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Introdugao [4 Critica da Economia Politica]' 1 — Produgao, Consumo, Distribuicdo, Troca (Circulagao) 1. Produgao a) O objeto deste estudo , em primeiro lugar, a producao material. Individuos produzindo em sociedade, portanto a producao dos individuos de- terminada socialmente, € por certo 0 ponto de partida. O cacador e o pescador, in- dividuais e isolados, de que partem Smith e Ricardo, pertencem as pobres ficcOes das robinsonadas do século XVIIL. Estas nao expressam, de modo algum — como Se afigura aos historiadores da Civilizago —, uma simples reagdo contra os exces- sos de requinte e um retono mal compreendido a uma vida natural. Do mesmo modo, 0 contrat social de Rousseau, que relaciona e liga sujeitos independentes por natureza, por meio de um contrato, tampouco repousa sabre tal naturalismo. Essa @ a aparéncia, aparéncia puramente estética, das pequenas ¢ grandes robin. sonadas. Trata-se, ao contrério, de uma antecipacao da “"sociedade™ (biirgerlichen Gesellschaft), que se preparava desde o século XVI, e no século XVIII deu larguissi- mos passos em diregéo a sua maturidade. Nessa sociedade da livre concoréncia, © individuo aparece desprendido dos lagos naturals que, em épocas histéricas tenio. tas, fizeram dele um acessorio de um conglomerado humano limitado e determing, do. Os profetas do século XVIII, sobre cujos ombros se apsiam inteiremenie Suh ¢ Ricardo, imaginam esse individuo do século XVIII — produto, por um lado, da decomposicdo das formas feudais de sociedade e, por outro, das novas forgas de Produgéo que se desenvolvem a partir do século XVI — como um ideal, que teria 22m ce Intrxlusdo, Marc nia seus apontamertos econdmiees dos anos de, 1857/58) que foram publcados em ‘onjunte em 1938, em Moscos, sob otrulo de Grundhisse der Kate der politchen Okonomle (Ronen jcrpiecobera em 1902 ene os manuscntos deéxades por Mar, e publcadh pela pemeita vez por Routhy, na re- Pitt Die Neue Zet em 1903. E a essa Inirodugdo que Marx faz ausdo em seu pretécin de Pars a Coen de Peover, Saltaz © ktulo “Inerodugdo @ Crt da Economia Poltica” nBo @ do seu propre aulon mar Tolere new Teac Mublcada pela primeira ver € que se tornou tradicional. O texto do fl prepareds pars pubicacho e Hea 4 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITICA, existido no passado. Véem-no nao como um resultado hist6rico, mas como ponto de partida da Histéria, porque 0 consideravam como um individuo confonne a na. tureza — dentro da representagao que tinham de natureza humana —, que ndo se originou historicamente, mas foi posto como tal pela natureza. Essa ilusdo tem sido partilhada por todas as novas épocas, até o presente. Steuart, que em muitos as- pectos se opée ao século XVII] e que na sua condi¢So de aristocrata se situa mais sobre 0 terreno hist6rico, escapou dessa ingenuidade. Quanto mais se recua na Historia, mais dependente aparece o individuo, e portanto, também o individuo produtor, e mais emplo é o conjunto a que perten- ce. De inicio, este aparece de um modo ainda muito naturel, numa familia e numa tribo, que é familia ampliada; mais tarde, nas diversas formas de comunidade resul- tantes do antagonismo e da fusao das tribos. $6 no século XVII, na “sociedade burguesa”, as diversas formas do conjunto social passaram a apresentar-se a0 indt- viduo como simples meio de realizar seus fins privados, como necessidade exte- rior. Todavia, a 6poca que produz esse ponto de vista, 0 do individuo isolado, é precisamente aquela na qual as relagdes sociais (2, desse ponto de vista, gerais) al- Cangaram o mais alto grau de desenvolvimento. O homem é no sentido mais lite- ral, um zoon politikon,? no s6 animal social, mas animal que sO pode isolar-se em sociedade. A produgao do individuo isolado fora da sociedade — uma raridade, que pode muito bem acontecer a um homem civiizado transportado por acaso pa- um lugar selvagem, mas levando consigo 4, dinamnicamente, as forcas da socie~ dade — é uma coisa t&o absurda como 0 desenvolvimento da linguagem sem indi- viduos que