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REFORMA UNIVERSITARIA NA NOVA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAGAO NACIONAL? CARLOS ROBERTO JAMIL CURY Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO Este artigo pretende explicitar quais os eixos dominantes e presentes na nova LDBEN. Esta LDB institui uma inversao formidavel na estrutura do ensino brasileiro. Em vez do tradicional controle na base e no processo educativo com mais liberdade no produto, a nova lei flexibiliza a base e 0 processo e estabelece um controle jamais visto na educagdo brasileira. Assim, ao eixo da flexibilidade inicial e processual se opée a avaliagao do rendimento escolar como competéncia da Unido. LEI NACIONAL DE EDUCAGAO — EDUCACAO E LEGISLACAO — LDB E ESTRU- TURACAO LEGAL — NOVA LDB. ABSTRACT THE NEW LAW OF DIRECTIVES AND NATIONAL EDUCATIONAL BASES: A NEW UNIVERSITY REFORM. This article tries to make explicit the present dominant lines of the Law of Directives and Educational Bases. The new law institutes a formidable inversion in the Brazilian teaching structure. Instead of the traditional control at the grassroots level and in the educational process with more freedom in the product, the new law makes the base and the process flexibile and establishes a never before seen control in Brazilian education. To the former procedural line of flexibility, it opposes the evaluation of school return as being of sole competence of the Federal level. Cad. Pesq. 101 p.3-19° jul.1997 INTRODUGAO A Lei n. 9.394/96, conhecida como LDB, sancionada pelo Presidente da Reptiblica no final de 1996, fixa as diretrizes e bases da educagao nacional de acordo com o dispositivo da Constituig&o Federal do art. 22, XIV. ito longos anos foram necessdrios para que essa lei, de iniciativa do legislativo, fosse finalmente aprovada e sancionada. O primeiro projeto partiu da Camara Federal. A ele se sobrepés 0 projeto do Senado, que terminou por preponderar sobre o primeiro, embora o texto final seja um composto hfbrido de ambos. Mas essa composigio é desigual, de sorte que o projeto da Camara tornou-se recessivo em face da dominancia do projeto do Senado. A lei registra, de modo especial, as vozes dominantes que lhe deram vida. Mas registra também vozes recessivas, abafadas umas e¢ silenciadas outras, todas imbricadas no complexo processo de sua tramitagio. Por isso a leitura da LDB ‘nao pode prescindir desta polifonia presente na lei, polifonia nem sempre muito afinada, polifonia dissonante. Ao lado da dimensdo genética da Lei n. 9.394/96, € preciso considerar o caréter de educago nacional que as LDBs possuiram e por isso sio chamadas de diretrizes e bases da educagdo nacional. Tal dimensdo hist6rico-nacional deve ser vista, primeiramente, no seu aspecto de relacdes e correlagdes em face do conjunto dos entes federativos. Trata-se da questo federativa. Uma lei nacional relativa & educagdo € sempre polémica, sobretudo em um pais federativo onde se supde a divisio de atribuigdes ¢ competéncias entre seus entes federativos. A organizago federativa de um Estado nao € uma realidade dada de uma ‘vez para sempre. Tal organizagao é hist6rica e, portanto, as caracterfsticas que Ihe so préprias como descentralizagao de poderes, autonomia de Estados (provincias ou regides), competéncias estabelecidas conhecem variabilidade no tempo, no espago e no grau de abrangéncia e distribuigao das incumbéncias. Além disso, ndo se pode esquecer que, dentro da modernidade, uma tematica hist6rica recorrente € a do publico e do privado. Em nosso pafs, onde nem sempre os limites entre um e outro ficaram claros, a ressonancia desta tematica na educagao institucional é grande e complexa. A privatizagio do piblico é um tema trabalhado por muitos estudiosos e pesquisadores brasileiros, tanto quanto se insiste na democratizagao do Estado. O jogo entre o ptblico e o privado continua posto e reposto através de concepgdes, modos de gestao, seja de um, seja de outro, e controle social. Trés pontos merecem a atengao neste caso: a educagao regular oferecida pela iniciativa privada é concesséo do Estado? essa modalidade institucional de iniciativa pode receber recursos puiblicos? é procedente admitir a presenga do ensino religioso nas instituigdes ptiblicas? Finalmente, em uma lei de educacio nacional nao se pode deixar de considerar a realidade brasileira, marcada enfaticamente pela excludéncia e por toda a 4 sorte de discriminagao. E, se uma lei de educagao nacional se quer democratica, ela deverd ser efetiva no que se refere universalizagao do direito ao saber. Por isso, nunca foi facil a elaboragdo de uma LDB. A Hist6ria da educagdo registra treze anos de tramitago para a Lei n. 4.024/61. J4 as Leis n. 5.692/71 (reformulada pela Lei n. 7.04/82) ¢ n. 5.540/68 foram claboradas de modo to répido que a insatisfagio tomou conta dos educadores e da sociedade porque celeridade foi sinénimo de cardter autoritario ¢ inadequagio. E com a atual LDB, que teve como projeto inaugural, pela primeira vez na hist6ria do pafs, uma iniciativa do legislativo, em vez do executivo como fora até entéo praxe, nao foi diferente. Seu processo de construgao revelou-se bastante complexo e polémico. Com efeito, 0 projeto inicial de LDBEN de 1988 foi elaborado sob o impacto do modo participativo como a Constituinte de 1987/88 se houve na elaboragdo da Constituigéo Federal de 1988. O capitulo de educagdo desta Constituigdo trouxe consigo uma série de dispositivos novos na matéria, entre