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ESFORGOS PARA UMA DEFINICAO ‘Um ingrediente preocupante, apesa: ado s de por vezes ape dade com que ela procurou definir asi pr6pria: suas as perceptivel, da experiéncia is internas, seu status na sociedade, seu relacionamento com as demals clisses, escrevia Thackeray em /anity Fair (Feira des vaidades).' Porém, conquanto ele ¢ seus letores jul 1G0 um apelo as classes * ficado desse apelo perfeitamente claro, nenhium deles podia ter certeza de que assim Fosse Havia muita ideais, perspectivas ¢ — numa dose bem considerivel — 0 significado dos termos, As formas das pirimides so: ravani-se parcialmente obscurecidas por sutis distingdes socials e exigen ydentemente se perdiam na névon {que recobria as encarnigadas lutas dos grupos que procuravam agregarse A burguesia, desligar-se dela ou ascencler dentro dela. Ademais, a8 endas que pesavam sobre a hist6ria das classes médias, unidas aos debates que de longa data se travavam sobre sua reputacto, contriburam para gerar, em meio a avangos imperwosos ¢ a um brio, um vago sentimento de identidade, que por vezes beirava o dio a si mesmo. Uma consciéncia bur- guesa amplae 08 esforgos dos historiadores que procuram realizar um mapeamento retrospec- que alicercavam aspiragdes ¢ con. -onfiitantes; seus limites superiores e inferiores pressora transtornou muita gente no século xtx, e, no século Xx, vita e ailentemente, contudo, sio os mitos, as contradigdes € as distor6O que constituem a chave para as realidades histGricas. Deles € que surgitao, de fato, ‘mentos essenciais para qualquer definig2o logicamente valida do que foram as cl dias do des. Muitos outros fatores contribuiram para darhes uma ape que era apenas em parte artifical: interesses convergentes, pressdes politicas,clasificagdes Tega, percepgtes e sensagées compartilhadas. Consttufam porém uma grande fail ramificada e briguenta. Os elos que a mantinham unida eram freqientemente mais fracos mas que mais claranente cemonstram estas ses médias cram designadas,* olo XIX, Eu consial éncia de coesto € unidade do que as tenses que a desuniam, E 0s s Tensoes S40 08 nomes com que a ma € exp 1. DOS NOMES AS CoIsas As confusdes que infestavam, no século xtx, 0 vocabultio relatvo as classes nao es. caparam 3 observagio de seus contemporaneos. Quando, em 1895, traduzia um panfleto escrito por um médico alemdo contra a legalizagio da prostituigao, 0 estudioso norte- americano Charles K. Needham deparou com a palavra Burger” ¢ fez uma pausa para refle ie, “O sentido preciso cleste temo”, ruminou numa nota de odapé, “nao pode teaduzir- se pela expressio mridafe class [classe médial, se bem que ocasionalmente cu a tenha util zado em paginas anteriores. as condligoes de vida na Inglaterra e na América do Norte dife aquelis relnantes na Alemanha, de sorte que na lingua iaglesa no ha um termo dnico que possa exprintit a idéta"“? Needham tinka a perspiciicin necessaria para perceber que essas dificuldades lingiistcas exprimiam diffculdades essenciais, A terminologia alema por ‘certo as reconhecia: diferenciava, sutll porém claramente, 0 termo Buryertum do mods ‘mo importado bourgeoisie. Quando Thomas Mann, aiads em 1918, elogiava 0 Barger denegria 0 bourgeois, estava trabalhando dentro de uma tradigo ret6rica fé secular. Alen disso, Barger era um rotalo simultaneamente legal 2 social: designava o cidadkio de um Es tado ou 0 membro de uma classe, uma ambigiidade que escritores alemaes nao deixaram de explorar, Mais uunbémn Mit r inda, os alemes usavam ro $6 0 termo Buargerturm, como Jelstand, ¢ 4 curiosa historia lingistica desta tltima denominagio oferece uma prova clonal de que a instabilidade no uso da linguagem no século x muitas ves instabilidade no Amago da sociedade, bem como uma certa inquietagio.* No inicio do século xix, Goethe, Hegel ¢ seus comemporineos consideravam Ait- felstand 0 membro de uma classe respeitavel e prosper, cujos escaldes superiores incluiam servidotes pablicos graduados e outros homens de instrugéo superior; em meados do sé culo, 0 termo ji designava pequenos negociantes e pequenos industria, Na década de 1870, ‘com a fundagta do novo Reich e em meio 4 turbuléncia de uma especulagio desentreach, muitus vezes ruinosa, 0 termo Mittelstand fol ecbaixado a sindnimo de “peqjueno-burgués do pequeno comercinte que tentava por todos os meios sobeeviver & maré de faléncias € dos funcionatios subalternos que se amontoavam nos empregos desalentadores que os ‘novos impétios industrais ¢ comerciaisIhes oferectam. A maioria dos membros desses dois Brupos tinha motivos mais do que suficientes para se sentigem apreensivos em relacdo a ‘suas oportunidades sociais ea seu futuro econdmico. Os economistas comecaram a fi dlistingdes entre um Aittetstand ja estabelecido € um aavo Mittelstand, afligindo-se pela deterioracio daquele ¢ pelo fastio deste, # assim, 20 aproximar-sea titima década do sécu Jo xix, cermo designava um segmento da sociedade em constante tumulto, um problema fem busca de uma politica.’ A histGria deste termo, inclulndo sua irresistfvel decadencia, documenta as sétias tensOes existentes no seio da burguesta alema ‘Os setores medianos da sociedade inglesa, por seu lado, demonstravam uma extraor ingvia relutancia ase segregarem por meio de nomes distintivos c agressivos que designas. (Bo ero args, que spines em im vulgar aie quan se efva # una oma, ou vit, quae cetto comercel de usta eo rua, devaanse ence outro be ‘rtants burgh escoeec Manca ges Gee burg bers), odos sain sone Ni uta cop ande cdace como rica Barge sat ade Méding “east ‘Specie de la Tortioaca par a defera dos compune es date sO, de sorte que ma Remascenga erm burgherescotse ingles) design ot ter os bia de ur urgo que fam ser de uma camporacin de of. Cam oes dk cine vee hanes ¢renanis, © com consoldigdolnsttucional dp Impeno rasan, 0 termo ger aqui sigiiendo de "cldadio", que mann at hoje, com eer nae nos deverse dete aunenes 4 ebicao poet «d+ "lcadnin 0 termo frances mas peésiss € portant o suid comm a Revolaro. elon, ao pane Que het vot enftizava masa condiessdcko ccondatcase clas do "Tesceio Fase" (eT) ‘tuagho median (NT), sem sua “classe”, Se be do século xvi, 0 ingle class, ou melhor, com Tudo