comportamentos autodestru- ANALISE E ENTENDIMENTO 41. Explique as trés etapas bésicas de uma experién- . Acesso em: 12 out.2015.) v Perspectiva de outras ciéncias Além da histéria, para realizar uma boa investigacao filoséfica nao podemos deixar de considerar o que ‘outras ciéncias esto dizendo a respeito de nosso objeto de estudo e reflex, seja ele qual for. No caso da felicidade, resultados de pesquisas realizadas em diversas areas - como psicologia, medicina, sociologia e economia - podem lancar novas luzes sobre nossa investigacdo e, quem sabe, ajudar-nos a desfazer alguns mitos sobre esse tema Componente fisico Embora a felicidade seja entendida normal- mente como um estado de consciéncia, ela pa~ rece ter também um correspondente fisico, que pode ser identificado e medido em termos de ondas cerebrais (os epicuristas adorariam sa- ber disso]. Estudos de neurofisiologia realizados, nos Ultimos anos em pessoas de todas as ida- des, inclusive bebés, indicam que a atividade de certa parte do cérebro aumenta quando a pes- soa experimenta sensacdes ou sentimentos agradaveis ou se expressa de maneira positiva, como ao sorrir. Também ha evidéncias cientificas de que al- gumas substancias produzidas pelo nosso corpo = como a serotonina e a endorfina - esto rela- cionadas com as sensacdes de paz, prazer e ber- -estar que experimentamos. Pessoas praticam tai chi chuan, lum tipo de arte marcial de origem chinesa. 0 ideal de equilibrio entre a mente e 0 corpo é muito antigo tendo sido adotado também pela cultura grega. Ficou célebre no Ocidente Por intermédio das palavras co poeta latina Juvenal(c, 60-128): mente 58 em corpo sé" (em latim, mens sana in corpore sane). Ha estudos que nos fazem igualmente supor que exista um fator de predisposicéo genética para algumas pessoas experimentarem a vida de ‘maneira mais positiva que outras. Gémeos idénticos [que tém material genético idéntico) mostraram um grau de felicidade bastante similar, mesmo quando criados em lares distintos, o que nao ocorre com os ndo idénticos (em que apenas metade dos genes é iguall. Essa é uma questao complexa, que deve ser tratada com muito cuidado, Asatide corporal também é urn fator importante para nossa felicidade. No entanto, mesmo em con- digdes desfavoréveis de satide, como demonstram algumas investigacdes, as pessoas depois de algum tempo tendem a se adaptar as limitagdes fisicas surgidas durante suas vidas, podendo manter um bom nivel de satisfacao a partir de entao. Paratleta em largada, Exemplo de superagao ¢ forsa de vontade que desafiam muitas de nossas crencas sobre o que é necessério para ter uma boa vida, Arelacao satide-felicidade pode seguir, porém, direcao inversa: resultados de pesquisas recentes revelam que a pessoa feliz tende a ser mais sauda: vel, a ter um sistema imunolégico mais forte ea viver mais anos. Ou seja, em vez de 0 fisico determinar 0 psiquico, € 0 psiquico que determina o fisico, 0 que parece inverter a légica até ha pouco predominante nas ciéncias. Conforme veremos ao longo deste tivo, a relacao corpo-mente é um problema importante da histéria da flosofia, Como sera que interagem essas duas dimensdes de nossa existéncia? Componente psicolégico Desde o surgimento da psicandlise, com Sigmund Freud [pensador que estudaremos no capitulo 4), entende-se que 05 primeiros anos de vida sao fundamentais para o modo como uma pessoa iré experimentar sua existéncia, Episédios traumati- 05, dolorosos podem limitar suas possibilidades, de desenvolver vivencias felizes. Por outro lado, também se considera que 05 modelos psicolégicos e de conduta que a pessoa encontra em seu meio familiar imprimern-se em sua psique (ou em seu cérebro) e tendem a ser repetidos durante toda