os quais o direito publico subjetivo, a gratuidade também no ensino médio e superior pblicos e a gestio democratica. A superveniéncia de outro projeto de caracteristicas diversas do primeiro, e que foi se tornando hegeménico, conduziu ao jogo de vozes de que se falou antes. OS EIXOS DA LDB A versio aprovada da LDBEN apresenta caracterfsticas bastante novas para a estrutura ¢ funcionamento da educacao escolar brasileira. Pode-se dizer que essa lei, em vez de outros dispositivos legais sobre a educagio no passado, abre um campo extremamente grande para iniciativas mais auténomas por parte dos sujeitos interessados. Numa palavra: flexibilidade. Essa flexibilidade aparece, em primeira dimensio, na maior clareza de atribuigo de competéncias entre os entes federativos no que respeita aos niveis da educacio escolar. Pode-se afirmar aqui uma linha decididamente descentralizadora. E, em segunda dimensio, trata-se da diminuig&o dos controles cartoriais sobre os sistemas as instituigdes, sendo que em alguns dispositivos a lei torna-se préxima de uma desregulamentagio, deixando muita autonomia para as instituigdes e os sistemas. E Ifcito inclusive averiguar a hipétese de um retorno parcial ¢ relativo & Reforma Rivaddvia de 1911! ou, quem sabe, a uma certa aclimatagao que sugere um retorno também 3s teses illichteanas da década de 70. 1. Como se sabe, essa Reforma, durante 0 governo Hermes da Fonseca, praticamente im- plantou o ensino livre e retirou a interferéncia do Estado na educagio escolar, mas implantou o vestibular como forma de acesso ao ensino superior. Esse, por sua vez, ndo emitia diplomas mas certificados, os quais deveriam se pautar pela liberdade profissional estabelecida na Constituicao de 1891. Como exemplos de flexibilidade, pode-se citar, entre outros, o art. 23 (fim da seriag&o obrigatéria), o art. 23 § 1° (reclassificagdo de alunos); o art. 24, Il, ¢ e art. 5° § 5°, os quais possibilitam 0 acesso aos estudos independentemente de escolarizagao prévia. No que se refere especificamente 4 educagao superior, a extingao da Lei n. 5.540/68 trouxe o fim da obrigatoriedade dos departamentos junto as universidades e o fim dos curriculos mfnimos, substituidos pela flexibilidade maior sob 0 princfpio das diretrizes gerais. Estas dimensdes sao bem evidentes no que se refere ao ensino bdsico (infantil + fundamental + médio), podendo-se afirmar a grande flexibilidade na base € no processo da educagao escolar basica. Essa dimensdo pode ser trazida também se atentarmos para o fato de que a lei em pauta nao foi tio enfatica no princfpio da igualdade quanto o € ao assinalar o direito 4 diferenga. Essa flexibilizacgio incorre, contudo, em sério risco: dadas as perversidades atdvicas de nosso sistema educacional, af considerados aspectos externos € internos & escola, ela pode servir como cortina de fumaga para uma precariedade do sistema e até mesmo como uma legitimagao desta. Tal flexibilidade, entretanto, nao € aceita na LDBEN como ilimitada. Afinal, uma lei € sempre uma regra juridica que impde uma coercitividade em determinado campo das relagdes sociais e das instituigdes politicas. Uma lei estabelece limites, pelos quais se reconhecem também as possibilidades de atuacio mais livre. Portanto, dentro desta tensdo entre limites possibilidades, 0 eixo flexibilizante se vé também objeto, em varios casos, de contrapontos expressos. Um deles se ocupa da regulamentagao que os érgios normativos dos sistemas estaduais © municipais poderio ou deverao efetivar ou dé normatizagio mais ampla estabelecida pelo Conselho Nacional de Educagio. Esse érgio, recriado pela Lei n. 9.131/95, possui fungdes deliberativas, normativas, interpretativas e de assessoria que, quando aprovadas e homologadas pelo ministro da Educagio, possuem eficdcia legal no seu campo de jurisdigao. Essa regulamentagao, sobretudo a dos sistemas de ensino, se vé potencializada porque a LDB clareia as competéncias e atribuicdes dos diferentes entes federativos no que se relaciona as suas responsabilidades educacionais (cf. art. 9 e 16, 10 ¢ 17, 11 e 18, 67). Assim, a abertura de escolas superiotes, por exemplo, sob a responsabilidade de Estados e Municipios, s6 seré possivel quando estes tiverem satisfeito, respectivamente, a demanda por ensino médio e fundamental/infantil. Essa emenda, associada ao capitulo do financiamento da educagao, mostra como, neste caso, a flexibilidade cede espago a regulamentagao de prazos de desembolso dos recursos mediante 0 desenvolvimento e manutengdo do ensino, 6 vinculagaéo e subvinculag&o. Mas dentro desta regulamentagao, resta espaco para uma certa autonomia dos érgao colegiados, dos conselhos, dos estabe- lecimentos e dos dirigentes. Deve-se assinalar o papel agora também redistributive, coordenador e arti- culador atribuido 4 Unido no que se refere as suas fungdes em face dos demais entes federativos (cf. art. 8°). A lei, conquanto de modo nfo enfatico, abre espago para que se amplic o poder de iniciativa e presenga da sociedade civil e, de maneira mais incisiva, para acdes emancipadas por parte das instituigdes escolares e do corpo docente. Quanto a esse eixo ainda, pode-se dizer que ele possibilita um leque inter- pretativo bastante amplo também. A boa fundamentagao juridica, bem como uma assessoria competente sio indispensd4veis para uma efetivagdo segura consistente das iniciativas ora possibilitadas. Ao espfrito flexivel da lei repugna tanto uma normatizagio burocratica e uniforme no sentido cartorial desta