indica, contudo, + classes médias alemas ¢ todavia, J. A. Symonds Somente um cosmopoli se um s6tulo levemehte [Num de seus epigramas dade da Franca sobre a lum artista, 20 passo qui ccomeso de 1890, Beatr fem seu didrio que havi © observava que ele er [com] éculos € um sob: compatriotas entretants Stuart Mill distinguia as Flos, os capitalistas-e 0 Essa relutincia a de contas, foram os mz ‘glo de Condition of th terra), de Engels, transt caracteristica marcante atividades politcas, or anos de sua juventude + wéias”,7 Nem mesmo a reneias 2s camadhs mé politicas:lberais ares: enfaticamente no singt de poder. linguagen talvez indefintveis ocuy mente inocente, quase ‘A Babel de defini te descritivos, como b clais reunidos sob este com tal amplidio, extn 0s plutocratas, que tro: bres, que nio viviam a plas ou incorporando+ dda inclusto aa classe me o ariscoerata Rudoll ve que “os circulos buro um lado, ea comonid: como na Bélgica o do; a alienagio dos fu: ‘completa do que nos ‘A mesma fluidez dos argumentos com heito trait 0 poder, mente coincidentes. N ‘mente era isso 0 que ¢ lias de esticpe nobre p- ccas entre Estados. Hav como também com uma boa I ‘numa familia rica, Ta a famill E veis que se aventurara cidades. As hutas 20 lo. ‘que se travavam em s¢ © que chamarfamos de uma linha de frente unica; € as pers mo os commercants, a bour finidas por Zola co oisie, © 0 grand monde tinham objetivos e valores frequen. temente conflitantes, ainda que em pat vidores pibticos graduados, clérigos proeminentes e médi am de uma camada da classe zados bem-relacionadas ¢ ser- para se aproximarem de outra, Diante desses fatos s IUStIes, no Taro se as dla Vida social, 0s alemaes enriqueceram seu vocabulirio socioldgico cxiando nomes pat Stupos que exigissem uma consideragio diferenciada com o pretexto de possuitem pro priedkdes ou tiulos acaclémicos: falava-se em Hesitzbairgerttam e em Bilduigsbiirgeriun jorias bastante sugestivas, se bem que sobremodo abrangentes. Particularmen: @ Bildung, ou seja, 0 dominio de uma cultuea superior ou, po fo clegante, fornecia is 08, ape lasses médias mais instruidas os srgumentos para sua pretensio 1m statis mais elevado ¢, a8 ve ‘uma certa autoridade. © conhecimento dos elissicos, a facilidade de citar literatura alema, a demonst pelas artes pela mis vil aos nobtes."* Uma iso de um interesse ulti drger abrandar sua wntiga adoracao das demonstragOes mais impressionantes do prestigio alcancado pela Bildung é o fato de que muitos aristocratas alemies, ranto na Prissia como em oulsos Estados, prudent -quipassem seus filhos «le uma educacto superior, ou pelo menos de sinais dela — como Se, a0 invés de nabres, fossem bons burgueses. utro problema agudo e © que representavam os membros do governo tanto ps o de uma definigto. Em primeiro nos excaldes superion si mesmos quanto paga efe i, a posigio dos , 168 pliblicos ou Beamten, especialment Bua. Além disso, como nos Esta Vorquestras das cortes eram igualmente funcionirios, também eles ocupavam uma posicao bastante peculiar. No século x1x sua incomoda sit professores universitirios e os regentes das mglo tina se tornado de certo modo ia até mesmo pelos prc uma tradicao alema," perc (os burocratas, Em suas memérias, O aristocrata Rudolf von Delborick, que ocupava um cargo prblico em Berlin, eelembs que “os eirculos buraeriticos, esp idos entre a fechadissima sociedade da corte, por uum lado, ¢ comunidad burgucsa por outro, tinham uma vita propria”. Bm outros pa ses, como na Bélgica ou na Franca, esse tipo de isolamento parece ter sido menos acentua- aliena¢io dos Funcionsrios em relacio a vids da classe média parece ter sido menos completa do que nos Estados alemaes. No entanto existia, ¢ era desagradivel A mesma fluide7 € conseqlientemente a mesma controvérsia assnalam a divergencia mos quais pirimides burguesas rivals buscavam proeminéncia. © di- Aheiro trazia o poder, e. linhagem também; mas inbeiro ¢ linhageas nic mente coincidentes. Nio obstante, era possivel fave com que coincidissem, e treqiente lias de estirpe nobre podiam assumir a importincia de verdadeiras negociagoes diplomit re Estados, Havia certo grau de mobilidade no interior das elites das classes médias, ‘como também em suas frontciras, O dinheiro podia ser purificado através do mattin com uma bos linhagem, 20 passo que a nobreza podia reabastecer seus cofres usninck 1 uma familia rica, Tals alfangas contudo estavam longe de ser ficeis Ou casuals. o repidio 2 familias de comerciantes Freqientemente frustrava casa interesse pessoal, parecia impor Fssas observagées gorais milias abastadas e Fam fem ser complementadas pelos poucos estudos conti am a examinar mais detidamente us estrituras sociais de determinadas Cidades, As lutis a0 long las margens das classes medianas, bem como as lutas intestinas ue se ravavam em seu meio, eram continuas, éeduas ¢ deseastantes. Na cidade industrial de Barmen, na Alemanha, o Biirgertum pesfazia, em 1861, 9 por cento da populacio, abran- igendo desde homens economicamente poderosos, num extremo, até o ameagado Mitte tand, no outro; 46 anos mais tarde, em 1907, esta porcentagem jf ascendia a mais de 23 pontos, se bem que os acréscimos mals impressionantes eivessem ocortido, compreensi- vvelmente, nos escaldes inferiores da sociedade. E mesmo este aumento relativamente mo- esto do nimero de integrantes das classes médias no era de modo algum generalizado. em Bochum, uma das principais cidades da regio "sidertirgica”” do Rube, a proporcdo dos Bairger apresentou incrementos mfnimos entre 1858 ¢ 1907, passando de pouco mais de 13 para cerea de 16,5 por ceato, sendo que o verdadetro salto ocorreu, tal como em Bar- _men, entre os escalées mais baixos das funcionérios piblicos e dos trabalhadores de cols- Tinho branco. No entanto, cals lutas compensavam 0 imenso dispendio de energia € pa- Ciencia, a despetto de reveses arrasadores e fzequentes. Na Gra-Bretanha, o nsimero de con- tuibuintes com renda anual de 200 libras esterlinas praticamente duplicou em duas déea- das, passando de pouco menos de 9 mil em 1851 para aproximadamente 17 500 em 1871 Este crescimento acelerado se manteve relativamente constante até atingie o nivel de 800 libras, quando passou a apresentar um