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Interseccionalidade e a educação

Interseccionalidade é um termo que foi cunhado pela professora norte-americana


Kimberlé Crenshaw, especialista e pesquisadora em teoria crítico-racial, e diz respeito à
análise das opressões que se sobrepõem a partir dos marcadores sociais de classe,
gênero, raça, sexualidade e outros. Ela afirma que “tanto os aspectos de gênero da
discriminação racial quanto os aspectos raciais da discriminação de gênero não são
totalmente apreendidos pelos discursos dos direitos humanos” (CRENSHAW, 2002).

Ao pensar na sala de aula da educação pública brasileira e nos grandes desafios


vivenciados pelos profissionais para garantir o desenvolvimento dos estudantes,
esbarramo-nos na interseccionalidade. É a escola o lugar onde se apresenta, de forma
mais aberta, a opressão e os estigmas sociais enfrentados pelas classes menos
favorecidas. Na escola, os problemas com a defasagem de aprendizagem, a evasão, a
violência, a sexualidade e a sexualização exacerbada dos meninos e meninas, são
inerentes aos escassos recursos oferecidos a eles. Então, nesse momento, é importante
pensar na interseccionalidade como uma análise primordial para entender tais eventos
recorrentes na base das nossas escolas.

Em outras palavras, na análise das sobreposições, quanto mais pobre mais negro,
e quanto mais negro mais pobre... assim por diante. Envolvendo quem morre e quem
mata; quem passa fome e sofre das consequências da violência urbana – como
identidades subjugadas nas estruturas do poder. Marcador social é a identificação
destas pessoas a partir de alguma característica física, geográfica ou ideológica: onde
elas vivem, qual é a sua classe social, qual é o seu gênero, a sua cor, a sua orientação
sexual, e assim por diante.

A escola está permeada desses atores que precisam se autoavaliar enquanto


sujeitos sociais e reconhecer os caminhos possíveis na transformação da realidade. A
interseccionalidade na educação é a análise dessas estruturas como um potente viés
teórico para identificar as lutas que atravessam as histórias de vida dos nossos alunos e
criar, assim, mecanismos pedagógicos com a finalidade de obterem-se avanços sociais
e intelectuais desses jovens.

No Ensino Médio, novas formas de elaborar estratégias de aprendizagem estão


surgindo e tornando-se obrigatórias, como, por exemplo, o projeto de vida (BNCC,
2018). Principalmente neste quesito, é indispensável fazer a pergunta: como imaginar
um projeto de vida para os alunos do ensino médio da escola pública brasileira
sem identificar as intersecções dos seus marcadores sociais? Como pensar formas de
projetar a vida destas pessoas sem elaborar estratégias para que elas sejam
“desmarcadas” socialmente? De que forma criar currículos e projetos com a finalidade
de entender essas estruturas de poder?

O estudo e o ensino da interseccionalidade, através dos projetos dentro das


sequências didáticas, e da priorização do currículo, são urgentes. No que se refere ao
contexto histórico da pandemia do Coronavírus, profissionais da educação e órgãos
públicos pensam em estratégias de recomposição das aprendizagens para diminuir as
consequências da não oferta de aulas neste período. Nesses dois anos, as informações
virtuais foram mais consumidas e, muitas vezes, substituíram a apreensão cognitiva em
aprendizagens por vídeos e mensagens rápidas.

Como recompor o que não foi visto e, ao mesmo tempo, enfrentar o caos
intensificado nos problemas de uma sala de aula onde os marcadores sociais de
gênero, raça e classe se sobrepõem? Muitas experiências com educadores mostram
que não há como ensinar conteúdos para alunos que estão vivenciando tais realidades.
Por onde partir, então?

Por essa via crítica, pensa-se em dar condições aos estudantes de terem acesso a
um aprendizado onde a interseccionalidade é a base analítica do projeto, entrando na
estrutura e no corpus da escola. Temos hoje um movimento social mais engajado do
feminismo negro; mulheres negras no centro da oferta de conteúdos literários,
filosóficos e sociológicos, que podem e devem infiltrar-se na escola para convidar
nossos alunos a pensarem a sua realidade na perspectiva do seu igual. Com esse convite
para o pensamento crítico dos alunos, o engajamento posterior para a aprendizagem de
conteúdos torna-se mais leve e possível.

Mas sabemos muito bem que esta virada não é fácil. É preciso, primeiramente,
formar a escola para que a comunidade entenda a perspectiva teórica da
interseccionalidade e as formas de incluí-la nas suas realidades. No e-book da Elos
Educacional sobre o tema, que será em breve publicado, vamos destrinchar um percurso
de aprendizagem e algumas ideias de formação, além do aprofundamento do conceito.

O que é necessário entender em linhas gerais é que as palavras coalizão,


dissenso, enfrentamento, solidariedade, diálogo, interação e ação são centrais nos
nossos estudos pedagógicos, a fim de entender as estruturas que nos colocam em embate
constante com as desigualdades, promovendo caminhos a percorrer. Uma escola que
abraça os sonhos dos jovens e canaliza a ação no desenvolvimento real das suas
potencialidades, começando pelo pensamento crítico, é um lugar onde poderemos
começar a pensar em alguns avanços para o protagonismo intelectual dos nossos
meninos e meninas. Vale a pena, portanto, entender o conceito e se dedicar a pensar nas
maneiras de incluí-lo nos recursos pedagógicos das escolas.

Bibliografia:

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Feminismos plurais. Coordenação Djamila


Ribeiro. 1ª edição. São Paulo: editora Jandaraí, 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

COLLINS, Patrícia Hill & BILGE, Sirma. Interseccionalidade. 1ª edição. São Paulo:
Boitempo, 2021.

CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black


Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist
Politics. The University of Chicago Legal Forum. n. 140 p.139-167, 1989.

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