a vida. Portanto, se esses modelos sao negatives, limitantes, existe maior probabilidade de que a pessoa desenvolva uma existéncia infeliz, se ela nao for consciente desses, padres e nao puder retrabalha-los. Psique - estrutura mental ou psicolégica de uma pessoa, geralmente entendida como parte distinta de corpa material. De fato, varios estudos no campo da psicolo- gia tm confirmado que saber administrar os préprios pensamentos e sentimentos é fator crucial para a felicidade de um individuo. A di- mensao interior ~ 0 conjunto de crencas, valores, estados de &nimo, maneira de ver a vida ~ influi de forma contundente na construgéo de uma existéncia feliz ou infeliz (quase toda a filosofia grega aplaudiria em pé essa conclusao). Muitas vezes, o que se chama de “sorte” nao é outra coisa sendo 0 resultado de um estado de animo mais aberto e propicio para perceber e aproveitar as oportunidades que surgem na vida. Qual serd a importancia do autoconhecimento nesse sentido? Componente econémico Poucos duvidam de que ha maior dificuldade em levar uma vida digna e boa quando se esta na miséria, Mas talvez exista uma tendéncia exagerada no mundo atual em acreditar que a methora no nivel de renda torna uma pessoa mais feliz. Em outras palavras, que o dinheiro traz felicidade. Estudos tém mostrado, por exemplo, que, quan- 4o 0s rendimentos sao superiores a determinado patamar, o incremento da percepsao de felicidade das pessoas nao é proporcional ao seu enrique- cimento. E 0 que tem ocorrido nos paises ricos, ‘embora o nivel de renda tenha aumentado signi- ficativamente nos dttimos 50 anos. 3 i i 2 : i i i Pedaco de rocha com falsa arte rupestre {c. 2008) - Banksy [British Museum, Londres, Reino Unidol A peca foi “plantada” no Museu Britgnico de Londres, entre outras semethantes, mas legitimas. Como voc’ interpretaria essa intervencio do artista de rua e Ggraliteira inglés? Seria uma eritica mordaz & sociedade ‘consumo, que condiciona e estimula as pessoas a sentirem a necessidade de possuir e fazer coisas para se sentirem felizes? 0 trabalho 6 outro fator fundamental na composicao global de felicidade. Fonte do sus- tento material e meio de realizacao individual, a atividade profissional que um individuo desem- penha representa, ao mesmo tempo, sua con- tribuicao para os entes queridos e a sociedade em geral. Por isso 0 desemprego causa tanta infelicidade - no é apenas pela perda econd- mica que representa, mas também porque afeta substancialmente a autoestima das pessoas e suas relagdes sociais. Enfim, sd0 realmente os bens materiais que nos fazem felizes ou é “a opinido” que temos deles, como nos alertou Epiteto? foto) > el} 7. Reflita sobre sua relacao com 0 consumo. Quanto influi a publicidade em seus desejos de compra? Em que medida a aquisicao de bens materiais faz vocé se sentir mais feliz? Por quanto tempo dura essa felicidade? Componente social Parece nao haver divida: somos seres pro- fundamente sociais (apesar de que, as vezes, alguns fatos nos obrigam a questionar esse pos- tulado). Estudos confirnam que tanto a vida fa- miliar e conjugal como 0 convivio com amigos & a relacao com a comunidade sdo muito impor- tantes para a constituicdo de nossa identidade pessoal e do sentido de nossas vidas [como ja defendia Aristételes). Esses dois ingredientes definem em grande medida a forma com que nos posicionamos em relacao ao mundo ¢ nos- sas possibilidades de sermos felizes. No entanto ~ como tem sido apontado por al- gumas pesquisas -, boa parte da insatisfacao que um individuo tem consigo mesmo ou com sua vida vem da comparacao social. As pessoas costu- mam se comparar entre si, 0 que gera muita infe- licidade. Se 0 outro tem mais ou é melhor em algo, fico