declinio acentuado; no mesmo intervalo de vinte Anos, 0 nlimero de contribuintes que perceblam 2 mil libras anuais ou mais cresceu de 235 para 356, ou seja ligelramente acima de 50 por cento. Na Gri-Bretanha de meados do sé- culo, enquanto as camadas inferiores e sobretudo as classes médias rizoavelmente prospe- 125 lam diminuindo ligeiramente a distdncia que as separava dos burgueses mais abastados, os verdudeiramente ricos permaneciam inacessiveis, uma fonte de fantass e invejas Alguns segmentos das classes médias gozavam de bastante prestigio, independente ence das rendas auferidss. As profissdes liberais, notadamente no campo da medicina, do direito, da Igreja e ca educagto, elevavam seus integrantes acima dos patamares que a mera posse pecuniiria lhes teria conferido. Seu niimero relativamente pequeno, bem co: ‘moa consciéneia de constituirem uma elite coesa, evitavam a perda de prestiglo: de 1851 2 1881, a proporgio de advogados na Inglaterra ¢ em Gales declinou de quatro para t8s ia mil pessoas, enquanto a proporgao de médicos ¢ de clérigos ve manteve constan- te, a0 redor, respectivamente, de sete e de quatro em cada mil pessoas; somente os educa. dores, tirando partido da recente expanso das oportunidades educacionais, cresceram de cerca dle um para 1,6 por cento da populacio. O dinheiro estava longe de ser Irrelevante para esses profissionais: um advogado em busca dle afirmagio, um prelado ou um profes Sor sem um tostio, decerto teriam dificuldades para encontrar uma parceira para 0 case ‘mento. No entanto, seus caminhos para uma melhor condigao social no se enconteavam totalmente bloqueados. Na Inglaterra, na Alemanha, ou em qualquer outra parte, um jo- vem esforcado € atento is oportunidades podia transformar un doutorado ow um diploma universitério num passaporte para uma posicaa social \émeros deixam dolorosamente claro que as populagdes burguesas — alt dias ou baizas, ativas ou ociosas, do comércio ou das profissOes liberals — viviam na mais completa miséria. Um fato decisivo da vida da classe média do século xtx, que fomentou suas ansiedades ¢ formou sua consciéncia, € que os burgueses sempre e em toxa parte fo: Tam uma minoria, mesmo nos centros comerciais urbanos. As classes médias compensi- vam em poder, conhecimentos e, por vezes, pretensdes o que Ihes faltava em atimero. No século xtx, apenas 10 ou 12 por cento da populacio de eiddades como Bochum ou Barmen odiam atribuirse o status de burgueses; ji em Paris, onde pelo menas dois cergos da po: PulagZo eram paupérrimos segundo qualquer padlrio, talvex 15 por cemto, se tanto, po ‘diam chamar-se de burgueses com propriedade, Se de fato "a burguesla era a nacio", co- ‘mo alguns oradores mais arrebatados gostavam de dizec, era-o apenas num sentido alta mente figurado. Mas 0 aspecto social mals dramstico da experiencia burguesa no século xix era a de. sigualdade econdmica, social e politica que predominava no interior da propria burguesta; 28 suas divisdes hierirquic se — exceto no caso d ou um movimento. ope ‘Todos os burgues ccurawam viver decente herdeiros. Mas suas font tuadamente. A distinck imensa, ea escadh erty por cento da populaclo smafcas por ano (€38 dois tercos dos rendim a elite abastada da cid dda renda tol, Disso de nalinha quesepara os les chegaram aaer vos das classes médias duamente para venc (Os funcior pagos, que Iabutavam : vias ou as ropartign do destino da misériaa tir de meados do séeul lal de, digamos, 70 Ii 200 Hibras ou, se Fosse tem sexernbro de 1900, ricos", comegou a tral por ano, uma magra qi fomnar o jovem Wodet sate comegavam gar mo prazo — aleancar cquadrados na faixa de cos em 1871, 20 passe Hibras no passavam dh sil bras: outros paises. Na Paris 150 francos, ¢ uma qu: ‘ada, sobretudio em s ra faixa de 400 a aque apenas 0,8 por ce: Deatre esse punhado ¢ tadissimos, Assim com telos; como o banquel ros 4 milhdes de ibsas, (tera ak suas divisdes hierarquicas etam muito mais poderosas do que qualquer solidariedade declas- s0es externas exercidas por uma populagio rural radicalizada Du um movimento operiio miltante se — exceto no caso de pr 0s burgueses, antigos ou novos, os grands bourgeois ou os petit curavam viver decentemente, educar seus filhos, decorar suas casas ¢ deixar posses 4 seus herdeiros, Mas suas fontes de renda, assim como os montantes que petcebsam, vuriavamn een rente. A distancia entre a mats alto e © mais baixo degeau da “esc: 10. Na Bochum de 18 jo sc amontoavam no sopé da pirimie econdmica, ganhando até 3 000 marcos por anc (e 48 vezes muito n onjunto, porém, sua renda nao passava de cidade, Contrastando de modo gritante com esta realidad, a cllte abastada da cidade, cerca de um por cento cla populagao, responlia por 15 por cento da renda total, Diss ‘daquela Cidhde se achavam aglomerados na linha que separa os meramente desprovidlos dos verdadciramente misers les chegaram a at por si s6 muito ing c, de diffe asce por cento da pops dois tergos dos rendimentos cis, e alguns de ‘essa, Também em Barmien pelo menos dois tergos dos integrantes Gb. vvios das classes médias eram mestres-de-oficio e trabalhadores as op Tam= pouco deve surpreender que um jornal inglés chamasse o ret Luis Filipe em 1849, ou seja, fo ano seguinte 20 de sua rengineia ao trono, de “‘o gigante dos monarcas mercantis, 0 grande negockante © mercador”." Desaflando qualquer égica ou ordenamento de i 4 palavra "burguesia" parecia ser simuktaneamente estreita e abrangente demais para carac. tetizar de modo adequado as classes médias. Toclos esses epitetos capturam grupos de autopercepcdes ambiguas ¢ dle fantasias can: denies e geralmente frustradas. Artesios independentes, ainda que se encontrassem a beira dda pentiia, transformavam-se em verdade ins feras a0 defenderem o sew status. ” De ou. rials tinhar de enfrentar 2 humilhante resistencia de aristocratas, fee aiientemente muito mais pok to lado, ricos indus cS que cles, em seus esforgos para ingressar em cegimentos exclusivos on para obter condecoragdes ou titulos honorificos. Mesmo assim, muitos deles (ainda que no todos), tao desesperados & sua mancira quanto os humildes funcionsrios ‘W108 artesa0s semifamintos, de algum jeito conseguiam galgar os degraus da piramice socal Esses