vivam juntos e falem entre si. E indtil deter-se mais tempo sobre sso. ito se essa banalidade que teve senti- Nem sequer seria necessdrio tocar nesse pon! do e razio entre os homens do século XVIII néo fosse seriamente reintroduzida na mais modema Economia por Bastiat, Carey, Proudhon etc. Para Proudhon e al- guns outros, parece, por certo, agradavel deduzir a origem de uma relagao econd- syca, cuja aenese histérica ignoram, de uma maneira histérico-flos6fica, que Ihes permite o recurso 4 mitologia, ¢ dizer que as idéias surciram de modo acabado na mente de Adao ou Prometeu, ¢ postas em uso. Nada é mais aborrecedor e arido do que 0 locus communis (lugar-comum) disfarcado Quando se trata, pois, de produgéo, trata-se da produg&o em um grau determi- nado do desenvolvimento social, da produgao dos individuos sociais. Por isso, po- deria parecer que ao falar da producdo em geral seria preciso quer seguir 0 proces so de desenvolvimento e suas diferentes fases, quer declarar desde o primeiro mo- Frento que se trata de uma determinada época hist6rica, da produso burguesa Todema, por exemplo, que propriamente constitui o nosso tema. Mas todas as épocas da produgao tém "certas caracteristicas comuns, certas determinagoes co- tune, A producdo em geral uma abstracéo, mas uma abstragdo razoével, na me- Tide em que, efetivamente sublinhando e precisando os tragos comuns, poupa-nos a repeticdo. Esse cardter geral, contudo, ou esse elemento comum, que se destaca através da comparacao, é ele proprio um conjunto complexo, um conjunto de de- terminagées diferentes e divergentes. Alguns desses elementos comuns pertencem a todas as épocas, outros apenas séo comuns a poucas. Certas determinagGes se- rio comuns 4 epoca mais moderna e & mais antiga. Sem elas nao se poderia con- ceber nenhuma produ¢do, pois se as linguagens mais desenvolvidas tém leis e de- terminagdes comuns 8s menos desenvolvidas, o que constitui seu desenvolvimento & 0 que as diferencia desses elementos gerais e comuns. As determinacdes que va- lem para a producdo em geral devem ser precisamente separadas, a fim de que no se esqueca a ciferenca essencial por causa da unidade, a qual decorre jé do fa- Zoon poltikon (se socal, animal soci). ARISTOTELES De Republica, Livio Prmeivo. Cap 2. (N. da Ed. Alera) INTRODUCAO 5 to de que © sujeito — a humanidade — e o objeto — a natureza — so os mes- mos. Esse esquecimento é responsavel por toda a sabedoria dos economistas mo- demos que pretendem provar a eternidade e a harmonia das telagdes sociais exis- tentes no seu tempo. Por exemplo, ndo ha produggo possivel sem um instrumento de producdo; seja esse instrumento apenas a mao. Nao ha producSo possivel sem trabalho passado, acumulado; seja esse trabalho a habilidade que o exercicio repe- tido desenvolveu e fixou na mao do selvagem. Entre outras coisas, o capital 6 tam- bem um instrumento de producéio, € também trabalho passado e objetivado. Lo- go, 0 capital € uma relacao natural, universal ¢ eterna, Mas 0 € coma condigdo de deixar de lado precisamente o que € espectfico, o que transforma o “‘instrumento ce producao” “trabalho acumulado” em capital. Assim toda a histéria das relacdes de produgao aparece em Carey, por exemplo, como uma falsificagao instigada mal- dosamente pelos governos. Se no existe uma produgéo em geral, também nao pode haver producao ge- ral. A produgo é sempre um ramo particular da produgdo — por exemplo, a agri- cultura, a pecuéria, a manufatura etc. —, ou ela é totalidade. Mas a Economia Po- litica no é tecnologia. Ser4 preciso desenvolver em outro lugar (mais tarde) a rela- o entre as determinagSes gerais da produgao, num dado grau social, e as formas particulares da produg&o. Finalmente a produco também no é apenas uma producdo particular, mas é sempre, a0 contrério, certo corpo social, sujeito social, que exerce sua atividade numa totalidade maior ou menor de ramos da producao. Também nao é este ain- da o lugar adequado para tratar da relaco que existe entre a apresentacdo cientifi-

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