expressio, quanto uma regulamentagao clientelistica favorecedora de segmentos privilegiados. Ambas ofenderiam o principio da pluralidade de concepgées e idéias pedagégicas, posto na Cons- tituigdo Federal de 1988 ¢ reforgado pela presente lei. Mas hé um outro eixo estruturador desta LDB. O seu art. 8°, § Unico, diz que caberd A Unio a coordenagio da politica nacional de educagao, articulando os diferentes niveis ¢ sistemas ¢ exercendo funcdo normativa, redistributiva ¢ supletiva em relagio as demais instincias educacionais. Nao resta a menor diivida quanto a possibilidade de uma politica nacional de educagao coordenada e articulada pela Unido. Mas nao se pode deixar de apontar para as possibilidades de uma centralizagdo seja diretiva ou nao diretiva, sempre a depender da orientagao pratica dada 4 nogdo de coordenacio. Nunca é demais recordar que coordenagio significa uma ago ordenadora de caréter coletivo. Além disso, 0 art. 9° estabelece como incumbéncia da Unido, nos incisos VI, VIII ¢ IX respectivamente, assegurar processo nacional de avaliagdo do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, com a cooperagio dos sistemas; (...) assegurar processo nacional de avaliagdo das instituigées de educago superior, com a cooperagio dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nivel de ensino; (...) autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar © avaliar, respectivamente, os cursos das instituigées de educagio superior € 08 estabelecimentos do seu sistema de ensino, Percebe-se, pois, que a Unido se investe de poderes sobre a educagao escolar em todos os niveis a partir das nogdes de coordenagao e avaliagdo como 7 jamais se viu em um regime democrdtico no Brasil. Ela possui o controle sobre 0 processo avaliativo do rendimento escolar de todos os niveis da educagdo escolar e o controle da avaliacio das instituigées e de cursos do ensino superior, além de baixar normas gerais sobre cursos de graduagdo e de pés-graduagdéo, de acordo com o inciso VII do art. 9° A Unido ganha, pois, a prerrogativa de estabelecer um proceso permanente de avaliagio do rendimento escolar e das instituigdes, pondo-se quase como agente externo deste processo. Certamente que um processo de avaliagao é desejével porque ajuda a aprimorar a qualidade da educagio, seja pela radiografia dos problemas levantados numa situagdo, seja pela possibilidade de safdas adequadas para a situagao, Fica claro, entdo, 0 outro eixo da LDB: a avaliac&o. Acrescente-se que a expresso avaliar ou avaliagdo aparece em treze artigos da LDB, que tem 92 artigos, e af € repetida 23 vezes, o que € muito elogiiente por si sé. Ora, 0 projeto vencido da Camara estipulava um Sistema Nacional de Educacao. Tal conceito nao foi incorporado na versio sancionada. Mas pode-se dizer que esta LDBEN cria um real Sistema Nacional de Avaliacdo tal a importancia conceitual, estratégica ¢ operacional que a avaliagao, sob controle da Unido, passa a gozar a partir de agora. Pode-se mesmo dizer que est4 criado um sistema externo de avaliagio do rendimento escolar. Ora, um entendimento pragmético de rendimento escolar é dado por resultados de provas, trabalhos, semindrios dos alunos, os quais sio sempre aferidos por algum critério expressos em notas e/ou conceitos. O que € licito interrogar, agora, € sobre a natureza da avaliacdo: se ela sera nica, uniforme, minimalista e centralizada ou se sera tnica (de modo a propiciar isonomia e resguardar um patamar mfnimo nacional), diversa (de modo a garantir a riqueza da flexibilidade da base do processo), abrangente (de modo a nao se apoiar em um s6 critério) e colaborativa (de modo a respeitar a estrutura federativa da Republica). Se o Conselho Nacional de Educagao, a partir da Lei n. 9.131/95, perdeu Prerrogativas e todos os seus atos dependem da homologacao ministerial, deve-se assinalar, além da forma mais aberta de indicagéo de seus membros, que cabe a esse 6rgio colegiado assegurar a participagao da sociedade no aperfeigoamento da educagao nacional (...) ¢ emitir parecer sobre os resultados dos processos de avaliagdo dos diferentes niveis e modalidades (...) Também, sob 0 titulo de Organizagao da Educagdo Nacional, a \ei assinala a incumbéncia das instituigdes ¢ dos docentes na elaboragio do projeto pedagdgico. O que certamente inclui também os estabelecimentos e docentes do ensino superior. Essa dimensdo, para que sua eficécia seja reconhecida, deve, de alguma maneira, ser considerada a fim de que 0 conceito de rendimento escolar nao seja reduzido a indicadores quantitativos e que, por fim, esses se sobreponham aos qualitativos (cf. art. 4°, IX). 8 Essa linha de pensamento pode ser reforgada com o inciso VIII do art. 3° que pée a gestdo democratica como principio do ensino piiblico. Ela, como principio, deve perpassar 0 conjunto dos 6rgios e instituigdes que tém por fungio o dever de educar. A educagio, por natureza oposta a violéncia, € uma das formas superiores de comunicago entre os seres humanos. Por isso Ihe € conatural 0 didlogo como forma de busca de consensos, assim como também € conatural ao didlogo a disputa e o dissenso, dada a complexidade diversa do real. O espfrito da lei também parece recusar uma avaliaco Gnica, uniforme e centralizada ao insistir em um federalismo cooperativo jé presente na Cons- tituigfio Federal de 1988. Nao faz sentido abrir-se para uma flexibilidade processual se depois a avaliago se transformar em uma camisa-de-forga dos sistemas e dos estudantes. Ora, essa natureza