grupos, precariamente colocaclos nas fronteiras de sua classe, eram excepcio: nalmente suscetiveis a destinas ambiguos. No entanto, o prépri si — 0 burgber solidamente estabelecido, quer fosse ind casa instrulda, burocrat niicleo central da burgue- Jal bem-sucedido, dona-de mediocre, médico ou professor lustre — tampouco se encontra consalidado. Clinicos gerais tinham suas desavengas com cirurgides e especialisas. Aca 32 ‘aemicos apegados aos curr ‘glo de escassos recursos. M industriais que buscavam fo fundamente o dinheito rec: dém os présperos novos-ric ag seu monarea com fervo (08 russos esta atitude fazia ttibuto espontaneamente ¢ tos mals, freqiientemente 1 faclitar nossos ¢ 1 burguesia, tampouco por Dungués”, Para a implacive bis maliciosas caricatura vva os desafortunados tipos ‘weracidade — so tio enka findaveis torrentes de cha € estenografia”. Persevers mariam de 0 “tipo anal pe ra, ou aspiravaa ser, algue ‘no entanto, davam-the um grafo dinamarques Georg? no governo”, “que havia cia” © seu burguts era c gués tipico: 0 empresirio tanto quanto © quitandeir rncteristcas burguesas ce | cera.a qualidade negativa ¢ ‘mal em suas proprias pele: ¢ constituia uma fonte de racterizat o burgués— eq saber. 2, SIMPLIBICAGOES TE? A necessidade de vi ‘mente arraigada na mente dade aliv sansiedades po! te sio nitidamente defini 10s de ambivaléncia. Isto te; tratase no entanto de de que se the ofereca. E ceulo xix, era to vulnerso ‘métlco, 40 chauvinism ¢ escreveu Friedrich Nietas , por assim dizer, a dei cebe como tais”. Os crit sivo; 0 mesmo se aplicz\ transformam em mera ci émicos apegacos 10s curriculos clissicos Iutavam com clentistas novadores pela obter: -assos recursos. Mercado wvam pelo livee com que buscavam formas de protecionismo. O dinheiso tradicional desprezava pro: fandamente o dinheiro recentemente adquirido, nobres empabrecidos olhavam com des dém os présperos novos-ricos. Os mercadores ingleses proclamavam fidelidade inabaldvel ao seu monarea com fervor igual ao das mercadores fuss0s, porem, a0 passo que entre os rUssos esta aitude fazia parte de set re} tributo espontaneamente oferecido por 10s mais, freqilentemente eclipsavam colabor a a obtengao de uma definigio utilizaivel de que foi burguesia, tampouco podemos contar com esse antigo e infalivel recurso — 0 “cariter bburgués”. Para a implacavel avant-garde, o assunto era de fi sgiando as hi bois e maliciosas caricaturas com que Henry Monnier, conhecido ator e cartunista, sat v4 0s desafortunados tipos da classe média francesa, Théophile Gautier achava-os impres sionantemente verossimeis: "Seus personagens burgueses — ¢ ninguém os pinta com mais eracidade — sto tio entadonhos como os burgueses da sealidade cotidian taveis torrentes dle chavdes € suas solenes besteitas, Nao se Perseverante, ordciro, prudente — psicanalisas de salio mais tarde 0 cha- ‘ariam de 0 “tipo anal por exccléncia” —, o burgues era antes de mais nada um chato, Era, ou aspiravaa ser, alguém que vivia de ren: sss e comerciantes pele vlagdo, entre os ingleses era um €8 Conflitas, assim como ou: ‘des ¢ allancas b guess 1 facilitar noss0s esforsos pa Gestenoge Eas, 3s, Outros observadores das cl ‘no entanto, davam-lhc um carster bem diverso. Em 1889, 0 influente critico I sfafo dinamarqués Georg Brandes denunciava a burguesia de seu tempo como um 15 governo”, “que havia herdado o defeito caracteristico da antiga aristocracta, a arrogin- cia O seu burguts era o explorador materialista e hipderita, E de fato nao havia um but ues tipico: o empresirio inescrupuloso e 0 engenheito criativo the serviam de modelo tanto quanto © quitandeito pacato ¢ 0 burocrata pedante, © arrojo e a prudéncia eram ca racteristicas burguesas de peso igual. © que os hurgueses do século x1x tiaham em comum cera a qualidade negativa de no serem nem aristocratas nem operirios, ¢ de se sentirem ‘mal em suas prprias peles. © que os dividia, entreranto, era qui importante, © constituia uma fonte de tensGes reais. Aqueles que se propuseram, no século Xix, a ca racteriaar 0 burgués — equa saber. ‘odo mundo 0 tentou — sabia menos do que acreditavam 2. SIMPLIFICAGOES TENTADORAS Anecessidade de viver segundo classificagoes nitidamente delineadas esté profunda ‘mente arcaigada na mente humana e constitul uma de suas primeiras exit dade av ades por meio da eliminago das discriminagOes. Situagdes reals raramen- te slo niticamente definidas, e sentimentos reais frequentemente sio verdadeiros vespei ros de ambivaléneia, Isto € algo q 0 aprende a reconhecer ea tolerar, se tiver sor tc; trata-se no entanto de uma percepgtio penosa da qual regreclir4 oportunida- de que se Ihe ofereca. f por isso q to liberal, que ensinow as pessoas a conviverem com incertezas ¢ ambigiidades, a conquista mais trlunfante culo xIx, era &0 vaine clas; a simplici- na primes ta cultura do sé vel 208 ataques de visées mais cruas do mundo, ao fanatismo dog. ‘mitico, ao chauvinismo e a outras classificacdes grossciras e simplistas. “Toda sociedade’", cscreveu Friedrich Nictzsche num de seus aforismas mais brilhantes, “tende a se degradat pelo menos os que per ccebe como ais. Os criminosos eram, no seu entender, vivinias de um tal processo regres: sivo; 0 mesmo se apticava a0s Judeus. E “entee os artistas, 08 ‘filsteus ¢ os burgueses’ se Nietzsche poderia bem ter acrescentado que as van 33 {guards artisticas, apenas estabeleciam 08 padres qu ampla. A consciéncia de classe, quc en s pela cultura mals glu a08 trancos inicialmente, e de modo cada vez fim do séeulo xt € ao inicio do século xr, venerava tal carieatura: uma mistura de realidades sociais © necessidaces Inconscientes, Deixando simplesmemte 4 margem qualquer evidéncia Imariamente quaisquer civics e empregans -omplicadora, climinando st o que supunham ser indicadores abjetivos impresses subjetivas, tudo igualmente problematic, jomalistas, politicos e romancistas do século xix filavam ¢ escreviam como se a burguesia fosse uma entidade social s6lida, Ginica, definivel ¢ imensamente importante. Suas definicdes desaflavam produzit um ido da consciéncia catélico-romana na Toscana; de Lille arranjavam os casamentos de suas fi itaveis de Washingcon permitiam que elas se casas. sem por amor; ou que alguns burgueses viam nos industrais sew ideal moderno, enquanto outros os desprezavam por considerd-los arrivistas grosseird Todos, porém, ou quase todos, sc utilizavam da linguagem de classes com natural dade, Em scu estudo fidedigno da burguesia parisiense da primeira metade do 8s diferente daqucte origi isse media sup vanto fama iguaimen Adeline Daumard narra um episédio divertido que demonstra a mancita pela qual talline guagem se impos mesmo Agueles que com malor ferocidade negavam sua utllidade Dirigindo-se a Camara dos Deputados em 1847, Garnier Pagis argumentava que so pais nao existem mals c 2s quais havia 3 e denunciavaas detestivels” teorias de Guizot, segundo sses diferentes, a burguest ¢ a pos céncia: "Vejo aqui present Tadas.