deprimido; se sou eu quem tem mais ou & melhor, sinto-me feliz Essa tendéncia pode estar relacionada a ele- mentos agressivos instintivos préprios de nossa natureza animal e importantes para a sobrevi- véncia da espécie, como apontam alguns estu- diosos. Mas também pode ser explicada pelo fato de vivermos em uma sociedade que privilegia um modelo de exist&ncia extremamente competitivo ¢ individualista, E a defesa exagerada dos inte: resses pessoais em detrimento dos interesses do outro - 0 individualismo patoldgico - tende a gerar conflitos e um mal-estar social Tudo isso nao parece ser muito saudével para animais gregarios como nés, nem condizente com seres inteligentes e que se consideram su- periores. Como comprovam estudos nos campos da psicologia, da antropologia e da biologia, a cooperagao [ou um equilibrio entre competicao e cooperacao] costuma trazer melhores resulta- dos, tanto para o individuo como para o todo. E sera verdade, como dizem alguns cientistas, que as pessoas preocupadas mais com o bem dos, outros, expressando menos ansiedade em relacaio a0 beneficio préprio, sao mais felizes? v Concluséo Pronto, Jé temos uma boa quantidade de ele- mentos para formar uma ideia, mesmo que pro- visoria, sobre os dois temas basicos tratados neste capitulo: a filosofia e a felicidade. Com rela- 40 8 filosofia e ao filosofar, voltaremos a eles no proximo capitulo. Quanto a felicidade, cabe aqui uma reflexao final. A busca desenfreada de felicidade indivi dual na sociedade contemporanea ¢ sinal de que grande parte das pessoas tomou um rumo equivocado. Concordamos ~ nés, os autores deste livro - com o economista inglés Richard Layard (1934-] quando ele diz que uma socie- dade nao pode prosperar sem certa sensacao de compartilhar objetivos, de bem comum Quando a unica meta das pessoas é alcancar 0 melhor apenas para si mesmas, a vida torna- -se estressante demais, solitdria demais, po- bre demais, e abre espaco para a entrada da infelicidade. Na mesma direcdo, 0 filésofo francés André Comte-Sponville [1952-] recomenda as pessoas que se preocupem menos com a prépria felici- dade e um pouco mais com a dos outros; que esperem um pouco menos ¢ amem um pouco mais ~ diziam os estoicos. Amor e felicidade an. dam sempre de maos dadas, como expressa esta bela mensagem do filésofo inglés Jeremy Bentham (1748-1832), enviada a uma joven na data de seu aniversario: Cria toda a felicidade que possas; suprime toda a infclicidade que consigas. Cada dia te dard a opor tunidade de agregar algo ao bemestar dos demais ou de mitigar um pouco suas dores.E cada grao de felicidade que semeies no peito alheio germinara om samaritan Antonia Zane le sobre ela, Imagem da compan de dor que se senejunto com auem solr. £ possivel ser feliz em umm mundo onde hé tanta desgrara, njustica © infeicigade? feliz enquanto tantos sofrem? ANALISE E ENTENDIMENTO 17. Apés a Antiguidade, que valores foram assumin do historicamente maior importncia na con- cepsao de felicidade? Em que contexto histérico surgiram? 18. Entre as conclus®es a que vém chegando estu- dos cientificos a respeito da felicidade, destaque aa amosomen Felicidade individual e coletiva Levande em consideracao as diversas reflexdes, contidas neste capitulo, voc8 acha que uma pessoa pode ser plenamente feliz quando busca apenas, sua felicidade individual? al Sevocé entende que nao, junte-se aqueles que pensam como vocé para elaborar um conjunto de argumentos a favor de sua posicao. Se voc’ justo ser ‘as que vocé considera mais instigantes ou reve- ladoras [pelo menos uma). Justifique. 19, Interprete a iltima citacdo do capitulo, de Je- remy Bentham, comparando-a com a busca desenfreada de felicidade individual na socieda- de contemporanea considera que sim, forme outro grupo e siga 0 mesmo procedimento. 