de um novo federalismo é 0 contraponto da avaliagao. Se, no caso da flexibilidade, 0 contraponto foi a regulamentagdo, agora, em face da avaliago, temos uma Reptblica Federativa em que a natureza colaborativa entre as suas diversas instancias deve preponderar sobre dimensdes centrali- zadoras ou dualistas. Daf a estimulagao ao didlogo, 4 delegagao ¢ & consulta a fim de se evitar tanto uma indesejdvel uniformidade quanto uma dispersio desintegradora. Avaliar é estabelecer uma relagdo de niio-indiferenga com as coisas. Aderir a um valor é ser nao-indiferente em face de uma opgio. No caso dos regimes democraticos, um dos critérios para assinalar valores € a efetivagio dos princfpios constitucionais e das leis, Ora, se a educago visa ao pleno desenvolvimento da pessoa (Constituigao Federal de 1988, art. 205) e do educando (LDB/96, art. 2°) af incluindo e explicitando a cidadania e o trabalho, ent&o a plenitude proposta deve ser considerada em uma avaliagio, a fim de nao se cair quer nos reducionismos da quantidade, quer nas simplificagdes da questdo federativa, quer numa metodologia apressada. Poderfamos sintetizar do seguinte modo: 1° eixo: 4 dominancia da flexibilidade (ao invés do engessamento) se contrapde a funcio complementar da normatizagao (nao cartorial); 2° eixo: & dominancia da avaliagio se contrapde a fungdo colaborativa que estrutura a federacao republicana (ao invés da subordinagao). A chave para se pensar, dentro do espfrito da LDBEN e da Constituigao, uma sfntese da oposigdo flexibilidade/avaliagao é a educagao para a cidadania. Nessa tiltima, a pratica da democracia, sobretudo numa era em que as condigdes socioeconémicas mudam vertiginosamente, repde em termos mais amplos a defesa, j4 feita por Kant no século XVIII, de cidadios ativos. Uma avaliagao reducionista do rendimento escolar ao invés da criagio de cidaddos ativos, 9 finalidade maior das sociedades democraticas, pode nao s6 obstaculizé-la, quanto pode conduzir a um engessamento do sistema de modo a tomar os educandos cidaddos passivos. E neste sentido que também se pode interpretar as sucessivas e diversas referéncias 4 qualidade nos art. 3°, IX, 4°, X, 74 da LDBEN e no art, 13 da Lei n. 9.424/96. No momento em que a flexibilidade preside 0 espirito da lei, reconhecendo ‘os agentes educacionais como maiores para um projeto pedagégico, em que a autoridade se remeta a origem etimoldgica do termo (0 que ajuda a crescer) € se volte para o fim almejado: 0 cidaddo como autor (0 que cresce) da democracia; no momento em que caem as barreiras legais tendentes a asfixiar a liberdade de criagao pela recusa ao cartorialismo e ao burocratismo, urge pensar a avaliagio como instrumento de uma politica republicana: piblica, federativa ¢ compartilhada. A avaliagao flexfvel, coordenada e cooperativa é aquela em que autoridades e agentes pedagdgicos, sob o princfpio da cidadania ativa, se congracem num esforgo tal que faga jus ao direito de todos, dever do Estado e da familia, (...) com a colaboragdo da sociedade... A EDUCACAO SUPERIOR Os alicerces apontados fazem parte da Organizagio da Educagao Nacional e nesta medida eles perpassam o capitulo sobre educagdo superior, além de incluir essa ultima na avaliagio do rendimento escolar. E nao se pode ignorar que, na LDBEN, a temética ganhou, seja na verso vencida da CAmara, seja na versao sancionada, um destaque através do cuidado que os legisladores Ihe dedicaram. Esse artigo, por voltar-se 4 educagdo superior, merece um tratamento mais minucioso. Sob o Titulo IV: Da Organizagao Nacional da Educagao, os dispositivos da LDB explicitam as competéncias relativas aos entes federativos. Ora, parece haver contradi¢fo entre as competéncias estabelecidas sobre essa matéria no que se refere & autorizago das diversas instituigdes de educago superior. O art. 9° da LDB dispde sobre as competéncias da Uniio. O inciso VI diz ser incumbéncia da Unido baixar normas gerais sobre cursos de graduacdo € pés-graduagao. Esse dispositive ndo s6 faz jus ao espfrito da LDB como atende ao disposto no art. 24, § 1° da Constituigéo Federal de 1988. Por seu lado, o art. 10 da mesma LDB, ao dispor sobre as incumbéncias dos Estados, repete em seu inciso IV de modo idéntico os termos do estabelecido no inciso IX do mesmo art. 9° da LDB, quando este ultimo diz 10 que & Unido cabe autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituigdes de educagdo superior e os esta- belecimentos do seu sistema de ensino. A primeira vista, entdo, parece que os incisos se referem aos cursos ¢ estabelecimentos de cada sistema de ensino. Ora, essa interpretagio parece se chocar com os §§ 2° e 3° do mesmo artigo 9° da LDB. Pois qual a necessidade de 0 § 2° dizer que, para 0 cumprimento do disposto nos incisos V a IX, a Unido terd acesso a todos os dados e informagées necessdrios de todos os estabelecimentos e dérgdos educacionais? Se o legislador quisesse que 0 disposto fosse restrito 4 rede federal nao sé faria referéncia explicita a ela, restringindo o seu ambito de aplicabilidade, como também ficaria sem sentido 0 § 3° que assinala a possibilidade de delegagaio de competéncias aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham instituigdes de educagdo superior. Neste caso fica evidente que © sujeito da delegacio aos Estados s6 pode ser um: a Unido. Isto combina com 0 § 2° do art. 24 da Constituigao Federal de 1988 que diz: a competéncia da Unido para legislar sobre normas gerais ndo exclui a competéncia suplementar dos Estados. Além disso a Lei n. 9.131/95 que, pelo art. 92 da LDB, foi explicitamente incorporada por essa mesma lei nacional, ao explicitar as competéncias da Camara de Educagao Superior do Conselho Nacional de Educagio, diz, em seu art. 9°, letra e: deliberar sobre a autorizagdo, o credenciamento e o recredenciamento periddico de instituigdes de educagdo superior, inclusive de universidades... Ao lado disso, entio, fica claro por que o inciso V do art. 10 da LDB fala que Estados baixam normas complementares para 0 seu sistema de ensino. E enfim, se hé norma geral federal sobre uma matéria, os Estados néo possuem competéncia legislativa plena para atender a suas peculiaridades, de acordo com o § 3° do art. 24 da Constituicéo Federal de 1988. 