** Ao «} a ez" E prossegui, com tods a ino- muitos burgueses". © pleni parece, a forga desse vocab 0 recebeu o discurso com garga taro exa irresiscvel s € rornancistis No eram menos inequivoces ao escolherem suas palavras. No censaio “Lutezin, escrito jd em sua maturidade, Heiirich Heine gracejava sobre 0 “novo mundo dos fiisteus" que via 3 sua volta “numa era industrial e burguesa”"; Henry James se referia livremente a "'gordos sofis burgueses"; Marcel Proust fez com que o scu perso. nagem janota, Bloch, renunciasse ao regio de botso ¢ a0 guarda-chuva por serem “insipy dos implementos burgueses"» Pode ser inconveniente que todas esis utilizagdes do ad. assim tomadas em conjunto, nilo resultemn aum retrato cocrente: e -aracterizama nem satiizam os mesinos aspectos. Mas isso nao pareceu incomodar ninguém, Tenty James, como saemos, escolhia suas palavras com o miiximo cuidado, Hei vo "bun ich Heine, Marcel Proust ou Alexis de Tocqueville, Outros, menos fastidiosos, ana. vam mao de epitetos menos limitados. E nenbum leles, apesar disso, teve qualquer dificul- dade em fazer-se compreender, Os burgueses podiam ser vistos na Clmara dos Depitados ica, Nos gordos sofis burgueses, com insipidos guarda-chuvas burgueses: asin possivel ter-se um significado claro, com limites ni ‘burgues lefinidos, do que era o E no era v ‘dade que o burgues ja era visivel havia s€culos? Um dos eaminhos usa dos pelos estudiosos do hurgués aa tentativa de definilo fo rece ser um pracedimento ba: de wilhar a sua histézia. Pa ante razodvel, particulasmente tendo-se em vista que as evo: aeterizagbes dos burgueses no sécuilo XIX pouc o tinham em comum, além do fato de que todas asseguravam haverem eles formado uma classe. Mas esse caminho tinha também os seus problemas. Pols o que as historiografos tizeram com 0 passado dos bu Buses, tanto com 6 remato quante is recente, foi simplesmente deseawolver a Jenda popular mais durfivel, persuasive, e pertinaz, a da hurguest em ascensdo. O espe cculo de uma classe de bur hers que se afirmavam, sem qualquer altruismo e sem qualquer Yergonha do seu mercantilismo, abrindo caminho a cotoveladas e galgando as eseadas do poder e da avés dos séculos, deve ser 2 explicacto historica mais popular jin Yentada. El abreviou intimeras investiga queza igdes e simplificou muitas respostas. O qh ess xplaco parte por ser muito versitile I tum perfodo de mais de se mar, a consolidagio dos F do pensamento cientfico, Jo xix (para prosseguirme mons mats event) 31 gio Industral, pelas revol rm também menos efém resultado de obras da bur ‘one € por acaso que 0 ¢ de 0 triunfo da burgue Contorme sugere 2 econdmica. Os burguese das idéias quanto 0 eram vuma monarea, a raintia V apenas comprova a forn 5, ela era a mais burg surgiram no final do sé nho. Segundo.nos fot en proporcionaram benetic pais aps outro; a Revol lippe, que nem o guard a primazia politic ‘completow alhures suaa ses temporirios que sofi seriam as derrotas de It ‘médias? Seu precipitad Imentitio sardonico 2 su tum partido de mudane: pouco depois, nto seria servadores no século xt de historiadores futuro: cia, 0 scu triunfo, Resu que “hole € fato unive durante os iltimos 150 jguesia’”, Ninguém pod ‘Ou quase ningué nografias especializada feito rentativas de era conseguinte, explica m te dominante na Inglat quer na poiftica quer i descrigio de Louis Phi a. No entanto, a explicagao particularmente sedlutora € 0 fato de que elt € de todo por ser muito versitil ¢ lindamente vaga, foi posta a servigo dit necessidacle de explica 1m period de mais de seis séculos de hist6rla acidental: « emergéneia das ais, o nascimento do capitalismo, aR mat, a consolidacio dos Estados absolutistas, » Guerra Civil ingles, « vertiginosa cat do pensamento cientifico, e, naturalmente, 0 Mluminismo do século xvi. Quanto ao sécu: Jo xix (pa ata das explicagoes até seus saltos gio Industral, pelas revolugdes politi Censio do gosto mediocre ¢ pelo mo 2 0, industrializacio, mecanizacio — revolucbes menos dramati ‘a prosseguirmos acompanhando esse acro! attibuir 0 crédito, ou a cu 4, pela Revolt 1 burguesta costumas que varreram a Eueopa a partir seeulo xix: urbanlzag po: rém também menos efémeras do que as barticadas eonstruidas por operirios trabalhado: ss constituigdes rascunbauas por politic oraimente também melhoraram a sua situagI0. NiO € par acaso que 0 conhecido relato de Charles Mora2é sobre 0 século xix? Ieva 0 titlo dleria ter escolhide outro tule sia. Diticilmente © triunfo da turgy Conforme sugere a lenda popular, tal triunfo nao se restrin “ondimica. Os burgueses concuistadores pareclam to irresistiveis no ambito do gosto i legislatura ou na bolsa de valores, Impunhiam seus pensaum das idgias quanto 0 era 08 ¢ sentimentos a classes superiores ¢ inferiores de igual modo. Por iss0, 0 fato de que ha Vitoria, tenha dado 2o século 0 seu nome enquanto ainda reinav. ia havia estabelecido sua suproma: -omprova a forma decisiva pela quull « bur * cia: afinal de contas, como diziam com afexo ou com desclém alguns de seus conten neos, ela era a mais burguesa entre todos. Até sex desafiada pelos movimentos radicals que los a estorvar dhe surgiram no final do século xix, a burguesia no cinha o nos Fol ensinadlo, a Revolugio Francesa c suas ficios imensos ¢ aparentemente irreversiveis 4s forgas burguesas, num nificagdes em outras partes proporcionarann ben pais ap6s outro; a Revolugio de 1830 levou ao trono © paradigna da burguesia, Louis Pht ip ensavi; a grande Lei de Reforma