8) Depois, um orador escothido de cada lado deve- ra defender a posigo de seu grupo, expondo os argumentos reunidos. Para isso, poderé solici- tar oapoio de seus colegas para consultas, pro curando escutar e responder aos argumentos ‘opastos, como em uma conversacaé flosética PROPOSTAS FINAIS Prema eee [UEM-PR) “0 que é um filésofo? € alguém que pratica afilosofia, em outras palavras, que se serve da razao para tentar pensar o mundo e sua prépria vida, a fim de se aproximar da sabedoria ou de felicidade. E isso se aprende na escola? Tem de ser apreendido, j4 que ninguém nasce filésofo e j4 que filosofia é, antes de mais nada, um trabalho, Tanto melhor, se ele comecar na escola, O importante é comecar, e nao parar mais. Nunca é cedo demais nem tarde demais para filosofar, dizia Epicuro. [..J. Digamos que s6 é tarde demais quando jé nao é possivel pensar de modo algum. Pode acontecer. Mais um motivo para filosofar sem mais tardar” (Comre-Srowwite, André. Dicionério Filoséfico, S80 Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 251-252. A partir dessas consideragées, assinale o que for correto. 01) A filosofia é uma atividade que segue a via pedagégica de uma pratica escolar, ja que nao pode ser apreendida fora da escola 02) 0 enunciado relaciona a filosofia com o ato de pensar. (04) 0 enunciado contradiz a mativacao filoséfica contida na seguinte afirmativa de Aristételes: “Todos os homens tém, por natureza, desejo de conhecer”. 08) Para André Comte-Sponville, quanto antes ¢ com mais intensidade nos dedicarmos a filosofia, mais cedo estaremos livres dela, pois todo assunto se esgota. 16] Acitagao do texto afirma que sempre é tarde para comecar afilosofar, raz0 pela qual filosofia é uma pritica da maturidade cientifica e o coroamento das ciéncias. Co Gury A festa de Babette (1987, Dinamarca, direcao de Gabriel Axel) Histéria situada no século XIX. Mulher francesa vai viver em vilarejo dinamarqués, onde prepara uma surpresa ligada a um dos maiores prazeres do ser humana: a comida, Avida é bela (1997, Italia, direcao de Roberto Benigni) Na Italia dos anos 1930, um livreiro judeu vive com sua mulher e filho, até que ocorre a ocupacao nazista Para evitar que seu filho sofra com os horrores do campo de concentracao, 0 livreiro inventa uma maneira criativa de lidar com a situacao. Admiravel mundo novo (1998, Estados Unidos, direcdo de Leslie Libman e Larry Williams} Fabula futurista baseada em livro homénimo de Aldous Huxley. Em uma sociedade organizada em castas, a populagao recebe doses regulares de uma substancia que a mantém em felicidade constante, sendo condicionada, durante o sono, a viver em servidao e nao se rebelar contra o sistema. Eu maior (2013, Brasil, direcao de Fernando Schultz e Paulo Schultz) Reflexes sobre o sentido da vida, a busca pela felicidade e o autoconhecimento. Entre os entrevistados esto Leonardo Boff, Marcelo Gleiser, Monja Coen e Rubem Alves. Fahrenheit 451 (1966, Reino Unido, direcao de Francois Truffaut) Ficcao cientifica em que uma sociedade futura, de regime totalitério, tem os livros proibidos, porque se acredita que a leitura é perda de tempo e impede as pessoas de serem felizes. 0 fabuloso destino de Amélie Poulain (2001, Franca, direcao de Jean-Pierre Jeunet) Comédia sobre moca que acha uma caixa e busca seu dono até encontré-lo. A felicidade que este demonstra 20 rever seus objetos contagia a jovem © muda sua viso de mundo Tarja branca - A revolucao que faltava (2014, Brasil, direcao de Cacau Rhoden) Documentario que propée reflexes sobre a inféncia, a arte popular e 0 trabalho nas sociedades atuais.

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