7 Isto significa que o art. 48 da LDB, quando fala em diplomas reconhecidos e em sua validade nacional, estabelece uma correlagdo entre ambos que, além .de fazer parte da tradigio (consuetido, lex!) ‘da educagao nacional, confirma o addgio de que “ninguém dé 0 que no tem” pelo qual o estadual, por si sé, nao produz o nacional. Como diz o § 4° do art. 24 da Constituigao Federal de 1988: A superveniéncia de lei federal sobre normas gerais suspende a eficdcia da lei estadual, no que Ihe for contrario. Estes t6picos apontados nao fazem parte direta e explicitamente do capitulo especifico sobre educagao superior. Mas como constantes do titulo que trata da Organizagao da Educagao Nacional, eles perpassam o capitulo préprio deste nivel educacional. De todo modo, a LDB como conjunto normativo se polariza entre a flexibilidade inicial do processo e da estrutura ¢ a avaliagio do rendimento escolar enquanto a produto do ensino superior. Ou como j4 dizia 0 documento do GERES*: o controle finalistico das instituigdes pelo Estado e dos resultados do ensino superior. A nova lei inclui, na sua letra e, de alguma maneira, no seu espirito, a educagdo como produto, insistindo na nog&o de qualidade e de exceléncia. Neste sentido, ela chama a cena 0 cidad&o enquanto consumidor deste produto de modo que ele possa fiscalizé-lo ante a licitude da norma e toré-lo transparente em face da publicidade dos atos do governo. Afinal, a luta por uma educagao de qualidade nao pode ser uma tarefa exclusiva do Estado e nem se pode imaginar que o custo da educagao publica nado passe pelo bolso do contribuinte. Isto se pode perceber pelo § 2° do art. 9°, o qual garante 4 Unido o acesso a todos os dados e informagées, ¢ pelo § 1° do art. 47, que exige a exposicao publica e prévia, por parte das instituigdes, dos programas de curso, qualificagao de professores, recursos disponfveis, critérios de avaliagdo, entre outros. Isto significa que as instituigdes deverao se expor mais e.planejar melhor essa exposigao (Intemet, folhetos, guias etc.) a fim de revelar sua face institucional. Do exposto anteriormente pode resultar uma explicagdo mais clara das iniciativas tomadas pelo Ministério da Educagéo e do Desporto quanto 4 avaliagao das instituigdes de educagdo superior. Elas confirmam o poder da Unido diante da avaliagao tal como the € facultado tanto pela LDB quanto pela Lei n. 9.131/95. E 0 caso do chamado “provao” e das comissdes de especialistas responsdveis pelo processo de autorizagio de instituigdes proponentes de cursos ou, até mesmo, da prerrogativa universitéria e das recentes medidas de categorizagio da avaliagao. O capitulo especffico sobre a Educacio Superior € 0 que contém o maior | numero de artigos da LDB. Sao quinze artigos (do 43 ao 57), representando 16,3% do conjunto dos 92 artigos. Os artigos 43-50 se ocupam da educagao superior de modo geral ¢ os restantes das que carregam consigo a prerrogativa universitéria. O art. 43 contempla as finalidades classicas (ensino, pesquisas, extensio) da Educagao Superior mas sem se socorrer da formulagio, tal como se encontra no art. 207 da Constituigao Federal, que estabelece a indissociabilidade entre as trés fungdes. Essa indissociabilidade s6 reaparecerd no decreto federal n. 2.207/97 ao distinguir explicitamente a universidade de outras distintas formas de ser da educagao superior. A titularidade plena desta relagio é conatural as instituigdes portadoras da prerrogativa universitdria. 2. O Grupo Executivo da Refornia do Ensino Superior foi constitufdo, em 1986, para operacionalizar as propostas da Comissio Nacional para a Reformulacio do Ensino Superior criada pelo governo da “Nova Repiiblica”. © documento exarado pelo GERES foi motivo de muita polémica no dmbito da Universidade. O art. 44 estabelece a abrangéncia dos cursos e programas e 0 processo de ingresso. O destaques aqui ficam por conta do fim do monopélio do vestibular classificatério como forma tinica de ingresso e a inclusao, além da Graduagao e da P6s-Graduagio, de cursos seqiienciais por campo de saber, de diferentes niveis de abrangéncia. Em conseqiiéncia da flexibilidade da LDB, esses destaques por sua novidade e certo grau de elasticidade demandam um comentario’, O vestibular, ponto fixo num determinado momento do ano, cede espago a um processo seletivo, sob cuja nogdo esta sugerida a possibilidade de uma seqiienciagao de atos tendentes a esse fim. No caso dos cursos seqiienciais, © inciso II do art..43 fala em dreas de conhecimento (certamente se referindo & graduacio © pés) enquanto, aqui, o inciso I do art. 44: fala em campos de saber e com diferentes niveis de abrangéncia e abertos a candidatos, desde que preencham as condigdes ditadas pelas instituigdes. Isto pode ensejar as