de 1832 assegurou slesa. Mals tarde, prosseguem os relatos, a burguesia nsigdes de influenela declsiva, apesar de todos os reve das € mal-organizadas revolugoes de 1848, Mas no orridas pelas classes 1c, que nem © guarda-chuva dis ‘completo alhures sua ascensio 's temporiiios que softeu api seriam as derrotas de 1848 uma prova das incriveis distincias fa p médias? Seu precipitado e ansioso recuo de fins de 1848 e de 1849 nao terd sido um co: iciedade? Tendo sido apenas meio século antes «a burguesia agora no partido da ordem? E alagoes, ob- ‘mentitio stwdOnico 4 sua participagio na pouco depois, nao seria retomada sua ascensfio rumo a0 poder? Com estas av servaclotes no século xtx nig apenas antecipavam como também fomentavam o veredicto de historiadores futuros, de que 2 burguesta sempre avancava até atingir, em lima insti cia, o seu triunfo, Resumindo isso tudo em fins da década de 1830, Michet Chevaliec dizia na nia Franca." Em sum; lum partido de mmudangas que “hoje ¢ fato universilmente aceito que a classe med te 08 dltimos 150 anos vém-nos sendo dito que © século x0x foi o "Século da Bur Ninguém poderia ter dividss a speito. ‘Ou quase ninguem. Alguns historiad fias especializacas, para entar modificar esse veredicwo © mentam que cle explica demais e, po! res céticos vem labutando, sobretudo em mo- igerado, ¢ uns pou Wwas de erradici-lo por completo. Arg conseguinte, explica muito pouco, Questionam a iia de que 4 burguesia era politicamen te dominante na Inglaterra a partic de 1832, e afirmam que na Alemanha ela jannais 0 to {quer na politica quer na sociedade. Acé mesmo langam thividas sobre a atracate ¢ divertida ] lescrigdo de Louis Philippe como um “rei burgués"'. Na verdade, Friedrich Engels, qu ssim Como scu amigo Karl Marx, foi dos primeiros a rotular sua era como 0 “século bu gues’, no fim da vida pode ais ele havia asse nelar-se de uma de suas formulagBes prediletas, Em 1845, gurado sem rodeios que "a classe dominance na Inglaterra, como em todos 08 outros paises civilizados, é 2 burguesia”. Em L892, entretanto, escrevi: “Na Inglater a burguesia nunca manteve sozinha o poder. Mesmo a vitéria de 1832 deixou a aristocractia rural 2 posse quase exclusiva de todos os cargos governamentais de peso. A cocil {que as classes médias abastadas se submeteram a esse tado de coisas", confessava Ei ® algo que nao consigo compreender” Sua reviravolta tardia vem sendo confiemada or pesquisas histGricas mais recentes. Nem por isso a nogdo de que o século xix foi o sé culo da burguesia, ¢ de que iss0 Ihe fot muito prejudicial, deixa de ser ainda hoje parte do estoque de conhecimentos geralmente aceitos, indispensiveis 208 nossos sentimentos de compaixio para com nosso passado recente. 3. UMA BATALHA DE PERCEPGOES Toddos esses est os para se definir a burgu percepgdes. Mas nem todos a8 pontos de vista tive a ee temporsing sia nada mais sio que uma batalha de um Idéatico modo de expressio. A julgar iO que gozam as classes médias do século xIx, parece que as descrigdes con as € 2s avallagdes posteriores mais eficazes foram escritas pelos seus criticos. Suas caricaturas freqientemente malévolas, apesar de altamente persuasivas, se tomnasam prat ccamente candnicas — mas nig totalmente, pois retratos burgueses auto-clogiosos tamou- co constivuiam raridades 8 época, nem deixam de tet ainda hoje algum apoio, Heinrich Heine, esse incompardvel inventor de metdforas, demonstra quio imagina Livas, engracadas e mortiferas podiam ser as caricaturas antiburguesas. Passeando pelo Si. Ho de Paris de 1843, obseryou um tanto desgostosa que, qualquer que losse o objeto re tratado pelos quadios expostos, todos eles estavam dominados pelo moderno espitito bur ues, 0 expirito do egoismo e da ganiincia. A maior parte dos setratos, eserevew, "tem ma expressio to pecunidria, tio egoista, tto mal-humaridal” Até mesmo uma pintura que ss trava a flagelacio de Cristo despertou desagradivels associaces comerciais em Heine; 0 isto represcntado lembravaihe "0 diretor de um banco falido”, E os grandes quadros histGricos, a despeito dos temas grandiosos que pretensamente retratavam, Ihe taiam & mente “pequena lojas de varejo, especulacdes na bolsa de valores, qualidacles mercantis, tum flistinismo burgues Como outros comentaristas hostis 20 que chamavam de a nublada era bunguesa, Hel ne considerava aqueles a quem glosava como as donas do mundo moderno uma fonte de tédio infinito, um termo que, aparentemente inécuo, ocultava por tes dle seu sentido 6b: ‘vio uma boa dose de incontida ira. Cada critico tinha seu modelo favorito de burgueses cchatos: Stendhal escarnecia todos os provincianos; Flaubert, praticamente todos 08 france ses. Heine, por seu tumo, detestava as classes médias inglesas, que, segundo ele, consti tuiam a propria encarnagio do materialismo vulgar e da devaga co discipulo de Stendhal tanto nese como em ¥: Um aucentt: (05, Heine lamentava «que, com a mote de Napoleiio, se tivesse extinguido a era dos verdadciras herGis; 0s mo- ‘demos burgueses, escreveu ele, admiravam “um tipo bem diferente de herdi, como o vir. ‘oso Lafayette ou James Watt, 0 flandeiro de algocao”.”” Mais veemente ainda do que Hel ne, Gustave Flaubert sentia um desprezo to profundo pela burguesia que chegava as ras de uma aversio neurética: considerando os burgueses iteralmente nauscantes, de uma fei ‘@assinou uma carta como “o burguessfobo", Queria ele que sua fobia fosse levada a 56 io, Outros alegremente se alfaram a Flaubert em sua luta pela boa caus, incluindo a arroja dae talentosa jovem russa Marie Bash Ja pela indiferen: dade, perseveranca,firny defintao Barger como ut Contudo, apesar de toda a sua verve ¢ de toda a su influencia, esses exuzados anti burgueses no detinham o monopélio da opiniio piblica acerca clas classes médias. Nao faltaram ‘icra vitoriana observadores genizis, que se regoviavam com o que se Ihes afigura, vam coniribuigdes impressionantes das classes médias para o progresso da civilizagio. Con. forme disse com bastante firmeza o Influente soci conservador Wilhelm Heinrich Riedl, ¢ lo, “éa ordem burgucsa que, desc antigamente, estabelece as tras cle movimeentos socials justificados, cas reformas socials Eacrescentou solenemente, referindo-se a sua