universidades a oferta de cursos que sejam interdisciplinares a partir de tematicas instigantes, de problematicas emergentes 0 ou de proposigdes voltadas para as prdticas sociais. O art. 45, em vez de uma formulagio explicita da hierarquizagio das instituigdes de ensino superior, diz que elas, piiblicas ou privadas, podem possuir variados graus de abrangéncia. Certamente esse seré um aspecto voltado para uma regulamentagéo em instancias especificas dos érgados normativos, pois ha sempre risco de que uma tal abertura se torne indiscriminada. Daf por que se deve zelar nfo s6 pela avaliagdo periédica mas também para que a autorizagdo se faga dentro de condigdes adequadas aos fins aos quais os cursos se destinam. O art. 46 mantém a autorizagio, o reconhecimento de cursos € 0 credenciamento de instituigdes como prerrogativas dos poderes piiblicos em fungao do cardter profissionalizante e determinante para o mercado do diploma de ensino superior. Isto significa a manutenco do espirito do art. 209 da Constitui¢do Federal em que se pressupde o ensino como “servigo ptiblico”. Logo, 0 conceito da educagao. como “concessio” dos poderes piiblicos aos empresérios do setor privado permanece. Mas essas autorizag6es e credenciamentos nao serao mais indefinidos no tempo. Eles terdo prazos limitados com renovagao periddica ap6s processo regular de avaliagdo. Esse processo de avaliagao, ao indicar as deficiéncias, -sugere reavaliagdo. Se apés um prazo satisfatrio clas nao forem sanadas, hd possibilidade de desativagdo de cursos e habilitagdes, intervengdo, suspensdo temporaria de prerrogativas e descredenciamento. Esse artigo representa uma grande novidade e pode significar um processo de qualificagio mais refinada das Instituigdes de Ensino Superior em vista 3. Esse € um artigo que jé esta sendo explicitado pelo Conselho Nacional de Educagio. 13 de suas finalidades maiores. Com certeza a regulamentagio deste artigo seré bastante trabalhosa, dada a prépria complexidade do sistema ¢ do estabeleci- mento de critérios de avaliagéo. Um ponto a verificar € 0 6rgdo especffico ao qual caberd declarar o reconhecimento da instituigéo. Também aqui o Decreto n. 2.207/97 da orientagées neste sentido ao regulamentar, por exemplo, os prazos de qualificagio do corpo docente das instituigdes. © art. 47 traz outras novidades. Além da exposigo publica j4 assinalada das varidveis importantes acerca da instituigdo, estudantes excepcionais poderio abreviar a duragio de seus cursos. E as instituigdes piiblicas deverao oferecer cursos de graduagio no turno da noite com qualidade igual aos do ‘diurno. Os artigos 48-50 regulam a expedigo de diplomas e sua validade para 0 territério nacional, a transferéncia de alunos regulares e nao-regulares. Aqui a renovacio € bastante significativa. Doravante os diplomas formam, titulam o graduado para o exercicio profissional, mas nao sao mais habilitadores do exercicio profissional. Eles provam a formagdo recebida por seu titular (art. 48) e isto implica que cabe 8 instituigao acolhedora dos servigos profissionais do graduado verificar a sua adequagdo a drea do mercado de trabalho, de acordo com o inciso XIII, do art. 5° da Constituigao Federal e que diz: é livre o exercicio de qualquer trabalho, oficio ou profissdo, atendidas as qualificagées profis- sionais que a lei estabelecer. Em seu art. 27, a Lei n. 5.540/68 dizia que os diplomas importariam em capacitagdo para o exercicio profissional na Grea abrangida pelo respectivo curriculo com validade em todo 0 territ6rio nacional. Se agora o diploma é apenas prova de formacdo, seguc-se que no € mais preciso que o registro profissional se veja inscrito no ministério ou nas secretarias, exceto quando a lei — LDB ou outra — taxativamente o exigir. Neste caso, a articulagio com os Conselhos Profissionais dever4 ser ativada de modo a se estabelecer padrées que nfo engessem e nem dispersem © cardter basico formativo dos titulados exigido por lei. Esse artigo, cuja importancia ainda nao foi de todo avaliada, certamente traré uma alteragio significativa na relagio entre o aparato formador e a profissionalizagao no mercado. E certo que o art. 90, VII, prevé que cabe a Unido baixar normas gerais sobre os cursos de graduacdo e de pés-graduagdo, como também € certo que, pela Lei n. 9.131/95, art. 3°, § 1°, compete & Camara de Educagio Superior estabelecer os conteiidos minimos de cada curso. Mas nao ha referéncias a curriculos minimos (conteédo minimo nao é a mesma coisa que curriculo mfnimo!) j4 que a propria Lei n. 5.540/68 foi extinta. J4 os diplomas de graduagao obtidos em universidades estrangeiras s6 sero revalidados por universidades piblicas, enquanto os registros dos diplomas nacionais sao da algada das universidades, publicas ou privadas. A partir daf comegam os dispositivos relativos as universidades. Elas, a fim. de usufruirem desta prerrogativa, deverio submeter-se & deliberagio do Conselho Nacional de Educagao através de sua Camara de Educagao Superior, conforme 14 estabelecido na Lei n. 9.131/95. O art. 51 abre a possibilidade de a universidade articular-se com os Estados no sentido de considerar a sele¢io de alunos desde o ensino médio*. O art. 52 define a universidade como instituigao pluridisciplinar caracterizada por docentes qualificados para cuja produgio institucionalizada na pesquisa, na docéncia e na extensao se exige, minimamente, 1/3 do corpo docente com pés-graduagio stricto sensu, e 1/3 em regime de tempo integral. Se, de um lado, hé uma ruptura