propria época, que 0 Btirgeriuim “‘detinha maior parte do poder material e moral. Toda a nossa época esta imbufda do carter bur gués"* E no dizia isto sem satisfacio, pois se considerava um Brirger, Tal nocio auto-elogiosa fazia parte de uma antiga tradigio. Havia séculos, todas as Cidades se orgulhavarn de que seus magnatas de classe mé 120 € historiador da cultura alem’, o meados ‘que presidiam empresas co ites e fomentassem as, como os Medici, cuja generosidade para com si , mlsicos e arquitetos era proverbial, haviam sido cadores antes de se tornarem principes. # 0 que a alta cultura flotentina devia aos seus but ‘gueses mais cos, a alt idades desenvolvidss — Bruges, Edinburgh, Ams. di, Nomnberg — deviam aos seus patriciacos de classe médi. Os patricios que tam Os grandes centros comercias da incipiente idade moderna, homens que recusavam tulos nobiliéequicos ¢ consideravam sua vocagao mescantil nfo apenas lucrativa mas tam: metcials, corporagées de oficios ou clas familiares, ap iencias. Grandes principes-mercado bios ¢ poetas, pintores ¢ escultor n digna, no viam motivo algum para se envergonharem de sua posigio no mundo, NOs gf vemos nos retratos pintaclos por excelentes artistas como Hans Holbein, o Jovem, cor fodos os atributos caracteristicos do comerciante — folhas de caixa, balangas de pesar ou. 9, até mesmo alos que imortalizam wm sta us social que no precisa se fustificar, que 6 forte ¢ pleno de respeito proprio. & essa camaclas médias da sociedade tam. bem encontraram apologistas persuasivos e espirituosos: Addison em seu Spectator, ¢ Vol taire em suas famosas cartas sobre os ingleses, elogiavam o comercante pacifico ¢ toler te precisamente porque ele permanecia intocado pelos ideais grandiloqdentes, d essencialmente infantis daaristocracia, ‘com uma pequena dose de perversic de, Addison e Voltaire achavam que mesmo os especut dores da Bolsa tinham algo cle ad. mica De modo mais sébrio, em sociedades onde os comerciantes adquisiam ig grandes fortunas ¢ grande fama, os idedlogos da classe média tomavam sua prop or verdadeiro repositorio de vireude cfvica, destinada a exercer o poder no Est lideranga na cultura, Em prineipios do século Xvi, Da el Defoe prockamava que o comer. estava longe de ser 'incompaiivel com wm. -man" © yaaa visio po- sitiva que teve repercussdes favordveis no século xx. “O valor das classes médias neste pais”, esereveu James Mill em 1826, “e seu crescimento, tanto em ntimero quanto em im portincta, sio reeonhecicos por todo mundo. Hi muito tempo se fla less classes, © mesmo seus superiores se referem a clas, sem ressentimentos, como a gldria da Inglaterra". Quatro ‘anos mais tarde, num daqueles imprecisos porém impressionantes desvios de linguagem gue fi mencionei, o radical lorde Brougham confundia as classes médias inglesas com 1 Propria nacio. “OQ do falo do povo”, disse ele, “filo das classes médias, a riqueza e a Inceligéncia do puis, a gléria do nome da Gra-Bretanha'” & significative que Brougham uum lorde recentemente nomeado, ao invés de procurar ocultat suas origens de classe mé- dia, enfaticamente proclamasse suas virtudes. mesmo burgueses inclinados a auto-elogios ‘menos extravagantes ainda assim exigiam, em termos bastante fortes e nada ambiguos, 0 respeito que Ihes era devido, Em 1885, refletindo sobre 0 & ratos inferiores dda burguesia alema blicistaliterario Robert Prilss puna em evidéncia sua “honest Perseveranca, firmeza e personalidade s6lida”.** Oito anos depois, Charles Needharn 1.0 Burger como um homem dotado de “algum orgulho de seus ancestris, sem os sen timentos exclusivistas da nobrera’. Quer a sua renda seja grande ou nao, “ele vive de acor do com 0 que tem a0 seu dispor” e tem a intengio de manter, ¢ se possivel de estender ‘quaisquer demonstragdes de confianga e te estima que the sejam indiretamente concedi as" por sua comunidad. E isto é v ara o “profissional”" quanto para E lustial, 0 empre merciante", para cempregador”.® alvez fosse inevitivel que, nas décadas que se seguicam & Revolugio Francesa, al guns burgueses satisfeitos consigo mesmos, quisessem arsogar para sio sécullo. O que tan- {os crticos culturais consick gueses, eles saudi am como virtudes burgue sis: ao esgotamento do veio poético, chamawam de realismo; a auséncia de prinetpios ele- vadlos, de espitito pratica: a devoca0 obsessiva 20 trabalho, de energia; so conservadoris ‘mo bovino dos prosperos, de solide. Até mesmo Marx e Engels, que nao mortiam de amo- coximava rapidamente do fim, aacharam palavras expressivas para louvé-la. “A burguesia sujeitou o campo as leis da cid” de", escreveram num famoso parigrafo do Manifesto comunista, “Criow cidades enormes, arrastou para dntco da civilizaglo todas as nagOes, até mesmo 2s mais harbaras”, e assim nisiderdvel da populagio da estupider da vida rural".*° Mesmo essa valorizagio limitada ndo obteve © apoio geral. Um mouvo para tanto foi a paixdo que a burguesia tinha pela autocritica, fornentando um yerdadeiro batalhto de inclementes criticos socials, praticamente todos oriundos de suas prOprias fleiras. Em tum diagndstico mordaz, Henry James observou que “Balzac e seus companteiros” odia ‘mesmos so quase sempre fugitives da burguesia, Consegul- ida, € uma vez estabelecidos no acampamenta 2dversitio, exguem ako seus punhos e racam seus desafios”.%! Acthur Symons, exftico € es por uma classe cuja missio hist6rica a seu ver ji se af vam a burguesia "porque: oeta simboliste, con: cordava, Fakindo da rebeldia estética da década de 1890, observou desdenhosamente: “Nada, rem mesmo a virludle convencional, € Wo provinciano coma a vicio convencional: © 0 esejo de deplorar a classe média faz parte da propria classe média”.