com uma homogeneizagiio postulada pela extinta Lei n. 5.540/68, por outro lado, a flexibilidade apontada pode sugerir um alto grau de dispersividade. Considerando-se a validade nacional dos diplomas, como se poderé compati- bilizar tanta disperséo (se vier a ocorrer) com o carter similar que um diploma dever4 possuir para a efetividade da dimensao nacional? Outro ponto interessante € a abertura para instituigdes especializadas de alto nivel. Quando constatada sua existéncia, dentro de um campo de saber, e ela seja de tal maneira qualificada, poder ela obter a prerrogativa de universidade’. Além disso, no caminho para que uma instituigdo postule a prerrogativa de universidade deverao ser observados os dispositivos trazidos pelo Decreto n. 2.207/97 e pelas portarias que se lhe seguiram. Eles impdem uma série de critérios, sujeitos a avaliagdes, que explicitam a propria LDBEN. O art. 53 lista as atribuigdes constantes de qualquer universidade, essas atribuigdes sao o minimo indispensdvel de uma autonomia que nao € soberania, mas esse mesmo artigo diz que elas esto af sem prejuizo de outras (atribuigdes). Trata-se das varias dimensées da autonomia entre as quais a fixagio de vagas, curriculos, planos, projetos, a conferéncia de graus e diplomas, aprovagao de planos de investimentos e a capacidade de firmar convénios. Em varios itens postula-se a observancia de diretrizes gerais pertinentes. Neste caso é importante voltar-se 4 Lei n. 9.131/95 em que a Camara de Educagao Superior do Conselho Nacional de Educagdo tem competéncia para deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educagdo e do Desporto, para os cursos de graduagdo, de acordo com o art. 9°, § 2°. Contudo as decisdes internas relativas a essa prerrogativa nado cabem, seja nas instituigdes publicas, seja nas particulares, 4s mantenedoras ou aos ocupantes de cargos, mas sim aos 6rgios colegiados. Cabem-lhes inclusive os assuntos relativos A contratago e dispensa de professores, bem como o estabelecimento de planos de carreira. 4, Tramita no Congreso Nacional uma lei, jé aprovada na CAmara, que faculta 50% das vagas para estudantes que se submetam ao processo seletivo em vez do vestibular tradicional. 5. O projeto de lei de LDB de 1946, enviado ao Congreso por Clemente Mariani, previa essa possibilidade para a Area de ciéncias agrérias. 15 Com a revogagio da Lei n. 5.540/68 consoante o art. 92, as universidades que quiserem poderao reestruturar-se de modo a contemplar, por exemplo, nticleos em vez de departamentos. O art. 54, voltado para as instituigées ptiblicas, esté sendo considerado por muitos como inconstitucional porque ofenderia 0 princfpio constitucional do art. 207 € o regime jurfdico Unico. Neste caso sé uma emenda constitucional poderia viabilizar a legalidade deste artigo. Ele estabelece que as universidades publicas terio um estatuto juridico especial, na forma da lei. Mediante tal estatuto, a ser explicitado ¢ regulamentado por lei federal, além das prerrogativas do art. 53, elas ainda teriam liberdade de estabelecer seus planos de carreira © © regime juridico de seu pessoal. Isto retiraria as universidades federais das amarras cartoriais que as prendem & burocracia de outros érgdos do governo, deixando-as mais desimpedidas a fim de implementar seus fins maiores. E 0 contraponto de tal liberdade seria o estipulado no art. 55. Ele assegura, via poder piblico da Unio ¢ orcamento global, para as instituigdes ptblicas recursos suficientes para a (sua) manutengdo e desenvolvimento. Isto implicard, com certeza, a entronizagio de um ethos gerencial em todos os escalées administrativos da universidade, do qual se pede uma racionalidade no trato dos recursos em relagdo ao qual se pode entrever a dimensio de prestagao de servigos como fonte adicional financeira aquela estatufda no art. 55. A rigor recursos suficientes, no Ambito das politicas governamentais, sempre conviveram com a disponibilidade limitada dos recursos orgamentérios. A nogao de suficiéncia, em geral entendida como bastante satisfatéria, poderd entao sofrer leituras diferenciadas a depender do ponto de vista dos interlo- cutores. A. gestiio democratica, de acordo com o art. 56, € principio vélido para as universidades ¢ instituigdes publicas de ensino superior, repondo o estabelecido na Lei n. 9.192/95. E bastante louvével a reiteracio do princfpio constitucional do art. 206, VI, jd que a sustentagio de uma universidade publica se d4 pelos impostos pagos por toda a sociedade. Nesta medida, enfatiza de novo a presenga dos rgios colegiados onde os docentes ocuparao 70% dos assentos € nesta mesma proporgdo participario da cleiggo de dirigentes superiores da Universidade. Uma pergunta a se fazer € a. seguinte: se as instituigdes privadas esto fora da gestio democratica, como adjetivar a sua gestio? Nao democritica? Participativa? Cogestiondria? Também aqui 0 Decreto n. 2.207/97 impde alguns limites sobretudo para aquelas instituiges universitérias que optem por serem sem fins lucrativos. Enfim, o art. 57 estatui a obrigatoriedade do professor das instituigdes puiblicas lecionar, no mfnimo, 8 horas-aula semanais. 16 Fora do capitulo de ensino superior hé ainda o art. 66, § tinico, que possibilita as universidades com programas de doutorado atribuir a alguém o notério saber inclusive como modo de suprir a exigéncia do mestrado ou do doutorado. Esse dispositivo € emblematico da responsabilidade que pesaré sobre as instituigdes a fim de usar essa franquia s6 em casos em que o titular do not6rio saber corresponde rigorosamente a tal honraria. UMA NOVA REFORMA? Vistos esses pontos cumpre tentar responder pergunta: uma nova reforma? S6 o fato de se propor como uma outra lei nacional da educagao ja representa um indicador importante, sobretudo quando se extinguem as anteriores e se pretende reformar ou revisar partes da Constituigao Federal. Além disso, 0 atual Ministério da Educagéo tem tomado iniciativas em quase todos os campos da educacio escolar, envolvendo, entre outros, curriculos, financiamento, organizagao e material diddtico tradicional e contemporaneo por meio de decretos, de portarias. Além disso, nao se pode ignorar as normatizag6es produzidas pelo Conselho Nacional de Educagio. Pode-se falar ento em uma reforma da educagdo superior? A resposta depende, em primeiro lugar do resultado de uma outra pergunta: houve, na LDB, modificagio do art. 207 sem prévia emenda constitucional? E nao se pode deixar de assinalar 0 impacto sobre a educacao superior publica das pretendidas emendas constitucionais relativas as esferas da administragdo ¢ da previdéncia, No que tange & educaciio superior privada hé que se levar em conta o Decreto n. 2.762/97 que explicita varios dispositivos da LDBEN e até mesmo da Constituigdo Federal. A explicitagao maior € a que estabelece a diferenciagio entre instituigdes lucrativas ¢ as n&o-lucrativas. Para essas Ultimas, o art. 2° do decreto estabelece uma série de quesitos cuja observancia determina o modo legal de nao ser uma sociedade mercantil. Ora, esse conjunto de leis, decretos, portarias e resolugdes sugere que hé uma reforma em curso estruturada em torno de dois grandes eixos: a avaliagdo e a autonomia. A avaliacdo, como vimos, apresenta-se aqui como um ajuizamento do rendimento escolar ao final dos cursos ¢ das instituigdes que, sob varios modos, determinara a sua continuidade ou nao, Ela seré uma espécie de controle de resultados e dela dependeré um complexo processo de reestruturagio dos sistemas de ensino, da comunidade académica e do préprio aparato governamental, pois também poder4 sinalizar maiores ou menores somas de recursos disponiveis segundo o bom ou mau desempenho. 7 A autonomia responde, no capitulo sobre o ensino superior, pelo outro eixo maior da LDB que € o da flexibilidade. Por ser uma d4rea de miiltiplos interesses, af inclufda a reserva de mercado para profissionais graduados, a flexibilidade nfo possui o tom enfético tal qual presente no ensino basico. Mas esse eixo manifesta um tom graduado em relac¢io & autonomia plena usufruida pelas instituigdes que sdo universidades. Quanto mais proxima da figura da universidade, maior a autonomia ¢ flexibilidade, quanto mais distante, menor a flexibilidade. Neste sentido h4 um respeito A autonomia e por isso mesmo a prerrogativa universitéria passa a responder por um conjunto maior de atribuigdes livres de controles especfficos e operacionais dos sistemas de ensino. Dentro desta gradacao, um conjunto de iniciativas podem ser tomadas tendo-se como ponto de partida a revogacdo da Lei n. 5.540/68. Além disso, considerando-se esses eixos e esses espacos acima assinalados, pode-se falar em uma reforma que atenderd pelo nome de autonomia universitéria avaliada e, em certos pontos, regulamentada ou interpretada, ¢ essa dimensio sera como que horizonte de avaliagio das instituigdes nao-universitarias, A responsabilidade € grande, pois, além de cessar, via orgamento global, o fluxo continuo (sic!) de recursos ao sabor de injungdes nem sempre adequadas as diferenciagées institucionais, € preciso saber se esses dispositivos conduzem auma qualidade maior e melhor das instituigdes universitérias. O principio de avaliago, em tese, conduziria a um estado permanente de aperfeigoamento em que a flexibilidade permitiria perfis menos rigidos e mais abertos as peculiares condigdes das instituicgdes. Flexibilidade e avaliagdo desde que montadas sob a égide da colaboracdo institucional entre os sujeitos interessados de tal maneira que 0 didlogo seja prévio a todas as implementagdes estruturantes da autonomia universitaria. Uma reforma produto de “revolugdes passivas” em que 0 novo se introduz pela manutengio do arcaico sempre foi 0 oposto da democracia. Uma reforma democratica € sempre uma tensdo entre as conquistas da cidadania, que injeta uma radicalidade criadora nas instituigdes e nas forcas sociais, ¢ os limites trazidos pela heranga atévica de mazelas socioeconémi- co-politicas ainda hoje presentes. A reforma universitaria trazida por esta LDBEN expressa-se, pois, por conter em si esses limites e essas possibilidades. Cabe & maioria dos educadores, forjados nas lutas que antecederam & construgdo de uma ordem sociojuridica que expressasse um Estado Democratico de Direito, buscar nessas mesmas lutas um caminho que possa, dentro das novas circunstincias, conduzir & maior maturidade da educagao superior, efetivando o que uma educagio publica, republicana, qualificada e partilhada pode oferecer. 18 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BRASIL. Constituigao: 1988: Texto Constitucional de 5/10/1988 com as alteragdes adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 1/92 a 15/96 e Emendas Constitucionais de revisao n. 1 a 6/94, Brasflia: Senado Federal, Subsecretaria de Edigdes Técnicas, 1996. . Lei de Diretrizes e Bases da Educagio Nacional. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. DOU, 23/12/96.

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