* Todavia, o histo- Fiador em busca de uma definicio para a cultura da classe média do século x1x ndo pode deixar de perceber que tal hostilidade furiosa tinha muitos pontos de contato com a reali dade da época. Sob varios aspectos importantes, havia algo de opressivo na civilleagdo dos ios, sobretudo quando impregnada de fervor evangélico, algo incompativel com 0 Bosio mais requintado, com as distingdes mais sutis, com a liberdade moral c artstica, ¢ percepgdes erfticas. A arte oficial que concinuava a ser premiada nos sales em. toda a Eur opa, 0 Interior pretensioso de abastadas casas alemis nas primelras décachs do Império, a interferéncia insensivel dos censores na pintura ou na poesia que julgavam blasfema ou obscena — estes ¢ outros siatomas culturais correlatos sugerem for temente que as dificuldades dos espiritos artes e no pens ‘mento 10 enum de postos. A dor e ira que autores e artistas de van- arviculares, e wadores na literatura, odo algum auto- sguarda extravasavam em suas cartas ras revistas e jornais, seus cafés preferidos, em suas eféme eciam maior credibilidade do que a idéla de que eles fossem este tas que mordiam a mao que tes estendia o alimento, enfurecidos tao-somente pela gula Por mais alimentos. Tampouco era adequada a idéia de que pot trés de toda aquela dor € ira se encontrasse a necessidade primitiva de dividis nitidamente 0 mundo em amigos € inimigos. A amplitude ¢ a rapidez das mudangas socials trouxeram & tona um verdadelro eles tremendo de ansiedade social. Sentindo-se perdi em repentinamente no terreno da alta cultura, esses novas-ticos, com antecedentes e de- fendiam ferrenhamente padrdes tradicionals que os consumidores de cultura mais seguros de si jd havia muito tempo questionavam e estavam peestes a abanclonar, A arte destinada uunicamente a autopromogio e ap consolo reconfortante predominava tanto nas exposi ‘$0es publicas quanto nas casas parciculares. E, o que ainda € mais importante, a produczo nucas € notivels excegdes, agartavam-se ao gosto das geri ‘em massa de bens culturais fae, a0 final do sécul sgrafla¢, a0 final do sé: Sobre as consequéncias de plas da populagio. A cong de fato menos extensa ¢ m gerou, como nao podia deo chegados, postura essa em. eral egofsta, das realidade nética recust de aceitar q) Por tudo isso, 0s be foram prodigalizadas. E, 0 critica em flagelaca0. tra fundo para elas — com ur davida de que burguesia “Apesar de sinceramente d amplamente um ov outro dias, e nlo somente 208 ti avocés caridade, e20 inv se dirigiu a um publico d doar, pois nds os prejudic forme Beaice Webb ech mard shaw, que una seu To1D que “ae grandes co Iida, mas sim de u proposkao e deliberadam Gil que sia, sa genera ima fini para abu matreza moral €a prope 2 definigio da borguesta Nao obsante todo fer defini, Unindose tou els comurs de B mente percebids pelo fefendose 4 classe mé Gisfrces,unindo-e es texmo “classes na cultura but sa de bens culturais, impulsionada por avangos técnicos nus artes grficas, na foto do fondgrafo, levant: ‘expansdo da cultura através de camadas ea o inal do século, pela inven alarmantes atafia c, sobre 2s consequiencias de uma m plas da populagio. A conquista de novas posigdes de poder por parte dos burgueses foi de fato menos extensa € muito mais cheia de nuances do que em geral se imagina, porém gerou, como mio podia deixar de Ser, uma postura defensiva (sociale politica) entre os tecém: brass, por vezes ia e igualmence fee chegados, postura essa em que se dest al egofst, wwa uma rejeic \s ealldacles socials, conjugada a uma igualmence obt a de aceitar qualqui Por eudo iss0, os burgueses do século xrx fizeram por merccer as criticas que thes foram prodigalizadas, £, conforme jé mencionei, muitos burgueses transformaram 2 auto: critica em Magelacao. Atealam dentincias coletivas — e virtualmente montavam o pano de fundo para elas — com uma avidez que honraria qualquer tribo de masoquistas. Nao resta dGvida de que a burguesia do século xx produziu alguns supe ndeza pesar de sinceramente dedicada 2 privacidade, vez por outra dava-se ao luxo de divulgar tamplamente um ou outro ataque de sentimentos de culpa, “NOs — refiro-me 4s classes me: > somente a03 ricos — nds abandonamos voces; 20 invés de justiga, oferecem a vocés caridade, e a0 invés de simpatia, conselinos duros irreais." Assim Arnold Toynbee se dirigiu a um pablico de op. doar, pois n6s os prejud Torme Beatrice Webb celemb: | ses” adquiriam “uma nova consciéneia do pecado”, uma consciéncia confusa e inquietan: je classe". George Ber sxperimentacio estética ros em 1883, Prossegue ainda: “Vooés tém que nos per icamos profundamente”. sso numa a mais tarde — “homens de intelecto ¢ homens de pos: 1 propprios motivos para estimulartais sentimentos, observa convicgiio de pecados ide do século xix se considerava (que tink 1912 que “as grandes converses do século xix nfo resultaram Individuais, mas sim de um pecado social. A primeira me © maior de todos os séculos; segunda descobriu que era o mais perverso de todos Em seu estilo caracteristicy metades de sua proposigao e deliberadamente minimizou a coexistencia de sentiments contradit6rios tanto ‘na primeira quanc ‘por mais simplistae superfi cial que seja, sua generalizagdo deve recordur-nos de que 08 problemas de se encontrar ‘uma definicio para a burguesia eram mais que uma questio de nomenclatura, mais que uma resolvida por meio de compara¢des sociologicas: envalvia a problematica snarurcza moral da propria vida burguesa. O maior de codes 0s obsticulos que se opdem Shaw exagerou na conceituacdo de ambas na segunda metade do século. Entretanto, A definigao da burguesia do século xix talvez [io obstante todos esses obstaculos para se chegar a uma definicdo ao mesmo tem: rangente ¢ bastante diferenciada, nfo pretendo sugerir que nada haja para Indo-se sob os efeitos de pressdes externas, a burguesia do século 21x g¢ rou estilos comuns de pensamento acerca do amor e da agressao. Sem nenhuma implica mente uma € multas. Jim 1820 essa caracteristica foi arguta ida pelo peincipe Metternich: "Essa classe intermedi io metafisica, foi simultan mente perc referindo-se a classe média em carta dirigida ao czae Alexandre i, "assume toda a sorte de distarces, unindo-se e subdividindo-se co: otme soprem os vents, ajudando-se uns 205 ‘outros nas horas de perigo, ¢ jé no dia seguinte despojando-se uns 20s outros de codas suas conquistas”,* Talvez caiba aos autores ingleses do século xtx 0 melhor quinhao de tudo {ss0: excero em momentos polemicos ou irdnicos, ativeram-se, conforme jé me termo “classes médias” — que revela habilidosamente o invencivel pluralismo implicito que coexiste com a unicidade que nela se encontra subjacent na cukura burguesa, €

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